Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS RAMOS | ||
Descritores: | RECURSO PENAL PODERES DA RELAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 05/23/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA LOUSÃ | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 402º E 403º CPP | ||
Sumário: | 1.- Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu; 2.- Constituindo tais recursos meios de impugnação e de correção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido. | ||
Decisão Texto Integral: | Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal condenar A... como autor de um crime de ameaças agravadas, previsto e punido pelos artºs 153°, n.º 1 e 155°, n.º l, alíneas a. e c. do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 8,00 Euros no total de 960,00 Euros.
Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição): Respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida. O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo. Nesta instância a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido nada disse. Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência. Cumpre conhecer do recurso Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso. É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras). Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[1]]. Questões a decidir: - Realização de perícia médico-legal - Medida da pena Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição): Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição): O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição): ****** Diz o recorrente “(…) existindo um estado de dúvida sobre a inimputabilidade do arguido o tribunal tinha o poder-dever, por força do artigo 340°, n.º l do Código de Processo Penal, desencadear o mecanismo previsto no art. 351.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, ou seja, em vista do apuramento da inimputabilidade ou até imputabilidade diminuída da arguida, ordenar a comparência de perito para pronúncia sobre o estado psíquico daquele, medida com eventuais reflexos na pena imposta à arguida ou até requisitar perícia a estabelecimento especializado. Não percebemos em que é que se fundamenta o recorrente para considerar que existia “um estado de dúvida sobre a inimputabilidade do arguido”. O que resulta dos autos é que, ainda antes de o arguido ter prestado declarações em julgamento, o tribunal teve conhecimento de que num outro processo em que a sua conduta era similar à dos presentes autos, havia sido elaborado relatório pericial às suas faculdades mentais e por isso solicitou ao CHPC “a análise do relatório realizado em confronto com a matéria de que o arguido vem acusado nestes autos a fim de permitir saber se as conclusões constantes daqueles podem ser transpostas para o caso ora em apreço”. O CHPC respondeu esclarecendo que perante os dados de que dispõe, “parece lícito transpor as conclusões factuais da perícia [efectuada no processo nº 252/07.5GCLSA] para a circunstância descrita nos autos”, nada impedindo “que se apliquem as mesmas conclusões até porque o relatório é posterior aos factos[[2]]” ou seja, que “o doente mantém com o sistema do real um capital de relação suficiente que lhe permite apreender o certo e o errado, o bem e o mal, o licito e o ilícito, referências fundamentais do seu percurso histórico-cultural (…), que mantém capital na vida de relação capaz de reconhecer e de ser determinar segundo [estes] princípios”, que “é considerado imputável para os factos em análise” mas que devem “considerar-se fortes atenuantes dadas as condicionantes patológicas apontadas/discutidas”. Perante esta resposta, o tribunal a quo nada mais determinou quanto ao assunto, considerando-se esclarecido e realizou o julgamento sem que ordenasse a realização de qualquer outra diligência específica relativamente ao mesmo, tendo considerado provado que “O arguido sofre de um quadro clínico caracterizado por cefaleias, angústia depressiva severa, irritabilidade fácil e insónia.”. Ora, não resulta da sentença que, aquando da decisão, o tribunal tenha tido qualquer dúvida quanto à imputabilidade do recorrente. E parece que o recorrente também não tinha, pois que se a tivesse, teria requerido a realização de perícia em sede de contestação, ou então, teria jogado mão do disposto no artº 340º, nº 1, disposição legal que tanto se aplica ao tribunal, como a si próprio (aliás, como bem chama à atenção a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, ao referir que “na contestação, [não] se faz qualquer referência à inimputabilidade ou imputabilidade diminuída do arguido”). Por isso, tendo sido tal questão suscitada apenas em sede de recurso, estamos perante uma questão nova. Ora, visando os recursos ordinários o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu e sendo eles meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido. Aliás, a jurisprudência é unânime neste sentido, citando-se por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2008 (“O tribunal superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre – cf. Acs. do STJ de 27-07-1965, BMJ 149.º/297; de 26-03-1985, BMJ 345.º/362; de 02-12-1998, BMJ 482.º/150; de 12-07-1989, BMJ 389.º/510; de 09-03-1994, Proc. n.º 43402; de 01-03-2000, Proc. n.º 43/00, SASTJ n.º 39, pág. 55; de 05-04-2000, Proc. n.º 160/00; de 06-06-2001, Proc. n.º 1874/02 - 5.ª (não pode o STJ conhecer em recurso trazido da Relação de questões não colocadas perante este Tribunal Superior, mesmo que resolvidas na decisão da 1.ª instância); de 28-06-2001, Proc. n.º 1293/01 - 5.ª; de 26-09-2001, Proc. n.º 1287/01 - 3.ª; de 16-01-2002, Proc. n.º 3649/01 - 3.ª; de 30-10-2003, Proc. n.º 3281/03 - 5.ª (os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei); de 22-10-2003, Proc. n.º 2446/03 - 3.ª, SASTJ n.º 74, pág. 147; de 27-05-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209; de 20-07-2006, Proc. n.º 2316/06 - 3.ª; de 02-05-2007, Proc. n.º 1238/07 - 3.ª; e de 10-10-2007, Proc. n.º 3634/07 - 3.ª.”) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010 (“os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre.”). Por isso, esta questão apenas poderia ser abordada como vício da sentença, nomeadamente, como insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artº 410, nº 2, alínea a.). Talvez por ter tido essa percepção, o recorrente também o invoca a este respeito. Porém, a sentença não padece de tal vício, pois que o mesmo apenas ocorre “quando da actualidade vertida na decisão em recurso, se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição” (Ac. do STJ de 97-05-08, Ac.s STJ V, 2, 200). Como se diz em “Código de Processo Penal Anotado”, de M. Simas Santos e M. Leal Henriques, pág. 738, parafraseando o acórdão do STJ de 99/06/02, processo n.º 288/99, “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação; no cumprimento do dever de descoberta da verdade material, que lhe é imposto pelo normativo do art.º 340.º do Código de Processo Penal, o tribunal podia e devia ter ido mais longe; não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa. Os factos que ficaram por apurar têm, portanto, de ser factos que, num juízo de prognose, se admita virem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis e que, vindo a ser provados, determinarão ou a alteração da qualificação jurídica da matéria de facto ou da medida da pena ou de ambas”([3]). Ora, do texto da sentença não decorre tal insuficiência e a sua invocação pelo recorrente mais não é do que um disfarçar de vício da sentença aquilo que na realidade mais não é do que uma questão nova. Aliás, se atentarmos bem no texto recursivo, o recorrente nunca afirma que deve ser considerado imputável ou que tenha uma imputabilidade diminuída: apenas queria que em sede de recurso fosse ordenada a realização de uma perícia para detectar “se a arguida (sic) é inimputável, se tem imputabilidade diminuída ou se é imputável”, esquecendo-se que dos autos consta um “esclarecimento pericial” que considera que o mesmo “mantém com o sistema do real um capital de relação suficiente que lhe permite apreender o certo e o errado, o bem e o mal, o licito e o ilícito, referências fundamentais do seu percurso histórico-cultural (…), que mantém capital na vida de relação capaz de reconhecer e de ser determinar segundo [estes] princípios”, que “é considerado imputável para os factos em análise” embora devam “considerar-se fortes atenuantes dadas as condicionantes patológicas apontadas/discutidas”. Por isso, nenhuma razão assiste ao recorrente quanto à questão acima analisada. Diz também o recorrente: “(…) na sentença recorrida, apenas foi dado como provado, nos outros factos provados, que “O arguido sofre de um quadro clínico caracterizado por cefaleias, angústia depressiva severa, irritabilidade fácil e insónia”, nada mais! A questão prende-se, mais uma vez com a imputabilidade do arguido. Por isso, tendo o tribunal considerado que é imputável, ou seja, que não sofria à data dos factos de qualquer diminuição da imputabilidade e muito menos que era inimputável, não teria qualquer razão que averiguar e pronunciar-se sobre se “a situação de saúde [d]o arguido poderia ou não ter afectado a sua vontade ou consciência à data e na prática dos referidos factos”. Por isso, também neste aspecto não merece reparo a sentença. Diz ainda o recorrente: “Subsidiariamente sempre se dirá que, a escolha da medida da pena foi, na Douta Sentença recorrida, inteiramente desconsiderado o facto de o arguido sofrer do referido quadro patológico, sendo que o que vai disposto nos art°s 71°, n° 2, e 72°, n° 1, do Código Penal impunha decisão diversa, designadamente a aplicação de uma graduação mínima da pena, ou até mesmo a sua atenuação especial, o que não foi feito, pelo que tais normas foram, na douta sentença recorrida, directamente violadas. Ao contrário do que é afirmado, na determinação da medida da pena o tribunal teve em conta que “o arguido sofre de um estado depressivo que o leva a estados de ansiedade e exaltação”. Consta da fundamentação tal ponderação e por isso foi considerado aquando da reflexão sobre dosimetria da pena. Por outro lado, não vislumbramos que tenham sido violados ou que tenham sido mal aplicados os critérios do artº 71º do Código Penal. Aliás, para além da sempre presente questão sobre a inimputabilidade/imputabilidade diminuída, o recorrente não concretiza qualquer erro do tribunal nesta parte. Nesta conformidade, e porque consideramos que a aplicação daqueles critérios levam a que a medida da pena se deva situar a 1∕3 da moldura penal, não merece censura a pena aplicada. * Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso. * Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça. * Luís Ramos (Relator) Olga Maurício
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