Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
74/14.7T8LSB.L1-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
GARANTIA AUTÓNOMA
PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A autonomia da garantia, designadamente, da garantia automática ou à primeira solicitação, face ao contrato base, não é absoluta, já que, em caso de fraude manifesta ou abuso evidente por parte do beneficiário, o garante pode e deve mesmo recusar-se a pagar a garantia, porquanto, acima da regra acordada pelas partes, estão os princípios da boa fé e da proibição do abuso do direito.
II – Assim, pretendendo o devedor lançar mão de medidas cautelares destinadas a impedir o beneficiário de receber a garantia, o êxito final dessas medidas, que constituem, inquestionavelmente, um excepcional meio de defesa, dependerá da prova inequívoca do comportamento manifestamente fraudulento ou abusivo do beneficiário.
III - O que vale por dizer que, no âmbito da garantia autónoma, sempre que a providência cautelar seja requerida como forma de obstar a um aproveitamento abusivo da posição do beneficiário, deve ser exigida prova pronta e líquida, sendo, pois, insuficiente a consideração do simples fumus bonus iuris, típico das providências cautelares, sob pena de violação da essência da garantia autónoma à primeira solicitação.
IV – A fraude manifesta e o abuso evidente implicam a prova pronta e líquida, sendo que, a prova é pronta (preconstituída) quando não se mostra necessário requerer a produção de provas suplementares e é líquida (inequívoca) quando permite a percepção imediata e segura da fraude ou do abuso, tornando-os óbvios.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



1 – Relatório:


Na 1ª Secção Cível da Instância Central da Comarca de Lisboa, A., ACE, S., S.A. e M., S.A., requereram providência cautelar não especificada contra P., S.A. e BANCO C., S.A., alegando que celebraram com a 1ª requerida um contrato de construção (empreitada) e que a 2ª requerida, a pedido das requerentes, prestou à 1ª requerida uma garantia bancária no valor máximo de € 5.171.728,86, destinada a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações assumidas pelas requerentes no referido contrato de empreitada.

Mais alegam que, subsequentemente, invocando a ocorrência de defeitos na obra, a 1ª requerida notificou a requerente ACE da sua intenção de acionar a aludida garantia bancária, invocação essa que, no entender das requerentes, é falsa, e accionamento esse que, a concretizar-se, acarretará prejuízos sérios e dificilmente reparáveis.

Concluem, pedindo que se decrete a abstenção de a 1ª requerida executar aquela garantia bancária e de a 2ª requerida pagar a mesma garantia à 1ª requerida, se esta lho solicitar.

Dispensado o contraditório e feita a produção de prova, foram dados como provados os seguintes factos:

A) O req.te é um agrupamento complementar de empresas, constituído pelas sociedades S., S.A., M., S.A. e pela sociedade de direito espanhol S., S.A.U., nas percentagens respectivamente de 70%, 20% e 10% (cf. doc. junto sob o n.º 5 e aqui se dá por integralmente reproduzido).
B) Em 23 de Agosto de 2007, o req.te, através das sociedades suas constituintes, que assumiram a obrigação de ceder aquela sua posição contratual ao ora req.te (cf. doc. que se junta sob o n.º 6 e aqui se dá por integralmente reproduzido) logo autorizada pela 1.ª req.da, celebrou com esta última o contrato de construção junto como doc. n.º 2.
C) O objecto do contrato de construção consistiu na construção de um estabelecimento de piscicultura (cultura de rodovalhos) na Praia de Mira.
D) O referido estabelecimento de piscicultura caracteriza-se por ocupar uma área aproximada de 57 hectares, estar dividido em dois módulos de produção autónomos, com sistemas hidráulicos independentes para captação de água (captação 1/Fase 1 e captação 2/Fase 2).
E) Cada captação é constituída por um poço de captação que faz a ligação entre a unidade de engorda localizada em terra e um túnel em betão com uma extensão de aproximadamente 1500 metros, com um diâmetro interior de 3 metros, dividido em tubos de 4 m, que foi colocado no subsolo e na direcção do mar pelo processo de cravação denominado “pipe-jacking”.
F) Aquele túnel em betão está, no caso da captação 1, que é a que importa para a presente providência, ligado a uma caixa também em betão, chamada caixa pantalon, e que está afundada a uma profundidade da ordem dos 20 metros e a cerca de 900 metros da costa.
G) Daquela caixa pantalon e na direcção contrária à da costa saem dois tubos ou condutas em polietileno de alta densidade (“PEAD”), compostos por três tramos de 433 metros cada, e dois na extremidade mais afastada, cada um com 2 tubagens verticais (raisers de captação), todos ligados entre si, com uma extensão total da ordem dos 1350 metros, com um diâmetro exterior de 2 metros, paralelos, colocados em vala e que têm na respectiva extremidade um conjunto de 4 chaminés, chamadas “raisers”, cada uma com 4 metros de altura e 1,40 de diâmetro, que captam a água do mar a cerca de 2 metros acima do fundo e que, por sistema de vasos comunicantes, chega aos poços de captação, onde depois é bombeada para a unidade de engorda.
H) O projecto de construção foi da exclusiva e inteira responsabilidade da req.da que o encomendou à sociedade de direito espanhol I., S.A., que, também, desempenhou as funções de fiscal da obra, em nome da req.da, e que acompanhou todo o processo de construção e instalação dos tubos de PEAD da captação 1.
I) Os trabalhos relativos à construção da captação 1, incluindo a colocação dos tubos de PEAD, ficaram concluídos em 26 de Junho de 2009.
J) No entanto, porque a 1.ª req.da quis reforçar a estanquicidade da junta entre os dois tubos do túnel de betão que ligava a caixa pantalon ao poço de captação, a obra só foi recebida provisoriamente em 19.04.2010 (cf. doc. junto sob o n.º 7 que se dá por integralmente reproduzido).
K) Na acta de recepção provisória, datada de 7 de Julho de 2010, mas retrotraída a 19 de Abril de 2010, foi declarado pela 1ª req.da e pela fiscal da obra, também autora do projecto de execução, a sociedade I., S.A., que os «trabalhos se encontram em condições de ser recebidos pelo dono da obra, para todos os efeitos expressos no contrato iniciando-se, assim, o prazo de garantia da empreitada».
L) De acordo com a cláusula 15 do Contrato “(…) se neste momento o consultor técnico ou a fiscalização detectarem deficiências ou imperfeições na obra, assim farão constar na Acta , estabelecendo-se o prazo que as partes considerem justo para sanar os mesmos .(…)”.
M) A 1.ª req.da já havia iniciado a exploração da Fase 1 da instalação – e, portanto, da Captação 1 – em Maio de 2009.
N) No passado dia 1 de Setembro de 2014, o req.te recebeu uma carta da req.da, datada de 29 de Agosto, que tem como assunto: “Execução de garantia bancária. Garantia bancária nº 125-02-1235192/1235209-Banco C., S.A.. Contrato de construção de 23 de Agosto de 2007 – Cláusula 17 –“Cfr- Doc. junto sob o nº3.
O) Naquela carta, a 1ª req.da, invocando a cláusula 17 do Contrato, comunica que vai «proceder à solicitação ao Banco C., S.A. do pagamento à nossa sociedade do montante total da garantia de € 5 171 728,86 (cinco milhões cento e setenta e um mil setecentos e vinte e oito euros e oitenta e seis cêntimos), o qual é indispensável, na sua integralidade, para a concretização da reparação e eliminação dos defeitos existentes no emissário de captação 1».
P) Na cláusula 17 do Contrato de Construção previu-se que o req.te entregasse à 1.ª req.da uma garantia bancária de valor igual a 5% do preço total do contrato para garantir:

-as reparações por vício de obra, defeitos de material ou mão de obra, ou avarias imputáveis ao empreiteiro por defeitos das obras e instalações;
-os danos nas obras e instalações que sejam imputáveis ao empreiteiro com ou sem recurso de um terceiro;
-as penalizações acordadas no presente contrato;
-as indemnizações por danos e prejuízos por incumprimentos contratuais;
-quaisquer responsabilidades, indemnizações, multas ou sanções por qualquer tipo que resultem da actuação do empreiteiro e/ou das pessoa pelas quais se deva responsabilizar legal ou contratualmente, e que sejam consequência do contrato ou de quaisquer acções ou obrigações derivadas do mesmo, entre outras e sem pretensão exaustiva, as relativas à segurança e saúde no trabalho, ambiente e urbanismo, servidões e serviços de terceiros, navegação, as tubagens de polietileno, legislação marítima e quaisquer derivadas ou relacionadas com as obras. Consideram-se incluídas, para o efeito, as quantias reclamadas ao dono da obra judicial ou extrajudicialmente, ou por procedimento administrativo, se os factos forem imputáveis ao empreiteiro e/ou pelas pessoas pelas quais deva responsabilizar legal ou contratualmente …;
-os gastos e honorários do advogado procurador, peritos e quaisquer outros profissionais cuja intervenção seja necessária ou conveniente para a defesa do dono da obra, perante reclamações judicias ou extrajudiciais, ou procedimentos administrativos instaurados contra o mesmo, se os factos forem imputados ao empreiteiro e/ou às pessoas pelas quais se deva responsabilizar legal ou contratualmente ….

Q) No cumprimento daquela obrigação, o req.te entregou à 1ª req.da , a garantia bancária nº 125-02-1235192/1235209, emitida pela 2ª req.da em 11 de Setembro de 2007 e válida até 16 de Outubro de 2019, bem como o respectivo aditamento de 20 de Abril de 2011 (cf. doc. n.º 1).
R) Na carta de 29 de Agosto de 2014, a que se alude em N), a 1ª req.da diz que vai executar a referida garantia bancária, porque teria constatado, em Março de 2014, numa inspecção aos emissários da captação 1 um deficiente recobrimento com areia de parte dos respectivos tubos de “PEAD” norte e sul, mais concretamente:

« – O tubo norte encontra-se tapado com recobrimento superior a 1,5 m na generalidade do perfil, mas o PK0+700 e o PK1+000 há zonas em que o recobrimento se reduz a valores da ordem de 0,5m;
- o tubo sul encontra-se tapado com recobrimento da ordem de 1,5m até ao PK0+600, apresentando a partir do PK0+700 até ao fim (PK+350) zonas com recobrimento inferior a 0,5 m e mesmo zonas em que o tubo se encontra visível, sem qualquer recobrimento».

S) Segundo a 1ª req.da, esse recobrimento com areia seria deficiente porque, (alegadamente), aqueles emissários teriam sido instalados pela req.te a uma cota superior àquela que constava do projecto de construção, facto que impediria a sua cobertura de forma natural e que não estaria a permitir que esse recobrimento atingisse os 2 metros.
T) Ainda na mesma inspecção, ter-se-ia detectado que as estruturas metálicas que unem as duas partes dos lastros estariam, por falta de recobrimento com areia, “inteiramente expostas à corrosão” o que constituiria um factor de agravamento da instabilidade dos tubos de PEAD da captação 1.
U) Aquelas duas situações (insuficiência do recobrimento com areia e corrosão das estruturas metálicas que unem as duas partes dos lastros) teriam induzido na 1ª req.da o receio de que os tubos de PEAD da captação 1 pudessem vir a soltar-se, o que prejudicaria a normal captação de água do mar para a unidade de engorda da Fase 1 do contrato de construção.
V) O comunicado fundar-se-ia numa Nota Técnica, datada de 9 de Maio de 2014, elaborada pela sociedade C. a pedido da 1ª req.da (Nota Técnica NT 50-2, Adenda 2, que constitui o Anexo II à carta da 1.ª req.da de 29 de Agosto de 2014, junta como doc. n.º 3), que espelha apenas os resultados dos levantamentos batimétricos dos tubos de PEAD da captação 1, feita em Março de 2014, pela empresa Lagoa do Ruivo.
X) Em nenhum ponto daquela Nota Técnica se diz que a situação detectada relativamente aos posicionamentos dos tubos naquela data tenha tido como origem um defeito na execução da obra, ou que o req.te os tivesse então (Agosto de 2008) colocado na posição onde os mesmos foram encontrados em Março de 2014.
Z) A req.te, já muito antes da realização dos levantamentos batimétricos de Março de 2014 referidos pela C. na sua Nota Técnica de 9 de Maio (finais de 2013/princípios de 2014), levantamentos utilizados pela 1.ª req.da para justificar a execução da garantia bancária, havia chamado a atenção da 1.ª req.da para a necessidade de esta vigiar/monitorizar o estado do recobrimento dos tubos de PEAD da captação 1, dado o rigor desse Inverno com tempestades marítimas violentíssimas no local.
AA) Quando foi conhecido o resultado dos levantamentos batimétricos realizados em Março de 2014 e a 1.ª req.da estava a ver qual o tipo de intervenção adequada a recolocar/proteger os tubos de PEAD da captação 2 que, entretanto, se haviam solto, sugeriu a própria 1.ª req.da em 5 de Março de 2014 a formação de um grupo de trabalho com o req.te, com vista a encontrar a melhor solução, em termos construtivos, para as variações que se estavam a verificar no recobrimento dos tubos de PEAD de ambas as captações.
BB) A 1.ª req.da ainda chegou a fazer, em 18 de março de 2014, uma primeira reunião, que se viria a revelar a única, com o req.te, para conjuntamente com um terceiro consultor, que, afinal, não esteve presente, encontrarem a melhor solução para a estabilização dos tubos de PEAD de ambas as captações.
CC) Porém, o req.te, cerca de dois meses volvidos, recebeu da 1.ª req.da uma carta datada de 14 de maio que, com base na Nota Técnica da C. de 9 de Maio acima referida, dizia que os emissários não estavam instalados em conformidade com o projecto da I., S.A., pois tais emissários encontravam-se numa cota superior, que impediria a cobertura natural dos mesmos e que as telas finais entregues não reflectiriam a realidade do que foi executado (cf. Anexo I do doc. ora junto sob o n.º 3).
DD) Nessa carta a 1.ª req.da comunicava a sua preocupação relativamente à estabilidade dos tubos de PEAD da captação 1, e o receio que sucedesse o mesmo que havia acontecido aos da captação 2 que se haviam solto, facto para o qual o req.te já a havia alertado no início de 2014.
EE) A 1.ª req.da terminava aquela carta a pedir ao req.te que lhe transmitisse «o teor das medidas que pretend(ia) adoptar para o reforço do emissário da captação n.º 1», (cf. Anexo I do doc junto sob o n.º 3).
FF) Porém, a 1.ª req.da já havia contratado, na altura, a sociedade de direito Espanhol P, Consultores S.A., para lhe desenhar uma nova solução para a estabilização, quer dos tubos de PEAD da captação 1 quer da captação 2.
GG) À carta da 1.ª req.da de 14 de Maio, a req.te reagiu de imediato através da sua carta datada de 21 de Maio de 2014, na qual recusava veementemente que a situação verificada em Março de 2014, relativamente ao recobrimento dos tubos da captação 1, pudesse ter por causa um defeito de construção a ela imputável (cf. Anexo III ao doc. ora junto sob o n.º 3)
HH) A partir de então nada mais de relevante aconteceu até quase três meses depois, quando o req.te recebeu a carta da 1.ª req.da de 12 de Agosto de 2014, que constitui o Anexo IV do doc. junto sob o n.º 3.

II) Naquela carta, que tem por assunto “Projecto P, Consultores SA – “Reforço da Captação de água do mar da fase I da Instalação de Engorda de Pregado em Praia de Mira (Coimbra)”, a 1.ª req.da enviou ao req.te o referido projecto (cf. doc. junto sob o n.º 8 e aqui se dá por integralmente reproduzido), perguntava se o req.te se disponibilizava a concretizá-lo e mostrou-se disposta a fazer uma reunião técnica para análise do mesmo.
JJ) No dia 14 de Agosto realizou-se a reunião técnica entre a 1.ª req.da, a P e o req.te, então representado pelo Eng.º PF, onde foi analisado o projecto de reforço da captação 1.

LL) Nessa reunião e da análise do projecto P foi possível confirmar que a intervenção de reforço pretendida pela 1.ª req.da não era a reposição de um recobrimento de 2 metros de areia em toda a extensão dos tubos de PEAD, mas uma solução técnica muito diferente e que sumariamente se pode descrever como:
a) Desenterrar os tubos de PEAD em toda a extensão, de modo a colocá-los a descoberto;
b) Colocação de colchões “matresses” de betão por cima dos tubos de PEAD acompanhando a superfície curva dos tubos, de modo a eles ficarem encaixados;
c) A fixação dos tubos aos colchões “matresses” com anéis/braçadeiras em inox e a fixação por meio de peças inox (agarras) das duas metades dos anéis prefabricados que fiquem a descoberto após o desenterramento dos tubos de PEAD referidos na al a) supra; e
d) O aterro da vala sobre os colchões “matresses” e sobre os anéis de pre-fabricados.

MM) A estabilização dos tubos de PEAD passaria a fazer-se através de lastros em betão, assentes no fundo do mar, cobertos com areia, em vez do seu mero recobrimento com areia, diminuindo-se deste modo, significativamente, as consequências da composição e da dinâmica dos fundos marinhos envolvidos e da agitação marítima no local.
NN) Na reunião técnica, e seguidamente através da carta de resposta de 21 de Agosto, que constitui o Anexo V à carta da 1.ª req.da de 29 de Maio de 2014, junta como doc. n.º 3, o req.te, mantendo que a responsabilidade da obra de reforço dos tubos da captação 1 não era sua, comunicou à 1.ª req.da que a realização da obra, para a qual estava disponível, desde que suportada pela 1.ª req.da, não se podia efectuar na calendarização apontada, porque já se estava no final de Agosto, e a sua complexidade implicava a mobilização de equipamentos e diligências técnicas e administrativas junto das entidades competentes, que só permitiriam o início da mesma em meados ou finais de Outubro.
OO) Na calendarização pretendida pela 1.ª req.da, a obra deveria arrancar em 1 de Agosto de 2014, data que já estava inclusivamente ultrapassada, quando o req.te recebeu a carta a comunicar o projecto da P.
PP) Os prazos previstos pela P para a execução dos trabalhos propostos, apesar de a própria P na memória Descritiva do seu Projecto já manifestar dúvidas quanto à possibilidade de os executar antes do início do Inverno, também estavam desajustados à realidade e circunstâncias específicas do local a intervencionar.
QQ) Face à impossibilidade de cumprir com o planeamento apresentado, por o mesmo se revelar inexequível, o req.te comunicou à 1.ª req.da que naquelas condições, ainda que a coberto de uma nova empreitada, não realizaria o projecto da P.
RR) A reacção da 1.ª req.da limitou-se ao envio da carta a que se alude em N).
SS) O req.te ACE foi constituído para que as sociedades que são seus membros melhorassem as condições de exercício e de resultado das suas actividades económicas, através da realização em conjunto dos trabalhos, serviços e fornecimentos necessários à execução do contrato de construção celebrado com a 1.ª req.da.
TT) Na actual conjuntura económica e financeira que se vive em Portugal, e em particular das suas empresas, o impacto da execução e o subsequente reembolso do banco emitente da garantia bancária associará ao req,te e às suas agrupadas um grau de risco de incumprimento e um decréscimo de confiança do sistema financeiro e de promotores e donos e obra, que são indutores de dificuldades na obtenção de crédito e de garantias, e na contratação de novas obras públicas ou privadas.
UU) Na sequência do referido accionamento, o req.te, face ao montante que estará em causa, não terá meios para efectuar o reembolso à 2.ª req.da, o que terá uma repercussão negativa no mercado que se estenderá também às suas agrupadas.
VV) A mobilização a curto prazo de importância tão elevada pelas agrupadas do req.te em curto espaço de tempo para reembolsar a 2.ª req.da muito dificilmente poderia ser feito com recursos próprios, obrigando aquelas a recorrer ao crédito bancário, o que pelas razões acima referidas estaria bastante dificultado e muito agravado em termos de onerosidade, com impactos negativos incalculáveis nas actividades de cada uma delas e na respectiva imagem no mercado da construção.

Face à matéria de facto dada como provada, foi proferida sentença, julgando a providência cautelar procedente e, em consequência, decidindo intimar:

«a) A Primeira Requerida a abster-se de acionar a garantia bancária nº125-02-1235192/1235209, emitida pela 2ª requerida em 11 de Setembro de 2007 e válida até 16 de Outubro de 2019, bem como o respectivo aditamento de 20 de Abril de 2011.
b) A Segunda Requerida a não pagar qualquer quantia à Segunda Requerida ao abrigo da garantia bancária dos presentes autos».

Notificadas as requeridas daquela sentença, a 1ª requerida – A., S.A. – deduziu oposição, alegando que os vícios ou defeitos que a obra apresenta são da responsabilidade exclusiva das empreiteiras, que se recusaram a eliminá-los, como era sua obrigação, pelo que se justifica plenamente o acionamento da garantia.

Conclui, pedindo que seja levantada a providência decretada.

Produzida a prova apresentada pela opoente, ficaram de antemão assentes por acordo, em audiência, os factos enunciados supra a negrito e, ainda, os seguintes:

- O contrato referido em B) foi objecto de cinco “ aditamentos”, celebrados, respectivamente, em 30 de Setembro de 2008, junto por cópia à oposição como doc. n.º 1; em 30 de Novembro de 2008, junto por cópia à oposição como doc. n.º 2; em 22 de Abril de 2009 (este denominado “Declaração de princípios e metodologia no que respeita à resolução de diferendos entre A., ACE e A., S.A.”) junto por cópia à oposição como doc. n.º 3; em 27 de Outubro de 2010, junto por cópia à oposição como doc. n.º 4; e, por fim, em 19 de Abril de 2012, aditamento este de que já se encontra junta cópia nos autos como doc. n.º 4 à PI”);
- A Requerida enviou ao requerente, que a recebeu, a carta de 28 de Maio de 2014, junta como doc. n.º 13 à oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- O Requerente A., ACE enviou à requerida, que a recebeu, uma carta de 23 de Junho de 2014, junta como doc. n.º 14 à oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- A Requerida enviou ao Requerente, que a recebeu, a carta de 25 de Junho de 2014, junta como doc. n.º 15 à oposição e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- O Requerente enviou à Requerida, que a recebeu, a carta de 27 de Junho de 2014, junta como doc. n.º 16 à oposição e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- A Requerida enviou ao Requerente , que a recebeu, a carta de 3 de Julho de 2014, junta à oposição como doc. n.º 17 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- O Requerente enviou à Requerida, que a recebeu, a carta de 7 de Julho de 2014, junta como doc. n.º 18 à oposição e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- A Requerida enviou ao Requerente, que a recebeu, a carta de 29 de Julho de 2014, junta como doc. n.º 19 à oposição e cujo teor se dá por reproduzido.

Com base nos documentos juntos com a oposição e nos depoimentos das testemunhas inquiridas na competente audiência (das quais se destacam pela importância do seu depoimento : Dr. PP, director financeiro da requerida que contou o acidente ocorrido na captação 2 e evidenciou os prejuízos que a paragem da exploração em causa são susceptíveis de determinar, Engenheiro AS autor do relatório da C. que evidenciou o risco de rotura iminente dos tubos da captação 1, a sua convicção de que o projecto de execução não foi executado como deveria ter sido , i.e. um dos tubos não foi enterrado à cota que o projecto previa , rejeitando que tivesse sido a erosão marítima responsável pelo seu desenterramento pois que se assim fosse o outro tubo estaria igualmente desenterrado e que se os tubos estivessem à profundidade exigida não tinham hipótese de se desenterrar. Explicou igualmente que entre o momento em que a vala destinada à colocação dos tubos foi aberta e o momento em que estes foram enterrados ocorrem oscilações ou movimentações de areia que podem levar a que não se respeite com rigor a cota projectada.

De igual sorte atentou no depoimento do Engenheiro LS da C. que reiterou as afirmações do antecedente, até de forma mais clara, referindo que o projecto em causa ao prever o enterro dos tubos a 2 metros acautelaria a erosão e que explicou que só com a batimetria de 2013 é que se viu que o tubo em causa estava desenterrado e que descreveu consistentemente em que consistia a solução técnica para “ remediar “ o ocorrido.

O Eng,. HL que é o responsável pela manutenção da empresa desde 1.10.2008 explicou que quando viram o relatório da batimetria que evidenciava a exposição do tubo sul pretenderam que a requerente providenciasse pela sua reparação pois que se em virtude da exposição do tubo este se arrancar gera-se o caos e a morte dos peixes nos 2 tanques que ascendem actualmente às 2100 toneladas. Explicou igualmente qual a solução tendente a resolver a exposição do tubo referindo ser inviável qualquer outra que implique a paragem da “ produção” e que não têm recursos financeiros para a fazer.

JP que é o Director Geral da Requerida reiterou igualmente os depoimentos antecedentes e narrou cronologicamente os factos e acentuando os prejuízos que podem decorrer com a rotura do tubo, em virtude de estar desenterrado, e os derivados da solução de proceder à correcção do enterramento e explicando circunstanciadamente os motivos que levam a requerida a entender que só pode ser solucionada a questão com a execução de uma “ malha “ em cimento) provaram-se também os seguintes factos alegados naquele articulado:

1- Nos dias 11 e 12 de Abril de 2009 ocorreu na unidade de aquicultura um incidente consistente numa entrada massiva de areias e lodos através do emissário de captação n.º 1, incidente gravíssimo para a exploração da unidade de aquicultura, que causou elevados prejuízos à Autora e que se deveu ao colapso da junta entre os tubos 1 e 2 da tubagem de betão do emissário de captação n.º 1;
2- Este incidente está a ser objecto do processo n.º 233/12.7TBMIR do então Tribunal Judicial de Mira, no qual, para além das respectivas entidades seguradoras, são Réus o A., ACE e a I., S.A. ( cfr. doc. n.º 5 junto à oposição) ;
3- Tal incidente só veio a ficar reparado em Abril de 2010;
4- A exploração tinha-se iniciado Outubro de 2008 e em termos provisórios e parciais, na sequência de recepção parcial provisória de projecto de antecipação da entrada de alevins, e porque o A., ACE, como Empreiteiro, tinha assegurado a viabilidade dessa exploração provisória e parcial ( cfr. doc. n.º 2 junto com a oposição);
5- Até à recepção provisória da obra não havia sido detectado qualquer problema na colocação dos tubos de PEAD da captação 1;
6- Só com a realização de levantamentos barimétricos efectuados posteriormente se descortinou que trechos de um dos tubos de PEAD da captação 1 estavam a descoberto, i.e. não se encontravam enterrados a 2 metros de profundidade ;
7- De acordo com o projecto de construção, as tubagens do emissário de captação 1 deveriam ser enterradas no mínimo a uma cota de 2 metros abaixo do perfil do fundo marinho por forma a assegurar a respectiva protecção contra a erosão e as acções de correntes e agitação marítima.

8- Em Janeiro de 2014 apareceu um lanço de tubagem de PEAD, aproximadamente com 200 metros, na praia do Palheirão, a 5km a sul das instalações da unidade de aquicultura de Mira, que se depreendeu pertencer ao emissário de captação n.º 2.

9-A Requerida deu conhecimento ao A., ACE do sucedido , por carta de dia 20 desse mesmo mês junta como doc. n.º 8 à oposição e cujo teor se dá por reproduzido;
10-Em face desta situação, a Requerida solicitou à C.-Consultores de Engenharia e Ambiente, SA o apuramento das causas determinativas desta separação e destruição dos tubos de PEAD do emissário de captação n.º 2, a qual apresentou a Nota Técnica denominada “Causas prováveis do acidente ocorrido em Janeiro e Fevereiro de 2014 no EC2 (Sinistro 3)”, junta como doc. 9 à oposição e cujo teor de dá por integralmente reproduzido , da qual consta designadamente o seguinte : “O recobrimento da tubagem (contado a partir da cota geral do fundo do mar/ perfil de equilíbrio) é o elemento primordial para a estabilidade da tubagem no fundo do mar e para a sua protecção da acção directa dos movimentos da água.
Segundo o Projecto de Execução, o recobrimento mínimo da tubagem deveria ser de 2.0 m, para ter em conta e acautelar a erosão devida a tempestades e à recessão da linha de costa (...), que levariam ao abaixamento geral do fundo do mar. Segundo as telas finais da obra, na zona em que os tubos foram arrancados, estes estariam, supostamente, a uma cota ligeiramente inferior à do projecto de execução e portanto, estariam até mais enterrados.
Porém, conforme resulta dos levantamentos batimétricos efectuados e dos traçados em perfil apresentados no desenho "EC2- Perfil longitudinal", o tubo real (traçado indicado a vermelho) está entre 1 a 2 m acima das cotas definidas no Projecto de Execução (as telas finais não representam fielmente o posicionamento da tubagem de PEAD do EC2).
Estando a tubagem claramente acima das cotas do projecto e sem o recobrimento indicado, a pequena erosão verificada acabou por ditar erosões localizadas nas zonas adjacentes que acabaram por levar à exposição geral da tubagem à acção da agitação marítima, que acabou por levar à rotura do trecho. A falta de recobrimento/ colocação a cota demasiado alta do tubo é por isso, considerada a causa provável para o acidente ocorrido.
As obras de protecção que se fizeram a posteriori para proteger a tubagem –da concepção e responsabilidade do empreiteiro – foram incorrectamente concebidas pelo projectista contratado pelo A., ACE, e não protegeram toda a tubagem exposta, designadamente os trechos arrancados, e, para além disso, foram mal executadas”.

11- Porém, para além disto, esta Nota Técnica referiu-se igualmente à situação do emissário de captação n.º 1 (ponto 5.7) nos seguintes termos:

“As estruturas gémeas do EC1 situadas 500 m a norte do EC2 não sofreram danos visíveis. Este aspecto é muito significativo, porquanto as estruturas do EC1 e EC2 são idênticas, o ambiente marítimo é o mesmo e os terrenos de fundação são semelhantes. A diferença mais importante é que os tubos de PEAD do EC1 estão cerca de 1 m mais fundos que os do EC2. Esta camada adicional de 1 m funcionou, portanto como elemento protector da tubagem.
NB: Não obstante o acima referido, é de observar que também no EC1, se constata que os tubos não estão às cotas do Projecto de Execução, em especial no tubo sul. De facto neste tubo há anéis de afundamento claramente visíveis que demonstram que este tubo está em grande extensões de cerca de 1 m acima da cota a que deveria e que o colocam em situação de risco. No caso do tubo norte existe um trecho mais próximo das tomadas (raisers) que se encontra mais fundo do que o indicado no projeto, mas na zona do PK 0+866, os anéis e a parte do superior estão também à vista o que demonstra que o tubo está nessa zona 1 m acima do previsto no Projecto de Execução. Embora os tubos do EC1 estejam mais enterrados que no caso do EC2, a existência de trechos visíveis da tubagem é um situação perigosa, que pode levar à ocorrência de acidentes semelhantes aos acontecidos no EC2, sendo por isso muito importante proceder ao reforço desse emissário quanto antes”.

12- Por carta de 26 de Novembro de 2013, junta à oposição como doc. n.º 10 e se dá por reproduzida, que incidia sobre a captação n.º 2 relativamente à qual se verificou a separação e destruição das tubagens em Janeiro de 2014, o A., ACE declarou que “apesar dos tubos estarem só parcialmente envolvidos em areia, os colchões Reno colocados para reforço da protecção garantem actualmente a estabilidade das tubagens e protegem-nas de acções mecânicas acidentais”.

13- Os contactos havidos com o A., ACE e a sugestão de um Grupo de Trabalho a que se alude em AA) foram motivados pelo incidente de separação e destruição dos tubos de PEAD do emissário de captação n.º 2 ocorrido em Janeiro de 2014 e tiveram como objectivo verificar se o A., ACE assumia as suas responsabilidades pela detecção da falta de enterramento da tubagem de PEAD dos emissários de captação;
14- Em face daquele incidente ocorrido em Janeiro de 2014 na captação n.º 2 e tendo em conta o que se referia na Nota Técnica da C. a Requerida, por sua iniciativa, solicitou à mesma C. a elaboração de estudo específico relativo à situação do emissário de captação n.º 1, estudo esse que corresponde ao Anexo II da carta junta como doc. n.º 3 à PI e que foi remetido ao A., ACE pela carta de 14 de Maio de 2014 que constitui o Anexo I à mesma carta ( cfr. CC).

15- Essa Nota Técnica expressamente concluía o seguinte (ponto n.º 4):- “existem trechos das tubagens de PEAD com recobrimento insuficiente para assegurar as estabilidades da conduta e, até, trechos em que a tubagem está exposta.
As sistemáticas inspecções submarinas têm permitido constatar que os pernos que fixam os anéis de lastragem à tubagem se encontram, corroídos, pelo que não se pode contar com os anéis para assegurar a estabilidade da conduta.
Assim, e embora a evolução batimétrica recente dos últimos 6 meses tenha sido favorável, considera-se que o recobrimento de areia e o grau de lastragem das tubagens são insuficientes para resistir às tempestades marítimas fortes que acometem a zona com frequência, sendo, portanto, recomendado reforçar a posição do emissário tão cedo quanto possível. A análise das batimetrias permitiu ainda revelar que o tubo instalado não está de acordo com o Projecto de Execução e com as Telas Finais e que nas zonas em que os tubos norte e sul estão expostos, os tubos estão acima das cotas indicadas no Projecto de Execução” .

16- Em tal Nota Técnica refere-se igualmente o seguinte : “o tubo instalado não está de acordo com o Projecto de Execução e com as Telas Finais e que nas zonas em que os tubos norte e sul estão expostos, os tubos estão acima das cotas indicadas no Projecto de Execução”; “os tubos estão de um modo geral, acima das cotas definidas no Projecto de Execução entre 1m e 1,5m” ;
17- O que está em causa com a execução do projecto referido em LL) é reforçar a protecção dos tubos de PEAD da captação n.º 1, que se encontram actualmente desprotegidos de modo a que se verifique efectivamente uma resistência mínima idêntica à que resultaria do respectivo enterramento a 2 metros de profundidade tal como definido no projecto de construção.

18- Através da sua execução tem-se em vista prevenir a iminente separação e destruição dos tubos de PEAD e o colapso do emissário de captação nº1;
19- A execução de tal projecto revela-se a única solução técnica que permite que o emissário de captação nº1 continue em utilização e que salvaguarda que a fase I da unidade de aquicultura onde se encontram milhões de peixes em cultivo , cujo valor ronda os 15 milhões de euros , continue a receber água do mar nas devidas condições ;
20- A concretização do referido projecto implica gastos e despesas muito elevadas que a requerida não tem meios de custear.

Nada mais se provou com interesse para a decisão da providência, designadamente a exacta profundidade a que os tubos PEAD da captação 2 foram enterrados aquando da execução da obra ( o depoimento dos referidos engenheiros da C. geraram ao Tribunal a dúvida de que ambos o tenham sido de acordo com as cotas previstas no projecto já que encontrando-se os mesmos actualmente a diferentes profundidades – o tubo sul está , aliás, parcialmente exposto - se tais diferenças decorressem de factores exógenos –v.g.erosões- teriam idênticos posicionamentos).

Face à matéria de facto dada como provada após a oposição, foi proferida sentença, julgando procedente a oposição deduzida pela 1ª requerida e, em consequência, decidindo revogar a providência anteriormente decretada.

Inconformadas, as requerentes interpuseram recurso daquela sentença.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos:

2.1. As recorrentes rematam as suas alegações com as seguintes conclusões:

1.ª Nos termos do art. 647.º, n.º 3, al. d), do NCPC, deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso.
2.ª Prevenindo a hipótese de assim não se entender, o que apenas como tal se refere, sem conceder, desde já se requer, ao abrigo do preceituado no n.º 4 do art. 647.º do NCPC, que seja atribuído efeito suspensivo à presente apelação, uma vez que a execução da decisão, traduzida na execução da garantia bancária sub judice, causará prejuízo considerável às ora reqtes., como se encontra já provado nos autos e decorre das als. TT), UU) e VV) da matéria de facto dada como provada na sentença ora recda., oferecendo as reqtes. Como caução a garantia bancária cuja cópia se encontra junta aos autos com o r.i. como doc. n.º 1, ou, se tal não for aceite pelo Tribunal, caução idónea, nos termos que venham a ser determinados pelo Tribunal.
3.ª Ao decidir a revogação da providência decretada com fundamento em que, afinal, a 1.ª reqda. não agira com fraude, abuso de direito ou por má-fé no acionamento da garantia, a sentença ora recda. está a pressupor que a garantia bancária em apreço nos autos é uma garantia bancária autónoma automática ou on first demand, mas em lado nenhum da sentença recda. – nem tão pouco da sentença de fls. 213 e segs., diga-se – se faz qualquer juízo de qualificação da garantia bancária ora em causa.
4.ª Não obstante, não há qualquer dúvida que no r.i. se sustentou que a garantia junta como doc. n.º 1 com o r.i. não devia ser executada precisamente por não se tratar de garantia bancária autónoma on first demand, antes a sua execução estar dependente da verificação de determinados pressupostos, constantes do texto da própria garantia e da cláusula 17.ª do Contrato de Construção (cf. n.ºs 72 a 104 e 170 a 172 do r.i.), que não se verificavam.
5.ª Deste modo, torna-se manifesto que o Tribunal não se pronunciou sobre questão que lhe fora submetida pelas partes e de que lhe cumpria conhecer (art. 608.º, n.º 2, do NCPC), uma vez que, não só não conheceu da questão do tipo de garantia em causa e da não verificação, no caso em apreço, dos respectivos pressupostos legais e contratuais de execução, como, incorreu numa clamorosa falha lógica ao decidir não se verificarem as “situações que seriam as únicas que permitiriam obstar ao pagamento” de garantias bancárias on first demand sem antes determinar se a garantia sub judice se reconduzia a tal categoria, o que determina a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do preceituado na al. d) do art. 615.º do NCPC.
6.ª A correcta análise do clausulado no Contrato de Construção conjugado com o teor da garantia bancária sub judice revela, sem margem para dúvidas, que estamos perante uma garantia bancária de boa execução, como resulta do facto provado sob a al. P) e do texto da garantia, onde se consigna que a mesma foi emitida «para garantia do cumprimento das obrigações derivadas do Contrato».
7.ª Mas além disso, tanto o texto da cláusula 17 do Contrato de Construção como o texto da garantia sub judice, impõem a conclusão de que as partes quiseram e efectivamente contrataram uma garantia de boa execução não autónoma, isto é, uma garantia que não pode ser executada independentemente do que suceda na relação contratual entre reqte. e 1.ª reqda., pois, como se disse, ela só o pode ser nos termos e condições previstos no contrato:

- a garantia bancária só pode ser executada para um dos fins previstos na cláusula 17, elencados na al. P) dos factos provados, onde se incluem «as reparações por vício de obra, ou avarias imputáveis ao empreiteiro» e os «os danos nas obras e instalações que sejam imputáveis ao empreiteiro», mas nunca a execução de obras novas;
- depois de a 1.ª reqda. obter um relatório justificativo da Fiscalização da obra;
- no texto da garantia não consta que a mesma seja autónoma, antes se diz que ela é prestada no âmbito do contrato de construção, que a 2.ª reqda. declarou conhecer, para garantir o cumprimento das obrigações derivadas do contrato;
- exige-se que na interpelação se refira o valor líquido da dívida e que se explicite a que título se refere a dívida;
- no texto da garantia não se diz que seja prestada à primeira solicitação ou on first demand, como é prática usual;
- a execução da garantia foi prevista pelas partes como último recurso da 1.ª reqda., isto é, esta última só a poderia executar quando todas as outras soluções previstas no contrato (cf. cláusula 17, 3.º parágrafo) estivessem esgotadas.

8.ª O que estes autos mostram é que a 1.ª reqda., que se encontra comprovadamente numa situação de grave dificuldade financeira, não hesitou em tentar lançar mão da execução da garantia ora em apreço, não para os fins para os quais aquela lhe fora prestada, mas sim para obter recursos financeiros para a sua actividade, como um “cheque em branco” ou como uma linha de financiamento alternativa, o que revela bem a má-fé e o abuso de direito com que pretendia actuar ao executar a garantia.

9.ª Não se encontrando verificados os pressupostos que as partes fizeram depender a execução da garantia, a providência decretada na sentença de fls. 213 e segs. devia ter sido mantida.

10.ª Porém, ainda que assim não se entenda, e que se qualifique a garantia ora em apreço como uma garantia autónoma à primeira solicitação, o que apenas como hipótese se refere, sem conceder, é inegável que a mesma nunca integraria a modalidade pura e simples, mas sim uma das submodalidades justificadas, a garantia autónoma à primeira solicitação com justificação documental, na medida em que resulta do teor da cláusula 17 que o Dono da Obra não podia executar a garantia sem comunicar previamente ao empreiteiro a causa da execução, com cinco dias de antecedência, anexando um relatório elaborado pela Fiscalização da obra justificativo do defeito de construção imputável ao empreiteiro.

11.ª Porém, a verdade é que a Nota Técnica da C. de 9 de Maio (Nota Técnica NT 50-2, Adenda 2) junta como Anexo II ao doc. n.º 3 do r.i. e referida na al. V) dos factos provados não constitui nem pode ser reconduzida ao Relatório Justificativo da Fiscalização que, nos termos da cit. cláusula 17 e da própria garantia, pudesse fundar a execução da garantia bancária, desde logo porque a C. não foi a fiscal da obra, como pelas demais razões explicitadas no n.º 5.14 antecedente e que aqui se dão por reproduzidas.

12.ª Consequentemente é manifesto que, não tendo a 1.ª reqda. feito acompanhar a interpelação com o documento previsto na cláusula 17 do Contrato de Construção, não pode executar a garantia bancária, nem a 2.ª reqda. a pode pagar, pelo que a providência decretada não devia ter sido revogada, antes se devia ter mantido.

13.ª Ainda que não se aceite quanto se deixou exposto, o que apenas como hipótese se refere, sem conceder, ainda assim a sentença recda. não pode deixar de ser revogada por fazer uma errada aplicação do direito, designadamente, por fazer uma errada aplicação das regras do ónus da prova em sede de providências cautelares decretadas sem audição da parte contrária e, em especial, em sede da oposição que venha a ser deduzida, nos termos do preceituado no art. 372.º do NCPC.

14.ª Como defende Abrantes Geraldes (loc. cit.), «Tendo em conta o modo como se encontra desenhado o mecanismo da oposição, é sobre o requerido que recai o ónus da prova dos factos que possam levar ao afastamento da providência ou à sua redução. Mais concretamente, tendo em consideração a sua matriz objectiva, sem embargo do poder de investigação do tribunal em relação aos factos impeditivos, modificativos ou extintivos que tenham sido alegados pelo requerido, será este a sofrer as consequências da falta de prova, o que se reflectirá na manutenção da providência oportunamente decretada» (sublinhou-se).

15.ª Deste modo, para para fazer valer a tese sustentada na oposição, a 1.ª reqda. tinha que ter provado que a colocação dos tubos em PEAD da Captação 1, verificada em 2014, tinha tido origem num erro de execução imputável ao 1.º reqte. e que este não os tinha colocado à cota do projecto à data da construção, isto é, em 2008 (cf. n.ºs 97, 98 e 101 da oposição), para assim justificar a execução da garantia.

16.ª Contudo, a verdade é que a 1.ª reqda. não se desincumbiu desse ónus, antes continuou provado nos autos, sob a al. X), que «Em nenhum ponto daquela Nota Técnica se diz que a situação detectada relativamente aos posicionamentos dos tubos naquela data tenha tido como origem um defeito na execução da obra, ou que o req.te os tivesse então (Agosto de 2008) colocado na posição onde os mesmos foram encontrados em Março de 2014».

17.ª Não se provando os factos essenciais de que dependeria a procedência da oposição (a prova de um defeito de construção imputável ao 1.º reqte. que afastasse o juízo de accionamento da garantia bancária com abuso de direito), deveria ter sido mantida a providência decretada.

18.ª Num caso de contrato de empreitada, como o dos autos, em que «o projecto de construção foi da exclusiva e inteira responsabil idade da reqda., que o encomendou à sociedade de direito espanhol I., S.A. que, também, desempenhou as funções de fiscal da obra, em nome da reqda. (…)» (cf. al. H) dos factos provados), apenas os defeitos de construção poderão ser imputados ao empreiteiro, e já não, por exemplo, defeitos emergentes de erros de projecto, ou até decorrente de causas naturais ou outras não imputáveis a qualquer das partes.

19.ª Ao decidir que o accionamento da garantia bancária teria sido legítimo, não abusivo, e que o 1.º reqte., enquanto empreiteiro, devia ser responsabilizado pela eliminação do defeito, nos termos do preceituado nos arts. 1221.º e 1225.º do CCv, por se ter provado a existência de um defeito na obra, no caso, “um defeito que só após a recepção foi descoberto”, mas omitindo totalmente qualquer ajuizamento sobre se se estava ou não perante um eventual defeito de construção ou de projecto, o Tribunal a quo desconsidera o supra-relevados factos provados e funda-se numa errada interpretação e aplicação do direito aos mesmos, pelo que, também por isso, a sentença recda. não se deve manter.

20.ª Mesmo dando de barato que a garantia sub judice é uma garantia bancária autónoma à primeira solicitação (que não é, como se disse), para o seu accionamento ser legítimo, não abusivo, tinha não só de se fundar num defeito de construção, mas também tinha de ser utilizada para reparar o dito defeito e já não para financiar uma obra nova, sob pena de se desvirtuar completamente a garantia e permitir-se que a mesma fosse usada para um fim completamente distinto daquele para o qual fora constituída e que as partes tinham tido em vista quando contrataram.

21.ª No caso dos autos, o Tribunal ilude esta questão, prendendo-se a determinados factos que erroneamente foram dados como provados e que, por isso e porque se revelaram determinantes para a decisão – errónea – da causa, devem ser alterados, como se expôs na parte VII da alegação supra.

22.ª Conforme detalhadamente se expôs no n.º 7.2 antecedente, que aqui se dá por reproduzido, resulta claramente dos depoimentos das testemunhas Eng.º MO e Eng.º PC, conjugado com os dois desenhos juntos aos autos na sessão da audiência de julgamento de 17.09.2014 e com o doc. junto com o r.i. sob o n.º 8, que o projecto referido em LL) constitui efectivamente uma obra nova, tecnicamente muito distinta da obra projectada e encomendada aos reqtes., que conferirá à tubagem uma protecção muito superior à que a simples cobertura com areia dava (e que se mantém no projecto da P), não se podendo nunca reconduzir a uma obra de reparação da mesma.

23.ª O facto dado como provado sob o n.º 17 da parte V da sentença recda. («O que está em causa com a execução do projecto referido em LL) é reforçar a protecção dos tubos de PEAD da captação n.º 1, que se encontram actualmente desprotegidos de modo a que se verifique efectivamente uma resistência mínima idêntica à que resultaria do respectivo enterramento a 2 metros de profundidade tal como definido no projecto de construção») deve, por isso, ser eliminado.

24.ª Conforme detalhadamente se expôs no n.º 7.3 antecedente, que aqui se dá por reproduzido, resulta também dos depoimentos das testemunhas Eng.º MO, Eng.º AF, Eng.º HL e Eng.º JP, conjugados com o teor do Projecto da P, junto como doc. n.º 8 com o r.i., que a solução referida na al. LL) dos factos provados não é a única solução técnica possível e, sobretudo, não é a única compatível com a continuação da exploração da piscicultura, dado que, não só há várias soluções técnicas alternativas válidas, apenas com mais ou menos custos, como actualmente, seria já possível à 1.ª reqda. proceder à captação de água para a sua instalação através da chaminé da caixa pantalón da Captação 1 e através da caixa pantalón da Captação 2, com transferência de parte ou da totalidade dos peixes actualmente existentes na instalação para a Fase II, permitindo, assim, a continuação da exploração enquanto decorressem as obras de reforço das tubagens em PEAD da Captação 1.

25.ª Deste modo, o facto dado como provado sob o n.º 19 («A execução de tal projecto revela-se a única solução técnica que permite que o emissário da captação n.º 1 continue em utilização e que salvaguarda que a fase I da unidade de aquicultura onde se encontram milhões de peixes em cultivo, cujo valor ronda os 15 milhões de euros, continue a receber água do mar nas devidas condições») deve ser eliminado, devendo ainda concluir-se que, sendo falso o receio de encerramento da instalação por impossibilidade de abastecimento de água através das captações, também não procede a argumentação da reqda. de que a procedência da presente providência lhe acarretaria elevadíssimos prejuízos, a rondar os 15 milhões de euros, alegadamente correspondentes ao valor dos peixes que se encontrariam actualmente na Fase I das instalações.

26.ª Face ao exposto, não pode deixar de se concluir que falecem todos os pressupostos de facto e de direito que subjazem à sentença ora recda. e que revogou a providência decretada, antes se devia ter mantido esta última, pois que estão reunidos todos os requisitos legais e processuais para que a mesma seja decretada, e, em consequência, a 1.ª reqda. seja impedida de executar a garantia bancária emitida pela 2.ª reqda. e esta última seja impedida de a pagar, quando a 1.ª reqda. o requeira.

27.ª Com efeito, no caso sub judice encontram-se reunidos, por terem ficado provados, todos os requisitos de concessão de uma providência cautelar não especificada, previstos no artigo 362.º do NCPC, porquanto:

- ficou provado o fundado receio de que a reqda. venha a executar a garantia bancária junta como doc. n.º 1 com o r.i., que tem na sua posse;
- ficou provado que a execução da garantia afectará a imagem de prestígio do 1.º reqte. e dos seus membros e irá manchar o seu crédito bancário e dos seus membros, sendo que as suas fichas bancárias registarão o incidente que resultaria da execução da garantia, o que representa um dano irreparável ou de difícil reparação;
- ficou provado que a execução da garantia ameaça o bom nome comercial do 1.º reqte. e dos seus membros;
- ficou provado que a execução da garantia implicará graves consequências económicas para o 1.º reqte.;
- ficou provado que inexistem os pressupostos legais e contratuais que permitiriam à 1.ª reqda. accionar a garantia, que é uma garantia bancária não autónoma de boa execução, dependente da alegação e prova de um defeito de construção da obra em causa, devidamente justificado num relatório elaborado pela fiscalização da obra (que a 1.ª reqda. não apresentou), devendo na interpelação para a execução da garantia constar o valor que se reclama e a que título se refere a dívida, o que também não sucedeu, não podendo a garantia ser utilizada para a execução de uma obra nova; e esta conclusão não se altera ainda que se qualifique a garantia em apreço como garantia autónoma à primeira solicitação com justificação documental (ou mesmo não justificada);
- não existe para o caso qualquer outra providência tipificada na Lei; e
- o eventual prejuízo resultante do decretamento da presente providência não será superior àquele que se pretende evitar, uma vez que a 1.ª reqda. poderá sempre executar as obras de reforço dos emissários da captação 1, sem parar a exploração.

2.2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

a) Quanto ao efeito do recurso e à prestação de caução.

I. Como a douta sentença recorrida, ao revogar a decisão que decretara a providência requerida, se traduz numa decisão que não ordena a providência, a presente apelação possui efeito suspensivo nos termos da parte final da al. d) do cit. n.º 3 do art. 647.º do CPC 2013.

II. Dado que esse efeito suspensivo se reporta a uma decisão negativa, sendo, como tal, inócuo, mas dadas as dúvidas que isso pode envolver, requer-se, ao abrigo do princípio da cooperação estabelecido pelo n.º 1 do art. 7.º do CPC 2013, pela sua relevância para a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio nesta instância cautelar, que o Tribunal a quo, no competente despacho sobre o requerimento recursório (cfr. art. 641.º do CPC), ao fixar o efeito suspensivo do recurso, explicite que tal efeito implica, in casu, a exequibilidade da garantia bancária n.º 125-02-1235192/1235209 emitida pelo BANCO C., S.A. cujo texto se mostra junto de fls. 49 a 51 dos autos.

III. Sem prejuízo do que fica referido, não há lugar à atribuição, nos termos do n.º 4 do art. 647.º do CPC, do efeito suspensivo em relação à execução da indicada garantia bancária, porquanto não se mostraram oportunamente preenchidos os requisitos formais e materiais legalmente previstos no mencionado n.º 4 do art. 647.º, bem como no art. 913.º, aplicável ex vi art. 915.º, n.º 2, todos do CPC, já que o pedido em causa não foi formulado no requerimento de interposição do recurso, não se mostra simultaneamente deduzido o pertinente incidente de prestação de caução (art. 915.º, n.º 1 do CPC) e não foram respeitas as exigências quanto à indicação do valor a caucionar e o modo da prestação da caução.

IV. Em qualquer caso, nunca constituiria caução idónea para os efeitos do n.º 4 do art. 647.º do CPC, em atenção ao respectivo teor e aos interesses que a decisão recorrida pretendeu tutelar, a garantia bancária n.º 125-02-1235192/1235209, emitida pelo BANCO C., S.A., de que já é beneficiária a Recorrida e em que são mandantes as Recorrentes.

b) Quanto à nulidade da decisão recorrida.

V. A douta decisão recorrida não padece da nulidade arguida de omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 2, al. d) e art. 608.º, n.º 2 do CPC), porquanto foi devidamente apreciada a questão da natureza jurídica da garantia bancária em causa cujo texto se encontra a fls. 49 a 51 dos utos, tendo o Tribunal a quo qualificado devidamente tal garantia como garantia autónoma e à primeira solicitação.

c) Quanto à natureza da garantia bancária em causa.

VI. A garantia bancária em causa nos autos, conforme texto a fls. 49 a 51 dos autos, constitui uma garantia bancária autónoma automática ou à primeira solicitação, como resulta dos seus próprios dizeres (“renúncia expressa aos benefícios de divisão, excussão prévia e ordem”; “O Banco avalista pagará ao Beneficiário a quantia avalizada até ao limite citado, mediante simples requerimento escrito, assinado por representante do Beneficiário devidamente autorizado no qual conste o valor que se reclama e a que título se refere a dívida, nos dois (2) dias úteis seguintes ao requerimento de pagamento, sem que seja admitida alguma objecção”; “A presente garantia é irrevogável, incondicional”) e tal como, aliás, foi assumido contratualmente nos termos da cláusula 17 do contrato de construção (junto como doc. n.º 2 à PI, a fls. 52 e segs. dos autos, e a que se reporta a al. P) do probatório) em que se estabeleceu que “o Empreiteiro compromete-se a formalizar a favor do Dono da Obra e a entregar a este, no prazo máximo de dez (10) dias a contar da data de assinatura do Contrato, uma Garantia Bancária à primeira solicitação (First Demand) de um banco de primeira ordem, com renúncia aos benefícios de excussão e divisão”.

d) Quanto ao cumprimento dos pressupostos contratuais estabelecidos entre as partes.

VII. No âmbito de uma garantia bancária autónoma e à primeira solicitação, o não cumprimento dos pressupostos contratuais estabelecidos entre ordenante e beneficiário no contrato-base para execução da garantia que não constam do texto da garantia não podem ser usadas para bloquear o pagamento.

VIII. Em qualquer caso, a ora Recorrida deu inteiro cumprimento aos requisitos formais e substanciais estabelecidos pela já referida cláusula 17 do Contrato de Construção, designadamente remeteu relatório justificativo da Fiscalização (cfr. o doc. junto a fls. 78 e segs. dos autos), pelo que nenhum fundamento existe para considerar, como pretendem as Recorrentes nas conclusões 10.ª, 11.ª, 12.ª da sua alegação, que a Recorrida não pode executar a garantia bancária sub judice em atenção ao teor daquela cláusula.

d) Quanto à errada aplicação do Direito sobre a existência e relevância do defeito na obra.

IX. A douta sentença recorrida procedeu à correcta aplicação do Direito aos factos ao declarar que “dos factos provados no âmbito da oposição não podendo a responsabilidade das requerentes ser excluída, não se pode, outrossim, afirmar que a dona da obra está indubitavelmente a agir com fraude, abuso de direito ou por má-fé no accionamento da garantia, situações estas que seriam as únicas, como oportunamente dissemos, que permitiriam obstar ao pagamento”.

X. Com efeito, ficou dado como provado (vd. designadamente factos objecto dos pontos n.ºs 6, 7 e 16 constantes da secção V da douta sentença recorrida) que a obra executada pelas Recorrentes padece do defeito resultante de a tubagem de PEAD da captação n.º 1 não se encontrar enterrada a 2 metros de profundidade, sendo que, de acordo com o projecto de construção, as tubagens do emissário de captação 1 deveriam ser enterradas no mínimo a uma cota de 2 metros abaixo do perfil do fundo marinho por forma a assegurar a respectiva protecção contra a erosão e as acções de correntes e agitação marítima.

XI. Perante um defeito da obra, presume-se, dado ser contratual a responsabilidade resultante do contrato de empreitada, que o defeito é imputável ao empreiteiro (art. 1207.º, 1208.º e 799.º, n.º 1, do Cód. Civil), o que envolve cumprimento defeituoso e, consequentemente, o direito da ora Recorrida à eliminação dos defeitos nos termos do art. 1221.º do mesmo Cód. Civil.

XII. Consequentemente, é inteiramente legítima a execução, para o efeito, da garantia bancária sub judice, não se verificando qualquer fraude, abuso de direito ou má-fé no respectivo accionamento por parte da Recorrida, únicas razões admissíveis para obstar ao pagamento de uma garantia bancária autónoma e à primeira solicitação, pelo que a douta decisão recorrida procedeu à correcta realização do Direito.

e) Quanto ao erro na apreciação da matéria de facto.

XIII. O Tribunal a quo procedeu à correcta decisão sobre a matéria de facto em atenção aos meios probatórios produzidos, especificamente o documento junto de fls. 109 a 198 dos autos e os depoimentos das testemunhas Dr. PP, Eng. AS e Eng. LS, Eng. HJ e Dr. JP, produzidos nas sessões de julgamento de 18.12.2014 (cfr. acta a fls. 730 e segs.) e de 8.1.2015 (cfr. acta a fls. 736 e 737), pelo que devem ser inteiramente mantidos os pontos constantes dos n.º 17 e 19 do probatório.

XIV. De qualquer modo, atento o facto provado sub n.º 18 do probatório (secção V da sentença), não impugnado pelas Recorrentes, nos termos do qual com a execução do Projecto, junto a fls. 109 a 198 dos autos, “tem-se em vista prevenir a iminente separação e destruição dos tubos de PEAD e o colapso do emissário de captação nº 1”, é manifesto que inexiste qualquer base para a alteração da decisão de revogação da providência inicialmente decretado, porquanto inexiste qualquer fraude ou abuso no acionamento da garantia bancária autónoma e à primeira solicitação em causa nos autos para realização desse Projecto.

f) A correcção da decisão recorrida.

XV. Por todos estes motivos, a douta sentença recorrida, ao julgar procedente a oposição deduzida pela ora Recorrida e ao decidir, por isso, revogar a providência decretada pela decisão de fls. 213 e seguintes dos autos, procedeu à devida realização do Direito, como era de Justiça.

2.3. São as seguintes as questões que importa apreciar no presente recurso:

– saber se a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, face à prova produzida, nos termos pretendidos pelas recorrentes;
– saber se a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do art.615º, nº1, al.d), 1ª parte, do C.P.C.;
– saber se a sentença recorrida errou na aplicação do direito, designadamente no que respeita ao ónus da prova.

2.3.1. Antes de se entrar na análise da 1ª questão, dir-se-á que ao recurso foi atribuído efeito suspensivo, nos termos do disposto no art.647º, nº3, al.d), do C.P.C., tal como pretendiam as recorrentes, pelo que sobre essa matéria nada mais há a acrescentar.

Quanto à 1ª questão, haverá que ter em consideração, desde logo, o teor do preâmbulo do DL nº39/95, de 15/2, na parte onde se refere que: «A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento ...». E, ainda, que « ... o objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (que, aliás, embora em menor grau, sempre ocorreria, mesmo com a gravação em vídeo da audiência)».

Na verdade, como bem refere Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, 4ª ed., pág.259, «A Relação não é um segundo tribunal de 1ª instância, mas um tribunal de 2ª instância, com competência, que se pretende residual, de proceder à reapreciação de determinados aspectos da matéria de facto em relação aos quais pelo menos uma das partes esteja em desacordo».

No caso dos autos, tendo as recorrentes especificado os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo e da gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, cumpre reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações das recorrentes e da recorrida (cfr. o art.662º, do CPC), bem como, o entendimento atrás expresso.

Refira-se, no entanto, e desde já, que estamos no domínio da convicção probatória, sendo que, o art.396º, do C.Civil, consagra o princípio da liberdade de apreciação da força probatória dos depoimentos das testemunhas. O que significa que o tribunal julga segundo a sua consciência ou segundo a convicção que formou, através da influência que no seu espírito exerceram as provas produzidas, avaliadas segundo o seu juízo e a sua experiência (cfr. o art.607º, nº5, do CPC).

Note-se que, como acentua Abrantes Geraldes, ob.cit., págs.266 e 267, «… o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância, a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo». Por isso que, acrescenta, « … carecendo o Tribunal da Relação destes elementos coadjuvantes e necessários para que a justiça se faça, correm-se sérios riscos de a injustiça material advir da segunda decisão sobre a matéria de facto». Daí que a motivação da decisão de facto seja fundamental, para que o Tribunal da Relação possa aquilatar a forma como foram decididas as questões de facto objecto de impugnação.

Já atrás se transcreveu a fundamentação da sentença na parte em que procedeu à análise crítica das provas e à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

Vejamos, agora, cada um dos factos cuja decisão foi impugnada pelas recorrentes.

Tais factos são os constantes dos pontos 17º e 19º da parte V da sentença recorrida, do seguinte teor:

17º - O que está em causa com a execução do projecto referido em LL) é reforçar a protecção dos tubos de PEAD da captação n.º 1, que se encontram actualmente desprotegidos de modo a que se verifique efectivamente uma resistência mínima idêntica à que resultaria do respectivo enterramento a 2 metros de profundidade tal como definido no projecto de construção.
19º - A execução de tal projecto revela-se a única solução técnica que permite que o emissário de captação nº1 continue em utilização e que salvaguarda que a fase I da unidade de aquicultura onde se encontram milhões de peixes em cultivo, cujo valor ronda os 15 milhões de euros, continue a receber água do mar nas devidas condições.

Entendem as recorrentes que aqueles pontos de facto devem ser eliminados, por terem sido erroneamente dados como provados.

Para o efeito, no que respeita ao ponto 17º, alega que resulta claramente dos depoimentos das testemunhas Eng.ºs MO e PC, conjugados com os dois desenhos juntos aos autos na sessão da audiência de julgamento de 17/9/14 e com o documento junto com o requerimento inicial sob o nº8, que o projecto referido em LL constitui efectivamente uma obra nova, tecnicamente muito distinta da obra projectada e encomendada às requerentes, que conferirá à tubagem uma protecção muito superior à que a simples cobertura com areia dava, não se podendo nunca reconduzir a uma obra de reparação da mesma.

Dir-se-á, antes do mais, que o referido ponto 17º não pretendeu solucionar a questão de saber se o chamado projecto P constitui ou não uma obra nova. Do que se tratava era de apurar o que se pretendia com a execução daquele projecto.

E o que se apurou foi que se visava reforçar a protecção dos tubos de PEAD da captação nº1, que se encontravam desprotegidos, pretendendo-se obter uma resistência idêntica à que resultaria do enterramento daqueles tubos a 2 metros de profundidade, tal como estava definido no projecto de construção.

Se tal reforço constituía ou não uma obra nova é mais uma questão de valor semântico de palavras, e, como tal, inócua para a decisão da causa.

O que releva é que, com a realização de levantamentos batimétricos, efectuados após a recepção provisória da obra, se descortinou que trechos de um dos tubos de PEAD da captação 1 estavam a descoberto, sendo que, de acordo com o projecto de construção, as tubagens do emissário de captação 1 deveriam ser enterradas, no mínimo, a uma cota de 2 metros abaixo do perfil do fundo marinho (cfr. os pontos 5º a 7º da matéria de facto apurada, não impugnados pelas recorrentes).

Factos esses igualmente constantes das Notas Técnicas elaboradas pela C. – Consultores de Engenharia e Ambiente, SA, como resulta dos pontos 11º, 14º, 15º e 16º da matéria de facto apurada, igualmente não impugnados pelas recorrentes.

Sendo que, através da execução do chamado projecto P, se tinha em vista prevenir a iminente separação e destruição dos tubos de PEAD e o colapso do emissário de captação nº1 (cfr. o ponto 18º da matéria de facto apurada, o qual também não foi impugnado pelas recorrentes).

Por conseguinte, o que consta do ponto 17º é o que resulta da prova produzida, tendo em conta os documentos que se encontram juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas apresentadas pelas partes, uns e outros analisados por este Tribunal da Relação.

Quanto ao ponto 19º, alegam as recorrentes que resulta dos depoimentos das testemunhas Eng.ºs MO, AF, HL e JP, conjugados com o teor do Projecto da P, que a solução aí referida não é a única solução técnica possível e, sobretudo, não é a única compatível com a continuação da exploração da piscicultura.

Isto porque, acrescentam, não só há várias soluções técnicas alternativas válidas, apenas com mais ou menos custos, como actualmente, seria já possível à 1.ª requerida proceder à captação de água para a sua instalação através da chaminé da caixa pantalón da Captação 1 e através da caixa pantalón da Captação 2, com transferência de parte ou da totalidade dos peixes actualmente existentes na instalação para a Fase II, permitindo, assim, a continuação da exploração enquanto decorressem as obras de reforço das tubagens em PEAD da Captação 1.

Verifica-se, no entanto, que a testemunha Eng.º MO, que é Director Técnico de uma empresa, a WW, que faz projectos marítimos, não se pronunciou, concretamente, sobre o que veio a constar do ponto 19º.

A testemunha Eng.º AF, que trabalha para a Somague há 24 anos e que é Director da obra em causa, apenas fez referência ao que se passou quando a obra ainda estava a meio, no que respeita à forma como obtinham a água necessária à manutenção dos peixes que, na altura, existiam no empreendimento.

A testemunha Eng.º HL, que é o responsável pela manutenção de todas as infraestruturas da empresa A., S.A., designadamente dos emissários e demais equipamentos da obra em questão, não propugnou qualquer solução técnica alternativa válida, antes considerou que a execução do projecto da P é a única forma de, com peixes dentro da instalação e com esta em funcionamento, fazer uma reparação que permita garantir o mesmo nível de segurança no emissário.

A testemunha Dr. JP, biólogo, que é Director-Geral da A., S.A. desde Janeiro de 2009, além de não ter advogado qualquer solução técnica alternativa, considerou não ser possível uma solução diferente, em virtude da quantidade de peixes que já se encontram na fase I da unidade de aquicultura.

Constata-se, deste modo, que os concretos meios probatórios, constantes do processo e da gravação nele realizada, não impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (cfr. o art.640º, do CPC).

Haverá, assim, que concluir que a Relação não deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que respeita aos pontos 17º e 19º dos factos dados como provados (cfr. o art.662º, do CPC).

2.3.2. Segundo as recorrentes, a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, uma vez que está a pressupor que a garantia bancária em apreço é uma garantia autónoma automática, ou on first demand, mas sem que tenha sido feito qualquer juízo de qualificação de tal garantia, pelo que não se pronunciou sobre questão que lhe fora submetida pelas partes e de que lhe cumpria conhecer.
Nos termos da 1ª parte, da al.d), do nº1, do art.615º, do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Esta nulidade está em correspondência directa com a 1ª parte, do nº2, do art.608º, do mesmo Código, onde se impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Todavia, a palavra «questões», que se lê em ambos os citados artigos, designa o pedido e a causa de pedir.
Assim, o que importa é que o tribunal decida a questão posta, com o sentido atrás referido, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão.
Na verdade, uma coisa é deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e outra, bem diferente, é deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte.
Claro que a sentença, como peça jurídica que é, vale doutrinalmente o que valerem os seus fundamentos.
Porém, a eventual insuficiência da motivação, afectando o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em sede de recurso, mas não produz nulidade.
Ora, é manifesto que, no caso, a questão colocada foi decidida, tendo-se concluído pela procedência da oposição e pela revogação da providência decretada anteriormente.
Haverá, pois, que concluir que a sentença recorrida não é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do citado art.615º, nº1, al.d), 1ª parte.
Dir-se-á, ainda, que o argumento de que a natureza da garantia bancária em questão não consentiria a solução encontrada na sentença recorrida será analisado no âmbito do ponto 3º, a propósito do erro na aplicação do direito.

2.3.3. Segundo Galvão Telles, in «Garantia bancária autónoma», O Direito, ano 120º, III-IV, 1988 (Jul/Dez.), pág.283, «A garantia autónoma é a garantia pela qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse contrato».
Trata-se de garantias que, regra geral, são prestadas por bancos, pelo que se costumam designar por «garantias bancárias», mas podendo ser prestadas, designadamente, por companhias de seguros, sendo, pois, aquela expressão reducionista em relação à realidade a que se refere.
Segundo Mónica Jardim, in A Garantia Autónoma, pág.433, que seguiremos muito de perto na exposição subsequente, a garantia autónoma é prestada por uma entidade (o garante) que se obriga a entregar, a pedido de um terceiro (devedor do contrato base), uma soma pecuniária previamente acordada, ao beneficiário da garantia, logo que este prove o incumprimento de determinado contrato por parte do terceiro (contrato autónomo de garantia simples) ou de imediato, quando este simplesmente o interpele a realizar essa prestação (contrato autónomo de garantia automática ou «à primeira solicitação»), mas abdicando desde logo o garante, em ambos os casos, a opor ao beneficiário as excepções derivadas da relação jurídica cujo cumprimento garante, bem como a opor as excepções relativas ao contrato por si celebrado com o terceiro garantido.
A prestação de uma garantia autónoma, sobretudo na sua modalidade de garantia «à primeira solicitação», assume actualmente uma inegável importância, principalmente para cobrir contratos base vultosos, nomeadamente na área da construção civil.
Na verdade, trata-se de uma garantia que assegura de forma mais eficaz os direitos do beneficiário, sem prejuízo para o devedor e com vantagens para o garante.
Assim, através da garantia autónoma o garante assegura a verificação de um certo resultado, por exemplo, o cumprimento pontual e correcto da obrigação do devedor, responsabilizando-se pelo risco da sua não produção, independentemente de culpa do devedor garantido.
Isto é, o garante abdica desde logo da possibilidade de vir a opor ao beneficiário quaisquer excepções derivadas tanto da sua relação com o terceiro garantido, como da relação cujo cumprimento garante.
O que vale por dizer que assume uma obrigação independente, autónoma, não acessória.
Por seu turno, o devedor do contrato-base é quem ocupa a posição mais delicada, pois é ele que suporta os chamados «litigation costs and risks», porquanto, ocorrendo o pagamento da garantia, é ele que tem de reembolsar o garante e só depois, se for caso disso, pode reagir contra o beneficiário do contrato-base, embora esse risco possa ser repercutido no preço daquele contrato.
Poder-se-á, pois, dizer que, em torno da garantia autónoma surgem, pelo menos, três relações jurídicas distintas:

1ª – a que se trava entre os sujeitos da obrigação garantida, tendo por fonte um contrato, o chamado contrato-base, a que o garante alheio;
2ª – a que emerge de um contrato celebrado entre o devedor da relação principal e um garante, por força do qual este se obriga, mediante retribuição, a prestar uma garantia ao credor daquela relação, salvaguardando o seu direito a ser reembolsado imediatamente pelo devedor;
3ª – a que se estabelece com a celebração do contrato autónomo de garantia propriamente dito, tendo por sujeitos o beneficiário, como sujeito activo, e o garante, como sujeito passivo.

Note-se que, apesar da independência do contrato autónomo de garantia face ao contrato-base, é neste último que normalmente o devedor se obriga a conseguir alguém que se vincule a prestar a garantia, numa determinada modalidade e por um valor fixado, a favor do credor, sendo que, em certos casos, o texto da garantia consta do próprio contrato-base ou de um anexo seu.
As modalidades de garantia autónoma podem ser classificadas, designadamente, consoante a sua função ou o seu fim e consoante a sua automaticidade.

No que respeita à função específica que desempenha, a garantia autónoma pode ser garantia de oferta ou de honorabilidade da proposta, garantia de boa execução do contrato e garantia de reembolso de pagamentos antecipados.

A 1ª destina-se a garantir que a pessoa a quem foi adjudicada a realização da empreitada, que é o caso mais vulgar, honrará a proposta apresentada, nomeadamente assinando o contrato.
A 2ª destina-se a garantir, perante o beneficiário, a correcta execução das obrigações assumidas pelo outro contraente, atingindo o valor desta garantia, em média, 5% a 10% da obra.
A 3ª destina-se a garantir o contraente que pagou adiantadamente parte do preço do contrato que a importância lhe será restituída, caso a outra parte não cumpra o acordado.

Quanto ao critério da automaticidade da garantia, existem garantias autónomas simples e garantias autónomas automáticas, como já vimos atrás.
Na 1ª, o beneficiário, para exigir o cumprimento da obrigação do garante, tem de provar o incumprimento da obrigação do devedor ou qualquer outro evento que seja pressuposto da constituição do seu crédito face ao garante.
Na 2ª, em que normalmente é incluída a cláusula de pagamento «à primeira solicitação» («on first demand»), o beneficiário está isento de tal prova, devendo o garante entregar-lhe imediatamente a quantia pecuniária fixada ao seu primeiro pedido.
Esta segunda garantia autónoma, dotada de automaticidade, é mais eficaz, expedita e segura para o beneficiário e bastante mais operacional para o garante, já que este assume uma posição de total neutralidade.

Mas, precisamente por isso, envolve um risco superior de vir a ser solicitada de maneira injustificada ou claramente abusiva, existindo, designadamente, o risco de o beneficiário solicitar a entrega da soma objecto da garantia apesar de o devedor ter cumprido pontual e integralmente todas as suas obrigações.

Daí que, por vezes, os próprios interessados na emissão da garantia automática tentem diminuir os riscos a ela inerentes optando pela emissão de garantias automáticas a pedido justificado e a pedido acompanhado de um ou vários documentos.
Na 1ª prevê-se que o pagamento só terá lugar após uma afirmação escrita do beneficiário, onde declare quais os motivos em concreto que justificam a solicitação, embora nada tenha que provar.
Na 2ª o pedido é acompanhado de um documento que cria a convicção da ocorrência do evento previsto no contrato de garantia, em virtude da qualidade do seu autor.

Deste modo, o beneficiário de uma garantia autónoma automática tem apenas de:

- solicitar a entrega da soma objecto da garantia sem sequer ter de afirmar que ocorreu o evento previsto no contrato de garantia (garantia a pedido simples);
- solicitar a entrega e declarar que ocorreu o evento previsto no contrato de garantia, sem ter de precisar a natureza exacta do incumprimento alegado e sem ter de fornecer qualquer prova (garantia à 1ª solicitação motivada);
- solicitar a entrega e declarar, sem ter que fornecer qualquer prova, quais os motivos em concreto que justificam a solicitação (garantia à 1ª solicitação justificada);
- fazer acompanhar a solicitação da garantia de certos e determinados documentos provenientes ou emitidos por um terceiro (garantia documental).

Dúvidas não restam, pois, que a autonomia do contrato é maior quando ele também é dotado de automaticidade, sendo que a cláusula «à primeira solicitação» eleva a autonomia ao seu limite máximo.

Não obstante se tratar de garantia autónoma, a doutrina e a jurisprudência reconhecem a possibilidade de o garante recusar o pagamento, quer a solicitação do beneficiário se traduza numa fraude, quer se traduza num abuso de direito.

Todavia, não reconhecem essa possibilidade em termos absolutos, já que tem sido unanimemente defendido que não basta ao garante a suspeita de fraude ou de abuso de direito, antes se exigindo que o carácter não fundado da solicitação seja claro e não contestável.
Assim, a autonomia da garantia face ao contrato-base não é absoluta, já que se tem entendido, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que, em caso de fraude manifesta ou abuso evidente por parte do beneficiário, o banco pode e deve mesmo recusar-se a pagar a garantia.

Trata-se, pois, de uma excepção à regra de que o banco deve prestar de imediato a garantia logo que solicitada pelo beneficiário, já que, acima daquela regra acordada pelas partes, estão os princípios da boa fé e da proibição do abuso do direito (cfr. os arts.762º, nº2, e 334º, do C.Civil).

Questão é que o abuso ou a fraude sejam inequívocos, pois que, se bastasse ao banco alegar o abuso ou a fraude do beneficiário, fazendo depender a sua prova de diligências ulteriores, frustrar-se-ia, afinal, o objectivo das garantias, acabando por virem a ser pagas só depois de largas controvérsias, quando o seu escopo é precisamente evitar essa situação.

Exige-se, deste modo, que a fraude ou o abuso sejam manifestos, fazendo-se depender, por isso, a possibilidade de recusa do garante do facto de este ter em seu poder prova pronta e líquida da fraude ou do abuso do beneficiário.

Mas pode acontecer (e parece que acontece frequentemente) que o banco, por não querer envolver-se em disputas e até por uma questão de reputação, não conteste a pretensão do beneficiário e antes preste a garantia logo que solicitada.

Ora, tem-se entendido que, para fazer face a este inconveniente, que prejudica o devedor, este tem a possibilidade de lançar mão de medidas cautelares destinadas a impedir o beneficiário de receber a garantia.

Porém, o êxito final dessas medidas, que constituem, inquestionavelmente, um excepcional meio de defesa, dependerá da prova inequívoca do comportamento manifestamente fraudulento ou abusivo do beneficiário.

Isto é, só podem ser requeridas no caso de o devedor possuir provas inequívocas de abuso evidente por parte do beneficiário, caso contrário, só depois de paga a garantia é que o devedor agirá contra o beneficiário, em ordem a ser reembolsado da quantia indevidamente recebida por este, se for caso disso.

O que vale por dizer que, no âmbito da garantia autónoma, sempre que a providência cautelar seja requerida como forma de obstar a um aproveitamento abusivo da posição do beneficiário, deve ser exigida prova pronta e líquida (cfr. Mónica Jardim, ob.cit., pág.336).

Contudo, é sabido que nas providências cautelares, dado o seu carácter urgente e provisório, em lugar da prova do direito, o juiz deve contentar-se com a probabilidade séria da existência do direito, devendo o requerente oferecer prova sumária do direito ameaçado (cfr. os arts.365º, nº1, e 368º, nº1, do C.P.C.).

Por isso que já se sustentou que, subordinar a concessão da providência à apresentação de prova pronta e líquida, significaria pretender corrigir a lei processual que consagra a regra da suficiência da prova sumária para efeitos de concessão de providências cautelares (cfr. Mónica Jardim, ob.cit., pág.335).

Segundo esta autora, as jurisprudências alemã e austríaca manifestaram-se contra esta objecção, sendo depois seguidas pela demais jurisprudência internacional, que exige a apresentação de prova pronta e líquida da fraude do beneficiário, ou seja, o mesmo tipo de prova que é exigido no âmbito da excepção de fraude manifesta a opor pelo garante, fundamentando essa exigência com recurso àquilo a que chama uma «regra restritiva de direito jurisprudencial», imposta pela função da garantia autónoma.

Considera a mesma autora, ob.cit., pág.337, que a prova pronta e líquida da fraude ou abuso evidente do beneficiário deve ser tida como indispensável, uma vez que está em causa o cumprimento de um contrato de garantia, cuja autonomia não se coaduna com o deferimento de providências senão em situações excepcionais, e que seria excessivamente relativizada caso fosse suficiente uma prova meramente sumária ou indiciatória, com base na qual o juiz pudesse fazer um simples juízo de probabilidade.

Entende, assim, que os citados preceitos do C.P.C. não devem valer quando esteja em jogo uma garantia autónoma e a providência cautelar seja requerida como forma de obstar a um aproveitamento abusivo da posição do beneficiário, caso em que deve ser considerado insuficiente um simples fumus bonus iuris, pois só assim se negará ao devedor a possibilidade de obter, por via cautelar, o que o garante não pode obter por via da contestação à solicitação.

Concorda-se com tal entendimento, caso contrário estar-se-ia a violar a essência da garantia autónoma, frustrando-se a sua finalidade e o lema a que, fundamentalmente, obedece: pagar primeiro e discutir depois.

Voltando ao caso dos autos, verifica-se que temos um contrato-base celebrado entre a A., ACE e a A., S.A. (contrato de construção de um estabelecimento de piscicultura na Praia de Mira), que constitui a relação principal; um contrato entre a A., ACE e o BANCO C., S.A. (que tem sido qualificado de mandato), pelo qual aquela incumbe este de prestar a garantia à A., S.A.; e um contrato de garantia entre o BANCO C., S.A. e a A., S.A..

Com a presente providência cautelar pretendem as requerentes obter providência que determine que a 1ª requerida (A., S.A.,) se abstenha de executar a garantia bancária e que a 2ª requerida (BANCO C., S.A.), se abstenha de pagar a mesma garantia à 1ª requerida, se esta lho solicitar.

Para o efeito, alegam que a 1ª requerida invocou, falsamente, a ocorrência de defeitos na obra e que, tendo a intenção de acionar a aludida garantia bancária, a concretização dessa intenção implicará prejuízos sérios e dificilmente reparáveis para as requerentes.

No entanto, para que aquela providência lograsse sucesso, teriam as requerentes que possuir prova pronta e líquida de que a pretensão da A., S.A. era manifestamente abusiva (cfr. no mesmo sentido, o Acórdão do STJ, de 14/10/04, C.J., Ano XII, tomo III, 55, onde vem citado Francisco Cortez, «A Garantia Bancária Autónoma», in «ROA», Ano 52º, II, Julho, 1992, págs.513 a 609).

Sendo que, não há abuso ou fraude manifestos se houver necessidade, para estabelecer a má fé do beneficiário, de proceder a medidas de instrução.

Na verdade, a prova é pronta quando não se mostra necessário requerer a produção de provas suplementares e é líquida quando permite a percepção imediata e segura da fraude ou do abuso, tornando-os óbvios (cfr. Mónica Jardim, ob.cit., pág.292).

A doutrina maioritária entende que a fraude ou o abuso de direito não têm de resultar de sentença transitada em julgado, mas que também não pode ser feita com qualquer dos meios legalmente admissíveis, antes havendo que exigir prova documental, de segura e imediata interpretação, já que satisfaz plenamente a exigência de prova pronta (preconstituida) e líquida (inequívoca).

No caso de o abuso decorrer de factos que não possam ser confirmados com um simples documento, então, segundo a mesma autora, ob.cit., pág.293, será de exigir laudo arbitral ou sentença judicial transitada em julgado, havendo quem defenda que a exigência de prova líquida e inequívoca em poder do garante deve ser dispensada sempre que a fraude ou o abuso sejam um facto público e notório (cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa, de 11/12/90, C.J., Ano XV, tomo V, 134).

Ora, para prova do que alegaram, juntaram as requerentes 8 documentos e arrolaram 6 testemunhas, tendo, posteriormente, a opoente A., S.A. procedido à junção de 23 documentos e ao arrolamento de 5 testemunhas, tendo sido inquiridas 10 testemunhas.

Invocaram, pois, as requerentes vicissitudes da relação garantida, quando é certo que se obrigaram a conseguir, como conseguiram, um garante que abdicou de opor ao beneficiário as excepções derivadas da relação jurídica cujo cumprimento garantiu.

Não invocaram, assim, as requerentes uma situação em que o garante tivesse o dever de recusar o pagamento, designadamente, um abuso evidente ou uma fraude manifesta, não possuindo ou, pelo menos, não apresentando prova pronta e líquida da fraude ou do abuso de direito do beneficiário.

Consequentemente, a nosso ver, a requerida providência estaria sempre condenada ao insucesso, pois que não basta, sequer, a suspeita de fraude ou de abuso para impedir a entrega da garantia, logo que solicitada, exigindo-se a prova líquida e inequívoca da má fé patente ou da fraude evidente.

Situação esta que, manifestamente, não ocorre no caso dos autos.

Como já se referiu atrás, entendem as recorrentes que a sentença recorrida, ao decidir-se pela revogação da providência decretada com fundamento em que, afinal, a 1ª requerida não agiu com fraude, abuso de direito ou má fé no acionamento da garantia, está a pressupor que a garantia bancária em apreço nos autos é uma garantia bancária autónoma automática ou on first demand, mas que em lado nenhum daquela sentença se faz qualquer juízo de qualificação da garantia bancária em causa.

Na sentença recorrida considerou-se o seguinte: «Em face do que fica dito e dos factos provados no âmbito da oposição não podendo a responsabilidade das requerentes ser excluída, não se pode, outrossim, afirmar que a dona da obra está indubitavelmente a agir com fraude, abuso de direito ou por má fé no acionamento da garantia, situações estas que seriam as únicas, como oportunamente dissemos, que permitiriam obstar ao pagamento».

É certo que naquela sentença não se escalpelizou a natureza da garantia bancária e, assim, não se concluiu se se trata de uma garantia autónoma simples ou de uma garantia autónoma automática.

De todo o modo, quer se trate de uma ou de outra modalidade de garantia autónoma, há limites máximos, do ponto de vista jurídico, que aquela garantia não pode ultrapassar, sob pena de colidir com os princípios que enformam a ordem jurídica portuguesa, designadamente os princípios da boa fé e da proibição do abuso de direito (cfr. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, in Garantias de Cumprimento, 2ª ed., pág.80).

Assim, o que releva, no caso, é a característica da autonomia, independentemente de a garantia ser acordada ou não com cláusula «à primeira solicitação».

Característica essa que não vem posta em causa nos presentes autos e que resulta da matéria de facto dada como provada, nomeadamente tendo em conta o próprio texto da garantia e as circunstâncias concomitantes (cfr., entre outros, os documentos de fls.49 a 51 e de fls.52 a 77).

E sempre se dirá que, a nosso ver, todos os elementos apontam para a conclusão de que se trata de garantia autónoma à primeira solicitação.

Note-se, aliás, que do próprio contrato-base consta a cláusula 17ª, onde se refere expressamente:
«Como garantia do cumprimento do Contrato, o Empreiteiro compromete-se a formalizar a favor do Dono da Obra e a entregar a este, no prazo máximo de dez (10) dias a contar da data da assinatura do Contrato, uma Garantia Bancária à primeira solicitação (First Demand) de um banco da primeira ordem, com renúncia aos benefícios de excussão e divisão …».

É certo que do texto da garantia não veio a constar aquela expressão «Garantia Bancária à primeira solicitação (First Demand)».

Porém, o que dela consta aponta nesse sentido, designadamente quando aí se diz que o BANCO C., S.A. garante:
«Pelo presente documento, de forma solidária, tão ampla como em Direito permitido e com renúncia expressa aos benefícios de divisão, excussão prévia e ordem, ao EMPREITEIRO, perante A., S.A., até ao limite máximo de EUR 5.171.728,86 (…) equivalente a 5% em virtude do Contrato, como garantia do cumprimento das obrigações derivadas do Contrato.
O Banco avalista pagará ao Beneficiário a quantia avalizada até ao limite citado, mediante simples requerimento escrito, assinado por representante do Beneficiário devidamente autorizado no qual conste o valor que se reclama e a que título se refere a dívida, nos dois (2) dias úteis seguintes ao requerimento de pagamento, sem que seja admitida alguma objecção» (cfr. fls.49).

Estamos, assim, perante uma garantia autónoma, na modalidade de garantia de boa execução do contrato, dotada de automaticidade, em que se prevê uma solicitação motivada ou justificada.

Consideram, ainda, as recorrentes que a sentença recorrida fez uma errada aplicação das regras do ónus da prova, já que competia à 1ª requerida a prova de que tinha ocorrido um erro de execução imputável à 1ª requerente.

Mas não é assim. Como já se referiu, entre o devedor do contrato-base e o garante existe uma relação de mandato, por força do qual o garante está vinculado a um dever jurídico de protecção da esfera jurídica do seu mandante, que se concretiza na obrigação de recusar o pagamento, sempre que a solicitação da garantia se traduza num abuso de direito do beneficiário, estando o garante de posse de prova pronta e líquida de tal abuso.

Deste modo, sempre que o garante não pretenda cumprir tal dever, o mandante pode requerer uma providência cautelar que o iniba de efectuar o pagamento por sua conta, tentando, assim, assegurar os efeitos da futura sentença que virá a ser proferida na acção tendente à declaração de que o garante tinha o dever de não pagar a soma objecto da garantia.

A providência pedida (no caso dos autos, antes da solicitação do beneficiário) deve ser deferida desde que o devedor prove, simultaneamente, que não é devedor no âmbito do contrato-base e que o beneficiário tenciona solicitar a garantia.

Assim, no âmbito da garantia autónoma, sempre que a providência cautelar seja requerida como forma de obstar a um aproveitamento abusivo da posição do beneficiário, deve ser exigida prova pronta e líquida.

Por isso que, quando o devedor do contrato-base pretenda requerer uma providência cautelar, o tribunal só poderá decretá-la se aquele possuir elementos de prova sérios que estejam imediatamente disponíveis, para além de haver que ter em conta o risco de prejuízo grave que ele corre na ausência de tal providência.

Isto é, pretendendo o devedor reagir contra a fraude ou o abuso de direito do beneficiário, mediante uma providência cautelar, terá de apresentar prova pronta e líquida, nos termos atrás referidos.

O que significa que o ónus da prova competia, no caso, às requerentes.

Haverá, assim, que concluir que a sentença recorrida não errou na aplicação do direito, designadamente no que respeita ao ónus da prova.

Dir-se-á, por último, que, apesar de não existir no nosso ordenamento jurídico preceito expresso que consagre as garantias autónomas, o seu fundamento jurídico-positivo encontra-se indubitavelmente no art.405º, do C.Civil (princípio da liberdade contratual) e no art.398º, nº2, do mesmo Código, por corresponderem a interesses dignos de protecção legal, sendo que não lhes é aplicável a proibição dos negócios jurídicos abstractos (art.458º, ainda do mesmo Código), uma vez que se trata de negócios jurídicos causais (cfr. o Parecer dos Profs. Dr. Mário Júlio Almeida Costa e Dr. António Pinto Monteiro, in C.J., Ano XI, tomo 5, págs.21 e 22, e Mónica Jardim, ob.cit., pág.439).

Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação das recorrentes, não merecendo, pois, censura a sentença recorrida.

3 – Decisão:

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pelas apelantes.


Lisboa, 8/9/2015

Roque Nogueira
Maria do Rosário Morgado
Rosa Ribeiro Coelho