Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:256/17.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:COVID-19
SUSPENSÃO DE PRAZO
Sumário:
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

J… e M…, notificados da decisão sumária proferida pela então Relatora, ao abrigo do disposto no artigo 656º do CPC, que indeferiu o requerimento de interposição de recurso jurisdicional interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRS respeitantes aos anos de 2011 e 2013, dela vieram reclamar para a conferência, nos termos do disposto no artigo 652/3 CPC, pretendendo que sobre a decisão recaia um acórdão.

Na reclamação apresentada alegam, em conclusão:

1. Por decisão sumária datada de 23 de março de 2021 (a decisão ora reclamada), a Veneranda Juíza Relatora veio observar que, «Compulsados os presentes autos, constatou-se que as alegações de recurso não continham conclusões, pelo que foi proferido despacho convidando-se os Recorrentes a apresentarem conclusões nos termos do n.° 5 do art. 282.° do CPPT (na redação anterior à Lei n.° 118/2019 de 17/09/2019, aplicável à data) — cfr. fls. 196. Os Recorrentes mantiveram-se silentes. (...) Consagra o art. 641.°, n.° 2 alínea b) do CPC, aplicável ex vi do art. 281.° do CPPT que o requerimento de interposição de recurso será indeferido quando a alegação do recorrente não contenha conclusões», decidindo — sustentada na falta de apresentação de conclusões por parte dos ora RECLAMANTES no indicado prazo de 10 dias —, «indeferir o requerimento de interposição de recurso por falta de conclusões».
2. Sucede, porém, que na data da notificação do despacho que fixou o prazo de 10 dias para a apresentação de conclusões de recurso (i.e., no dia 4 de fevereiro de 2021), encontrava-se em vigor o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, introduzido pela Lei n.° 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que veio, em particular, aditar o artigo 6.°-B à Lei n.° 1-A/2020, de 19 de março, em cujo n.° 1 se consagrou uma regra geral de suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais.
3. Ora, de uma interpretação linear e objetiva do regime consagrado nos n.º 1 e 5 do referido artigo 6.°-B da Lei n.° 1-A/2020, de 19 de março, resulta que o prazo de 10 dias fixado para os ora RECLAMANTES apresentarem as suas conclusões de recurso se encontrava abrangido pela regra geral de suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais ali prevista, não recaindo em nenhuma das exceções incisivamente recortadas pelo legislador nesse domínio.
4. Em consequência, deverão W. Exas. reconhecer que a decisão sumária desconsiderou o regime suspensivo consagrado no n.° 1 do artigo 6.°-B da Lei n.° 1-A/2020, de 19 de março, para o cômputo do prazo de 10 dias conferido aos RECLAMANTES para a apresentação de conclusões, impondo-se, por esse motivo, a sua anulação.
5. Não obstante o que antecede, mesmo que, no limite, subsistissem dúvidas acerca da aplicabilidade da indicada regra geral de suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais 2,0 prazo de 10 dias sob apreciação, impor-se-ia sopesar, quer os objetivos visados pelo regime de suspensão em causa, quer o princípio do favorecimento do processo ou pro actione (consagrado nos artigos 7.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e 20.° e 268.° da Constituição da República Portuguesa), considerando o referido prazo como suspenso.
6. Neste contexto, uma interpretação do artigo 6.°-B da Lei n.° 1-A/2020, de 19 de março, que tenha por efeito proscrever do regime de suspensão de prazos processuais aí previsto o prazo de 10 dias conferido aos RECLAMANTES para a apresentação de conclusões (tal como implicitamente sufragada pela decisão sumária sob apreciação), será manifestamente inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado nos artigos 20.° e 268.° da Constituição da República Portuguesa, impondo-se a W. Exas., por este motivo adicional, a promoção da anulação da decisão sumária reclamada.
TERMOS EM QUE,
REQUEREM A VOSSAS EXCELÊNCIAS SE DIGNEM ANULAR A DECISÃO SUMÁRIA PROFERIDA AFLS... DOS AUTOS, EM VIRTUDE DE A MESMA TER DESCONSIDERADO A VIGÊNCIA DO REGIME SUSPENSIVO CONSAGRADO NO N.° 1 DO ARTIGO 6.°-B DA LEI N.° l-A/2020, DE 19 DE MARÇO.

Os autos foram com vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação.

Cumpre apreciar e decidir:


II. Fundamentação


II.a) De Facto

Pertinente, releva dos autos o seguinte:

A) Em 2019.09.30, foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnação apresentada por J… e M…, constante de fls. 245 (cf. doc. nº 003734809), que aqui se dá por integralmente reproduzida;

B) Em 2019.10.17, deu entrada requerimento de interposição do recurso, constante de fls. 282 e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

C) O recurso identificado na alínea que antecede foi admitido por despacho de 2019.10.21 (cf. fls. 289);

D) Em 2019.11.14, deram entrada as alegações de recurso constantes de fls. 293 dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas;

E) Em 2021.01.29, foi proferido despacho, constante de fls. 348 (doc. nº 004032232), do qual se transcreve:

Nos termos do nº 5 do art. 282º do CPPT (na redacção anterior à Lei nº 118/2019 de 17/09/2019, aplicável ao caso), convidam-se os Recorrentes a apresentar conclusões de recurso no prazo de 10 dias.

Notifique.

(…)

F) Este despacho foi notificado à Recorrente em 2021.02.01, por via eletrónica (cf. fls. 349);

G) Em 2021.03.23, foi proferida decisão sumária a indeferir o requerimento de interposição de recurso por falta de conclusões. Deste transcreve-se:

(…)

DECISÃO SUMÁRIA

Compulsados os autos e ao abrigo do disposto no artigo 652º, nº1, al. b) do CPC profere-se a seguinte decisão:

J… e M… vêm interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra as liquidações de IRS dos anos de 2011 e 2012 no montante total de € 1.728.272,70, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa.

Proferido despacho de admissão do recurso (fls. 160) e notificadas as partes para a apresentação de alegações, vieram os Recorrentes apresentar as suas alegações de recurso como consta de fls. 162/176.

Subiram os autos a este Tribunal, tendo o Digno Magistrado do Ministério Público proferido parecer no sentido da improcedência do recurso.

Compulsados os presentes autos, constatou-se que as alegações de recurso não continham conclusões, pelo que foi proferido despacho convidando-se os Recorrentes a apresentarem conclusões nos termos do nº 5 do art. 282º do CPPT (na redação anterior à Lei nº 118/2019 de 17/09/2019, aplicável à data) – cfr. fls. 196.

Os Recorrentes mantiveram-se silentes.

Cumpre apreciar e decidir.

O art. 282º do CPPT (na redação aplicável ao tempo) consagra as regras gerais quanto à interposição dos recursos, sendo que, de acordo com o seu nº 5, se as alegações de recurso não contiverem conclusões, convidar-se-á o recorrente a apresentá-las, tendo este formalismo sido cumprido pelo Tribunal.

Contudo, os Recorrentes não supriram essa falta, importando agora retirar as consequências de tal omissão.

Consagra o art. 641º, nº 2 alínea b) do CPC, aplicável ex vi do art. 281º do CPPT que o requerimento de interposição de recurso será indeferido quando a alegação do recorrente não contenha conclusões. Da condenação em custas Nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excepcional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.

Tal dispensa – total ou parcial – só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a actividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar. Como tal, ponderando a situação dos presentes autos e atendendo ao valor do processo, que é de € 1.728.272,70, justifica-se a dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça.

DECISÃO

Face ao exposto decide-se, ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 2 do art. 641º do CPC, indeferir o requerimento de interposição de recurso por falta de conclusões.

Custas pelos Recorrentes, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Registe e Notifique.

(…)»

É desta decisão sumária que vem a presente reclamação.


II.b) De Direito

A questão fundamental a apreciar é a de saber se, quando foi proferida a decisão reclamada tinha, ou não, decorrido já o prazo para a apresentação das conclusões de recurso, em face do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19.

Vejamos:

A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, veio aprovar medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID19, e ratificar os efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (cf. sumário e artigo 1º da lei citada).

Destas medidas excecionais e temporárias sobressai, no que aqui interessa, o disposto no artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, com a epígrafe Prazos e diligências, que foi posteriormente alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.

Através da citada Lei n.º 1-A/2020, o Legislador determinou a aplicação do regime das férias judiciais aos atos processuais e procedimentais que devessem ser praticados no âmbito de processo e procedimentos que corriam termos, nomeadamente, nos Tribunais Administrativos e Fiscais e nos órgãos da execução fiscal.

Posteriormente, através da Lei n.º 4-A/2020, a referência ao regime das férias judiciais foi substituída e determinada a suspensão dos prazos, fixado o seu termo inicial a partir de 9 de março de 2020.

Assim, nos termos deste artigo 7/1 da Lei nº 1-A/2020, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 4-A/2020, de 6 de abril, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais ficaram suspensos, terminando esta suspensão com a cessação da situação excecional provocada pela doença COVID-19.

O nº 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, com a alteração introduzida pela Lei n.º 4-A, ficou com a seguinte redação:

1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.

Deste modo, entre 9 de março de 2020 (cfr. o artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020) e a data ainda a definir por Decreto-Lei, no qual se declararia o termo da situação excecional (nº 2 deste artigo 7º) não se iniciavam nem corriam quaisquer prazos para a prática de atos processuais em processos não urgentes.

Com a revogação do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, pelo artigo 8º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, esta suspensão terminou no dia 3 de junho de 2020. Com efeito, a Lei nº 16/2020, dizia no artigo 10º: A presente lei entra em vigor no quinto dia seguinte ao da sua publicação.

Posteriormente, a Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, procedeu à 9ª alteração à Lei nº 1-A/2020, alterada pelas Leis nº 4-A/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 9 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de julho, 58-A/2020, de 30 de setembro, 75-A/2020 de 30 de dezembro e 1-A/2021, de 13 de janeiro (cf. artigo 1º da Lei nº 4-B/2021), estabelecendo um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19.

Nos termos do artigo 2º da Lei nº 4-B/2021, foi aditado à Lei nº 1-A/2020, o artigo 6º-B, com a seguinte redação, nos trechos que aqui interessam:


Artigo 6.º-B

Prazos e diligências


1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

(…)

5 - O disposto no n.º 1 não obsta:

a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;

b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;

c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.

(…)

O artigo 4º da mesma Lei nº 4-B/2021, quanto à produção de efeitos, estabeleceu que o disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, produzia efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.


Vejamos então se em 2021.02.01, o prazo se encontrava ou não suspenso.

Está, pois, em causa a interpretação do artigo 6º-B da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro.


Na interpretação da lei, devemos atender não apenas ao elemento literal, mas também ao teleológico, porquanto não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9/1 do Código Civil).

Da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 70/XIV, in https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=45671, transcreve-se:

A situação excecional que se vive no momento atual e a proliferação de casos registados de contágio da pandemia da doença COVID-19 exigem a aplicação de medidas excecionais e de caráter urgente no âmbito do desenvolvimento da atividade judicial e administrativa.

Assim, apesar das atuais restrições ao funcionamento de um conjunto de órgãos e serviços, com vista à promoção da diminuição da mobilidade e redução de contactos sociais, importa garantir o funcionamento da Administração Pública e dos tribunais, salvaguardando, contudo, aquele desiderato.

De igual modo, importa acautelar aquelas circunstâncias através do estabelecimento de um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas de segurança adotadas no âmbito do combate à pandemia da doença COVID-19.

Nessa medida, a presente proposta de lei apresenta, por um lado, um conjunto de medidas relativas à suspensão de prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.

Para tal, suspende-se o cômputo do prazo dos processos e procedimentos não urgentes, garantindo-se, todavia, a tramitação daqueles que se apresentam como indispensáveis e estabelecendo-se uma série de exceções que permitem mitigar os efeitos genéricos da suspensão.

Por outro lado, considerando que os tribunais e a Administração Pública contam já com uma importante experiência na tramitação de processos e procedimentos em formato eletrónico, bem como na realização de diligências através de meios de comunicação à distância, importa também consagrar a possibilidade de tramitação de um conjunto de processos e procedimentos naquelas condições.

Com este regime de suspensão dos prazos processuais o Legislador visou assim a aplicação de um conjunto de medidas destinadas a combater a proliferação de contágios da pandemia da doença Covid-19 no desenvolvimento da atividade judicial, estabelecendo, contudo, exceções na tramitação dos processos que permitem mitigar os efeitos genéricos da suspensão.

Com a publicação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro com efeitos a partir de 22-01-2021, foram suspensos os prazos relativos a processos de natureza não urgente, tramitados em tribunais tributários. Todavia, da alínea a) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado pelo artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, resulta que a suspensão para a prática de atos processuais não se aplicou à tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, nomeadamente em matéria de recursos.

Nesse sentido, veja-se o decidido no recente Acórdão STA de 2022.02.02, proferido no processo nº 0332/13.8BEFUN (disponível em www.dgsi.pt), com o qual concordamos e de cuja fundamentação transcrevemos:

(…)

Da leitura da alínea a) do n.º 5 do art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado pelo art. 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, resulta que a suspensão, a partir do dia 22 de Janeiro de 2021, dos prazos para a prática de actos processuais que devam ser praticados no âmbito dos processos que corram termos nos tribunais judiciais, designadamente os prazos para a interposição de recursos, não se aplicou à tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes.

A referência genérica à tramitação dos processos nos tribunais superiores, sem qualquer distinção ou excepção, abrange os actos dos juízes, da secretaria ou das partes, pelo que, todos os prazos dos processos a correr termos no Tribunal Central Administrativo Sul – como o era o prazo para interposição do presente recurso (cf. art. 285.º, n.º 1, do CPPT, conjugado com o art. 282.º, n.º 2, do mesmo Código) –, desde que não exigissem a prática de actos presenciais, não foram suspensos pelo aditamento efectuado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.

E bem se compreende porquê: sendo possível o desenvolvimento da tramitação na fase de recurso, por parte de todos os intervenientes, através da utilização de meios electrónicos, as razões que justificaram a suspensão dos prazos processuais determinada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, não exigiram que essa suspensão abrangesse a tramitação dos processos nos tribunais superiores, designadamente o acto de interposição de recursos de decisões neles proferidas.

Em resumo, nos termos da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que alterou a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, para além do mais, aditando-lhe o art. 6.º-B, resulta que o legislador, nesse momento de combate à pandemia, quis proceder de forma diversa da actuação ocorrida na primeira fase daquele combate: enquanto na primeira fase, suspendeu os prazos, nesse momento determinou que nos tribunais superiores os processos não urgentes prosseguiriam a não ser que fosse necessário a realização de actos presenciais, bem como determinou que devia ser proferida a decisão final nos processos e, nesse caso, os prazos de interposição de recurso não se suspendiam.

Assim, concluo que o prazo para interposição de recurso de revista, consagrado no art. 285.º do CPPT, não foi suspenso pelo disposto no art. 6.º-B, aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, pelo art. 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, pelo que o presente recurso é extemporâneo (Neste sentido, vide os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:

- de 22 de Abril de 2021 proferido no processo com o n.º 263/19.8YHLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/a19d12a7fd30029f802586d800496710;

- de 25 de Maio de 2021, proferido no processo com o n.º 11888/15.0T8LRS.L1-A.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/7919ee67d438b533802586e60037d4e0;

- de 17 de Junho de 2021, proferido no processo com o n.º 26302/02.3TVLSB.L1-A.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/1f1a69e217ee5baf802586fd0054aa27;

- de 8 de Setembro de 2021, proferido no processo com o n.º 5407/16.9T8ALM.L1.S1-A, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/473209c19c9ed6778025874b003cc7f4.).»

(…)


Assim, em face da conclusão a que se chegou no acórdão transcrito, também aqui entendemos que o prazo para os Recorrentes apresentarem as conclusões do recurso, não se encontra abrangido pela regra da suspensão de prazos fixada no nº 1 do artigo 6º da Lei nº 4-B/2021, devendo antes aplicar-se o regime previsto no nº 5 alínea d), para a interposição dos recursos.

Alegam ainda os Reclamantes que a interpretação do artigo 6.°-B da Lei n.° 1-A/2020, de 19 de março, que tenha por efeito proscrever do regime de suspensão de prazos processuais será manifestamente inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado nos artigos 20.° e 268.° da Constituição da República Portuguesa – cf. conclusão 6 da reclamação.

Pese embora os Recorrentes não tenham densificado, devidamente, a questão, não se vislumbra que tal entendimento possa traduzir uma interpretação desconforme à Constituição da República Portuguesa, ou que comporte qualquer preterição de princípios constitucionais primordiais.

Na verdade, os Reclamantes, formulam apenas um juízo genérico de inconformidade da interpretação do artigo, com normas constitucionais, sem melhor substanciar a respetiva violação dos princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.

Com efeito, a Recorrente não concretizou/densificou as violações daqueles princípios constitucionais e legais em termos tais que permitissem a este tribunal emitir uma apreciação individualizada sobre as mesmas.

Assim se concluindo que o despacho reclamado, não merece a censura que lhe foi feita e é de manter.


III. Decisão

Em face do exposto, vai indeferida a presente reclamação apresentada pelo Recorrente, mantendo-se o despacho reclamado.

Custas pelos Reclamantes que decaíram.

Lisboa, 16 de maio de 2024


Susana Barreto

Maria da Luz Cardosos

Patrícia Manuel Pires