Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00329/07.7BEMDL |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 11/08/2024 |
| Tribunal: | TAF de Mirandela |
| Relator: | RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA |
| Descritores: | CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL; NULIDADE; ABUSO DE DIREITO; |
| Sumário: | I – Nos termos do artigo 68º do D.L. 197/99, de 08.07., no decurso da execução do contrato, a entidade adjudicante podia, a pedido fundamentado do adjudicatário, autorizar a cessão da correspondente posição contratual [nº.1], desde o eventual cessionário não se encontrasse em nenhuma das situações previstas no artigo 33.º e tivesse capacidade técnica e financeira para assegurar o exato e pontual cumprimento do contrato [nº. 2]. II- Ante a evidência que a cessão da posição de contratual foi autorizada sem a celebração do contrato de concessão que estabeleceria os direitos e obrigações a ceder, duas hipóteses são equacionáveis: III - A primeira é que a cessão da posição contratual foi autorizada em situação não integrável na previsão legal [inexistia qualquer contrato a decorrer] e com preterição das formalidades previstas [falta de aferição da idoneidade legal, material e financeira da entidade cessionária]. IV - A segunda é que a autorização foi projetada para produzir efeitos após a celebração do contrato de concessão a formalizar. V- Em qualquer das duas situações, a cessão autorizada não importa a produção de quaisquer efeitos. VI- Isto porque, na primeira hipótese, o ato autorizativo representa a prática de um ato com objeto ou conteúdo impossível, o que o fulmina com o desvalor da nulidade, nos termos do disposto na alínea c) do nº. 2 do 133º [atual 161º] do C.P.A. VII- Na segunda hipótese, a cessão da posição contratual é também nula ou inexistente, em virtude de não ter sido celebrado o contrato de concessão que estabeleceria os direitos e obrigações a ceder. VIII- Não operando a cessão de posição contratual a produção de quaisquer efeitos jurídicos, inexiste qualquer fundamento jurídico que permita transpor à Autora, ora Recorrida, o dever de contratar estabelecido entre o Município Réu e a concorrente [SCom01...], S.A., situação que tem um verdadeiro efeito de implosão relativamente à pretensão indemnizatória formulada pela Autora na presente ação. IX- Inexistindo, verdadeiramente, um “factum proprium” – ou seja, um ato anterior que, praticado pelo Réu, possa ter originado uma situação de confiança merecedora de proteção, resulta inequívoca a inexistência de qualquer excesso manifesto suscetível de integrar abuso do seu direito no tocante ao exercício do direito de recurso.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos: * * I – RELATÓRIO 1. O MUNICÍPIO ..., Réu nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM em que é Autora a sociedade comercial [SCom02...], S.A., vem intentar o presente recurso jurisdicional da sentença emanada pelo T.A.F. de Mirandela, editada em 26.12.2020, que julgou “(…) a presente ação parcialmente procedente e conden[ou] (…) o Município ... a pagar à A. a quantia de € 1.885.695,00 (um milhão oitocentos e oitenta e cinco mil seiscentos e noventa e cinco euros), acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento (…)”. 2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I. Na Douta Sentença ao decidir-se que a [SCom02...] assumiu a posição de adjudicatária do Concurso, a um tempo, não se justificou com a fundamentação de Direito aplicável e decidiu-se em oposição aos factos provados, por isso, esta Sentença incumpre o disposto nas alíneas d) e c) do nº 1 do artº 615º do CPCivil o que gera a respetiva nulidade. II. Foi a sociedade [SCom01...], S.A., a adjudicatária do procedimento por concurso público internacional com vista à celebração de contrato para a concepção/construção de um edifício para habitação, comércio, serviços e parque público de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras, com recolha pública e personalizada, no espaço sito na Avenida ..., com a concessão de exploração do supra parque público de estacionamento, a concessão da gestão e exploração de um parque de estacionamento subterrâneo, a construir pela Câmara Municipal ..., previsto no edifício do antigo Colégio ... e a concessão da exploração do estacionamento de superfície, pago, na cidade ..., como foi dado por provado no facto 16. III. A [SCom01...] solicitou a cessão da posição contratual decorrente do procedimento concursal ora em questão, para uma sociedade a constituir, a Autora ora Recorrida, mas fê-lo no pressuposto do cumprimento da legislação vigente sobre a cessão da posição contratual que, além do mais, pressupõe a existência jurídica da cessionária e a existência de um contrato prévio que tenha sido outorgado pela própria cedente, condições estas que na altura do pedido não existiam. IV. Este pedido da [SCom01...] foi apreciado pelo consultor jurídico do Recorrente que emitiu parecer sobre o mesmo com o seguinte destaque: “(…) O contrato celebrado ou a celebrar entre a Câmara Municipal ... e a [SCom01...], Lda é, no fundo, um contrato de permuta envolvendo prestações recíprocas. Ora, dispõe o art. 424º, n.º 1 do Código Civil que "no contrato com prestações recíprocas qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contratante, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão". Assim, do ponto de vista jurídico não vemos qualquer óbice a que a Câmara Municipal ... consinta ou autorize a peticionada cessão da posição contratual. Se alguma dúvida houver sobre a capacidade para o efectivo cumprimento da prestação, por parte da cessionária, sempre a Câmara Municipal poderá convencionar com a cedente [SCom01...] que esta garante tal cumprimento (art.º 426.º, nº 2, do Código Civil).” V. Foi o Parecer supra parcialmente transcrito que fundamentou a deliberação tomada pela sessão de Câmara do Recorrente de 10-09-2001 que autorizou a cessão da posição contratual, tendo a [SCom01...] sido informada por ofício de 19-09-2001, de ter sido “(…) deliberado autorizar a cessão da posição contratual (…)” solicitada e, por este mesmo ofício, o Recorrente também notificou a [SCom01...], S.A., para assinar o contrato promessa de permuta, numa altura em que a Recorrida ainda nem sequer estava constituída, o que só veio a acontecer em 12.10.2001. VI. Com a notificação de 19.09.2001, endereçada pelo Recorrido à [SCom01...], (facto provado 12) passou a ficar claro, não só que o autorizado foi a cessão da posição contratual, e como este ofício remeteu e solicitou à referida empresa a assinatura do contrato promessa de permuta, o autorizado ir-se-ia materializar após a constituição da [SCom02...] com a cessão da posição contratual da [SCom01...] no contrato promessa de permuta, após a constituição e registo daquela. VII. Só depois de constituída a ora Recorrida é que as comunicações passam a ser dirigidas a esta, onde se insere o oficio n.º ...89, de 15.1.2002, remetido à Recorrida em que o Recorrente notificou, “Somos por este meio a informar que a [SCom01...], S.A., ... ...26, com sede na Rua ..., em ..., é a empresa adjudicatária da empreitada de Concepção/Construção da Empreitada em assunto. Neste sentido, informamos ainda que, nos termos do art.º 424.º e seguintes do Código Civil, a Câmara Municipal ... aceita a cessão da posição contratual que a [SCom01...], S.A. acordou com a empresa [SCom02...], S.A., no âmbito desta empreitada e de acordo com a deliberação de 10 de Setembro de 2001 da Câmara Municipal ....” (Sublinhado nosso). VIII. Consequentemente, o ato jurídico a praticar sempre foi a cessão da posição contratual, ato esse que a própria Recorrida claramente esclarece na rua réplica que o contrato de cessão da posição contratual foi celebrado após a escritura pública de constituição da A, ora Recorrida, e, por isso, esta conclusão inovatória e peregrina assumida pelo Vº Tribunal a quo, na Douta Sentença, de que alegadamente a Recorrida assumiu a posição de adjudicatária no procedimento, não faz sentido nenhum, uma vez que além de ilegal, por não ter suporte na legislação vigente, nada tem a ver com os factos provados e nem sequer com a vontade das Partes, nem com os atos que as mesmas praticaram. IX. E tanto assim é que o contrato promessa de permuta foi outorgado entre o Recorrente e a sociedade adjudicatária [SCom01...], S.A., a 21.09.2001, declarando ambas as Partes no segundo pressuposto do contrato promessa, que constitui o facto provado nº 13., que “Por forma a efectuar uma gestão mais próxima de ... e dos ... da execução da obra e exploração da concessão lançados a concurso, a sociedade representada pelos segundos outorgantes, conjuntamente uma construtora, procederá à constituição de uma nova sociedade comercial, com sede na cidade ... e denominação de "[SCom02...], S.A.", a qual sucederá nos direitos emergentes do presente contrato-promessa, em termos e condições a acordar com a primeira contratante.” (Sublinhado nosso). X. É evidente que o próprio preâmbulo do contrato promessa de permuta impede que a ora Recorrida tenha assumido a posição de adjudicatário do concurso se apenas foi previsto e acordado que apenas viria a suceder nos direitos decorrentes do contrato promessa e com a restrição relativa aos termos e condições a acordar posteriormente entre a [SCom01...] e o ora Recorrente. XI. Mas não tem razão o Vº Tribunal a quo quando diz a fls. 68 da Douta Sentença que “Ora, sendo requisito fundamental do negócio a existência de um contrato bilateral de que advenham direitos e obrigações para ambas as partes, temos que a autorização requerida pela [SCom01...] e concedida pela Câmara Municipal para cessão dos direitos emergentes da adjudicação não constituiu uma cessão da posição contratual.” XII. Nem o normativo vigente o permite! XIII. É verdade que é requisito fundamental da cessão da posição contratual a existência de um contrato bilateral de que advenham direitos e obrigações para ambas as partes, mas já não faz qualquer sentido o que subsequente se diz, no parágrafo transcrito, porque a autorização concedida pela Câmara Municipal foi para a cessão da posição contratual, face ao informado pelo consultor jurídico, o que foi feito nos termos do nº 1 do artº 424º do Código Civil. XIV. E em comunicação nenhuma a Câmara fala em “(…) direitos emergentes da adjudicação (…)” mas, outrossim fala, exclusivamente, em cessão da posição contratual! XV. Os interessados, e no caso em apreço a [SCom01...], são livres de pedir o que entenderem, mas o deliberado e o notificado pela edilidade é que releva e a edilidade, quer em 19.09.2001, quer em 15.1.2002 (factos provados 12 e 16), sempre falou em cessão da posição contratual, o que também se encontra vertido no segundo pressuposto do contrato promessa de permuta outorgado em 21.09.2001. XVI. Obviamente que para que o contrato de permuta pudesse ser objeto de cessão da posição contratual, necessariamente, já teria que se encontrar constituída a própria Recorrida para que pudesse haver cessão, o que as Partes –Recorrente e [SCom01...]- relevaram no pressuposto segundo do contrato promessa de permuta. XVII. E podendo o consentimento ser anterior ou posterior à cessão, no caso ora em apreço, como vimos expondo, até foi anterior à cessão (não só não havia contrato nem a Recorrida ainda existia), nos termos do nº 2 do artº 424º do C.Civil a cessão só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento. XVIII. Ou seja, a cessão da posição contratual da [SCom01...] para a Recorrida no contrato promessa de permuta, foi aceite pelo oficio n.º ...89, de 15.01.2002 (facto provado 16), mas, sempre, e só, nos termos do artº 424º e seguintes do Código Civil. XIX. E entre o Recorrente e a [SCom01...] apenas um contrato foi assinado, o contrato promessa de permuta, pelo que apenas os direitos decorrentes deste contrato poderiam ser, e foram, transferidos para a ora Recorrida [SCom02...]. XX. Mesmo que se entenda que a Lei aplicável ao procedimento concursal é o regime jurídico das empreitadas de obras públicas, por se tratar de um contrato misto e a componente de maior peso financeiro ser a empreitada, em que aplicável ao caso seria o artº 148º do DL 59/99, de 02.03, terá de haver contrato escrito para se poder proceder à cessão da posição contratual do empreiteiro e não podendo haver essa cessão ainda na fase anterior à outorga do contrato, precisamente porque a lei o não prevê e, por isso, não permite, como melhor decorre do Princípio da Legalidade. XXI. Entendendo-se que a lei aplicável ao procedimento era o DL 197/99, de 08.06, como consta informado no processo administrativo pelo Departamento de Obras e Urbanismo do Recorrente, também no âmbito do referido diploma, atento o princípio da legalidade, é indispensável que o contrato se encontre outorgado e a ser executado, para que seja possível a cessão da posição contratual, face à expressão usada “(…) no decurso da execução do contrato (…)”. XXII. Consequentemente, a Recorrida não assumiu no presente procedimento concursal a posição de adjudicatária não só porque não foi esse o objetivo do Recorrente, que foi quem tinha o direito e o dever de aceitar a cessão da posição contratual e que sempre o fez nos termos do artº 424º e seguintes do CCivil, mas, essencialmente, porque a legislação aplicável o não permitia, nem permite, porquanto a cessão da posição contratual só existe desde que haja contrato outorgado e em execução, o que é incompatível com a posição do adjudicatário. XXIII. Percute-se que, no procedimento concursal ora em questão, o adjudicatário foi a [SCom01...] S.A., e essa posição nunca foi cedida a ninguém porque a lei o não permite, e, por isso, essa posição de adjudicatário do procedimento concursal ora em questão, nunca foi aceite pelo Recorrente que pudesse ser transmitida e, também por isso, nunca foi assumida pela Recorrida. XXIV. O Vº Tribunal a quo ao concluir que aquando da sua constituição e correspondente registo, a [SCom02...] Lda, ora Recorrida, assumiu a posição de adjudicatário do concurso comete um erro de julgamento que terá de ser corrigido, porque os fundamentos do decidido estão em oposição com a decisão, o que gera a nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artº 615º do CPCivil e a mesma decisão também não especifica os fundamentos de Direito, uma vez que não existem, o que simultaneamente incumpre a alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPCivil. XXV. Mas a Douta Sentença também é nula porque o Vº Tribunal a quo condenou o Recorrente em objeto diverso do pedido, violando o disposto na alínea e) in fine do nº 1 do artº 615º do CPCivil. XXVI. No pedido formulado peticiona a Recorrida “A) Ser o R. condenado no pagamento à A. da quantia de € 2.514.939,00, devida em sede de responsabilidade contratual pela não celebração do contrato de concessão relativo a dois parques de estacionamento subterrâneo e estacionamento à superfície na cidade ..., à qual acrescem juros de mora desde a prática do facto ilícito até efetivo e integral pagamento”. XXVII. No procedimento concursal, de facto, não foi outorgado o contrato decorrente do mesmo e que se encontrava previsto no artigo 21º do Programa do Concurso (facto provado 2). XXVIII. A adjudicatária do procedimento concursal [SCom01...], S.A., solicitou a cessão dos seus direitos para a sociedade a constituir, ora Recorrida, tendo-lhe sido autorizada a cessão da posição contratual nos termos do artº 424º e seguintes do Código Civil (factos 12 e 16). XXIX. Atento o estatuído no nº 1 do artº 424º do Código Civil, a Adjudicatária do procedimento concursal, ao ceder a sua posição contratual, só o podia ter feito relativamente ao contrato promessa de permuta, porque nada foi contratualizado relativamente à concessão da exploração dos estacionamentos, cuja adjudicação se manteve na esfera jurídica da [SCom01...], porque não foi transmitida para a [SCom02...]. XXX. A cessão da posição contratual, sublinhe-se, foi aceite pelo Recorrente, nos termos do artº 424º do C.Civil, o que pressupõe um contrato prévio que, quanto à concessão de exploração dos estacionamentos, nunca existiu. XXXI. O único contrato outorgado pela Adjudicatária [SCom01...] na sequência do procedimento concursal foi o contrato promessa de permuta. XXXII. Tratando o processo concursal de uma conceção construção e concessão de exploração, o diploma aplicável ao objeto do negócio era o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, regime especial, instituído pelo DL 59/99, de 02.03, que no seu artº 148º, de forma similar ao Código Civil, estatuía no nº 1 que “O empreiteiro não poderá ceder a sua posição contratual na empreitada, no todo ou em parte, sem prévia autorização do dono da obra” e no nº 3 “Se o empreiteiro ceder a sua posição contratual na empreitada sem observância do disposto no nº 1, poderá o dono da obra rescindir o contrato.” XXXIII. E para efeito da apreciação da eventual autorização o dono da obra sempre deveria exigir que o novo empreiteiro oferecesse as mesmas garantias que o adjudicatário primitivo no respetivo procedimento, o que, no caso concreto, não foi exigido nem apresentado. XXXIV. Assim, também no âmbito da legislação especial aplicável ao procedimento, a cessão da posição contratual só é possível após o empreiteiro ser titular de “(…) posição contratual na empreitada (…)”. XXXV. E como o único contrato outorgado entre o Recorrente e a [SCom01...], S.A., foi o contrato de promessa de permuta, por isso, o que foi cedido à Recorrida foi a posição da [SCom01...], S.A., no contrato de promessa de permuta, nada mais. XXXVI. De resto, o direito decorrente da adjudicação do procedimento inicial de 2000 nunca deixou de estar na esfera jurídica da [SCom01...] e existiria até à sua extinção por caducidade do direito, se mais não fora, devido ao seu não uso, porque, como vimos, não foi objeto de cessão da posição contratual para a ora Recorrida, porque esta parte do procedimento não chegou a ser contratualizada. XXXVII. Do procedimento concursal inicial de 2000 apenas não se chegou a contratualizar a concessão de exploração porque, no entender do Tribunal de Contas, o procedimento era nulo. XXXVIII. Porém, a ora Recorrida não adquiriu por cessão e não detém qualquer direito à celebração do contrato de concessão dos estacionamentos decorrente do procedimento inicial de 2000 e, por isso, muito menos tem qualquer direito indemnizatório daí decorrente! XXXIX. Assim sendo, o Vº Tribunal a quo deveria ter julgado improcedente o peticionado sob a alínea a) do pedido formulado na p.i. XL. E como, pela permuta, as partes declararam “nada ter a receber uma da outra” valorando os bens trocados no mesmo montante, como melhor consta a escritura pública integrada no PA com a designação “2002-12-10 Constituição PH” (facto provado 19) XLI. Já vimos que a Recorrida na sua qualidade de cessionária apenas sucedeu nos direitos decorrentes do contrato promessa de permuta aliás, de acordo com o estabelecido no segundo pressuposto do contrato promessa de permuta. XLII. Isto é, a Recorrida apenas adquiriu os direitos decorrentes do contrato de promessa de permuta que foram materializados na própria permuta, em que as partes nesse contrato, ora Recorrente e Recorrida, declararam que os bens que trocaram foram valorados em € 3.908.081,51 e, consequentemente, nada mais passaram a ter a receber ou a pagar reciprocamente uma à outra. XLIII. Consequentemente, em sede de responsabilidade contratual, do conjunto de direitos e obrigações que para a Recorrida resultaram do contrato de permuta, porque esta não tem mais nenhum direito nem mais nenhuma obrigação para com a Recorrente e vice-versa, nada mais a Recorrente tem a pagar à Recorrida. XLIV. Mas tendo a Recorrida peticionado uma pretensa obrigação contratual que inexiste, relativa à concessão de exploração dos parques de estacionamento, a condenação é decidida sobre uma responsabilidade pré-contratual que do Recorrente também inexiste relativamente à Recorrida porque esta não é a adjudicatária do procedimento concursal ora em questão, como atrás melhor se esclarece e aqui se dá por reproduzido. XLV. Consequentemente, a Douta Sentença, em crise, só poderia condenar o Recorrente nos termos pedidos pela Recorrida, ou seja, pela não celebração do contrato de concessão de exploração de dois parques de estacionamento subterrâneos e do estacionamento de superfície, pago, na cidade ..., cujo direito lhe não foi transmitido pela [SCom01...], S.A., e, por isso, o Recorrente não pode ser objeto de qualquer condenação por a Recorrida não ser titular do pretenso direito que invoca. XLVI. E jamais se pode aceitar que a Recorrida tenha o direito à celebração do contrato de concessão de exploração dos dois parques de estacionamento subterrâneos e do estacionamento à superfície, pago, na cidade ..., porque a adjudicatária do procedimento concursal foi a empresa [SCom01...], S.A. e não a Recorrida que também não adquiriu nenhum direito relativo a tal procedimento porque a Lei o não permite nem o Recorrente lho conferiu. XLVII. Mas tendo a Recorrida pedido a condenação do Recorrente no pagamento da quantia de € 2.514.939,00, devida em sede de responsabilidade contratual pela não celebração do contrato de concessão relativo a dois parques de estacionamento subterrâneo e estacionamento à superfície na cidade ..., (…)”, salvo o devido respeito, não pode a Douta Sentença condenar o Recorrente a título de responsabilidade pré-contratual, que não foi pedida, porque isso constitui uma condenação em objeto diverso do pedido, o que se encontra vedado pelo disposto na alínea e) do nº 1 do artº 615º do CPCivil e gera a nulidade da Sentença. XLVIII. Andou mal o Vº Tribunal a quo em condenar o Recorrente em juros de mora, quando este não só nada deve à Recorrida porque o contrato com esta outorgado, que foi de permuta, tinha prestações recíprocas em bens que ambas as partes valoraram no mesmo montante € 3.908.642,79 (factos provados 18 e 19) e com a escritura de permuta, facto provado 19, as obrigações contratuais entre o Recorrente e a Recorrida ficam cessadas. XLIX. E foi precisamente a Recorrida quem não quis contratualizar a concessão de exploração dos parques de estacionamento subterrâneos e o estacionamento pago à superfície na cidade ... como por vários procedimentos concursais lhe foi proposto, dado que não foi a Recorrida a adjudicatária do procedimento concursal lançado em 2000, mas outrossim a sociedade [SCom01...], S.A. (facto provado 7). L. A existirem juros de mora, o que se concebe por dever de patrocínio sem conceder, os mesmo apenas podem ser contabilizados a partir da data da condenação, porquanto até aí o Recorrente nada devia à Recorrida. LI. Com efeito, da aplicação do princípio in illiquidis non fit mora constante da 1ª parte do nº 3 do artº 805º do CCivil releva a iliquidez objetiva e esta verifica-se quando o devedor não estiver em condições de saber o que deve, se é que deve. LII. No caso, estamos perante uma situação de iliquidez objetiva. LIII. Estando em causa o quantum do capital em responsabilidade contratual, só agora o crédito se liquidou, sem que se possa imputar ao Recorrente qualquer culpa neste retardamento da liquidação (Cfr. artºs 804º, 805º, nºs 1 e 3 e 806º, nºs 1 e 2 do Código Civil). LIV. Não é exigível ao devedor que pague sem saber o que deve, não lhe sendo exigível que o soubesse antes da presente decisão. Aliás, o montante fixado, que se não aceita, é muito inferior ao valor do pedido, não podendo considerar-se o Recorrente constituído em mora desde a data da citação. LV. De outro modo mais exigente, defende Antunes Varela, que a liquidez da obrigação só se dá a partir do momento em que a indemnização seja fixada pelo Tribunal. LVI. Assim, só existirá mora a partir da data da decisão que vier a ser tomada nos presentes autos, e e caso se considerar que o Recorrente incumpriu a sua parte no negócio, o que se concebe uma vez mais por dever de patrocínio, sem conceder (neste sentido, os acórdãos do STJ de 27.04.2005, de 08.06.2006 e de 15.03.2007, in www.dgsi.pt). LVII. Por tudo o exposto, andou mal o Tribunal a quo ao proferir a decisão que proferiu, sendo que no entender do Recorrente os pedidos deduzidos pela Recorrida deveriam ter improcedido por não provados e, consequentemente, o Recorrente deveria ter sido absolvido do pedido (…)”. * 3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida contra-alegou, as quais integram, a título subsidiário, um pedido de ampliação do objeto do recurso - que rematou da seguinte forma: “(…) 1ª O Recorrente contesta o entendimento da douta sentença recorrida de que a Recorrida assumiu a posição de adjudicatária do procedimento pré-contratual, na sequência de pedido da empresa adjudicatária, adiantando que tal entendimento constitui nulidade nos termos do artigo 615º/nº 1 c) e d) do CPC. 2ª É manifesto que o Recorrente compreendeu a pretensão que a Recorrida lhe submeteu à apreciação, da qual não efectuou o correcto enquadramento jurídico, pois autorizou a cessão de posição de um contrato que ainda não existia, quando o que deveria ter feito era uma cessão da posição de adjudicatário (modificação subjectiva). 3ª A tese do Recorrente de que apenas autorizou a cessão da posição no contrato de permuta e não autorizou na concessão de estacionamento também não tem suporte factual, pois a deliberação de autorização (facto provado 11) é anterior à assinatura do contrato-promessa de permuta. 4ª No pressuposto primeiro do contrato-promessa de permuta alude-se ao concurso público e na cláusula primeira do mesmo, além de se voltar a aludir ao concurso público, anexam-se o projecto e o caderno de encargos do mesmo (facto provado 13), pelo que é indefensável a tese do Recorrente de que cessão da posição contratual (rectius, posição de adjudicatária) não abrangia a concessão. 5ª Resulta do facto provado 23 que nos meses de Outubro e Novembro de 2003 as partes se preparavam para outorgar o contrato de concessão e gestão da exploração dos estacionamentos subterrâneos e à superfície, pelo que é indefensável a tese do Recorrente de que cessão da posição contratual (rectius, posição de adjudicatária) não abrangia a concessão. 6ª Se o Recorrente entende que o único negócio que fez com a Recorrida foi o da permuta/construção, não se compreende porque é que enviou um ofício à Recorrida informando que não lhe podia outorgar a concessão por causa do relatório do Tribunal de Contas, mas que os direitos da Recorrida estavam acautelados e até quantificados por via de um parecer solicitado pela própria Recorrida que incluía o valor da indemnização a pagar em caso de não entrega da concessão à Recorrida. 7ª O Recorrente cumpriu com quase todas as suas obrigações decorrentes do concurso público, excepto com a outorga da concessão da gestão e exploração dos estacionamentos à superfície e subterrâneos, sendo que durante três anos as partes cumpriram o que estava previsto no concurso público, até ter surgido o Tribunal de Contas. 8ª O Recorrente procura agora negar que autorizou que a adjudicatária tivesse cedido a sua posição à aqui Recorrida, não obstante ter sido esta última quem cumpriu todas as obrigações previstas no concurso público para o adjudicatário. 9ª Como bem explica a sentença recorrida, o que sucedeu nesta situação foi que o Recorrente dividiu a formalização do objecto do concurso em dois contratos: primeiro a construção/permuta e depois, quando a obra estava praticamente finda (e o parque de estacionamento pronto para ser explorado), seria outorgada a concessão, ao invés de logo após a adjudicação se ter celebrado o contrato misto de empreitada de obra pública e concessão da gestão e exploração dos estacionamentos. 10ª A Recorrida não teve qualquer responsabilidade na condução do procedimento de formalização dos contratos, tendo assinado o que Recorrente lhe solicitou e no momento em que aquele o determinou, ou seja, fez fé que o Recorrente conhecia os procedimentos legais adequados e assim se bastou. 11ª A sentença recorrida aplicou correctamente a lei aos factos provados, tendo-se demonstrado à saciedade que a Recorrida assumiu a posição de adjudicatária e que tal correspondeu à vontade das partes, desde o primeiro momento e ao longo de toda a relação estabelecida entre ambas, em que o objecto do concurso público foi executado quase na sua plenitude, razão pela qual não se verificam as apontadas nulidades previstas no artigo 615º/nº 1 c) e d) do CPC. 12ª Não tem razão o Recorrente quando sustenta que a sentença recorrida incorreu na nulidade prevista no artigo 615º/nº 1 e) do CPC porquanto a Recorrida pediu a condenação da Recorrente a título de responsabilidade contratual e a sentença condenou-a a título de responsabilidade précontratual, dado ser incontroverso que os Tribunais não estão vinculados às alegações das partes quanto à aplicação do Direito, pelo que deve a nulidade invocada ser rejeitada. 13ª Não obstante a Recorrida entender que os juros de mora são devidos antes da citação, o que a sentença recorrida considera é que se trata aqui de um caso de responsabilidade civil por facto ilícito e o nº 3 do artigo 805º do Código Civil manda contabilizar juros desde a citação. 14ª O Recorrente não tem razão quando alega que os juros moratórios são devidos apenas a partir da data da prolação da sentença, sendo certo que a sufragar-se o seu entendimento a indemnização não respeitaria o disposto no artigo 566º/nº 2 do Código Civil, pois o valor fixado não estaria actualizado e o Recorrente obteria assim um enriquecimento injustificado. 15ª Os juros são devidos desde a citação no caso da indemnização não ter sido actualizada (de acordo com a taxa de inflação ou índice de preços do consumidor), o que não sucedeu neste caso, em que o valor é o mesmo desde 2007, sendo que inversamente seriam devidos juros desde a sentença apenas se a indemnização tivesse sido actualizada, pelo que deve ser rejeitado este segmento do recurso. 16ª Os três argumentos invocados pelo Recorrente no seu recurso devem ser todos julgados improcedentes. EM AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 17ª No artigo 161 da p.i. a Recorrida sustenta que os juros moratórios são devidos desde a prática do facto ilícito e reitera este entendimento no pedido A) que veio a ser (parcialmente) procedente. 18ª A Recorrida alega e prova que com a comunicação que o Recorrente lhe enviou datada de 18.10.2004 (facto provado 42) aquele assume expressamente que não vai outorgar o contrato de concessão de gestão e exploração dos subterrâneos e abre novo procedimento adjudicatório, ou seja, o facto ilícito foi praticado nesse momento e a sentença confirma-o. 19ª Se a sentença considera que o facto lesivo se deu entre 28.09.2004 e 18.10.2004, então só há que aplicar o disposto no artigo 805º/nº 2 b) do Código Civil, pois a mora dá-se com o facto ilícito (neste caso até já havia incumprimento definitivo) e, por este motivo, são devidos juros moratórios desde 18.10.2004. 20ª A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de Direito, concretamente do disposto no artigo 805º/nº 2 b) do Código Civil, devendo este segmento ser revogado e decidido que os juros de mora são devidos desde 18.10.2004, o que se requer em ampliação do objecto do recurso. SUBSIDIARIAMENTE: EM AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 21ª Prevenindo a possibilidade do Tribunal “ad quem” considerar que a sentença recorrida não podia ter condenado o Recorrente a título de responsabilidade pré-contratual (o que apenas por mera cautela de patrocínio se coloca), a Recorrida mantém o entendimento exposto na petição inicial de que se trata aqui de responsabilidade contratual. 22ª As partes respeitaram sempre as regras impostas pelo Programa de Concurso e pelo Caderno de Encargos, desde 2001 até finais de 2003, tudo se passando como se o contrato (de concessão) tivesse sido celebrado. 23ª Em 2001 foi celebrado um contrato-promessa de permuta, e em Dezembro de 2002 sucedesse o contrato definitivo (de permuta), sendo que no caso do Recorrente (mais relevante aqui para este efeito) ficou proprietário de um parque de estacionamento público com 450 lugares, 12 lugares de estacionamento afectos à Junta de Freguesia ... e o edifício que iria albergar esta autarquia. 24ª Só quando as obras estavam prestes a terminar, concretamente entre Novembro e Dezembro de 2003 (a recepção provisória ocorreu em inícios de Março de 2004), é que as partes se preparavam para celebrar o contrato de concessão e a boa-fé das partes em todo este tempo foi traída pelo Recorrente, que se fez valer da recomendação do Tribunal de Contas para suportar a sua conduta. 25ª Na situação dos autos verifica-se o cumprimento efectivo da totalidade das prestações contratuais por parte da Recorrida e o cumprimento parcial das prestações contratuais pelo Recorrente, em respeito pela adjudicação e regras concursais, faltando apenas a outorga do contrato de concessão, entendendo-se que este facto último não ter ocorrido não afasta a responsabilidade contratual (até porque o contrato principal – o da construção/permuta – foi assinado). 26ª O entendimento jurisprudencial e doutrinal que defende a responsabilidade pré-contratual com indemnização pelo interesse contratual positivo em situações similares tem subjacente uma factualidade diversa: adjudica-se o contrato mas o mesmo não é assinado e nenhuma prestação contratual é efectivada, o que não sucede neste caso, em que o contrato foi cumprido quase na sua totalidade. 27ª O Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento de Direito, concretamente aplicando a figura da responsabilidade pré-contratual, prevista no artigo 227º do Código Civil, normativo este que foi assim indevidamente aplicado, quando se deveria ter aplicado o disposto no artigo 798º do Código Civil. 28ª Na eventualidade de assistir razão ao Recorrente na tese de que que o dono da obra não exigiu garantias ao novo adjudicatário (conclusão XXXIII) e que a lei não permitia a cessão da posição contratual (conclusão XXII), o que apenas se concebe por cautela de patrocínio, entende a Recorrida que o Recorrente actua em abuso de direito, nos termos previstos no artigo 334º do Código Civil. 29ª Constituía obrigação legal do Recorrente convocar a adjudicatária para assinar o contrato, tendo sido por sua opção que a formalização da adjudicação se dividiu em dois momentos: primeiro a construção/permuta e depois a concessão dos estacionamentos. 30ª A adjudicatária solicitou uma cessão da sua posição para a Recorrida, e também foi isso que o Recorrente pretendeu, pois se assim não fosse os factos provados 23, 42 e 43 deixariam de fazer qualquer sentido. 31ª Durante três anos as partes cumpriram o objecto do concurso, sem que alguma vez o Recorrente tenha suscitado questões de legalidade formal ou procedimental que colocariam em causa os direitos da Recorrida decorrentes da adjudicação. 32ª Todos os actos do Recorrente foram sempre no sentido de reconhecer a Recorrida como a adjudicatária e titular do direito à concessão dos estacionamentos, pelo que a invocação agora de falhas procedimentais e invalidades formais configura ostensivo abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, pelo que não pode proceder o pedido do Recorrente (…)”. * 4. O Recorrente respondeu ao pedido de ampliação do objeto do recurso, defendendo a improcedência do mesmo. * 5. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença. * 6. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no n.º1 do artigo 146.º do C.P.T.A. * 7. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta. * * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR 8. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. 9. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes: (i) Quanto ao recurso interposto pelo MUNICÍPIO ..., determinar se a sentença recorrida enferma de (i) nulidade de sentença, por (i.1) oposição dos fundamentos com a decisão; (i.2) por falta de especificação dos fundamentos de direito; e (i.3) por condenação em objeto diverso do pedido; e ainda de (ii) erro de julgamento de direito, designadamente, quanto à condenação em juros moratórios desde a data de citação até integral pagamento. (ii) Quanto à ampliação de recurso pretendida nos autos, apurar se assiste razão à Recorrida quando advoga (i) que os juros moratórios são devidos desde a prática do facto ilícito; de que (ii) nos situamos no âmbito da efetivação de responsabilidade contratual; e ainda que o Réu incorreu em abuso de direito. 10. Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir. * * III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 11. O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: 1. Por deliberação da Câmara Municipal ... de 10.4.2000, e por Avisos publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 25.5.2000 e no Diário da Republica de 3.6.2000, II.ª Série, foi aberto o concurso público internacional para “Conceção/construção de um edifício para habitação, comercio, serviços e estacionamento e concessão de estacionamento em dois parques subterrâneos e estacionamento de superfície” (doravante Concurso) e aprovados o Programa de Concurso e Caderno de Encargos. – cf. pasta 1 do pa em suporte informático apenso aos auto (ponto 1 dos Factos Assentes). Artigo 1.º - OBJECTO
ARTIGO 20º - Minuta do contrato, notificação, adjudicação e caução 20.1 - A C.M.... procederá à audiência prévia dos concorrentes antes de proferir a decisão de adjudicação. Esta audiência será escrita, sendo os concorrentes notificados do local e horas em que podem consultar o relatório da comissão de análise, nos termos do n 0 2 do artigo 41 0 do Decreto Lei n º 197/99, de 8 de Junho, com as necessárias adaptações. ARTIGO 21. º - Celebração do contrato O contrato deverá ser celebrado no prazo de 30 dias contados da data da prestação da caução. [….] - cf. Programa Concurso constante do p.a (ponto 1 dos Factos Assentes). 3. Consta do Caderno de Encargos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que, ARTIGO 1.º - DISPOSIÇÕES GERAIS PROPOSTA […] A proposta compreende assim 15.878 m2 de estacionamento, 1.795 rn2 de comércio, 2.240 rn2 de habitação e 870 m2 de escritórios, com cerca de 1.150 rn2 para instalação da Junta de Freguesia, havendo duas opções para esta: CONDIÇÕES DE FINANCIAMENTO
4.1. Receitas de Exploração Com o objectivo de proceder à previsão de receitas foi analisado um estudo efectuado sobre as zonas onde se vai proceder à implementação dos empreendimentos. De acordo com o resultado da recolha e organização de dados recebidos, foi possível elaborar um "quadro de previsão de receitas mensal", para parques de subsolo. Foram calculadas médias aritméticas para o número de entradas e saídas previstas em cada hora, para o número de viaturas que permanecem, em média, nos parques, e respectiva taxa de ocupação. Estimada a natureza do parqueamento, isto é, calculados os tempos que cada viatura permanece no local, foi possível obter uma média (ponderada) das receitas diárias. A partir destas, calcularam-se valores mensais e anuais. Pelo que se acaba de expor no parágrafo anterior, o que se obteve na previsão das receitas, foi o valor da receita total mês (por exemplo), em média. Entretanto, obtidas as estatísticas que permitiram estimar a taxa de ocupação, foram determinados os restantes pressupostos que serviram de base para elaborar o Mapa das receitas de exploração, bem como efectuar as projecções que serão apresentadas no capítulo 5 — mapas e análise económico-financeira. Conforme já foi referido, os parques a construir no subsolo, terão uma capacidade de 629 viaturas. A [SCom01...] tem como objectivo, nos parques referidos, utilizar 80% dos lugares disponíveis para parqueamento normal, isto é, recolha personalizada, em três modalidades, conforme a seguir se diferencia. É importante referir que os parques funcionarão 24 horas por dia, 365 dias por ano. As tabelas de preços dos parques são as se indicam de seguida: Parqueamento Normal — Diurno
Parqueamento Normal — Nocturno
Avenças Normais
- Nos parcómetros à superfície: Parqueamento Normal — Diurno
A Avença para residentes será considerada pelo período das 20h às 8H 30m nos dias normais de trabalho e todo o dia aos sábados, domingos e feriados. Os valores agora propostos serão actualizados de acordo com o índice de inflação que vier a ser publicado pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) para cada ano. As taxas de ocupação previstas para os 12 meses ao longo do ano, neste estudo, nomeadamente no que se refere ao orçamento de vendas, são as seguintes.
O preço médio foi calculado de acordo com as seguintes estatísticas: Estatísticas para Cálculo do Preço Médio
O mapa de receitas de exploração previsional de utilização do contrato é apresentado no capítulo 5. Prevê-se que se não forem atingidas as taxas de ocupação do presente estudo que as taxas serão corrigidas com um aumento até ao máximo de 10, nos anos em que não se conseguirem as taxas esperadas. É importante referir, que no prazo médio de recebimentos é de 1 dia, dado que o parqueamento normal é feito de imediato. No caso do parqueamento avençado, o utente terá de pagar até ao dia 8 do mês seguinte ao que diz respeito a facturação 4.2. Despesas de Exploração Despesas de pessoal: Dimensionou-se o quadro de pessoal para os diversos parques, obtendo-se um total de 17 trabalhadores ao serviço dos parques. O pessoal será contratado um mês antes da abertura ao público para formação. A remuneração média mensal ronda os 85 contos. Ao vencimento serão acrescidos nos termos da lei, o subsídio de turno (horário nocturno), o subsídio para abonos de falhas de caixa e prémios. Esta política de estrutura relativamente reduzida mas bem remunerada é uma opção estratégica da gestão, que pretende ter nos seus quadros pessoas qualificadas para cada uma das funções, mas com grande flexibilidade, capacidade de desenvolvimento e aprendizagem de novas tarefas, bem como a facilidade de assimilação de novas tecnologias. No quadro abaixo resume-se a constituição e remuneração base do quadro de pessoal:
Os valores referidos são valores actuais, para os anos seguintes considerou-se uma taxa de crescimento nominal igual à da inflação, tendo como objectivo a não redução das condições de remuneração dos trabalhadores. Despesas de Manutenção e Reparação: As despesas de manutenção e reparação do equipamento foram estimadas de acordo com informações obtidas pelas empresas contactadas para fornecerem orçamentos e foram incluídas na rubrica de subcontratos. É importante referir que o período de garantia é de 2 anos, pelo que só a partir desta data foi feita a estimativa. [Imagem que aqui se dá por reproduzida]Subcontratos: Considerou-se que a limpeza dos parques venha a ser efectuada por uma empresa especializada neste tipo de serviços. O valor estimado para o primeiro ano de operação ronda os 500 contos/mês (6000cts./ano). A informação foi fornecida por uma empresa contactada para o efeito. Outras Despesas de Exploração: Para fazer face a despesas imprevistas ou de difícil avaliação num projecto com estas características estimaram-se valores registados em outros fornecimentos e serviços. 5 Mapas e Análise Económica-Financeira Seguem-se os mapas, elaborados para o prazo de 10, 15 e 20 anos, a saber: 1 . Plano de Investimentos; 2. Financiamento do Projecto; 3. Previsão de Receitas de Exploração; 4. Previsão de Despesas de Exploração; 5. Demonstração de Resultados Previsionais; 6. Balanços Previsionais; 7. Orçamento de Tesouraria; 8. Orçamento Financeiro. 5.1. Análise económica-financeira para o prazo do contrato Da análise aos tradicionais indicadores referentes a investimentos ressalta que não obstante a reduzida dimensão destes indicadores, mas dada a sua evolução positiva, ao longo dos anos, este projecto, aparentemente será rentável, ou seja, trata-se de um projecto económico-financeiro viável. Nos primeiros anos, facto que se prende com o avultado investimento, verificaram-se fluxos financeiros diminutos para posteriormente gerar cashflows elevados nos anos seguintes e de maturidade do projecto. Prevê-se que no período em análise os capitais próprios atinjam valores bastante superiores ao endividamento alheio máximo, previsto. A estratégia financeira delineada, demonstra uma perspectiva prudente, dotando a empresa com capacidade financeira para fazer face às exigências de investimento previstos. Destaque-se a inexpressividade das dívidas de terceiros, o que se justifica pelo tipo de actividade. A empresa receberá a quase totalidade das receitas a pronto. A empresa é possuidora de bons indicadores financeiros, como sejam a autonomia financeira, a solvabilidade e a liquidez. O que lhe permite solver com facilidade os seus compromissos tanto a médio e longo como a curto prazo e ter um baixo nível de dependência face a terceiros. Os rácios de viabilidade económica confirmam o interesse do projecto com a rentabilidade do investimento total a crescer no período em apreciação. A RCP (Rentabilidade dos Capitais Próprios) apresenta-se superior à RIT (Rentabilidade do Investimento Total), o que implica o efeito de alavancagem positivo, prevendo-se que os capitais alheios contribuam para o aumento da rentabilidade do investimento. 6. Conclusão O conjunto dos cálculos expressos nas demonstrações financeiras apresentadas no estudo demonstram a viabilidade económica e financeira do projecto. Acima de tudo, procurou-se, desde o início, elaborar um projecto com um cenário muito realista e prudente. Os dados utilizados para prever receitas, nomeadamente taxas de ocupação e preços, como já foi mencionado, foram conseguidos com base em elementos obtidos no local (ou em locais próximos) onde se edificará o novo empreendimento, estimados com base num trabalho efectuado por uma equipa de uma empresa com experiência e fiável. Nunca esteve presente a ideia de empolar receitas, ou reduzir os custos, tendo por objectivo manipular o estudo, levando a conclusões fáceis como é habitual neste tipo de estudos. A viabilidade deste projecto sai reforçada se considerarmos a capacidade financeira dos seus promotores, e ainda, o interesse económico e social que o investimento representa. […] - cf. Proposta constante do p.a. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, (ponto 5 dos Factos Assentes). 7. A Câmara Municipal ..., por deliberação de 26.02.2001, adjudicou o concurso à [SCom01...], comunicando-o pelo oficio ...54, de 6.3.2001, nos seguintes termos: Comunico a V. Exa.. que por deliberação de Câmara do dia 26/02/2001, ao abrigo da alínea h) do nº. 2 do artigo 103º. do CPA, se procede à adjudicação definitiva a essa empresa, devendo apresentar nestes serviços uma caução no valor de 5% do investimento global previsto para realização do contrato, conforme n. º... do artigo 20.º do programa de concurso. - adjudicação constante do p.a., (ponto 6 dos Factos Assentes). 8. Por oficio datado de 12.7.2001, com entrada em 7.9.2001 nos serviços da C.M...., e dirigido ao Presidente da Câmara Municipal ..., a [SCom01...] requereu, Foi adjudicado a esta empresa o objecto do concurso público lançado pelo MUNICÍPIO ... com vista à concepção/construção de um edifício para habitação, comércio e serviços e parque público de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras no espaço sito na Avenida .... Por forma a efectuar uma gestão mais próxima e directa dos empreendimentos em que se encontra envolvida, é prática da [SCom01...] proceder à constituição de uma nova sociedade, conjuntamente com a empresa construtora (empreiteiro geral), com sede no concelho da obra a realizar, para que a construção da mesma e a futura gestão e exploração sejam individualizados, de modo a melhor se adequarem à realidade e necessidades locais. Nesta conformidade, solicita-se a V. Exa. autorização para que a [SCom01...] ceda à sociedade a constituir nos referidos termos, com a denominação de "[SCom02...], S.A." e sede na cidade ..., os direitos emergentes da adjudicação do objecto do concurso público em apreço, sendo que a sociedade em causa, cuja imagem e Know How se encontram estritamente conectados com a [SCom01...], efectuará não só a obra de construção como a posterior comercialização dos imóveis e a exploração do parque de estacionamento, o que, em regime de continuidade e de modo perdurável no tempo, criará postos de trabalho e gerará receita tributável no concelho .... - Cfr. doc. Pedido de Cessão Posição Contratual constante do p.a. (resposta ao quesito 1.º) 9. Relativamente ao requerimento que antecede, foi emitido em 10.9.2001, pelo consultor jurídico do MUNICÍPIO ..., parecer do qual resulta, O contrato celebrado ou a celebrar entre a Câmara Municipal ... e a [SCom01...], Lda é, no fundo, um contrato de permuta envolvendo prestações recíprocas. 10. Foi, ainda, emitida informação pelo Departamento de Obras e Urbanismo do MUNICÍPIO ... da qual se extrai, “Mais se informa que a cessão da posição contratual está prevista no arto. 680 do Dec.-Lei 197/99 de 8 de Junho, diploma pelo qual se rege o concurso, adjudicação e contrato em causa.” – doc. Informação constante do p.a. “Serve o presente para informar V. as Exas. que em Reunião de Câmara na sua Sessão Ordinária de 10/09/2001, foi deliberado autorizar a cessão da posição Contratual de acordo com o vosso requerimento de 12/07/2001, bem como dar conhecimento à Assembleia Municipal como órgão competente que autorizou a concessão em sua Sessão de 28/04/2000. 13. Em 21.9.2001 foi celebrado entre a Câmara Municipal ..., como primeiro Outorgante, e a [SCom01...], como segundo Outorgante, o contrato promessa de permuta nos seguintes termos, PRIMEIRA Pelo presente contrato, o MUNICÍPIO ... promete transmitir para a sociedade que os segundos representam - ou para a sociedade a constituir nos termos do preceituado no pressuposto segundo - o direito de propriedade sobre o seguinte imóvel: Parcela de terreno para construção sita no lugar da "Escola ...", com a área de 4.750 rn2, a confrontar a Norte, Rua Pública, nascente Avenida ..., Sul Câmara Municipal ... e Poente com Rua Pública, omisso na matriz predial e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...01 da Freguesia .... SEGUNDA TERCEIRA A) Constituição, no subsolo, de uma fracção predial composta pelos lugares de parqueamento afectos à exploração do parque subterrâneo de estacionamento, no mínimo de 462 lugares públicos, sendo 12 deles destinados ao uso gratuito pela Junta de Freguesia ... e salvaguardando-se os lugares para parqueamento afectos ao comercio e serviços com respeito pelas normas do PDM ... em vigor; B) Constituição no subsolo, de uma fracção predial por cada um dos lugares de parqueamento restantes, com vista à sua atribuição às fracções habitacionais constituídas à superfície. C) Constituição, à superfície, de uma fracção autónoma composta por área destinada às instalações da Junta de Freguesia ...; D) Constituição, à superfície, de uma fracção predial por cada fracção habitacional, de comércio ou serviços; E) Constituição, nos locais de acesso ao parqueamento nos lugares do parque de estacionamento referidos na alínea A) e compostos por uma só fracção predial, de uma servidão de passagem para peões e veículos automóveis com vista à circulação e acesso a todas as restantes fracções constituídas no subsolo, sem que tal acarrete qualquer tipo de custos ou encargos para as fracções dominantes. F) Com vista ao acesso aos lugares de parqueamento privado, constituição da obrigação de o concessionário da exploração do parque de estacionamento subterrâneo permitir aos detentores dos lugares de parqueamento privados a livre circulação por todas as zonas do parque de estacionamento. QUARTA QUINTA SEXTA SÉTIMA […] 14. Em 12.10.2001 foi constituída por escritura publica a aqui A., [SCom02...]. S.A., com o objeto de concepção, construção, gestão, exploração e conservação de parques de estacionamento, tendo como sócios a [SCom01...], S.A., a [SCom03...] – SGPS, S.A, «AA», «BB», «CC» e «DD», e a qual se rege pelo contrato de sociedade e estatutos que aqui se dão por reproduzidos - fls. 137 e ss. dos autos, (ponto 13 dos Factos Assentes) “Somos por este meio a informar que a [SCom01...], S.A., ... ...26, com sede na Rua ..., ..., em ..., é a empresa adjudicatária da empreitada de Concepção/Construção da Empreitada em assunto. - Certidão constante do p.a. 19. Em 10.12.2002 foi celebrado, por escritura publica, entre a [SCom03...] – SGPS, S.A. e [SCom02...] na qualidade de 1.º Outorgante e a Câmara Municipal ..., na qualidade de 2.º Outorgante, Contrato de Permuta, Constituição de Propriedade Horizontal, Mutuo, Hipoteca e Penhor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extrai que a Câmara Municipal ... cede à [SCom02...] o prédio urbano situado no lugar da Escola ..., Freguesia ..., composto por parcela de terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19, a que atribuiu o valor de € 3.908.642,79 e, por sua vez, a [SCom02...], em troca, cede à Câmara Municipal ... as frações autónomas A (380 lugares), B (2 lugares), C (8 lugares), D (3 lugares), E (32 lugares), F (3 lugares), G (23 lugares), H (8 lugares), I (1 lugar), J (dois lugares), CH (fração situada no piso -1, piso r/c, piso 1 com acesso pelo n.º 2 E da Av. ... e pela caixa de escadas e elevadores comuns, do numero 2D da mesma Avenida), a que atribui o valor de € 3.908.642,79. – (ponto 17 dos Factos Assentes). [Imagem que aqui se dá por reproduzida] III – Conclusões 1. Quadro 1 – Eventuais infrações financeiras […] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] - fls. 275 e ss. dos autos.
27. No início do ano de 2004 (mês de Janeiro), o R. entregou ao A. cópia do projeto de relatório em causa, para que o mesmo fosse analisado (ponto 23 dos Factos Assentes). 31. A A. propôs-se então suportar os custos do parecer, tendo o mesmo sido solicitado ao Dr. «EE», ilustre administrativista com muita obra escrita neste campo do direito. (ponto 30 dos Factos Assentes). Corridos os trâmites legais inerentes, a C.M...., cm reunião de 26/02/01, deliberou efectuar a adjudicação à empresa "[SCom01...] ' única concorrente que, de acordo com o relatório da comissão de análise das propostas, reunia todos os requisitos exigidos. Mais tarde, através do oficio n.º ...54, de 06/03/01, a C.M.... comunicou àquela empresa que o contrato lhe tinha sido adjudicado definitivamente, solicitando-lhe a apresentação de uma caução conforme previsto no programa de concurso. Da proposta apresentada pelo adjudicatário, importa sublinhar os seguintes aspectos: Contudo e apesar da adjudicação da proposta à empresa em causa, nos termos acima referenciados, entre a C.M.... e a empresa adjudicatária não veio a ser celebrado o contrato administrativo que formalizaria a concessão a que se referem as alíneas a) a d) do presente ponto, conforme resulta do processo de concurso e da confirmação dada pelos serviços. Paradoxalmente, o contrato de concessão, cuja celebração se impunha após a adjudicação da respectiva proposta, deu lugar à celebração de um contrato de permuta entre a C.M.... e a empresa "[SCom02...], SA", que resulta da seguinte sequência procedimental: A empresa "[SCom01...], SA", na qualidade de adjudicatária, solicitou à C.M.... autorização para a cessão da posição contratual à sociedade a constituir para o efeito, com a denominação de "[SCom02...], SA que foi autorizada em reunião de 10/09/01. Após ter sido autorizada a alegada cessão da posição contratual, a C.M.... e a empresa "[SCom01...], SA", celebraram, em 21/09/01, um contrato promessa de permuta onde, no essencial, se estipula o seguinte: Posteriormente e por escritura pública lavrada em 12/10/01, celebrou-se o contrato de sociedade anónima, sob a firma '[SCom02...], SA", cujo objecto respeita à concepção, construção, gestão, exploração e conservação de parques de estacionamento, com um capital social de cinquenta mil euros, subscritos pelos sócios "[SCom01...], SA" (trinta mil acções), "[SCom03...] — SGPS, SA" (dezoito mil acções) e quatro sócios em nome individual (cada um com quinhentas acções). Mais tarde, cm 10/12/02, no Cartório Notarial ..., foi outorgado o "Contrato de pernuda, constituição de propriedade horizontal, mútuo, hipoteca e penhor,, em que a C.M.... cede à sociedade "[SCom02...], SA o prédio urbano com o valor atribuído de 3 908 642,796 e esta, em troca, cede à C.M.... 11 (onze) fracções autónomas (390 lugares de estacionamento e a correspondente à sede da Junta de Freguesia ...), com o valor atribuído de 3 908 642,79 €, do edifício em construção no prédio cedido pela autarquia, O qual é constituído por 9 (nove) pisos e I I I (cento e onze) fracções autónomas, constituídas em regime de propriedade horizontal, com o valor global de 7 239 cujas fracções restantes se destinam a ser vendidas para habitação, garagens privativas e estabelecimentos comerciais ou serviços, assim discriminadas:
O processo em estudo, que se iniciou com um concurso público internacional com vista à celebração de um contrato de concessão cujo objecto respeitava parcialmente à construção de obra pública e [Imagem que aqui se dá por reproduzida]exploração de serviço público e terminou com um contrato de permuta que visa parcialmente a construção de uma obra pública, apresenta a seguinte sequência temporal:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]- O CONTRATO DE CONCESSÃO Comecemos por apurar a natureza jurídica do contrato de concessão, Os contratos administrativos de concessão constantes da previsão legal do art. 1780, n.° 1, b) e c) do CPA e aplicáveis ao caso cm análise, são os seguintes: - O contrato de concessão de obra pública (concepção/construção de um edifício para parque público de estacionamento); - O contrato de concessão de serviço público (concessão da exploração de três parques de estacionamento). A definição legal de contrato de concessão de Obra pública resulta do art. 20, n.° 4 do DL nº.59/99, de 02/03, nos termos do qual um particular se encarrega de executar e explorar uma obra pública. mediante retribuição a obter directamente dos utentes, através do pagamento por estes de taxas de utilização Resulta, assim, que o contrato de concessão de obra pública é um contrato típico e nominado que apresenta dois elementos essenciais: a execução e financiamento de Obra pública pelo concessionário e a sua posterior exploração, Dito de outro modo, o objecto do contrato é a execução de uma obra pública, caracterizando-se essencialmente por atribuir ao concessionário o direito de explorar as obras que ele próprio executa previamente (a exploração é meramente instrumental em relação à execução da obra) sob o controle e fiscalização exercidos pela entidade concedente e com possibilidade de resgate (conteúdo mínimo de uma relação de concessão nos termos dos arts. 100 e 13 0 do DL nº. 390/82, de 17/09). Em todas as concessões há sempre uma transferência de poderes públicos para outrem, decorrente de um procedimento concursal, pelo que a sua existência depende da celebração de um contrato administrativo que, nos termos do art. 14º do DL n.° 390/82, de 17/09, assume a forma de escritura pública. Com efeito, o contrato de concessão é um negócio formal. isto é, um contrato cujas declarações de vontade constitutivas devem ser exteriorizadas de uma forma especialmente solene (a forma escrita) que, no domínio da contratação administrativa é, regra geral, justificada por razões de segurança jurídica. Assim, só com a assinatura do contrato de concessão ocorre a transferência para o particular de poderes legalmente reservados ao ente público, O mesmo é dizer que O termo da formação do contrato ocorre com a respectiva celebração. Caso contrário, esvazia-se de conteúdo o próprio concurso. Nestes termos, e dada a não celebração do contrato à luz do concurso público internacional em apreço, conclui-se não ter havido transferência para a adjudicatária, empresa "[SCom01...], SA", do exercício da actividade de conceber, construir c, ulteriormente, explorar a obra pública, ínsita numa relação jurídico-administrativa de concessão. Não obstante a inexistência jurídica da concessão, em virtude de carecer cm absoluto de forma legal, cabe notar que o concurso se encontrava parcialmente ferido de nulidade em virtude de apresentar um objecto parcialmente impossível, relativo à concepção/construçäo de edificio para habitação, garagens privativas e estabelecimentos comerciais ou serviços, destinados comercialização pelo concessionário. Na verdade, o contrato administrativo é o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa e para ser válido é necessário que cumpra um conjunto de requisitos de entre os quais se destacam: Objecto possível; Forma exigida por lei. Ora, tratando-se da realização de uma obra particular que se destina a ser vendida com fins comerciais, é evidente que não pode constituir objecto de concessão, desde logo pela sua natureza privada e, ainda, em virtude de as autarquias locais não disporem de atribuições e competências no âmbito da habitação para fins comerciais (vide os artigos 130 e 240 da Lei n.° 159/99, de 14/09, e os artigos 53 0 e 640 da Lei n.° 169/99, de 18/09, com redacção dada pela Lei nº. 5-N02, de 1 1/01). As concessões de obras públicas e de serviços públicos municipais implicam, obviamente, a titularidade municipal sobre uma actividade de serviço público que no presente caso apenas se verifica com a componente de estacionamento público. Aliás, a natureza privada com a componente lucrativa das restantes actividades está bem patente na cláusula 3.4, do caderno de encargos quando dispõe que: "O concessionário ficará proprietário de toda a área comercial e habitacional e lugares de estacionamento afectos às fracções de habitação e comércio, que poderá comercializar" Nestes termos, o concurso público em referência, na parte em que respeita à concessão da "Concepçao/consirução de um edifício para habitação, comércio. serviços" encontra-se ferido de nulidade. na medida em que consubstancia um acto estranho às atribuições das autarquias locais (n.º 2, al. b) do art. 133.º do CPA). Todavia, e uma vez que o contrato de concessão não foi celebrado, não se levanta, sequer a questão da impugnação e declaração de nulidade do respectivo concurso. B - O CONTRATO DE PERMUTA 3.3.11.6.3. CONCLUSÃO No exercício do direito de contraditório os responsáveis deram, de igual modo, por reproduzidas no essencial, a matéria de facto constante do relato de auditoria, equacionando as alegações da forma seguinte: […] 39. Durante o mês de julho de 2004 a A. entregou ao R. copia do parecer, comunicando-lhe desde logo que a solução para resolver o imbróglio criado pelo Tribunal de Contas era celebrar o contrato de concessão, pois era esta a conclusão principal que resultava da análise efetuada pelo Dr. «EE». (ponto 32 dos Factos Assentes) Em cumprimento da determinação constante da Decisão proferida pela 2a Secção do Tribunal de Contas no Relatório de Auditoria N.° ...04, referente ao Processo n.º 13/03-AUDIT, a Câmara Municipal ... vai proceder à abertura do procedimento concursal para adjudicação da concessão da exploração e gestão de dois parques públicos de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras, com recolha pública personalizada e dos lugares de estacionamento pagos na via pública. através de parcómetros colectivos, na cidade .... Tendo em consideração que estas infra-estruturas se integravam no objecto de um anterior Concurso Público Internacional (n.º ...00), que a supra citada decisão do Tribunal de Contas declarou parcialmente nulo, por não ter sido celebrado o Contrato de Concessão em tempo e no respeito pelas regras que o Tribunal entendeu deverem ter sido aplicadas, há que definir em que termos é que esta Edilidade deve prosseguir o objetivo que se propôs inicialmente. [Imagem que aqui se dá por reproduzida] - doc. 18 da p.i. (pontos 38, 39, 40, 41 e 42).
44. Na sequência de deliberação da Assembleia Municipal de 28.9.2004, sob proposta da Câmara de 20.9.2004, foi aberto o concurso público internacional para ¯Concessão da exploração de dois parques de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras e concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via publica ‖ (doravante 1.º Concurso Estacionamento) e aprovados o Programa de Concurso e Caderno de Encargos. – cf. pa em suporte informático apenso aos auto (ponto 43 dos Factos Assentes). ARTIGO 11.º DOCUMENTOS QUE INSTRUEM A PROPOSTA 1. Documentos de Habilitação dos Concorrentes: a. Declaração actualizada na qual o concorrente indique o seu nome, o número fiscal de contribuinte, o estado civil e o domicílio ou, no caso de ser uma sociedade, a denominação social, o número de pessoa colectiva, a sede, as filiais que interessam à execução do contrato, os nomes dos titulares dos corpos gerentes e de outras pessoas com poderes para a obrigarem, o registo comercial de constituição e das alterações do pacto social; nesta declaração deverá ainda mencionar-se que o concorrente não está em dívida à C.M..... b. Declaração comprovativa de ter a situação tributária regularizada, passada pela Repartição de Finanças do domicílio ou sede do concorrente. c. Documento comprovativo de se encontrar regularizada a sua situação relativamente às suas contribuições para a Segurança Social, passado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social ou, quando se trate de concorrentes cuja sede se situe noutro Estado Membro da Comunidade Europeia que nunca tenha exercido a sua actividade profissional em Portugal, documento idêntico, passado pelo organismo competente do país de origem. d. Declaração prevista no anexo I ao Decreto Lei n.º 197/99, de 8 de Junho. e. Documento comprovativo da prestação da caução prevista neste programa de concurso. f. Declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 8º. Programa de Concurso, caso se trate de concorrente constituído por agrupamento de empresas. g. Elementos comprovativos da aptidão técnica e financeira a que se referem os números 1 e 2 do artigo 7.º deste programa de concurso. […] ANEXO 1 [Imagem que aqui se dá por reproduzida] depois de ter tomado perfeito conhecimento do objecto do concurso público para a concessão do direito de exploração de 2 parques públicos de estacionamento subterrâneos para viaturas ligeiras e concessão do direito de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, da cidade ..., a que se refere o Concurso Público n. 0 obriga-se a tomar a concessão de exploração dos parques 1, 2 e 3, pelo prazo de 20 anos, nas condições previstas no programa de concurso, caderno de encargos e condições anexas, nos seguintes termos: PROPOSTA 1) Nos trinta dias de calendário subsequentes à adjudicação, reembolsará o Município dos preços pagos: a)- pela construção do parque no 1 construído em subsolo, no valor de Euros: 1.885.695,00 (um milhão oitocentos e oitenta e cinco mil seiscentos e noventa e cinco euros) e b)- pelo equipamento do parque no 2 no valor de Euros: 200.000,00 (duzentos mil euros). […] - cf. Programa de Concurso constante do p.a. em suporte informático. 46. Consta do Caderno de Encargos referente ao 1.º Concurso Estacionamento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, entre o mais, ARTIGO 1º OBJECTO DO CONCURSO 1. A Câmara Municipal ... (C.M....) atribui, por concurso público a concessão do direito de exploração de 2 parques públicos de estacionamento subterrâneos para viaturas ligeiras e concessão do direito de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, da cidade .... […] ARTIGO 4.º A concessão tem por objecto a exploração dos seguintes parques de estacionamento: OBJECTO DA CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO a) Parque 1, de estacionamento subterrâneo para veículos automóveis ligeiros com recolha pública e personalizada, no imóvel sito na Avenida ... lugares; b) Parque 2, de estacionamento subterrâneo para veículos automóveis ligeiros com recolha pública e personalizada na Praça ... lugares; c) Parque 3, de estacionamento pago à superfície na cidade ... - 350 lugares. ARTIGO 5.º DURAÇÃO DA CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO […] ARTIGO 12.º 1. O adjudicatário, nos sessenta dias subsequentes à adjudicação, reembolsará a C.M.... dos preços pagos: REMUNERAÇÃO DA CONCESSÃO a) pela construção do parque no 1 construído em subsolo, no valor de Euros: 1.885.695,00 (um milhão oitocentos e oitenta e cinco mil seiscentos e noventa e cinco euros) e b)-pelo equipamento do parque no 2 no valor de Euros: 200.000,00 (duzentos mil euros); 2. Os concorrentes apresentarão proposta de renda anual a pagar pela exploração dos parques de estacionamento, a qual será paga ao concedente, mensalmente, por duodécimos, não podendo o valor anual ser a) Euros: 14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) acrescido do IVA à taxa legal em vigor para o Parque 1; b) Euros: 14 160,00 (catorze mil cento e sessenta euros); c) Euros: 38.000,00 (trinta e oito mil euros) acrescido do IVA à taxa legal em vigor para a zona de estacionamento com parcómetro na cidade .... 3. O montante da renda corresponderá ao valor indicado na proposta que for adjudicada. 4. A renda referida no número anterior deverá ser actualizada anualmente em função da taxa de inflação verificada no ano anterior e sempre que houver alteração do número de lugares de estacionamento pagos, estabelecendo-se, para tal, uma proporcionalidade em função do número de lugares previstos na proposta. 5. O Adjudicatário será ainda responsável pelo pagamento do preço do condomínio fixado pela assembleia de condóminos para cada um dos condomínios dos edifícios dos parques subterrâneos e do seguro obrigatório da fracção autónoma em questão de valor inferior a: - cf. Caderno de Encargos constante do p.a., ponto 44 dos Factos Assentes. 47. Por carta datada de 10.1.2005 a A. informou o R. que 48. Apenas a A. apresentou proposta ao 1.º Concurso Estacionamento, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e da qual consta além do mais, [Imagem que aqui se dá por reproduzida] […] - Proposta constante do p.a. (ponto 45 dos Factos Assentes). 51. Os meses foram passando sem que o R. manifestasse qualquer posição sobre este assunto (ponto 49 dos Factos Assentes). [Imagem que aqui se dá por reproduzida] - doc. 28 da p.i..
53. Na sequência de deliberação da Assembleia Municipal de 17.2.2006, sob proposta da Câmara de 18.1.2006, por anúncios publicados em 4.4.2006, foi aberto o concurso público internacional para “Concessão da exploração de dois parques de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras e concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via publica “ (doravante 2.º Concurso Estacionamento) e aprovados o Programa de Concurso e Caderno de Encargos. – cf. pa em suporte informático apenso aos auto (ponto 50 dos Factos Assentes). Por meio de carta remetida por essa edilidade em 18/10/2004 à [SCom02...] (V/ Ref. a Of. 9876), tomou esta empresa conhecimento da abertura de concurso público para a concessão da exploração dos dois parques de estacionamento subterrâneo e do estacionamento à superfície na cidade ... . 56. O 2.º Concurso Estacionamento veio a ficar deserto por não ter sido apresentada qualquer proposta. – cf. Ata 11.9.2006, (ponto 52 dos Factos Provados). Tendo já terminado o prazo para apresentação de candidaturas ao segundo concurso público aberto por essa edilidade para a concessão supra identificada, ao qual não se apresentou qualquer concorrente, urge solucionar em definitivo a questão do ressarcimento dos prejuízos sofridos pela [SCom02...]. b)-pelo equipamento do parque no 2 no valor de Euros: 200.000,00 (duzentos mil euros); 63. Por carta datada de 12.2.2007 a A. informa o R., O terceiro concurso público aberto por essa edilidade para a concessão supra identificada teve um desfecho igual aos dois anteriores, ou seja, ficou deserto, mantendo-se assim a situação inicial. 64. A A. não obteve resposta à carta de 12.2.2007, tendo enviado ao R. novo oficio, datado de 21.3.2007, do qual se extrai, 65. Em 17.5.2007 foi publicada noticia no Jornal Publico, com o seguinte teor, [Imagem que aqui se dá por reproduzida] - cf. doc. 27 da p.i., ponto 61 dos Factos Assentes, resposta ao quesito 9. Mais se provou que, 66. Subjacente ao Concurso esteve a necessidade de o município resolver os problemas de estacionamento publico em ... mediante a construção e concessão do estacionamento público, pelo que por forma a atrair o investimento privado o município incluiu no objeto concursal a construção da área habitacional e comercial. 70. Aos preços correntes de mercado a Junta de Freguesia está avaliada em € 1.084.800,00. – resposta ao quesito 17, relatório pericial a fls. 1861 (o valor acordado no concurso foi € 877.884,30). 72. Aos valores correntes e quando integrados num edifício de maiores dimensões com outras áreas comercializáveis tal como o que foi objeto do Concurso, se o R. lançasse a concurso a empreitada pagaria o custo de construção, sem IVA, de € 575.000,00 pela junta de freguesia e de € 2.467.520,00 pelo parque de estacionamento, totalizando estas infraestruturas ao valor de € 3.042.520,00, sem IVA. – resposta ao quesito 19 da base instrutória. 75. A diferença entre a soma do valor da junta de freguesia e do parque de estacionamento aos preços correntes de mercado, referidos em 68. e 69., e o valor da parcela de terreno referida em 71, ascende a € 1.841.840,00. – resposta ao quesito 22. * * IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO 12. A primeira questão suscitada no recurso interposto pelo MUNICÍPIO ... consubstancia-se em saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade de sentença, por (i) oposição dos fundamentos com a decisão; (ii) por falta de especificação dos fundamentos de direito; e ainda (ii) por condenação em objeto diverso do pedido. 13. Realmente, o Recorrente apregoa que o “(…) Tribunal a quo ao concluir que aquando da sua constituição e correspondente registo, a [SCom02...] Lda, ora Recorrida, assumiu a posição de adjudicatário do concurso comete um erro de julgamento que terá de ser corrigido, porque os fundamentos do decidido estão em oposição com a decisão, o que gera a nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artº 615º do CPCivil e a mesma decisão também não especifica os fundamentos de Direito, uma vez que não existem, o que simultaneamente incumpre a alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPCivil (…)”. 14. Clama ainda que a “(…) Douta Sentença também é nula porque o Vº Tribunal a quo condenou o Recorrente em objeto diverso do pedido, violando o disposto na alínea e) in fine do nº 1 do artº 615º do CPCivil (…)”, por alteração da qualificação jurídica [a sentença considerou o regime da responsabilidade pré-contratual por oposição ao regime de responsabilidade contratual atravessado no libelo inicial]. 15. Vejamos, salientando, desde já, que, razões de metodologia e inserção do pensamento, conhecer-se-á as causas de nulidade por ordem diferenciada da alegada pelo Recorrente. 16. Assim, e adentrando em tal tarefa, importa que se comece por sublinhar que os casos de nulidade das decisões judiciais são os previstos e enumerados taxativamente no artigo 615º do C.P.C. 17. Da análise desse preceito, verifica-se que existem causas de nulidade formais, v. g., a contemplada na alínea a) do seu n.º 1, e, ainda, outras causas de índole material, atinentes ao conteúdo da própria decisão, concretizadas nas alíneas b) a e) do mesmo n.º 1. 18. Com reporte às causas de índole material, são distinguíveis, de entre outras, duas causas de nulidade da sentença com base em vícios de fundamentação. 19. A primeira, prevista na alínea b) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C., consiste na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. 20. A segunda, prevista na alínea c) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C, consiste na oposição entre os factos fixados e a decisão, seja por inconcludência seja por radical antagonismo, mas sempre no sentido de que a decisão tomada seria incompatível com a fundamentação de facto relevada. 21. Ora, constitui convicção deste Tribunal que a sentença, objeto do presente recurso jurisdicional, não padece de nenhuma destas causas típicas de nulidade. 22. Com efeito, no que tange à nulidade prevista na alínea b) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C, impera ressaltar que, para que se esteja perante falta de fundamentos geradores da nulidade de sentença, é mister que o juiz omita totalmente a especificação dos fundamentos de facto e de direito que hão de suportar a decisão que profere. 23. Ora, como se decidiu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 16.02.2018, tirado no processo nº. 00483/09.3BEPRT, consultável em www.dgsi.pt:” (…) É entendimento pacífico o de que apenas padece de nulidade por falta de fundamentação a decisão judicial que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afeta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil de 1995; artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p. 140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07). Neste sentido se pronunciou também o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.01.2017, no processo 00371/16.7 AVR (…)”. 24. Pois bem, escrutinado a decisão judicial recorrida, torna-se de meridiana e incontestável evidência que a sentença recorrida se mostra motivada – quer em termos fácticos, quer em termos de justificação jurídica – não se encontrando desprovida de fundamentação, aqui integrando-se a ilação extraída pelo Tribunal Recorrido no sentido de que “(…) por via desse ato autorizativo da transmissão da posição de adjudicatário, aquando da sua constituição e correspondente registo, a [SCom02...] assumiu a posição de adjudicatário do Concurso (…)”. 25. De facto, tal conclusão esteou-se no entendimento de que a circunstância da [SCom02...] não possuir existência jurídica no momento da autorização da cessão dos direitos emergentes da adjudicação do objecto do concurso público sempre não obstava à validade do ato autorizativo, em virtude, primeiramente, do ato autorizativo ter sido subordinado à condição suspensiva da entidade cessionária vir a adquirir personalidade jurídica em consonância com o artigo 121.º do CPA, e, segundamente, do referido ato se encontrar há muito consolidado na ordem jurídica por força dos artigos 135.º e 141.º do mesmo diploma legal. 26. Dúvidas não podem subsistir, portanto, quanto à enunciação das razões de facto e de direito que suportam a ilação em questão. 27. Concludentemente, divisando-se na decisão recorrida os fundamentos fácticos e jurídicos em que assentou o juízo decisório não ocorre a nulidade de falta de fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. 28. De igual modo, não se antolha qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a declaração de nulidade de sentença, desta feita, por condenação em objeto diverso do pedido, por alteração da qualificação jurídica atravessada no libelo inicial. 29. Na verdade, a questão da nulidade por condenação em objeto distinto do pedido, decorrente de uma alteração da qualificação jurídica, apenas se coloca quando a modificação qualificativa seja de tal ordem substancial que resulte numa tutela jurisdicional essencialmente diversa daquela que foi originalmente pretendida pelas partes [vd. neste sentido, aresto do STJ, de 08.03.2022, tirado no processo nº. 21074/18.2T8PRT.P1.S1]. 30. No caso em análise, a qualificação adotada pelo Tribunal Recorrido [responsabilidade pré-contratual por oposição à responsabilidade contratual eleita na petição inicial], embora de rigor fortemente discutível, não teve nenhum reflexo no efeito prático-jurídico pretendido. 31. Realmente, verifica-se uma correspondência quase integral entre o pedido formulado pela Autora, aqui Recorrida, e a parte dispositiva da sentença recorrida, sendo a única divergência resultante da procedência apenas parcial do pedido indemnizatório. 32. Daí que não se vislumbre que a sentença recorrida padeça da nulidade de sentença em análise. 33. Idêntica asserção é também atingível no que concerne à arguida nulidade de sentença, desta feita, com base na alínea c) da normação supra. 34. De facto, dispõe tal n.º 1, no segmento que ora nos interessa, que “É nula a sentença quando (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (...)”. 35. Ora, esclarece-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.09.2011, tirado no processo n.º 0371/11, que a “(…) nulidade de sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão não ocorre quando as contradições se verificam entre fundamentos de uma mesma decisão (…)”. 36. Na verdade, tal nulidade “(…) verifica-se quando há um vício real na lógico-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso (…)” [vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.10.2014, proferido no processo n.º 01608/13]. 37. Esta nulidade verifica-se, portanto, quando existe contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão. 38. Por outro lado, passou ainda a ser considerado fundamento de nulidade da decisão judicial nos termos desta alínea a ambiguidade ou obscuridade da decisão que tornem ininteligível. 39. A obscuridade traduz-se num dificuldade de perceção do sentido da expressão ou da frase: a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, isto é, não se sabe o que o julgador quis dizer [cf. entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de janeiro de 2015, proferido no processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, acessível em www.dgsi.pt]. 40. De facto, como doutrinava J. Alberto dos Reis com plena atualidade a “… sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível: é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz ...” [in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V., págs. 151 e 152]. 41. A decisão só é, assim, obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e ambíguo, quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos. 42. Ou seja, a nulidade só poderá ser atendida no caso de se tratar de vício que prejudique a compreensão da decisão judicial [despacho/sentença/acórdão] e de se apontar concretamente a obscuridade ou ambiguidade cuja nulidade se pretende ver declarada. 43. Sopesando os aspetos de natureza jurisprudencial e doutrinal que se vêm de salientar, afigura-se que, in casu, não ocorre a nulidade suscitada. 44. Por um lado, o Recorrente nem sequer alega que existe contradição entre os fundamentos que o juiz se serviu para proferir a decisão e própria decisão, mas antes entre os factos provados e a decisão, o que não configura uma circunstância enquadrável na alínea c) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C. 45. Ademais, analisada a estrutura global da decisão judicial censurada, resulta cristalino que a respetiva conclusão decisória está logicamente encadeada com a respetiva motivação fáctico-jurídica desenvolvida pelo tribunal recorrido. 46. Por outro lado, não se descortina a existência de qualquer obscuridade ou ambiguidade no discurso expendido na sentença censurada, o qual é perfeitamente inteligível. 47. De facto, a fundamentação de direito, tal como foi externada, não impossibilita, portanto, o destinatário do aresto censurado de saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir. 48. Em suma, inexiste qualquer falta de fundamentação e/ou oposição entre os fundamentos e a decisão, nem este se afigura ambígua nos seus termos, com o que fica negada a procedência da arguição da nulidade de sentença em análise. 49. Questão diversa é de saber se a ilação extraída pelo Tribunal Recorrido no sentido de que “(…) por via desse ato autorizativo da transmissão da posição de adjudicatário, aquando da sua constituição e correspondente registo, a [SCom02...] assumiu a posição de adjudicatário do Concurso (…)” foi bem ou mal operada, que, no fundo, constitui o ponto nuclear da alegação recursiva do Recorrente. 50. Mas tal interrogação não se insere no vício de nulidade de sentença, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento. 51. Este Tribunal Superior, porém, não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pela Recorrente como nulidade da sentença. 52. Realmente, como se expendeu no aresto do Órgão Cúpula desta Jurisdição, de 22.01.2014, tirado no processo nº. 05/14, “(…) enquanto tribunal ad quem, não estamos impedidos de apreciar como erro de julgamento aquilo que foi apresentado pela Recorrente como nulidade da sentença. Na verdade, na função jurisdicional cumpre ao tribunal, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar corretamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica, nos termos que ficaram já referidos (Neste sentido, os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo: – de 24 de maio de 2005, do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, proferido no processo n.º 46592, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de novembro de 2005 (https://dre.pt/pdfgratisac/2005/32020.pdf), págs. 851 a 858, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04a9e00ea6eb7a918025701a004f552c?OpenDocument; – de 7 de novembro de 2012, proferido no processo n.º 1109/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de novembro de 2013 (https://dre.pt/pdfgratisac/2012/3r2240.pdf), págs. 3406 a 3412, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8673ffdcf026532480257abb003306da?OpenDocument.) (…)”. 53. Reiterando toda esta linha jurisprudencial, há que olhar para o caso concreto e indagar se a referida ilação em questão foi bem ou mal operada pelo Tribunal a quo. 54. A indagação suscitada, adiante-se, desde já, encontra resposta favorável às pretensões do Recorrente. 55. Expliquemos pormenorizadamente esta nossa convicção. 56. A Autora, por intermédio da presente acção, intenta obter a condenação do Município Réu no pagamento da quantia de € 2.514.934,00, acrescida de juros de mora desde a pratica do facto ilícito até efetivo e integral pagamento e, subsidiariamente, a quantia de € 2.169.000,00 acrescida de juros de mora desde o enriquecimento até efetivo e integral pagamento. 57. Na perspetiva em que a presente acção vem proposta, o Réu é civilmente responsável pelo pagamento dos danos peticionados por incumprimento contratual, emergente da omissão do dever de celebração do contrato de concessão da exploração de dois parques de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras e de lugares de estacionamento pago na via pública. 58. E, sendo assim, a primeira questão a resolver é a de saber se existe ou não este dever de celebração do contrato de concessão. 59. A tal propósito, diremos que, como decorrência dos princípios (i) da boa-fé, aferido nas vertentes da proteção das expectativas legítimas criadas, do dever de lealdade entre as partes, e ainda da vinculação aos comportamentos anteriores; (ii) da proteção da confiança, aferido nas vertentes de segurança jurídica nas relações pré-contratuais, da estabilidade do procedimento concursal e ainda de previsibilidade do desfecho procedimento; e (iii) da estabilidade das propostas, aferida nas vertentes da imutabilidade das condições apresentadas, da vinculação do concorrente à sua proposta e de certeza nas relações jurídicas, é para nós absolutamente apodítico que, regra geral, existe um dever de contratar após a adjudicação, que vincula tanto a entidade adjudicante, como o adjudicatário. 60. Este também o entendimento de Pedro Gonçalves, in Direito dos Contratos Públicos, 2.ª edição, Vol. I, Almedina, p. 851, que, a este propósito, refere: “a decisão de adjudicação apresenta-se, na perspectiva do adjudicatário, como um acto administrativo constitutivo de direitos (direito à celebração do contrato […]), mas também constitutivo de deveres (dever de celebrar o contrato […]). […] parece-nos que a adjudicação constitui apenas um acto administrativo sempre que o contrato seja reduzido a escrito […] da adjudicação não resulta a conclusão do contrato, mas, para a entidade adjudicante e também para o adjudicatário, o dever de o celebrar, de o concluir.”. 61. Naturalmente, este dever não é absoluto, pois existem situações em que o contrato pode não ser celebrado, de entre outras, relacionadas com a não apresentação dos documentos necessários pelo adjudicatário, a não prestação de caução e ainda razão de ilegalidade superveniente, alteração anormal das circunstâncias, etc. 62. No caso em apreço, não se antolha a invocação da existência de qualquer causa excetiva do dever de celebração do contrato nos termos e com o alcance supra exposto, de modo que deve afirmar-se a regra geral na apreciação do caso em análise, ou seja, a existência de dever de contratar após a adjudicação do procedimento concursal visado nos autos a favor da concorrente [SCom01...], S.A. 63. Este dever de contratar, tal como conformado pela decisão adjudicatória, estabeleceu-se entre o Município Réu e a concorrente [SCom01...], S.A., não podendo subsistir fora desta “equação”, pelo menos, sem intermediação de outros institutos jurídicos e a ponderação positiva da Entidade Contratante. 64. E é, precisamente, nesse patamar que surge a intervenção da Autora, a sociedade comercial [SCom02...]. De facto, não oferece controvérsia que, em 07.09.2021, a adjudicatária do concurso visado nos autos, a sociedade [SCom01...], requereu ao Presidente da Câmara Municipal ... “(…) autorização para que a [SCom01...] ceda à sociedade a constituir nos referidos termos, com a denominação de "[SCom02...], S.A." e sede na cidade ..., os direitos emergentes da adjudicação do objecto do concurso público em apreço (…)”. 65. Do circunstancialismo assim externado destaca-se, desde logo, a “certeza férrea” que o pedido formulado pela [SCom01...] foi configurado pela Autarquia como sendo um pedido de cessão da posição contratual, tendo sido autorizado nesse pressuposto. Porém, o Tribunal recorrido assim não o entendeu, considerando antes estar em causa uma modificação subjetiva do adjudicatário no âmbito de um procedimento de formação de contratos, atenta a inexistência de qualquer contrato entre a [SCom01...] e o R., e o próprio requerimento referir-se à transmissão para a futura [SCom02...] dos “direitos emergentes da adjudicação”. 66. Sendo duas realidades distintas, não se antolha, a julgar pela literalidade do pedido, que a pedido da primeira possa, de alguma forma, corresponder à representação da segunda. 67. Por sua vez, examinando o que deriva das peças concursais e a factualidade supra fixada, afigura-se-nos inequívoco que o procedimento concursal foi enquadrado na previsão do regime do Decreto-Lei nº. 197/99, de 08 de junho, que estabelece o regime jurídico realização despesas públicas e da contratação pública. 68. Pese embora o referido diploma legal não contenha uma regulamentação específica e detalhada a propósito da possibilidade da modificação subjetiva do adjudicatário como existe hoje no CCP, deve assumir-se a natureza “intuitu personae” da adjudicação e, bem assim, a necessidade de salvaguarda dos princípios basilares da contratação pública, mormente, os da estabilidade e da concorrência [arts. 14 e 10º do D.L. nº. 197/99]. 69. No contexto assinalado, e à míngua da evidência clara [em face ao redação do pedido] de que a nova entidade [SCom02...] faz parte da estrutura empresarial da adjudicatária [SCom01...], deve assumir-se a inviabilidade de qualquer modificação subjetiva nos termos assinalados, sob pena de desvirtuamento da natureza “intuitu personae” da adjudicação e a violação dos princípios supra assinalados. 70. Tal convicção surge particularmente potenciada pela circunstância da legislação atual, mormente, o artigo 318º-A do CCP, restringir a possibilidade de modificação subjetiva do adjudicatário fora da previsão contratual aos casos de sucessão universal ou parcial do mesmo. 71. Por conseguinte, e em conformidade com tudo o quanto ficou exposto, é nosso entendimento que o pedido formulado pelo concorrente [SCom01...] é enquadrável no âmbito do instituto da cessão da posição contratual, até porque foi esse o sentido decisório assumido pela Entidade Contratante. 72. Nos termos do artigo 68º do referido diploma legal [vigente à data do pedido autorizativo], sob a epígrafe “cessão da posição contratual”, no decurso da execução do contrato, a entidade adjudicante podia, a pedido fundamentado do adjudicatário, autorizar a cessão da correspondente posição contratual [nº.1], desde o eventual cessionário não se encontrasse em nenhuma das situações previstas no artigo 33.º e tivesse capacidade técnica e financeira para assegurar o exato e pontual cumprimento do contrato [nº. 2]. 73. A partir daqui, duas hipóteses são equacionáveis. 74. A primeira hipótese é que a cessão da posição contratual foi autorizada em situação não integrável na previsão legal [inexistia qualquer contrato a decorrer] e com preterição das formalidades previstas [falta de aferição da idoneidade legal, material e financeira da entidade cessionária]. 75. A segunda é que a autorização foi projetada para produzir efeitos após a celebração do contrato de concessão a formalizar, hipótese que se nos afigura ser a mais coerente e razoável com a factualidade apurada nos autos. 76. Seja como for, é, para nós, ponto assente que a cessão autorizada não importou a produção de quaisquer efeitos, mantendo-se o adjudicatário inicial, ou seja, a concorrente [SCom01...]. 77. Realmente, na primeira hipótese, atinge-se a conclusão que o ato autorizativo representa a prática de um ato com objeto ou conteúdo impossível, o que o fulmina com o desvalor da nulidade, nos termos do disposto na alínea c) do nº. 2 do 133º [atual 161º] do C.P.A. 78. Realmente, não se pode ceder aquilo que ainda não existe. 79. Na segunda hipótese, a cessão da posição contratual é também nula ou inexistente, em virtude de não ter sido celebrado o contrato de concessão que estabeleceria os direitos e obrigações a ceder [no mesmo sentido, vd. projeto de Relatório e Relatório final nº. 04/2004 do Tribunal de Contas espraiados os pontos 26) e seguintes e 38) e seguintes do probatório]. 80. Como é sabido, os atos nulos e/ou inexistentes não produzem quaisquer efeitos jurídicos. 81. Em tais termos, somos levados, de forma inexorável, a reconhecer a inexistência de qualquer fundamento jurídico que permita transpor à Autora, ora Recorrida, o dever de contratar estabelecido entre o Município Réu e a concorrente [SCom01...], S.A., situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à pretensão indemnizatória formulada pela Autora na presente ação. 82. Realmente, estando o sucesso da presente ação umbilicalmente dependente da demonstração da existência de um dever de contratar em relação à aqui Autora, a inverificação deste determina a improcedência daquela. 83. E este julgamento tem repercussão na apreciação do remanescente vetor sustentador do recurso em análise. 84. De facto, a evidência da improcedência da presente ação torna qualquer resolução em torno da questão de saber se há [ou não] lugar ao pagamento de juros moratórios e, em caso afirmativo, se os mesmos são devidos desde a prática do facto ilícito ou desde a citação, um exercício inócuo e estéril, por desprovido de qualquer fundamento e utilidade. 85. Assim deriva, naturalmente, que se impõe conceder provimento ao presente recurso, com a consequente prejudicialidade no conhecimento do remanescente fundamento de recurso. 86. Diante desta clara evidência, torna-se imperativo conhecer da ampliação do objeto de recurso veiculada nas conclusões 17) a 32) das conclusões de recurso. De acordo com a substanciação ali elencada, as questões ora a dirimir consistem em determinar se (i) os juros moratórios são devidos [ou não] desde a prática do facto ilícito; (ii) se nos situamos [ou não] no âmbito da efetivação de responsabilidade contratual; e ainda se (iii) o Réu incorreu [ou não] em abuso de direito. 87. Idêntico trilho segue a questão de saber se nos [ou não] situamos no âmbito da efetivação de responsabilidade contratual. 88. 1. Realmente, não se reconhecendo a inexistência de qualquer fundamento jurídico que permita transpor à Autora, ora Recorrida, o dever de contratar estabelecido entre o Município Réu e a concorrente [SCom01...], S.A., irreleva saber qual o regime jurídico aplicável à tutela pretendida, por ser absolutamente inconsequente em termos de eventual inversão do desfecho da causa. 89. Resta-nos, pois, a questão de saber se assiste razão à Recorrida quando alega que “(…) todos os actos do Recorrente foram sempre no sentido de reconhecer a Recorrida como a adjudicatária e titular do direito à concessão dos estacionamentos, pelo que a invocação agora de falhas procedimentais e invalidades formais configura ostensivo abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” (…)”. 90. Esta alegação não é despiciente ou bizantina. 91. Com efeito, numa perspetiva estritamente dogmática, o sujeito que atua sob a égide da aparente boa-fé, tendo prévio conhecimento da existência de vícios procedimentais suscetíveis de malograr a prossecução do fim visado, poderá incorrer numa situação de “venire contra factum proprium”, configurando manifesto abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, ao invocar posteriormente tais irregularidades em sede de impugnação." 92. Esse, porém, não é o caso dos autos. 93. De facto, perscrutado o probatório coligido nos autos, não se descortina a emanação de qualquer comportamento por parte deste Município revelador que o mesmo tinha prévio conhecimento da existência de vícios procedimentais suscetíveis de malograr a prossecução do fim visado, abstendo-se de dar conhecimento dos mesmos à Recorrida. 94. Antes pelo contrário. 95. Realmente, até à intervenção do Tribunal de Contas com o projeto de Relatório e Relatório final nº. 04/2004 [cfr. pontos 26) e seguintes e 38) e seguintes do probatório], não se logra vislumbrar a existência de qualquer comportamento por parte do MUNICÍPIO ... revelador que este suspeitava sequer da eventual ilegalidade do procedimento concursal visado nos autos. 96. Contudo, a partir daí, era impossível ignorar o problema. 97. De facto, o projeto de Relatório e Relatório final nº. 04/2004 do Tribunal de Contas apontavam no sentido, de entre outras realidades, que (i) “o concurso público internacional para a concessão da concepção/construção de edifício para habitação, comércio e serviços e exploração do parque público de estacionamento, encontra-se ferido de nulidade, no que respeita ao seu objecto, em virtude de concessionar acros estranhos às atribuições das autarquias locais, como no que toca à observância de formalidades do contrato, por falta de forma legalmente exigida (art.º 133°, n.° 2, al. b) do CPA e art.º 14" do DL n.° 390/82, de 17/09)” e ainda que (ii) “A alegada cessão da posição contratual é também nula ou inexistente, em virtude de não ter sido celebrado o contrato de concessão que estabeleceria dos direitos e obrigações a ceder (cfr. art. 424° do CC) (…)” [cfr. pontos 26) e seguintes e 38) e seguintes do probatório]. 98. Embora não sejam vinculativas, as conclusões assim contidas no projeto de Relatório e Relatório final nº. 04/2004, têm a força persuasiva que são - e devem ser - inerentes ao respeito pela sua qualidade e pelo seu valor intrínseco, devendo, por isso, ser ponderadas e, em princípio, respeitadas. 99. Foi o que fez o MUNICÍPIO ..., optando por não celebrar o contrato de concessão relativo ao procedimento concursal visados nos autos, invocando as mesmas razões no presente recurso jurisdicional. 100. Neste enquadramento, afigura-se-nos justificado e razoável concluir que inexiste, verdadeiramente, um “factum proprium“– ou seja, um ato anterior que, praticado pelo MUNICÍPIO ..., possa ter originado uma situação de confiança merecedora de proteção. 101. Donde resulta inequívoca a inexistência de qualquer excesso manifesto suscetível de integrar abuso do seu direito no tocante ao exercício do direito de recurso. 102. Tal asserção oblitera, como está bom de ver, qualquer propósito de validação da ampliação do objeto de recurso em análise. 103. Aqui chegados, é tempo de concluir, por um lado, pela procedência do recurso e, por outro, pela improcedência do ampliação do objeto do recurso, devendo revogar-se a sentença recorrida, e julgar a presente ação totalmente improcedente. 104. Ao que se proverá no dispositivo. * * V – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da C.R.P., em: (i) CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional; (ii) NEGAR PROVIMENTO à ampliação do objeto do recurso; (iii) REVOGAR a sentença recorrida e julgar a presente ação totalmente improcedente. Custas do recurso e ampliação do objeto do recurso pela Recorrida. Custa da ação pela Autora. Registe e Notifique-se. * * Porto, 08 de novembro de 2024,[Ricardo de Oliveira e Sousa] Tiago Afonso Loes de Miranda [Clara Ambrósio – com voto de vencido] Voto vencida o Acórdão porque entendo que o R., através do acto de autorização da transmissão da posição de adjudicatário no concurso, permitiu a transferência para a A. dos direitos que emergiam para a primitiva adjudicatária, designadamente, o direito à celebração de um contrato que incluía a concessão dos parques de estacionamento subterrâneos e do estacionamento à superfície. É um facto que a adjudicatária tratou o pedido de autorização dessa transmissão de posição, como se de cessão da posição contratual se tratasse, quando ainda não tinha sido celebrado o respectivo contrato e, por sua vez, o R., munido das informações técnicas que julgou necessárias, autorizou a transmissão, enquadrando-a, também, no instituto jurídico da cessão da posição contratual. Nessa sequência, a A. procedeu à construção dos edifícios e infraestruturas objecto do Concurso Público, concretamente, o edifício para habitação, comércio, serviços, sede da Junta de Freguesia ... e o parque público de estacionamento subterrâneo, com a natural e legítima expectativa criada pelo R. de vir a celebrar o respectivo contrato de concessão, tal qual havia sido previsto no concurso público. Estas circunstâncias criaram objectivamente na adjudicatária e, subsequentemente, na A. a convicção da validade da actuação do R., pelo que, não podem as mesmas ser ignoradas, em benefício do R., sob pena de violação do princípio da confiança que preside à relação entre todas as partes envolvidas. Assim sendo, teria confirmado in totum a sentença recorrida. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||