Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERREIRA PINTO | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO DOMÉSTICO DESPEDIMENTO DE FACTO DESPEDIMENTO ILÍCITO ÓNUS DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 04/11/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO – FONTES E APLICAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO / APLICAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO / CONTRATO DE TRABALHO COM REGIME ESPECIAL. DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / MODALIDADES DA DECLARAÇÃO / DECLARAÇÃO EXPRESSA E DECLARAÇÃO TÁCITA. | ||
Doutrina: | -Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato do Trabalho, 4.ª Edição revista e atualizada, Principia, Setembro de 2017, p.148 e 149. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 9.º. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 217.º, N.º 1. REGIME JURÍDICO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO EMERGENTES DO CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO, DL N.º 235/92, DE 24 DE OUTUBRO. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 27.02.2008, PROCESSO N.º 07S4479; - DE 21-10-2009, PROCESSO N.º 272/09.5YFLSB; - DE 09-07-2014, PROCESSO N.º 2934/10.5TTLSB.L.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I) O contrato de serviço doméstico está sujeito a um regime especial [é regulado pelo Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro, e pelas normas gerais do Código de Trabalho que não sejam incompatíveis com a sua especificidade (artigo 9º, do CT)], pois a circunstância de ser prestado a agregados familiares, e, por isso, gerar relações profissionais com acentuado carácter pessoal, exige que o seu regime se configure como especial, dado o permanente estado de confiança que deve existir entre empregador e trabalhador. II) Constituindo o despedimento estruturalmente um negócio jurídico unilateral recetício, a vontade do empregador, de fazer cessar o contrato de trabalho, tem que ser “inequívoca” e “concludente”, pelo que somente são admitidos os “despedimentos tácitos”, também chamados “de facto”. que estejam corporizados num seu comportamento evidente e claro, do qual decorra, necessariamente, a manifestação da sua vontade de romper a relação laboral. III) Na ação de impugnação de despedimento, compete ao trabalhador, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do CC, alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação, através de despedimento promovido pelo seu empregador, por serem factos constitutivos do direito invocado. IV) O facto de, durante uma troca de palavras entre empregador e trabalhador, por causa do desaparecimento duns “socos”, aquele tirar-lhe as chaves da sua casa, que ele detinha para abrir a porta quando fosse trabalhar, não é, por si só e sem mais, revelador e indicador de que o estava a despedir. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Processo n.º 19318/16.4T8PRT.P1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1]
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
Relatório[2]:
AA, patrocinada pelo Ministério Público, propôs, em 30.09.2016, na Comarca do Porto, Porto – Instância Central – 1ª Secção do Trabalho – J3, a presente Ação, com processo comum, Emergente de Contrato Individual de Trabalho, contra BB, peticionando a condenação desta a pagar-lhe as seguintes quantias: Para o efeito, alegou que foi despedida, verbalmente, pela Ré sem que lhe tivesse pago qualquer indemnização e os créditos que lhe eram devidos.
Efetuada a audiência de partes, não se conseguiu obter a sua conciliação.
Notificada, a R. apresentou contestação, alegando que havia perguntado à A. por uns “socos” e que ela reagiu de forma inopinada (como se tivesse sido acusada de os furtar), dizendo que ia chamar a polícia e que não tinha mais condições para trabalhar para si e deixando para trás as chaves da sua casa. Mais alegou que a A. nunca mais apareceu para trabalhar, pelo que lhe enviou uma carta a informá-la de que se presumia que tinha abandonado o seu posto de trabalho, Excecionou, também, por compensação, pedindo que fosse feita a compensação de 60 dias de retribuição, relativos ao pré-aviso em falta, quantia de que é credora. Também, em reconvenção, alegando que ela e seu marido, haviam emprestado à A. a quantia de € 5.696,22, e que esta ficou de ir pagando à medida das suas possibilidades, mas que ainda não o fez, pelo que peticionou o seu pagamento. A A. apresentou resposta à contestação deduzida, mantendo a versão dos factos apresentada na petição inicial, negando o direito à compensação peticionada pela R., porquanto ao abrigo do regime jurídico do serviço doméstico, a única compensação que poderia existir, seria a prevista no art.º 33.º, n.º 1, do referido regime. Relativamente ao pedido reconvencional, impugnou por completo a existência do mútuo invocado pela R., afirmando que precisou efetivamente de dinheiro, mas que contraiu um empréstimo numa instituição bancária, quantia que já pagou.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 20 de janeiro de 2017, que julgou o despedimento ilícito, tendo condenado a R. a pagar à A.: No caso concreto, foi celebrado entre as partes um contrato de serviço doméstico, o que elas não questionam.
Assim sendo, é aqui aplicável o regime das relações de trabalho emergentes do contrato do serviço doméstico, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro e alterado pela Lei n.º 114/99, de 03 de agosto[4] e não o regime do Código do Trabalho, Ora, o contrato de serviço doméstico está definido no artigo 2º, n.º 1, como sendo aquele contrato pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem, com carácter regular, sob sua direção e autoridade, atividades destinadas à satisfação de necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar, ou equiparado e dos respetivos membros. De acordo com o disposto no artigo 27º, pode cessar por acordo das partes; por caducidade; por rescisão de qualquer das partes, ocorrendo justa causa; por rescisão unilateral do trabalhador, com pré-aviso. Por sua vez, estabelece o artigo 29º, que constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico (n.º 1) e que só é possível o despedimento se for efetuado por escrito, devendo nesse escrito, de forma expressa e inequívoca, serem indicados os factos e as circunstâncias que o fundamentam (n.º 3).
Por fim, o artigo 31º, determina que o despedimento decidido com alegação de justa causa, e que venha a ser judicialmente declarado insubsistente, não havendo acordo quanto à reintegração do trabalhador, confere a este o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fração, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento, nos casos de contrato sem termo ou com termo incerto, e às retribuições vincendas, nos casos de contrato com termo certo (n.º 1).
Relativamente ao despedimento tácito, também designado “de facto” ou despedimento “indireto”, escreveu Pedro Furtado Martins[5] que ”[o] despedimento lícito pressupõe uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato do trabalho, a qual, para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que culmina o respetivo despedimento[6] – artigos 357º, 363º, 371 e 378º. Contudo, para que exista um despedimento – ainda que ilícito – basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro. Naturalmente, esta declaração de despedimento não possui aptidão para extinguir o vínculo contratual, uma vez que o despedimento assim declarado é ilícito e como tal potencialmente inválido. Mas isto não significa que seja juridicamente irrelevante, pois a declaração é apta para desencadear a produção dos efeitos que a lei associa à realização de um despedimento ilícito. […] A qualidade do despedimento como uma declaração de vontade recipienda significa que ela só é eficaz depois de recebida pelo destinatário, isto é, pelo trabalhador.”
Acresce que a jurisprudência desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça é uniforme e está sedimentada no sentido de que na ação de impugnação de despedimento compete, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação através de despedimento promovido pelo seu empregador, por serem factos constitutivos do direito por ele invocado.
Assim, na ausência de factos que revelem, no caso, uma manifestação de vontade no sentido de proceder ao despedimento, por parte do empregador, não é possível considerar como verificada a existência dessa declaração negocial. Acresce que o despedimento constitui estruturalmente um negócio jurídico unilateral recetício, através do qual o empregador revela a vontade de fazer cessar o contrato de trabalho. Nos termos do artigo 217º, n.º 1, do Código Civil, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita:
Essencial, para a relevância da declaração tácita, é a inequivocidade dos chamados “facta concludentia” [factos ou comportamentos que revelam de modo concludente uma manifestação de vontade].
No domínio do despedimento promovido pelo empregador tem-se entendido que a vontade de pôr termo ao contrato há-de ser “inequívoca” e “concludente”.
Assim sendo, apenas se admitem os chamados “despedimentos de facto” que estão corporizados numa atitude evidente, muito clara e manifesta do empregador da qual decorra necessariamente a manifestação de uma vontade de fazer cessar o vínculo laboral.
Neste sentido tem sido a jurisprudência desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça. - Acórdão de 27.02.2008, proferido no processo n.º 07S4479[7]:
- Acórdão de 09.07.2014, proferido no processo n.º 2934/10.5TTLSB.L.S1[8]: Assim, estando-se perante uma situação de incerteza ou de “non liquet” probatório sobre os factos materiais da causa, o juiz terá de desfazer a dúvida, na apreciação do direito, em desfavor da parte sobre quem impende o correspondente ónus da prova [artigo 346º, in fine, do Código Civil e 414º do Código de Processo Civil], Nada mais se provou [nomeadamente porque é que foi chamada a Polícia, o que ela foi fazer, se a porta não foi aberta intencionalmente ou se não estava ninguém em casa, etc.].
Ora, com esta factualidade não pode um trabalhador medianamente instruído deduzir, de forma inequívoca e concludente, que o seu empregador o estava a despedir, mesmo tacitamente. Com efeito, o facto de a Ré ter tirado as chaves de sua casa à Autora, mesmo após, ou durante, a troca de palavras antes referida, não é indicador e nem revelador, sem mais, de que a Ré, ao fazê-lo, queria e estava a despedi-la. Um declaratário normal, e com mediana sagacidade, na posição da Autora, não ficaria convencido, e muito menos de forma inequívoca, que aquele ato tinha o sentido de fazer cessar o contrato de trabalho que havia sido celebrado entre ambas.
Aliás, também a Autora não ficou convencida de que tinha sido despedida, uma vez que, dois dias após, se apresentou no seu local de trabalho, só não tendo trabalhado porque a porta da casa da Ré não lhe foi aberta e, como já não tinha as chaves da porta, não conseguiu entrar.
Diz a recorrente que configura uma declaração inequívoca de despedimento de trabalhadora de serviço doméstico, o comportamento por parte da empregadora que, após a acusar da prática de um furto, perguntando-lhe “onde estão os socos que tiraste?" e, depois de ela negar aquela imputação e anunciar que ia chamar a polícia, tira-lhe as chaves da residência que a trabalhadora até aí usava para nela entrar e poder prestar os serviços para que fora contratada que se encontravam, legitimamente, em seu poder, por lhe haverem sido facultadas pela empregadora para aquela finalidade. Estas afirmações e conclusões não têm correspondência nos factos provados, pois apenas se provou que no dia 20 de junho de 2016, da parte da tarde, a R. disse à A. “onde é que estão os socos que tiraste?” [facto constante da alínea h)] e que, na decorrência, a A. disse que não tinha tirado socos nenhuns e que ia chamar a polícia [facto da alínea i)] e, então, a R. tirou as chaves que a A. tinha da casa da R. [facto da alínea j)].
Não se provou, pois, que a Ré tenha despedido a Autora, dado que não se provou qualquer facto que o demonstre e, muito menos, de forma inequívoca e concludente. Ora, não tendo a Autora provado que foi despedida pela Ré, improcede o recurso. Deliberação:
- Pelo exposto delibera-se: Anexa-se o sumário do Acórdão. ~~~~~~ Lisboa, 11.04.2018
Ferreira Pinto – (Relator) Chambel Mourisco Pinto Hespanhol _______________ |