Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
272/09.5YFLSB
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
DESPEDIMENTO
DESPEDIMENTO DE FACTO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
DECLARAÇÃO TÁCITA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I - Nos termos do disposto no art.º 664.º do CPC, compete ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar, ex officio, a correcção do juízo de qualificação de uma expressão como conclusiva, por envolver a indagação, interpretação e aplicação de regras de direito.

II - Só os factos concretos podem ser objecto de prova, pelo que as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o Tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.

III - A afirmação de que alguém despediu outrem pressupõe o apuramento de factos concretos susceptíveis de integrar o conceito de despedimento, encerrando a mesma um juízo de valor que, apresentando-se como determinante do sentido a dar à solução do litígio, depende, inexoravelmente, do que, conclusivamente, for apurado quanto à verificação, ou não, do alegado despedimento da A, devendo, pois, aquela asserção ser eliminada do elenco dos factos provados.

IV - A mera afirmação de que alguém disse algo não comporta, em si, um juízo de valor sobre aquilo que se afirma ter sido dito, representando antes a expressão de uma realidade consubstanciada no teor da declaração, cuja percepção se atinge directamente através dos sentidos, não carecendo, para ser alcançada e afirmada, de suporte elaborativo intelectual no domínio dos conceitos e/ou da subsunção de factos nas categorias que eles traduzem, pelo que os termos da declaração são susceptíveis de prova.

V - O despedimento traduz-se na ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, sendo um acto de carácter receptício, pois, para ser eficaz, implica que o atinente desígnio seja levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita).

VI - Essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal seja entendida pelo trabalhador.

VII - Esta exigência de inequivocidade visa evitar tanto o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova para o trabalhador como obstar ao desencadear das suas consequências legais quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal.

VIII - Não consubstancia um despedimento, a comunicação verbal feita pela entidade empregadora a uma trabalhadora de que «não a queria lá mais a trabalhar nas condições que tinha e que só continuava a trabalhar para a R. caso aceitasse a redução do salário que auferia e passasse a trabalhar em turnos, devendo nesse mesmo dia começar a trabalhar no turno das 15 às 24 horas», uma vez que o sentido que um declaratário normal poderia retirar dessas palavras, naquele contexto, era o de que a declarante pretendia alterar as condições do contrato.

IX - Tendo a empregadora feito depender a manutenção do contrato, das indicadas condições, era à trabalhadora que competia decidir se a relação laboral se deveria manter ou não, no primeiro caso, quer aceitando as condições, quer recorrendo aos meios legalmente disponíveis, em ordem a obter o cumprimento do contrato, tal como fora celebrado e vinha sendo executado, e no segundo caso, resolvendo o contrato, com invocação de justa causa.

X - A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante, pelo que, perante uma eventual dúvida, suscitada pelos termos em que a empregadora se dirigiu à trabalhadora, não estava esta dispensada do cuidado de obter mais elementos a fim de se esclarecer sobre a vontade real daquela.

XI - O demonstrado comportamento da empregadora de, durante o período de baixa por doença da trabalhadora, ter retirado do gabinete por esta habitualmente usado todos os ficheiros dos seus clientes e toda a documentação técnica e organizativa de apoio àqueles, livros e documentação científica e técnica da trabalhadora e todos os instrumentos de trabalho e objectos pessoais que ali havia deixado quando iniciou a baixa médica, não permite, por si só, formular um juízo seguro sobre a real intenção da empregadora, tendo em vista o seu despedimento, tanto mais que está demonstrado que a trabalhadora se apresentou ao trabalho oito dias antes da data prevista para o termo final da baixa e nesse dia lhe foi feita a comunicação referida em VIII.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. AA demandou, em acção com processo comum, instaurada em 11 de Dezembro de 2006, no Tribunal do Trabalho de Lamego, a A... do C... de D... e L... da 3.ª I... de S..., I... de S... S..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 18.102,27 — € 12.668,48 de indemnização de antiguidade por despedimento ilícito; € 2.000,00 de indemnização por danos morais; € 3.378,26 correspondente a retribuição de férias e respectivo subsídio, vencidos no início do ano da cessação do contrato de trabalho; e € 55,53 de retribuição de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao tempo de trabalho prestado no mesmo ano — com juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em suma, que, tendo, em 1 de Outubro de 2001, sido admitida ao serviço da Ré para, mediante contrato de trabalho sem termo, exercer, em regime de isenção de horário de trabalho, as funções de directora técnica, foi, em 4 de Janeiro de 2006, pelo Presidente da Direcção da Ré, despedida verbalmente, facto que lhe causou danos morais; mais alegou que a Ré não lhe pagou qualquer das importâncias que integram o pedido.

Na contestação, a Ré impugnou o alegado na petição quanto ao despedimento, negando que ele tenha ocorrido e contrapondo que a Autora se colocou na situação de abandono do trabalho, por não se ter apresentado ao serviço, após um período de baixa médica que terminou em 12 de Janeiro de 2006 — o que levou a contestante a comunicar-lhe, por carta datada de 30 de Janeiro de 2006, que considerava extinto o contrato —, conferindo à Ré o direito a reclamar da Autora uma indemnização no valor de € 3.378,26 e, caso se entenda não ter havido abandono do trabalho, a resolução do contrato imputável à demandante é ilícita, dando lugar a indemnização daquele valor a favor da Ré, a deduzir nos créditos salariais da Autora; aduziu, outrossim, que a Autora, ao invocar um despedimento que bem sabia não ter ocorrido, litiga de má fé; e concluiu no sentido de ser a acção julgada improcedente e «procedente a Reconvenção nos termos invocados» e a Autora condenada, como litigante de má fé, em multa e numa indemnização a favor da Ré, esta de montante não inferior a € 2.500,00.

A Autora apresentou articulado de resposta, no qual, entre o mais, solicitou a condenação da Ré, por litigância de má fé, em multa e em indemnização, correspondente às despesas do processo, que quantificou em € 2.300,00.

Saneado o processo e dispensada a condensação, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com registo magnetofónico das provas oralmente produzidas, e, lavrado, sem reclamações o veredicto sobre a matéria de facto com referência ao alegado nos articulados, veio a ser proferida sentença que decidiu declarar «ilícito o despedimento da Autora e, julgando a acção parcialmente procedente», condenar a Ré a pagar-lhe:
«- a quantia de € 3.433,79, a título de férias, subsídio de férias e de Natal vencidos durante a execução do contrato;
- a quantia de € 8.445,65, a título de indemnização em substituição da reintegração;
- juros de mora, à taxa legal, desde a data dos vencimentos das respectivas prestações até integral e efectivo pagamento, nos termos supra consignados;»

Decretou-se, quanto ao mais peticionado, a absolvição da Ré e julgou-se totalmente improcedente a reconvenção.

2. Para ver revogada tal decisão, a Ré interpôs recurso de apelação, no qual pediu a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentou não poder considerar-se ter ocorrido um despedimento, e defendeu, a entender-se o contrário, que a base de cálculo da indemnização haveria de ser fixada em 15 dias de retribuição base, por cada ano de antiguidade ou fracção, e não em 30 dias como decidira a sentença.

O Tribunal da Relação do Porto eliminou do elenco dos factos provados parte do que ali constava com referência ao modo por que cessou o contrato, concluiu que «não se verificou o despedimento da A.» e decidiu: «conceder parcial provimento à apelação, assim revogando a sentença recorrida na parte impugnada, que se substitui pelo presente acórdão em que se absolve a R. da indemnização de antiguidade e se confirma a mesma quanto ao mais».

Veio a Autora pedir revista, terminando a respectiva alegação, com as conclusões redigidas como segue:
«I. O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, não obstante, o Tribunal da Relação do Porto eliminou a alínea G) sem se descortinar qualquer desconformidade com os meios de prova oferecidos nos autos, nomeadamente com prova testemunhal.
II. A A. prestou a sua actividade de Directora Técnica, desde 01 do mês de Outubro de 2001 até ao dia 04 de Janeiro de 2006, com isenção de horário de trabalho, sob a autoridade e direcção da R., como ficou provado nos autos.
III. Pretendia a R. alterar não só o período normal de trabalho prestado pela A., como o seu horário de trabalho, alteração essa que não foi aceite pela A., sendo certo que dispõe o artigo 173.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que os horários individualmente acordados não podem ser alterados unilateralmente.
IV. A R., na pessoa do [ ]Presidente da Direcção, foi peremptória dizendo de forma clara e inequívoca que, caso a A. não aceitasse aquela alteração quanto à sua prestação de trabalho, não a queria para trabalhar com isenção de horário.
V. A A. foi alvo de despedimento verbal não só expressamente (“... não a quero cá mais para trabalhar só 3 horas...”) como tacitamente por actos reveladores da sua vontade, ao retirar do gabinete da A. todos os seus instrumentos de trabalho e objectos pessoais e ao afirmar “... não dou trabalho, não dou gabinete, não dou nada...”, sendo que tal factologia ficou dada como provada nos autos.
VI. Tal como é entendimento unânime deste Supremo Tribunal de Justiça, da Jurisprudência e da Doutrina, o despedimento caracteriza-se como uma declaração de vontade que se torna eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou dele é conhecida: pode ser expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação de vontade, ou pode ser tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade o revelam.
VII. No caso dos autos não estamos - como erradamente sugeriu o Tribunal da Relação - perante um despedimento sob condição, mas sim, de manutenção do contrato de trabalho sob condição (de alteração do horário de trabalho), uma vez que a R. só estava disposta a prosseguir a vigência do contrato de trabalho existente desde que a A. aceitasse uma alteração ao seu horário de trabalho.
VIII. Dispõe o artigo 12.º do Código do Trabalho que se presume a existência de um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição.
IX. Se, existindo um contrato de trabalho - como existia no caso sub judice -, a entidade empregadora retira ao trabalhador alguns daqueles elementos presuntivos (retirando-o da sua estrutura organizativa, destituindo-o de local e retirando-lhe os instrumentos de trabalho que possuía, impedindo-o de prestar a sua actividade de trabalho) podemos, a contrario, concluir que a entidade empregadora fez cessar unilateralmente o contrato de trabalho existente.
X. Foi a A. alvo de despedimento verbal e de facto, não só pelas afirmações proferidas, mas também pelos seus actos reveladores da sua vontade em fazer cessar aquele contrato de trabalho.
XI. Despedimento esse que é ilícito e, como tal, confere à A. o direito a ser paga nos termos constantes da douta decisão proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância.»

A recorrida não alegou.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em parecer a que as partes não reagiram, no sentido de ser negada a revista.

3. Face ao teor das conclusões formuladas pela recorrente, na sua alegação, são as seguintes as questões suscitadas no recurso:

— Saber se deve manter-se, no elenco dos factos provados, a matéria eliminada pelo Tribunal da Relação;

— Saber se ocorreu o despedimento verbal e/ou de facto da Autora.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. A matéria de facto provada foi, na 1.ª instância, descrita nos seguintes termos:

«A) Por efeito de um contrato de trabalho sem termo, celebrado verbalmente, a Autora foi admitida ao serviço, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, em 01 de Outubro de 2001, com a categoria profissional de directora técnica.
B) Mediante a remuneração mensal de 321.157$00 (correspondente a € 1.601,92).
C) E com isenção de horário de trabalho, atentas as especificidades das tarefas a desempenhar.
D) No exercício da sua actividade profissional cabia à Autora a organização e direcção técnica de apoio aos utentes do centro de dia e ao lar de idosos da Ré, localizado em Sendim-Tabuaço, designadamente a elaboração e programação das actividades e deslocações dos idosos, aquisição dos produtos alimentares para elaboração de refeições, fiscalização e orientação dos funcionários não administrativos, acompanhamento dos utentes internados no lar e elaboração de relatórios técnicos para a Segurança Social no âmbito dos protocolos assinados entre as instituições.
E) Funções essas que sempre desempenhou com zelo, abnegação e competência.
F) A Autora esteve ao serviço da Ré desde o dia 01 de Outubro de 2001 até ao dia 4 de Janeiro de 2006.
G) Nesta última data, a Autora foi despedida pelo Presidente da Direcção da Ré, que lhe disse que não a queria lá mais para trabalhar nas condições que tinha.
H) Naquele dia 04.01.2006, a Autora apresentou-se ao trabalho nas instalações da Ré, em Sendim, regressando ao trabalho, após ter estado de baixa médica desde o dia 02.11.2005.
I) E constatou-se que na sua ausência tinham sido retirados do gabinete que lhe estava distribuído e que sempre tinha utilizado como local de trabalho, todos os ficheiros dos utentes do L..., toda a documentação técnica e organizativa do apoio àqueles, livros e documentação científica e técnica da Autora, todos os instrumentos de trabalho e objectos pessoais que ali havia deixado quando iniciou a baixa médica.
J) Confrontada com tal situação a Direcção da Ré, na pessoa do seu Presidente, afirmou à Autora que só continuava a trabalhar para a Ré caso aceitasse a redução do salário que auferia e passasse a trabalhar em turnos, devendo nesse mesmo dia começar a trabalhar no turno das 15 às 24 horas.
K) O Presidente da Direcção da Ré, na ausência da Autora, afirmava publicamente que a mesma tinha um vencimento muito elevado.
L) Por carta datada de 10.01.2006, e recebida pela Ré em 12.01.2006, a Autora invocou o referido despedimento ilícito e reclamou da Ré o pagamento das férias e subsídio de férias vencidas e relativos ao trabalho prestado no ano de 2005, bem como a indemnização pela antiguidade, conforme resulta do teor do documento junto a fls. 31 a 32 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
M) Aquando da cessação do contrato de trabalho, a Autora auferia de vencimento mensal base a quantia de € 1.689,13 (mil seiscentos e oitenta e nove euros e treze cêntimos).
N) A Ré não pagou à Autora as férias vencidas e relativas ao trabalho prestado no ano de 2005, no montante de € 1.689,13.
O) Tal como não lhe pagou o subsídio de férias, também vencido e relativo ao trabalho prestado no ano de 2005, no montante de € 1.689,13.
P) Nem as férias, subsídio de férias e subsídio de natal proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2006, no montante de € 55,53.
Q) A Autora ficou abatida e indignada face ao despedimento.
R) A Autora, no dia 04 de Janeiro de 2006, recorreu a apoio médico e foi aconselhada a manter-se numa situação de incapacidade para o trabalho até 12.01.2006.
S) A Autora encontrava-se de baixa clínica até ao dia 12 de Janeiro de 2006, conforme documento junto com a P.I.
T) No dia 4 de Janeiro de 2006, pelas 9.00 horas da manhã, a Autora compareceu nas instalações da Ré e pediu para falar com o Presidente da Direcção, Sr. BB.
U) A Ré enviou à Autora a carta constante dos autos a fls. 75, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
V) À carta de 10 de Janeiro de 2006, recebida pela Ré, respondeu esta com uma outra de 17 de Janeiro do mesmo ano, constante dos autos a fls. 76 a 78, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
W) A Ré, por carta datada de 30 de Janeiro de 2006, dirigida à Autora, da qual esta tomou conhecimento, ao abrigo do disposto no art.º 450.º, n.º 4, do C.T., considerava extinto o contrato de trabalho por abandono do mesmo.
X) A Autora respondeu às cartas da Ré aludidas em U) e V) através da carta registada com aviso de recepção datada de 26 de Janeiro de 2006 e recebida na sede da Ré em 27.01.2006, junta a fls. 114 e 115 dos autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Y) A Autora respondeu à carta que a Ré lhe enviou datada de 30.01.2006 através de uma outra carta registada com aviso de recepção enviada pelo seu advogado no dia 08.02.2006 e recebida na sede da Ré em 09.02.2006, junta a fls. 117 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.»

2. No recurso de apelação, a Autora impugnou a decisão proferida sobre matéria de facto, propugnando a alteração do teor das alíneas G), J) e K).

O Tribunal da Relação procedeu à reapreciação das provas gravadas e concluiu ser de manter a decisão quanto aos pontos de facto constantes das alíneas J) e K).

Diferente foi o juízo daquele tribunal superior quanto à alínea G), que se traduziu na sua eliminação do elenco dos factos provados, fundada nas seguintes considerações:

«Contrariamente e salvo o devido respeito por diferente entendimento, não concordamos com o facto assente sob a alínea G) quando aí se refere que a Autora foi despedida pelo Presidente da Direcção da Ré, pois para além de se tratar, no contexto factual dos autos, de uma conclusão, não corresponde ao afirmado pelas testemunhas e está em contradição com a segunda parte, quando aí se refere que lhe disse que não a queria lá mais para trabalhar nas condições que tinha. Repare-se que o despedimento não é decretável sob condição, pois se trata sempre de acto unilateral, seja do empregador ou do trabalhador, pelo que à declaração de uma parte não tem de se aditar a declaração da parte contrária, para se saber se, aceite a condição, o despedimento se consumou. Pois se trata sempre de declaração unilateral receptícia que, recebida pela parte contrária, produz imediatamente os respectivos efeitos, independentemente da posição que o destinatário tome, ou não, no sentido da aceitação ou da rejeição, como melhor se explicitará na 2.ª questão.

Refira-se, por outro lado, que a expressão nas condições que tinha tem natureza conclusiva pelo que nenhuma das partes da matéria assente sob a alínea G) pode ser aproveitada.»

A Ré, na conclusão I da revista, defende que o Tribunal da Relação do Porto eliminou a referida alinea G), sem se descortinar qualquer desconformidade com os meios de prova oferecidos nos autos, nomeadamente com a prova testemunhal. No corpo da alegação, aduz a tal respeito, com base na sua apreciação da prova testemunhal, que «não se vislumbra aqui uma manifesta e clamorosa desconformidade com os factos constantes na primeira parte da alínea G), razão pela qual não deveria esta ser eliminada. Aduz, outrossim, que a expressão «nas condições que tinha», constante da segunda parte da mesma alínea e que o acórdão reputou de conclusiva, compreende a categoria profissional, a remuneração, a isenção de horário de trabalho e as funções desempenhadas, todas elas consideradas provadas, designadamente nas alíneas A) a D), e, assim, aquela expressão foi «utilizada no sentido de não repetir todas as alíneas anteriores já consideradas provadas, inexistindo, mais uma vez uma manifesta e clamorosa desconformidade com os factos provados com os meios de prova disponibilizados nos autos».

Como se vê do trecho do acórdão que se transcreveu, o tribunal eliminou a expressão a Autora foi despedida pelo Presidente da Direcção da Ré, por considerar que ela traduz, no contexto da acção, uma conclusão, em contradição com o teor da 2.ª parte da alínea em causa, e, além disso, não corresponde ao afirmado pelas testemunhas.

No que concerne ao juízo baseado no que foi afirmado pelas testemunhas, ele não pode ser censurado por este Supremo Tribunal, em face do disposto nos artigos 712.º, n.º 6, 721.º, n.º 1, 722.º, n.º 2 e 729.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, na versão anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto (doravante, abreviadamente, CPC) — versão aqui aplicável, atenta a data da propositura da acção.

Diversamente, no que diz respeito ao juízo de qualificação de uma expressão como conclusiva, cabe nos poderes do Supremo apreciar, ex officio, da sua correcção, por envolver a indagação, interpretação e aplicação de regras de direito (artigo 664.º do CPC), designadamente da regra contida no n.º 4 do artigo 646.º do CPC.

É assim, como se observou no Acórdão desde Supremo de 23 de Setembro de 2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.»

Só os factos concretos — não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, directamente, o sentido da decisão final do litígio — podem ser objecto de prova.

Assim, ainda que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.

Ora, a afirmação de que alguém despediu outrem pressupõe o apuramento de factos concretos susceptíveis de integrar o conceito de despedimento, subsunção que implica a formulação de um juízo de valor sobre realidades factuais — as declarações, através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de manifestação de vontade, ou actos equivalentes, que revelem, clara e inequivocamente, a vontade de fazer cessar, unilateralmente, a relação laboral.

A referida afirmação encerra, por conseguinte, um juízo de valor, que, no caso, se apresenta como determinante do sentido a dar à solução do litígio, a qual depende, inexoravelmente, do que, conclusivamente, for apurado quanto à verificação, ou não, do alegado despedimento da Autora.

Nesta conformidade, não merece crítica o acórdão da Relação, no ponto em que decidiu eliminar a expressão em causa.

No que que se refere à eliminação da segunda parte da mencionada alínea — «que lhe disse que não a queria lá mais para trabalhar nas condições que tinha» —, o Tribunal da Relação alicerçou-a na consideração de que a «expressão nas condições que tinha tem natureza conclusiva pelo que nenhuma das partes da matéria assente sob a alínea G) pode ser aproveitada».

Não podemos, com todo o respeito, anuir a tal entendimento:

A expressão «...nas condições que tinha» mostra-se inserida no contexto de uma declaração atribuída ao Presidente da Ré — «disse que não a queria lá mais a trabalhar...».

A mera afirmação de que alguém disse algo não comporta, em si, um juízo de valor sobre aquilo que se afirma ter sido dito; representa, sim, a expressão de uma realidade consubstanciada no teor da declaração, cuja percepção se atinge directamente através dos sentidos, não carecendo, para ser alcançada e afirmada, de suporte elaborativo intelectual no domínio dos conceitos e/ou da subsunção de factos nas categorias que eles traduzem; os termos da declaração, como realidades sensorialmente perceptíveis, são, assim, susceptíveis de prova, mesmo quando a declaração, que se alega ter sido produzida, contenha expressões que, de algum modo, representem conceitos, sínteses de cariz conclusivo de realidades factuais ou, mesmo, juízos de valor, visto que o que está em causa é a demonstração de que foram proferidas as expressões alegadamente utilizadas, e não dos conceitos que elas representam.

No assinalado contexto, a expressão «nas condições que tinha» não pode ser dissociada do todo que constitui a declaração atribuída ao representante da Ré, sobre cujos termos, como decorre das precedentes considerações, deve incidir a actividade probatória e o consequente veredicto — de provado ou não provado — que, não pressupondo a formulação de qualquer juízo de valor sobre a declaração e o modo como se exprimiu o seu alegado Autor — por isso que se têm como integrantes do thema probandum —, se apresenta como mero resultado da apreciação dos meios de prova atinentes às expressões contidas na alegada declaração.

Importa, nesta conformidade, concluir que não pode subsistir o que, sobre o ponto em análise, foi decidido pelo acórdão impugnado, do que decorre haver de recuperar-se, para o elenco dos factos provados, parte do teor da eliminada G) dos factos provados, que passará a ter a seguinte redacção:

G) Nesta última data, o Presidente da Direcção da Ré disse à Autora que não a queria lá mais para trabalhar nas condições que tinha.

3. Da existência do despedimento:

3. 1. A sentença da 1.ª instância acolheu a tese da Autora, para o que discorreu assim:

«Como se sabe, o despedimento tem de traduzir um comportamento ou declaração inequívoca da entidade empregadora e constitui ónus de prova do trabalhador.
Na situação trazida a juízo, face à factualidade acima provada, dúvidas não temos em afirmar que a Autora logrou provar o seu despedimento verbal. Com efeito, esta troca de palavras surge contextualizada: o Presidente da Direcção da Ré estava descontente com as condições de trabalho que tinham sido atribuídas à Autora, afirmava publicamente que a mesma tinha um vencimento muito elevado e queria reduzir-lho, tinha-lhe retirado o respectivo gabinete de trabalho e tendo em conta que a mesma beneficiava de isenção de horário de trabalho, decidiu ainda confrontá-la com a exigência de que a mesma efectuasse turnos diários de oito horas, determinando-lhe que, naquele dia, iniciasse o turno das 15 às 24 horas.
Ficou, pois, sobejamente provado que a Autora estava a ser alvo de despedimento, caso não aceitasse as imposições do Presidente da Direcção da Ré, o que, de facto, não aceitou.
Mais se apura que, nesse mesmo dia, a Autora recorreu a apoio médico e foi aconselhada a manter-se na situação de incapacidade para o trabalho até 12.01.2006, sendo certo que na carta dirigida à Ré, datada de 10 de Janeiro de 2006 e por aquela recebida a 12.01.2006, a Autora informou que considerava estar a ser alvo de um despedimento ilícito e que, se não fosse o facto de ter sido despedida verbalmente pelo Presidente da Direcção da Ré, seria ela própria a resolver tal contrato com justa causa (comunicação que, como é bom de ver, impedia que a Ré considerasse que a Autora tinha abandonado o seu trabalho, tendo presente o disposto no artigo 450.º, n.os 1 e 2 do Código do Trabalho).
[...]
É evidente, pois, perante os factos apurados, que à carta enviada pela Ré à Autora, constante dos autos a fls. 75, e recebida a 12 de Janeiro desse ano, nenhum efeito jurídico pode ser atribuído — tratou-se de um "arrependimento" juridicamente irrelevante — na medida em que a intenção e declaração de despedimento já tinham chegado à destinatária (resolvendo o contrato vigente).
Por outro lado, ao contrário do que defendia a Ré, o facto de a Autora ter comunicado que se encontraria em baixa médica até ao dia 12 de Janeiro de 2006, conforme documento médico junto com a P.I., não a impedia de regressar ao trabalho em momento anterior, por ter ultrapassado a situação de doença em que se encontrava (o que fez em total obediência ao disposto no artigo 334.° do Código do Trabalho).»

Diferente foi entendimento do Tribunal da Relação que, para concluir que não se verificou o despedimento e após tecer considerações genéricas sobre a noção de despedimento, observou:

«Da prova produzida em audiência, espelhada nos factos dados como assentes pelo Tribunal a quo, excepção feita à referida eliminação, resulta com clareza, sobretudo depois de decidida a impugnação da decisão da matéria de facto, que a apelante – pela voz do seu [ ]Presidente da Direcção – estava disposta a prosseguir a vigência do contrato de trabalho existente com a apelada, desde que esta aceitasse, em vez das 3 ou 4 horas de trabalho que diariamente lhe prestava, passar a trabalhar 7 ou 8 horas por dia e no turno das 15 às 24 horas, o que não foi aceite. Tal não significa que a R. tenha despedido a A., mas apenas que as partes não estavam de acordo com a forma como o contrato vinha sendo executado: “... não a quero cá mais para trabalhar só 3 horas, tem de trabalhar 8 horas ...” ou “... se quiser trabalhar, vem fazer o turno das 3 e meia à meia-noite...”.
Ora, traduzindo-se o despedimento num direito potestativo do empregador que, uma vez exercido, produz inelutavelmente [automaticamente] os seus efeitos na esfera jurídica do trabalhador, a sua consumação não carece de qualquer declaração ou da prática de qualquer acto por banda do trabalhador, a significar que se trata de um negócio jurídico unilateral. Produzida a declaração por parte do empregador, o trabalhador não tem de aceitar a declaração para que o negócio fique perfeito, tal acontecendo, como referido, logo que a declaração é recebida pelo trabalhador. Tal significa que não há, hoc sensu ,despedimento sob condição.
In casu, a A. considerou-se despedida face às exigências do referido Sr. [ ]Presidente da Direcção da apelante, sem experimentar apresentar-se ao serviço às 9 horas, hora habitual de início do seu trabalho como, a nosso ver, poderia ter feito. É que, sendo a situação duvidosa para ambas as partes, certo é que é sobre a A. que recai o ónus da prova do despedimento pelo que, face a este non liquet, será também ela a ter de suportar as correspondentes desvantagens, atento o disposto nos Art.os 342.º, n.º 1 do Cód. Civil e 516.º do Cód. Proc. Civil. Por isso, seria de elementar prudência que a A. se tivesse apresentado ao serviço nas condições que entendia ter direito, esperando depois a reacção do empregador, para se saber se mantinha ou não a posição tomada em 2006-01-04.
Poderia a A., face às dificuldades e às dúvidas suscitadas, optar por aceitar as novas condições de trabalho, mas fazê-lo sob protesto (*), reservando-se o direito de mais tarde demandar a apelante em procedimento cautelar comum para que o Tribunal declarasse se devia ou não aceitar a prestação de trabalho por turnos de 7 ou 8 horas, por exemplo. Na verdade, actualmente, a forma de remover as dúvidas e simultaneamente acautelar o direito consiste em lançar mão deste meio processual novo no direito laboral que é o procedimento cautelar comum, sendo certo que ele, embora inominado, é, na definição da doutrina, aplicável a um certo número de casos, sendo um deles, exactamente, a alteração do horário de trabalho(*).
Ao contrário, a A. considerou o comportamento do Sr. [ ]Presidente da Direcção da apelante como um despedimento, sendo certo que embora pudesse existir a vontade de o decretar, a verdade é que tal ainda não tinha ocorrido.»

A Autora critica este juízo, defendendo, em suma, que foi alvo de despedimento verbal e de facto, não só pelas afirmações proferidas, mas também por actos reveladores da vontade da Ré em fazer cessar o contrato de trabalho, alegando como decisivo, do seu ponto de vista, não se tratar de um despedimento sob condição, mas de manutenção do contrato sob condição e, por outro lado, ter ela sido retirada da estrutura organizativa da Ré, destituída de local e instrumentos de trabalho e impedida de prestar a sua actividade.

3. 2. Os factos em apreciação ocorreram depois de 1 de Dezembro de 2003 e muito antes da publicação da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, por isso que têm inteira aplicação ao caso — como consideraram as instâncias, sem discordância das partes — as disposições que, no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, disciplinam a matéria, atento o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, 1.ª parte, desta última Lei, e no artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, que procedeu à revisão daquele compêndio de normas.

O Código do Trabalho não contém, como a legislação a que sucedeu não continha, a definição de despedimento, conceito que, na acepção que ao caso interessa, segundo a doutrina e a jurisprudência, se traduz na ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho — cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição (Reimpressão), Verbo, Lisboa, 1996, p. 478 —, acto esse de carácter receptício, o que significa que, para ser eficaz, nos termos do artigo 227.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil, implica que o atinente desígnio deve ser levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação de vontade — declaração negocial expressa, tal como prevê a 1.ª parte do artigo 217.º do Código Civil —, ou que possa ser deduzida de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem — declaração negocial tácita, nos termos da 2.ª parte do mesmo artigo 217.º —, declaração dotada, em qualquer caso, do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário — sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º 1, do artigo 236.º do Código Civil — e que, como tal, seja entendida pelo trabalhador (cfr., entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 27 de Janeiro de 2005 (Processo n.º 924/04), de 10 de Março de 2005 (Processo n.º 3153/04), de 19 de Maio de 2005 (Processo n.º 3678/04), e de 13 de Julho de 2005 (Processo n.º 916/05) e de 13 de Setembro de 2007 (Processo n.º 4191/06) — todos sumariados em www.stj.pt, Jurisprudência/ Sumários de Acórdãos/Secção Social).

A referida inequivocidade visa, como se observou no Acórdão deste Supremo de 7 de Março de 1986 (Documento n.º SJ198603070012554, em www.dgsi.pt), “tanto evitar o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal”.

3. 3. Os factos a ter em consideração são os seguintes:

— No dia 4 de Janeiro de 2006, pelas 9.00 horas, a Autora, que se encontrava de baixa médica, iniciada em 2 de Novembro de 2005 e com termo previsto para 12 de Janeiro de 2006, compareceu nas instalações da Ré, apresentando-se ao trabalho;

— Na sua ausência, tinham sido retirados do gabinete que lhe estava distribuído e que sempre tinha utilizado como local de trabalho, todos os ficheiros dos utentes do Lar, toda a documentação técnica e organizativa do apoio àqueles, livros e documentação científica e técnica da Autora, todos os instrumentos de trabalho e objectos pessoais que ali havia deixado quando iniciou a baixa médica;

— Confrontado com tal situação, na ocasião em que a Autora se apresentou, o Presidente da Direcção da Ré disse-lhe que não a queria lá mais para trabalhar nas condições que tinha e afirmou-lhe que só continuava a trabalhar para a Ré caso aceitasse a redução do salário que auferia e passasse a trabalhar em turnos, devendo nesse mesmo dia começar a trabalhar no turno das 15 às 24 horas;

— Por carta datada de 5 de Janeiro de 2006, a Ré comunicou à Autora que quando retomasse o trabalho teria à sua disposição o gabinete de trabalho que ocupava no exercício das suas funções, o qual fora, apenas durante o período de baixa, temporariamente ocupado, por manifesta necessidade dos serviços da insituição;

— Por carta datada de 10 de Janeiro de 2006, recebida pela Ré dois dias depois, a Autora comunicou à Ré que, em face do ocorrido no dia 4 daquele mês, se considerava ilicitamente despedida, e reclamou da Ré o pagamento das férias e subsídio de férias vencidas e relativos ao trabalho prestado no ano de 2005, bem como a indemnização pela antiguidade.

3. 4. Em ordem a apurar se a factualidade disponível configura um despedimento verbal, portanto, através de declaração negocial expressa, importa determinar se, das palavras dirigidas à Autora, pelo Presidente da Direcção da Ré, no contexto em que o foram, poderia um declaratário medianamente instruído e diligente, colocado na situação concreta, deduzir, clara e inequivocamente, que, através delas, aquele quis pôr termo ao contrato.

O sentido que um declaratário normal poderia colher das palavras utilizadas no dito contexto era, essencialmente, o de que a Ré pretendia alterar as condições do contrato — «não a queria lá mais a trabalhar nas condições que tinha» —, concretamente quanto ao montante do salário e ao horário de trabalho — «só continuava a trabalhar para a Ré caso aceitasse a redução do salário que auferia e passasse a trabalhar em turnos, devendo nesse mesmo dia começar a trabalhar no turno das 15 às 24 horas».

Com efeito, em termos de manifestação da vontade, por parte da Ré, de pôr fim à relação laboral, a expressão «não a queria lá mais a trabalhar», no contexto em que foi utilizada, perde o sentido literal que teria se isoladamente proferida, assumindo, no referido contexto, o significado de representar um desígnio de efectivação condicionada a uma eventual, expressamente solicitada, manifestação de vontade (recusa de aceitação das alterações indicadas) da parte contrária, quanto à modificação do objecto do contrato.

Como, bem, observa a Exma. Magistrada do Ministério Público, no douto parecer que exarou nos autos, tendo a entidade patronal feito depender a manutenção do contrato, das indicadas condições, era à Autora que cabia decidir se a relação laboral se deveria manter ou não, no primeiro caso, quer aceitando as condições, quer recorrendo aos meios legalmente disponíveis, em ordem a obter o cumprimento do contrato, tal como fora celebrado e vinha sendo executado, e no segundo caso, resolvendo o contrato, com invocação de justa causa, nos termos prevenidos nas disposições combinadas dos artigos 441.º, 396.º, 120.º e 122.º do Código do Trabalho.

Diz a recorrente que não estamos perante um despedimento sob condição, mas da «manutenção do contrato de trabalho sob condição (de alteração do horário de trabalho), uma vez que a R. só estava disposta a prosseguir a vigência do contrato de trabalho existente desde que a A. aceitasse uma alteração ao seu horário de trabalho».

Não parece que este modo de interpretar o alcance da declaração negocial em causa altere os dados do problema e da solução que se impõe, no sentido de que não se verificou o despedimento; pelo contrário, até concorre nesse sentido, na medida em que a interpretação assim propugnada, segundo a qual a declaração da Ré exprimiu a vontade de manter o contrato sob condição, há-de forçosamente excluir a interpretação de que, por tal declaração, a Ré quis, naquele momento, pôr fim ao contrato.

É de referir que a normalidade do declaratário – medianamente instruído e diligente – que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante — como observam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1967, pp. 152/153 —, por isso que, face a uma situação de eventual dúvida, suscitada pelos termos em que o Presidente da Direcção se dirigiu à Autora, não estava esta dispensada do cuidado de obter mais elementos a fim de se esclarecer sobre a vontade real da Ré.

Em suma, face ao que vem de ser dito, e corroborando-se, na sua essencialidade, as considerações adrede vertidas no acórdão impugnado, não pode ter-se por verificado o despedimento verbal.

Improcede, assim, o que a tal respeito vem alegado nas conclusões III a VIII e X da revista.

3. 5. Pretendendo ter ocorrido um despedimento de facto (ou tácito), defende a recorrente que a Ré praticou actos reveladores da vontade de proceder ao despedimento, «ao retirar do gabinete da A. todos os seus instrumentos de trabalho e objectos pessoais», impedindo-a de prestar a sua actividade.

Já acima se aludiu à previsão do n.º 1 do artigo 217.º do Código Civil, que consigna duas modalidades da declaração negocial: expressa e tácita. A última, de acordo com a parte final do preceito, é a que «se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam», sendo que o vocábulo factos tem aqui o significado de atitudes ou comportamentos assumidos por aquele a quem se imputa a manifestação de vontade orientada em determinado sentido negocial.

Trata-se de condutas declarativas (factos concludentes) que, não aparecendo como visando directamente, de modo frontal, a exteriorização da vontade que se considera declarada por essa forma, permitem, desde que revestidas de um grau de inequivocidade aferido por um critério prático — inspirado nos usos da vida e naquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões —, que um destinatário de tais comportamentos declarativos, dotado de normal capacidade de entendimento e medianamente diligente, deles infira, que o declarante, em via imediata, oblíqua e lateral, quis também exteriorizar a sua vontade em determinado sentido não directa e frontalmente expresso — cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 9.ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 131-133.

Está demonstrado que, durante o período de baixa por doença da Autora, que teve início em 2 de Novembro de 2005 e estava previsto terminar em 12 de Janeiro de 2006, foram, pela demandada, retirados do gabinete habitualmente usado por aquela todos os ficheiros dos utentes do L..., toda a documentação técnica e organizativa do apoio àqueles, livros e documentação científica e técnica da Autora, todos os instrumentos de trabalho e objectos pessoais que ali havia deixado quando iniciou a baixa médica.

Este facto, aferido, pelo critério prático a que se aludiu, por um trabalhador medianamente instruído e diligente, não pode — nas circunstâncias concretas em que ocorreu e em que perdurou a situação por ele orignada —, por si só, ser tido com exteriorização indirecta da vontade de fazer cessar o contrato.

Com efeito, não pode esquecer-se que a Autora se apresentou ao trabalho oito dias antes da data prevista para o termo final da baixa, circunstância que perturba a formulação, com base exclusivamente na dita situação, de um juízo seguro sobre a real intenção da Ré.

Por outro lado, tendo-se provado que, no episódio ocorrido aquando da imprevista apresentação ao trabalho, à Autora foi dito que, caso aceitasse a redução do salário que auferia e passasse a trabalhar em turnos, devia nesse mesmo dia começar a trabalhar no turno das 15 às 24 horas, retira virtualidade ao facto relacionado com o gabinete de trabalho para ser encarado como declaração tácita de vontade de extinguir o contrato.

Não está, assim, presente, na situação que à Autora se deparou no gabinete de trabalho, o grau de inequivocidade indispensável para dela se poder deduzir uma manifestação, por parte da Ré, da vontade de fazer cessar a relação laboral.

Esta conclusão não contende, de modo algum, com a norma do artigo 12.º do Código do Trabalho, invocado pela recorrente, preceito que, visando a inversão do ónus da prova, estabelece a presunção da existência de um contrato de trabalho, verificados que sejam determinados índices de cariz factual, mas nada dispõe, directa ou reflexamente, sobre a declaração negocial, suas modalidades e eficácia, no âmbito do contrato de trabalho.

Deste modo, também, não procede o que, a propósito, se mostra alegado nas conclusões VIII a X.
III

Em face do exposto, decide-se negar a revista.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 21 de Outubro de 2009.

Vasques Dinis (Relator)
Bravo Serra
Mário Pereira