Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2934/10.5TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: DECLARAÇÃO
DESPEDIMENTO DE FACTO
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO/ MODALIDADES DO CONTRATO DE TRABALHO / COMISSÃO DE SERVIÇO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 607.º, N.º5, 662.º, N.º1 E N.º2 ALS. C) E D), 674.º, N.º 3, 682.º, N.º 2 E N.º 3.
CÓDIGO DE TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGO 164.º, N.º1, ALS. A) E B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21-10-2009, PROCESSO N.º 272/09.5YFLSB,
-DE 07-04-2011, PROCESSO N.º 1180/07.0, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. O despedimento de facto terá de extrair-se de atitudes do empregador que revelem, inequivocamente, ao trabalhador, enquanto declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a vontade do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho.

2. A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.

3. Se na pendência do contrato de trabalho outorgado, a R. Empregadora: (i) deixa de atribuir quaisquer funções ou cargos ao trabalhador; (ii) não renova o aluguer da viatura e cancela o telemóvel, que, no âmbito do mesmo contrato, lhe havia atribuído; (iii) cancela os seguros de saúde, contrariando o acordado no sentido de que tal cancelamento só ocorreria no caso de denúncia do contrato pelo trabalhador ou de despedimento com justa causa pela Empregadora; (iv) retira-lhe todas as parcelas da retribuição que auferia, tais atitudes revelam, com o grau de inequivocidade decorrente de um «critério prático inspirado nos usos da vida e naquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões», um despedimento de facto.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I - RELATÓRIO

1. No Tribunal do Trabalho de Lisboa [2º Juízo – 2ª Secção], AA intentou contra BB, SGPS, S.A. acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:

i. O montante de € 272.099,95, a título de indemnização por despedimento ilícito; e

ii. O montante de € 100.000,00, a título de indemnização por danos morais.

 

2. Alegou para tanto:
· Celebrou com a ré, em 18.12.2006, um contrato de trabalho, em regime de comissão de serviço, mediante o qual passou a exercer funções de gestor de negócios da ré no mercado angolano e internacional, pelo que em cumprimento do mesmo, em 16.01.2007, foi nomeado administrador da CC, por um período de três anos e, em Março de 2007, foi nomeado vogal do Conselho de Administração da sociedade DD, passando, desde então, a desempenhar funções executivas delegadas na sociedade CC, por um período de três anos, funções que desempenhou até 09.06.2009, data em que, por ocasião da Assembleia Geral da referida empresa e por proposta da accionista DD, foi destituído e substituído nas suas funções pelo Sr. EE, o que inviabilizou a sua presença em Angola e determinou o seu regresso a Portugal, em 11.06.2009.
· Até à exoneração do seu mandato e tendo em consideração a necessidade de planear atempadamente as alterações que resultariam do termo antecipado daquele, o autor solicitou à ré, na pessoa do seu presidente do conselho de administração, Sr. FF, e do seu administrador, Eng. GG, que o informassem das condições em que prosseguiria a sua prestação de trabalho, no âmbito do contrato celebrado entre autor e ré e após a cessação das suas funções de administrador delegado da CC, S.A.R.L, mas a ré nada decidiu até à data da efetiva cessação de funções do autor na referida sociedade.
· Chegado a Portugal, apressou-se o autor a reunir com os representantes da sua entidade patronal, por forma a esclarecer a sua situação profissional, disponibilizando-se a trabalhar onde aquela considerasse conveniente, tendo ficado a aguardar uma decisão por parte da sua entidade patronal sobre uma de duas alternativas: manutenção do contrato, determinando onde e como passaria o autor a prestar a sua obrigação ou, se porventura não conjeturasse outra alternativa, denúncia do contrato nos termos previstos no ponto 10.5 do mesmo, decisão que a ré se escusou a tomar.
· Apesar disso, a ré continuou a assumir, pelo menos até Junho de 2010, uma parte da retribuição do autor, sendo que, em Novembro de 2009, a ré não renovou o aluguer da viatura que havia sido atribuída ao autor; em 31 de Maio de 2010, sem qualquer justificação cancelou os seguros de saúde, referidos no contrato de trabalho e na mesma data cancelou o telemóvel que também tinha atribuído ao autor.
· Esta atuação da ré, aliada ao incumprimento de outras obrigações contratuais configuram um despedimento de facto por parte daquela, sem qualquer processo disciplinar e sem que tenha ocorrido justa causa, pelo que se trata de um despedimento ilícito que lhe confere o direito a receber da ré a indemnização prevista no contrato para a denúncia ou rescisão sem justa causa, acrescentando, ainda, que sofreu danos morais que devem ser ressarcidos.

         3. Realizada a audiência de partes, e não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação da R. para contestar, vindo a mesma a apresentar contestação em que invocou, essencialmente:
· Até ao regresso do autor a Portugal, nunca foi informada por este sobre a efetiva cessação das suas funções como administrador delegado da CC e de administrador da DD, nem sobre a concreta evolução da sua situação perante aquelas duas sociedades, para que pudessem ser atempadamente proporcionadas as condições necessárias de uma alternativa para a sua permanência em funções em Angola e que, em contrapartida da cessação definitiva das suas funções em Angola, recebeu uma quantia global de aproximadamente USD 2 365,000.
· Nunca consentiu nem acordou com o Autor o regresso antecipado do mesmo a Portugal, tendo sido o autor que abandonou as funções que se obrigou a prestar ao serviço da ré em Angola e se colocou deliberadamente em situação de não poder cumprir o seu contrato de trabalho naquele país, pelo que o contrato cessou por iniciativa do autor, não tendo direito a qualquer crédito decorrente desse contrato de trabalho, nomeadamente a quaisquer prestações retributivas ou outros benefícios naquele estipulados, pelo menos desde Junho de 2009, incluindo todos os que, temporariamente e por mera tolerância da ré, esta ainda manteve enquanto se prolongaram os contactos sobre a possibilidade de cessação antecipada do contrato de trabalho, e também não tinha nem tem qualquer direito a ser reocupado em Portugal antes de Janeiro de 2012.
· Em reconvenção, invocou que o abandono pelo autor das funções e atribuições em Angola e a infracção, pelo menos, dos deveres de cuidado, de informação e de lealdade, causou-lhe perda de benefícios pela diminuição direta de resultados da CC verificada no 2º semestre de 2009.
· Concluiu no sentido da improcedência da ação e procedência da reconvenção com a condenação do autor a pagar-lhe uma quantia total não inferior a € 2.155.000,00 acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a notificação do pedido reconvencional e até integral pagamento.

         4. O A. respondeu à contestação, pugnando pela improcedência das excepções invocadas e do pedido reconvencional. Invocou, de igual passo, a litigância de má fé por parte da R.

5. A ré respondeu à imputada litigância de má fé, alegando que esta não se verifica.

6. Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador e admitido o pedido reconvencional, tendo sido dispensada a seleção da matéria de facto.

7. Realizada a audiência de julgamento, foi proferido despacho decisório relativo à matéria de facto, que não sofreu reclamação.

8. A sentença concluiu com o seguinte decisum:
«A) Julgar improcedente a presente ação interposta pelo Autor AA contra a Ré BB, SGPS, S.A. e, consequentemente, absolve-se a Ré do pedido contra si formulado pelo Autor.
B) E julgar improcedente o pedido reconvencional formulado pela Ré BB, SGPS, S.A. contra o Autor AA e, consequentemente, absolve-se o Autor do pedido contra si formulado pela Ré.

Custas pelo Autor e pela Ré, na proporção de 15/100 e 85/100 respetivamente.»

9. Inconformado com esta decisão, o A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

         10. Aqui, por Acórdão de 4 de dezembro de 2013, foi deliberado:
· «Julgar a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida na parte em que absolveu a ré do pagamento, ao autor, de uma indemnização por despedimento ilícito;
· Julgar parcialmente procedente por provada a ação e, em consequência, condenam a Ré, BB S.G.P.S., S.A., a pagar ao autor, AA, pelo despedimento ilícito que lhe moveu, as quantias resultantes da aplicação das cláusulas 10.5 e 10.13 do contrato de trabalho celebrado entre ambas as partes (onde se incluem os valores da viatura e telemóvel que lhe foram atribuídos, bem como do seguro de saúde vitalício e complemento de reforma vitalício), a apurar em incidente de liquidação.
· No mais, em manter a sentença recorrida.
· Custas pelas partes na proporção do respetivo decaimento.»

         10. Irresignada, a R. recorre de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, na pretensão de ver revogado o acórdão recorrido e ser absolvida do pedido, rematando a respetiva motivação recursiva com as seguintes conclusões:

A. No domínio da cessação de Contrato de trabalho, por iniciativa do empregador, a vontade de pôr termo ao contrato há-de ser inequívoca, não sendo de admitir o despedimento tácito com a amplitude decorrente do art. 217º do Código Civil e, muito menos, o despedimento presumido.

B. Apenas se admitem os chamados "despedimentos de facto", corporizados numa atitude inequívoca do empregador que é levada ao conhecimento do trabalhador, quer através de palavras, quer através de atos equivalentes, que revelem, clara e inequivocamente, a vontade de fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho e, como tal, sejam entendidos pelo trabalhador.

C. A interpretação da declaração negocial do empregador está submetida aos critérios definidos nos artigos 236º e seguintes do Código Civil, valendo com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento da pessoa que as proferiu, salvo se esta não puder razoavelmente contar com ele ou se outra for a vontade do declarante e esta for conhecida do declaratário.

D. A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da verdade real do declarante, pelo que, perante uma eventual dúvida, suscitada pelos termos em que o empregador se dirigiu ao trabalhador, não está este dispensado do cuidado de obter mais elementos a fim de se esclarecer sobre a vontade real daquele.

E. O contrato de trabalho discutido nos autos não cessou por iniciativa da aqui Recorrente, na data - 09-06-2009 - em que o Recorrido foi destituído das suas funções e cargo de administrador-delegado da CC.

F. O Recorrido não informou antecipadamente e/ou em tempo útil a Recorrente, nomeadamente desde Outubro de 2008 até Junho de 2009, sobre o desenvolvimento da sua situação em Angola e o seu regresso extemporâneo - O Recorrido não o alegou e os factos provados não o demonstram.

G. O Recorrido propôs-se assim impor à Recorrente o seu regresso a Portugal e uma alteração contratual, incluindo das suas funções, não negociada nem querida pela última, bem sabendo que não tinha ainda decorrido o prazo de cinco anos de execução do contrato de trabalho e que tal regresso não tinha sido determinado pela Recorrente.

H. Findo um longo período de conversações e negociações - decorrido entre outubro de 2008 e maio de 2009 - o Recorrido, mormente confrontado com a descontinuação pela Recorrente de alguns dos benefícios que lhe continuaram a ser garantidos, não procurou a Recorrente, não se apresentou nas instalações desta, nomeadamente para trabalhar, o que não estava impedido de fazer, ou, no mínimo, não interpelou a Recorrente por escrito tentando obter um esclarecimento, inequívoco, sobre a sua situação - o Recorrido também não o alegou e os factos provados não o demonstram como tudo seria de manifesta prudência para se certificar do suposto despedimento que veio invocar nestes autos.

I. Mesmo a poder imputar-se à Recorrente violação de obrigações contratuais laborais - no que não se concede - e que sobre a mesma impenderia a inerente responsabilidade contratual e mesmo contra-ordenacional, não deixa de ser necessário para que possa concluir-se pela verificação de um despedimento do Recorrido pela Recorrente que, concomitantemente com tais supostas violações, se descortine nessa situação objectiva um comportamento inequivocamente revelador da vontade de fazer cessar o contrato.

J. Os factos provados não revelam nem permitem inferir esse comportamento da Recorrente inequivocamente revelador da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho celebrado com o Recorrido.

K. Incumbia ao Recorrido, nos termos do artigo 342°, nº 1 do Código Civil, o ónus de demonstrar o seu despedimento pela Recorrente, ou seja, o dever de provar que esta assumiu uma conduta inequivocamente reveladora da sua (da Recorrente) vontade de pôr termo ao Contrato de Trabalho.

L. Não tendo o Recorrido logrado fazer a prova do seu suposto despedimento, como lhe incumbia, merece censura o acórdão aqui impugnado que conclui em sentido oposto.

M. Foram erradamente aplicados os artigos 217°, 236º e 342, nº 1, do Código Civil.

11. Contra-alegou a R., pugnando no sentido da improcedência da Revista.

12. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer, onde concluiu:

«Ante esta facticidade, bem como perante o comportamento gradual que a R. foi tendo para com o A., após o regresso deste a Portugal, nomeadamente não lhe tendo atribuído quaisquer funções, tendo cancelado o pagamento da retribuição base, não renovando o aluguer da viatura que lhe fora atribuída, tendo ainda cancelado os seguros de saúde, bem como o telemóvel atribuído, afigura-se-nos dever concluir-se, tal como o faria um declaratário normal, ter havido por parte da R., uma vontade inequívoca de pôr termo ao contrato, configurando-se pois um despedimento tácito, pelo que, SMO, o recurso deveria improceder, antes devendo ser confirmado o Acórdão em crise.»

13. Notificado este Parecer às partes, a Recorrente manteve a posição assumida na motivação do recurso, dizer: que a matéria de facto provada não permite inferir um comportamento da Recorrente inequivocamente revelador da sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho celebrado com o recorrido.

14. Distribuído o projeto pelos Exmos. Adjuntos, é altura de decidir.


*

II Fundamentação de facto

Na instância recorrida, foram considerados provados os seguintes factos:

1. A Ré é uma Sociedade Comercial Anónima, que tem por objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas.

2. A Ré desenvolve alguns negócios em Angola, tendo, em 2006, iniciado atividade no setor dos cimentos.

3. A Ré deteve 30% do capital social da empresa angolana DD - Sociedade de Investimentos e Participações S.A, que, por sua vez era titular de 49% do capital social da sociedade CC, S.A.R.L, e que, em 30 de outubro de 2006, havia celebrado, com a DD Sociedade de Investimentos e Participações S.A, um contrato de prestação de serviços onde se comprometeu a prestar, a esta última e às empresas sob o seu domínio, por um prazo de sete anos, com inicio em 1 de dezembro de 2006, serviços técnicos de administração e gestão.

4. Autor e Ré celebraram, em 18 de dezembro de 2006, um contrato que apelidaram de “Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço” nos termos do qual:
“(…)A PRIMEIRA CONTRATANTE é a legítima titular, direta e indiretamente, de 30% do capital social da DD - SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES, SA com sede em Luanda, Rua …, nº ...
A PRIMEIRA CONTRATANTE pretende contratar os serviços do SEGUNDO CONTRATANTE para afetar aos seus negócios no mercado Angolano e Internacional na Atividade Cimenteira, desenvolvidos, direta e indiretamente, através da DD SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES, S.A. ("DD”), com eventual acompanhamento de outras fábricas ou investimentos que sejam detidos pela PRIMEIRA CONTRATANTE noutros países limítrofes, considerando-se como tal aqueles países cuja distância de Angola não ultrapasse três horas de voo.
O SEGUNDO CONTRATANTE possui ampla experiência no setor dos Cimentos;
Embora ao serviço da PRIMEIRA CONTRATANTE, atendendo à natureza das tarefas a desempenhar pelo SEGUNDO CONTRATANTE o resultado da sua prestação poderá ser em beneficio de outras entidades que a PRIMEIRA CONTRATANTE venha a indicar nas quais detenha ou venha a deter, direta ou indiretamente, participação ou interesses, nomeadamente na Sociedade CC, S. A. (“CC”),
É livremente e de Boa-Fé celebrado o presente contrato de Comissão de serviço (“Contrato”) o qual se regerá pelas seguintes cláusulas:

Objeto
O SEGUNDO CONTRATANTE é admitido pela PRIMEIRA CONTRATANTE, sob o regime de comissão de serviço, para desempenhar com lealdade, zelo, diligência, assiduidade e competência as funções de gestor de negócios da PRIMEIRA CONTRATANTE no mercado angolano e internacional, sem prejuízo do preceituado no considerando B) e, a partir de determinado momento, e nos termos adiante previstos, no mercado nacional.

2 Direitos e Deveres
2.1 Todos os direitos e deveres dos Contratantes são regulados pelo presente Contrato e pelas disposições legais que a cada momento se encontrem em vigor;
2.2 No desempenho das suas funções ao abrigo do Contrato o SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a empregar a diligência exigível a um gestor criterioso competindo-lhe esforçar-se por defender da melhor forma possível, e no respeito da lei, dos seus deveres enquanto gestor, os interesses da Primeiro Contratante;
2.3 Especificadamente o SEGUNDO CONTRATANTE deverá na vigência do Contrato e desde que no respeito da lei e dos seus deveres enquanto gestor:
A) Desempenhar as funções que fazendo parte do objeto contratual lhe sejam indicadas pela PRIMEIRA CONTRATANTE e manter-se nos cargos para os quais nos termos do presente Contrato, venha a ser designado eleito ou por qualquer forma indicado;
B) Desenvolver todos os atos necessários à prossecução e realização dos objetivos estratégicos da PRIMEIRA CONTRATANTE e suas participadas;
C) Desempenhar as suas funções conjuntamente e num clima de boa colaboração profissional com as outras pessoas designadas para a gestão dos negócios cimenteiros da PRIMEIRA CONTRATANTE e suas participadas;
D) Proteger, promover e desenvolver por todos os meios ao seu dispor os interesses e reputação da PRIMEIRA CONTRATANTE e suas participadas;
E) Prestar todas as informações esclarecimentos e assistência que lhe venham a ser solicitadas pelo Conselho de Administração da Primeira CONTRATANTE;

F) Exercer as suas funções em regime de exclusividade e não concorrência;
G) Manter o Conselho de Administração da PRIMEIRA CONTRATANTE adequadamente informado dos atos que pratique e revelar àquele todas as Informações relativas a atos que tenha praticado ou de que tenha conhecimento que possam ser prejudiciais para os interesses e/ou reputação da PRIMEIRA CONTRATANTE;
H) Guardar sigilo sobre as matérias de que tome conhecimento durante a execução do Contrato, nos termos adiante definidos;
2.4 A Primeira Contratante obriga-se, por si e pelas suas participadas durante o período de execução do Contrato a proporcionar ao SEGUNDO CONTRATANTE as condições adequadas ao desempenho do seu cargo tendo em conta a prossecução dos interesses da PRIMEIRA CONTRATANTE: respeitando integralmente a autonomia técnica do SEGUNDO CONTRATANTE
2.5 A PRIMEIRA CONTRATANTE obriga-se a envidar os seus melhores esforços no sentido da obtenção de um título de entrada e permanência de SEGUNDO CONTRATANTE e da sua companheira HH durante todo o período em que aquele resida em Angola em virtude da execução do contrato (….)

Início e Termo
4.1 O Contrato é celebrado nos termos da legislação Portuguesa aplicável à comissão de serviço tendo uma duração previsível: de sete anos com início no dia 2 de Janeiro de 2007 e cessação no dia 31 de Dezembro 2013.
4.2 Durante os primeiros cinco anos de execução do Contrato o SEGUNDO CONTRATANTE será encarregue do projeto de gestão dos negócios cimenteiros da PRIMEIRA CONTRATANTE no mercado Angolano e internacional, em particular através das participadas DD e CC
4.3 Findos os primeiros cinco anos de execução do Contrato ou em data anterior caso tal seja determinado pela PRIMEIRA CONTRATANTE, o SEGUNDO CONTRATANTE regressará a Portugal onde passará a gerir os negócios cimenteiros da PRIMEIRA CONTRATANTE

5 Local de Trabalho
O SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a realizar a prestação ora contratada nas instalações da PRIMEIRA CONTRATANTE ou entidade por esta participada, direta ou indiretamente, em Luanda ou noutro local que a PRIMEIRA CONTRATANTE lhe venha a indicar, sem prejuízo do estipulado no considerando (B) fazendo as deslocações de serviço que se mostrem necessárias para o bom desempenho da atividade profissional que ele, SEGUNDO CONTRATANTE se compromete a prestar no Contrato ou impostas por conveniências da atividade da PRIMEIRA CONTRATANTE ou das suas participadas (…)

Remuneração e outros benefícios
7.1 Como contrapartida pelo trabalho prestado pelo SEGUNDO CONTRATANTE e durante o período em que este se mantiver em Angola ou noutro território não Português a PRIMEIRA CONTRATANTE compromete-se a pagar ao SEGUNDO CONTRATANTE, em Portugal e por meio de transferência bancária, a remuneração anual líquida de EUR 103.000,00 (cento e três mil euros) correspondente, até à data da reforma à remuneração anual ilíquida de EUR 210.000,00 (duzentos e dez mil euros), catorze vezes por ano, sobre a qual terão incidido os respetivos descontos legais.
7.2 A partir da data em que ao SEGUNDO CONTRATANTE for fixada a pensão de reforma por velhice, a remuneração anual líquida será de EUR 103.000,00, à qual será deduzido o valor líquido da pensão de reforma por velhice a que tenha direito bem como o complemento de reforma a que terá direito nos termos previstos na cláusula 3.1 e 7.4
7.3 Na data em que o SEGUNDO CONTRATANTE passar a exercer a sua atividade em território Português, a sua remuneração anual líquida passará a ser de EUR 150.000,00, aplicando-se ao caso as deduções mencionadas na cláusula 7.2 a partir da data em que lhe seja fixada a pensão de reforma
7.4 A PRIMEIRA CONTRATANTE compromete-se a subscrever e manter ativo suportando integralmente os correspondentes encargos um seguro, na modalidade de complemento de reforma, a favor do SEGUNDO CONTRATANTE que lhe garanta uma pensão Vitalícia após a sua reforma por velhice no valor de EUR 3.000,00 (três mil Euros) por mês;
7.5 Para o período em que o SEGUNDO CONTRATANTE resida em Angola ou noutros países que não Portugal em execução do Contrato, a PRIMEIRA CONTRATANTE compromete-se a subscrever e manter ativo, suportando integralmente os correspondentes encargos um seguro de saúde a favor de SEGUNDO CONTRATANTE e extensível à sua companheira HH com as coberturas indicadas no Anexo I do Contrato, que dele faz parte integrante;
7.6 A PRIMEIRA CONTRATANTE compromete-se a subscrever e manter ativo, suportando integralmente os encargos, um seguro de saúde vitalício em Portugal, a favor do SEGUNDO CONTRATANTE e extensível à sua companheira HH, com as coberturas indicadas no Anexo II ao Contrato, que dele faz parte integrante
7.7 Os seguros referidos em 7.5 e 7.6 serão cancelados pela PRIMEIRA CONTRATANTE no caso de denúncia de CONTRATO pelo SEGUNDO CONTRATANTE ou de despedimento com justa causa pela PRIMFIRA CONTRATANTE, revertendo a favor desta quaisquer montantes que as companhias seguradoras em que os Seguros se encontrem colocados tenham que devolver em virtude de cancelamento dos seguros
7.8 Os benefícios previstos nas Cláusulas 7.5 e 7.6 são estabelecidos em favor do SEGUNDO CONTRATANTE e da sua companheira HH, apenas podendo ser por eles exercido os inerentes direitos (…)
7.10 O SEGUNDO CONTRATANTE terá direito ao subsídio de Férias e subsídio de Natal calculados com base na remuneração que aufira (…)

9 Despesas
9.1 A PRIMEIRA CONTRATANTE compromete-se a, durante a permanência do SEGUNDO CONTRATANTE em Angola ou noutros países (excluindo Portugal), disponibilizar-lhe alojamento em casa mobilada e equipada compatível com o cargo desempenhado sendo todas as despesas de manutenção a cargo da PRIMEIRA CONTRATANTE, assim como viatura de serviço igualmente compatível com o cargo desempenhado pelo SEGUNDO CONTRATANTE que poderá ser utilizada por si e pela sua companheira HH.
9.2 Nas deslocações do SEGUNDO CONTRATANTE a Portugal, e após o regresso deste a Portugal, a PRIMEIRA CONTRATANTE colocará à sua disposição um veículo de serviço compatível com as funções que aquele exerça, que poderá ser utilizada pelo SEGUNDO CONTRATANTE e pela sua companheira HH.
9.3 Ao SEGUNDO CONTRATANTE será garantida pela PRIMEIRA CONTRATANTE uma compensação monetária de EUR 60.000,00 por forma a ressarcir o SEGUNDO CONTRATANTE pelos valores que este deixará de auferir com a cessação da relação laboral atual, referente ao corrente ano de 2006.
9.4 Durante o período em que o SEGUNDO CONTRATANTE exerça as suas funções em Angola terá direito entre três e quatro Viagens de ida e volta por ano entre Angola e Portugal, em classe executiva, acompanhado da companheira HH além da Inicial e final do Contrato.
9.5 Para além das viagens enunciadas em 9.4. o PRIMEIRO CONTRATANTE suportará as despesas decorrentes de viagens do SEGUNDO CONTRATANTE a Portugal, sempre que tal se mostre necessário, por razões do foro familiar ou oficial que obriguem ou necessitem da presença do SEGUNDO CONTRATANTE ou da sua companheira HH.
9.6 Entende-se por razões do foro familiar as que obrigam à presença do SEGUNDO CONTRATANTE em Portugal, entre outras, situações de doença ou morte de familiares seus ou da sua companheira HH. Entende-se por razões do foro oficial, entre outras, notificações de tribunal ou outras entidades oficiais que exijam a presença do SEGUNDO CONTRATANTE ou da sua companheira em Portugal (…)

10. Cessação do Contrato
10.1 O Contrato poderá cessar por caducidade, denúncia ou resolução por algum dos Contratantes ou mútuo acordo.
10.2 O Contrato cessará automaticamente por caducidade no dia 31 de Dezembro de 2013 se até essa data não tiver cessado por qualquer outra forma.
10.3 A cessação do contrato por caducidade não dará lugar ao pagamento de qualquer indemnização ou compensação por um Contratante ao outro.
10.4 Qualquer dos Contratantes poderá fazer cessar o Contrato mediante comunicação escrita ao outro Contratante com a antecedência mínima de trinta ou sessenta dias consoante a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço tenha durado respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos.
10.5 Caso o Contrato venha a ser denunciado por iniciativa da PRIMEIRA CONTRATANTE o SEGUNDO CONTRATANTE terá direito a receber um montante correspondente a 60% dos salários, prémios e outro tipo de valores que teria direito a receber se se mantivesse ao serviço até ao final do prazo previsto de duração do presente Contrato.
10.6 Em caso de cessação do Contrato e sem prejuízo do disposto na Cláusula - 7.7, o PRIMEIRO CONTRATANTE e sua companheira HH continuarão a beneficiar do seguro de saúde vitalício referido em 7.6 e o PRIMEIRO CONTRATANTE continuará a beneficiar do complemento de reforma vitalício no valor de 3.000,00 Euros, nos temos definidos na Cláusula 7.4.
10.7 A indemnização prevista em 10.5, bem como os benefícios previstos em 10.6 não serão devidos pela PRIMEIRA CONTRATANTE caso a cessação do Contrato seja por despedimento com justa causa.
10.8 Constituem, nomeadamente, motivo de rescisão com justa causa do Contrato pelos CONTRATANTES o incumprimento dos deveres estabelecidos no presente Contrato.
10.9 Constitui igualmente fundamento para a cessação do presente contrato por parte da PRIMEIRA CONTRATANTE a prática ou omissão de atos que afetem os negócios e/ou a reputação da PRIMEIRA CONTRATANTE ou o grupo em que se insere.
10.10 O conceito de Justa causa deverá ser apreciado à luz das normas legais Portuguesas relativas a esta matéria nomeadamente o Código do Trabalho e respetiva regulamentação constituindo fator relevante para a avaliação da existência de justa causa para a cessação do Contrato o elevado nível de confiança depositado no SEGUNDO CONTRATANTE e as funções altamente exigentes que irá exercer. (…)”.

5. O autor mantinha a esperança de "construir" uma nova fábrica nesse mercado, para além da gestão da fábrica de que é titular a sociedade CC, S.A.

6. No cumprimento do já mencionado Contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a DD - Sociedade de Investimentos e Participações S.A, bem como, no cumprimento do Contrato de trabalho em regime de Comissão de Serviço celebrado entre a Ré e o Autor, foi o Autor, em assembleia-geral ordinária da CC, realizada a 16 de janeiro de 2007 e por indicação da DD - Sociedade de Investimentos e Participações S.A, nomeado administrador da CC, S.A..

7. Em março de 2007, o Autor foi nomeado vogal do Conselho de Administração da sociedade DD - Sociedade de Investimentos e Participações S.A., passando, desde então, a desempenhar funções executivas delegadas na Sociedade CC, S.A., por um período de três anos.

8. O Autor, no cumprimento do contrato de trabalho celebrado com a Ré e no desempenho das funções delegadas para as quais foi nomeado, ou seja, na qualidade de administrador delegado da CC, S.A, sempre atuou com zelo e diligencia tendo, inclusivamente, conduzido esta sociedade a resultados manifestamente positivos, conseguindo reorganizar e sanear a referida empresa, tendo efetuado o primeiro orçamento fidedigno da empresa, aumentando a produção e passando a empresa a ter lucros líquidos da ordem dos 8 milhões.

9. Em 30 de outubro de 2008, realizou-se a Assembleia-geral da DD - Sociedade De Investimentos e Participações S.A, onde, em virtude da crescente discórdia entre os seus principais acionistas foi discutida a destituição do Autor e do Sr. Eng José da Silva GG do Conselho de Administração. Este último foi de imediato destituído e o Autor manteve-se em funções até substituição que se pretendia negociada.

10. O Autor exerceu as funções de administrador delegado, na CC, até 9 de junho de 2009, data em que, por ocasião da Assembleia Geral da referida empresa e por proposta da acionista DD – Sociedade de Investimentos e Participações, SA, o Autor foi destituído e substituído nas suas funções pelo Sr. EE.

11. A Ré tinha conhecimento de que os restantes acionistas da DD pretendiam substituir o Autor como administrador delegado da CC.

12. O Autor tendo conhecimento que iria ser substituído pediu à Ré, instruções quanto à sua situação profissional para o período subsequente, o que fez até ser substituído em junho de 2009, sem que lhe tenha sido dada qualquer instrução.

13. O Autor não podia renovar o seu visto de trabalho, que caducava em junho de 2009, o contrato de arrendamento da casa que habitava não foi renovado, e regressou a Portugal nesse mesmo mês.

14. Após chegar a Portugal, o Autor reuniu-se com os representantes da Ré, por forma a esclarecer a sua situação profissional, e ficou a aguardar uma decisão por parte da sua entidade patronal, ora Ré.

15. Após o regresso do autor a Portugal, a R. não lhe atribuiu quaisquer funções ou cargos e, ainda no ano de 2009, ordenou o cancelamento do pagamento da sua retribuição base. [Redação conferida pelo T. da Relação de Lisboa] ([1])

16. Foi atribuído ao Autor, para além da retribuição base, um telemóvel, uma viatura, um seguro de saúde e um seguro na modalidade de complemento de reforma.

17. Em novembro de 2009, a Ré não renovou o aluguer da viatura que havia sido atribuída ao Autor no âmbito do referido contrato de trabalho.

18. A 31 de maio de 2010, a Ré cancelou os seguros de saúde.

19. O Autor teve necessidade de solicitar junto da Ré a transmissão da posição contratual de tomador dos referidos seguros a seu favor, o que ocorreu apenas no dia 23 de junho de 2010.

20. Na mesma data a R. cancelou o telemóvel que tinha atribuído ao Autor.

21. Entre outubro de 2008 e até maio de 2010, Autor e Ré encetaram por diversas vezes negociações com vista à resolução da presente situação tentando inclusivamente a cessação do contrato objeto do presente litígio por acordo, sem no entanto lograrem sucesso.

22. A Ré sempre procurou interceder pela continuidade da presença do Autor na CC.

23. O Autor, em contrapartida da cessação definitiva das suas funções em Angola, na CC, recebeu uma indemnização paga pela DD, tendo em atenção os valores que esta última lhe pagava.

24. A cessação de funções do Autor na CC não levou a uma diminuição direta dos resultados da “CC” verificada no 2º semestre de 2009.

25. À data do convite da Ré, o Autor, tinha uma situação profissional estável, sendo titular dos seguintes cargos:
· Vogal do Conselho de Administração da II PORTUGAL, Holding responsável pelos negócios da Península Ibérica e Ilhas; Vogal do Conselho de Administração com funções Executivas da II INDUSTRIA, empresa que controlava as fábricas de cimento portuguesas (Souselas, Alhandra e Loulé);
· Vogal do Conselho de Administração com funções Executivas da JJ, Fábrica de sacos da II, a qual, além das fábricas de cimento em Portugal abastecia a KK, as fábricas de Espanha e ainda fornecia para outras empresas fora do universo II;
· Presidente do Conselho de Administração da KK nos Açores;
· Presidente do Conselho de Administração da CIMENTOS de CABO VERDE em Cabo Verde;
· Responsável pela organização e gestão da LL (moagem de cimento de Sines), era um dos dois representantes da II na ATIC (Associação Técnica da Industria do Cimento).

26. Ao ter aceite o convite da Ré, o Autor alterou toda a sua vida profissional e mesmo pessoal.

27. O Autor teve que recorrer a terceiros para administrar os seus bens em Portugal bem como para o representar.

28. Deixou a sua família em Portugal (Filhos e Netos) indo residir num país com uma situação sócio-economica e cultural completamente distinta de Portugal,

29. Onde para tentar manter o mesmo nível de vida que detinha em Portugal, o Autor necessitava de despender o dobro ou mais, do valor que despendia em Portugal,

30. O Autor magoou-se num pé e tendo-se socorrido num hospital privado local não conseguiram, os profissionais de saúde do mesmo, despistar a fractura que o mesmo havia sofrido, pelo que o Autor só teve conhecimento de que partira o pé em Portugal.

31. Entre junho e setembro de 2009, permaneceu o Autor na incerteza total quanto ao pagamento da indemnização paga pela DD.

32. O Autor sofreu grande angústia e ansiedade com toda a situação laboral após outubro de 2008.


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III Fundamentação de direito.

1. Delimitação objetiva do recurso

O thema decidendum na presente Revista reconduz-se a saber se a factualidade provada consubstancia um despedimento de facto, corporizado numa atitude inequívoca da entidade empregadora de fazer cessar a relação laboral.

2. Enquadramento normativo-substantivo.

Acolhe-se a delimitação definida no Acórdão sob recurso, quando refere:

«Conforme foi entendido pelo tribunal de 1ª instância e não foi alvo de discordância das partes, tendo o A. sido admitido ao serviço da R. em 18 de dezembro de 2006 e tendo alegado que foi alvo de despedimento na sequência de factos ocorridos entre junho de 2009 e 31 de maio de 2010, ao caso em apreço, e no que respeita à alegada existência de despedimento e sua ilicitude, bem como às peticionadas indemnizações decorrentes do mesmo, são aplicáveis as normas do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro de 2009.»

 

3. Conhecendo

3.1 Em nota prévia, importará lembrar a alteração levada a efeito pelo Tribunal da Relação [Supra II, 15], relativamente ao quadro fáctico comprovado.

Alteração que não mereceu qualquer crítica por parte da Recorrente.

É entendimento reiterado e unânime, quer da doutrina, quer da jurisprudência, que o Tribunal da Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer uma das situações previstas no n.º 1 do art. 662.º do NCPC, e poderá também anular a decisão sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a sua ampliação (n.º 2 al. c) do mesmo preceito legal) ou ainda ordenar a fundamentação da decisão proferida pela primeira instância relativamente a algum ponto de facto que entenda não estar devidamente fundamentado (n.º 2 al.d) do mesmo preceito legal).

Por outro lado, a determinação dos factos pela Relação, após a reapreciação da prova, decorre da análise crítica dos elementos probatórios para o efeito apreciados, de acordo com a própria convicção que a Relação sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito probatório material. Ou seja, o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no n.º 5 do art. 607.º do NCPC, com as limitações aí definidas, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação quando é chamada a reapreciar a matéria de facto.

Tais amplos poderes de reapreciação da matéria de facto conferidos à Relação não são extensíveis ao Supremo Tribunal de Justiça.

Em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, estabelecidas nos conjugados art.s 674º, n.º 3, e 682º, n.º 2 do NCPC, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 deste último preceito legal.

Desta forma, no tocante à modificabilidade da decisão de facto, a intervenção do Supremo reconduz-se à verificação da conformidade da decisão com o direito probatório material, nos estritos termos dos normativos citados.

In casu, não ocorreu qualquer formulação crítica por parte da Recorrente e este Supremo Tribunal, ex officio, não vislumbra que, na reapreciação da matéria de facto que o acórdão recorrido levou a cabo, tenha extravasado o legalmente permitido, ou que o tenha feito em desconformidade com os parâmetros legalmente fixados.

3.2 Para além da consonância do Recorrente em sede da questão de facto, importará dar conta ainda da concordância da Recorrente no que respeita:
· Ao conceito doutrinário e jurisprudencial de despedimento e de despedimento de facto assumido no Acórdão sob recurso;
· À conclusão ínsita no mesmo Acórdão de que o contrato de trabalho celebrado com o recorrido não cessou com a destituição do mesmo, na Assembleia Geral da CC, de 09.06.2009, das funções que até então exerceu como administrador-delegado daquela sociedade.

A dissidência relativamente ao acórdão recorrido retira-a a Recorrente da leitura e dissecção da factualidade provada nos itens 12 a 23, inclusive.

Dizer: a contrariar a fattispecie do despedimento de facto, invocada qual causa petendi pelo A./Recorrido, coloca a R./Recorrente a responsabilidade da cessação da relação laboral no inadimplemento, por parte daquele, dos deveres de informação e de diligência reativa: ali, dever de informação, quando – contrariando o comportamento suposto num «declaratário normal» - «não fez saber à Recorrente, em tempo útil, «o desenvolvimento da sua situação em Angola e o seu regresso extemporâneo»; aqui, omissão de diligência reativa, quando «confrontado com a descontinuação pela Recorrente de alguns dos benefícios que lhe continuaram a ser garantidos, não se apresentou nas instalações desta, nomeadamente para trabalhar, o que não estava impedido de fazer, ou, no mínimo, não interpelou a Recorrente por escrito tentando obter um esclarecimento, inequívoco, sobre a sua situação, como tudo seria de manifesta prudência para se certificar do suposto despedimento

3.3 Se bem se interpreta, a decisão da 1ª Instância ([2]) introduziu no debate um tertium genus quando, para concluir pela negação do despedimento de facto, elegeu a imprevisão contratualimprevisão que as partes não lograram superar - como ponto fulcral e determinante na solução do pleito: «É precisamente neste “quadro imprevisto” que temos que inserir quer a falta de instruções por parte da R. (cfr. facto provado nº12), quer o regresso do A. a Portugal em face (a) não ter condições (inclusive legais) para permanecer em Angola (cfr. facto provado nº13)[Fls. 278]

Interrogou-se, então, o Tribunal: «qual foi a conduta subsequente das partes perante este “quadro imprevisto”

Em jeito de resposta, ponderou aquele Tribunal: «Após chegar a Portugal, o A. reuniu-se com os representantes da R., por forma a esclarecer a sua situação profissional, e ficou a aguardar uma decisão por parte da sua entidade patronal, ora R. (…) e até maio de 2010, A. e R. encetaram por diversas vezes negociações com vista à resolução da presente situação tentando inclusivamente a cessação do contrato objeto do presente litígio por acordo, sem no entanto lograrem sucesso (cfr. factos provados nºs 14 e 21)»

Já em formulação de síntese, acabou o mesmo Tribunal por concluir: «Este manancial factual é igualmente insuscetível (de) configurar qualquer “atitude” inequívoca da R. que configure e consubstancie uma manifestação da vontade de fazer cessar a relação laboral e como tal foi entendida pelo A.»

Acompanhemos, porém, mais de perto a fundamentação jurídica emprestada à decisão proferida em 1ª Instância, transcrevendo-a na parte pertinente:

“Considerando a factualidade provada e a factualidade não provada (…) verifica-se que o Autor não logrou provar, tal como lhe incumbia em exclusivo (cfr.art.342º/1 do C. Civil), um manancial factual que consubstancie o invocado despedimento promovido pela Ré.

Com efeito, está demonstrado que, com a celebração do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, a Ré pretende contratar os serviços do Autor para o «afetar aos seus negócios no mercado Angolano e Internacional na Atividade Cimenteira, desenvolvidos, direta e indiretamente, através da "DD”» e podendo «o resultado da sua prestação ser em benefício de outras entidades que a Ré venha a indicar nas quais detenha ou venha a deter, direta ou indiretamente, participação ou interesses nomeadamente na Sociedade “CC”», e mais está demonstrado que, nessa sequência, foi o Autor, em assembleia-geral ordinária da CC, realizada a 16 de janeiro de 2007 e por indicação da DD, nomeado administrador da CC, SA, e, em março de 2007, o Autor foi nomeado vogal do Conselho de Administração da sociedade DD, passando, desde então, a desempenhar funções executivas delegadas na Sociedade CC, por um período de três anos, sendo certo que passou a desempenhar tais funções (cfr. factos provados nºs. 4 e 6 a 8).

Porém, está igualmente demonstrado que cessaram as funções que o Autor desempenhava em regime de comissão de serviço: em 30 de Outubro de 2008, realizou-‑se a Assembleia-geral da DD, onde, em virtude da crescente discórdia entre os seus principais acionistas foi discutida a destituição do Autor e do Sr. Eng. GG do Conselho de Administração; este último foi de imediato destituído e o Autor manteve-se em funções até substituição que se pretendia negociada; e o Autor exerceu as funções de administrador delegado, na CC, até 9 Junho de 2009, data em que, por ocasião da Assembleia Geral da referida empresa e por proposta da acionista DD, o Autor foi destituído e substituído nas suas funções pelo Sr. EE (cfr. factos provados nºs. 9 e 10).

Importa desde já frisar que nem sequer esta cessação da comissão de serviço constituiu uma decisão da R./Empregador ou o resultado de atuação que lhe seja imputável: com efeito, para além de tal ter sucedido em resultado de deliberação ocorrida (na) Assembleia Geral da CC e por proposta da acionista DD (e não da Ré) e tudo em virtude da crescente discórdia entre os seus principais acionistas, e embora esteja assente que a Ré tinha conhecimento de que os restantes acionistas da DD pretendiam substituir o Autor como administrador delegado da CC, certo é que está também provado que a Ré sempre procurou interceder pela continuidade da presença do Autor na CC (cfr. factos provados nºs. 9 e 10). Portanto, não existiu cessação da comissão de serviço do Autor por iniciativa e decisão da Ré (o que, aliás, é reconhecido pelo Autor, já que, a ter ocorrido tal situação, teria recorrido à resolução do contrato de trabalho nos termos do disposto no citado artigo 164/1b) do C. Trabalho de 2009, o que manifestamente não fez), donde resulta que deste termo da comissão de serviço não é possível extrair qualquer “vontade” e “intenção” inequívoca da Ré no sentido que querer pôr termo ao contrato, de querer fazer cessar a relação laboral, de querer “romper” o vínculo laboral existente entre as partes.

Ora, esta cessação antecipada das funções que o Autor desempenhava em comissão de serviço, colocou ambas as partes perante uma situação que não previram contratualmente.

Na verdade, sendo o contrato pelo período de 7 anos (com início no dia 2 de Janeiro de 2007 e cessação no dia 31 de Dezembro 2013), e estando estipulado que, durante os primeiros 5 anos de execução do mesmo, o Autor ficava encarregue do projeto de gestão dos negócios cimenteiros da Ré no mercado Angolano e internacional, em particular através das participadas DD e CC, e que só findos esses 5 anos (ou em data anterior caso tal fosse determinado pela Ré) o Autor regressaria a Portugal onde passaria a gerir os negócios cimenteiros da Ré (cláusula 4ª do contrato - cfr. facto provado nº4), ambas as partes foram confrontadas com o facto não previsto (pelo menos, contratualmente) do exercício das funções do Autor ter sido interrompido a meio desse período inicial de 5 anos, sendo certo que, como vimos, tal cessação não resultou de decisão da Ré, pelo que não seria nesse momento aplicável a possibilidade do Autor regressar a Portugal e passar a gerir os negócios cimenteiros da Ré, sendo certo que, como o Autor não desempenhava anteriormente qualquer outra atividade na Ré, mostrava-se inaplicável a possibilidade legal prevista nos termos do disposto no citado art. 164º/1 a) do C. Trabalho de 2009 («exercer a atividade desempenhada antes da comissão de serviço, ou a correspondente à categoria a que tenha sido promovido»), e sendo certo que nada foi alegado (e, por isso, jamais poderia ter sido provado) no sentido de que a Ré teve possibilidades quer de colocar o Autor na gestão de outros seus negócios cimenteiros no mercado Angolano e internacional, nomeadamente, em outras sociedades suas participadas quer de colocar o Autor desde logo a gerir os seus negócios cimenteiros em Portugal, mas não o fez nem o quis fazer (e saliente-se que quer este ónus de alegação quer este ónus de prova, incumbiam em exclusivo ao Autor - cfr. art. 264º/1,1ªparte, do C.P.Civil, e art. 342º/1 do C. Civil).

É precisamente neste “quadro imprevisto” que temos que inserir quer a falta de instruções por parte da Ré (cfr. facto provado nº12) quer o regresso do Autor a Portugal em face (de) não ter condições (inclusive legais) para permanecer em Angola (cfr. facto provado nº13).

E qual foi a conduta subsequente das partes perante esta “quadro imprevisto”? Após chegar a Portugal, o Autor reuniu-se com os representantes da Ré, por forma a esclarecer a sua situação profissional, e ficou a aguardar uma decisão por parte da sua entidade patronal, ora Ré (sublinhado nosso) e até Maio de 2010, Autor e Ré encetaram por diversas vezes negociações com vista à resolução da presente situação tentando inclusivamente a cessação do contrato objeto do presente litígio por acordo, sem no entanto lograrem sucesso (cfr. factos provados nºs. 14 e 21).

Este manancial factual é igualmente insusceptível (de) configurar qualquer “atitude” inequívoca da Ré que configura e consubstancia uma manifestação da vontade de fazer cessar a relação laboral e como tal foi entendida pelo Autor. Muito antes pelo contrário:

- por um lado, após a reunião entre ambos, o Autor ficou a aguardar decisão da Ré sobre a situação, o que, por si só, significa que a Ré não tomou qualquer decisão e, por via disso, também não tomou qualquer decisão no sentido de querer “romper” o vinculo laboral existente entre as partes; e frise-se, aliás, que o Autor nem sequer alegou (e, por isso, jamais alcançaria provar) que, em certa e concreta data, a Ré veio efectivamente a tomar uma decisão sobre essa situação, que a mesma foi no sentido de terminar a relação laboral e que lhe comunicou isso mesmo;

- e, por outro lado, as partes durante vários meses negociaram com vista a encontrar uma solução da situação mas não o conseguiram, o que, por si só, significa mais uma vez que não foi tomada qualquer decisão por parte da Ré (e, acrescente-se, nem por parte do Autor), pelo que não pode ter havido manifestação de vontade desta no sentido da cessação do contrato de trabalho; e frise-se, também aqui, que o Autor nem sequer alegou (e, por isso, jamais alcançaria provar) que, no termo dessas negociações, veio então a Ré a tomar uma decisão sobre essa situação.

É certo que está também provado que: foi atribuído ao Autor, para além da retribuição base, um telemóvel, uma viatura, um seguro de saúde e um seguro na modalidade de complemento de reforma; em Novembro de 2009, a Ré não renovou o aluguer da viatura que havia sido atribuída ao Autor no âmbito do referido contrato de trabalho; a 31 de Maio de 2010, a Ré cancelou os seguros de saúde; na mesma data a Ré cancelou o telemóvel que tinha atribuído ao Autor; o Autor teve necessidade de solicitar junto da Ré a transmissão da posição contratual de tomador dos referidos seguros a seu favor, o que ocorreu apenas no dia 23 de Junho de 2010; e a Ré continuou a assumir, pelo menos até Junho de 2010, o pagamento de uma parte da retribuição do Autor (cfr. factos provados nºs. 15 a 20).

Porém, também este conjunto de factos é absoluta e totalmente insusceptível de configurar qualquer manifestação de vontade da Ré em despedir o Autor. Em primeiro lugar, a não renovação do aluguer de viatura ocorreu numa data (Novembro de 2009) em que decorriam negociações entre as partes, e que perduram até muito tempo depois disso, sendo certo que, como supra se viu, durante tal período de tempo não foi tomada qualquer atitude inequívoca da Ré em fazer cessar o vínculo laboral em causa, pelo que aquela não renovação do aluguer não pode ser enquadrada para efeitos dessa manifestação de vontade. Em segundo lugar, mesmo após o termo dessas negociações, e pelo menos no mês subsequente pagamento de uma parte da retribuição do Autor, o que constitui uma manifestação de vontade de sentido absolutamente contrário a declaração (ainda que tácita) de despedimento do Autor (um Empregadora despede um trabalhador e continua a pagar-lhe a retribuição, mesmo que seja apenas uma parte?), importando notar e salientar que a presente ação deu entrada logo no mês de Julho de 2010, nada mais tendo o Autor alegado no sentido de não lhe ter sido pago (ainda que parcialmente) a retribuição deste mês de Julho (o Autor vem invocar um despedimento por parte de quem lhe continuava a pagar retribuição?!). E, em terceiro lugar, o cancelamento dos seguros e do telemóvel são insusceptíveis de, por si só, traduzirem uma manifestação inequívoca da Ré em fazer cessar o contrato de trabalho, já que tais factos, sem o “acompanhamento” de outros factos que possam traduzir uma atitude e uma intenção nesse sentido, apenas consubstanciam um incumprimento contratual por parte da Ré relativamente às obrigações em causa, tal como, aliás, igualmente o consubstanciam a referida não renovação do aluguer do veículo e a referida falta de pagamento de parte da retribuição, sendo certo que o Autor podia e devia ter reagido contra tal incumprimento mas não o fez (quer interpondo acção com vista a obter a condenação da Ré no cumprimento integral das suas obrigações contratuais, ou quer resolvendo o contrato de trabalho invocando o incumprimento dessas obrigações com justa causa – cfr. arts. 126º, 258º e 394º do C.Trabalho de 2009, na redacção anterior às Leis nº53/2011, de 14/10 e nº23/2012, de 25/06).

Por conseguinte, verifica-se que não está probatoriamente demonstrada qualquer atitude/conduta da Ré/Empregadora que revele, inequivocamente, ao Autor/Trabalhador, enquanto declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a vontade daquele em fazer cessar o contrato de trabalho. Frise-se que o Autor nem sequer alegou qual o momento temporal em que entendeu e se considerou como despedido pela Ré.

Nestas circunstâncias, impõe concluir-se, de forma inequívoca, que improcede a pretensão do Autor no que concerne cessação do vínculo laboral por via despedimento ilícito”.

3.4 Desta decisão, dissentiu, como se deixa anotado, o Tribunal da Relação de Lisboa.

Começou, é certo, por acompanhar a sentença proferida em 1ª Instância quando entendeu, relativamente ao termo da comissão de serviço - rectius, à destituição do A., na Assembleia Geral de 9 de junho de 2009, na CC, por proposta da accionista DD, das funções de administrador-delegado naquela mesma empresa - entendeu não ser possível extrair qualquer “vontade” e “intenção” inequívoca da R. no sentido de querer pôr termo ao contrato, de querer fazer cessar a relação laboral, de querer “romper” o vínculo laboral existente entre as partes.

Tratou-se, porém, de uma consonância de pouca duração, porquanto a divergência logo defluiu quer com referência às consequências imediatas a retirar da cessação da comissão de serviço atribuída pela Recorrente ao A., quer com referência à questão subsequente da verificação de um despedimento tácito ou de facto.

Vale dizer: na perspetiva do Tribunal da Relação, nem é atribuída qualquer responsabilidade à R./Recorrente relativamente às causas da cessação da comissão de serviço do A./Recorrido enquanto administrador delegado da CC, nem daí é retirada qualquer ilação no sentido de uma eventual vontade e/ou intenção inequívoca de rompimento do vínculo laboral, por parte da mesma R./Recorrente.

Cuidou, todavia, o Tribunal da Relação em tratar de modo diferente as anteditas questões relativas (i) quer às consequências a retirar da cessação da comissão de serviço, (ii) quer à verificação de um despedimento tácito.   

3.4.1 No que à cessação da comissão de serviço diz respeito, asseverou o Tribunal da Relação:

«[s]e é certo que o exercício das funções do recorrente em Angola, foi interrompido antes do período inicial de cinco anos fixado no contrato e que a cessação de tais funções não decorreu de facto imputável à recorrida, também é certo que o contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, conforme alega o recorrente, tem um âmbito mais vasto do que aquele que foi considerado na sentença recorrida.

Na verdade, o contrato de trabalho prevê o exercício das funções de gestor de negócios, quer no mercado angolano, quer no mercado internacional e, também, em Portugal, decorridos que sejam cinco anos de execução do contrato ou em data anterior, caso assim seja determinado pela recorrida

(…)

«Ora, o recorrente foi admitido em comissão de serviço, tanto para gerir os negócios da ré em Angola, como a nível internacional, bem como para gerir os negócios cimenteiros da recorrida, em Portugal, do que resulta que, tendo sido destituído das funções que exercia em Angola e não tendo as partes, por qualquer meio, nessa sequência e nessa data, posto fim ao contrato de trabalho que as vinculava, logicamente que teremos de concluir que o mesmo se manteve com a possibilidade do recorrente desempenhar as funções para que foi contratado, quer a nível internacional, quer em Portugal.

Consequentemente, embora a destituição do cargo não seja imputável à ré, a verdade é que o contrato de trabalho não cessou em virtude dessa destituição, mantendo-se as obrigações nele consignadas para ambas as partes, pelo que prevendo aquele a permanência do recorrente na empresa, no exercício das funções para que foi admitido, não podemos concluir, como faz a sentença recorrida, que como o Autor não desempenhava anteriormente qualquer outra actividade na Ré, mostrava-se inaplicável a possibilidade legal prevista nos termos do disposto no citado art. 164º/1a) do C. Trabalho de 2009, ou seja, a de exercer a actividade desempenhada antes da comissão de serviço ou a correspondente à categoria a que tenha sido promovido, podendo sempre desempenhar a atividade prevista no acordo.

E nesta sequência, ainda entendemos que, perante o objeto e obrigações constantes do contrato enunciado no ponto 4ª dos factos provados, podemos concluir, diferentemente do juízo a que chegou o tribunal a quo, que a Ré teve possibilidades de manter o autor ao seu serviço, caso contrário, não enunciaria tal possibilidade no contrato de trabalho que celebrou com o recorrente, quer de o colocar na gestão de outros seus negócios cimenteiros no mercado Angolano e internacional, nomeadamente em outras sociedades suas participadas, quer de colocar o Autor, desde logo, a gerir os seus negócios cimenteiros em Portugal, mas não o fez nem o quis fazer.

Do que também resulta não podermos acompanhar a sentença recorrida quando conclui que o objecto da relação laboral titulada pelo contrato em causa se esgotou com a cessação de funções nas sociedades angolanas em causa e que essa cessação de funções do Autor nas sociedades angolanas e a posterior falta de ocupação efetiva do mesmo – ou seja, a não afetação do autor a qualquer outro negócio da Ré, em mercado angolano, internacional ou nacional, não resultam de factos imputáveis à Ré.

Na verdade e como refere o recorrente, do contrato celebrado entre as partes resulta clara a obrigação da ré em afetar os serviços do Autor a quaisquer fábricas ou investimentos que fossem detidos pela R. no mercado angolano e internacional, noutros países limítrofes, ou mesmo, no mercado nacional, pelo que o objeto do referido contrato não se esgotava nas funções exercidas nas sociedades angolanas e, não obstante o autor ter solicitado à Ré uma solução para resolver esta situação (factos 12), a verdade é que esta nada fez.»

        

Desta arte, suprindo o vazio contratual apontado pelo tribunal da 1ª Instância - «…esta cessação antecipada das funções que o A. desempenhava em comissão de serviço, colocou ambas as partes perante uma situação que não previram contratualmente» - o Tribunal da Relação, a partir exatamente do clausulado contratual [cfr. itens 4.1, 4.2, 4.3 supra II, 4] apontou – num entendimento que este Supremo Tribunal de Justiça acolhe por inteiro – a subsistência, após a cessação da comissão de serviço, da obrigação da R./Recorrente em afetar os serviços do A. a quaisquer fábricas ou investimentos que fossem detidos pela mesma no mercado angolano e internacional, noutros países limítrofes, ou mesmo, no mercado nacional.

Relembrando, no âmbito desta cessação da comissão de serviço, o facto de que na motivação recursiva a R./Recorrente suscita a responsabilidade da cessação da relação laboral no incumprimento, por parte do A./Recorrido, do dever de informação por, como diz, não lhe ter feito saber, em tempo útil, «o desenvolvimento da sua situação em Angola e o seu regresso extemporâneo», a contrariar tal asserção bastará tomar em linha de consideração os factos descritos em II, 11 [A Ré tinha conhecimento de que os restantes acionistas da DD pretendiam substituir o Autor como administrador delegado da CC], 12 [O Autor tendo conhecimento que iria ser substituído pediu à Ré, instruções quanto à sua situação profissional para o período subsequente, o que fez até ser substituído em junho de 2009, sem que lhe tenha sido dada qualquer instrução] 13 [O Autor não podia renovar o seu visto de trabalho, que caducava em junho de 2009, o contrato de arrendamento da casa que habitava não foi renovado, e regressou a Portugal nesse mesmo mês] e 14 [Após chegar a Portugal, o Autor reuniu-se com os representantes da Ré, por forma a esclarecer a sua situação profissional, e ficou a aguardar uma decisão por parte da sua entidade patronal, ora Ré]

A realidade dos factos comprovados ilide, deste modo, o invocado incumprimento do dever de informação.

         3.4.2 Chegados ao ponto fulcral do presente recurso, tomemos sob consideração o despedimento de facto.

         Na apreciação desta concreta questão, foi exarada, no acórdão recorrido, a seguinte fundamentação:

«…[n]o caso dos autos está em causa a existência, ou não, de um despedimento tácito ou de facto, razão pela qual não tinha o autor de alegar ou provar que a ré tomou uma decisão expressa sobre a sua situação e no sentido de fazer cessar a relação contratual.

Na verdade, está em causa, apurar se o recorrente alegou e provou factos que traduzam uma vontade inequívoca da recorrida no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho que celebrou com o recorrente.»

(….)
«…conforme decorre da factualidade provada, após o regresso do autor a Portugal, a ré não lhe atribuiu quaisquer funções ou cargos e ainda no ano de 2009, ordenou o cancelamento do pagamento da sua retribuição base (ponto 15 dos factos provados), em Novembro de 2009 a ré não renovou o aluguer da viatura que havia sido atribuída ao recorrente no âmbito do referido contrato de trabalho (ponto 17 dos factos provados), a 31 de Maio de 2010, a ré cancelou os seguros de saúde (ponto 18 dos factos provados) e na mesma data a ré cancelou o telemóvel que tinha atribuído ao autor.
Tais factos provados demonstram que, efectivamente, a ré foi gradualmente deixando de pagar a retribuição ao autor, actuação que se iniciou em 2009, através da retirada da retribuição base e da viatura, vindo a culminar em 31 de Maio de 2010 com a retirada das parcelas da retribuição que ainda estavam atribuídas ao recorrente, telemóvel e seguros de saúde.
Acresce, ainda, que, conforme decorre das cláusulas 7.7 e 10.6 do contrato de trabalho, os seguros apenas seriam “cancelados pela primeira contratante no caso de denúncia do contrato pelo segundo contratante ou de despedimento com justa causa pela primeira contratante”.
Sabemos que os seguros foram cancelados, mas dos autos não resulta que houve denúncia do contrato por parte do Autor e face ao teor da contestação (invocou a recorrida abandono de funções por parte do autor e violação de deveres), podemos dizer que, ao cancelar os ditos seguros, a Ré só pode ter entendido que ocorreu um despedimento, que reputa com justa causa, caso contrário não teria cancelado os mencionados seguros.
E se é certo que tais factos (não atribuição de funções ou cargos, retirada da viatura, do telemóvel e seguros) quando considerados isoladamente apenas traduzem um incumprimento por parte da empregadora das suas obrigações contratuais, a sua apreciação conjunta leva-nos a concluir que este comportamento da recorrida vai para além de um incumprimento contratual que conferia ao recorrente o direito de rescindir o contrato invocando justa causa, e consubstancia, indubitavelmente, uma vontade representativa de uma atitude de não querer continuar vinculado ao contrato de trabalho que celebrara com o recorrente.
Com efeito, em 31 de Maio de 2010, decorrido quase um ano após o regresso a Portugal do recorrente, em virtude da atuação da recorrida traduzida em não lhe indicar funções ou cargos que pudesse exercer e em retirar-lhe todas as parcelas da retribuição que auferia, entendemos que nenhum vínculo resta entre as partes que se possa integrar num contrato de trabalho e que se foi esbatendo até cessar por completo em consequência do comportamento da ré, sendo certo ainda que a caducidade do contrato apenas ocorreria em 31 de Dezembro de 2013.
E qualquer declaratário médio colocado na situação do recorrente, perante a sucessão dos acontecimentos descritos, não podia deixar de concluir que fora despedido pela ré, o que também entendemos.
Assim sendo, não acompanhamos a sentença recorrida quando refere que “não está probatoriamente demonstrada qualquer atitude/conduta da Ré/Empregadora que revele, inequivocamente, ao Autor/Trabalhador, enquanto declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a vontade daquele em fazer cessar o contrato de trabalho.

Concluímos, assim, que a factualidade provada traduz um despedimento tácito por parte da recorrida relativamente ao recorrente.»

Sufragamos as considerações transcritas, bem como o sentido decisório alcançado.

Como se exarou no aresto desta Secção de 07 de Abril de 2011, proferido no Proc. 1180/07.0, disponível em www.dgsi.pt, o despedimento de facto terá de extrair-se de atitudes do empregador que revelem, inequivocamente, ao trabalhador, enquanto declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a vontade do empregador de fazer cessar o contrato de trabalho.

No caso em apreço, tal como afirmado pelo Tribunal recorrido, não restam dúvidas de que a R./Recorrente assumiu uma atitude que revelou, inequivocamente, ao A./Recorrido a sua vontade em fazer cessar o contrato de trabalho que os unia.

Na formulação de síntese da motivação recursiva da R., ficou feita uma referência a uma alegada omissão de diligência reativa por parte do A./Recorrido, na medida em que «confrontado com a descontinuação pela Recorrente de alguns dos benefícios que lhe continuaram a ser garantidos, não se apresentou nas instalações desta, nomeadamente para trabalhar, o que não estava impedido de fazer, ou, no mínimo, não interpelou a Recorrente por escrito tentando obter um esclarecimento, inequívoco, sobre a sua situação, como tudo seria de manifesta prudência para se certificar do suposto despedimento».

Bem vistas as coisas, com uma tal alegação, a R./Recorrente lograria converter e transmutar o inadimplemento das obrigações que lhe competiam em inadimplemento de um (suposto) dever de re-ação àquele incumprimento por parte de quem, no sinalagma, tinha o direito à prestação.

Não se desconhece como no aresto desta Secção de 21 de outubro de 2009, proferido no Proc. 272/09.5YFLSB, se consignou que «a normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante, pelo que, perante uma eventual dúvida, suscitada pelos termos em que a empregadora se dirigiu à trabalhadora, não estava esta dispensada do cuidado de obter mais elementos a fim de se esclarecer sobre a vontade real daquela

In casu, seria razoável exigir do A./Recorrido um especial dever de diligência no sentido de obrigar a R./Recorrente a declarar, expressis verbis, o despedimento?

Pela sua inteira pertinência, transcrevem-se do acórdão recorrido os seguintes apontamentos doutrinários:

« A propósito deste artigo ([3]), escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol.I, 3ª Ed., pag.208 “São múltiplos os meios admitidos para a declaração negocial. Qualquer processo de expressão directa ou indirecta da vontade é, em tese geral, relevante. Pode ser a palavra, pode ser um escrito, pode ser um simples gesto ou sinal. Tudo é admitido como forma de manifestação do consentimento.

         (…)
 Ao definir a declaração tácita, o artigo substituiu a palavra necessariamente que se continha no artigo 648º do Código de 1867. É que se não devem pôr sempre de parte, como formas possíveis de manifestação tácita da vontade, os casos susceptíveis de duas interpretações. O que deve é verificar-se aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões, como se exprimia Manuel de Andrade no domínio do Código de 1867. Prevalece aqui, pois, um critério prático social, e não rigorosamente lógico formal.”
E segundo Manuel A. Domingues de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pags. 131-133, trata-se de condutas declarativas (factos concludentes) que, não aparecendo como visando diretamente, de modo frontal, a exteriorização da vontade que se considera declarada por essa forma, permitem, desde que revestidas de um grau de inequivocidade aferido por um critério prático - inspirado nos usos da vida e naquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões -, que um destinatário de tais comportamentos declarativos, dotado de normal capacidade de entendimento e medianamente diligente, deles infira, que o declarante, em via imediata, oblíqua e lateral, quis também exteriorizar a sua vontade em determinado sentido não directa e frontalmente expresso.»

In casu, tomando sob linha de consideração os factos apontados – dizer, após o regresso do A. a Portugal, a R./Recorrente não lhe atribuiu quaisquer funções ou cargos e, ainda no ano de 2009, ordenou o cancelamento do pagamento da sua retribuição; em Novembro do mesmo ano, não renovou o aluguer da viatura que havia sido atribuída ao recorrente no âmbito do referido contrato de trabalho; a 31 de Maio de 2010, cancelou os seguros de saúde, o telemóvel que tinha atribuído ao A., e retirou as parcelas da retribuição que ainda lhe estavam atribuídas – tais atitudes – maxime, a retirada da retribuição base - não podem deixar de revelar, com o grau de inequivocidade decorrente de um «critério prático inspirado nos usos da vida e naquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões», um despedimento de facto.

Destarte, em conformidade com o que vem de ser exposto falece, por inteiro, a razão à R. Recorrente no recurso interposto.

IV DECISÃO

Termos em que, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela R./Recorrente

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 9 de julho de 2014

Melo Lima (Relator)

Mário Belo Morgado

Pinto Hespanhol

______________________
[1] Redação conferida pelo Tribunal da 1ª Instância: «A Ré continuou a assumir, pelo menos até junho de 2010, o pagamento de uma parte da retribuição do Autor»
[2] Sem prejuízo de, a final, ter chamado à colação a inação do A./Recorrido: «o Autor podia e devia ter reagido contra tal incumprimento mas não o fez (quer interpondo acção com vista a obter a condenação da Ré no cumprimento integral das suas obrigações contratuais, … quer resolvendo o contrato de trabalho invocando o incumprimento dessas obrigações com justa causa…)»

[3] Leia-se: artigo 217º do Código Civil, que estabelece: “1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam. 2. O caráter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.”