Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS CRAVO | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DOS PRAZOS DE PRESCRIÇÃO E DE CADUCIDADE PANDEMIA COVID-19 | ||
Data do Acordão: | 01/24/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 6.º DA LEI 4-A/2020; 7.º DA LEI 1-A/2020 ARTIGO 343.º, N.º 2, DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 344.º, N.º 2 E 345.º DO CPC | ||
Sumário: | A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos em “Estado de Emergência” [suspensão em virtude da pandemia gerada pela doença do COVID-19] decretada pelo nº 3 do art. 7º da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março, implica que estes retomam do tempo em que pararam e, consequentemente, não se contam do início. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº3063/13.5TBVIS-B.C1[1] Apelações em processo comum e especial (2013) * Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[2] * 1 – RELATÓRIO AA, com os demais sinais identificadores constantes dos autos, veio deduzir embargos de terceiro por apenso à execução sumária que “Banco 1..., SA.” intentou contra BB. Para tanto, o Embargante alegou, em síntese, que por contrato promessa de compra e venda, celebrado com o executado em 05 de Janeiro de 2012, lhe foi transferido o domínio e a posse sobre ½ da fracção ..., do prédio urbano descrito sob o n.º ...03 da Conservatória do Registo Predial ..., encontrando-se, desde essa data, de forma pública, pacífica e contínua, na posse do imóvel, convicto de que tal bem lhe pertence. Argumenta também o embargante que, desde aquela data, tem vindo a executar no aludido imóvel, obras de grande vulto, de modo a cumprir o projecto que havia sido apresentado pelos anteriores proprietários, nas quais despendeu mais de cinquenta mil euros, devendo reconhecer-se que tem direito de retenção sobre o imóvel como garantia desse seu crédito. Pede, pois, o embargante que seja levantada a penhora que incide sobre tal bem ou, subsidiariamente, que lhe seja reconhecido direito de retenção sobre o mesmo. * Foi proferido despacho a receber liminarmente os embargos. * A embargada/exequente contestou os embargos, conforme melhor se colhe do respectivo articulado, que aqui se reproduz por brevidade de exposição, tendo defendido a extemporaneidade dos embargos e a legalidade da penhora efetuada nos autos em apenso, pelo facto do contrato promessa de compra e venda que o Embargante alega ter sido celebrado não ser apto a transmitir a propriedade do imóvel. * Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador com identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas de prova. * Procedeu-se à realização de audiência final conforme da respectiva Ata emerge. Na sentença, considerou-se, em suma, que «teremos de julgar procedente a excepção peremptória de caducidade invocada pelo Embargado e, consequentemente, absolvê-lo do respectivo pedido, o que prejudica o conhecimento das demais questões supra enunciadas, nomeadamente a invocada inversão do título da posse. Relativamente ao alegado direito de retenção, importa ter presente que os embargos de terceiro não são o meio próprio para fazer valer essa pretensão, tratando-se de um direito de garantia que não é incompatível com a penhora e, como tal, terá de ser feito valer pela via da reclamação de créditos», termos em que se concluiu com o seguinte concreto “dispositivo”: «V. Decisão Face ao que se deixou exposto, decide-se julgar os presentes embargos de terceiro improcedentes. Custas pelo Embargante. * Registe, notifique e dê conhecimento ao Exmo. Sr. Agente de Execução.» * Inconformado com uma tal decisão, apresentou o Requerente recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «A Sabendo da penhora em 11 de Fevereiro de 2020, entrando em vigor com efeito a 03 de Março de 2020 a Lei de Emergência, cfr. arts. 14.º e 37.º do Decreto-Lei 10-A/2020 de 13.03, diploma rectificado pela Lei 1-A/2020 de 19 de Março, em virtude do confinamento, repartições fechadas os embargos de terceiro deduzidos, da análise e confronto das normas DL 10-A/2020 de 13 de Março das Lei 1-A/2020 de 19 de Março, ver artigo 2.º Ratificação de efeitos O conteúdo do Decreto -Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março, é parte integrante da presente lei, produzindo efeitos desde a data de produção de efeitos do referido decreto -lei, conclui-se pela tempestividade dos embargos de terceiros. Desta forma a sentença recorrida faz incorrecta interpretação das normas insertas no DL 10-A/2020 arts. 14.º e 37.º e bem assim do art.º 344.º do Código do Processo Civil. Daí a necessidade da sua revogação... ( 11.02.2020, mais 30 dias de prazo para embargos de terceiro, termina o prazo em 13.03.2020, mas em 09.03.2020 os prazos de prescrição ou caducidade já estavam suspensos em virtude da pandemia e das Leis de Emergência publicadas e supra referidas; B A comunicação da Agente de Execução de 08 de Fevereiro de 2020 e recebia em 11.01 do mesmo mês e ano, não preenche os requisito mínimos de um acto jurídico ( antes um acto burocrático ) que levou a resposta que merecia, não tendo havido qualquer resposta ou decisão ( jurisdicional ou burocrática ) a esta última, de 19 de Março de 2020, ocorreu a sua nulidade e violou-se o espirito e letra do art.º 4.º do Código do Processo Civil, acresce que não foi precedido de qualquer diligência, sendo ainda nulo falta de competência, por violação do art.º 186.º e ss e art.º 754.º do Código de Processo Civil; C É patente a qualidade de terceiro, possuidor de boa fé, do embargante pelo que assiste a este o direito de defesa da posse que é legítima e titulada, pelo que a sentença sob recurso viola a letra e espirito dos arts. 377.º e ss e 595.º n.º 5 do Código Processo Civil e bem assim arts. 1.268.º e ss do Código Civil, e bem assim Ac. do STJ supra mencionado; D E, finalmente, tendo o autor feito obras de reparação, reconstrução e melhoramento no valor de 50.000 euros no imóvel dado à penhora; e estando na posse do bem imóvel tem o embargante um direito de crédito sobre a coisa ( pelo menos no montante de 4.500 euros – valor de aquisição de UM MEIO+25.000 euros, valor de UM MEIO das benfeitorias). Assistindo-lhe, desta forma, o direito de retenção, pelo que a sentença sob recurso viola o espírito e letra do art.º 754.º do Código Civil. E A sentença sob recurso é ainda nula porque, dada a matéria provada, a natureza ,letra e espirito das disposições legais ( DL 10-A/2020 de 13.03, 1-A/2020 de 19 de Março de…), por violação da al. b) n.º 1 do art.º 615.º Código de Processo Civil; F A sentença sob recurso é ainda nula por violação da al. d) n.º 1 do art.º 615.º Código de Processo Civil ao não se pronunciar sobre o pedido subsidiário. REVOGANDO A SENTENÇA QUE INCIDIU SOBRE OS EMBARGOS PELA MATÉRIA OU FACTOS ALEGADOS E PROVADOS E PELAS CONCLUSÕES VEXAS FARÃO JUSTIÇA. JUSTIÇA!» * O Embargado/Requerido apresentou as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes “conclusões”: «A. Salvo o devido respeito, é entendimento e convicção profunda do ora Recorrido carecer o Recorrente de qualquer fundamento válido para o presente recurso, pois que lhe não assiste qualquer razão de facto ou de direito, primando a sentença recorrida pelo sentido de justiça, coerência, bom senso e rigor técnico que sempre são expectáveis numa boa decisão judicial, B. Desde já se diga que o conhecimento pelo Tribunal recorrido da exceção de caducidade do direito de deduzir embargos de terceiro impede o conhecimento de toda a restante matéria alegada naquela sede pelo Embargante, já que a sua procedência impõe, nos termos do n.º 3, do art.º 576.º do CPC a absolvição da instância e extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor. C. Bem andou a sentença recorrida que inequivocamente identificou o Recorrente como terceiro, sendo o meio próprio para reagir à penhora sobre a ½ da fracção penhorada nos autos, a dedução de Embargos de Terceiro, em conformidade com o previsto no artigo 342.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. D. Estando patente a condição de terceiro do Recorrente, o prazo para erigir a sua pretensão são, de acordo com o artigo 344.º, n.º 2 do CPC “ (…) 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa (…)” E. Isto em consideração, e considerando os factos dos autos, provado está que: i. Em 08.02.2020, foi enviada carta de notificação ao Recorrente, na qualidade de comproprietário da fração ½ da fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano sito em Rua ..., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...08 da freguesia ... e inscrita na matriz sob o artigo ...23.º, registada pela AP n.º ...13, de 14.02.2020, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 781.º do CPC; ii. A notificação foi rececionada pelo mesmo a 11.02.2020, conforme registo dos CTT nos autos; iii. A 19.02.2020, o Recorrente dirigiu um requerimento aos autos de execução (ref.ª CITIUS 4042171) a informar “que havia adquirido, há anos, o prédio urbano letra ...” e alegando que “a ser efetiva a penhora, o meu cliente irá deduzir embargos de forma a assegurar a defesa dos seus direitos.” iv. Os Embargos de Terceiro apenas deram entrada nos autos em 3.9.2020. F. Ora, o prazo de 30 dias é um prazo de caducidade que deve ser contabilizado nos termos do artigo 138.º do CPC -vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01.04.2008 (relatado por Hélder Roque no processo 5166/06.3TBLRA-B,C1, G. Prosseguindo “ (…) efetivamente o prazo a que aludem os artigos 351.º, n.1 e 353.º, n.º2, do CPC, para a dedução dos embargos de terceiro, é extintivo do respetivo direito potestativo de acção, o que significa tratar-se de um prazo de caducidade porquanto define a vida de um direito, ou seja, o direito à propositura ou não dos embargos de terceiro, integrando a própria arguição do direito que se visa tutelar, devendo, consequentemente, observar-se o disposto no 343.º, n.º2, do CC, por força do qual não tem o embargante de alegar e provar a sua dedução tempestiva, cabendo antes ao embargado a prova de que aquele tinha conhecimento da penhora que ofendeu a sua posse, há mais de trinta dia.” – (sublinhado e negrito nosso) H. Assim sendo, o aqui Recorrido não só arguiu tal exceção peremptória como, conforme ficou provado, logrando demonstrar que o Recorrente teve conhecimento da penhora em 11.02.2020! I. Nesta senda, e debruçando-se especificamente sobre se já estava precludido o direito do Recorrente de se opor, enquanto Terceiro, à penhora concretizada por decurso do prazo de caducidade do respetivo direito de ação, concluiu, e bem!, o tribunal a quo que “Interfere na contagem deste prazo de caducidade a aprovação da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março que, no respetivo artigo 7.º da sua versão originária (…) acrescentando que “Esta norma veio a ser alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06 de Abril assumindo a seguinte redação:1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime de férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-Cov-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte. 2 – O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir pelo decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional. 3 – A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos. (…)” J. Ou seja, a nova redação do artigo 7.º - atento o disposto no artigo 6.º da Lei n.º4-A/2020 – produziu efeitos retroativos a 09.03.2020, no que tange aos processos não urgentes - como é, in casu – e vigorou até ao dia 03.06.2020, data em que entrou em vigor a Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que revogou o referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, retomando-se a contagem dos prazos judiciais a partir do dia 03.06.2020 (inclusive), considerando-se, em cada prazo, o tempo decorrido até à declaração da sua suspensão. K. Certamente confundiu o Recorrente o regime da suspensão com o da interrupção dos prazos. L. In casu, os prazos apenas foram suspensos, o que implica que estes retomam do tempo em que pararam e, consequentemente, não se contam do início. M. Apreciada a factualidade vertida no ponto 21.º, é facto assente que o Recorrente tem conhecimento da penhora que afecta o bem desde 11.02.2020, assim como essa realidade também resulta do depoimento confessório do próprio Recorrente. N. Donde sempre resultará evidente que o Recorrente dispunha de um prazo de 30 dias a contar da receção de tal missiva (que repita-se, recebeu! em 11.02.2020) para deduzir os embargos de terceiro pois que, foi a partir de tal data que teve conhecimento da penhora que despoletou toda a questão jurídica em apreço. O. Deste modo, conforme alude, e bem, a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, “Em face deste regime legal verificamos que o prazo de 30 dias deverá ser contabilizado do seguinte modo: - de 12.02.2020 (data em que se inicia o prazo para embargar de terceiro) até ao dia 08.03.2020, decorreram 25 dias.- de 03.06.2020 até 03.09.2020 (data em que a petição inicial deu entrada em juízo) decorreram mais de 46 dias (contabilizando a suspensão durante as férias judiciais), sendo, pois, manifesto que os presentes embargos de terceiro são extemporâneos”. P. Ao contrário do que à revelia da douta decisão parece concluir o Recorrente ao alegar - “(…) pelo que sabendo da penhora em 11 de fevereiro de 2020 [estando aqui o Recorrente a confessar!], em 09 de Março de 2020 ainda não se havia esgotado o prazo de caducidade ou prescrição para a dedução de embargos de terceiro. Ora, tendo os embargos de terceiro sido deduzidos durante o período de suspensão, conclui-se pela sua tempestividade” - é incontornável a improcedência dos embargos de terceiro por caducidade. Q. Isto porque, salvo o devido respeito por diverso entendimento, o prazo para apresentação dos mesmos, com base no exposto nos pontos 18.º e 22.º, mormente, a retoma da contagem dos prazos judiciais a 03.06.2020 (inclusive) - com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, - findou a 07.06.2020. R. De outra sorte, no que concerne às conclusões sobre a inversão do título da posse e sobre o direito de retenção emanadas pelo Recorrente, resulta inócua a alegada nulidade da sentença por violação dos artigos 377.º e 595.º, n.º 5, do Código do Processo Civil quanto à defesa do direito da posse, bem como, a alegada nulidade da sentença com fundamento na não pronuncia sobre o pedido subsidiário – o direito de retenção. S. Pois que, bem andou a sentença que, em cumprimento do previsto no art.º 608.º, n.º 1 e no artigo 576.º, n.º 2 do CPC, não conheceu da demais matéria de facto e de direito trazida aos autos terminando a sentença julgando “procedendo a excepção peremptória de caducidade invocada pelo Embargado e, consequentemente, absolvê-lo do respectivo pedido, o que prejudica o conhecimento das demais questões supra enunciadas, nomeadamente a invocada inversão do título da posse. E, relativamente ao alegado direito de retenção, importa ter presente que os embargos de terceiro não são o meio próprio para fazer valer essa pretensão, tratando-se de um direito de garantia que não é incompatível com a penhora e, como tal, terá de ser feito valer pela via da reclamação de créditos” T. Pelo que, são absolutamente inócuas as conclusões das alegações do Recorrente identificadas sob os pontos C), D) E) e F), já que se o Tribunal Recorrido não conheceu, não pode este Venerando Tribunal conhecer. U. Isto é, não havendo uma decisão (nem qualquer fundamentação) quanto à matéria de facto, não há lugar à aplicação do disposto no art.º 662.º do CPC que possa originar decisão diversa. Não há lugar a modificação da decisão de facto que em momento algum chega a ser proferida. V. Mas mesmo que assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, nenhuma razão assiste ao Recorrente. W. A posse para ser titulada é necessário que se funde (tenha a causa) em qualquer modo legitimo de adquirir do direito sobre a coisa, independentemente do direito do transmitente, isto é, que se funde num negócio abstratamente idóneo para a transferência da propriedade ou de um direito real, cfr. Código Civil Anotado – Pires de Lima e Antunes Varela. – art.º 1251.º Código Civil X. No caso da compra e venda estipula o artigo 875.º do CPC que “ (…) o contrato de compra e venda de imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado”. – sublinhado e negrito nosso. Y. Assim, no caso em apreço, e porque estamos perante uma situação de alegada transmissão da propriedade pela venda, o único título idóneo para que fosse titulada sempre seria a celebração do contrato de compra e venda por meio de escritura pública ou documento particular autenticado, mesmo que fosse inválido por qualquer vício da vontade. Z. Aquilo que nunca pode “existir” é a própria inexistência do contrato de compra e venda. AA. E, na verdade, o que a sentença proferida pelo Tribunal a quo reconhece é a inexistência de um direito de propriedade registado em nome do Recorrente atento a que não foi celebrada qualquer escritura de compra e venda de ½ da fração .... BB. Pelo que, deverá concluir-se que o imóvel nunca saiu da esfera de propriedade do Executado BB, que o Recorrente não tem a posse do mesmo e assim a penhora efetuada não atingiu nenhum direito este último. CC. E, ainda que os factos dados como provados pudessem sustentar a posse do Terceiro, aqui Recorrido, tal apenas ocorre porque sabe-se que este é já de si proprietário de ½ da fracção ..., que adquiriu de CC. DD. Portanto, sendo já proprietário de ½ da fracção ... sempre teria o poder de entrar no imóvel, usá-lo, entrar e sair, pagar contas ... . O que não impõe que o aqui Executado BB tivesse prescindido do seu direito de propriedade que pudesse fazer ocorrer aqui a inversão do título da posse. EE. Tal vontade do Executado não decorre inequivocamente da factualidade dada como provada que pudesse originar decisão diferente do tribunal recorrido. FF. Por fim, relativamente ao alegado direito de retenção, pronunciou-se já o Tribunal a quo (e bem!) no sentido de que o “meio próprio para fazer valer a pretensão, tratando-se de um direito de garantia que não é incompatível com a penhora e, como tal, terá que ser feito pela vida da reclamação de créditos”. GG. Em síntese, é entendimento consagrado, tanto na doutrina como na jurisprudência[3], que os embargos de terceiro não podem ser deduzidos, com sucesso, por quem invoque o direito de retenção sobre a coisa objeto de penhora, pela simples razão de que o direito invocado não é incompatível com a penhora. O meio próprio para o exercício do direito de retenção é, pois, a reclamação na ação executiva, pois que se trata de um direito de crédito decorrente da celebração do contrato-promessa de compra e venda. HH. Do que se vem de expor, não é a sentença nula por violação da alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, já que resulta suficientemente especificados na sentença os fundamentos (de facto e de direito) que conduziram à improcedência dos presentes embargos. II. Bem como não é a sentença nula nos termos da alínea d) do n.º 1 do supra citado artigo, porquanto tendo procedido a excepção de caducidade do direito de acção, cujo conhecimento é feito pelo tribunal com prioridade sobre as demais questões, não podia o Tribunal recorrido pronunciar-se quanto ao pedido subsidiário. Termos em que V. Ex.cias, negando provimento ao recurso e mantendo, em conformidade, a douta decisão recorrida, farão INTEIRA JUSTIÇA!!!» * O Exmo. Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído. Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões são: - nulidades da sentença por violação das alíneas b) e d) do nº 1 do art. 615º do n.C.P.Civil?; - desacerto da decisão que julgando verificada a caducidade do direito do Embargante, declarou improcedentes os Embargos apresentados, e, consequentemente, absolveu o Recorrido do respetivo pedido, considerando prejudicado o conhecimento das demais questões, nomeadamente, a invocada inversão do título da posse e o alegado direito de retenção?. * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A factualidade que interessa ao conhecimento do presente recurso, é a que foi como tal alinhada na decisão recorrida, sendo certo que a decisão correspondente não é questionada no recurso, tendo sido consignado para o efeito o seguinte: «Com interesse para a decisão, julgam-se provados os seguintes factos: A) O exequente propôs execução sumária contra BB reclamando do mesmo o pagamento da quantia de €7.014,80. B) No dia 03.04.2020, nos autos em apenso, lavrou-se auto de penhora de 1/2 da fração autónoma designada pela letra ... correspondente ao ... andar, destinado a habitação com 7 divisões - 85,70 m2 – escadaria e patamar exterior de acesso - 6,30 m2, varanda - 1 m2 e uso exclusivo do terraço contíguo - 160,70 m2, do prédio urbano sito em Rua ..., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...08 da freguesia ... e inscrita na matriz sob o art. ...23º, registada pela AP n.º ...13 de 14.02.2020, tudo em conformidade com o auto de penhora constante da execução e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. C) Em 08 de Fevereiro de 2020 foi enviada carta de notificação ao Embargante AA, na qualidade de comproprietário da aludida fracção, nos termos e para o efeito do disposto no artigo 781º do CPC, conforme nota de notificação postal junta aos autos de execução com a referência ...06, a qual foi recepcionada pelo mesmo em 11.02.2020. D) Em 19.02.2020, o Embargante, dirigiu um requerimento aos autos de execução, tudo conforme documento junto à execução em 02.03.2020, com a referência n.º ...71, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. E) A presente acção deu entrada em juízo a 03.09.2020. F) O Embargante e o Executado celebraram em 05 de Janeiro de 2012 um acordo escrito, que denominaram de “contrato promessa de compra e venda”, através do qual o primeiro prometeu vender ao segundo, que por sua vez prometeu comprar, ½ da fracção autónoma identificada em B), pelo preço de €9.000,00, pago na totalidade na aludida data, tendo tal documento sido alvo de reconhecimento presencial de assinaturas, em conformidade com o teor do documento junto em sede de audiência final cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. G) Conforme cláusula quarta do documento referido em E), a escritura pública que dará forma legal ao presente contrato promessa de compra e venda será realizada em data a marcar pelo Promitente- Comprador e na presente data o Promitente-Vendedor assinará uma Procuração a nomear um Procurador para realizar e assinar a escritura. H) Estipularam ainda as partes, na respectiva cláusula sexta, que o presente contrato promessa de compra e venda satisfaz na totalidade a sua vontade e acordaram expressamente na subsmissão do contrato promessa de compra e venda com eficácia real ao regime da execução específica nos termos do Artigo 830 do Código Civil. I) BB e DD, por terem herdado por óbito dos seus pais, foram legítimos proprietários de um prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...51 e de um rústico sob o artigo 6610, ambos descritos sob o número ...08 e ...16 na Conservatória do Registo Predial .... J) Nessa qualidade, em 16 de Janeiro de 1996 submeteram tais prédios ao regime da propriedade horizontal, tendo-o dividido em três fracções: A (comércio), B (comércio) e C (destinada a habitação). K) Tendo nessa mesma data procedido à sua divisão, tendo o BB ficado com ½ da fracção ... e com a fracção ..., e a DD ficado com ½ da fracção ... e com a fracção ..., tudo em conformidade com a escritura pública de constituição da propriedade horizontal junta com a petição de embargos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. L) No dia 05.01.2012 o BB prometeu vender ao Embargante tudo quanto tinha no identificado prédio urbano ...51 e rústico adjacente, bem como o quinhão hereditário que lhe cabia pelo facto da DD ter falecido no estado de solteira em .../.../2000. M) BB constituiu para o efeito um procurador da confiança do Embargante, o Sr. EE para celebrar a escritura pública aludida em F), tudo em conformidade com o documento denominado “Procuração”, datado de 05.01.2012, junto com a petição de embargos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. N) Desde 05.01.2012 que o Embargante tem as chaves da fracção ... que entra, sai, permanece, abre portas e janelas, limpa, guarda, pinta, repara, constrói, paga os impostos sobre tal fracção, como se dono e possuidor fosse. O) O que faz publicamente, pacificamente, de forma contínua, na convicção de que adquiriu direito a essa fracção. P) Em 10 de Janeiro de 2013, o Executado BB passou a ocupar a fracção ..., como inquilino, pagando 150 € por mês de renda, tudo conforme contrato de arrendamento celebrado com o ora Embargante, junto aos autos de execução em 28.07.2020, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. Q) Em meados da década de 1990, DD e o executado, BB, instauraram um processo de obras de reconstrução do artigo 1051 – urbano e 6610- rústico da freguesia ... para submissão ao regime da propriedade horizontal e realização de obras de reparação e melhoramento à Câmara Municipal ... (Proc. De Obras 01/1990/99). R) Apesar das paredes exteriores serem em alvenaria de granito, todo o telhado, tecto, vãos (portas e janelas) e soalho, em madeira, estavam podres e toda a parte interior da fracção ..., estava em ruínas e sem instalações sanitárias. S) Não podendo ninguém ali habitar com o mínimo de conforto. T) Foi o Embargante quem executou na fracção ... as obras de modo a cumprir o projecto antes apresentado na Câmara Municipal .... U) O Embargante realizou na fracção as seguintes obras: i demolição das paredes interiores em adobe e telhado, tecto, soalho e remoção do entulho proveniente da cobertura e paredes divisórias e pavimentos em madeira em mau estado; ii transporte para depósito de lixo compatível; iii execução de estrutura resistente ( vigas de fundação, 6 pilares, vigas em betão armado, execução de lajes de pavimento e lajes de esteira, em lajes aligeiradas de viga de betão armado e abobadilha de leca; iv armaduras metálicas; v execução de estrutura inclinada sendo constituída por vigas de betão armado, ripa metálica, sendo pelo exterior aplicado telha marselha; vi execução de juntas em paredes exteriores picadas e refeitas por aplicação de argamassa e pintadas; vii reboco de paredes existentes, exteriores em tijolo cerâmico; viii execução de alvenarias interiores entre divisórias em alvenaria de tijolo cerâmico 30X20X11; ix execução de infraestruturas eléctricas, rede de água e contador; x fornecimento e assentamento de soleiras e peitoris em granito com 3 cm de espessura; xi revestimento de paredes interiores em gesso projectado em tecto e paredes; xii fornecimento e assentamento de azulejos na cozinha; xiii fornecimento e assentamento de azulejos, em toda a altura, em instalação sanitária; xiv aplicação de betonilha de enchimento por todo o pavimento; xv fornecimento e aplicação das loiças sanitárias; xvi instalação eléctrica, aplicação de rodapés, carpintarias, portas interiores, e pinturas exterior e interior. xvii montagem de cozinha e quarto de banho e de todos os acessórios; xviii abertura e reparação de janelas em alumínio; xix assentamento de pavimentos; xx gradeamentos. V) O Embargante acabou por adquirir ½ da fracção ... que caberia aos irmãos e sobrinhos da DD. W) Pela AP. ...02 de 2016/04/19, o Embargante registou a aquisição de ½ da fracção ... ao sujeito passivo BB, tendo o registo dessa aquisição sido feito como provisório por natureza. X) Pela AP. ...46 de 2016/06/08 o Embargante registou a aquisição de ½ da fracção ... ao sujeito passivo DD, sendo a causa da aquisição «partilha da herança». Y) O Embargante AA gastou em obras de reconstrução e beneficiação, empreitadas e ajuste directo, na dita ... ", mais de 50.000 euros. * Dos Factos Não Provados Com relevância para a decisão dos embargos ficou por provar: a) À data da compra a fracção ... não valia cinco mil euros; b) Soube o Embargante, em Setembro de 2020, que ½ da fracção ... foi penhorada na execução;» * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz nas alegadas nulidades da sentença. Tendo sido arguida a nulidade da sentença por reporte a duas causas [alíneas b) e d) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil], vejamos um por um esses fundamentos. Que dizer relativamente ao concreto fundamento aduzido pelos Embargante/recorrente da arguição de nulidade da decisão decorrente de “falta de fundamentação” [al.b) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil]? Na verdade, s.m.j., é essa vertente da nulidade, o da “falta de fundamentação”, o que se consegue divisar na alegação do Embargante/recorrente de que «Ao julgar os embargos improcedentes a Ex.ma Juiz não deu cumprimento às leis da pandemia e nem extraiu delas as óbvias consequências e que é a tempestividade da dedução dos embargos, ocorrendo a nulidade que o art.º 615.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil». Vejamos então. Consabidamente, nos termos do disposto no art. 615º, nº1, al.b) do n.C.P.Civil, a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Temos presente o corrente entendimento de que a sentença só é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito. Só que importa ter em conta o mais completo e rigoroso entendimento quanto a este particular, que é o de que também e ainda ocorre essa nulidade “quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial”[4]. Na verdade, este mais completo conceito de dever de fundamentação cumpre ainda uma função primordial: pela necessidade das partes, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação, precisarem de conhecer a sua base fáctico-jurídica; para que não só as partes, como a própria sociedade, entendam as decisões judiciais, e não as sintam como um ato autoritário, importa que tais decisões se articulem de forma lógica; a fundamentação da sentença revela-se indispensável em caso de recurso, pois na reapreciação da causa, a Relação tem de saber em que se fundou a decisão recorrida. Consequência da inobservância deste dever de fundamentação será então a nulidade da decisão recorrida, que não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – cfr. arts. 615º, nº 1, al. b) e 613º, nº 3 do n.C.P.Civil. Mas será que na decisão sob recurso conclusivamente se expôs a convicção a que se chegou, com base em premissas não explicitadas ou cujo sentido não fosse apreensível? Não ocorreu isso de todo! Muito antes pelo contrário: a Exma. Juíza a quo, invocou os dispositivos legais aplicáveis [mormente a Lei 1-A/2020 de 19 de Março, a Lei nº 4-A/2020, de 06 de abril e a Lei nº 16/2020, de 29 de Maio], fez a correspondente interpretação na sua conjugação com os dados de facto da situação vertente e concluiu com a aplicação em conformidade. Termos em que, sem necessidade maiores considerações, improcede esta arguição de nulidade, sem embargo do que competirá decidir na apreciação do também alegado fundamento recursivo do “desacerto da decisão”. ¨¨ E que dizer da arguição de nulidade por omissão de pronúncia [art. 615º, nº1, al.d) do n.C.P.Civil]? Atente-se que quanto a este segundo núcleo visado pelo recurso, a vertente da omissão decorreria de “não se pronunciar sobre o pedido subsidiário”. Será assim? Também a esta questão a nossa resposta é claramente negativa, aliás, só se compreendendo a sua arguição como fruto de um qualquer equívoco ou deficiente compreensão dogmática desta temática. Senão vejamos. Nos termos da dita al. d) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil, verifica-se a nulidade da sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Na verdade, à luz do disposto neste normativo, a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, quer no caso de deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, isto tendo-se presente que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art. 608º, nº2 do mesmo n.C.P.Civil. Ora, tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal. Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 615º nº1, al.d), do n.C.P.Civil… Ora se assim é, importa concluir que não foi cometido o aludido vício, designadamente na sua vertente da omissão. Atente-se que como consignado na própria sentença recorrida, «Neste conspecto, teremos de julgar procedente a excepção peremptória de caducidade invocada pelo Embargado e, consequentemente, absolvê-lo do respectivo pedido, o que prejudica o conhecimento das demais questões supra enunciadas, nomeadamente a invocada inversão do título da posse» [sublinhado nosso]. Assim sendo, não ocorreu qualquer “omissão de pronúncia”, antes sucedeu que a pronúncia foi considerada dispensada/prejudicada pela anterior decisão, isto é, face à desnecessidade jurídico-processual em ter que se proceder a uma tal apreciação/conhecimento. Termos em que igualmente improcede claramente esta via de argumentação aduzida pelo Embargante/recorrente como fundamento para a procedência do recurso.
4.2 – Questão do desacerto da decisão que julgando verificada a caducidade do direito do Embargante, declarou improcedentes os Embargos apresentados, e, consequentemente, absolveu o Recorrido do respetivo pedido, considerando prejudicado o conhecimento das demais questões, nomeadamente, a invocada inversão do título da posse e o alegado direito de retenção: Sustenta o Requerente/embargante/recorrente que, «(…) dentro do limite do tempo dos embargos de terceiros, já as repartições publicas estavam fechadas e o nosso país a viver num Estado de Emergência provocado pela pandemia COVID 19, pelo que o prazo de prescrição e caducidade estavam suspenso, ver Decreto-Lei 10-A/2020 de 13 de Março cujos efeitos, cfr. arts. 14.º e 37.º remontam a 03 de Março de 2020 e a 09 de Março» para concluir no sentido de que «(…) sabendo da penhora em 11 de Fevereiro de 2020, em 09 de Março de 2020 ainda não se havia esgotado o prazo de caducidade ou prescrição para a dedução de embargos de terceiro. Ora, tendo os embargos de terceiro sido deduzidos durante o período de suspensão, conclui-se pela sua tempestividade.» Que dizer? Que em nosso entender o Embargante/recorrente nem sequer alegou de forma proficiente, expressa e clara o juízo lógico/racional por via do qual seria de concluir pela tempestividade dos embargos por si deduzidos! Sucedendo que, manifesta e claramente os embargos não foram deduzidos “durante o período de suspensão”! Senão vejamos. A Exma. Juíza a quo fundamentou da seguinte forma a decisão quanto a esse particular: «(…) Verificadas essa condição, importa dar resposta à primeira questão colocada – da caducidade do direito de embargar de terceiro. Estatui o artigo 344.º, n.º 2 do CPC que o embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas. O prazo de 30 dias é um prazo de caducidade que deve ser contabilizado nos termos do artigo 138.º do CPC Como se pode ler na fundamentação do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01.04.2008[5] efectivamente, o prazo a que aludem os artigos 351º, nº 1 e 353º, nº 2, do CPC, para a dedução dos embargos de terceiro, é extintivo do respectivo direito potestativo de acção, o que significa tratar-se de um prazo de caducidade porquanto define a vida de um direito, ou seja, o direito à propositura ou não dos embargos de terceiro, integrando a própria arguição do direito que se visa tutelar, devendo, consequentemente, observar-se o disposto no 343º, nº 2, do CC, por força do qual não tem o embargante de alegar e provar a sua dedução tempestiva, cabendo antes ao embargado a prova de que aquele tinha conhecimento da penhora que ofendeu a sua posse, há mais de trinta dias. O Exequente/embargado veio arguir esta excepção peremptória e, conforme ficou provado, logrou demonstrar que o Embargante teve conhecimento da penhora em 11.02.2020. Analisemos, pois, se quando a petição de embargos dá entrada em juízo – a 03.09.2020 – já estava precludido o direito do Embargante de se opor à penhora concretizada em 14.02.2020, por decurso do prazo de caducidade do respectivo direito de acção. Interfere na contagem deste prazo de caducidade a aprovação da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março que, no respectivo artigo 7.º da sua versão originária, estatuía o seguinte: 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública. 2- (…) 3—A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos. Esta norma veio a ser alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06 de abril assumindo a seguinte redação: 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte. 2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional. 3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos. (…) Segundo estatuiu o artigo 6.º da Lei n.º 4-A/2020, a nova redação do artigo 7.º produziu efeitos retroativos a 09 de Março de 2020, no que tange aos processos não urgentes, e vigorou até ao dia 03.06.2020, data em que entrou em vigor a Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que revogou o referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, retomando-se a contagem dos prazos judiciais a partir de 03.06.2020 (inclusive), considerando-se, em cada prazo, o tempo decorrido até à declaração da sua suspensão. Em face deste regime legal verificamos que o prazo de 30 dias deverá ser contabilizado do seguinte modo: - de 12.02.2020 (data em que se inicia o prazo para embargar de terceiro) até 08.03.2020, decorreram 25 dias. - de 03.06.2020 até 03.09.2020 (data em que a petição inicial deu entrada em juízo), decorreram mais 46 dias (contabilizando a suspensão durante as férias judiciais), sendo, pois, manifesto que os presentes embargos de terceiro são extemporâneos. Neste conspecto, teremos de julgar procedente a excepção peremptória de caducidade invocada pelo Embargado e, consequentemente, absolvê-lo do respectivo pedido, o que prejudica o conhecimento das demais questões supra enunciadas, nomeadamente a invocada inversão do título da posse. Relativamente ao alegado direito de retenção, importa ter presente que os embargos de terceiro não são o meio próprio para fazer valer essa pretensão, tratando-se de um direito de garantia que não é incompatível com a penhora e, como tal, terá de ser feito valer pela via da reclamação de créditos[6]». Consabidamente, os embargos de terceiro são o modo processual de reagir por quem, não sendo parte na causa, veja ofendida, através de penhora ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência. Na situação ajuizada, discute-se se se justifica o indeferimento liminar do requerimento de embargos de terceiro à penhora. Na situação dos embargos de terceiro, um dos fundamentos para indeferimento liminar será a sua intempestividade. No que respeita à tempestividade (ou não) dos embargos, importa ter em conta que o art. 344º, nº 2 do dito n.C.P.Civil[7] estipula que o embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas. O prazo em questão é um prazo de caducidade. Com efeito, o art. 343º, nº2 do C.Civil dispõe que «Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei » (sublinhados nossos). Sendo que da conjugação desta norma com a anteriormente citada constante do art. 344º, do n.C.P.Civil, parece-nos manifesto que o prazo para o lesado deduzir o incidente de oposição mediante embargos de terceiro, é um prazo de caducidade, donde exceção perentória cujos factos subjacentes devem pelo embargado ser alegados e provados[8]. De referir que também pode e deve o juiz conhecer, oficiosamente [com base na alegação do embargante e nos elementos já constantes do processo ao qual são os embargos apensados - cfr. nº1 do art. 344º do n.C.P.Civil] da tempestividade da apresentação dos embargos. Atente-se que nesse sentido reza o art. 345º do n.C.P.Civil, que «Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos (…)» (sublinhados nossos). Sendo certo que este poder/dever do juiz de sindicar a tempestividade dos embargos, se traduz em que a manifesta extemporaneidade dos embargos é motivo para a imediata prolação de decisão de indeferimento liminar da petição. Donde, «Dir-se-á que, o disposto no artº 345º, primeira parte, do CPC, consubstancia/consagra como que uma das soluções especiais a que alude a parte final do nº2, do artº 343º, do Código Civil, podendo e devendo o tribunal conhecer ex officio da excepção atinente à propositura de acção após o decurso do prazo de 30 dias do conhecimento da ofensa pelo embargante.»[9]. Mas será que a Exma. Juíza a quo desacertou na aplicação dos normativos aplicáveis [decorrentes da Lei de Emergência por via da infeção epidemiológica por SARS-Cov-2 e da doença COVID-19] a essa contagem de prazo? Cremos bem que não. O prazo para embargar de terceiro iniciou-se na circunstância em 12.02.2020 [cf. facto “provado” sob “C)”], donde, sendo um prazo de 30 dias [cf. art. 344º, nº 2 do n.C.P.Civil], e na medida em que por força do que vigorou em termos de prazos judiciais em “Estado de Emergência” [suspensão de prazos processuais em virtude da pandemia gerada pela doença do COVID-19 – cf. Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março, Decreto -Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março e Lei n.º 16/2020 de 29 de maio, todas elas com as respetivas alterações e retificações – isto é, uma suspensão de prazos entre 9 de Março e 2 de Junho], temos que aquele prazo decorreu até 8 de Março, suspendendo-se em 9 de Março, e retomou o seu curso em 3 de Junho, donde, tendo decorrido 25 dias no primeiro período, terminava em 8 de Junho esse dito prazo de 30 dias, contudo a petição inicial apenas deu entrada em juízo em 3.09.2020, isto é, muito para além do prazo em que o poderia ser. A esta luz, não vislumbramos como deixar de acolher a conclusão de ser efetivamente procedente a excepção perentória de caducidade invocada pelo Embargado. Aliás, só se compreende a argumentação do Embargante/recorrente como fruto de uma eventual confusão do regime da suspensão com o da interrupção[10] dos prazos… Sucedendo que in casu estava em causa o mero regime da suspensão dos prazos”[11], isto é, retomando-se a contagem dos prazos judiciais anteriormente decorridos! Nestes termos logo improcedendo inapelavelmente o recurso em resposta a esta primeira questão recursiva. O que idem se diga relativamente à argumentação de que existiam outros pedidos formulados nos embargos deduzidos, que eram procedentes, e não foram conhecidos. Já supra se aduziu a tal propósito que na decisão recorrida foi considerada dispensada/prejudicada esse conhecimento pela anterior decisão, isto é, que ocorria uma desnecessidade jurídico-processual em ter que se proceder a uma tal apreciação/conhecimento. Tal decisão também merece o nosso integral e irrestrito acolhimento! A este respeito invocou doutamente o Embargado/recorrido nas suas contra-alegações que «(…) o conhecimento pelo Tribunal recorrido da exceção de caducidade do direito de deduzir embargos de terceiro impede o conhecimento de toda a restante matéria alegada naquela sede pelo Embargante, já que a sua procedência impõe, nos termos do n.º 3, do art.º 576.º do CPC a absolvição da instância e extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor» e que «(…)nos termos do n.º 1, do art.º 608 do CPC “… a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, …”» Nesta linha de entendimento, e sem necessidade de maiores considerações, improcedem todos os argumentos recursivos e o recurso. (…)
6 – DISPOSITIVO Pelo exposto, decide-se a final julgar improcedente o recurso, confirmando-se o sentido da decisão recorrida. Custas pelo Embargante/recorrente. Coimbra, 24 de Janeiro de 2023 Luís Filipe Cravo Fernando Monteiro Carlos Moreira [1] Tribunal de origem: Juízo de Execução ... – Juiz ... – do T.J da Comarca ... [2] Relator: Des. Luís Cravo 1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro 2º Adjunto: Des. Carlos Moreira [3] Vide como exemplo o Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 24 de setembro de 2020 (processo 14731/16.0T8PRT-B.PL.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/126645ed66a2ccb8025862500820693?OpenDocument). [4] cf., “inter alia”, o acórdão do T. Rel. de Coimbra de 17-04-2012, no processo nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, o qual não obstante proferido no quadro do pré-vigente C.P.Civil entendemos que mantém plena atualidade face ao n.C.P.Civil. [5] Relatado por Hélder Roque no processo 5166/06.3TBLRA-B.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/91a8dc0f66d638858025742f003c83b6?OpenDocument [6] Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.09.2020, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/126645ed636a2ccb8025862500820693?Open Document [7] Aliás, de forma idêntica à do art. 353º, nº 2 do precedente C.P.Civil (isto é, na redação anterior à reforma do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06)… [8] Cf. neste sentido o acórdão do STJ de 30/11/2006, proferido no proc. nº 06B4244, acessível em www.dgsi.pt/jstj. [9] Cfr. o acórdão do TRL de 08.02.2018, proferido no proc. nº 2768/15.0T8CSC-A.L1-6, acessível em www.dgsi.pt/jtrl, aliás, citado nas alegações recursivas. [10] Decorre do art. 326º do C.Civil que a interrupção inutiliza todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo. [11] Cf. redação aplicável do nº3 do art. 7º da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março, a saber, «3 – A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos. (…).» [sublinhado nosso] |