Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00329/07.7BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/08/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL;
NULIDADE;
ABUSO DE DIREITO;
Sumário:
I – Nos termos do artigo 68º do D.L. 197/99, de 08.07., no decurso da execução do contrato, a entidade adjudicante podia, a pedido fundamentado do adjudicatário, autorizar a cessão da correspondente posição contratual [nº.1], desde o eventual cessionário não se encontrasse em nenhuma das situações previstas no artigo 33.º e tivesse capacidade técnica e financeira para assegurar o exato e pontual cumprimento do contrato [nº. 2].

II- Ante a evidência que a cessão da posição de contratual foi autorizada sem a celebração do contrato de concessão que estabeleceria os direitos e obrigações a ceder, duas hipóteses são equacionáveis:

III - A primeira é que a cessão da posição contratual foi autorizada em situação não integrável na previsão legal [inexistia qualquer contrato a decorrer] e com preterição das formalidades previstas [falta de aferição da idoneidade legal, material e financeira da entidade cessionária].

IV - A segunda é que a autorização foi projetada para produzir efeitos após a celebração do contrato de concessão a formalizar.

V- Em qualquer das duas situações, a cessão autorizada não importa a produção de quaisquer efeitos.

VI- Isto porque, na primeira hipótese, o ato autorizativo representa a prática de um ato com objeto ou conteúdo impossível, o que o fulmina com o desvalor da nulidade, nos termos do disposto na alínea c) do nº. 2 do 133º [atual 161º] do C.P.A.

VII- Na segunda hipótese, a cessão da posição contratual é também nula ou inexistente, em virtude de não ter sido celebrado o contrato de concessão que estabeleceria os direitos e obrigações a ceder.

VIII- Não operando a cessão de posição contratual a produção de quaisquer efeitos jurídicos, inexiste qualquer fundamento jurídico que permita transpor à Autora, ora Recorrida, o dever de contratar estabelecido entre o Município Réu e a concorrente [SCom01...], S.A., situação que tem um verdadeiro efeito de implosão relativamente à pretensão indemnizatória formulada pela Autora na presente ação.

IX- Inexistindo, verdadeiramente, um “factum proprium” – ou seja, um ato anterior que, praticado pelo Réu, possa ter originado uma situação de confiança merecedora de proteção, resulta inequívoca a inexistência de qualquer excesso manifesto suscetível de integrar abuso do seu direito no tocante ao exercício do direito de recurso.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

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I – RELATÓRIO

1. O MUNICÍPIO ..., Réu nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM em que é Autora a sociedade comercial [SCom02...], S.A., vem intentar o presente recurso jurisdicional da sentença emanada pelo T.A.F. de Mirandela, editada em 26.12.2020, que julgou “(…) a presente ação parcialmente procedente e conden[ou] (…) o Município ... a pagar à A. a quantia de € 1.885.695,00 (um milhão oitocentos e oitenta e cinco mil seiscentos e noventa e cinco euros), acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento (…)”.

2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

I. Na Douta Sentença ao decidir-se que a [SCom02...] assumiu a posição de adjudicatária do Concurso, a um tempo, não se justificou com a fundamentação de Direito aplicável e decidiu-se em oposição aos factos provados, por isso, esta Sentença incumpre o disposto nas alíneas d) e c) do nº 1 do artº 615º do CPCivil o que gera a respetiva nulidade.

II. Foi a sociedade [SCom01...], S.A., a adjudicatária do procedimento por concurso público internacional com vista à celebração de contrato para a concepção/construção de um edifício para habitação, comércio, serviços e parque público de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras, com recolha pública e personalizada, no espaço sito na Avenida ..., com a concessão de exploração do supra parque público de estacionamento, a concessão da gestão e exploração de um parque de estacionamento subterrâneo, a construir pela Câmara Municipal ..., previsto no edifício do antigo Colégio ... e a concessão da exploração do estacionamento de superfície, pago, na cidade ..., como foi dado por provado no facto 16.

III. A [SCom01...] solicitou a cessão da posição contratual decorrente do procedimento concursal ora em questão, para uma sociedade a constituir, a Autora ora Recorrida, mas fê-lo no pressuposto do cumprimento da legislação vigente sobre a cessão da posição contratual que, além do mais, pressupõe a existência jurídica da cessionária e a existência de um contrato prévio que tenha sido outorgado pela própria cedente, condições estas que na altura do pedido não existiam.

IV. Este pedido da [SCom01...] foi apreciado pelo consultor jurídico do Recorrente que emitiu parecer sobre o mesmo com o seguinte destaque:

“(…) O contrato celebrado ou a celebrar entre a Câmara Municipal ... e a [SCom01...], Lda é, no fundo, um contrato de permuta envolvendo prestações recíprocas.

Ora, dispõe o art. 424º, n.º 1 do Código Civil que "no contrato com prestações recíprocas qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contratante, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão".

Assim, do ponto de vista jurídico não vemos qualquer óbice a que a Câmara Municipal ... consinta ou autorize a peticionada cessão da posição contratual.

Se alguma dúvida houver sobre a capacidade para o efectivo cumprimento da prestação, por parte da cessionária, sempre a Câmara Municipal poderá convencionar com a cedente [SCom01...] que esta garante tal cumprimento (art.º 426.º, nº 2, do Código Civil).”

V. Foi o Parecer supra parcialmente transcrito que fundamentou a deliberação tomada pela sessão de Câmara do Recorrente de 10-09-2001 que autorizou a cessão da posição contratual, tendo a [SCom01...] sido informada por ofício de 19-09-2001, de ter sido “(…) deliberado autorizar a cessão da posição contratual (…)” solicitada e, por este mesmo ofício, o Recorrente também notificou a [SCom01...], S.A., para assinar o contrato promessa de permuta, numa altura em que a Recorrida ainda nem sequer estava constituída, o que só veio a acontecer em 12.10.2001.

VI. Com a notificação de 19.09.2001, endereçada pelo Recorrido à [SCom01...], (facto provado 12) passou a ficar claro, não só que o autorizado foi a cessão da posição contratual, e como este ofício remeteu e solicitou à referida empresa a assinatura do contrato promessa de permuta, o autorizado ir-se-ia materializar após a constituição da [SCom02...] com a cessão da posição contratual da [SCom01...] no contrato promessa de permuta, após a constituição e registo daquela.

VII. Só depois de constituída a ora Recorrida é que as comunicações passam a ser dirigidas a esta, onde se insere o oficio n.º ...89, de 15.1.2002, remetido à Recorrida em que o Recorrente notificou,

“Somos por este meio a informar que a [SCom01...], S.A., ... ...26, com sede na Rua ..., em ..., é a empresa adjudicatária da empreitada de Concepção/Construção da Empreitada em assunto.

Neste sentido, informamos ainda que, nos termos do art.º 424.º e seguintes do Código Civil, a Câmara Municipal ... aceita a cessão da posição contratual que a [SCom01...], S.A. acordou com a empresa [SCom02...], S.A., no âmbito desta empreitada e de acordo com a deliberação de 10 de Setembro de 2001 da Câmara Municipal ....” (Sublinhado nosso).

VIII. Consequentemente, o ato jurídico a praticar sempre foi a cessão da posição contratual, ato esse que a própria Recorrida claramente esclarece na rua réplica que o contrato de cessão da posição contratual foi celebrado após a escritura pública de constituição da A, ora Recorrida, e, por isso, esta conclusão inovatória e peregrina assumida pelo Vº Tribunal a quo, na Douta Sentença, de que alegadamente a Recorrida assumiu a posição de adjudicatária no procedimento, não faz sentido nenhum, uma vez que além de ilegal, por não ter suporte na legislação vigente, nada tem a ver com os factos provados e nem sequer com a vontade das Partes, nem com os atos que as mesmas praticaram.

IX. E tanto assim é que o contrato promessa de permuta foi outorgado entre o Recorrente e a sociedade adjudicatária [SCom01...], S.A., a 21.09.2001, declarando ambas as Partes no segundo pressuposto do contrato promessa, que constitui o facto provado nº 13., que “Por forma a efectuar uma gestão mais próxima de ... e dos ... da execução da obra e exploração da concessão lançados a concurso, a sociedade representada pelos segundos outorgantes, conjuntamente uma construtora, procederá à constituição de uma nova sociedade comercial, com sede na cidade ... e denominação de "[SCom02...], S.A.", a qual sucederá nos direitos emergentes do presente contrato-promessa, em termos e condições a acordar com a primeira contratante.” (Sublinhado nosso).

X. É evidente que o próprio preâmbulo do contrato promessa de permuta impede que a ora Recorrida tenha assumido a posição de adjudicatário do concurso se apenas foi previsto e acordado que apenas viria a suceder nos direitos decorrentes do contrato promessa e com a restrição relativa aos termos e condições a acordar posteriormente entre a [SCom01...] e o ora Recorrente.

XI. Mas não tem razão o Vº Tribunal a quo quando diz a fls. 68 da Douta Sentença que “Ora, sendo requisito fundamental do negócio a existência de um contrato bilateral de que advenham direitos e obrigações para ambas as partes, temos que a autorização requerida pela [SCom01...] e concedida pela Câmara Municipal para cessão dos direitos emergentes da adjudicação não constituiu uma cessão da posição contratual.”

XII. Nem o normativo vigente o permite!

XIII. É verdade que é requisito fundamental da cessão da posição contratual a existência de um contrato bilateral de que advenham direitos e obrigações para ambas as partes, mas já não faz qualquer sentido o que subsequente se diz, no parágrafo transcrito, porque a autorização concedida pela Câmara Municipal foi para a cessão da posição contratual, face ao informado pelo consultor jurídico, o que foi feito nos termos do nº 1 do artº 424º do Código Civil.

XIV. E em comunicação nenhuma a Câmara fala em “(…) direitos emergentes da adjudicação (…)” mas, outrossim fala, exclusivamente, em cessão da posição contratual!

XV. Os interessados, e no caso em apreço a [SCom01...], são livres de pedir o que entenderem, mas o deliberado e o notificado pela edilidade é que releva e a edilidade, quer em 19.09.2001, quer em 15.1.2002 (factos provados 12 e 16), sempre falou em cessão da posição contratual, o que também se encontra vertido no segundo pressuposto do contrato promessa de permuta outorgado em 21.09.2001.

XVI. Obviamente que para que o contrato de permuta pudesse ser objeto de cessão da posição contratual, necessariamente, já teria que se encontrar constituída a própria Recorrida para que pudesse haver cessão, o que as Partes –Recorrente e [SCom01...]- relevaram no pressuposto segundo do contrato promessa de permuta.

XVII. E podendo o consentimento ser anterior ou posterior à cessão, no caso ora em apreço, como vimos expondo, até foi anterior à cessão (não só não havia contrato nem a Recorrida ainda existia), nos termos do nº 2 do artº 424º do C.Civil a cessão só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento.

XVIII. Ou seja, a cessão da posição contratual da [SCom01...] para a Recorrida no contrato promessa de permuta, foi aceite pelo oficio n.º ...89, de 15.01.2002 (facto provado 16), mas, sempre, e só, nos termos do artº 424º e seguintes do Código Civil.

XIX. E entre o Recorrente e a [SCom01...] apenas um contrato foi assinado, o contrato promessa de permuta, pelo que apenas os direitos decorrentes deste contrato poderiam ser, e foram, transferidos para a ora Recorrida [SCom02...].

XX. Mesmo que se entenda que a Lei aplicável ao procedimento concursal é o regime jurídico das empreitadas de obras públicas, por se tratar de um contrato misto e a componente de maior peso financeiro ser a empreitada, em que aplicável ao caso seria o artº 148º do DL 59/99, de 02.03, terá de haver contrato escrito para se poder proceder à cessão da posição contratual do empreiteiro e não podendo haver essa cessão ainda na fase anterior à outorga do contrato, precisamente porque a lei o não prevê e, por isso, não permite, como melhor decorre do Princípio da Legalidade.

XXI. Entendendo-se que a lei aplicável ao procedimento era o DL 197/99, de 08.06, como consta informado no processo administrativo pelo Departamento de Obras e Urbanismo do Recorrente, também no âmbito do referido diploma, atento o princípio da legalidade, é indispensável que o contrato se encontre outorgado e a ser executado, para que seja possível a cessão da posição contratual, face à expressão usada “(…) no decurso da execução do contrato (…)”.

XXII. Consequentemente, a Recorrida não assumiu no presente procedimento concursal a posição de adjudicatária não só porque não foi esse o objetivo do Recorrente, que foi quem tinha o direito e o dever de aceitar a cessão da posição contratual e que sempre o fez nos termos do artº 424º e seguintes do CCivil, mas, essencialmente, porque a legislação aplicável o não permitia, nem permite, porquanto a cessão da posição contratual só existe desde que haja contrato outorgado e em execução, o que é incompatível com a posição do adjudicatário.

XXIII. Percute-se que, no procedimento concursal ora em questão, o adjudicatário foi a [SCom01...] S.A., e essa posição nunca foi cedida a ninguém porque a lei o não permite, e, por isso, essa posição de adjudicatário do procedimento concursal ora em questão, nunca foi aceite pelo Recorrente que pudesse ser transmitida e, também por isso, nunca foi assumida pela Recorrida.

XXIV. O Vº Tribunal a quo ao concluir que aquando da sua constituição e correspondente registo, a [SCom02...] Lda, ora Recorrida, assumiu a posição de adjudicatário do concurso comete um erro de julgamento que terá de ser corrigido, porque os fundamentos do decidido estão em oposição com a decisão, o que gera a nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artº 615º do CPCivil e a mesma decisão também não especifica os fundamentos de Direito, uma vez que não existem, o que simultaneamente incumpre a alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPCivil.

XXV. Mas a Douta Sentença também é nula porque o Vº Tribunal a quo condenou o Recorrente em objeto diverso do pedido, violando o disposto na alínea e) in fine do nº 1 do artº 615º do CPCivil.

XXVI. No pedido formulado peticiona a Recorrida “A) Ser o R. condenado no pagamento à A. da quantia de € 2.514.939,00, devida em sede de responsabilidade contratual pela não celebração do contrato de concessão relativo a dois parques de estacionamento subterrâneo e estacionamento à superfície na cidade ..., à qual acrescem juros de mora desde a prática do facto ilícito até efetivo e integral pagamento”.

XXVII. No procedimento concursal, de facto, não foi outorgado o contrato decorrente do mesmo e que se encontrava previsto no artigo 21º do Programa do Concurso (facto provado 2).

XXVIII. A adjudicatária do procedimento concursal [SCom01...], S.A., solicitou a cessão dos seus direitos para a sociedade a constituir, ora Recorrida, tendo-lhe sido autorizada a cessão da posição contratual nos termos do artº 424º e seguintes do Código Civil (factos 12 e 16).

XXIX. Atento o estatuído no nº 1 do artº 424º do Código Civil, a Adjudicatária do procedimento concursal, ao ceder a sua posição contratual, só o podia ter feito relativamente ao contrato promessa de permuta, porque nada foi contratualizado relativamente à concessão da exploração dos estacionamentos, cuja adjudicação se manteve na esfera jurídica da [SCom01...], porque não foi transmitida para a [SCom02...].

XXX. A cessão da posição contratual, sublinhe-se, foi aceite pelo Recorrente, nos termos do artº 424º do C.Civil, o que pressupõe um contrato prévio que, quanto à concessão de exploração dos estacionamentos, nunca existiu.

XXXI. O único contrato outorgado pela Adjudicatária [SCom01...] na sequência do procedimento concursal foi o contrato promessa de permuta.

XXXII. Tratando o processo concursal de uma conceção construção e concessão de exploração, o diploma aplicável ao objeto do negócio era o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, regime especial, instituído pelo DL 59/99, de 02.03, que no seu artº 148º, de forma similar ao Código Civil, estatuía no nº 1 que “O empreiteiro não poderá ceder a sua posição contratual na empreitada, no todo ou em parte, sem prévia autorização do dono da obra” e no nº 3 “Se o empreiteiro ceder a sua posição contratual na empreitada sem observância do disposto no nº 1, poderá o dono da obra rescindir o contrato.”

XXXIII. E para efeito da apreciação da eventual autorização o dono da obra sempre deveria exigir que o novo empreiteiro oferecesse as mesmas garantias que o adjudicatário primitivo no respetivo procedimento, o que, no caso concreto, não foi exigido nem apresentado.

XXXIV. Assim, também no âmbito da legislação especial aplicável ao procedimento, a cessão da posição contratual só é possível após o empreiteiro ser titular de “(…) posição contratual na empreitada (…)”.

XXXV. E como o único contrato outorgado entre o Recorrente e a [SCom01...], S.A., foi o contrato de promessa de permuta, por isso, o que foi cedido à Recorrida foi a posição da [SCom01...], S.A., no contrato de promessa de permuta, nada mais.

XXXVI. De resto, o direito decorrente da adjudicação do procedimento inicial de 2000 nunca deixou de estar na esfera jurídica da [SCom01...] e existiria até à sua extinção por caducidade do direito, se mais não fora, devido ao seu não uso, porque, como vimos, não foi objeto de cessão da posição contratual para a ora Recorrida, porque esta parte do procedimento não chegou a ser contratualizada.

XXXVII. Do procedimento concursal inicial de 2000 apenas não se chegou a contratualizar a concessão de exploração porque, no entender do Tribunal de Contas, o procedimento era nulo.

XXXVIII. Porém, a ora Recorrida não adquiriu por cessão e não detém qualquer direito à celebração do contrato de concessão dos estacionamentos decorrente do procedimento inicial de 2000 e, por isso, muito menos tem qualquer direito indemnizatório daí decorrente!

XXXIX. Assim sendo, o Vº Tribunal a quo deveria ter julgado improcedente o peticionado sob a alínea a) do pedido formulado na p.i.

XL. E como, pela permuta, as partes declararam “nada ter a receber uma da outra” valorando os bens trocados no mesmo montante, como melhor consta a escritura pública integrada no PA com a designação “2002-12-10 Constituição PH” (facto provado 19)

XLI. Já vimos que a Recorrida na sua qualidade de cessionária apenas sucedeu nos direitos decorrentes do contrato promessa de permuta aliás, de acordo com o estabelecido no segundo pressuposto do contrato promessa de permuta.

XLII. Isto é, a Recorrida apenas adquiriu os direitos decorrentes do contrato de promessa de permuta que foram materializados na própria permuta, em que as partes nesse contrato, ora Recorrente e Recorrida, declararam que os bens que trocaram foram valorados em € 3.908.081,51 e, consequentemente, nada mais passaram a ter a receber ou a pagar reciprocamente uma à outra.

XLIII. Consequentemente, em sede de responsabilidade contratual, do conjunto de direitos e obrigações que para a Recorrida resultaram do contrato de permuta, porque esta não tem mais nenhum direito nem mais nenhuma obrigação para com a Recorrente e vice-versa, nada mais a Recorrente tem a pagar à Recorrida.

XLIV. Mas tendo a Recorrida peticionado uma pretensa obrigação contratual que inexiste, relativa à concessão de exploração dos parques de estacionamento, a condenação é decidida sobre uma responsabilidade pré-contratual que do Recorrente também inexiste relativamente à Recorrida porque esta não é a adjudicatária do procedimento concursal ora em questão, como atrás melhor se esclarece e aqui se dá por reproduzido.

XLV. Consequentemente, a Douta Sentença, em crise, só poderia condenar o Recorrente nos termos pedidos pela Recorrida, ou seja, pela não celebração do contrato de concessão de exploração de dois parques de estacionamento subterrâneos e do estacionamento de superfície, pago, na cidade ..., cujo direito lhe não foi transmitido pela [SCom01...], S.A., e, por isso, o Recorrente não pode ser objeto de qualquer condenação por a Recorrida não ser titular do pretenso direito que invoca.

XLVI. E jamais se pode aceitar que a Recorrida tenha o direito à celebração do contrato de concessão de exploração dos dois parques de estacionamento subterrâneos e do estacionamento à superfície, pago, na cidade ..., porque a adjudicatária do procedimento concursal foi a empresa [SCom01...], S.A. e não a Recorrida que também não adquiriu nenhum direito relativo a tal procedimento porque a Lei o não permite nem o Recorrente lho conferiu.

XLVII. Mas tendo a Recorrida pedido a condenação do Recorrente no pagamento da quantia de € 2.514.939,00, devida em sede de responsabilidade contratual pela não celebração do contrato de concessão relativo a dois parques de estacionamento subterrâneo e estacionamento à superfície na cidade ..., (…)”, salvo o devido respeito, não pode a Douta Sentença condenar o Recorrente a título de responsabilidade pré-contratual, que não foi pedida, porque isso constitui uma condenação em objeto diverso do pedido, o que se encontra vedado pelo disposto na alínea e) do nº 1 do artº 615º do CPCivil e gera a nulidade da Sentença.

XLVIII. Andou mal o Vº Tribunal a quo em condenar o Recorrente em juros de mora, quando este não só nada deve à Recorrida porque o contrato com esta outorgado, que foi de permuta, tinha prestações recíprocas em bens que ambas as partes valoraram no mesmo montante € 3.908.642,79 (factos provados 18 e 19) e com a escritura de permuta, facto provado 19, as obrigações contratuais entre o Recorrente e a Recorrida ficam cessadas.

XLIX. E foi precisamente a Recorrida quem não quis contratualizar a concessão de exploração dos parques de estacionamento subterrâneos e o estacionamento pago à superfície na cidade ... como por vários procedimentos concursais lhe foi proposto, dado que não foi a Recorrida a adjudicatária do procedimento concursal lançado em 2000, mas outrossim a sociedade [SCom01...], S.A. (facto provado 7).

L. A existirem juros de mora, o que se concebe por dever de patrocínio sem conceder, os mesmo apenas podem ser contabilizados a partir da data da condenação, porquanto até aí o Recorrente nada devia à Recorrida.

LI. Com efeito, da aplicação do princípio in illiquidis non fit mora constante da 1ª parte do nº 3 do artº 805º do CCivil releva a iliquidez objetiva e esta verifica-se quando o devedor não estiver em condições de saber o que deve, se é que deve.

LII. No caso, estamos perante uma situação de iliquidez objetiva.

LIII. Estando em causa o quantum do capital em responsabilidade contratual, só agora o crédito se liquidou, sem que se possa imputar ao Recorrente qualquer culpa neste retardamento da liquidação (Cfr. artºs 804º, 805º, nºs 1 e 3 e 806º, nºs 1 e 2 do Código Civil).

LIV. Não é exigível ao devedor que pague sem saber o que deve, não lhe sendo exigível que o soubesse antes da presente decisão. Aliás, o montante fixado, que se não aceita, é muito inferior ao valor do pedido, não podendo considerar-se o Recorrente constituído em mora desde a data da citação.

LV. De outro modo mais exigente, defende Antunes Varela, que a liquidez da obrigação só se dá a partir do momento em que a indemnização seja fixada pelo Tribunal.

LVI. Assim, só existirá mora a partir da data da decisão que vier a ser tomada nos presentes autos, e e caso se considerar que o Recorrente incumpriu a sua parte no negócio, o que se concebe uma vez mais por dever de patrocínio, sem conceder (neste sentido, os acórdãos do STJ de 27.04.2005, de 08.06.2006 e de 15.03.2007, in www.dgsi.pt).

LVII. Por tudo o exposto, andou mal o Tribunal a quo ao proferir a decisão que proferiu, sendo que no entender do Recorrente os pedidos deduzidos pela Recorrida deveriam ter improcedido por não provados e, consequentemente, o Recorrente deveria ter sido absolvido do pedido (…)”.


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3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida contra-alegou, as quais integram, a título subsidiário, um pedido de ampliação do objeto do recurso - que rematou da seguinte forma: “(…)
1ª O Recorrente contesta o entendimento da douta sentença recorrida de que a Recorrida assumiu a posição de adjudicatária do procedimento pré-contratual, na sequência de pedido da empresa adjudicatária, adiantando que tal entendimento constitui nulidade nos termos do artigo 615º/nº 1 c) e d) do CPC.
2ª É manifesto que o Recorrente compreendeu a pretensão que a Recorrida lhe submeteu à apreciação, da qual não efectuou o correcto enquadramento jurídico, pois autorizou a cessão de posição de um contrato que ainda não existia, quando o que deveria ter feito era uma cessão da posição de adjudicatário (modificação subjectiva).
3ª A tese do Recorrente de que apenas autorizou a cessão da posição no contrato de permuta e não autorizou na concessão de estacionamento também não tem suporte factual, pois a deliberação de autorização (facto provado 11) é anterior à assinatura do contrato-promessa de permuta.
4ª No pressuposto primeiro do contrato-promessa de permuta alude-se ao concurso público e na cláusula primeira do mesmo, além de se voltar a aludir ao concurso público, anexam-se o projecto e o caderno de encargos do mesmo (facto provado 13), pelo que é indefensável a tese do Recorrente de que cessão da posição contratual (rectius, posição de adjudicatária) não abrangia a concessão.
5ª Resulta do facto provado 23 que nos meses de Outubro e Novembro de 2003 as partes se preparavam para outorgar o contrato de concessão e gestão da exploração dos estacionamentos subterrâneos e à superfície, pelo que é indefensável a tese do Recorrente de que cessão da posição contratual (rectius, posição de adjudicatária) não abrangia a concessão.
6ª Se o Recorrente entende que o único negócio que fez com a Recorrida foi o da permuta/construção, não se compreende porque é que enviou um ofício à Recorrida informando que não lhe podia outorgar a concessão por causa do relatório do Tribunal de Contas, mas que os direitos da Recorrida estavam acautelados e até quantificados por via de um parecer solicitado pela própria Recorrida que incluía o valor da indemnização a pagar em caso de não entrega da concessão à Recorrida.
7ª O Recorrente cumpriu com quase todas as suas obrigações decorrentes do concurso público, excepto com a outorga da concessão da gestão e exploração dos estacionamentos à superfície e subterrâneos, sendo que durante três anos as partes cumpriram o que estava previsto no concurso público, até ter surgido o Tribunal de Contas.
8ª O Recorrente procura agora negar que autorizou que a adjudicatária tivesse cedido a sua posição à aqui Recorrida, não obstante ter sido esta última quem cumpriu todas as obrigações previstas no concurso público para o adjudicatário.
9ª Como bem explica a sentença recorrida, o que sucedeu nesta situação foi que o Recorrente dividiu a formalização do objecto do concurso em dois contratos: primeiro a construção/permuta e depois, quando a obra estava praticamente finda (e o parque de estacionamento pronto para ser explorado), seria outorgada a concessão, ao invés de logo após a adjudicação se ter celebrado o contrato misto de empreitada de obra pública e concessão da gestão e exploração dos estacionamentos.
10ª A Recorrida não teve qualquer responsabilidade na condução do procedimento de formalização dos contratos, tendo assinado o que Recorrente lhe solicitou e no momento em que aquele o determinou, ou seja, fez fé que o Recorrente conhecia os procedimentos legais adequados e assim se bastou.
11ª A sentença recorrida aplicou correctamente a lei aos factos provados, tendo-se demonstrado à saciedade que a Recorrida assumiu a posição de adjudicatária e que tal correspondeu à vontade das partes, desde o primeiro momento e ao longo de toda a relação estabelecida entre ambas, em que o objecto do concurso público foi executado quase na sua plenitude, razão pela qual não se verificam as apontadas nulidades previstas no artigo 615º/nº 1 c) e d) do CPC.
12ª Não tem razão o Recorrente quando sustenta que a sentença recorrida incorreu na nulidade prevista no artigo 615º/nº 1 e) do CPC porquanto a Recorrida pediu a condenação da Recorrente a título de responsabilidade contratual e a sentença condenou-a a título de responsabilidade précontratual, dado ser incontroverso que os Tribunais não estão vinculados às alegações das partes quanto à aplicação do Direito, pelo que deve a nulidade invocada ser rejeitada.
13ª Não obstante a Recorrida entender que os juros de mora são devidos antes da citação, o que a sentença recorrida considera é que se trata aqui de um caso de responsabilidade civil por facto ilícito e o nº 3 do artigo 805º do Código Civil manda contabilizar juros desde a citação.
14ª O Recorrente não tem razão quando alega que os juros moratórios são devidos apenas a partir da data da prolação da sentença, sendo certo que a sufragar-se o seu entendimento a indemnização não respeitaria o disposto no artigo 566º/nº 2 do Código Civil, pois o valor fixado não estaria actualizado e o Recorrente obteria assim um enriquecimento injustificado.
15ª Os juros são devidos desde a citação no caso da indemnização não ter sido actualizada (de acordo com a taxa de inflação ou índice de preços do consumidor), o que não sucedeu neste caso, em que o valor é o mesmo desde 2007, sendo que inversamente seriam devidos juros desde a sentença apenas se a indemnização tivesse sido actualizada, pelo que deve ser rejeitado este segmento do recurso.
16ª Os três argumentos invocados pelo Recorrente no seu recurso devem ser todos julgados improcedentes.
EM AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
17ª No artigo 161 da p.i. a Recorrida sustenta que os juros moratórios são devidos desde a prática do facto ilícito e reitera este entendimento no pedido A) que veio a ser (parcialmente) procedente.
18ª A Recorrida alega e prova que com a comunicação que o Recorrente lhe enviou datada de 18.10.2004 (facto provado 42) aquele assume expressamente que não vai outorgar o contrato de concessão de gestão e exploração dos subterrâneos e abre novo procedimento adjudicatório, ou seja, o facto ilícito foi praticado nesse momento e a sentença confirma-o.
19ª Se a sentença considera que o facto lesivo se deu entre 28.09.2004 e 18.10.2004, então só há que aplicar o disposto no artigo 805º/nº 2 b) do Código Civil, pois a mora dá-se com o facto ilícito (neste caso até já havia incumprimento definitivo) e, por este motivo, são devidos juros moratórios desde 18.10.2004.
20ª A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de Direito, concretamente do disposto no artigo 805º/nº 2 b) do Código Civil, devendo este segmento ser revogado e decidido que os juros de mora são devidos desde 18.10.2004, o que se requer em ampliação do objecto do recurso.
SUBSIDIARIAMENTE: EM AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
21ª Prevenindo a possibilidade do Tribunal “ad quem” considerar que a sentença recorrida não podia ter condenado o Recorrente a título de responsabilidade pré-contratual (o que apenas por mera cautela de patrocínio se coloca), a Recorrida mantém o entendimento exposto na petição inicial de que se trata aqui de responsabilidade contratual.
22ª As partes respeitaram sempre as regras impostas pelo Programa de Concurso e pelo Caderno de Encargos, desde 2001 até finais de 2003, tudo se passando como se o contrato (de concessão) tivesse sido celebrado.
23ª Em 2001 foi celebrado um contrato-promessa de permuta, e em Dezembro de 2002 sucedesse o contrato definitivo (de permuta), sendo que no caso do Recorrente (mais relevante aqui para este efeito) ficou proprietário de um parque de estacionamento público com 450 lugares, 12 lugares de estacionamento afectos à Junta de Freguesia ... e o edifício que iria albergar esta autarquia.
24ª Só quando as obras estavam prestes a terminar, concretamente entre Novembro e Dezembro de 2003 (a recepção provisória ocorreu em inícios de Março de 2004), é que as partes se preparavam para celebrar o contrato de concessão e a boa-fé das partes em todo este tempo foi traída pelo Recorrente, que se fez valer da recomendação do Tribunal de Contas para suportar a sua conduta.
25ª Na situação dos autos verifica-se o cumprimento efectivo da totalidade das prestações contratuais por parte da Recorrida e o cumprimento parcial das prestações contratuais pelo Recorrente, em respeito pela adjudicação e regras concursais, faltando apenas a outorga do contrato de concessão, entendendo-se que este facto último não ter ocorrido não afasta a responsabilidade contratual (até porque o contrato principal – o da construção/permuta – foi assinado).
26ª O entendimento jurisprudencial e doutrinal que defende a responsabilidade pré-contratual com indemnização pelo interesse contratual positivo em situações similares tem subjacente uma factualidade diversa: adjudica-se o contrato mas o mesmo não é assinado e nenhuma prestação contratual é efectivada, o que não sucede neste caso, em que o contrato foi cumprido quase na sua totalidade.
27ª O Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento de Direito, concretamente aplicando a figura da responsabilidade pré-contratual, prevista no artigo 227º do Código Civil, normativo este que foi assim indevidamente aplicado, quando se deveria ter aplicado o disposto no artigo 798º do Código Civil.
28ª Na eventualidade de assistir razão ao Recorrente na tese de que que o dono da obra não exigiu garantias ao novo adjudicatário (conclusão XXXIII) e que a lei não permitia a cessão da posição contratual (conclusão XXII), o que apenas se concebe por cautela de patrocínio, entende a Recorrida que o Recorrente actua em abuso de direito, nos termos previstos no artigo 334º do Código Civil.
29ª Constituía obrigação legal do Recorrente convocar a adjudicatária para assinar o contrato, tendo sido por sua opção que a formalização da adjudicação se dividiu em dois momentos: primeiro a construção/permuta e depois a concessão dos estacionamentos.
30ª A adjudicatária solicitou uma cessão da sua posição para a Recorrida, e também foi isso que o Recorrente pretendeu, pois se assim não fosse os factos provados 23, 42 e 43 deixariam de fazer qualquer sentido.
31ª Durante três anos as partes cumpriram o objecto do concurso, sem que alguma vez o Recorrente tenha suscitado questões de legalidade formal ou procedimental que colocariam em causa os direitos da Recorrida decorrentes da adjudicação.
32ª Todos os actos do Recorrente foram sempre no sentido de reconhecer a Recorrida como a adjudicatária e titular do direito à concessão dos estacionamentos, pelo que a invocação agora de falhas procedimentais e invalidades formais configura ostensivo abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, pelo que não pode proceder o pedido do Recorrente (…)”.
*


4. O Recorrente respondeu ao pedido de ampliação do objeto do recurso, defendendo a improcedência do mesmo.

*


5. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.

*

6. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no n.º1 do artigo 146.º do C.P.T.A.

*

7. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* *

II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

8. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

9. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes:

(i) Quanto ao recurso interposto pelo MUNICÍPIO ..., determinar se a sentença recorrida enferma de (i) nulidade de sentença, por (i.1) oposição dos fundamentos com a decisão; (i.2) por falta de especificação dos fundamentos de direito; e (i.3) por condenação em objeto diverso do pedido; e ainda de (ii) erro de julgamento de direito, designadamente, quanto à condenação em juros moratórios desde a data de citação até integral pagamento.

(ii) Quanto à ampliação de recurso pretendida nos autos, apurar se assiste razão à Recorrida quando advoga (i) que os juros moratórios são devidos desde a prática do facto ilícito; de que (ii) nos situamos no âmbito da efetivação de responsabilidade contratual; e ainda que o Réu incorreu em abuso de direito.

10. Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.

* *

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

11. O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:

1. Por deliberação da Câmara Municipal ... de 10.4.2000, e por Avisos publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 25.5.2000 e no Diário da Republica de 3.6.2000, II.ª Série, foi aberto o concurso público internacional para “Conceção/construção de um edifício para habitação, comercio, serviços e estacionamento e concessão de estacionamento em dois parques subterrâneos e estacionamento de superfície” (doravante Concurso) e aprovados o Programa de Concurso e Caderno de Encargos. – cf. pasta 1 do pa em suporte informático apenso aos auto (ponto 1 dos Factos Assentes).
2. Consta do Programa de Concurso referente ao Concurso, entre o mais,

Artigo 1.º - OBJECTO
1.1 - O presente concurso público tem por objecto:
a) A concepção/construção de um edifício para habitação, comércio, serviços e parque público de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras, com recolha pública e personalizada, no espaço sito na Avenida ..., delimitados na planta anexa ao caderno de encargos e que dele fazem parte integrante;
b) A concessão de exploração do supra parque público de estacionamento;
c) A concessão da gestão e exploração de um parque de estacionamento subterrâneo, a construir pela C.M...., previsto no edifício do antigo Colégio ...,
d) A concessão da exploração do estacionamento de superfície, pago, na cidade ....
[…]
ARTIGO 11.º - Documentos
11.1 - Os concorrentes estão obrigados à apresentação dos seguintes documentos:
a) Declaração, actualizada, com assinatura reconhecida, na qual o concorrente indique o seu nome, o número fiscal de contribuinte, o estado civil e o domicílio ou, no caso de ser uma sociedade, a denominação social, o número de pessoa colectiva, a sede, as filiais que interessam à execução do contrato, os nomes dos titulares dos corpos gerentes e de outras pessoas com poderes para a obrigarem, o registo comercial de constituição e das alterações do pacto social;
b) Declaração emitida em conformidade com o Modelo de declaração, Anexo II, para efeitos do disposto no artigo 33.º do Decreto-Lei n 0 197/99, de 8 de Junho;
c) Documento comprovativo da entrega da declaração de rendimentos ou, na falta deste, declaração de inscrição no registo;
d) Documento comprovativo de se encontrar regularizada a sua situação contributiva para com a Segurança Social;
Programa de trabalhos de acordo com o estipulado no artigo 13. 0 deste Programa de Concurso;
f) Procuração bastante, se o concorrente for representado por mandatário;
g) Documentação, de apresentação facultativa pelo concorrente, na qual este indique condições especiais de laboração, bem como obrigações adicionais que pretenda assumir em termos de garantir a mais adequada execução e progressão dos trabalhos e que não estejam em oposição com o estipulado no Caderno de Encargos;
h) Estimativa do custo da totalidade dos trabalhos, discriminando nomeadamente os de escavações, desvio das ocupações existentes no subsolo, estruturas, equipamentos, meios de combate a incêndios, arranjos exteriores e estaleiro;
i) Estudo de viabilidade e Análise Económica Financeira da proposta, elaborado para os seguintes prazos de 10, 15 e 20 anos, incluindo os elementos referidos no Caderno de Encargos e os seguintes:
Plano de fórmulas de financiamento que se prevejam;
Estrutura das receitas com indicação do número de lugares, da rotação prevista preço de estacionamento, tarifas e sistemas de actualização;
Contas de exploração previsionais;
Orçamento de tesouraria;
Orçamento financeiro;
Balanços previsionais;
Plano de investimentos, com a construção do Parque, espaço comercial e habitacional e espaço sede da Junta de Freguesia ...
Plano de recuperação do investimento.
j) Estudo Prévio do edifício a construir, da autoria de técnico ou técnicos habilitados, que obedeça às bases e indicações constantes do Caderno de Encargos;
[…]
l) Informação bancária;
[…]
Artigo 19. º - Critérios de adjudicação
19.1 - Na apreciação das propostas para o efeito da adjudicação, ter-se-á em conta a proposta mais vantajosa resultante da aplicação dos critérios e respectivos índices de ponderação abaixo indicados:
CRITÉRIOS ÍNDICES DE PONDERAÇÃO
a) Capacidade técnica e experiencia em construção e exploração de parques de estacionamento
20
b) Prazo de execução dos trabalhos
10
c) Montante da renda a pagar à C.M...., incluindo a entrega das instalações para a Junta de Freguesia ...
25
d) Valores das tarifas a praticar.
25
e) Concepção arquitectónica e funcional do projecto.
20
[…]
ARTIGO 20º - Minuta do contrato, notificação, adjudicação e caução

20.1 - A C.M.... procederá à audiência prévia dos concorrentes antes de proferir a decisão de adjudicação. Esta audiência será escrita, sendo os concorrentes notificados do local e horas em que podem consultar o relatório da comissão de análise, nos termos do n 0 2 do artigo 41 0 do Decreto Lei n º 197/99, de 8 de Junho, com as necessárias adaptações.
20.2 - O concorrente cuja proposta haja sido preferida fica obrigado a pronunciar-se sobre a minuta do contrato no prazo de 5 (cinco) dias úteis após a sua recepção, findo o qual, se o não fizer, se considerará aprovada a mesma minuta, nos termos do artigo 65. 0 do Decreto-Lei n 0 197/99 de 8 de Junho, com as necessárias adaptações.
20.3- A aprovação da minuta e adjudicação serão notificadas ao concorrente preferido, determinando-se-lhe simultaneamente a prestação, no prazo de 6 (seis) dias, da caução, sob pena de a adjudicação se considerar desde logo sem efeito.
[…]

ARTIGO 21. º - Celebração do contrato

O contrato deverá ser celebrado no prazo de 30 dias contados da data da prestação da caução.

[….]

- cf. Programa Concurso constante do p.a (ponto 1 dos Factos Assentes).

3. Consta do Caderno de Encargos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que,

ARTIGO 1.º - DISPOSIÇÕES GERAIS
1. 1- OBJECTO
1.1.1 - O presente caderno de encargos diz respeito ao concurso público de concepção/construção de um edifício para habitação, comércio, serviços e parque público de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras, com recolha pública e personalizada, no espaço sito na Avenida ..., a concessão da exploração do referido parque público de estacionamento, a concessão da gestão e exploração de um parque de estacionamento subterrâneo, a construir pela C.M...., previsto no edifício do antigo Colégio ... e a concessão da exploração do estacionamento de superfície, pago, na cidade ....
[…]
ARTIGO 2.º - OBJECTO E ÂMBITO DA INTERVENÇÃO
2.1 - OBJECTO DA CONCESSÃO
2.1.1 - A C.M.... concessiona a exploração de um parque público de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras, com recolha pública e personalizada, no espaço sito na Avenida ..., delimitado na planta anexa a este caderno de encargos e que dele faz parte integrante.
2.1.2 — Faz também parte da presente concessão a gestão e exploração de um parque de estacionamento subterrâneo, a construir pela C.M...., com cerca de 100 lugares, previsto no edifício do antigo Colégio ..., bem como a concessão do estacionamento pago de superfície de acordo com a actual concessão em vigor após o termo do prazo da mesma (ano 2003).
2.1.3 - Estudo de viabilidade e Análise Económica Financeira — Desenvolvimento de uma análise de mercado, estimando o volume de procura e a taxa de ocupação, ao longo dos anos, orientando os estudos no sentido de permitir medir a viabilidade da exploração, com as taxas e volumes de procura estimados, atendendo aos custos da intervenção, examinando todas as condicionantes comerciais e económicas existentes a respeitar. Precisar as características dos equipamentos e permitir estabelecer o plano de actuação para levar a cabo o projecto;
2.1.4 - Estudos e Projectos de Engenharia e Arquitectura - Desenvolvimento das actividades de engenharia e arquitectura do conjunto de edifícios e paisagismo, com a elaboração dos projectos de execução de todas as especialidades necessárias à realização das obras;
2.2 - ÂMBITO DA CONCESSÃO
2.2.1 - As acções a desenvolver pelo concessionário no domínio dos estudos referidos em 2.1.1, serão as globalmente necessárias à completa identificação dos trabalhos compreendidos na concessão a que se refere este caderno de encargos, salientando-se designadamente as que constam das cláusulas seguintes:
2.2.2 - Estudo de viabilidade e Análise Económica Financeira: Compreenderá, entre outros, os seguintes pontos essenciais:
I - Estudo das necessidades do mercado que deverá contemplar:
• Descrição da área de influência prevista, população e crescimento previsto;
• Análise do estacionamento actual, dentro e fora da área de intervenção;
• Estimativa das necessidades de estacionamento, tendo em consideração a zona de influência a atingir.
II - Planificação económico-financeira do Parque de Estacionamento, que deverá contemplar:
• Definição do investimento e formas de financiamento;
• O Plano de amortização dos investimentos considerados de primeiro estabelecimento;
• Determinação do custo de exploração, tarifas do estacionamento e demais receitas.
III - Análise de factores comerciais, condicionantes da planificação e do arranque do Parque de Estacionamento. Este estudo deverá contemplar:
• Determinação do êxito comercial do Parque de Estacionamento, tendo em conta entre outros, a necessidade de cada fracção habitacional e comercial do conjunto a construir ter de dispor de estacionamento próprio previsto no PDM, bem como lugares gratuitos para a Junta de Freguesia no mínimo de dois. No parque de estacionamento do edifício do antigo Convento dos ... serão reservados gratuitamente dez lugares para apoio à biblioteca municipal.
• Recomendações e dados técnicos a ter em consideração no projecto e no arranque do mercado.
• Terá de ser contemplada a solução de condomínio a desenvolver, tendo presente que a parte relativa à concessão será da responsabilidade do concessionário.
[…]
ARTIGO 3.º - FINANCIAMENTO
3.1 - O concessionário assumirá o financiamento da totalidade das obras a executar, incluindo o Parque de estacionamento, a área habitacional, comercial e sede da Junta de Freguesia, bem como o da aquisição e instalação do equipamento e apetrechamento necessário à perfeita e económica exploração do empreendimento, o que inclui as instalações de estacionamento.
3.2 - A C.M.... não participará no investimento, nem avalizará empréstimos que o concessionário venha a contrair para o efeito.
3.3 - A Câmara Municipal ... disponibilizará gratuitamente o terreno para a construção.
3.4 - A Câmara Municipal ficará proprietária do parque de estacionamento e da sede da Junta de Freguesia. O Concessionário ficará proprietário de toda a área Comercial e habitacional e lugares de estacionamento afectos às fracções de habitação e comércio, que poderá comercializar.
ARTIGO 4.º- DURAÇÃO DA CONCESSÃO
4.1 - A concessão será realizada por contrato, nos termos da legislação em vigor e não poderá durar mais de 20 anos. […]
ARTIGO 6.º - DIREITOS E DEVERES DO CONCESSIONÁRIO
6.1 . - A situação jurídica do concessionário fica definida nas disposições deste processo de concurso.
6.2. - O concessionário obriga-se a pagar uma renda de acordo com o estipulado no artigo 9.1 do presente Caderno de Encargos.
[…]
ARTIGO 9.º - RENDA DA CONCESSÃO
9.1 - Os concorrentes apresentarão propostas de renda, para cada um dos parques e para a zona dos parcómetros, a pagar mensalmente à C.M...., de acordo com o estabelecido na legislação em vigor, nomeadamente no Decreto-Lei n 0 390/82, de 17 de Setembro.
9.2 -O montante da renda a pagar mensalmente pela concessão, devidamente individualizada para cada um dos parques e da zona de parcómetros, corresponderá ao valor indicado na proposta que for adjudicado, actualizado de acordo com a aplicação da taxa de inflação do ano anterior.
[..]
ARTIGO 16º. - EXECUÇÃO DAS OBRAS - PRAZOS E PENALIZAÇÕES
16.1 - 06) empreiteiro(s) que irá executar as obras deverá ser titular de certificado de classificação de empreiteiro de obras públicas, emitido pelo Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário, que contenha as autorizações da 1 a 5 a 7. a 9 a 10 a 11 a 13. a e 14. a subcategorias da 1 a categoria; 1 a 5. a 6 a 7 a 8 a 10. a e 11 a subcategorias da 5 a categoria e 2 a 14 a subcategoria da 6 a categoria e classe não inferior ao valor da proposta.
[…]
16.5 - Os trabalhos de construção serão executados de acordo com o disposto no Caderno de Encargos, sob fiscalização municipal, por indivíduo ou entidade inscrita como empreiteiro de obras públicas, obedecendo ao disposto no regime geral das empreitadas de obras públicas.
ARTIGO 17.0 - INÍCIO DO PRAZO DA EXPLORAÇÃO
17.1 - O início da exploração do Parque de Estacionamento a construir, só poderá verificar-se após ter sido concedida a licença de utilização.
[…]
- cfr. Caderno de Encargos constante do p.a. (pontos 3 e 4 dos Factos Assentes).
4. Em 25.4.2000 foi aprovada a alteração do nome do Concurso para “Conceção/construção de um edifício para habitação, comercio, serviços e estacionamento e concessão de estacionamento em dois parques subterrâneos e estacionamento de superfície”.-cf. Informação constante do p.a.
5. Ao Concurso em causa apresentou-se apenas um concorrente – a sociedade [SCom01...], S.A. (doravante apenas [SCom01...]) – à qual veio a ser adjudicado o objeto concursal, nos termos da proposta por si apresentada (ponto 4 dos Factos Assentes).
6. Da proposta da [SCom01...], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta,

PROPOSTA […]
O prazo de execução das obras será de 16 meses.
A exploração do parque a construir, em concessão, será pelo prazo de 20 (vinte anos).
O montante anual a pagar a título de renda, pela concessão do parque público de estacionamento a construir na Avenida ..., será de 2.900.000$00 (dois milhões e novecentos mil escudos).
A exploração do parque a construir pela C.M.... será pelo prazo de 20 (vinte anos).
O montante anual a pagar a título de renda, pela concessão
O prazo de execução das obras será de 16 meses.
A exploração do parque a construir, em concessão, será pelo prazo de 20 (vinte anos).
O montante anual a pagar a título de renda, pela concessão do parque público de estacionamento a construir na Avenida ..., será de 2.900.000$00 (dois milhões e novecentos mil escudos).
A exploração da zona de estacionamento com parcómetros será pelo prazo de 20 (vinte anos).
O montante anual a pagar a título de renda, pela concessão da zona de estacionamento com parcómetros na cidade ... será de 7.560.000$00 (sete milhões, quinhentos e sessenta mil escudos).
Construção e acabamento do espaço comercial e habitacional será no prazo de 16 meses.
Cedência à Câmara Municipal ... das instalações da Junta de Freguesia ..., devidamente acabadas e no prazo atrás indicado em regime de posse plena e definitiva que se avalia no valor de mercado de 176.000.000$00 (cento e setenta e seis milhões de escudos).
[…]
Os lugares de estacionamento são os seguintes:
a) ... lugares Reservados).
b) Parque de estacionamento a construir pela C.M.... — 100 lugares Públicos
c) Parcómetros — 350 lugares
[…]
ESTUDO DE VIABILIDADE ECONÓMICO-FINANCEIRA
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]
3. Investimento
3.1. Instalação da construção
O Empreendimento a construir é composto por 529 lugares de estacionamento em cave e semicave, por uma área a ceder para a Junta de Freguesia, escritórios, comércio e habitação.
Será também construída uma pequena praça, para servir de centro cívico. No projecto apresentam-se como possibilidades de negociação com a Câmara Municipal ... a instalação de um piso comercial ao nível do piso 3 que permitiria diminuir os riscos inerentes à exploração do parque de estacionamento em condições a combinar com a Câmara Municipal ....

A proposta compreende assim 15.878 m2 de estacionamento, 1.795 rn2 de comércio, 2.240 rn2 de habitação e 870 m2 de escritórios, com cerca de 1.150 rn2 para instalação da Junta de Freguesia, havendo duas opções para esta:
1- Instalação em cave e R/Chão
2- Instalação em cave, R/Chão e 1 0 piso
A 2a Opção permite ter o atendimento ao público no R/Chão e os gabinetes no 1 0 andar.
A área total de construção será de 19.913 rn2 contabilizando-se acima do solo 7.053 m2 .
Prevêem-se ainda investir 22.750 cts na concessão de parcómetros com repinturas e sinalização e 40.000 cts no equipamento de pagamento automático no parque a construir pela Câmara Municipal ....
A implementação das obras será no prazo de 16 meses.
Dada a natureza do Empreendimento com a construção de Parques de Estacionamento de utilidade Pública solicita-se a isenção de taxas e licenças de construção.
3.2. Equipamento, Mobiliário e Viaturas
Sendo a qualidade e a funcionalidade um dos factores chave de sucesso neste tipo de serviço, a [SCom01...] tem desenvolvido estudos no sentido de dotar os parques por elas construídos com os meios tecnológicos mais avançados por forma a garantir um serviço de grande qualidade. Assim, o equipamento a funcionar no parque será de vanguarda em Portugal e em todo o mundo, permitindo desta forma a melhor funcionalidade possível.
Para controle de entrada e saída de viaturas será montado um sistema completamente informatizado, por uma reputada empresa deste sector.
A segurança no interior do edifício terá suas vertentes:
Vigilância para pessoas, veículos no interior e acessos ao parque, apoiada por uma rede de CCTV, funcionando 24 horas por dia, filmando toda a superfície interior do parque, com gravação em memória.
Sistema automático de alarme contra incêndio e inundações.
Em ambos os casos será utilizado moderno equipamento eletrónico.
Sobre este assunto deverá ser consultada a memória descritiva da construção.
A empresa estima um investimento em 1 viatura automóvel de serviço na ordem dos 3.200 contos, no início do período de funcionamento dos parques. Prevê-se a sua substituição ao fim de 4 anos, o que voltará a acontecer de novo passados 5 anos, coincidindo com o período de vida útil (contabilístico) esperado. Esta viatura automóvel estará adstrita à concessão de parcómetros.
O investimento em mobiliário de apoio ao sector administrativo dos parques, calcula-se que venha a custar cerca de 2.000 contos. Privilegiar-se-á a qualidade, nomeadamente através da funcionalidade e conforto do mobiliário a escolher.
O investimento informático de apoio ao sector administrativo resume-se a um PC e a uma impressora . Na escolha ter-se-á em atenção a possibilidade do mesmo suportar funções não previstas no início da operação, caso venha a ser necessário. O seu custo global, acrescido dos respectivos suprimentos indispensáveis, estima-se em 1 500 contos.
Está ainda prevista a compra de uma fotocopiadora de pequena capacidade [Imagem que aqui se dá por reproduzida]com um custo previsto de 900 contos.
Os contratos de adjudicação destes equipamentos serão utilizados logo que os parques estejam prontos.
3.3. Rendas a Pagar
O montante Anual de renda a pagar será de:
Parque na Ava . ... -2.900.000$00 (dois milhões e novecentos mil escudos)
Parque a construir pela C. M. ... -1.200.000$00
(um milhão e duzentos mil escudos) Parcómetros -7.560.000$00
(sete milhões, quinhentos e sessenta mil escudos)
3.4. Despesas de Instalação
No presente projecto foram calculados custos relativos aos estudos prévios de viabilidade económica e financeira e o projecto de arquitectura e engenharia e fiscalização que se estimam em 81 097 contos.
3.5. Taxas de Amortização
Consideram-se as taxas de amortização abaixo reproduzidas Rúbrica do Imobilizado Taxa
Edifícios 5,0%
Instalações 10,0%
Arranjos Exteriores 10,0%
Mobiliário 12,5%
Viaturas e Equipamentos
Despesas de Instalação
3.6. Financiamento
O financiamento do projecto será assegurado por capitais próprios e alheios, na proporção de 30% / 70% para cada uma das modalidades.

CONDIÇÕES DE FINANCIAMENTO
          Prazo do Financiamento
          Taxa de Juro (Variável)
          Carência
          Amortizações / Liquidações Antecipadas
          Garantias prestadas
          Montante do financiamento
          18 anos Lisbor + 0.75% de spread
          1 ano
          Com possibilidade sem custos
          Aval pessoal dos sócios
          Valor da obra

O plano de investimentos e de financiamento do projecto são apresentados no quinto capítulo.
4.1. Receitas de Exploração
Com o objectivo de proceder à previsão de receitas foi analisado um estudo efectuado sobre as zonas onde se vai proceder à implementação dos empreendimentos.
De acordo com o resultado da recolha e organização de dados recebidos, foi possível elaborar um "quadro de previsão de receitas mensal", para parques de subsolo. Foram calculadas médias aritméticas para o número de entradas e saídas previstas em cada hora, para o número de viaturas que permanecem, em média, nos parques, e respectiva taxa de ocupação.
Estimada a natureza do parqueamento, isto é, calculados os tempos que cada viatura permanece no local, foi possível obter uma média (ponderada) das receitas diárias. A partir destas, calcularam-se valores mensais e anuais.
Pelo que se acaba de expor no parágrafo anterior, o que se obteve na previsão das receitas, foi o valor da receita total mês (por exemplo), em média.
Entretanto, obtidas as estatísticas que permitiram estimar a taxa de ocupação, foram determinados os restantes pressupostos que serviram de base para elaborar o Mapa das receitas de exploração, bem como efectuar as projecções que serão apresentadas no capítulo 5 — mapas e análise económico-financeira. Conforme já foi referido, os parques a construir no subsolo, terão uma capacidade de 629 viaturas. A [SCom01...] tem como objectivo, nos parques referidos, utilizar 80% dos lugares disponíveis para parqueamento normal, isto é, recolha personalizada, em três modalidades, conforme a seguir se diferencia.
É importante referir que os parques funcionarão 24 horas por dia, 365 dias por ano.
As tabelas de preços dos parques são as se indicam de seguida:
Parqueamento Normal — Diurno
Horas
Valor sem IVA
Valor com IVA
1 a hora
1 1 1$1
130$
2a hora
119$6
140$
3a hora
128$2
150$
4a hora
136$7
160$
5a hora e seguintes
136$7
160$
Parqueamento Normal — Nocturno
Horas
Valor sem IVA
Valor com IVA
1 a hora
85$5
100$
2a hora
85$5
100$
3a hora
85$5
100$
4a hora
85$5
100$
5a hora e seguintes
85$5
100$
Avenças Normais
Horas
Valor sem IVA
Valor com IVA
Diurnas
10.683$7
12.500$
Nocturnas/Residentes
6.410$2
7.500$
Para 24 horas
12.820$5
15.000$
Este tarifário é ligeiramente superior ao indicado no Caderno de Encargos mas é plenamente justificado pelo presente estudo económico.
- Nos parcómetros à superfície:
Parqueamento Normal — Diurno
Horas
Valor sem IVA
Valor com IVA
30 Minutos
42$7
50$
1 hora
85$4
100$
1 hora 30 minutos
128$2
150$
2 horas e seguintes
128$2
150$

A Avença para residentes será considerada pelo período das 20h às 8H 30m nos dias normais de trabalho e todo o dia aos sábados, domingos e feriados.
Os valores agora propostos serão actualizados de acordo com o índice de inflação que vier a ser publicado pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) para cada ano.
As taxas de ocupação previstas para os 12 meses ao longo do ano, neste estudo, nomeadamente no que se refere ao orçamento de vendas, são as seguintes.
Taxa de Ocupação
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Diurna
40.5%
40.5%
40.5%
45.00/0
45.0%
45.0%
Nocturna
5.0%
5.0%
5.0%
5.0%
5.0%
6.0%
Julho
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
Dezembro
Diurna
50.0%
50.0%
45.00/0
40.5%
40.5%
40.5%
Nocturna
6.0%
6.0%
6.0%
5.0%
5.0%
5.0%

O preço médio foi calculado de acordo com as seguintes estatísticas:
Estatísticas para Cálculo do Preço Médio
Parqueamento Diurno
Estatística
1 a hora
60.0%
2a hora
27.5%
3a hora
7.5%
4a hora
4.5%
5a hora e seguintes
0.5%
Parqueamento Nocturno
Estatística
Até meia hora
60.0%
1 a hora
27.5%
2a hora
7.5%
3a hora
4.5%
4a hora e seguintes
0.5%
Avenças
Estatística
Diurnas
33.0%
Nocturnas
5.0%
24 horas
60.0%
Livre trânsito
2.0%

O mapa de receitas de exploração previsional de utilização do contrato é apresentado no capítulo 5.
Prevê-se que se não forem atingidas as taxas de ocupação do presente estudo que as taxas serão corrigidas com um aumento até ao máximo de 10, nos anos em que não se conseguirem as taxas esperadas. É importante referir, que no prazo médio de recebimentos é de 1 dia, dado que o parqueamento normal é feito de imediato. No caso do parqueamento avençado, o utente terá de pagar até ao dia 8 do mês seguinte ao que diz respeito a facturação
4.2. Despesas de Exploração
Despesas de pessoal:
Dimensionou-se o quadro de pessoal para os diversos parques, obtendo-se um total de 17 trabalhadores ao serviço dos parques. O pessoal será contratado um mês antes da abertura ao público para formação. A remuneração média mensal ronda os 85 contos. Ao vencimento serão acrescidos nos termos da lei, o subsídio de turno (horário nocturno), o subsídio para abonos de falhas de caixa e prémios. Esta política de estrutura relativamente reduzida mas bem remunerada é uma opção estratégica da gestão, que pretende ter nos seus quadros pessoas qualificadas para cada uma das funções, mas com grande flexibilidade, capacidade de desenvolvimento e aprendizagem de novas tarefas, bem como a facilidade de assimilação de novas tecnologias.
No quadro abaixo resume-se a constituição e remuneração base do quadro de pessoal:
          Categoria
          Ordenado Base
          NO Funcionário
          Valor a Pagar
          Sub. Aliment.
          Supervisor
          130.000
          1
          130.000
          850
          Encarregado Parque
          100.000
          100.000
          850
          Caixa/Vigilante
          80.000
          15
          400.000
          850
          TOTAL
295.000
17
630.000
Como despesa da empresa acrescentou-se um subsídio de refeição de 850$00. Inclui-se ainda os descontos para a segurança social (23.75%, e também o seguro obrigatório de acidentes de trabalho (3%).
Os valores referidos são valores actuais, para os anos seguintes considerou-se uma taxa de crescimento nominal igual à da inflação, tendo como objectivo a não redução das condições de remuneração dos trabalhadores.
Despesas de Manutenção e Reparação:
As despesas de manutenção e reparação do equipamento foram estimadas de acordo com informações obtidas pelas empresas contactadas para fornecerem orçamentos e foram incluídas na rubrica de subcontratos. É importante referir que o período de garantia é de 2 anos, pelo que só a partir desta data foi feita a estimativa.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]Subcontratos:
Considerou-se que a limpeza dos parques venha a ser efectuada por uma empresa especializada neste tipo de serviços. O valor estimado para o primeiro ano de operação ronda os 500 contos/mês (6000cts./ano). A informação foi fornecida por uma empresa contactada para o efeito.
Outras Despesas de Exploração:
Para fazer face a despesas imprevistas ou de difícil avaliação num projecto com estas características estimaram-se valores registados em outros fornecimentos e serviços.
5 Mapas e Análise Económica-Financeira
Seguem-se os mapas, elaborados para o prazo de 10, 15 e 20 anos, a saber:
1 . Plano de Investimentos;
2. Financiamento do Projecto;
3. Previsão de Receitas de Exploração;
4. Previsão de Despesas de Exploração;
5. Demonstração de Resultados Previsionais;
6. Balanços Previsionais;
7. Orçamento de Tesouraria;
8. Orçamento Financeiro.
5.1. Análise económica-financeira para o prazo do contrato
Da análise aos tradicionais indicadores referentes a investimentos ressalta que não obstante a reduzida dimensão destes indicadores, mas dada a sua evolução positiva, ao longo dos anos, este projecto, aparentemente será rentável, ou seja, trata-se de um projecto económico-financeiro viável.
Nos primeiros anos, facto que se prende com o avultado investimento, verificaram-se fluxos financeiros diminutos para posteriormente gerar cashflows elevados nos anos seguintes e de maturidade do projecto.
Prevê-se que no período em análise os capitais próprios atinjam valores bastante superiores ao endividamento alheio máximo, previsto. A estratégia financeira delineada, demonstra uma perspectiva prudente, dotando a empresa com capacidade financeira para fazer face às exigências de investimento previstos.
Destaque-se a inexpressividade das dívidas de terceiros, o que se justifica pelo tipo de actividade. A empresa receberá a quase totalidade das receitas a pronto.
A empresa é possuidora de bons indicadores financeiros, como sejam a autonomia financeira, a solvabilidade e a liquidez. O que lhe permite solver com facilidade os seus compromissos tanto a médio e longo como a curto prazo e ter um baixo nível de dependência face a terceiros.
Os rácios de viabilidade económica confirmam o interesse do projecto com a rentabilidade do investimento total a crescer no período em apreciação.
A RCP (Rentabilidade dos Capitais Próprios) apresenta-se superior à RIT (Rentabilidade do Investimento Total), o que implica o efeito de alavancagem positivo, prevendo-se que os capitais alheios contribuam para o aumento da rentabilidade do investimento.
6. Conclusão
O conjunto dos cálculos expressos nas demonstrações financeiras apresentadas no estudo demonstram a viabilidade económica e financeira do projecto.
Acima de tudo, procurou-se, desde o início, elaborar um projecto com um cenário muito realista e prudente.
Os dados utilizados para prever receitas, nomeadamente taxas de ocupação e preços, como já foi mencionado, foram conseguidos com base em elementos obtidos no local (ou em locais próximos) onde se edificará o novo empreendimento, estimados com base num trabalho efectuado por uma equipa de uma empresa com experiência e fiável.
Nunca esteve presente a ideia de empolar receitas, ou reduzir os custos, tendo por objectivo manipular o estudo, levando a conclusões fáceis como é habitual neste tipo de estudos.
A viabilidade deste projecto sai reforçada se considerarmos a capacidade financeira dos seus promotores, e ainda, o interesse económico e social que o investimento representa.
[…]
- cf. Proposta constante do p.a. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, (ponto 5 dos Factos Assentes).
7. A Câmara Municipal ..., por deliberação de 26.02.2001, adjudicou o concurso à [SCom01...], comunicando-o pelo oficio ...54, de 6.3.2001, nos seguintes termos: Comunico a V. Exa.. que por deliberação de Câmara do dia 26/02/2001, ao abrigo da alínea h) do nº. 2 do artigo 103º. do CPA, se procede à adjudicação definitiva a essa empresa, devendo apresentar nestes serviços uma caução no valor de 5% do investimento global previsto para realização do contrato, conforme n. º... do artigo 20.º do programa de concurso.
- adjudicação constante do p.a., (ponto 6 dos Factos Assentes).
8. Por oficio datado de 12.7.2001, com entrada em 7.9.2001 nos serviços da C.M...., e dirigido ao Presidente da Câmara Municipal ..., a [SCom01...] requereu,
Foi adjudicado a esta empresa o objecto do concurso público lançado pelo MUNICÍPIO ... com vista à concepção/construção de um edifício para habitação, comércio e serviços e parque público de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras no espaço sito na Avenida ....
Por forma a efectuar uma gestão mais próxima e directa dos empreendimentos em que se encontra envolvida, é prática da [SCom01...] proceder à constituição de uma nova sociedade, conjuntamente com a empresa construtora (empreiteiro geral), com sede no concelho da obra a realizar, para que a construção da mesma e a futura gestão e exploração sejam individualizados, de modo a melhor se adequarem à realidade e necessidades locais.
Nesta conformidade, solicita-se a V. Exa. autorização para que a [SCom01...] ceda à sociedade a constituir nos referidos termos, com a denominação de "[SCom02...], S.A." e sede na cidade ..., os direitos emergentes da adjudicação do objecto do concurso público em apreço, sendo que a sociedade em causa, cuja imagem e Know How se encontram estritamente conectados com a [SCom01...], efectuará não só a obra de construção como a posterior comercialização dos imóveis e a exploração do parque de estacionamento, o que, em regime de continuidade e de modo perdurável no tempo, criará postos de trabalho e gerará receita tributável no concelho ....
- Cfr. doc. Pedido de Cessão Posição Contratual constante do p.a. (resposta ao quesito 1.º)

9. Relativamente ao requerimento que antecede, foi emitido em 10.9.2001, pelo consultor jurídico do MUNICÍPIO ..., parecer do qual resulta,
“[…]

O contrato celebrado ou a celebrar entre a Câmara Municipal ... e a [SCom01...], Lda é, no fundo, um contrato de permuta envolvendo prestações recíprocas.
Ora, dispõe o art. 424º, n.º 1 do Código Civil que "no contrato com prestações recíprocas qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contratante, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão".
Assim, do ponto de vista jurídico não vemos qualquer óbice a que a Câmara Municipal ... consinta ou autorize a peticionada cessão da posição contratual.
Se alguma dúvida houver sobre a capacidade para o efectivo cumprimento da prestação por parte da cessionária, sempre a Câmara Municipal poderá convencionar com a cedente [SCom01...] que esta garante tal cumprimento (art.º 426, no 2, do Código Civil).
- cf. Parecer junto ao p.a.

10. Foi, ainda, emitida informação pelo Departamento de Obras e Urbanismo do MUNICÍPIO ... da qual se extrai, “Mais se informa que a cessão da posição contratual está prevista no arto. 680 do Dec.-Lei 197/99 de 8 de Junho, diploma pelo qual se rege o concurso, adjudicação e contrato em causa.” – doc. Informação constante do p.a.
11. Por deliberação de 10.9.2001 da C.M.... foi autorizada a requerida cessão da posição contratual e, bem assim, deliberado dar conhecimento da autorização à Assembleia Municipal. - doc. Informação constante do p.a.
12. O R. enviou em 19.9.2001 oficio à [SCom01...] nos seguintes termos,

“Serve o presente para informar V. as Exas. que em Reunião de Câmara na sua Sessão Ordinária de 10/09/2001, foi deliberado autorizar a cessão da posição Contratual de acordo com o vosso requerimento de 12/07/2001, bem como dar conhecimento à Assembleia Municipal como órgão competente que autorizou a concessão em sua Sessão de 28/04/2000.
Junto se envia para análise, assinatura e posterior devolução de dois exemplares do Contrato Promessa de Permuta.
Mais se solicita que nos deve informar com brevidade possível (via fax) a constituição da nova sociedade "[SCom02...], S.A. "
– fls. 124 dos autos (pontos 7 e 8 dos Factos Assentes).

13. Em 21.9.2001 foi celebrado entre a Câmara Municipal ..., como primeiro Outorgante, e a [SCom01...], como segundo Outorgante, o contrato promessa de permuta nos seguintes termos,
PRESSUPOSTOS:
PRIMEIRO
O presente contrato é celebrado em conformidade com a deliberação do Executivo Municipal de 26/02/2001 e autorização concedida pela Assembleia Municipal em sessão de 28/04/2000, com vista à execução do objecto do concurso público de [Imagem que aqui se dá por reproduzida]concepção/construção de um edifício para habitação, comércio e serviços e parque público de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras no espaço sito na Avenida ..., em ....
SEGUNDO
Por forma a efectuar uma gestão mais próxima de ... e dos ... da execução da obra e exploração da concessão lançados a concurso, a sociedade representada pelos segundos outorgantes, conjuntamente uma construtora, procederá à constituição de urna nova sociedade comercial, com sede na cidade ... e denominação de "[SCom02...], S.A.", a qual sucederá nos direitos emergentes do presente contrato-promessa, em termos e condições a acordar com a primeira contratante.
CLÁUSULAS:

PRIMEIRA
Pelo presente contrato, o MUNICÍPIO ... promete transmitir para a sociedade que os segundos representam - ou para a sociedade a constituir nos termos do preceituado no pressuposto segundo - o direito de propriedade sobre o seguinte imóvel:
Parcela de terreno para construção sita no lugar da "Escola ...", com a área de 4.750 rn2, a confrontar a Norte, Rua Pública, nascente Avenida ..., Sul Câmara Municipal ... e Poente com Rua Pública, omisso na matriz predial e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...01 da Freguesia ....

SEGUNDA
No prédio identificado na cláusula anterior, a sociedade representada pelos segundos outorgantes obrigasse a proceder à concepção/construção/exploração de um edifício para habitação, comércio e serviços (à superfície) e de um parque público de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras (no subsolo), tudo de acordo com o projecto e caderno de encargos do concurso público e proposta da Segunda contratante, que se juntam, e que, depois de rubricados pelos outorgantes, constituirão parte integrante do presente contrato.

TERCEIRA
A sociedade representada pelos segundos outorgantes obriga-se a proceder à constituição da propriedade horizontal sobre o prédio identificado na cláusula primeira, obedecendo a mesma aos seguintes requisitos:
A) Constituição, no subsolo, de uma fracção predial composta pelos lugares de parqueamento afectos à exploração do parque subterrâneo de estacionamento, no mínimo de 462 lugares públicos, sendo 12 deles destinados ao uso gratuito pela Junta de Freguesia ... e salvaguardando-se os lugares para parqueamento afectos ao comercio e serviços com respeito pelas normas do PDM ... em vigor;
B) Constituição no subsolo, de uma fracção predial por cada um dos lugares de parqueamento restantes, com vista à sua atribuição às fracções habitacionais constituídas à superfície.
C) Constituição, à superfície, de uma fracção autónoma composta por área destinada às instalações da Junta de Freguesia ...;
D) Constituição, à superfície, de uma fracção predial por cada fracção habitacional, de comércio ou serviços;
E) Constituição, nos locais de acesso ao parqueamento nos lugares do parque de estacionamento referidos na alínea A) e compostos por uma só fracção predial, de uma servidão de passagem para peões e veículos automóveis com vista à circulação e acesso a todas as restantes fracções constituídas no subsolo, sem que tal acarrete qualquer tipo de custos ou encargos para as fracções dominantes.
F) Com vista ao acesso aos lugares de parqueamento privado, constituição da obrigação de o concessionário da exploração do parque de estacionamento subterrâneo permitir aos detentores dos lugares de parqueamento privados a livre circulação por todas as zonas do parque de estacionamento.

QUARTA
Em troca, a sociedade representada pelos segundos outorgantes, finda a construção e após constituição da propriedade horizontal, promete transferir para o MUNICÍPIO ... o direito de propriedade sobre a fracção predial destinada a serviços públicos (instalações da Junta de Freguesia ...), bem como sobre a fracção predial constituída no subsolo e composta pelos lugares de estacionamento não privados (alínea A).

QUINTA
As partes atribuem aos imóveis a permutar valor idêntico, pelo que, efectuada a permuta, declaram nada ter a receber uma da outra.

SEXTA
A escritura pública a formalizar o contrato ora prometido será outorgada em dia, hora e locai a acordar entre ambos os outorgantes.

SÉTIMA
O registo predial da permuta ora prometida será efectuado logo que constituída a propriedade horizontal relativa às fracções a edificar à superfície e no subsolo, em conformidade as directrizes provenientes de parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado de 28 de Abril de 2000.

[…]
- fls. 133 e ss. dos autos, (pontos 9 a 12 dos Factos Assentes).

14. Em 12.10.2001 foi constituída por escritura publica a aqui A., [SCom02...]. S.A., com o objeto de concepção, construção, gestão, exploração e conservação de parques de estacionamento, tendo como sócios a [SCom01...], S.A., a [SCom03...] – SGPS, S.A, «AA», «BB», «CC» e «DD», e a qual se rege pelo contrato de sociedade e estatutos que aqui se dão por reproduzidos - fls. 137 e ss. dos autos, (ponto 13 dos Factos Assentes)
15. Em reunião do executivo municipal de 12.11.2001 foi aprovado o projeto de construção apresentado pela A., relativo ao parque estacionamento e edifício anexo contendo todas as utilidades. (ponto 14 dos Factos Assentes).
16. Por oficio n.º ...89 de 15.1.2002 remetido à [SCom02...] o MUNICÍPIO ... informou que,

“Somos por este meio a informar que a [SCom01...], S.A., ... ...26, com sede na Rua ..., ..., em ..., é a empresa adjudicatária da empreitada de Concepção/Construção da Empreitada em assunto.
Neste sentido, informamos ainda que, nos termos do art.º 424 e seguintes do Código Civil, a Câmara Municipal ... aceita a cessão da posição contratual que a [SCom01...], S.A. acordou com a empresa [SCom02...], S.A., no âmbito desta empreitada e de acordo com a deliberação de 10 de Setembro de 2001 da Câmara Municipal ....” - fls. 153 dos autos, (ponto 15 dos Factos Assentes e resposta ao quesito 3 da Base Instrutória).
17. Em 28.8.2002 a A. iniciou a construção dos edifícios e infraestruturas objeto do Concurso, concretamente edifício para habitação, comércio, serviços, sede da Junta de Freguesia ... e parque público de estacionamento subterrâneo. (ponto 16 dos Factos Assentes)
18. Em reunião de 25.11.2002 a C.M.... deliberou autorizar a permuta com a A. nos seguintes termos,
Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- Certidão constante do p.a.

19. Em 10.12.2002 foi celebrado, por escritura publica, entre a [SCom03...] – SGPS, S.A. e [SCom02...] na qualidade de 1.º Outorgante e a Câmara Municipal ..., na qualidade de 2.º Outorgante, Contrato de Permuta, Constituição de Propriedade Horizontal, Mutuo, Hipoteca e Penhor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extrai que a Câmara Municipal ... cede à [SCom02...] o prédio urbano situado no lugar da Escola ..., Freguesia ..., composto por parcela de terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19, a que atribuiu o valor de € 3.908.642,79 e, por sua vez, a [SCom02...], em troca, cede à Câmara Municipal ... as frações autónomas A (380 lugares), B (2 lugares), C (8 lugares), D (3 lugares), E (32 lugares), F (3 lugares), G (23 lugares), H (8 lugares), I (1 lugar), J (dois lugares), CH (fração situada no piso -1, piso r/c, piso 1 com acesso pelo n.º 2 E da Av. ... e pela caixa de escadas e elevadores comuns, do numero 2D da mesma Avenida), a que atribui o valor de € 3.908.642,79. – (ponto 17 dos Factos Assentes).
20. A [SCom02...] apresentou garantia bancaria datada de 30.12.2002 nos termos que aqui se dão por reproduzidos.- doc. garantia bancaria.
21. Em 6.8.2003 a A. apresentou à C.M.... Aditamento ao projeto de arquitetura inicial. – fls. 184 dos autos, (ponto 18 dos Factos Assentes).
22. O aditamento ao projeto veio a ser deferido por deliberação da C.M.... de 27.10.2003, considerando-se que “as alterações enquadram-se dentro dos critérios de adjudicação que fundamentaram a selecção da proposta de acordo com o programa de concurso e caderno de encargos” e que “a presente alteração, considerada globalmente, é conforme ao interesse publico dos Munícipes de ...”. – fls. 198 dos autos, (ponto 19 dos Factos Assentes).
23. No final do ano de 2003, durante os meses de outubro e de novembro, A. e R. preparavam-se para celebrar o contrato de concessão da gestão e exploração dos estacionamentos subterrâneos e à superfície, tendo inclusivamente trocado entre si uma minuta de tal contrato. – fls. 199 e ss. dos autos, (ponto 21 dos Factos Assentes)
24. Contudo, no mês de dezembro de 2003, o R. informou a A. que tinha rececionado um projeto de relatório de auditoria do Tribunal de Contas, o qual apontava irregularidades ao Concurso em causa. (ponto 22. Dos Factos Assentes),
25. Informando-a que, em face das conclusões do projeto de relatório, não iria celebrar o contrato de concessão (resposta ao quesito 4 da Base Instrutória).
26. Do referido projeto de relatório de auditoria, cujo teor aqui se dá por reproduzido, consta, além do mais, quanto ao Concurso,


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]

III – Conclusões

1. Quadro 1 – Eventuais infrações financeiras

[…]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- fls. 275 e ss. dos autos.

27. No início do ano de 2004 (mês de Janeiro), o R. entregou ao A. cópia do projeto de relatório em causa, para que o mesmo fosse analisado (ponto 23 dos Factos Assentes).
28. Tendo, então, ficado acordado que A. e R. tratariam de estudar as objeções suscitadas pelo Tribunal de Contas e depois decidir-se-ia que caminho seguir. (ponto 24 dos Factos Assentes)
29. Posteriormente a ter estudado o relatório, a A. contactou o R. sugerindo uma solução para as apontadas irregularidades invocadas pelo Tribunal de Contas, que passaria por solicitar um parecer a um especialista em Direito Administrativo que analisasse toda a questão e emitisse uma opinião sobre a necessidade (legal) ou não de seguir a recomendação do Tribunal de Contas. (ponto 29 dos Factos Assentes).
30. Tendo o R. concordado com a proposta da A. (resposta ao quesito 5 da Base Instrutória).

31. A A. propôs-se então suportar os custos do parecer, tendo o mesmo sido solicitado ao Dr. «EE», ilustre administrativista com muita obra escrita neste campo do direito. (ponto 30 dos Factos Assentes).
32. E desta sua decisão deu conta ao R., tendo este congratulado a A. pela sua opção, pois reconhecia total credibilidade à personalidade em causa (ponto 31 dos Factos Assentes).
33. Neste contexto, tratou a A. de obter o parecer do Dr. «EE» (resposta ao quesito 7 da Base Instrutória).
34. Em 19.2.2004 a A. apresentou ao Presidente do Serviço Nacional de Bombeiros aditamento ao projeto de segurança. – fls. 185 (ponto 20 dos Factos Assentes).
35. Em 12.3.2004 deu-se a receção provisória da obra, resultando do auto que não foi verificada qualquer deficiência. – fls. 314, (ponto 25 dos Factos Assentes).
36. Entretanto, o R. pretendeu abrir ao público o parque de estacionamento subterrâneo sito na Avenida ... (ponto 26 dos Factos Assentes).
37. Para o efeito foi celebrado entre A. e R. em 28.05.2004 um protocolo no qual a título transitório ambas as partes acordavam que devido ao impasse instalado seria o R, (em vez da A.) a explorar o parque de estacionamento subterrâneo com 450 lugares. – fls. 315 e ss. (ponto 27 dos Factos Assentes).
38. Já no ano de 2004 o R. foi notificado do relatório de auditoria n.º 04/2004 da 2.ª Secção do Tribunal de Contas, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e no qual a propósito do Concurso em causa, se escreve,
3.3.11.6.1. OS FACTOS
Através do aviso publicado no JOCE de 25/05/00 e no Diário da República de 03/06/00, a Câmara Municipal ... procedeu abertura de um concurso público internacional com vista à celebração de um contrato com o seguinte objecto;
a) "Concepção/construção de um edificio para habitação, comércio, serviços e parque público de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras, com recolha pública e personalizada, no espaço sito na Av. ...;
b) Concessão de exploração do supra parque público de estacionamento:
c) Concessão da gestão e exploração de um parque de estacionamento subterrâneo a construir pela Câmara Municipal .... previsto no edificio do antigo Colégio ...;
d) Concessão de exploração do estacionamento de superfície, pago, na cidade ....

Corridos os trâmites legais inerentes, a C.M...., cm reunião de 26/02/01, deliberou efectuar a adjudicação à empresa "[SCom01...] ' única concorrente que, de acordo com o relatório da comissão de análise das propostas, reunia todos os requisitos exigidos. Mais tarde, através do oficio n.º ...54, de 06/03/01, a C.M.... comunicou àquela empresa que o contrato lhe tinha sido adjudicado definitivamente, solicitando-lhe a apresentação de uma caução conforme previsto no programa de concurso.
A adjudicação tem subjacente as cláusulas previstas no caderno de encargos, realçando-se as que respeitam aos arts. 3º 4º e 6º, que dispõem o seguinte:
O concessionário assumirá o financiamento da totalidade das obras a executar, incluindo as do parque de estacionamento, da área habitacional, comercial e serviços (onde se inclui a fracção afecta à sede da junta de freguesia). bem como o da aquisição e instalação do equipamento e apetrechamento necessário à perfeita e económica exploração do empreendimento, incluindo as instalações de estacionamento;
A Câmara Municipal ... disponibilizará gratuitamente o terreno para a construção; A Câmara Municipal ficará proprietária das fracções correspondentes ao parque de estacionamento e à sede da Junta de Freguesia.
O concessionário ficará proprietário de toda a área comercial e habitacional e lugares de estacionamento afectos às fracções de habitação e comércio, que poderá comercializar A concessão será realizada por contrato e não poderá durar mais de 20 anos.
O concessionário obriga-se pagar uma renda mensal para cada um dos parques c para a zona dos parcómetros.

Da proposta apresentada pelo adjudicatário, importa sublinhar os seguintes aspectos:
"O prazo de execução das obras será de 16 meses:
A exploração dos parques será pelo prazo de 20 anos:
O montante anual a pagar a título de renda, pela concessão do parque público de estacionamento a construir na Avenida ...
O montante anual a pagar a titulo de renda. pela concessão do parque público de estacionamento a construir pela C.M.... será de 1 200 000$00
O montante anual a pagar a titulo de renda, pela concessão da zona de estacionamento com parcómetro na cidade ... será de 7 560 000$00;
Cedência à C.M.... das instalações da Junta de Freguesia ..., devidamente acabadas em regime de posse plena e definitiva que se avalia no valor de mercado de 176 000 000$00 "i

Contudo e apesar da adjudicação da proposta à empresa em causa, nos termos acima referenciados, entre a C.M.... e a empresa adjudicatária não veio a ser celebrado o contrato administrativo que formalizaria a concessão a que se referem as alíneas a) a d) do presente ponto, conforme resulta do processo de concurso e da confirmação dada pelos serviços.

Paradoxalmente, o contrato de concessão, cuja celebração se impunha após a adjudicação da respectiva proposta, deu lugar à celebração de um contrato de permuta entre a C.M.... e a empresa "[SCom02...], SA", que resulta da seguinte sequência procedimental: A empresa "[SCom01...], SA", na qualidade de adjudicatária, solicitou à C.M.... autorização para a cessão da posição contratual à sociedade a constituir para o efeito, com a denominação de "[SCom02...], SA que foi autorizada em reunião de 10/09/01.

Após ter sido autorizada a alegada cessão da posição contratual, a C.M.... e a empresa "[SCom01...], SA", celebraram, em 21/09/01, um contrato promessa de permuta onde, no essencial, se estipula o seguinte:
O presente contrato é celebrado em conformidade com a deliberação do executivo municipal de 20/02/01 e autorização concedida pela Assembleia Municipal em sessão de 28/04/00, com vista à execução do objecto do concurso público de concepção/construção de um edificio para habitação, comércio e serviços e parque público de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras no espaço sito na Av. ..., em ....
A sociedade "[SCom01...], SA, conjuntamente com uma construtora, procederá à constituição de uma nova sociedade comercial com a denominação de "[SCom02...], SA " a qual sucederá nos direitos emergentes do presente contrato promessa.
A C.M.... promete transmitir à sociedade o direito de propriedade de uma parcela de terreno para construção, onde esta se obriga a proceder à concepção, construção e exploração de um edificio para habitação, comércio, serviços e parque público de estacionamento,
Em troca, a sociedade promete transmitir ao município o direito de propriedade sobre a fracção predial constituída no subsolo e composta pelos lugares não privados de estacionamento.
atribuindo aos imóveis a permutar valor idêntico e declarando nada ter receber uma da outra.

Posteriormente e por escritura pública lavrada em 12/10/01, celebrou-se o contrato de sociedade anónima, sob a firma '[SCom02...], SA", cujo objecto respeita à concepção, construção, gestão, exploração e conservação de parques de estacionamento, com um capital social de cinquenta mil euros, subscritos pelos sócios "[SCom01...], SA" (trinta mil acções), "[SCom03...] — SGPS, SA" (dezoito mil acções) e quatro sócios em nome individual (cada um com quinhentas acções).

Mais tarde, cm 10/12/02, no Cartório Notarial ..., foi outorgado o "Contrato de pernuda, constituição de propriedade horizontal, mútuo, hipoteca e penhor,, em que a C.M.... cede à sociedade "[SCom02...], SA o prédio urbano com o valor atribuído de 3 908 642,796 e esta, em troca, cede à C.M.... 11 (onze) fracções autónomas (390 lugares de estacionamento e a correspondente à sede da Junta de Freguesia ...), com o valor atribuído de 3 908 642,79 €, do edifício em construção no prédio cedido pela autarquia, O qual é constituído por 9 (nove) pisos e I I I (cento e onze) fracções autónomas, constituídas em regime de propriedade horizontal, com o valor global de 7 239 cujas fracções restantes se destinam a ser vendidas para habitação, garagens privativas e estabelecimentos comerciais ou serviços, assim discriminadas:

Edifício de Habitação, Comércio e Serviços
Fracção A a CG Fracção CH a DC

Fração DD a DT

TOTAL
456 Lugares de estacionamento
19 Estabelecimentos de comércio ou serviços

16 habitações
3.683.024,00€
2.425.625,00€


1.127.120,00€

7.235.769,00€
Antes de entrar na apreciação técnico-jurídica da matéria factual acima enunciada, e tendo em vista a sua cabal compreensão, mostra-se oportuno proceder à sua enumeração de acordo com a respectiva [Imagem que aqui se dá por reproduzida]ordem cronológica, em virtude de se tratar de um processo que assume contornos difusos, tanto no que se refere ao desenvolvimento procedimental como à aplicação de regimes jurídicos distintos.
O processo em estudo, que se iniciou com um concurso público internacional com vista à celebração de um contrato de concessão cujo objecto respeitava parcialmente à construção de obra pública e [Imagem que aqui se dá por reproduzida]exploração de serviço público e terminou com um contrato de permuta que visa parcialmente a construção de uma obra pública, apresenta a seguinte sequência temporal:
Concurso público de concessão / Contrato de permuta
1 Deliberação da Câmara Municipal:
2 Deliberação Assembleia Municipal;
3 Publicação de aviso no Diário da República:
4 Apresentação propostas:
5 Realização do ato publico
6 Apreciação das propostas:
7 Adjudicação da concessão:
8 Contrato de concessão;
9 Estimativa do custo (Iº Obra:
10 Cessão da posição contratual:
11 Celebração do contrato-promessa da permuta:
12 Requerimento da licença de construção:
13 Emissão da licença de contenção periférica.
14 Emissão da licença de construção:
15 Autorização da permuta pela Câmara Municipal:
16 Celebração do contrato de permuta
10 ABR 00
28 ABR 00
03 JUN 00
13 OUT 00
16 OUT 00
20 FEV 01
26 FEV 01
Não Celebrado
06 SET 01
10 SETOI
21 SETOI
4 OUT 01
28 JAN 02
28 AGO 02
25 NOV 02
10 DEZ 02
3.3.11.6.2. O DIREITO
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]- O CONTRATO DE CONCESSÃO
Comecemos por apurar a natureza jurídica do contrato de concessão,
Os contratos administrativos de concessão constantes da previsão legal do art. 1780, n.° 1, b) e c) do CPA e aplicáveis ao caso cm análise, são os seguintes:
- O contrato de concessão de obra pública (concepção/construção de um edifício para parque público de estacionamento);
- O contrato de concessão de serviço público (concessão da exploração de três parques de estacionamento).
A definição legal de contrato de concessão de Obra pública resulta do art. 20, n.° 4 do DL nº.59/99, de 02/03, nos termos do qual um particular se encarrega de executar e explorar uma obra pública. mediante retribuição a obter directamente dos utentes, através do pagamento por estes de taxas de utilização
Resulta, assim, que o contrato de concessão de obra pública é um contrato típico e nominado que apresenta dois elementos essenciais: a execução e financiamento de Obra pública pelo concessionário e a sua posterior exploração,
Dito de outro modo, o objecto do contrato é a execução de uma obra pública, caracterizando-se essencialmente por atribuir ao concessionário o direito de explorar as obras que ele próprio executa previamente (a exploração é meramente instrumental em relação à execução da obra) sob o controle e fiscalização exercidos pela entidade concedente e com possibilidade de resgate (conteúdo mínimo de uma relação de concessão nos termos dos arts. 100 e 13 0 do DL nº. 390/82, de 17/09).
Em todas as concessões há sempre uma transferência de poderes públicos para outrem, decorrente de um procedimento concursal, pelo que a sua existência depende da celebração de um contrato administrativo que, nos termos do art. 14º do DL n.° 390/82, de 17/09, assume a forma de escritura pública.
Com efeito, o contrato de concessão é um negócio formal. isto é, um contrato cujas declarações de vontade constitutivas devem ser exteriorizadas de uma forma especialmente solene (a forma escrita) que, no domínio da contratação administrativa é, regra geral, justificada por razões de segurança jurídica.
Assim, só com a assinatura do contrato de concessão ocorre a transferência para o particular de poderes legalmente reservados ao ente público, O mesmo é dizer que O termo da formação do contrato ocorre com a respectiva celebração. Caso contrário, esvazia-se de conteúdo o próprio concurso.
Nestes termos, e dada a não celebração do contrato à luz do concurso público internacional em apreço, conclui-se não ter havido transferência para a adjudicatária, empresa "[SCom01...], SA", do exercício da actividade de conceber, construir c, ulteriormente, explorar a obra pública, ínsita numa relação jurídico-administrativa de concessão.
Não obstante a inexistência jurídica da concessão, em virtude de carecer cm absoluto de forma legal, cabe notar que o concurso se encontrava parcialmente ferido de nulidade em virtude de apresentar um objecto parcialmente impossível, relativo à concepção/construçäo de edificio para habitação, garagens privativas e estabelecimentos comerciais ou serviços, destinados comercialização pelo concessionário.
Na verdade, o contrato administrativo é o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa e para ser válido é necessário que cumpra um conjunto de requisitos de entre os quais se destacam:
Objecto possível;
Forma exigida por lei.
Ora, tratando-se da realização de uma obra particular que se destina a ser vendida com fins comerciais, é evidente que não pode constituir objecto de concessão, desde logo pela sua natureza privada e, ainda, em virtude de as autarquias locais não disporem de atribuições e competências no âmbito da habitação para fins comerciais (vide os artigos 130 e 240 da Lei n.° 159/99, de 14/09, e os artigos 53 0 e 640 da Lei n.° 169/99, de 18/09, com redacção dada pela Lei nº. 5-N02, de 1 1/01). As concessões de obras públicas e de serviços públicos municipais implicam, obviamente, a titularidade municipal sobre uma actividade de serviço público que no presente caso apenas se verifica com a componente de estacionamento público.
Aliás, a natureza privada com a componente lucrativa das restantes actividades está bem patente na cláusula 3.4, do caderno de encargos quando dispõe que: "O concessionário ficará proprietário de toda a área comercial e habitacional e lugares de estacionamento afectos às fracções de habitação e comércio, que poderá comercializar"
Nestes termos, o concurso público em referência, na parte em que respeita à concessão da "Concepçao/consirução de um edifício para habitação, comércio. serviços" encontra-se ferido de nulidade. na medida em que consubstancia um acto estranho às atribuições das autarquias locais (n.º 2, al. b) do art. 133.º do CPA).
Todavia, e uma vez que o contrato de concessão não foi celebrado, não se levanta, sequer a questão da impugnação e declaração de nulidade do respectivo concurso.

B - O CONTRATO DE PERMUTA
De harmonia com a sequência cronológica dos factos, forçoso se torna concluir que 0 processo relativo à concepção, construção e exploração do edifício em referência, sofreu uma mudança ao nível dos pressupostos de facto e de direito constitutivos da relação jurídica assumida entre a C.M.... e a empresa que leva a cabo a execução da obra ([SCom03...], SA) não permitindo estabelecer uma relação entre a abertura do concurso público internacional e a celebração do contrato de permuta, ao contrário do que pretendem a C.M.... c o co-contratante ([SCom02...], SA). Nestes termos, importa começar por analisar o objecto do contrato de permuta, que se consubstancia na transmissão da C.M.... à empresa "[SCom02...], SA ''i do direito de propriedade de uma parcela de terreno, onde esta se Obriga a proceder à construção e exploração de um edifício para habitação, comércio, serviços e parque privado e público de estacionamento e, em troca, transmitir ao município o direito de propriedade sobre as fracções constituídas no subsolo c compostas pelos lugares não privados de estacionamento.
Em face disto, dir-se-á que o presente contrato de permuta é um contrato atípico e inominado que visa, em partes a construção de uma obra pública cujo pagamento é feito em espécie, através da transmissão do direito de propriedade da parcela de terreno onde é construído o edificio, em regime de propriedade horizontal c composto por fracções que serão propriedade do particular e fracções relativas ao parque público de estacionamento que serão propriedade da autarquia.
O contrato de permuta, cujo núcleo essencial consiste na prestação de uma coisa por outra ou na transferência recíproca da propriedade de coisas, cujo valor é equivalente, pode reunir elementos de dois contratos nominados e típicos (contrato misto), mas pelo facto de se tratar de um contrato oneroso, o seu regime jurídico tem de encontrar-se no domínio do direito privado, aplicando-se as regras da compra e venda (cfr. art. 939º CC).
A teoria da combinação no que toca à disciplina dos contratos mistos diz que cada um dos elementos do contrato misto conserva a sua própria disciplina, aplicando-se as regras de todos os elementos que a compõem.
A alienação de bens imóveis, aqui entendida como abrangendo a permuta, é da competência da Assembleia Municipal — que, no caso concreto a concedeu - e pode ser articulada como forma de pagamento em espécie. No âmbito do presente contrato de permuta, a autarquia pretende pagar a empreitada de obra pública levada a cabo pelo particular (parque público de estacionamento e sede da Junta de Freguesia) através da transmissão do direito de propriedade da parcela de terreno.
Assim, a aquisição dos imóveis por parte do município, construídos mediante expressa solicitação deste, formalizado através do contrato de permuta, é configurável como uma empreitada de obra pública à luz do DL n.º 59/99, de 02/03, exigindo, portanto, a realização de concurso público, uma vez que a responsabilidade pela concepção e construção das obras públicas municipais a executar é transferida para a esfera do particular.
Ora, as empreitadas de Obras públicas têm regime jurídico específico, dominado pela obrigatoriedade do concurso público, que não podem ser postergados sob o pretexto da ocorrência de trocas com imóveis de entes públicos.
Na verdade, a opção pelas formas de pagamento cm espécie sugerem aproximações aos regimes contratuais implicados e exigem que a determinação do outro contraente seja obrigatoriamente obtida pela Via do procedimento que a situação exija, no caso o concurso público, de acordo com as condições gerais e especiais estabelecidas para a forma de pagamento por que se optar que, no presente caso e por se tratar da construção de uma obra. seguirá o regime jurídico das empreitadas de obras públicas.
A empreitada de obra pública é definida no 2.º n.º 3, do Decreto-Lei nº. 59/99, de 2 de Março, como «o contrato administrativo. celebrado mediante o pagamento de um preço, independentemente da sua [erma. entre um dono de Obra pública e um empreiteiro de obras públicas e que tenha por objecto quer a execução quer conjuntamente a concepção e a execução das obras mencionadas no n. 0 1 do artigo 1. º (sublinhado nosso).
Nesta perspectiva, o presente contrato de permuta não podia ter sido celebrado sem a prévia abertura de concurso público (art. 183º do CPA) para adjudicação da empreitada de construção do parque público de estacionamento cujo pagamento é feito em espécie, mais especificamente, pela cedência da parcela de terreno onde o edifício é construído (art. 47º e 48º do DL n.º 59/99, de 02/03).
Nesta medida, foi preterida uma formalidade essencial do contrato, relativa à não abertura de concurso público legalmente exigida.
A situação é, pois, susceptível de eventual responsabilidade financeira sancionatória, nos termos da al., b) do n.° 1 do art. 650 da Lei n.° 98/97, de 26/08. O contrato de permuta foi aprovado em reunião do executivo municipal de 25/11 /02, pelos seguintes membros:
«FF»;
«GG»
«HH»
«II»
«JJ»
«KK»
Vide, neste sentido, Acórdão n.º 79/01. de 3/04, da ... Secção do Tribunal de Contas c Acórdão de 07/07/94, do Supremo Tribunal de Justiça.
Acresce ainda que não há evidência de que a empresa "[SCom02...], SA tenha apresentado os elementos ou documentos que comprovem a sua idoneidade, capacidade financeira, económica e técnica para a realização da empreitada em apreço, legalmente exigidos pelo regime jurídico da contratação pública.
Aliás, refira-se que a "capacidade técnica e experiência em construção e exploração de parques de estacionamento" não serão certamente atributos desta empresa, na medida em que foi constituída apenas uns meses antes do início das obras e, bem assim, a sua capacidade financeira e económica, que fica comprometida pela análise da demonstração de resultados apresentada para efeitos fiscais nos anos de 2001 e de 2002, que não demonstram indícios de uma actividade regular e permanente. Por outro lado, cabe salientar que, à semelhança do que se verifica com a empresa "[SCom02...], SA não há evidência de a empresa que leva a cabo a empreitada de construção do parque de estacionamento c restante edifício, distinta daquela que celebrou o contrato de permuta, ter apresentado os documentos legalmente habilitadores da realização de uma empreitada de obra pública.
Trata-se da firma "[SCom03...], SA", salientando-se o facto de a sociedade "[SCom03...]-SGPS, SA" se ter tornado detentora dos títulos das acções que correspondem 100% do capital social da sociedade "[SCom02...], SA '
Por último, refira-se que a avaliação dos bens não foi acautelada pela C.M...., uma vez que não efectuou a avaliação da parcela de terreno de acordo com critérios de mercado, limitando-se a assumir o mesmo valor que foi atribuído pela empresa às fracções prediais que se destinam ao parque público de estacionamento e à sede da Junta de Freguesia, ficando por demonstrar o seu valor real e objectivo, independentemente do valor das fracções e sua eventual correspondência.
Releve-se ainda que a sociedade "[SCom01...]. SA" apresentou um requerimento à C.M...., em 04/10/01, a solicitar a aprovação do projecto de arquitectura do edifício destinado a habitação, comércio, serviços e parque de estacionamento, invocando a qualidade de concessionário, tendo em vista o não pagamento das taxas urbanísticas e administrativas, previstas em regulamento municipal, devidas pela emissão da respectiva licença de construção.
É obvio que aquela sociedade não detém a qualidade de concessionária, como tivemos oportunidade de demonstrar, dada a não celebração do contrato de concessão. Portanto, relativamente à componente do edifício (particular) para habitação, comércio e serviços, a empresa está sujeita ao pagamento das referidas taxas.
Tendo em vista determinar o valor da receita devida e não arrecadada pela C.M...., relativa às taxas em questão, solicitou-se aos serviços competentes da autarquia a realização do respectivo cálculo aplicável ao caso concreto, o qual veio a ascender ao valor global de 3 695 071$00 (l 430,946).
Ainda a respeito do tratamento dado pela C.M.... ao co-contratante da permuta, note-se que esta emitiu, em 28/01/02, uma licença para a escavação e contenção periférica a realizar na parcela de terreno c, cm 28/08/02, emitiu uma licença de construção do edificio a erigir no mesmo terreno, cm nome da sociedade "[SCom02...]. Si" sem que a mesma fosse detentora de qualquer direito sobre a parcela de terreno (v.g. direito de propriedade, posse ou direito de superfície), uma vez que o contrato de permuta veio a ser celebrado já no decurso da execução da obra, ou seja, em 10/12/02.
Ora, cumpre mais uma vez sublinhar que quer a sociedade "[SCom01...], SA", quer a sociedade "[SCom02...], SA não são, de igual modo, concessionárias do serviço público de exploração dos parques de estacionamento, dada a não celebração do contrato de concessão, tal como foi relevado.
Assim, caso a autarquia mantenha o interesse em concessionar o serviço público de exploração dos parques de estacionamento, mencionados no concurso público internacional cm referência, alerta-se para a necessidade de proceder à abertura de novo concurso público tendo em vista a celebração do correspondente contrato de concessão, a celebrar por escritura pública, de harmonia com o estipulado nos arts. 100 a 140 do DL n.° 390/82, de 17/09.

3.3.11.6.3. CONCLUSÃO
De tudo o que antecede extraímos, em síntese, as seguintes conclusões:
O concurso público internacional para a concessão da concepção/construção do edifício para habitação, comércio, serviços c parque público de estacionamento subterrâneo e a exploração deste tem por objeto parcial a concessão de actos estranhos às atribuições das autarquias locais e não cumpre a forma legalmente exigida (escritura pública) (Cfr. art. 140 do DL n.° 390/82, de 17/09); A alegada cessão da posição contratual é juridicamente inexistente, uma vez que não foi celebrado O contrato de concessão que estabeleceria os direitos e obrigações a ceder (cfr. art 424º do CC). Saliente-se ainda que a alegada cessão da posição contratual da sociedade "[SCom01...], SA" à Sociedade "[SCom02...] " não cumpre o disposto no art. 426º do Código Civil, nos termos do qual o cedente garante ao cessionário, no momento da cessão, a existência da posição contratual transmitida. nos termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra
Na celebração do contrato de permuta foi preterida uma formalidade essencial, relativa à não abertura de concurso público exigido pelas normas da contratação pública, em especial do regime jurídico das empreitadas de Obras públicas, aplicável ao presente contrato, uma vez que atenta a essência do seu objecto, tal contrato acaba por se configurar como uma empreitada;
A construção do edifício para habitação, comércio e serviços destinados à comercialização pelo particular, está legal e regularmente sujeita ao pagamento das taxas urbanísticas devidas pela emissão da respectiva licença de construção (cfr. art. 160, al. c) e art. 190 al. b) da Lei n.° 42/98, de 6/08, art. 3 0 e art. 1160, n.° 1 c 3 do DL n.° 555/99, de 16/12, com a redacção dada pelo DL n.° 177/01, de 04/06 e art. 270 e quadro VI da tabela anexa ao "Regulamento Municipal de Urbanização. Edificação e Taxas" aprovado cm reunião da Câmara Municipal de 15/02/02 e em sessão da Assembleia Municipal de 28/02/02, publicado cm Diário da República, II Série, de 8/04/02), pelo que a empresa proprietária do edificio deverá pagar as taxas devidas e não arrecadadas pela autarquia, no valor de 3 695 071$00 (18 430,949.
O requerimento da licença de construção do edifício, constante do respectivo processo de obra particular, apresenta um carimbo onde um funcionário do Departamento Urbanístico, cuja assinatura é ilegível, informa que a construção está "isenta de acordo com o caderno de encargos referente à construção/concessão", não se vislumbrando qualquer despacho autorizador da isenção.
Ora, sendo tal taxa legalmente devida, mesmo que tenha sido proferido despacho de concordância, o mesmo seria ilegal, na medida em que a Câmara Municipal não dispõe do poder de renúncia de taxas e licenças que lhe são devidas, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 95º, n.º 2, al. a) da Lei n.º 169/99, de 18/09, 20, n.º 4, da Lei n.º 42/98, de 06/08 e 133º, n.º 1 do CPA.
Assim, quer por acção, no caso de ter sido proferido o despacho de concordância, quer por omissão, no caso de o mesmo não ter sido proferido, mantém-se, de igual modo, a responsabilidade da autarquia pela não arrecadação da receita devida.
Nestes termos, e uma vez que o pelouro do urbanismo foi delegado pelo Presidente da Câmara no Vereador «HH», a este competia decidir sobre a matéria e acautelar a arrecadação da taxa legalmente devida.
Por último e dada a não celebração do contrato de concessão, cumpre salientar que o serviço público de exploração dos parques de estacionamento não se encontra concessionado, pelo que, caso a autarquia mantenha o interesse em proceder à sua concessão, terá necessariamente de proceder à abertura de novo concurso público, nos termos dos arts. 10º a 14º do DL n º 390/82, de 17/09,
[…]

No exercício do direito de contraditório os responsáveis deram, de igual modo, por reproduzidas no essencial, a matéria de facto constante do relato de auditoria, equacionando as alegações da forma seguinte: […]
De entre a matéria supra exposta, relativa às alegações dos responsáveis autárquicos, importa reter que a C.M.... tem presente que o objecto do contrato de permuta se confinou ao prédio urbano cedido pela autarquia em troca de onze fracções do parque de estacionamento da sede da Junta de Freguesia, não fazendo, por isso, parte da permuta toda a área comercial e habitacional e demais lugares de estacionamento afecto a tais fins e que se destinam a ser comercializados pelo construtor.
Esta primeira asserção prende-se com a necessidade de reiterar a análise feita no relato de auditoria que nos levou a concluir que a realização da obra particular, levada a cabo pela empresa que celebrou o contrato de permuta, composta pelo edifício à superfície, destinado a comércio e habitação, não só não integrou o objecto da permuta, nem tão-pouco poderia ser parte do objecto do concurso tendente à concessão, em virtude de ser alheio às atribuições das autarquias locais, como foi oportuna e detalhadamente relatado.
Nesta perspectiva, torna-se evidente que tratando-se, para todos os efeitos legais, de uma obra particular, com fins comerciais, encontra-se sujeita ao pagamento das taxas urbanísticas devidas pela área de construção cm causa.
Dir-se-á, então, que não sendo susceptível de concessão ou de permuta, já que se trata de uma obra para fins de interesse particular e não de interesse público, subjacente a qualquer actividade administrativa pública, não poderá beneficiar de quaisquer benefícios ou isenções, nem. por consequência, poderiam os mesmos ser previstos no caderno de encargos do concurso de concessão, pelo facto simples de se tratar de uma cláusula contrária à lei e ao interesse público que à autarquia cabe acautelar.
Por consequência, não subsistem dúvidas quanto à exigibilidade do pagamento das taxas urbanísticas devidas pela área de construção da obra particular, no montante de 3 695 071$00 (18 430,949, que deverá ser imediatamente arrecadado pela autarquia.
No que se refere à empreitada de obra pública relativa à construção das onze fracções do parque de estacionamento que surge sob a forma de contrato de permuta, reafirma-se tal qualificação jurídica, dado tratar-se da construção de uma obra pública, com fins de interesse público, levada a cabo por um empreiteiro cuja remuneração foi feita cm espécie, através da cedência de um prédio urbano que, por acréscimo, lhe permitiu construir um edifício para habitação C comércio com fins comerciais.
A corroborar a existência de uma empreitada de obra pública, invoquem-se as próprias alegações da autarquia quando confirma: o interesse na obtencão de determinados bens imóveis na satisfação de determinadas necessidades públicas. Para obtenção desses bens tinha de proceder à alienação de outro de que dispunha no seu património de domínio privado, e era dispensável. " (Sublinhado nosso).
Porém, a urgência e dispêndio de meios com que implicava levou o Município a escolher a forma mais célere, mais económica e expedita que lhe permitisse a obtencão de tais imóveis.
Nessa medida, reafirma-se a preterição de uma formalidade essencial, relativa à não abertura de concurso público, conforme exigência da lei que regula o regime jurídico das empreitadas de obras públicas, cuja aplicação não pode ser afastada pela denominação dada ao contrato celebrado, na medida em que atenta a essência do seu objecto, tal contrato acaba por se configurar como uma empreitada;
Ademais, sublinhe-se que a celebração de contratos entre a administração pública e os particulares, sejam de que natureza for, sempre devem obediência aos princípios gerais da contratação pública, com especial destaque, no caso vertente, para os princípios da legalidade e do interesse público, da concorrência, da igualdade, da transparência e da publicidade, de molde a não beneficiar determinado particular.
Deste modo, não se pode aceitar que a C.M.... afirme que no âmbito deste contrato e ainda que no âmbito desta gestão privada se tenha em conta os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da protecção dos interesses dos particulares, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, como corolário dos princípios fundamentais da actividade administrativa (art. 266º da CRP e art. 2 º n º 5 do CPA) quando, na verdade, subtraiu tal contrato às normas concursais que são o garante do respeito por tais princípios.
Por último, os responsáveis admitem (...) a necessidade de realização de concurso público internacional, a nosso ver não tanto pela nulidade do concurso anterior, mas porque efectivamente ficou a descoberto com a celebração do contrato de permuta, situação que ocorre, pelo facto de não ter sido realizado o contrato de concessão. por estarmos convictos de que tal só deveria ocorrer após a conclusão das obras e respectiva vistoria
E mais adiantam que "neste contexto, é entendimento desta Autarquia proceder à reavaliação das condições de celebração, de modo a não prejudicar interesses de terceiros legalmente protegidos, e numa conjugação de esforços para dar satisfação às recomendações sobre esta matéria para o que se encetaram diligências neste sentido."
Ora. no que a esta matéria diz respeito, regista-se a vontade manifestada pela autarquia em sanar as deficiências detectadas e, em especial, o reconhecimento da necessidade de providenciar pela abertura de novo concurso público para a concessão do serviço de exploração dos parques de estacionamento, cuja titularidade não pode ser alegada pela empresa construtora, pela simples razão de não ter suporte contratual.
Face ao exposto, mantém-se a posição assumida no Relato de Auditoria e transcrita neste Relatório no ponto 3.3.1 1.6.3 recomendando-se que os responsáveis providenciem de imediato pela resolução dos vícios apontados.
Assim, relativamente ao contrato de permuta — no qual foi preterida uma formalidade essencial (não abertura de Concurso público) - bem como no que se reporta à não arrecadação da receita relativa às taxas urbanísticas (3.695.071$00), as situações configuram eventual responsabilidade financeira sancionatória, nos termos das als. b) e a) do n.º 1 do art. 65º da Lei nº 98/97, de 26/08, respectivamente.
- fls. 323 e ss. dos autos (ponto 28 dos Factos Assentes).

39. Durante o mês de julho de 2004 a A. entregou ao R. copia do parecer, comunicando-lhe desde logo que a solução para resolver o imbróglio criado pelo Tribunal de Contas era celebrar o contrato de concessão, pois era esta a conclusão principal que resultava da análise efetuada pelo Dr. «EE». (ponto 32 dos Factos Assentes)
40. O R. afirmou que iria estudar o parecer e que durante o mês de setembro tomaria decisão sobre o que fazer para resolver a situação criada (ponto 33 dos Factos Assentes).
41. O R. tomou a decisão de seguir a recomendação do Tribunal de Contas de não celebração do contrato de concessão e abertura de novo procedimento adjudicatório com o mesmo objeto. – resposta ao quesito 11.
42. Pelo oficio ...76 de 18.10.2004 o R. informou a A. que,

Em cumprimento da determinação constante da Decisão proferida pela 2a Secção do Tribunal de Contas no Relatório de Auditoria N.° ...04, referente ao Processo n.º 13/03-AUDIT, a Câmara Municipal ... vai proceder à abertura do procedimento concursal para adjudicação da concessão da exploração e gestão de dois parques públicos de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras, com recolha pública personalizada e dos lugares de estacionamento pagos na via pública. através de parcómetros colectivos, na cidade ....

Tendo em consideração que estas infra-estruturas se integravam no objecto de um anterior Concurso Público Internacional (n.º ...00), que a supra citada decisão do Tribunal de Contas declarou parcialmente nulo, por não ter sido celebrado o Contrato de Concessão em tempo e no respeito pelas regras que o Tribunal entendeu deverem ter sido aplicadas, há que definir em que termos é que esta Edilidade deve prosseguir o objetivo que se propôs inicialmente.
Para dar cumprimento aquela decisão do Tribunal de Contas foi aprovado em reunião de Câmara de 20 de Setembro de 2004, submeter à apreciação e votação da AM, u vista à abertura do Concurso Público Internacional com o objectivo identificado
No entanto, para salvaguarda dos interesses e direitos das partes envolvidas, entendeu esta Câmara Municipal ... solicitar à Escola ... um estudo que analisando toda a documentação existente, respeitante ao procedimento anterior, pudesse determinar o valor patrimonial que deverá ser considerado para a hipótese de a [SCom02...] ter de vir a ser ressarcida, pelo facto de não lhe poder ser concedida a concessão dos já referidos parques
Do Exercício de Avaliação efetuado pela Escola ... e subscrita pelo Ex,mo Sr. Professor Doutor «LL». resultou que o valor determinado para se compensar, se for caso disso, a [SCom02...] será de 1 885 695,00€
Assim procede-se ao envio do referido estudo, bem como do Programa de Concurso, Caderno de Encargos, cujo anuncio foi já enviado para publicação em 18/10/2004. - doc. 18 da p.i. (pontos 34, 35, 36 e 37 dos Factos Assentes, resposta ao quesito 8 da Base Instrutória).
43. Em anexo ao oficio ...76 o R. juntou cópia de estudo elaborado pelo Prof. «LL», cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual se extrai,

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- doc. 18 da p.i. (pontos 38, 39, 40, 41 e 42).

44. Na sequência de deliberação da Assembleia Municipal de 28.9.2004, sob proposta da Câmara de 20.9.2004, foi aberto o concurso público internacional para ¯Concessão da exploração de dois parques de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras e concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via publica ‖ (doravante 1.º Concurso Estacionamento) e aprovados o Programa de Concurso e Caderno de Encargos. – cf. pa em suporte informático apenso aos auto (ponto 43 dos Factos Assentes).
45. Consta do Programa de Concurso referente ao 1.º Concurso Estacionamento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, entre o mais,

ARTIGO 11.º
DOCUMENTOS QUE INSTRUEM A PROPOSTA
1. Documentos de Habilitação dos Concorrentes:
a. Declaração actualizada na qual o concorrente indique o seu nome, o número fiscal de contribuinte, o estado civil e o domicílio ou, no caso de ser uma sociedade, a denominação social, o número de pessoa colectiva, a sede, as filiais que interessam à execução do contrato, os nomes dos titulares dos corpos gerentes e de outras pessoas com poderes para a obrigarem, o registo comercial de constituição e das alterações do pacto social; nesta declaração deverá ainda mencionar-se que o concorrente não está em dívida à C.M.....
b. Declaração comprovativa de ter a situação tributária regularizada, passada pela Repartição de Finanças do domicílio ou sede do concorrente.
c. Documento comprovativo de se encontrar regularizada a sua situação relativamente às suas contribuições para a Segurança Social, passado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social ou, quando se trate de concorrentes cuja sede se situe noutro Estado Membro da Comunidade Europeia que nunca tenha exercido a sua actividade profissional em Portugal, documento idêntico, passado pelo organismo competente do país de origem.
d. Declaração prevista no anexo I ao Decreto Lei n.º 197/99, de 8 de Junho.
e. Documento comprovativo da prestação da caução prevista neste programa de concurso.
f. Declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 8º. Programa de Concurso, caso se trate de concorrente constituído por agrupamento de empresas.
g. Elementos comprovativos da aptidão técnica e financeira a que se referem os números 1 e 2 do artigo 7.º deste programa de concurso.
[…]
ANEXO 1
PROPOSTA
[Imagem que aqui se dá por reproduzida] depois de ter tomado perfeito conhecimento do objecto do concurso público para a concessão do direito de exploração de 2 parques públicos de estacionamento subterrâneos para viaturas ligeiras e concessão do direito de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, da cidade ..., a que se refere o Concurso Público n. 0 obriga-se a tomar a concessão de exploração dos parques 1, 2 e 3, pelo prazo de 20 anos, nas condições previstas no programa de concurso, caderno de encargos e condições anexas, nos seguintes termos:
1) Nos trinta dias de calendário subsequentes à adjudicação, reembolsará o Município dos preços pagos:
a)- pela construção do parque no 1 construído em subsolo, no valor de Euros: 1.885.695,00 (um milhão oitocentos e oitenta e cinco mil seiscentos e noventa e cinco euros) e
b)- pelo equipamento do parque no 2 no valor de Euros: 200.000,00 (duzentos mil euros).
[…]
- cf. Programa de Concurso constante do p.a. em suporte informático.

46. Consta do Caderno de Encargos referente ao 1.º Concurso Estacionamento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, entre o mais,

ARTIGO 1º
OBJECTO DO CONCURSO

1. A Câmara Municipal ... (C.M....) atribui, por concurso público a concessão do direito de exploração de 2 parques públicos de estacionamento subterrâneos para viaturas ligeiras e concessão do direito de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, da cidade ....
[…]
ARTIGO 4.º
OBJECTO DA CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO
A concessão tem por objecto a exploração dos seguintes parques de estacionamento:
a) Parque 1, de estacionamento subterrâneo para veículos automóveis ligeiros com recolha pública e personalizada, no imóvel sito na Avenida ... lugares;
b) Parque 2, de estacionamento subterrâneo para veículos automóveis ligeiros com recolha pública e personalizada na Praça ... lugares;
c) Parque 3, de estacionamento pago à superfície na cidade ... - 350 lugares.

ARTIGO 5.º
DURAÇÃO DA CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO
1. O prazo da concessão da exploração é de 20 (vinte) anos, contados a partir da celebração da escritura pública ou da data da emissão da licença de utilização das instalações conforme o que ocorrer posteriormente, ainda que o funcionamento seja parcial.
[…]
ARTIGO 12.º
REMUNERAÇÃO DA CONCESSÃO
1. O adjudicatário, nos sessenta dias subsequentes à adjudicação, reembolsará a C.M.... dos preços pagos:
a) pela construção do parque no 1 construído em subsolo, no valor de Euros: 1.885.695,00 (um milhão oitocentos e oitenta e cinco mil seiscentos e noventa e cinco euros) e
b)-pelo equipamento do parque no 2 no valor de Euros: 200.000,00 (duzentos mil euros);
2. Os concorrentes apresentarão proposta de renda anual a pagar pela exploração dos parques de estacionamento, a qual será paga ao concedente, mensalmente, por duodécimos, não podendo o valor anual ser a) Euros: 14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) acrescido do IVA à taxa legal em vigor para o Parque 1;
b) Euros: 14 160,00 (catorze mil cento e sessenta euros);
c) Euros: 38.000,00 (trinta e oito mil euros) acrescido do IVA à taxa legal em vigor para a zona de estacionamento com parcómetro na cidade ....
3. O montante da renda corresponderá ao valor indicado na proposta que for adjudicada.
4. A renda referida no número anterior deverá ser actualizada anualmente em função da taxa de inflação verificada no ano anterior e sempre que houver alteração do número de lugares de estacionamento pagos, estabelecendo-se, para tal, uma proporcionalidade em função do número de lugares previstos na proposta.
5. O Adjudicatário será ainda responsável pelo pagamento do preço do condomínio fixado pela assembleia de condóminos para cada um dos condomínios dos edifícios dos parques subterrâneos e do seguro obrigatório da fracção autónoma em questão de valor inferior a:
- cf. Caderno de Encargos constante do p.a., ponto 44 dos Factos Assentes.

47. Por carta datada de 10.1.2005 a A. informou o R. que
Exmo . Senhor Presidente:
Por meio de carta remetida por essa edilidade em 18/10/2004 à [SCom02...] (V/ Ref. a • Of. 9876), tomou esta empresa conhecimento da abertura de concurso público para a concessão da exploração dos dois parques de estacionamento subterrâneo e do estacionamento à superfície na cidade ....
Os fundamentos da decisão dessa autarquia constam de tal comunicação, pelo que nos dispensamos de os reproduzir.
Considera, contudo, a [SCom02...], e de acordo com posição já anteriormente manifestada, que a decisão da Câmara Municipal ... se funda em errónea interpretação do Relatório do Tribunal de Contas, conforme cabalmente decorre de Parecer solicitado por esta empresa ao ilustre Jurisconsulto Exmo . Sr. Dr. «EE» .
Resulta ainda do mencionado Parecer que a [SCom02...], na sequência do Concurso Público Internacional n o ...00, tem o direito à celebração do contrato da concessão agora posta a concurso, por força da adjudicação anteriormente deliberada.
Ora, independentemente da [SCom02...] se apresentar ao concurso em causa, esta sua opção não significa nem implica qualquer forma ou meio de renúncia aos seus direitos.
Significa isto, portanto, que a [SCom02...], seja qual for o resultado final do concurso em causa, se reserva o direito de recorrer aos meios legais ao seu dispor para obter o total ressarcimento dos prejuízos (já) sofridos e decorrentes da opção da Câmara Municipal ... em não celebrar consigo o contrato de concessão dos dois parques de estacionamento subterrâneo e do estacionamento à superfície, conforme lhe era exigido por força da adjudicação decidida no concurso anterior.
- doc. 20 da p.i. (ponto 46 e 47 dos Factos Assentes).

48. Apenas a A. apresentou proposta ao 1.º Concurso Estacionamento, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e da qual consta além do mais,

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[…]

- Proposta constante do p.a. (ponto 45 dos Factos Assentes).
49. Por deliberação de 24.1.2005 a proposta da A. foi excluída do 1.º Concurso Estacionamento “porque faltou conter um elemento exigido pelo anexo I, constante da pagina 20 do programa do concurso, concretamente o aludido na alínea b) do n.º 1 desse anexo”. - ata e deliberação constante do pa (ponto 45 dos Factos Assentes).
50. Perante o desfecho do 1.º Concurso Estacionamento, por carta datada de 31.5.2005 a [SCom02...] informou o R.,
“Perante a recusa da Câmara Municipal ... em celebrar o contrato de concessão com a [SCom02...], invocando a necessidade de cumprir as recomendações do Tribunal de Contas, viu-se esta empresa fortemente prejudicada nos seus legítimos direitos e interesses, encontrando-se, desde a tomada de tal decisão, lesada em milhões de euros correspondentes a uma concessão "perdida" cuja duração seria de vinte anos.
Por mera opção dessa edilidade, foi aberto novo concurso público para a concessão antes adjudicada à [SCom02...].
Não obstante a [SCom02...], embora sob reserva, se tenha apresentado a tal procedimento, o certo é que o seu objecto não lhe veio a ser adjudicado.
Neste momento, e perante o silêncio a que se remeteu essa edilidade desde a decisão da adjudicação proferida no segundo concurso já lá vão alguns meses - serve-se a [SCom02...] da presente para solicitar a V. Exa. uma tomada de posição sobre a indemnização a pagar pela Câmara Municipal ... a esta empresa, uma vez que parece ser esta a única via para o total ressarcimento dos prejuízos que a [SCom02...] vem sofrendo e acumulando.
- doc. 21 da p.i. (ponto 48 dos Factos Assentes).

51. Os meses foram passando sem que o R. manifestasse qualquer posição sobre este assunto (ponto 49 dos Factos Assentes).
52. Em 4.3.2006 foi publicada a seguinte noticia no Jornal Mensageiro de ...,

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- doc. 28 da p.i..

53. Na sequência de deliberação da Assembleia Municipal de 17.2.2006, sob proposta da Câmara de 18.1.2006, por anúncios publicados em 4.4.2006, foi aberto o concurso público internacional para “Concessão da exploração de dois parques de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras e concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via publica “ (doravante 2.º Concurso Estacionamento) e aprovados o Programa de Concurso e Caderno de Encargos. – cf. pa em suporte informático apenso aos auto (ponto 50 dos Factos Assentes).
54. Os “Programa de Concurso” e “Caderno de Encargos” referentes ao 2.º Concurso Estacionamento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, são exatamente iguais aos do 1.º Concurso Estacionamento referidos em 41. e 42. Dos Factos Provados. – cf. p.a. em suporte informático (ponto 51 dos Factos Assentes).
55. Por oficio datado de 12.5.2006 a A. informa o R. que,

Por meio de carta remetida por essa edilidade em 18/10/2004 à [SCom02...] (V/ Ref. a Of. 9876), tomou esta empresa conhecimento da abertura de concurso público para a concessão da exploração dos dois parques de estacionamento subterrâneo e do estacionamento à superfície na cidade ... .
Em devido tempo tomou a [SCom02...] a sua posição quanto à opção dessa autarquia de abrir este concurso, por meio de carta registada com aviso de recepção remetida em 10.01.2005.
E, conforme também foi referido nesta comunicação da [SCom02...], a empresa apresentar-se-ia a concurso (como efectivamente veio a suceder), embora reservando todos os seus direitos que considerou adquiridos na sequência do Concurso Público Internacional n.º ...00.
A [SCom02...] apresentou-se, naquele contexto, ao dito concurso, tendo sido a única empresa concorrente.
A proposta então apresentada, resultado da análise efectuada pela [SCom02...], foi excluída. E, tomou agora a [SCom02...] conhecimento que esse Município abriu novo concurso, supra identificado , com o mesmo objecto e condições.
Em face do sucedido no anterior procedimento administrativo, entende a [SCom02...] que não existem condições para se apresentar a este novo concurso, pois a proposta que lhe seria conveniente apresentar teria o mesmo fim que a apresentada no anterior procedimento.
Neste sentido, perspectivando-se que à [SCom02...] não será atribuída a concessão a que tinha direito por via do Concurso Público Internacional n.º ...00 apresente-se ou não qualquer empresa a este concurso supra identificado e que este facto traduz um dano/lesão dos seus interesses, solicita-se a essa edilidade que informe como pretende ressarcir, de imediato, a [SCom02...] por todos os prejuízos sofridos .
- doc. constante do p.a.

56. O 2.º Concurso Estacionamento veio a ficar deserto por não ter sido apresentada qualquer proposta. – cf. Ata 11.9.2006, (ponto 52 dos Factos Provados).
57. Por oficio datado de 11.7.2006 a A. dá conta ao R.

Tendo já terminado o prazo para apresentação de candidaturas ao segundo concurso público aberto por essa edilidade para a concessão supra identificada, ao qual não se apresentou qualquer concorrente, urge solucionar em definitivo a questão do ressarcimento dos prejuízos sofridos pela [SCom02...].
Com efeito, volvidos mais de dois anos e meio sobre a decisão tomada por essa autarquia em não celebrar o contrato de concessão com a [SCom02...] continua esta empresa sem ver os seus direitos compensados.
Desta dilação temporal decorre, ainda, o facto do prejuízo àquela data sofrido assumir, hoje, uma proporção maior.
Com efeito, desde aquele momento que a [SCom02...] se viu impedida de explorar a concessão e sem que, ao mesmo tempo, tivesse sido ressarcida pecuniariamente.
Agora que, no actual momento, não se vislumbra mais nenhuma diligência ou acto que possa ser praticado por essa edilidade, impõe-se que sejam assumidas as obrigações legais decorrentes da adjudicação de 26 de Fevereiro de 2001.
A fim de se estabelecer um acordo a contento das Partes, ficamos disponíveis para uma reunião, a ocorrer necessariamente nos próximos 15 dias.
- doc. 23 da p.i. (pontos 52 e 53 dos Factos Assentes, apenas se mostrando provado o que consta do oficio em causa nos seus exatos termos).
58. Por deliberação da Assembleia Municipal de 3.10.2006, sobre proposta da C.M.... de 11.09.2006, foi aberto Procedimento por negociação sem publicação previa de anúncio para a concessão do direito de exploração de dois parques públicos de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras e concessão do direito de exploração de lugares de estacionamento pago na via púbica na cidade ... (doravante 3.º Concurso Estacionamento) e aprovou o programa de concurso e caderno de encargos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – docs. constante do p.a. em suporte informático.
59. Constando do Anexo I do Programa de Concurso e art. 12.º, n.º 1 al. a) do Caderno de Encargos que o adjudicatário reembolsará a C.M.... dos preços pagos:
a) pela construção do parque no 1 construído em subsolo, no valor de Euros: 1.885.695,00 (um milhão oitocentos e oitenta e cinco mil seiscentos e noventa e cinco euros) e

b)-pelo equipamento do parque no 2 no valor de Euros: 200.000,00 (duzentos mil euros);
- cf. peças do procedimento constantes do p.a. em suporte informático, (ponto 55 dos Factos Assentes)
60. Por ofícios datados de 12.12.2006 o R. convida a A., a [SCom04...], a [SCom05...] S.A., [SCom06...], S.A. e [SCom07...], S.A., a apresentar proposta ao 3.º Concurso Estacionamento). – doc. 24 da p.i. e convites constantes do p.a. (ponto 54 dos Factos Assentes).
61. O 3.º Concurso Estacionamento é idêntico aos 1.º e 2.º Concurso Estacionamento. (ponto 56 dos Factos Assentes).
62. Ao 3.º Concurso não foi apresentada qualquer proposta, tendo este ficado deserto. – cfr. deliberação constante do p.a., ponto 57 dos Factos Assentes.

63. Por carta datada de 12.2.2007 a A. informa o R.,

O terceiro concurso público aberto por essa edilidade para a concessão supra identificada teve um desfecho igual aos dois anteriores, ou seja, ficou deserto, mantendo-se assim a situação inicial.
Ora, conforme é do conhecimento de V. Exa., continua ainda hoje a [SCom02...] sem ser cabalmente ressarcida dos prejuízos sofridos, uma vez que parte do investimento por si efectuado deveria ter sido pago com a concessão supra identificada, a qual nunca se veio a formalizar por opção única e exclusiva dessa edilidade, que preferiu seguir por outro caminho.
Decorrido que foi todo este tempo, e afigurando-se-nos que não é com a abertura de mais concursos que se resolverá o problema causado à [SCom02...], incumbe ao MUNICÍPIO ... assumir as responsabilidades da sua opção e indemnizar esta empresa por todos os danos sofridos, danos estes que, hoje, em 2007, assumem uma proporção maior e que com o tempo tendem a aumentar.
A [SCom02...] tem assumido uma postura de compreensão para com esse Município, mas o longo tempo entretanto decorrido sem que o assunto se mostre resolvido (longe disso) não permite mais tolerância, sob pena de um agravamento dos nossos prejuízos, situação esta que, cremos, também não será pretendida por esse Município.
Inexistindo outros caminhos para a resolução deste problema causado à [SCom02...], entendemos que chegou o momento das obrigações expressamente assumidas na parte final da v/ comunicação endereçada à [SCom02...] em 18.10.2004 (v/ ofício no ...76) - no que respeita à entrega da compensação devida a esta empresa pela lesão sofrida — se concretizarem, para o que aguardamos uma tomada de posição de V. Exa. nos próximos dias.
- doc. 25, (ponto 57 dos Factos assentes)

64. A A. não obteve resposta à carta de 12.2.2007, tendo enviado ao R. novo oficio, datado de 21.3.2007, do qual se extrai,
No passado dia 19 de Fevereiro do corrente ano, a [SCom02...] enviou a V. Exa. um ofício solicitando uma tomada de posição da Câmara Municipal ... quanto ao prejuízo por esta empresa sofrido em virtude da não celebração do contrato de concessão supra identificado.
É com surpresa que. decorrido mais de um mês sobre o envio de tal missiva, a edilidade a que V. Exa. preside ainda não tenha dado qualquer resposta, parecendo-nos que o silêncio verificado não é compatível com uma vontade inequívoca em indemnizar a [SCom02...] pelos prejuízos sofridos em consequência de uma opção que, diga-se. é da exclusiva responsabilidade da Câmara Municipal.
Neste contexto, e porque já muito aguardou a [SCom02...] pela resolução desta situação que lhe é totalmente alheia, confiando na posição manifestada por essa autarquia de que sempre indemnizaria esta empresa, vimos, pela presente, solicitar a V. Exa. que, em dez dias, se pronuncie sobre a n/ pretensão.
Decorrido este período de tempo sem que essa edilidade se manifeste, não restará outra alternativa para a [SCom02...] que não seja o recurso à via judicial.
- doc. 26, (pontos 58 e 59 dos Factos Assentes).

65. Em 17.5.2007 foi publicada noticia no Jornal Publico, com o seguinte teor,

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. doc. 27 da p.i., ponto 61 dos Factos Assentes, resposta ao quesito 9.

Mais se provou que,

66. Subjacente ao Concurso esteve a necessidade de o município resolver os problemas de estacionamento publico em ... mediante a construção e concessão do estacionamento público, pelo que por forma a atrair o investimento privado o município incluiu no objeto concursal a construção da área habitacional e comercial.
67. Os montantes que a A. despendeu com a construção da Junta de Freguesia e com a construção do parque de estacionamento publico foram integralmente por si suportados, nada tendo sido pago pelo R. (ponto 60. dos Factos Assentes).
68. Com a construção da Junta de Freguesia a A. despendeu a quantia de € 340.658,79. – resposta ao quesito 15, relatório pericial fls. 1673.
69. Com a construção do parque de estacionamento público (450 lugares + 12 lugares) a A. despendeu a quantia de € 2.750.707,55. – resposta ao quesito 16, relatório pericial a fls. 1674.

70. Aos preços correntes de mercado a Junta de Freguesia está avaliada em € 1.084.800,00. – resposta ao quesito 17, relatório pericial a fls. 1861 (o valor acordado no concurso foi € 877.884,30).
71. Aos preços correntes de mercado o parque de estacionamento está avaliado em € 3.645.200,00. – resposta ao quesito 18, relatório pericial a fls. 1862.

72. Aos valores correntes e quando integrados num edifício de maiores dimensões com outras áreas comercializáveis tal como o que foi objeto do Concurso, se o R. lançasse a concurso a empreitada pagaria o custo de construção, sem IVA, de € 575.000,00 pela junta de freguesia e de € 2.467.520,00 pelo parque de estacionamento, totalizando estas infraestruturas ao valor de € 3.042.520,00, sem IVA. – resposta ao quesito 19 da base instrutória.
73. O valor da parcela de terreno na qual a A. edificou áreas uteis acima do solo de 2.128 m2 de habitação e 5000 m2 de comércio ascende a € 2.888.160,00. – resposta ao quesito 20 da base instrutória.
74. O que corresponde a um valor por m2 de € 289,00. – resposta ao quesito 21.

75. A diferença entre a soma do valor da junta de freguesia e do parque de estacionamento aos preços correntes de mercado, referidos em 68. e 69., e o valor da parcela de terreno referida em 71, ascende a € 1.841.840,00. – resposta ao quesito 22.
76. Pelo menos desde maio de 2004 que o R. explora os parques subterrâneos e o estacionamento à superfície objeto do Concurso. – facto não controvertido.


* *

IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

12. A primeira questão suscitada no recurso interposto pelo MUNICÍPIO ... consubstancia-se em saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade de sentença, por (i) oposição dos fundamentos com a decisão; (ii) por falta de especificação dos fundamentos de direito; e ainda (ii) por condenação em objeto diverso do pedido.

13. Realmente, o Recorrente apregoa que o “(…) Tribunal a quo ao concluir que aquando da sua constituição e correspondente registo, a [SCom02...] Lda, ora Recorrida, assumiu a posição de adjudicatário do concurso comete um erro de julgamento que terá de ser corrigido, porque os fundamentos do decidido estão em oposição com a decisão, o que gera a nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artº 615º do CPCivil e a mesma decisão também não especifica os fundamentos de Direito, uma vez que não existem, o que simultaneamente incumpre a alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPCivil (…)”.

14. Clama ainda que a “(…) Douta Sentença também é nula porque o Vº Tribunal a quo condenou o Recorrente em objeto diverso do pedido, violando o disposto na alínea e) in fine do nº 1 do artº 615º do CPCivil (…)”, por alteração da qualificação jurídica [a sentença considerou o regime da responsabilidade pré-contratual por oposição ao regime de responsabilidade contratual atravessado no libelo inicial].

15. Vejamos, salientando, desde já, que, razões de metodologia e inserção do pensamento, conhecer-se-á as causas de nulidade por ordem diferenciada da alegada pelo Recorrente.

16. Assim, e adentrando em tal tarefa, importa que se comece por sublinhar que os casos de nulidade das decisões judiciais são os previstos e enumerados taxativamente no artigo 615º do C.P.C.

17. Da análise desse preceito, verifica-se que existem causas de nulidade formais, v. g., a contemplada na alínea a) do seu n.º 1, e, ainda, outras causas de índole material, atinentes ao conteúdo da própria decisão, concretizadas nas alíneas b) a e) do mesmo n.º 1.

18. Com reporte às causas de índole material, são distinguíveis, de entre outras, duas causas de nulidade da sentença com base em vícios de fundamentação.

19. A primeira, prevista na alínea b) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C., consiste na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

20. A segunda, prevista na alínea c) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C, consiste na oposição entre os factos fixados e a decisão, seja por inconcludência seja por radical antagonismo, mas sempre no sentido de que a decisão tomada seria incompatível com a fundamentação de facto relevada.

21. Ora, constitui convicção deste Tribunal que a sentença, objeto do presente recurso jurisdicional, não padece de nenhuma destas causas típicas de nulidade.

22. Com efeito, no que tange à nulidade prevista na alínea b) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C, impera ressaltar que, para que se esteja perante falta de fundamentos geradores da nulidade de sentença, é mister que o juiz omita totalmente a especificação dos fundamentos de facto e de direito que hão de suportar a decisão que profere.

23. Ora, como se decidiu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 16.02.2018, tirado no processo nº. 00483/09.3BEPRT, consultável em www.dgsi.pt:” (…) É entendimento pacífico o de que apenas padece de nulidade por falta de fundamentação a decisão judicial que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afeta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil de 1995; artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p. 140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07). Neste sentido se pronunciou também o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.01.2017, no processo 00371/16.7 AVR (…)”.

24. Pois bem, escrutinado a decisão judicial recorrida, torna-se de meridiana e incontestável evidência que a sentença recorrida se mostra motivada – quer em termos fácticos, quer em termos de justificação jurídica – não se encontrando desprovida de fundamentação, aqui integrando-se a ilação extraída pelo Tribunal Recorrido no sentido de que “(…) por via desse ato autorizativo da transmissão da posição de adjudicatário, aquando da sua constituição e correspondente registo, a [SCom02...] assumiu a posição de adjudicatário do Concurso (…)”.

25. De facto, tal conclusão esteou-se no entendimento de que a circunstância da [SCom02...] não possuir existência jurídica no momento da autorização da cessão dos direitos emergentes da adjudicação do objecto do concurso público sempre não obstava à validade do ato autorizativo, em virtude, primeiramente, do ato autorizativo ter sido subordinado à condição suspensiva da entidade cessionária vir a adquirir personalidade jurídica em consonância com o artigo 121.º do CPA, e, segundamente, do referido ato se encontrar há muito consolidado na ordem jurídica por força dos artigos 135.º e 141.º do mesmo diploma legal.

26. Dúvidas não podem subsistir, portanto, quanto à enunciação das razões de facto e de direito que suportam a ilação em questão.

27. Concludentemente, divisando-se na decisão recorrida os fundamentos fácticos e jurídicos em que assentou o juízo decisório não ocorre a nulidade de falta de fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

28. De igual modo, não se antolha qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a declaração de nulidade de sentença, desta feita, por condenação em objeto diverso do pedido, por alteração da qualificação jurídica atravessada no libelo inicial.

29. Na verdade, a questão da nulidade por condenação em objeto distinto do pedido, decorrente de uma alteração da qualificação jurídica, apenas se coloca quando a modificação qualificativa seja de tal ordem substancial que resulte numa tutela jurisdicional essencialmente diversa daquela que foi originalmente pretendida pelas partes [vd. neste sentido, aresto do STJ, de 08.03.2022, tirado no processo nº. 21074/18.2T8PRT.P1.S1].

30. No caso em análise, a qualificação adotada pelo Tribunal Recorrido [responsabilidade pré-contratual por oposição à responsabilidade contratual eleita na petição inicial], embora de rigor fortemente discutível, não teve nenhum reflexo no efeito prático-jurídico pretendido.

31. Realmente, verifica-se uma correspondência quase integral entre o pedido formulado pela Autora, aqui Recorrida, e a parte dispositiva da sentença recorrida, sendo a única divergência resultante da procedência apenas parcial do pedido indemnizatório.

32. Daí que não se vislumbre que a sentença recorrida padeça da nulidade de sentença em análise.

33. Idêntica asserção é também atingível no que concerne à arguida nulidade de sentença, desta feita, com base na alínea c) da normação supra.

34. De facto, dispõe tal n.º 1, no segmento que ora nos interessa, que “É nula a sentença quando (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (...)”.

35. Ora, esclarece-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.09.2011, tirado no processo n.º 0371/11, que a “(…) nulidade de sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão não ocorre quando as contradições se verificam entre fundamentos de uma mesma decisão (…)”.

36. Na verdade, tal nulidade “(…) verifica-se quando há um vício real na lógico-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso (…)” [vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.10.2014, proferido no processo n.º 01608/13].

37. Esta nulidade verifica-se, portanto, quando existe contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão.

38. Por outro lado, passou ainda a ser considerado fundamento de nulidade da decisão judicial nos termos desta alínea a ambiguidade ou obscuridade da decisão que tornem ininteligível.

39. A obscuridade traduz-se num dificuldade de perceção do sentido da expressão ou da frase: a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, isto é, não se sabe o que o julgador quis dizer [cf. entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de janeiro de 2015, proferido no processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, acessível em www.dgsi.pt].

40. De facto, como doutrinava J. Alberto dos Reis com plena atualidade a “… sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível: é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz ...” [in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V., págs. 151 e 152].

41. A decisão só é, assim, obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e ambíguo, quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos.

42. Ou seja, a nulidade só poderá ser atendida no caso de se tratar de vício que prejudique a compreensão da decisão judicial [despacho/sentença/acórdão] e de se apontar concretamente a obscuridade ou ambiguidade cuja nulidade se pretende ver declarada.

43. Sopesando os aspetos de natureza jurisprudencial e doutrinal que se vêm de salientar, afigura-se que, in casu, não ocorre a nulidade suscitada.

44. Por um lado, o Recorrente nem sequer alega que existe contradição entre os fundamentos que o juiz se serviu para proferir a decisão e própria decisão, mas antes entre os factos provados e a decisão, o que não configura uma circunstância enquadrável na alínea c) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C.

45. Ademais, analisada a estrutura global da decisão judicial censurada, resulta cristalino que a respetiva conclusão decisória está logicamente encadeada com a respetiva motivação fáctico-jurídica desenvolvida pelo tribunal recorrido.

46. Por outro lado, não se descortina a existência de qualquer obscuridade ou ambiguidade no discurso expendido na sentença censurada, o qual é perfeitamente inteligível.

47. De facto, a fundamentação de direito, tal como foi externada, não impossibilita, portanto, o destinatário do aresto censurado de saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir.

48. Em suma, inexiste qualquer falta de fundamentação e/ou oposição entre os fundamentos e a decisão, nem este se afigura ambígua nos seus termos, com o que fica negada a procedência da arguição da nulidade de sentença em análise.

49. Questão diversa é de saber se a ilação extraída pelo Tribunal Recorrido no sentido de que “(…) por via desse ato autorizativo da transmissão da posição de adjudicatário, aquando da sua constituição e correspondente registo, a [SCom02...] assumiu a posição de adjudicatário do Concurso (…)” foi bem ou mal operada, que, no fundo, constitui o ponto nuclear da alegação recursiva do Recorrente.

50. Mas tal interrogação não se insere no vício de nulidade de sentença, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.

51. Este Tribunal Superior, porém, não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pela Recorrente como nulidade da sentença.

52. Realmente, como se expendeu no aresto do Órgão Cúpula desta Jurisdição, de 22.01.2014, tirado no processo nº. 05/14, “(…) enquanto tribunal ad quem, não estamos impedidos de apreciar como erro de julgamento aquilo que foi apresentado pela Recorrente como nulidade da sentença. Na verdade, na função jurisdicional cumpre ao tribunal, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar corretamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica, nos termos que ficaram já referidos (Neste sentido, os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo: – de 24 de maio de 2005, do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, proferido no processo n.º 46592, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de novembro de 2005 (https://dre.pt/pdfgratisac/2005/32020.pdf), págs. 851 a 858, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04a9e00ea6eb7a918025701a004f552c?OpenDocument; – de 7 de novembro de 2012, proferido no processo n.º 1109/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de novembro de 2013 (https://dre.pt/pdfgratisac/2012/3r2240.pdf), págs. 3406 a 3412, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8673ffdcf026532480257abb003306da?OpenDocument.) (…)”.

53. Reiterando toda esta linha jurisprudencial, há que olhar para o caso concreto e indagar se a referida ilação em questão foi bem ou mal operada pelo Tribunal a quo.

54. A indagação suscitada, adiante-se, desde já, encontra resposta favorável às pretensões do Recorrente.

55. Expliquemos pormenorizadamente esta nossa convicção.

56. A Autora, por intermédio da presente acção, intenta obter a condenação do Município Réu no pagamento da quantia de € 2.514.934,00, acrescida de juros de mora desde a pratica do facto ilícito até efetivo e integral pagamento e, subsidiariamente, a quantia de € 2.169.000,00 acrescida de juros de mora desde o enriquecimento até efetivo e integral pagamento.

57. Na perspetiva em que a presente acção vem proposta, o Réu é civilmente responsável pelo pagamento dos danos peticionados por incumprimento contratual, emergente da omissão do dever de celebração do contrato de concessão da exploração de dois parques de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras e de lugares de estacionamento pago na via pública.

58. E, sendo assim, a primeira questão a resolver é a de saber se existe ou não este dever de celebração do contrato de concessão.

59. A tal propósito, diremos que, como decorrência dos princípios (i) da boa-fé, aferido nas vertentes da proteção das expectativas legítimas criadas, do dever de lealdade entre as partes, e ainda da vinculação aos comportamentos anteriores; (ii) da proteção da confiança, aferido nas vertentes de segurança jurídica nas relações pré-contratuais, da estabilidade do procedimento concursal e ainda de previsibilidade do desfecho procedimento; e (iii) da estabilidade das propostas, aferida nas vertentes da imutabilidade das condições apresentadas, da vinculação do concorrente à sua proposta e de certeza nas relações jurídicas, é para nós absolutamente apodítico que, regra geral, existe um dever de contratar após a adjudicação, que vincula tanto a entidade adjudicante, como o adjudicatário.

60. Este também o entendimento de Pedro Gonçalves, in Direito dos Contratos Públicos, 2.ª edição, Vol. I, Almedina, p. 851, que, a este propósito, refere: “a decisão de adjudicação apresenta-se, na perspectiva do adjudicatário, como um acto administrativo constitutivo de direitos (direito à celebração do contrato […]), mas também constitutivo de deveres (dever de celebrar o contrato […]). […] parece-nos que a adjudicação constitui apenas um acto administrativo sempre que o contrato seja reduzido a escrito […] da adjudicação não resulta a conclusão do contrato, mas, para a entidade adjudicante e também para o adjudicatário, o dever de o celebrar, de o concluir.”.

61. Naturalmente, este dever não é absoluto, pois existem situações em que o contrato pode não ser celebrado, de entre outras, relacionadas com a não apresentação dos documentos necessários pelo adjudicatário, a não prestação de caução e ainda razão de ilegalidade superveniente, alteração anormal das circunstâncias, etc.

62. No caso em apreço, não se antolha a invocação da existência de qualquer causa excetiva do dever de celebração do contrato nos termos e com o alcance supra exposto, de modo que deve afirmar-se a regra geral na apreciação do caso em análise, ou seja, a existência de dever de contratar após a adjudicação do procedimento concursal visado nos autos a favor da concorrente [SCom01...], S.A.

63. Este dever de contratar, tal como conformado pela decisão adjudicatória, estabeleceu-se entre o Município Réu e a concorrente [SCom01...], S.A., não podendo subsistir fora desta “equação”, pelo menos, sem intermediação de outros institutos jurídicos e a ponderação positiva da Entidade Contratante.

64. E é, precisamente, nesse patamar que surge a intervenção da Autora, a sociedade comercial [SCom02...].

De facto, não oferece controvérsia que, em 07.09.2021, a adjudicatária do concurso visado nos autos, a sociedade [SCom01...], requereu ao Presidente da Câmara Municipal ... “(…) autorização para que a [SCom01...] ceda à sociedade a constituir nos referidos termos, com a denominação de "[SCom02...], S.A." e sede na cidade ..., os direitos emergentes da adjudicação do objecto do concurso público em apreço (…)”.
É também consensual que, sobre esse pedido foram emitidas informações dos serviços camarários, a primeira, a consentir na peticionada cessão da posição contratual à luz do artigo 424º do C.C., e a segunda a informar que a cessão da posição contratual estava prevista no artigo 68º do Decreto-Lei nº. 197/99, de 08.06, em função do que, por deliberação tomada em reunião da Câmara Municipal ... de 10.09.2001, foi autorizada a “(…) cessão da posição contratual de acordo com o vosso requerimento de 12.07.2021 (…)”.

65. Do circunstancialismo assim externado destaca-se, desde logo, a “certeza férrea” que o pedido formulado pela [SCom01...] foi configurado pela Autarquia como sendo um pedido de cessão da posição contratual, tendo sido autorizado nesse pressuposto.

Porém, o Tribunal recorrido assim não o entendeu, considerando antes estar em causa uma modificação subjetiva do adjudicatário no âmbito de um procedimento de formação de contratos, atenta a inexistência de qualquer contrato entre a [SCom01...] e o R., e o próprio requerimento referir-se à transmissão para a futura [SCom02...] dos “direitos emergentes da adjudicação”.
Salvo o devido respeito, não concordamos com esta qualificação, em virtude de concorrer contra a mesma (i) a literalidade do pedido; (ii) a falta de enquadramento legal da mesma e (iii) a qualificação do pedido operada pelo Autarquia.
Efetivamente, a concorrente [SCom01...] limitou-se, em termos literais, a solicitar autorização para ceder os direitos emergentes da adjudicação concursal e não a requerer a alteração do adjudicatário.

66. Sendo duas realidades distintas, não se antolha, a julgar pela literalidade do pedido, que a pedido da primeira possa, de alguma forma, corresponder à representação da segunda.

67. Por sua vez, examinando o que deriva das peças concursais e a factualidade supra fixada, afigura-se-nos inequívoco que o procedimento concursal foi enquadrado na previsão do regime do Decreto-Lei nº. 197/99, de 08 de junho, que estabelece o regime jurídico realização despesas públicas e da contratação pública.

68. Pese embora o referido diploma legal não contenha uma regulamentação específica e detalhada a propósito da possibilidade da modificação subjetiva do adjudicatário como existe hoje no CCP, deve assumir-se a natureza “intuitu personae” da adjudicação e, bem assim, a necessidade de salvaguarda dos princípios basilares da contratação pública, mormente, os da estabilidade e da concorrência [arts. 14 e 10º do D.L. nº. 197/99].

69. No contexto assinalado, e à míngua da evidência clara [em face ao redação do pedido] de que a nova entidade [SCom02...] faz parte da estrutura empresarial da adjudicatária [SCom01...], deve assumir-se a inviabilidade de qualquer modificação subjetiva nos termos assinalados, sob pena de desvirtuamento da natureza “intuitu personae” da adjudicação e a violação dos princípios supra assinalados.

70. Tal convicção surge particularmente potenciada pela circunstância da legislação atual, mormente, o artigo 318º-A do CCP, restringir a possibilidade de modificação subjetiva do adjudicatário fora da previsão contratual aos casos de sucessão universal ou parcial do mesmo.

71. Por conseguinte, e em conformidade com tudo o quanto ficou exposto, é nosso entendimento que o pedido formulado pelo concorrente [SCom01...] é enquadrável no âmbito do instituto da cessão da posição contratual, até porque foi esse o sentido decisório assumido pela Entidade Contratante.

72. Nos termos do artigo 68º do referido diploma legal [vigente à data do pedido autorizativo], sob a epígrafe “cessão da posição contratual”, no decurso da execução do contrato, a entidade adjudicante podia, a pedido fundamentado do adjudicatário, autorizar a cessão da correspondente posição contratual [nº.1], desde o eventual cessionário não se encontrasse em nenhuma das situações previstas no artigo 33.º e tivesse capacidade técnica e financeira para assegurar o exato e pontual cumprimento do contrato [nº. 2].

73. A partir daqui, duas hipóteses são equacionáveis.

74. A primeira hipótese é que a cessão da posição contratual foi autorizada em situação não integrável na previsão legal [inexistia qualquer contrato a decorrer] e com preterição das formalidades previstas [falta de aferição da idoneidade legal, material e financeira da entidade cessionária].

75. A segunda é que a autorização foi projetada para produzir efeitos após a celebração do contrato de concessão a formalizar, hipótese que se nos afigura ser a mais coerente e razoável com a factualidade apurada nos autos.

76. Seja como for, é, para nós, ponto assente que a cessão autorizada não importou a produção de quaisquer efeitos, mantendo-se o adjudicatário inicial, ou seja, a concorrente [SCom01...].

77. Realmente, na primeira hipótese, atinge-se a conclusão que o ato autorizativo representa a prática de um ato com objeto ou conteúdo impossível, o que o fulmina com o desvalor da nulidade, nos termos do disposto na alínea c) do nº. 2 do 133º [atual 161º] do C.P.A.

78. Realmente, não se pode ceder aquilo que ainda não existe.

79. Na segunda hipótese, a cessão da posição contratual é também nula ou inexistente, em virtude de não ter sido celebrado o contrato de concessão que estabeleceria os direitos e obrigações a ceder [no mesmo sentido, vd. projeto de Relatório e Relatório final nº. 04/2004 do Tribunal de Contas espraiados os pontos 26) e seguintes e 38) e seguintes do probatório].

80. Como é sabido, os atos nulos e/ou inexistentes não produzem quaisquer efeitos jurídicos.

81. Em tais termos, somos levados, de forma inexorável, a reconhecer a inexistência de qualquer fundamento jurídico que permita transpor à Autora, ora Recorrida, o dever de contratar estabelecido entre o Município Réu e a concorrente [SCom01...], S.A., situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à pretensão indemnizatória formulada pela Autora na presente ação.

82. Realmente, estando o sucesso da presente ação umbilicalmente dependente da demonstração da existência de um dever de contratar em relação à aqui Autora, a inverificação deste determina a improcedência daquela.

83. E este julgamento tem repercussão na apreciação do remanescente vetor sustentador do recurso em análise.

84. De facto, a evidência da improcedência da presente ação torna qualquer resolução em torno da questão de saber se há [ou não] lugar ao pagamento de juros moratórios e, em caso afirmativo, se os mesmos são devidos desde a prática do facto ilícito ou desde a citação, um exercício inócuo e estéril, por desprovido de qualquer fundamento e utilidade.

85. Assim deriva, naturalmente, que se impõe conceder provimento ao presente recurso, com a consequente prejudicialidade no conhecimento do remanescente fundamento de recurso.

86. Diante desta clara evidência, torna-se imperativo conhecer da ampliação do objeto de recurso veiculada nas conclusões 17) a 32) das conclusões de recurso.

De acordo com a substanciação ali elencada, as questões ora a dirimir consistem em determinar se (i) os juros moratórios são devidos [ou não] desde a prática do facto ilícito; (ii) se nos situamos [ou não] no âmbito da efetivação de responsabilidade contratual; e ainda se (iii) o Réu incorreu [ou não] em abuso de direito.
Ora, com reporte ao argumentário elencado sob o sobredito ponto (i), entendemos que seria até deselegante aqui reproduzir o que já ficou exposto nos parágrafos 88) a 79) do presente aresto, donde grassa à evidência a inocuidade e inutilidade da apreciação de tal questão recursiva, com o que fica prejudicado o conhecimento da mesma.

87. Idêntico trilho segue a questão de saber se nos [ou não] situamos no âmbito da efetivação de responsabilidade contratual.

88. 1. Realmente, não se reconhecendo a inexistência de qualquer fundamento jurídico que permita transpor à Autora, ora Recorrida, o dever de contratar estabelecido entre o Município Réu e a concorrente [SCom01...], S.A., irreleva saber qual o regime jurídico aplicável à tutela pretendida, por ser absolutamente inconsequente em termos de eventual inversão do desfecho da causa.

89. Resta-nos, pois, a questão de saber se assiste razão à Recorrida quando alega que “(…) todos os actos do Recorrente foram sempre no sentido de reconhecer a Recorrida como a adjudicatária e titular do direito à concessão dos estacionamentos, pelo que a invocação agora de falhas procedimentais e invalidades formais configura ostensivo abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” (…)”.

90. Esta alegação não é despiciente ou bizantina.

91. Com efeito, numa perspetiva estritamente dogmática, o sujeito que atua sob a égide da aparente boa-fé, tendo prévio conhecimento da existência de vícios procedimentais suscetíveis de malograr a prossecução do fim visado, poderá incorrer numa situação de “venire contra factum proprium”, configurando manifesto abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, ao invocar posteriormente tais irregularidades em sede de impugnação."

92. Esse, porém, não é o caso dos autos.

93. De facto, perscrutado o probatório coligido nos autos, não se descortina a emanação de qualquer comportamento por parte deste Município revelador que o mesmo tinha prévio conhecimento da existência de vícios procedimentais suscetíveis de malograr a prossecução do fim visado, abstendo-se de dar conhecimento dos mesmos à Recorrida.

94. Antes pelo contrário.

95. Realmente, até à intervenção do Tribunal de Contas com o projeto de Relatório e Relatório final nº. 04/2004 [cfr. pontos 26) e seguintes e 38) e seguintes do probatório], não se logra vislumbrar a existência de qualquer comportamento por parte do MUNICÍPIO ... revelador que este suspeitava sequer da eventual ilegalidade do procedimento concursal visado nos autos.

96. Contudo, a partir daí, era impossível ignorar o problema.

97. De facto, o projeto de Relatório e Relatório final nº. 04/2004 do Tribunal de Contas apontavam no sentido, de entre outras realidades, que (i) “o concurso público internacional para a concessão da concepção/construção de edifício para habitação, comércio e serviços e exploração do parque público de estacionamento, encontra-se ferido de nulidade, no que respeita ao seu objecto, em virtude de concessionar acros estranhos às atribuições das autarquias locais, como no que toca à observância de formalidades do contrato, por falta de forma legalmente exigida (art.º 133°, n.° 2, al. b) do CPA e art.º 14" do DL n.° 390/82, de 17/09)” e ainda que (ii) “A alegada cessão da posição contratual é também nula ou inexistente, em virtude de não ter sido celebrado o contrato de concessão que estabeleceria dos direitos e obrigações a ceder (cfr. art. 424° do CC) (…)” [cfr. pontos 26) e seguintes e 38) e seguintes do probatório].

98. Embora não sejam vinculativas, as conclusões assim contidas no projeto de Relatório e Relatório final nº. 04/2004, têm a força persuasiva que são - e devem ser - inerentes ao respeito pela sua qualidade e pelo seu valor intrínseco, devendo, por isso, ser ponderadas e, em princípio, respeitadas.

99. Foi o que fez o MUNICÍPIO ..., optando por não celebrar o contrato de concessão relativo ao procedimento concursal visados nos autos, invocando as mesmas razões no presente recurso jurisdicional.

100. Neste enquadramento, afigura-se-nos justificado e razoável concluir que inexiste, verdadeiramente, um “factum proprium“– ou seja, um ato anterior que, praticado pelo MUNICÍPIO ..., possa ter originado uma situação de confiança merecedora de proteção.

101. Donde resulta inequívoca a inexistência de qualquer excesso manifesto suscetível de integrar abuso do seu direito no tocante ao exercício do direito de recurso.

102. Tal asserção oblitera, como está bom de ver, qualquer propósito de validação da ampliação do objeto de recurso em análise.

103. Aqui chegados, é tempo de concluir, por um lado, pela procedência do recurso e, por outro, pela improcedência do ampliação do objeto do recurso, devendo revogar-se a sentença recorrida, e julgar a presente ação totalmente improcedente.

104. Ao que se proverá no dispositivo.


* *

V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da C.R.P., em:

(i) CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional;

(ii) NEGAR PROVIMENTO à ampliação do objeto do recurso;

(iii) REVOGAR a sentença recorrida e julgar a presente ação totalmente improcedente.

Custas do recurso e ampliação do objeto do recurso pela Recorrida.

Custa da ação pela Autora.

Registe e Notifique-se.

* *
Porto, 08 de novembro de 2024,

[Ricardo de Oliveira e Sousa]
Tiago Afonso Loes de Miranda

[Clara Ambrósio – com voto de vencido]


Voto vencida o Acórdão porque entendo que o R., através do acto de autorização da transmissão da posição de adjudicatário no concurso, permitiu a transferência para a A. dos direitos que emergiam para a primitiva adjudicatária, designadamente, o direito à celebração de um contrato que incluía a concessão dos parques de estacionamento subterrâneos e do estacionamento à superfície.
É um facto que a adjudicatária tratou o pedido de autorização dessa transmissão de posição, como se de cessão da posição contratual se tratasse, quando ainda não tinha sido celebrado o respectivo contrato e, por sua vez, o R., munido das informações técnicas que julgou necessárias, autorizou a transmissão, enquadrando-a, também, no instituto jurídico da cessão da posição contratual.
Nessa sequência, a A. procedeu à construção dos edifícios e infraestruturas objecto do Concurso Público, concretamente, o edifício para habitação, comércio, serviços, sede da Junta de Freguesia ... e o parque público de estacionamento subterrâneo, com a natural e legítima expectativa criada pelo R. de vir a celebrar o respectivo contrato de concessão, tal qual havia sido previsto no concurso público.
Estas circunstâncias criaram objectivamente na adjudicatária e, subsequentemente, na A. a convicção da validade da actuação do R., pelo que, não podem as mesmas ser ignoradas, em benefício do R., sob pena de violação do princípio da confiança que preside à relação entre todas as partes envolvidas.
Assim sendo, teria confirmado in totum a sentença recorrida.