Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
139/22.1T8TBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
Data do Acordão: 11/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 377.º E 378.º. AMBOS DO CPC
Sumário: Provando-se que os possuidores ficaram privados da posse sobre um prédio por os requeridos terem trocado as fechaduras e colocado um cadeado nos portões de acesso a esse prédio é de ordenar a restituição provisória da posse.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

1 – Relatório.

1.1.- AA e BB propuseram a presente providência cautelar de restituição provisória da posse, nos termos dos artigos 377.º e 378.º do Código de Processo Civil, contra CC e DD, requerendo que seja ordenada a restituição provisória da posse do prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casas de arrecadação, piscina e logradouro, com superfície coberta de 114,61 m2, superfície descoberta de 2326,56 m2, e área total de 2441,17 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...61 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...72, da freguesia ..., concelho ....

Concluem pelo decretamento da providência requerida, sem audição prévia dos requeridos e com inversão do contencioso.

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Por despacho datado de 24.08.2022 (ref.ª Citius n.º 89089291), foi admitida liminarmente a providência requerida e designada data para inquirição das testemunhas arroladas pelas requerentes.

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Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelas requerentes, com observância do devido formalismo legal.

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            Fixou-se o valor da causa em € 20.533,45 (vinte mil quinhentos e trinta e três euros e quarenta e cinco cêntimos) o valor da presente causa por corresponder ao valor patrimonial actual do prédio objecto da providência (artigos 296.º, 299.º e 304.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Civil).

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Saneou-se o processo onde se refere ser o Tribunal o competente internacionalmente, em razão da matéria, do valor e da hierarquia, ser o processo o próprio, serem as requerentes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, serem legítimas e encontrarem-se devidamente patrocinadas.

Inexistindo, questões prévias, excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.

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Foi definido  objecto do litigo e, bem assim, a questão jurídica a resolver, reconduzindo-se estas em saber se estão ou não verificados os pressupostos para determinar provisória, instrumentalmente e a favor das requerentes, a restituição provisória da posse do prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casas de arrecadação, piscina e logradouro, com superfície coberta de 114,61 m2, superfície descoberta de 2326,56 m2, e área total de 2441,17 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...61 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...72, da freguesia ..., concelho ....

                                                           ***

1.2. – Foi proferida sentença onde se decidiu:

a) Julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente providência cautelar de restituição provisória da posse com a inversão do contencioso;

b) Não convolar o presente procedimento cautelar especificado para o procedimento cautelar comum nos termos do artigo 379.º do Código de Processo Civil.

Custas a cargo das Requerentes (artigo 539.º n.º 1, do Código de Processo Civil).

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Notifique as Requerentes e registe (artigo 153.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

                                                           ***

1.3.- Inconformado com tal sentença dela recorreu - AA e BB -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1. Os Requerente vêm interpor o presente recurso por se entender que deveria

ter sido proferido o deferimento do Procedimento Cautelar nos termos do artº 377.º e Sgs do CPC, “Restituição Provisória de Posse”.

2. Entendem as requerentes que tendo sido dado como provada a existência

de posse, a existência de esbulho e ainda que os requeridos trocaram as fechaduras e colocaram um cadeado nos portões, removeram as estacas de madeira e rede que seriam de vedação entre o prédio das requerentes e requeridos, limparam o prédio e pintaram as edificações existentes no prédios das requerentes, ( ponto 5.1.4 dos factos provados)tais actos seriam suficientes para só por si dar como provado o requisito de violência do esbulho.

3-Sendo certo, que na decisão proferida o Tribunal à quo veio dar como provados factos claros de que existiu esse esbulho violento, que resultaram da prova realizada em Audiência de Julgamento, para além de prova documental que já se encontrava junta aos autos, mas ainda assim, entendeu na decisão não decretar a restituição provisória da posse, o que inquina a decisão por nulidade.

4- A nossa Doutrina como a Jurisprudência vêm entendendo que o esbulho

violento, tanto pode ser praticado sobre as pessoas diretamente, como por atos praticados que indiretamente também afetam as pessoas, coagindo-as ou tão-só levando-as a suportar uma situação contra a sua vontade, o que se encontra claramente prefigurado nos presentes autos.

5- São flagrantes factos alegados e provados que prefiguram atos de esbulho

violento o que se verificou pelas ações perpetradas pelos requeridos foi um ato de esbulho violento contrariamente ao que entende o Tribunal a quo.

6- Nesse sentido, vem também sendo firmado pela nossa Jurisprudência, desde

há vários anos, que existirá esbulho violento quando se verifica, “a colocação dum grande bloco de pedra na servidão de passagem e, a seguir, a dum portão de ferro numa das suas extremidades (ac. do TRE de 12.3.98, Almeida Simões, CJ 1998, II, p. 269) ou apenas a colocação dum portão (ac. do TRC de 4.4.06 Regina Rosa, www.dgsi.pt proc. 552/06), a de pilares de madeira unidos por cadeado por forma a impedir a passagem que outra pessoa vinha fazendo há mais de 30 anos pelo local (ac. do TRC de 28.11.98 CJ Quintela Proença 1998, V, p. 30) ou de pesados troncos de

árvores e um portão fechado no leito dum camino de acesso (ac. do TRP de 20.6.02, Saleiro Abreu, www.dgsi.ptpoc. 0230802).”

7-Ao lado da coação moral há a coação física, e em domínio que não é o do

negócio jurídico, esta pode consistir num obstáculo material que impossibilite

a posse, independentemente de qualquer ameaça ou outro comportamento

suscetivel de afetar a segurança do possuidor (neste sentido ac. do TRE de

25.11.93, Manuel Pereira, BMJ 431, p. 584).

8- Em Ac TRG Prcº 69/11.2TBGMR-BG1, datado de 03-11-2011, disponível online em dgsi.,

“ “...”

I- A violência no esbulho pode ser exercida tanto sobre as pessoas como

sobre as coisas.

II- Na acção cautelar de restituição provisória de posse, quando a actuação

do esbulhador sobre a coisa esbulhada é de molde a, na realidade, tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de meios que impedem a utilização pelo possuidor da coisa esbulhada, estaremos perante um caso de esbulho violento;

III- A violência no esbulho pode traduzir-se numa acção física exercida

sobre as coisas como meio de coagir o esbulhado a suportar uma situação

contra a sua vontade.”

9- Ora, a ação perpetrada pelos Requeridos no presente caso concreto, é uma

imagem clara e integral que ilustra as posições doutrinais dominantes que se

vêm de enunciar, bem como da linha jurisprudencial que vem sendo seguida

no tratamento destas situações.

10- Os Requeridos impediram o acesso das requerentes ao prédio possuído

pelas requerentes, com actos materiais sobre as coisas, mas que afetaram e afetam diretamente o direito e vontade dos requerentes em utilizar o respetivo prédio.

11- Isto é, levando os Requerentes a ter de suportar a não utilização do prédio

por estas possuído, contra a vontade destas.

12- Pelo que, se encontravam e encontram verificados todos os elementos para

a determinação da restituição provisória da posse nos termos do artigo 377º

do CPC por parte do Tribunal a quo.

13-Por consequência, deveria tribunal a quo nos termos do artigo 378.º do CPC

ter ordenado a restituição da posse.

14- Neste sentido Ac. STJ, datado de 19-10-2016, Proc.487/14.4T2STC.E2.S1,disponível em dgsi:

“II - O procedimento cautelar nominado de restituição provisória de posse visa conferir tutela provisória ao possuidor que, por seu intermédio, alcança a  reconstituição da situação possessória anterior ao esbulho violento (arts. 1279.º do CC e 377.º do CPC).

III - O decretamento da providência cautelar depende, como é pacífico, da

verificação cumulativa de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.

IV - A respeito do requisito da “violência”, a jurisprudência firmada no STJ

oscilou ao longo dos anos entre a tese do acórdão recorrido – que considerou violência relevante aquela que é exercida contra a pessoa do possuidor – e a tese do acórdão-fundamento – que considerou bastante para integrar o requisito em causa a violência exercida sobre a coisa.

V - O conceito de violência encontra-se plasmado no art. 1261.º, n.º 1, do CC, que define como violenta a posse adquirida através de co acção física ou de co acção moral nos termos do art. 255.º do mesmo Código.

VI - A violência aqui retratada não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da posse como até então a exercia – pelo que se sufraga a

acepção mais lata de esbulho violento.

VII - A interpretação mais restritiva seria redutora e deixaria sem tutela cautelar o possuidor privado da sua posse por outrem que, na sua ausência e sem o seu consentimento, actuou por forma a criar obstáculo ou obstáculos que o constrangem, nomeadamente, impedindo-lhe o acesso à coisa.

VIII - Não pode deixar de se considerar esbulho violento a vedação com estacas de madeira e rede com uma altura de 1,50m executada pelos requeridos como um obstáculo que constrange, de forma reiterada, a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam, merecendo, por conseguinte, tutela possessória cautelar no âmbito do procedimento de restituição provisória de posse.”

15- Basta que a ação física exercida sobre as coisas seja um meio de coagir uma pessoa a suportar uma situação, contra a sua vontade (ac. do TRP de 17.2.92,

Simões Freire, BMJ, 414, p. 632).

16-Ora, a ação perpetrada pelos Requeridos no presente caso concreto, é uma

imagem clara e integral que ilustra as posições doutrinais dominantes bem como da linha jurisprudencial que vem sendo seguida no tratamento destas situações.

17 - Os Requeridos ”. Os requeridos trocaram as fechaduras e colocaram um

cadeado nos portões, removeram vedações em estacas de madeira e rede, limparam o prédio, pintaram as edificações nele existentes” o que consubstancia um

18-Pelo que, se encontravam e encontram verificados todos os elementos para

a determinação da posse provisória por parte do Tribunal a quo que assim não

entendeu, tendo violado os artigos 377.º e 378.º do Código do Processo Civil e

1279º do Código Civil

Nestes termos e nos melhores de direito deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal quo, substituindo-a por outra que nos termos e para os efeito do artigo 377.º CPC determine a restituição provisória da posse por esbulho com violência, assim se fazendo justiça.

                                                           ***

1.4. – Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“ Requerimento de (ref.ª Citius n.º 7566592): As Requerentes vêm interpor recurso da decisão final proferida no âmbito dos presentes autos e, bem assim, arguir a nulidade da decisão.

Quanto à nulidade, consideram as recorrentes que “Sendo certo, que na decisão proferida o Tribunal à quo veio dar como provados factos claros de que existiu esse esbulho violento, que resultaram da prova realizada em Audiência de Julgamento, para além de prova documental que já se encontrava junta aos autos, mas ainda assim, entendeu na decisão não decretar a restituição provisória da posse, o que inquina a decisão por nulidade.”

*

Determina o artigo 641.º, n.º 1 do Código de Processo Civil “Findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar.” (sublinhado nosso).

1.

Nulidade da decisão final.

Prescreve o artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que “É nula a sentença quando:

“a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

Ao contrário do que as Requerentes sustentam, os factos considerados indiciariamente provados não se encontram em contradição com a decisão proferida.

O facto de o tribunal ter dado como provado que “5.1.4 Os Requeridos trocaram as fechaduras e colocaram um cadeado nos portões, removeram vedações em estacas de madeira e rede, limparam o prédio e pintaram as edificações nele existentes.” não impede, como não impediu, o não decretamento da providência.

E assim se decidiu, uma vez que também se deu como provado que “5.1.2 O prédio referido em 5.1.1 confronta de poente com estrada e com um prédio urbano composto de casa de habitação com 3.º andar e logradouro, com 143 m2 de implantação e 100 m2 de superfície descoberta, com área total de 243m2, a confrontar a norte com caminho e a sul e a poente com herdeiros de EE, inscrito na matriz sob o artigo ...73 da freguesia ..., concelho ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...00, inscrito a favor dos Requeridos por Ap. ...62 de 11.11.2021.” e que “5.1.3 O prédio urbano sito em ..., com a área total de 2.759 m2, área coberta de 143m2 e área descoberta de 2.616 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...73 da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...84, é resultado da anexação do prédio referido em 5.1.2 com o prédio sito em ..., freguesia ..., concelho ..., área total e área descoberta de 2.516 m2, composto de parcela de terreno destinada a ampliar o logradouro do prédio n.º ...00, a confrontar a norte com CC e DD e estrada, a sul e poente com herdeiros de EE e a nascente com herdeiros de ..., omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...83.”

Destarte, o prédio em relação ao qual as Requerentes pretendiam ver restituída provisoriamente a posse é, aparentemente, uma mesma realidade material que se encontra registada a favor dos Requeridos.

Assim, e apesar de indiciariamente provada a alteração do cadeado do portão que dá acesso a essa mesma realidade material por parte dos Requeridos, que se consubstancia num obstáculo físico de acesso à coisa, não foi possível ao tribunal apurar, ainda que indiciariamente, que esse seu comportamento não se deveu ao simples facto de o prédio em apreço, se encontrar, aparentemente, registado simultaneamente em nome das Requerentes e dos Requeridos, agindo estes nessa sua condição de proprietários, e não com o fito de intimidar a liberdade de determinação das Requerentes, fito esse que não foi alegado pelas Requerentes em sede de requerimento inicial, não tendo sido, igualmente, alvo de actividade probatória.

Daí que o tribunal tenha concluído que o esbulho não tenha natureza violenta, na acepção jurisprudencial citada na decisão final, sem que daí, e em confronto com os factos provados, advenha qualquer contradição.

Não se verifica, assim, a nulidade assacada pelo Réu à sentença, por não se verificar a hipótese elencada no artigo 615.º, n.º 1, b), do Código de Processo Civil.

Notifique.

*

2.

Admissão do recurso.

Por ser legalmente admissível (artigo 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), ter sido interposto tempestivamente (artigo 638.º, n.ºs 1 e 7 do Código de Processo Civil) e terem as recorrentes legitimidade (artigo 631.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), admite-se, ao abrigo do artigo 641.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o recurso interposto pelas recorrentes, o qual é de apelação (artigo 644.º, n.º 1 a) do Código de Processo Civil), a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (artigos 645.º, n.º 1 d) e 647.º, n.º 3 d) do Código de Processo Civil).

Subam os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra.

Notifique.

                                                           ***

1.5. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                                                           ***

                                               2. Fundamentação

Seguimos a numeração feita na sentença recorrida.

5.1. Factos provados.

Da prova produzida, resultam provados sumariamente os seguintes factos:

 5.1.1.O prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casas de arrecadação, piscina e logradouro, com superfície coberta de 114,61 m2, superfície descoberta de 2326,56 m2, e área total de 2441,17 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...61 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...72, da freguesia ..., concelho ... encontra-se registado a favor das Requerentes mediante a Ap. ...60 de 02.02.2018, constando como sujeito passivo FF.

5.1.2 O prédio referido em 5.1.1 confronta de poente com estrada e com um prédio urbano composto de casa de habitação com 3.º andar e logradouro, com 143 m2 de implantação e 100 m2 de superfície descoberta, com área total de 243m2, a confrontar a norte com caminho e a sul e a poente com herdeiros de EE, inscrito na matriz sob o artigo ...73 da freguesia ..., concelho ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...00, inscrito a favor dos Requeridos por Ap. ...62 de 11.11.2021.

5.1.3 O prédio urbano sito em ..., com a área total de 2.759 m2, área coberta de 143m2 e área descoberta de 2.616 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...73 da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...84, é resultado da anexação do prédio referido em 5.1.2 com o prédio sito em ..., freguesia ..., concelho ..., área total e área descoberta de 2.516 m2, composto de parcela de terreno destinada a ampliar o logradouro do prédio n.º ...00, a confrontar a norte com CC e DD e estrada, a sul e poente com herdeiros de EE e a nascente com herdeiros de ..., omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...83.

5.1.4 Os Requeridos trocaram as fechaduras e colocaram um cadeado nos portões, removeram vedações em estacas de madeira e rede, limparam o prédio e pintaram as edificações nele existentes.

5.1.5 Em Junho de 2022, a Requerente AA deslocou-se ao prédio referido em 5.1.1 para avaliar da necessidade de limpeza do mesmo e verificou o descrito em 5.1.4.

5.1.6 Do documento particular autenticado de 16.01.2022, com o título “Contrato de Compra e Venda”, no qual foram intervenientes, como Primeiro Interveniente, GG, e como Segundo Interveniente, CC, por si, e na qualidade de procurador de DD, consta:

“1.ª

A primeira interveniente é dona de um prédio rústico situado em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... com o artigo ...56º, composto por terra de cultura com oliveiras, videiras e pinhal com a área de 3950 m2, a confrontar de Norte com HH, Sul com ... e outros, nascente com ... e Poente com II, registado na Conservatória do Registo Predial freguesia ... sob o nº...59 a favor da primeira interveniente e do seu marido á falecido JJ pela apresentação ...08 de 2016/04/21 com o valor patrimonial de 17.46€.

2.ª

Pelo preço de trinta mil euros, pago através de dois cheques um no valor de 3000,00 (três mil euros) com o nº...34 do banco BPI e outro no valor de 27.000,00€ com o nº...30 do banco BPI, a primeira vende ao segundo interveniente e seu representado uma parcela de terreno com a área de 2516m2 (dois mil quinhentos e dezasseis metros quadrados), a confrontar de norte com os ora compradores e estrada, sul e poente com herdeiros de EE e de nascente com ... herdeiros, a destacar do prédio melhor identificado na clausula primeira, a qual se destina a ampliar o logradouro do prédio urbano pertencente aos mesmos segundos outorgantes e situado na freguesia ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...73, descrito na conservatória registo predial ... freguesia ... sob o nº...00 e aí registado a favor dos segundos outorgantes pela apresentação ...62 de 2021/11/11.

(…)

4.ª

Apos a anexação da referida parcela o prédio urbano do segundo outorgante passa a ter a seguinte descrição: Prédio urbano composto por casa de habitação com três andares, com a superfície coberta de 143m2 (cento e quarenta e três metros quadrados) e logradouro de 2616m2 (dois mil seiscentos e dezasseis metros quadrados) a confrontar de norte com caminho, sul e poente com herdeiros de EE e nascente com HH.

5.ª

O segundo interveniente e o seu representado aceita o presente contrato e que o prédio que ora lhe pertence apos a anexação da parcela objeto de venda possa a ter a descrição constante na clausula precedente.”

5.1.7 Em data não concretamente apurada, mas entre 1994 e 1995, FF construiu um muro de vedação do prédio identificado em 5.1.1, que continha duas aberturas para acessos e respectivos portões.

5.1.8 A partir do momento temporal referido em 5.1.7, e em datas não concretamente apuradas, FF construiu no referido prédio em 5.1.1, uma piscina, uma churrasqueira, arrumações e arrumos para animais, um casibo/abrigo em ferro para as Requerentes brincarem, limpou e emparedou um poço, limpou o terreno, construiu muros, cultivou o terreno, plantou árvores e arbustos e preparou um jardim, construiu escadas e aterrou um tanque.

5.1.9 Após a conclusão das intervenções referidas em 5.1.7 e 5.1.8 passou a utilizar o prédio referido em 5.1.1 em seu benefício pessoal e da sua família, que o utilizavam em conjunto.

5.1.10 As Requerentes sempre utilizaram o prédio referido em 5.1.1 por si e juntamente com os seus amigos.

5.1.11 Em data não concretamente apurada, mas não antes do ano de 2016, FF mandou vedar o prédio e colocou fechaduras nos portões que lhe dão acesso, tendo deixado no interior das construções máquinas, o abrigo em ferro no exterior e outros equipamentos necessários à manutenção do espaço.

5.1.12 Após o decesso de FF, as Requerentes passaram a utilizar e a manter o prédio identificado em 5.1.1, com auxílio da sua mãe, que periodicamente enchia a piscina para a mesma não estalar, mandava cortar a erva e limpava-o.

5.1.13 Em face do referido em 5.1.4, as Requerentes receiam que os Requeridos outras construções ou alterações contra a sua vontade.

*

5.2 Factos não provados.

5.2.1 No ano de 2016, FF decidiu legalizar a situação do prédio referido em 4.1.1, participando-o como omisso na matriz.

*

Não existem quaisquer outros factos que devam ser considerados com relevância para a presente causa, por serem irrelevantes, conclusivos ou por se tratarem de considerações de direito.

                                                                       ****

                                                                3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que as questões a decidir são:

A)-  Saber se a sentença recorrida é nula por violação da al.ª c), do n.º 1, do art.º 615.º do C.P.C.

B)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, que decrete a restituição provisória de posse com inversão do contencioso.         

Tendo presente que são duas as questões a decidir, por uma questão de método, cabe apreciar cada uma de per si.

A)-  Saber se a sentença recorrida é nula por violação da al.ª c), do n.º 1, do art.º 615.º do C.P.C.

Segundo os recorrentes a sentença recorrida é nula, desde logo, por ter dado  como provados factos claros de que existiu esse esbulho violento, que resultaram da prova realizada em Audiência de Julgamento, para além de prova documental que já se encontrava junta aos autos, mas ainda assim, entendeu na decisão não decretar a restituição provisória da posse.

Nos termos do art.º 617.º, n.º 1, do C.P.C., o Tribunal “a quo” tomou posição quanto à mesma, referindo, não se verificar tal nulidade.

Apreciando.

Preceitua o n.º 1, alínea c), do art.º 615, do C.P.C. “1– é nula a sentença quando” – c) «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
A obscuridade verifica-se «quando a sentença ou parte dela, é ininteligível» e a ambiguidade, quando «a sentença ou parte dela se apresenta total ou parcialmente, com um sentido duplo» (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, anotado, II, pg. 672).
A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo» (cfr. Acórdão do S,T,J, de 28.03.2000 in (Sumários, 59.º).
A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença, como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão.
Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.
A oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (cfr. A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artº 615, ainda nas palavras do citado autor, ainda que aludindo ao ar.º 668,do C.P.C.
revogado, cujo significado é o mesmo do actual art.º 615, sublinhado é nosso, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».
Temos para nós, que não se verifica a nulidade invocada, desde logo, por a sentença recorrida enunciar os factos provados, aplicar as normas jurídicas que julga adequadas á situação fáctica, decidindo em conformidade, independentemente de se saber se a decisão está correcta ou não e fá-lo de forma coerente, pelo que, não se vislumbra contradição entre a fundamentação e a decisão.
Ou seja, a sentença recorrida enuncia claramente os «fundamentos de facto» provados que servem de suporte à aplicação do direito, enuncia também os «fundamentos de direito» que justificam a decisão que acaba por ser proferida, não se verificando, quanto a nós, qualquer obscuridade ou ambiguidade que torne a decisão ininteligível.
Pode não se concordar quer com os factos provados quer com a subsunção jurídica (que nos parecer ser exactamente a posição dos Recorrentes) mas isso nunca significa que a sentença esteja ferida de nulidade, por haver ambiguidade o por ser ininteligível, ou contradição.
Operando á leitura da sentença, não vemos onde haja contradição entre os factos provados e não provados, pois a sentença recorrida tira a ilação jurídica, que entende correta, dos factos provados. Que não o é, no entender dos recorrentes, mas isso não acarreta qualquer nulidade da sentença

Assim, face ao exposto, nesta vertente não assiste razão aos recorrentes.

Aqui chegados passemos ao ponto seguinte.

                                               *

B)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, que decrete a restituição provisória de posse com inversão do contencioso.   Segundo os recorrentes o Tribunal “a quo” errou de direito ao não decretar a providência requerida, na medida em que, segundo o seu ponto de vista, os factos provados, integram o esbulho violento, desde logo, por se ter provado que os requeridos trocaram as fechaduras e colocaram um cadeado nos portões, removeram as estacas de madeira e rede que seriam de vedação entre o prédio das requerentes e requeridos, limparam o prédio e pintaram as edificações existentes no prédios das requerentes, pelo que, os Requeridos impediram o acesso das requerentes ao prédio possuído por eles, com actos materiais sobre as coisas, mas que afetaram e afetam diretamente o direito e vontade dos requerentes em utilizar o respetivo prédio, levando os Requerentes a ter de suportar a não utilização do prédio por estas possuído, contra a sua vontade, pelo que, referem que, se encontravam e encontram verificados todos os elementos para a determinação da restituição provisória da posse nos termos do artigo 377º.

 Mais afirmam que a nossa Doutrina e Jurisprudência vêm entendendo que o esbulho violento, tanto pode ser praticado sobre as pessoas diretamente, como por atos praticados que indiretamente também afetam as pessoas, coagindo-as ou tão-só levando-as a suportar uma situação contra a sua vontade, o que se encontra claramente prefigurado nos presentes autos.

Para sustentar este seu ponto de vista, citam vária jurisprudência, designadamente (ac.s do TRE de 12.3.98, Almeida Simões, CJ 1998, II, p. 269; ac. do TRC de 4.4.06 Regina Rosa, www.dgsi.pt proc. 552/06); ac. do TRC de 28.11.98 CJ Quintela Proença 1998, V, p. 30); ac. do TRP de 20.6.02, Saleiro Abreu, www.dgsi.ptpoc. 0230802; ac. do TRE de 25.11.93, Manuel Pereira, BMJ 431, p. 584 e Ac TRG Prcº 69/11.2TBGMR-BG1, datado de 03-11-2011, disponível online em dgsi.

            Por sua vez, refere a sentença recorrida, no segmento que se transcreve:

O esbulho traduz-se na privação de alguém reter ou fruir o objecto por si possuído ou da possibilidade de o continuar a fazer, id est, na privação, total ou parcial, da posse.

Destarte, estaremos perante esbulho quando o possuidor ficar privado de exercer os poderes de facto correspondentes ao direito em que a posse se traduz, ou na possibilidade de o continuar a fazer. Não se trata de uma mera turbação da posse, mas sim da sua privação, ainda que parcial.

*

Da matéria indiciariamente provada, consta que os Requeridos terão alterado o cadeado do portão de acesso ao prédio das Requerentes, impedindo-as, de forma total, de continuar a exercer os poderes de facto que vinham exercendo, tanto que a Requerente AA ali se deslocou não tendo logrado introduzir-se no prédio em causa.

Assim, encontra-se verificado o esbulho.

*

6.2.3 Do exercício de violência aquando do esbulho.

A violência prevista na lei é prevista pelo artigo 1261.º, n.º 2 do Código Civil, nos termos do qual a posse considera-se violenta quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou de coacção moral, nos termos do artigo 255.º do mesmo diploma legal.

A coacção física, à luz do artigo 246.º do Código Civil, é aquela que implica o uso de força física, coartando a liberdade do possuidor. A coacção moral, à luz do artigo 255.º do Código Civil, consubstancia uma ameaça provocadora de molde a toldar ou coartar a liberdade do possuidor, com receio de que algum mal venha a ocorrer.

Relativamente à querela de aquilatar se a violência aqui em causa, terá que ser exercida sobre pessoas ou se, pelo contrário, também pode ser exercida sobre as coisas, acolhe-se o entendimento jurisprudencial de que a violência pode ser exercida tanto sobre pessoas como sobre coisas, desde que, quanto a esta última, “tiver por fim intimidar o possuidor, limitando a sua liberdade de determinação.” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26.02.2008, relatado por Guerra Banha, processo n.º 0820252, disponível, em www.dgsi.pt).

Essa violência pode traduzir-se em obstáculos físicos de acesso à coisa, desde que tenham como fito intimidar a liberdade de determinação dos possuidores, ou seja, “que os contornos desse acto sobre as coisas e os meios usados traduzam um cariz intimidatório, de ameaça latente, que pode vir a repercutir-se sobre o esbulhado, impedindo-o de aceder ou utilizar a coisa possuída” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19.06.2014, relatado por Francisco Xavier, processo n.º 268/14.5TBSLV.E1, disponível em www.dgsi.pt).

*

Consta da matéria indiciariamente considerada provada que os Requeridos alteraram o cadeado do portão que dá acesso ao prédio possuído pelas Requerentes, contudo, não foi alegado nem provado que tal alteração teve como fito intimidar as Requerentes, pelo que, necessariamente, não se pode traduzir tal esbulho, num esbulho violento.

Por outras palavras, apesar do comportamento dos Requeridos se traduzir em obstáculos físicos de acesso à coisa, a verdade é que tal comportamento, traduzindo-se em violência sobre as coisas, não se traduz num esbulho violento, uma vez que não se encontra indiciado que com tal comportamento os Requeridos tenham pretendido limitar a liberdade de determinação das Requerentes.

Tanto assim é, que estando em causa a aquisição por parte dos Requeridos, de uma parcela de terreno que, indiciariamente, se poderá traduzir no prédio em causa, propriedade das Requerentes, os mesmos poderão ter alterado o cadeado, por entenderem estar a vedar um prédio que é seu.

Assim sendo, e em face da factualidade indiciária, não é possível concluir que os actos praticados pelos Requeridos visaram coagir as Requerentes, possuidoras, a permitir o desapossamento.

Pelo exposto, não se encontra preenchido o requisito do esbulho violento.

Considerando o que acaba de se referir, não se encontram verificados todos os requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida”.

            Vejamos.

De acordo com o disposto no art.º 377º do Código de Processo Civil, no âmbito dos procedimentos cautelares especificados, “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.

Já segundo o previsto no art.º 378º, “se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordenará a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador”.

No art.º 1276º do Código Civil dispõe-se que, se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.

Nos termos do art.º 1279º do mesmo código, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador. A dimensão processual deste preceito, encontra-se nos art.ºs 377.º e 378.º, do C.P.C., citados.

Sabemos todos que a restituição provisória da posse, com características antecipatórias, apreciada e decidida de forma acelerada e sem prévia audição do requerido, está reservada para situações em que a ilicitude da conduta é mais grave.

Tal providência visa conferir tutela provisória ao possuidor o qual, por esta via, obtém a reconstituição da situação possessória anterior ao esbulho violento.

Porém, o procedimento cautelar de restituição provisória da posse não se aplica a todas as situações de esbulho, mas tão só àquelas em que o esbulho seja qualificado como violento.

Aparentemente, isto significará que a posse do esbulhador terá de ser violenta, na aceção do artigo 1261.º, n.º 2 do Código Civil, segundo o qual a posse é violenta quando, para obtê-la, o possuidor usou de coação física ou de coação moral nos termos do artigo 255.º.

A coação física e a coação moral encontram-se expressamente previstas na parte geral do Código Civil, no âmbito da declaração negocial, nos artigos 246.º e 255.º, respetivamente. No entanto, a ausência, no artigo 1261.º, de remissão expressa para o artigo 246.º (ao contrário do que sucede com o artigo 255.º), sempre suscitou dúvidas à doutrina sobre o concreto significado da expressão “coação física” no contexto da caracterização da posse como pacífica ou violenta e, em especial, na determinação do âmbito de aplicação do procedimento cautelar (nominado) de restituição provisória da posse.

Temos para nós, pacífico o entendimento, como aliás, decorre do art.º 377.º, do C.P.C., segundo o qual são três os pressupostos de aplicação daquele procedimento: i) a posse, ii) o esbulho e iii) a violência. O primeiro é pressuposto de toda a tutela possessória. O segundo, por sua vez, é pressuposto comum de todos os procedimentos (designadamente, ação declarativa ou procedimento cautelar) destinados à restituição da posse. Já o terceiro é específico do procedimento de restituição provisória da posse, que se caracteriza pela exclusão do contraditório prévio, sem necessidade da observância dos pressupostos do artigo 366.º, n.º 1, do CPC.

A coação moral, entendida como ameaça de um mal contra a pessoa do possuidor esbulhado ou contra o seu património ou a pessoa ou património de um terceiro, implicará sempre o preenchimento do pressuposto da violência. Do mesmo modo, a coação física, utilizada como instrumento para a concretização do esbulho, preencherá igualmente aquele pressuposto. No entanto, como as normas que regulam as duas figuras na parte geral o fazem no contexto da declaração negocial, será sempre necessário proceder à sua adaptação ao contexto da posse, o que nem sempre se afigura fácil. Haverá violência se o possuidor for coagido, pela força física ou pela ameaça de um mal, a entregar a coisa ao esbulhador (ou, pelo menos, a permitir que o esbulhador dela se apodere).

 Mas será possível falar em coação quando o possuidor não tem qualquer intervenção ou conhecimento do esbulho senão depois de o mesmo ter ocorrido?

No texto do artigo 1279.º, a “violência” adjetiva o esbulho e não a posse que dele resulta, pelo que, para alguns autores, o esbulho violento não pressuporia necessariamente a posse violenta (cfr. por todos, Durval Ferreira, Posse e Usucapião, 4.ª Edição, Vida Económica, Porto, pp. 387-388 e bibliografia aí citada. O Autor acrescenta ainda: “[p]ode, pois, conceber-se, a priori, uma posse “pacífica” (à luz da definição do artigo 1261.º), em que, todavia, o desapossamento do possuidor primitivo se leve a cabo com atos violentos.” (p. 392)..

Na interpretação mais ampla, a violência, para efeitos de acesso à tutela possessória cautelar nominada, ocorreria sempre que o possuidor esbulhado fosse privado, contra a sua vontade, do exercício de poderes empíricos sobre a coisa esbulhada (cfr. as referências ao Acórdão do STJ de 19/10/2016 e Durval Ferreira, Posse… cit., p. 396.). Uma outra interpretação equipara a violência ao uso da força física por parte do esbulhador, mesmo que dirigida apenas contra coisas. Este entendimento parece autonomizar o conceito de violência do artigo 1279.º do artigo 1261.º, 2 (prescindindo-se assim da coação) (cfr. José Alberto Gonzalez, Código Civil Anotado, Vol. IV, Quid Juris, 2011, em anotação ao artigo 1261.º, p. 28: “Pode inferir-se […] que a locução «coação física» não está usada no seu sentido técnico, mas antes, mais amplamente, no sentido de força física. O que permitiria qualificar como violenta, por exemplo, a posse adquirida sobre uma casa de morada mediante o arrombamento da respetiva porta de entrada”. Assim, se através do uso da força contra coisas, mesmo na ausência do possuidor esbulhado, este ficar impedido de exercer posteriormente a sua posse, o esbulho seria violento. Nesta perspetiva, seria violento, por exemplo, o furto de um automóvel estacionado na via pública, antecedido da quebra de um vidro para permitir ao autor do furto a entrada no seu interior, mesmo que o possuidor esbulhado se encontrasse temporariamente no estrangeiro no momento do esbulho.

Por vezes, numa variação desta interpretação e de modo a compatibilizá-la com a letra do artigo 1261.º, considera-se haver coação, tal como na interpretação anterior, pelo facto de o possuidor esbulhado ficar impedido de exercer a sua posse como até aí vinha fazendo, contra a sua vontade.

Uma terceira interpretação (cfr. Orlando de Carvalho, “Introdução à Posse”, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122.º, p. 292-293; José Alberto Gonzalez, Código Civil… cit., p. 28; Armando Triunfante, Lições de Direitos Reais, Almedina, 2019, pp. 113-114), mais restritiva, considera que a violência pressupõe necessariamente a existência de coação e que esta terá sempre de materializar-se numa ameaça atual dirigida a um sujeito – o possuidor – (ainda que essa ameaça seja a de um mal contra o património ou contra outro sujeito) ou no uso da força física sobre esse sujeito, referidos, de todo o modo, ao momento do esbulho.

Sendo a violência um pressuposto do acesso ao procedimento cautelar de restituição provisória da posse, a interpretação que se faça do respetivo significado alargará ou restringirá significativamente o número de casos enquadráveis na facti species dos artigos 1279.º do Código Civil e 377.º do Código de Processo Civil.

Do referido supra, resulta que o esbulho corresponde a um acto, pelo qual alguém priva outrem da posse de uma coisa determinada.

Há esbulho, para efeito de aplicação do citado artigo 377º, sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar a reter ou a fruir. (cf. Moitinho de Almeida, Restituição da Posse e Ocupações de Imóveis, 2ª ed., pág.100 e Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, volume II, págs.70 e 71).

Podemos afirmar que no esbulho, o terceiro não permite que o possuidor actue sobre a coisa que até então possuía, dela ficando o último desapossado e impedido de exercer toda e qualquer fruição.

Assim, podemos dizer que o entendimento, do que é ou não é esbulho é praticamente pacifico, pelas razões supra, referidas.

No tocante à violência, a questão não é tão pacifica.

            Esta questão tem sido muito discutida ao longo dos tempos na doutrina e jurisprudência, sendo hoje, quase pacífico, que a violência relevante para efeitos do esbulho tanto pode incidir contra a pessoa do possuidor como contra a coisa esbulhada.

Neste último caso exige-se que a coisa esteja, de algum modo, ligada à pessoa do esbulhado ou quando dela resulte uma situação de constrangimento físico ou moral (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol. Almedina, pag. 43 a 45, com todas as citações doutrinárias e jurisprudenciais).

No que toca à mesma, valem desde logo os ensinamentos de Alberto dos Reis, (Código de Processo Civil anotado, volume I, pág. 670), quando defende que a mesma “tanto pode exercer-se sobre as pessoas, como sobre as coisas; é esbulho violento o que se consegue mediante o uso da força contra a pessoa do possuidor; mas é igualmente violento o que se leva a cabo por meio de arrombamento ou escalamento, embora não haja luta alguma entre o esbulhador e o possuidor”.

Mais ainda quando afirma que “a violência pode ser física ou moral; é esbulho violento o que resulta do emprego de força física ou de intimidação contra o possuidor; é também violento o esbulho obtido por coacção moral, proveniente da superioridade numérica das pessoas dos esbulhadores, da presença da autoridade, do apoio da força pública”.

A violência sobre a coisa é pois relevante, para efeitos de restituição provisória, nos casos em que a coisa violada pela actuação do esbulhador era em si um obstáculo ao esbulho que teve de ser vencido, quando esteja ligada de algum modo à pessoa do esbulhado ou ainda quando dela resulte uma situação de constrangimento físico ou moral.

            Sobre esta matéria, refere-se no Ac. do S.T.J., de 19/10/2016, proc.º n.º 487/14.4T2STC.E.S1, relatado por Fernanda Isabel Pereira, publicado em www.dgsi.pt, defende a posição mais lata, expressando-se nas conclusões da seguinte forma:

O conceito de violência encontra-se plasmado no art. 1261.º, n.º 1, do CC, que define como violenta a posse adquirida através de coacção física ou de coacção moral nos termos do art. 255.º do mesmo Código.

VI - A violência aqui retratada não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da posse como até então a exercia – pelo que se sufraga a acepção mais lata de esbulho violento.

VII - A interpretação mais restritiva seria redutora e deixaria sem tutela cautelar o possuidor privado da sua posse por outrem que, na sua ausência e sem o seu consentimento, actuou por forma a criar obstáculo ou obstáculos que o constrangem, nomeadamente, impedindo-lhe o acesso à coisa.

VIII - Não pode deixar de se considerar esbulho violento a vedação com estacas de madeira e rede com uma altura de 1,50m executada pelos requeridos como um obstáculo que constrange, de forma reiterada, a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam, merecendo, por conseguinte, tutela possessória cautelar no âmbito do procedimento de restituição provisória de posse”. E este acórdão segue a doutrina dos acórdãos deste Supremo Tribunal datados de 3/5/2000, relatado pelo Conselheiro Lopes Pinto no Agravo 294/00 da 1.ª secção, publicado nos Sumários do STJ., em que se destaca “ A total substituição das fechaduras de instalações onde estavam colocados bens que a requerente possuía constitui esbulho violento por contra a vontade desta, impedir, reiteradamente, a sua entrada nas referidas instalações ainda que tão-somente para retirar aqueles bens”, e no acórdão datado de 27/01/2001 “…que julgou violenta a vedação de prédio com arame e colocação de cadeado num portão”.

No Ac. da Relação de Guimarães de 4/04/2017, relatado pelo Desembargador António Figueiredo, sobre esta matéria escreve-se “que o esbulho será com violência sempre que resulte ele de uma ação violenta - física ou moral - dirigida contra a pessoa do possuidor ou contra a coisa que constitui obstáculo ao esbulho”, em que estava envolvida a mudança de fechaduras, que assentou, essencialmente, no Ac. da Relação de Guimarães de 7/5/2015, relatado pelo Desembargador António Santos, em que a questão decididenda era idêntica (esbulho violento porque houve mudança de fechaduras que impediam o esbulhado de aceder à coisa esbulhada) e estão disponíveis em www.dgsi.pt .

No mesmo sentido cfr. entre outros, Ac.s Acórdão da Relação de Guimarães de 3.11.2011, processo nº 69/11.2TBGMR-B.G1, relatado por António Sobrinho, in www.dgsi.pt., bem como o Acórdão da Rel. do Porto de 9/5/2019, processo nº 612/19.9T8PRDE.P1, relatado por Filipe Caroço, onde se escreve: “o benefício concedido ao possuidor de ser restituído à posse imediatamente, isto é, antes de julgada procedente a acção, tem a sua justificação precisamente na violência cometida pelo esbulhador: é, por assim dizer, o castigo da violência.

É a violência que compensa o facto da falta da característica típica das providências cautelares: o periculum in mora”.

(…)

Ou seja, para integrar o conceito de violência não basta que a actuação do esbulhador seja feita sem o consentimento ou contra a vontade do possuidor ou que este tenha ficado prejudicado com a actuação daquele, é também necessário alegar e provar a existência de coação física ou moral.

Segundo Lebre de Freitas, Código Processo Civil Anotado, 2ª edição, volume 2º, pág. 78, “é, pois, violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador. (…), a coação tem de ser sempre, em última análise exercida sobre uma pessoa, mas a destruição (ou a construção) duma coisa, ou a sua alteração, pode ser o meio de impedir a continuação da posse, coagindo, física ou moralmente, o possuidor a abster-se dos actos de exercício do direito correspondente.

Em suma, na restituição provisória de posse há esbulho se o possuidor fica em condições de não poder exercer a sua posse ou os direitos que anteriormente tinha, e violência se o possuidor é impedido de aceder ao objecto da posse.”, neste sentido vão ainda o Ac.s da Rel. do Porto, 18 de junho de 2020, proc.º n.º 2142/19.0T8VFR.P1, relatado por Carlos Querido e de Guimarães, 17 de outubro de 2019, proc.º n.º 3208/19.1T8GMR-G2, relatado por Paulo Reis.

Dito isto, passemos analisar a questão em apreço.

Da matéria factual provada resulta que as Requerentes sempre utilizaram o prédio referido em 5.1.1 por si e juntamente com os seus amigos (cfr. facto 5.1.10), que os Requeridos trocaram as fechaduras e colocaram um cadeado nos portões, removeram vedações em estacas de madeira e rede, limparam o prédio e pintaram as edificações nele existentes (cfr. facto 5.1.4), mais se provou que a partir do momento temporal referido em 5.1.7, e em datas não concretamente apuradas, FF construiu no referido prédio em 5.1.1, uma piscina, uma churrasqueira, arrumações e arrumos para animais, um casibo/abrigo em ferro para as Requerentes brincarem, limpou e emparedou um poço, limpou o terreno, construiu muros, cultivou o terreno, plantou árvores e arbustos e preparou um jardim, construiu escadas e aterrou um tanque (cfr. facto 5.1.8), que após a conclusão das intervenções referidas em 5.1.7 e 5.1.8 passou a utilizar o prédio referido em 5.1.1 em seu benefício pessoal e da sua família, que o utilizavam em conjunto (cfr. facto 5.1.9.) e que em face do referido em 5.1.4, as Requerentes receiam que os Requeridos outras construções ou alterações contra a sua vontade (cfr. facto 51.13.).

Tendo por base tais factos, temos para nós ter havido violência, desde logo, por defendermos a tese ampla, por permitir que o esbulhado possa reagir contra o esbulhador, através da providência cautelar, restituição provisória de posse, desde que, alegue e prove ter ficado privado de exercer a posse, como até aí fazia.

 Ora, tendo sido colocados cadeados no portão, os requerentes ficaram privados de exercer a sua posse, como até então faziam.

Face ao exposto encontram-se verificados os pressupostos do art.º 377.º, do C.P.C., e nesta medida assiste razão aos recorrentes.

                                               *

Aqui chegados cabe verificar se estão observados os pressupostos da inversão do contencioso.

Os requerentes, aqui recorrentes, além de pedirem o decretamento da providência requerida, sem audição prévia dos requeridos, pedem também a inversão do contencioso.

Como se sabe o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio (cf. o art.º 369º, n.º 1, sob a epígrafe “inversão do contencioso”).

O regime de inversão do contencioso é aplicável, com as devidas adaptações, à restituição provisória da posse, à suspensão de deliberações sociais, aos alimentos provisórios, ao embargo de obra nova, bem como às demais providências previstas em legislação avulsa cuja natureza permita realizar a composição definitiva do litígio (art.º 376º, n.º 4, sob a epígrafe “aplicação subsidiária - das normas do ´procedimento cautelar comum` - aos procedimentos cautelares”).

 A possibilidade de inversão do contencioso leva a que o procedimento cautelar deixe de ser necessariamente instrumental e provisório, porquanto permite que se forme convicção sobre a existência do direito apta a resolver de modo definitivo o litígio, verificados os pressupostos legalmente previstos.

Entende-se, pois, que nos casos em que no procedimento cautelar é produzida prova suficiente para que se forme convicção segura sobre a existência do direito acautelado - (prova stricto sensu do direito que se pretende tutelar) - e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio, não haverá razões para que não se resolva a causa de modo definitivo (evitando-se a “duplicação da prova”), ficando o requerente dispensado do ónus de propor a acção principal; aquela prova stricto sensu do fundamento dessa providência determina, necessariamente, uma inversão do contencioso. O requerido poderá obstar à consolidação daquela tutela como tutela definitiva através de uma acção de impugnação (cf. os art.ºs 369º, n.º 1e 371º, n.º 1).

E no tocante às providências especificadas é a própria lei que determina aquelas onde pode ser requerida a inversão do contencioso (art.º 376º, n.º 4), sendo de concluir que a inversão se revela possível e ajustada quando a providência cautelar requerida - de carácter nominado ou inominado - não tiver um sentido manifestamente conservatório (cfr. ntre outros, Carlos Lopes do Rego, Os princípios orientadores da Reforma do Processo Civil, in “Julgar”, n.º 16, págs. 109 e seguintes; Miguel Teixeira de Sousa, blogue do IPPC/Providências cautelares; garantia autónoma; medida da prova; inversão do contencioso necessária - comentário ao acórdão da RL de 08.9.2015, proc.º n.º 74/14.7T8LSB.L1-7, relatado por Roque Nogueira (publicado no “site” da dgsi) e Ac. da RP de 19.5.2014, proc.º n.º 2727/13.8TBPVZ.P1, relatado por Manuel Domingos Fernandes, com o seguinte sumário: «I - A inversão do contencioso prevista no art.º 369º, n.º 1 do CPC só é admissível se a tutela cautelar puder substituir a definitiva e, tendo em conta o elenco previsto no art.º 376º, n.º 4 do mesmo diploma legal, apenas se a providência cautelar requerida de carácter nominado ou inominado - não tiver um sentido manifestamente conservatório. II - A inversão não é, deste modo, aplicável às restantes providências especificadas previstas no CPC, nomeadamente, ao Arresto, ao Arrolamento e ao Arbitramento de Reparação Provisória.», publicado no “site” da dgsi).

            No caso em apreço estamos perante uma providência cautelar de restituição provisória, pelo que, nesta medida nada impede que o mesmo seja decretado.

             Assim, a questão, agora, passa por saber se a matéria adquirida no procedimento permite formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado.

            No caso estamos perante uma situação de saber se os requeridos violaram a posse dos requerentes, o que vimos in supra que sim.

            Ainda, assim, vejamos os factos provados, com interesse para a questão da inversão do contencioso.

Dos mesmos resulta:

            O prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casas de arrecadação, piscina e logradouro, com superfície coberta de 114,61 m2, superfície descoberta de 2326,56 m2, e área total de 2441,17 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...61 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...72, da freguesia ..., concelho ... encontra-se registado a favor das Requerentes mediante a Ap. ...60 de 02.02.2018, constando como sujeito passivo FF, o mesmo  confronta de poente com estrada e com um prédio urbano composto de casa de habitação com 3.º andar e logradouro, com 143 m2 de implantação e 100 m2 de superfície descoberta, com área total de 243m2, a confrontar a norte com caminho e a sul e a poente com herdeiros de EE, inscrito na matriz sob o artigo ...73 da freguesia ..., concelho ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...00, inscrito a favor dos Requeridos por Ap. ...62 de 11.11.2021 (cfr. factos 5.11. e 5.1.2.)

O prédio urbano sito em ..., com a área total de 2.759 m2, área coberta de 143m2 e área descoberta de 2.616 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...73 da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...84, é resultado da anexação do prédio referido em 5.1.2 com o prédio sito em ..., freguesia ..., concelho ..., área total e área descoberta de 2.516 m2, composto de parcela de terreno destinada a ampliar o logradouro do prédio n.º ...00, a confrontar a norte com CC e DD e estrada, a sul e poente com herdeiros de EE e a nascente com herdeiros de ..., omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...83 (cfr. facto 5.1.3.).

Mais resulta que as requerentes sempre utilizaram o prédio referido em 5.1.1 por si e juntamente com os seus amigos, que em face do referido em 5.1.4, as Requerentes receiam que os Requeridos outras construções ou alterações contra a sua vontade (cfr. factos 5.1.10. ae5.1.13.).

Tendo por base tais factos, ficou demonstrado que os requerentes tinham a posse dos imóvel.

Face ao exposto, temos para nós, que também a pretensão da inversão do contencioso procede, pelo que, se impõe dispensar os requerentes, aqui recorrentes, de intentar a correspondente acção principal, invertendo o contencioso (art.ºs 369º, n.º 1 e 371º, n.º 1).

                                                           ***

                                                       4. Decisão

Decide-se, por acórdão, julgar o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e por consequência decretar a providência cautelar de restituição provisória de posse, com inversão do contencioso.

Custas pelos requerentes (art.º 539.º, n.º 1, do C.P.C.)

Coimbra, 22/11/2022

Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Henrique Antunes (adjunto)