Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
951/06.9TBCLD.C1.L1.S2-A
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL)
Decisão: INDEFERIR A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I. Suscita-se a questão prévia de se saber se a decisão que determinou a emissão de certidão do acórdão de 29 de janeiro de 2019, com nota de trânsito em julgado a 15 de fevereiro de 2019, tendo em vista a sua entrega aos Autores para junção aos autos de execução entretanto instaurados, se consubstancia numa decisão suscetível de ser objeto de um recurso para uniformização de jurisprudência. Com efeito, sem prejuízo de essa decisão ter sido objeto do acórdão que apreciou o primeiro pedido de reforma (na segunda parte), afigura-se defensável considerar que, se não constitui um despacho de mero expediente nos termos do art. 152.º, n.º 4, do CPC, não corresponde, pelo menos, a qualquer decisão que comporte recurso de revista, nos termos do art. 671.º do CPC. Isto inviabilizaria a possibilidade de dela ser interposto recurso para uniformização de jurisprudência.

II. O requerimento de interposição do recurso em causa, de 8 de janeiro de 2020, é intempestivo por antecipação ou prematuridade, na medida em que, tendo sido apresentado pedido de reforma do acórdão de 10 de dezembro de 2019 (o qual só foi apreciado a 13 de outubro de 2020), a decisão de emissão de certidão com indicação do trânsito em julgado não transitara ainda em julgado, pelo que não se iniciara o prazo de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência, estabelecido no art. 689.º, n.º 1, do CPC.

III. Em todo o caso, sempre importaria verificar se existe – ou não - a invocada contradição jurisprudencial no que respeita ao momento do trânsito em julgado quando é requerida a reforma do acórdão recorrido quanto ao pagamento do remanescente da taxa de justiça. De acordo com ambos os arestos – acórdão recorrido e acórdão-fundamento -, “quando seja insuscetível de recurso ordinário, o trânsito em julgado ocorre com o esgotamento do prazo para a arguição de nulidades da sentença ou dedução do incidente de reforma, nos termos dos arts. 615º, nº 4, e 616º (e dos arts. 666º e 685º quando estejam em causa acórdãos da Relação ou do Supremo, respetivamente)”. O que o acórdão recorrido acrescenta é a referência a “quando se trate de matérias diferentes do remanescente da taxa de justiça”, questão essa que de modo algum foi objeto de análise ou pronúncia por parte do acórdão-fundamento. De resto, não existe sequer a necessária identidade fáctica que permita concluir terem ambos os arestos tratado da mesma questão jurídica.

IV. O requerimento de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência relativo à interpretação/aplicação do regime dos arts. 252.º, n.º 2, e 437.º do CC afigura-se extemporâneo. Com efeito, não impedindo o pedido de dispensa ou redução da taxa de justiça subsequente, apresentado sob a forma de pedido de reforma quanto a custas, o trânsito em julgado do acórdão recorrido que apreciou do mérito da causa, não aproveita ao Réu a pretensa interrupção do prazo de interposição de recurso até que esse pedido fosse apreciado.

V. Em todo o caso, existem diferenças entre a matéria de facto subjacente a cada um dos acórdãos em alegada oposição que indiciam não se verificarem os requisitos de admissibilidade do recurso, antes se tratando de um caso de subsunção de diferentes situações concretas à previsão ou hipótese das mesmas normas jurídicas.

VI. Ainda que tal diferenciação fáctica não fosse bastante para afastar a admissibilidade do recurso em apreço, sempre se teria de concluir que a questão erigida pelo Réu/Recorrente – saber se “a mera declaração produzida pela entidade pública no contrato de compra e venda, na posição de compradora no quadro do direito privado, no sentido de que a parcela de terreno se destinava à construção de um conjunto habitacional não é idónea a vinculá-la juridicamente, no confronto do vendedor a dar-lhe esse destino”, para efeitos de aplicação do regime dos arts, 252.º, n.º 2, e 437.º do CC –  não conheceu diferentes respostas por parte dos acórdãos em confronto.

VII. Ainda que a leitura isolada das contra-alegações se afigure suscetível de roçar a violação do dever de recíproca correção, na medida em que – em abstrato - se possa entender terem sido utilizadas expressões injustificadas ou mesmo ofensivas do bom nome da autarquia visada, parece que, atendendo ao quadro fatual apurado, demonstrativo de uma atuação gravosa (e até censurável) por parte do Réu, se encontra sustentado o juízo de desvalor que lhe é dirigido. No restante, sempre a conduta em apreço estaria justificada pelo contexto processual e pelo exercício da advocacia no cumprimento dos deveres do mandatário de assegurar a defesa e exercer o patrocínio, impondo-se aos tribunais uma diminuída suscetibilidade, ou, se se preferir, uma suficiente margem de tolerância, no que respeita a atuações processuais, veiculadas por mandatários, sob pena de poderem ser sacrificados, de forma não proporcional, os direitos de defesa das partes e de acesso ao direito que caracterizam um Estado de Direito.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 951/06.9TBCLD.C1.L1.S1
Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça,

I - Relatório
1. AA e BB propuseram acção declarativa com processo ordinário contra o Município de …, pedindo que lhes fosse reconhecido e declarado o direito à modificação do contrato de compra e venda que invocam, fixando-se o respetivo preço no montante de € 1.250.000,00, devendo o Réu ser condenado a pagar-lhes a quantia correspondente à diferença entre o que já lhes pagou (€ 229.447,07) e a referida quantia de € 1.250.000,00, ou seja, o valor de € 1.020.552,93, acrescido dos respetivos juros de mora.
2. Pediram, subsidiariamente, que lhes fosse reconhecido e declarado o direito à resolução daquele contrato de compra e venda, devendo o Réu ser condenado a restituir-lhes o imóvel ou, não sendo a restituição possível, a pagar-lhes a referida quantia de € 1.020.552,93, acrescida dos respetivos juros de mora.
3. Ainda subsidiariamente, pediram que lhes fosse reconhecido e declarado o direito de requerer a anulação do referido contrato, devendo o Réu ser condenado a restituir-lhes o imóvel ou, não sendo a restituição possível, a pagar-lhes aquela quantia de € 1.020.552,93, acrescida dos respetivos juros de mora.
4. O Réu Município de … contestou, concluindo pela improcedência da ação.
5. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, declarando-se a modificação do contrato e condenando-se o Réu a reconhecer tal modificação e, consequentemente, a pagar aos Autores a quantia de € 694.552,93, correspondente à diferença entre o valor já recebido pelos autores (€ 229.447,00) e o valor então fixado (€ 924.000,00), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
6. Entretanto, foi determinada a repetição de depoimentos considerados impercetíveis.
7. Inconformado, o Réu interpôs recurso de apelação daquela sentença.
8. Realizada a inquirição, foi proferida nova sentença, nos mesmos termos da anterior.
9. De novo inconformado, o Réu interpôs recurso de apelação daquela nova sentença, que foi admitido pelo Tribunal de 1ª Instância.
10. No entanto, conforme despacho do Senhor Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, esse recurso não foi admitido.
11. Tendo o Réu/Recorrente reclamado para a conferência, foi, a 26 de novembro de 2015, proferido acórdão que manteve a decisão reclamada.
12. Deste acórdão interpôs o Réu recurso de revista, tendo o mesmo sido revogado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que admitiu o referido recurso.
13. Foi, então, proferido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls.1819 e ss., que julgou parcialmente procedente o recurso e fixou o valor a receber pelos Autores em € 243.152,33, com juros legais desde a citação até integral pagamento.
14. Inconformados, Autores AA e BB e Réu Município … interpuseram recursos de revista daquele acórdão.
15. Conforme o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de janeiro de 2019:
“Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso do réu e, na parcial procedência do recurso dos autores, altera-se o acórdão recorrido, fixando-se o valor a receber pelos autores em € 520.552,93 (€ 750.000,00 - € 229.447,07), com juros legais desde a citação até integral pagamento.
Custas do recurso do réu, a cargo deste, e do recurso dos autores, a cargo destes e do réu, na proporção do decaimento”.

16. Notificados desse acórdão– IX Vol., fls. 2071 e 2072 -, vieram os Autores e o Réu, lançando mão do mecanismo da reforma da sentença, estabelecido no art. 616.º, n.º 1, do CPC - aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores ex vi dos arts 666.º e 685.º do mesmo corpo de normas -,  ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7, 2.ª parte, do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, requerer a dispensa – total ou parcial - do pagamento do remanescente da taxa de justiça – IX Vol., fls. 2074 a 2076 e 2079 a 2085.
17. Subsidiariamente, requereram a declaração de inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso aos tribunais (art. 20.º da CRP), conjugado com o princípio da proporcionalidade (arts. 2.º e 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP), das normas dos arts. 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do RCP. Uma vez declarada essa inconstitucionalidade, deve então ter lugar a dispensa total ou parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelos Autores.
18. Por requerimentos de 22 de outubro e de 11 de novembro de 2019, os Autores solicitaram a emissão de certidão com menção do trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 29 de janeiro de 2019, exceto quanto a custas.
19. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 10 de dezembro de 2019, decidiu o seguinte:
Pelo exposto, acorda-se em não dar provimento ao requerido tanto pelos Autores/Recorrentes/Recorridos como pela Ré/Recorrente/Recorrida, não se reformando o acórdão de fls. 2003 a 2068, no que concerne ao respetivo segmento decisório sobre custas.
Defere-se o pedido de emissão de certidão com menção do trânsito em julgado a 15 de fevereiro de 2019 do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 29 de janeiro de 2019 e ordena-se a emissão de certidão do respetivo trânsito em julgado”.

20. Importa, agora, sobretudo a tramitação subsequente a este acórdão, proferido nos autos principais a 10 de dezembro de 2019. De um lado, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não dar provimento aos incidentes de reforma, suscitados por ambas as partes, do acórdão de 29 de janeiro de 2019, que condenou o Réu Município de … a pagar aos Autores AA e BB a quantia de € 520.552,93, acrescida de juros legais, por erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio suscetível de justificar a modificação do contrato por alteração das circunstâncias. De outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça ordenou a emissão de certidão com menção do trânsito em julgado a 15 de fevereiro de 2019 do acórdão proferido a 29 de janeiro de 2019.
21. Efetivamente, decidiu-se, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 2019, negar os pedidos de dispensa ou redução do pagamento da taxa de justiça subsequente apresentados por ambas as partes, de um lado e, de outro, determinar a emissão de certidão solicitada pelos Autores do acórdão proferido a de janeiro de 2019 com menção do trânsito em julgado a 15 de fevereiro de 2019, para efeitos de junção aos autos de execução entretanto instaurados.
22. Resulta da respetiva fundamentação ter-se entendido que, havendo o pedido de reforma apenas como objeto a dispensa ou redução do pagamento da taxa de justiça subsequente (que foi indeferida), já ocorrera o trânsito em julgado do acórdão quanto aos restantes segmentos decisórios, em virtude do decurso do prazo geral de arguição de nulidade ou de reforma quanto ao demais objetos da decisão.
23. Assim depois da prolação do acórdão de 10 de dezembro de 2019 pelo Supremo Tribunal de Justiça, foram apresentados os seguintes requerimentos (no processo principal e no apenso de recurso para uniformização de jurisprudência):
a) a 8 de janeiro de 2020: requerimento de reforma do acórdão de 10 de dezembro de 2019 por parte do Réu Município ... no que respeita à decisão de emissão de certidão do acórdão proferido a 29 de janeiro de 2019 com trânsito em julgado a 15 de fevereiro de 2019, por erro judiciário na interpretação e aplicação do art. 628.º do CPC, estatuindo-se que o acórdão apenas transitou após a decisão do incidente de reforma (ref. 135715) – questão esta a decidir por acórdão;
b) a 8 de janeiro de 2020: requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional por parte do Réu Município …, ao abrigo do art. 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – doravante LTC), tendo por objeto a interpretação dos arts. 154.º do CPC e 437.º do CC, questão já suscitada no recurso de apelação, e alegadamente aplicados pelo acórdão recorrido de 29 de janeiro de 2019. Invoca-se, como fundamento, o facto de a decisão judicial tecer considerações de índole política e, por isso, ter o Tribunal afrontado o princípio da separação de poderes e independência dos tribunais (arts.111º, 202º, 203º e 205º, da CRP) quando o dever de fundamentação das decisões e a aplicação do instituto da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias deveriam radicar apenas em razões legais (ref. 135717);
c) a 8 de janeiro de 2020: requerimento de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência por parte do Réu Município …, ao abrigo dos arts. 688.º e ss. do CPC, tendo por objeto: i) a noção e o momento do trânsito em julgado, nos termos do art. 628.º do CPC, na interpretação dada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 2019 (acórdão que apreciou a reforma), por estar em contradição com o acórdão do mesmo Tribunal  22 de fevereiro de 2017 (proc. n.º 659/12.6TTMTS.P2-A.S1); ii) a aplicação do regime dos arts. 252.º, n.º 2, e 437.º do CC a uma declaração emitida num contrato de compra e venda, na interpretação dada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de janeiro de 2019 (acórdão que apreciou o mérito da acção), por estar em contradição com o acórdão do mesmo Tribunal de 23 de abril de 2009 (proc. n.º 674/04.3TBCMN) (ref. 135718 e cópia no apenso A);
d) a 16 de janeiro de 2020: resposta dos Autores AA e BB ao requerimento de reforma do acórdão de 10 de dezembro de 2019 - que apreciou a reforma -, apresentado pelo Réu, pedindo a sua improcedência (ref. 135945);
e) a 21 de janeiro de 2020: resposta dos Autores AA e BB ao requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, alegando a sua inadmissibilidade por extemporaneidade e inverificação dos pressupostos legais (ref. 136097);
f) a 10 de fevereiro de 2020: resposta dos Autores AA e BB ao requerimento de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência (ref. 136748 e cópia no apenso A);
g) a 26 de fevereiro de 2020: requerimento apresentado pelo Réu Município ...pedindo a condenação dos Autores em multa como litigantes de má-fé e em taxa sancionatória excepcional, nos termos do art. 531.º do CPC, e ainda seja dado conhecimento à Ordem dos Advogados para a aplicação da correspondente sanção e condenação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 545.º do CPC  (ref. 137189 do Apenso A);
h) a 26 de fevereiro de 2020: resposta dos Autores AA e BB ao requerimento de condenação em multa e taxa sancionatória excepcional, pedindo o seu indeferimento (ref. 137203 do Apenso A).
24. Por decisão singular de 28 de setembro de 2020, a Senhora Relatora não admitiu os recursos para uniformização de jurisprudência interpostos pelo Réu Município …. Indeferiu também o seu requerimento de condenação dos Autores em multa por litigância de má-fé e em taxa sancionatória excecional, assim como de dar conhecimento à Ordem dos Advogados para a aplicação da correspondente sanção e condenação do mandatário. Com efeito,
“Pelo exposto, decide-se:
a)            Não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional;
b)            Não admitir o recurso para uniformização de jurisprudência que tem por referência a noção e o momento de trânsito em julgado;
c)            Não admitir o recurso para uniformização de jurisprudência que tem por objeto a interpretação/aplicação do regime constante dos arts. 252.º, n.º 2, e 437.º do CC;
d)            Indeferir o requerimento do Réu de condenação dos Autores em multa por litigância de má-fé e em taxa sancionatória excecional, assim como de dar conhecimento à Ordem dos Advogados para a aplicação da correspondente sanção e condenação do mandatário”.
 
25. Inconformado, o Réu/Recorrente Município ...veio, nos termos e para os efeitos dos arts 652.º, n.º 3, 2.ª parte e 692.º, n.º 2, do CPC, apresentar a sua reclamação para a conferência, oferecendo as seguintes Conclusões:
“1. Em 08.01.2020, o Recorrente, ora Reclamante, interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, tendo por objeto duas questões de direito, suscitadas nos Acórdãos datados de 29.01.2019 e 10.12.2019, por Despacho de 28.09.2020 (cfr. ref.ª Citius 9514803), a Juiz Conselheira Relatora decidiu (i) não admitir recurso para uniformização de jurisprudência, que tem por referência a noção e o momento do trânsito em julgado; (ii) não admitir o recurso para uniformização de jurisprudência que tem por objeto a interpretação/aplicação do regime constante dos artigos 252.º, n.º 2 do Código Civil (“CC”) e (iii) indeferir o requerimento do Recorrente, ora Reclamante, de condenação dos Autores como litigantes de má fé.
2. Nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 692.º, n.º 2, do CPC, a apresentação de reclamação para a Conferência constitui o modo próprio de reação contra a decisão individual que determine a irrecorribilidade de uma decisão, in casu, a rejeição do recurso para uniformização de jurisprudência.
3. O recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do artigo 688.º do CPC, é admissível perante o preenchimento de um conjunto de requisitos, os quais se encontram preenchidos no caso sub judice.
4. Quanto ao Acórdão proferido em 10.12.2019: na parte em que conclui que o trânsito em julgado do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 29.01.2019 ocorreu a 15.02.2019, apesar de ter sido interposto pedido de reforma quanto a custas, encontra-se em manifesta contradição com Acórdão deste mesmo Venerando Tribunal datado de 22.02.2017 e proferido no processo n.º 659/12.6TTMTS.P2-A.S1 (cfr. Documento n.º 2, junto com as Alegações de recurso para uniformização de jurisprudência, com a ref. Citius 34480966).
5. Em 1.º lugar, o objeto do recurso para uniformização de jurisprudência deve ser, necessariamente, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, requisito este que se verifica quanto ao Acórdão de 10.12.2019, que não se trata de uma decisão de mero expediente (conforme admitido pelo Despacho a quo), nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 4 do CPC, nem mesmo – contrariamente ao decidido pelo Despacho de 28.09.2020 – o segmento decisório sobre o momento do trânsito em julgado seria insuscetível de revista, na medida em que se encontra cumprido o requisito de contradição de julgados referido no artigo 671.º, n.º 2, b) do CPC.
6. Em 2.º lugar, o recurso foi interposto em tempo, sem prejuízo de o Reclamante, por exacerbada cautela de patrocínio, ter suscitado incidente de reforma do Acórdão proferido em 10.12.2019.
7. Em 3.º lugar, relativamente à identidade fáctica e contradição jurisprudencial, não há dúvidas que tanto o Acórdão de 10.12.2019 como o acórdão-fundamento de 22.02.2017 versam sobre a mesma questão de direito e mobilizada o mesmo quadro normativo: o conceito e o momento do trânsito em julgado, tal como resulta da conjugação do exposto no artigo 628.º e 613.º, n.º 2 do CPC.
8. Perante a mesma circunstância de facto – verificação em concreto do trânsito em julgado de uma decisão judicial – constata-se que no Acórdão-fundamento, o artigo 628.º do CPC é interpretado no sentido da indiferenciação normativa entre pedidos de reforma (quer por invocação de erros materiais da decisão, quer quanto a custas), enquanto que, pelo contrário, o Acórdão de 10.12.2019 faz uma distinção entre os tipos de incidentes de reforma previstos no artigo 616.º do CPC (aplicável ex vi artigo 625.º do CPC), a qual é desprovida de sentido legal, quer por motivos sistemáticos, pois qualquer uma das situações em apreço encontra previsão na mesma disposição normativa, quer por motivos teleológicos, pois tratam-se de incidentes que se consubstanciam em desvios à regra sobre o esgotamento do poder jurisdicional, obstando ao trânsito em julgado.
9. Por ser manifesta a contradição do decidido pelo Acórdão de 10.12.2019 e o Acórdão-fundamento de 22.02.2017 (cfr. Documento n.º 2 junto com as Alegações de Recurso), deve a Conferência do Colendo Tribunal ad quem proferir Acórdão para Uniformização de Jurisprudência que determine que o artigo 628.º do CPC deverá ser interpretado no sentido de “O trânsito da sentença só ocorre depois de esgotados todos os meios de reação legalmente previstos ou o decurso do respetivo prazo, designadamente, a interposição de recurso nos termos gerais ou excecionais, mesmo que não admissível, a reclamação do despacho de não admissão do recurso, o pedido de reforma ou a arguição de nulidades”.
10. Quanto ao Acórdão proferido em 29.01.2019: ao determinar existir um erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio (artigo 252.º, n.º 2 do CC) suscetível de justificar a modificação do contrato por alteração das circunstâncias encontra-se em manifesta contradição com Acórdão deste mesmo Venerando Tribunal datado de 23.04.2009, proferido no âmbito do processo n.º 674/04.3TBCMN.S1 (cfr. Documento n.º 3, junto com as Alegações de recurso para uniformização de jurisprudência).
11. Em 1.º lugar,o recurso foi tempestivo ,pois o Acórdão de 29.01.2019 não transitou em julgado em 15.02.2019, uma vez que o Reclamante e Reclamados suscitaram incidente de reforma do mesmo acórdão.
12. Em 2.º lugar, relativamente à identidade da questão fundamental de direito e mobilização do mesmo quadro normativo, do cotejo entre o Acórdão-fundamento (cfr. Documento n.º 3,junto com as Alegações de recurso para uniformização de jurisprudência) com o Acórdão de 29.01.2019 resulta evidente que a questão fundamental de direito é a mesma – a (não) vinculação do Município aos fins do contrato de compra e venda e, consequentemente, o não preenchimento dos pressupostos dos artigos 252.º e 437.º, ambos do CC.
13. O Acórdão-fundamento dirimiu um litígio que opôs dois particulares proprietários de um imóvel (Autores) e a Câmara Municipal … (Ré), que adquiriu o imóvel aos primeiros, tendo o Colendo Tribunal afastado a possibilidade de anulação do contrato com base em erro dos ali Autores sobre a circunstância de a parcela de terreno ser expropriada, tendo ainda afastado o erro sobre os motivos determinantes da vontade que, não se referindo à pessoa do declaratário, nem ao objeto do negócio, não teria relevância em sede de anulação, por falta de acordo sobre a essencialidade, tendo também afastado o erro sobre a base do negócio com fundamento em falta de preenchimento dos pressupostos do regime decorrente do n.º 2 do artigo 252.º e do n.º 1 do artigo 437.º do CC, não só quanto à própria base do negócio, mas também quanto ao facto de a lesão causada pela manutenção do contrato afetar gravemente os princípios da boa fé e não estar coberta pelos riscos próprios do contrato.
14. Por seu turno, no Acórdão de 29.01.2019 considerou-se que o Réu, aqui Reclamante - entidade pública –, se vinculou à alegada declaração efetuada no contrato de compra e venda sub judice, quanto aos fins a atribuir ao imóvel objeto do contrato, e que houve alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar, apesar de o contrato em apreço já estar cumprido, em manifesta contradição com o decidido pelo Acórdão-fundamento em causa.
15. Subsidiariamente, mesmo que assim não fosse, sem conceder, nunca estariam preenchidos os requisitos do artigo 437.º para modificar o contrato, sendo evidente que a venda efetuada pelo Réu, aqui Reclamante, a terceiro do imóvel anteriormente adquirido aos Autores, aqui Reclamados, não ofende os ditames da boa fé e situa-se dentro dos riscos próprios do contrato, não só porque o regime da alteração das circunstâncias não foi concebido para contratos já executados (nos quais as respetivas prestações se encontram perfeitas e realizadas), como pelo facto de o Reclamante ter atuado por via do mecanismo do direito privado (despido de ius imperii), sendo “normal que o prédio seja adquirido por um preço e depois seja vendido por outro gerando mais valias ” – de acordo com as leis do mercado.
16. Em 3.º lugar, relativamente à necessária essencialidade da divergência entre os arestos, verifica-se que as contradições identificadas são essenciais para a decisão da causa, ditando a absolvição do Ré no Acórdão-fundameno e, em consequência da contradição jurisprudencial, a condenação do Recorrente, aqui Reclamante, nos autos.
17. Pelo exposto, o Despacho objeto da presente Reclamação deve ser revogado e substituído por Acórdão que admita o recurso interposto pelo Reclamante em 08.01.2020, determinando-se ser insuscetível de aplicação o regime dos artigos 252.º, n.º 2 e 437.º do CC, uma vez que “[a] mera declaração produzida pela entidade pública no contrato de compra e venda, na posição de compradora no quadro do direito privado, no sentido de que a parcela de terreno se destinava à construção de um conjunto habitacional não é idónea a vinculá-la juridicamente, no confronto do vendedor, a dar-lhe esse destino”.
18. Finalmente, a Decisão reclamada indeferiu o pedido de condenação dos Autores, aqui Reclamados, por litigância de má-fé, com fundamento nas expressões e linguagem inadequada e injustificadamente injuriosa para com o Reclamante, utilizadas pelos Reclamados nas Contra-Alegações de recurso, ofendendo o bom nome da autarquia Reclamante e atentando ao caráter dos membros do executivo municipal, assim, ultrapassando insustentavelmente os limites do dever de recíproca correção que têm de tutelar (a, por vezes, exacerbada) disputa judicial.
19. Em concreto, os Reclamados pretendem caracterizar a conduta do Reclamante por referência “[a]o desmoronamento das instituições” e ao “recrudescimento de populismos, sobretudo de cariz neofascista”, considerando a atuação do Reclamante como “moralmente intolerável” e afirmam que a mesma conduz “ao robustecimento de ideologias, movimentos e personagens populistas, maxime de cariz neofascista”.
20. Além de infundadas, as expressões utilizadas pelos Reclamados constituem um juízo político sobre os representantes do Município …, assaz despropositado (visando exclusivamente condicionar a decisão do Venerando Tribunal ad quem, criando um véu populista e demagógico com o intuito de converter a discricionariedade administrativa transparente e lucrativa para os munícipes, num ato prejudicial de cariz neo-fascista), que extravasa largamente o direito de defesa dos Reclamados e que em nada contribui para a boa decisão da causa.
21. É inequívoco que a utilização das expressões acima transcritas se enquadra no instituto da litigância de má-fé, pela instrumentalização indevida e abusiva que os Reclamados fazem dos presentes autos, previsto na alínea d) do número 2 do artigo 542.º do CPC e extrapola injustificadamente a conduta processual permitida às Partes, violando o disposto nos artigos 9.º, n.º 2 e 150.º, n.º 2, ambos do CPC.
22. Assim, deve o Tribunal ad quem proferir Acórdão no qual os Reclamados sejam condenados em multa e no pagamento ao Reclamante de um montante indemnizatório por litigância de má-fé, nos termos do artigo 542.º, n.º 2, alínea d) do CPC.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão:
(a) deverá a presente Reclamação para a Conferência ser admitida, sendo, em consequência, revogado o Despacho datado de 28.09.2020 e admitido o Recurso para Uniformização de Jurisprudência interposto pelo Recorrente, aqui Reclamante, em 08.01.2020; e cumulativamente
(b) Concluir-se conforme o peticionado pelo Recorrente, aqui Reclamante, nas Alegações de Recurso apresentadas em 08.01.2020 e no Requerimento datado de 10.02.2020”.

26. Pugna, pois, o Recorrente Município ...pela admissão dos recursos, por considerar que, contrariamente ao entendimento da Senhora Relatora, se verificam claramente as invocadas contradições de julgados, sobre a mesma questão fundamental de direito e ao abrigo da mesma legislação.
27. Por seu turno, os Autores AA e BB responderam, defendendo a confirmação do despacho reclamado.

II – Questões a decidir

Estão em causa as seguintes questões:
a) (in)admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, interposto pelo Réu Município …, tendo por objeto: i) a noção e o momento do trânsito em julgado, nos termos do art. 628.º do CPC, na interpretação dada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 2019 (acórdão que apreciou a reforma), por estar em contradição com o acórdão do mesmo Tribunal de 22 de fevereiro de 2017 (proc. n.º 659/12.6TTMTS.P2-A.S1); ii) a aplicação do regime dos arts. 252.º, n.º 2, e 437.º do CC a uma declaração emitida num contrato de compra e venda, na interpretação dada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de janeiro de 2019 (acórdão que apreciou o mérito da ação), por estar em contradição com o acórdão do mesmo Tribunal de 23 de abril de 2009 (proc. n.º 674/04.3TBCMN) (ref. 135718 e cópia no apenso A);
b) se os Autores AA e BB devem ou não ser condenados em multa por litigância de má-fé e em taxa sancionatória excepcional, nos termos do art. 531.º do CPC, e ainda se deve ser dado conhecimento à Ordem dos Advogados para a aplicação da correspondente sanção e condenação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 545.º do CPC  (ref. 137189 do Apenso A).

III - Fundamentação
A) De Facto
Relevam os factos mencionados supra.
B) De Direito

Recursos para uniformização de jurisprudência
1. O Réu Município ...interpôs, a 8 de janeiro de 2020, ao abrigo dos arts. 688.º e ss. do CPC, recurso para uniformização de jurisprudência, tendo por objeto duas questões de direito distintas e com referência a diferentes acórdãos recorridos proferidos nos autos.
2. Importa, por isso, analisar separadamente cada um dos segmentos do requerimento de recurso para uniformização de jurisprudência, tendo em atenção que o acórdão a proferir respeitará ao apenso A.

Noção e momento do trânsito em julgado (“emissão de certidão com declaração de trânsito”)
1. A primeira questão objeto do pedido de uniformização de jurisprudência tem por referência a noção e o momento de trânsito em julgado, no sentido ou conteúdo de pensamento que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 10 de dezembro de 2019 (que apreciou o pedido de reforma e decidiu a emissão de certidão com trânsito em julgado a 15 de fevereiro de 2019), retirou do texto do art. 628.º do CPC, por estar em contradição com o acórdão do mesmo Tribunal de 22 de fevereiro de 2017 (proc. n.º 659/12.6TTMTS.P2-A.S1), do qual o Recorrente juntou certidão e que se encontra disponível em www.dgsi.pt.
2. Suscita-se a questão prévia de se saber se a decisão que determinou a emissão de certidão do acórdão de 29 de janeiro de 2019, com nota de trânsito em julgado a 15 de fevereiro de 2019, tendo em vista a sua entrega aos Autores para junção aos autos de execução entretanto instaurados, se consubstancia numa decisão suscetível de ser objeto de um recurso para uniformização de jurisprudência.
3. Com efeito, sem prejuízo de essa decisão ter sido objeto do acórdão que apreciou o primeiro pedido de reforma (na segunda parte), afigura-se defensável considerar que, se não constitui um despacho de mero expediente nos termos do art. 152.º, n.º 4, do CPC, não corresponde, pelo menos, a qualquer decisão que comporte recurso de revista, nos termos do art. 671.º do CPC. Isto inviabilizaria a possibilidade de dela ser interposto recurso para uniformização de jurisprudência.
4. O recurso para uniformização de jurisprudência e a intervenção do Pleno das Secções Cíveis apenas se justifica perante uma decisão em relação à qual se verifiquem os requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista, pois, se assim não fosse, poderia ser proferido um acórdão uniformizador sobre uma questão que, em princípio, não admitiria revista normal, como sucede no caso das decisões, como a ora em apreço, emitidas pelo Supremo Tribunal de Justiça depois da prolação do acórdão que conheceu do mérito[1].
5. Acresce que o requerimento de interposição do recurso em causa, de 8 de janeiro de 2020, é intempestivo por antecipação ou prematuridade, na medida em que, tendo sido apresentado pedido de reforma do acórdão de 10 de dezembro de 2019 (o qual só foi apreciado a 13 de outubro de 2020), a decisão de emissão de certidão com indicação do trânsito em julgado não transitara ainda em julgado, pelo que não se iniciara o prazo de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência, estabelecido no art. 689.º, n.º 1, do CPC.
6. Trata-se, com efeito, de um recurso extraordinário cujo prazo de interposição é de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido (art. 689.º, n.º 1, do CPC), tendo por finalidade apurar a alegada contradição jurisprudencial e, em caso afirmativo, decidir a questão controvertida, emitindo acórdão de uniformização sobre o conflito assim verificado.
7. Por conseguinte, não tendo ainda transitado em julgado, a 8 de janeiro de 2020, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 2019, afigura-se prematura a interposição do recurso em causa.
8. Em todo o caso, mesmo que se considerasse que tal não impede o conhecimento imediato do requerimento em causa e dando como conhecidos os pressupostos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência[2], sempre importaria verificar se existe – ou não - a invocada contradição jurisprudencial no que respeita ao momento do trânsito em julgado quando é requerida a reforma do acórdão recorrido quanto ao pagamento do remanescente da taxa de justiça .
A contradição jurisprudencial
9. Nos termos do art. 688.º do CPC:
“1 - As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
2 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.
3 – O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.”

10. No que respeita à contradição de julgados que fundamenta a admissibilidade do recurso de uniformização, a jurisprudência tem entendido ser necessária a verificação cumulativa de três requisitos de caráter substancial[3]:
(i) a identidade da questão fundamental de direito;
(ii) a identidade do regime normativo aplicável; e
(iii) a essencialidade da divergência para a resolução de cada uma das causas.
11. Ou, conforme resulta de fórmula mais desenvolvida[4]:
I - Para que exista um conflito jurisprudencial, susceptível de ser dirimido através do recurso extraordinário previsto no art. 688º do CPC, é indispensável que as soluções jurídicas, acolhidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, assentem numa mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito.
II - O preenchimento deste requisito supõe que as soluções alegadamente em conflito:
- correspondem a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental: implica isto, não apenas que não hajam ocorrido, no espaço temporal situado entre os dois arestos, modificações legislativas relevantes, mas também que as soluções encontradas num e noutro acórdão se situem no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica - não integrando contradição ou oposição de acórdãos o ter-se alcançado soluções práticas diferentes para os litígios através da respectiva subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados;
- têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito – sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto;
- a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto – não relevando os casos em que se traduza em mero obiter dictum ou num simples argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via jurídica.
 
12. Importa, pois, verificar se estas condições se encontram reunidas no que respeita às questões alegadamente em oposição identificadas pelos Réu/Recorrente Município ...no presente processo.
13. Segundo o entendimento do acórdão recorrido – acórdão de 10 de dezembro de 2019 -, numa situação em que, sob a forma de pedido de reforma, se pretendeu solicitar a dispensa ou redução da taxa de justiça subsequente - pretensão diferente e autónoma do conhecimento de mérito da ação que não foi objeto de qualquer invocação de nulidade ou pedido reforma -, o acórdão transitou em julgado em todos os segmentos decisórios com exceção da questão do remanescente da taxa de justiça.
14. Por seu turno, no acórdão-fundamento - acórdão de 22 de fevereiro de 2017, proferido pela secção social do Supremo Tribunal de Justiça -, em parte alguma da fundamentação se encontra contradição com o juízo afirmado no acórdão recorrido a propósito da noção de trânsito em julgado.
15. Com efeito, ambos os arestos – acórdão recorrido e acórdão-fundamento - afirmam que “quando seja insuscetível de recurso ordinário, o trânsito em julgado ocorre com o esgotamento do prazo para a arguição de nulidades da sentença ou dedução do incidente de reforma, nos termos dos arts. 615º, nº 4, e 616º (e dos arts. 666º e 685º quando estejam em causa acórdãos da Relação ou do Supremo, respetivamente)”, adotando até, praticamente, a mesma formulação, como resulta da leitura do ponto B) n.º 6 do acórdão recorrido e do ponto 4.2.2. do acórdão fundamento.
16. O que o acórdão recorrido acrescenta é a referência a “quando se trate de matérias diferentes do remanescente da taxa de justiça”, questão essa que de modo algum foi objeto de análise ou pronúncia por parte do acórdão-fundamento, não se podendo conjeturar ou sequer entender que estaria implícita ou pressuposta[5] na respetiva fundamentação a ideia de que a pretensão apresentada no prazo de reforma de dispensa ou redução da taxa de justiça subsequente impediria o trânsito em julgado.
17. De resto, não existe sequer a necessária identidade fáctica que permita concluir terem ambos os arestos tratado da mesma questão jurídica. Efetivamente: de um lado, o acórdão recorrido referiu-se ao momento do trânsito em julgado quando estava em causa a pretensão de dispensa ou redução da taxa de justiça objeto de um pedido de reforma; de outro lado, o acórdão-fundamento pronunciou-se sobre o momento do trânsito em julgado de um acórdão da Relação, confirmativo da sentença, quando o despacho de não admissão do respetivo recurso foi objeto de reclamação nos termos do art. 643.º do CPC, entendendo que a decisão só transitava dez dias após o indeferimento dessa reclamação.
18. Não se verifica, pois, qualquer contradição sobre a mesma questão fundamental de direito.
19. Improcede, assim, a reclamação, confirmando-se o despacho reclamado que não admitiu o recurso para uniformização de jurisprudência em apreço.

Aplicação do regime dos arts. 252.º, n.º 2, e 437.º do CC (“decisão de mérito”)
1. A segunda questão objeto do pedido de uniformização de jurisprudência respeita à interpretação/aplicação do regime constante dos arts. 252.º, n.º 2, e 437.º do CC, no sentido ou conteúdo de pensamento que lhes foi atribuído pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de janeiro de 2019 (que apreciou o mérito da ação), por estar em contradição com o acórdão do mesmo Tribunal de 23 de abril de 2009 (proc. n.º 674/04.3TBCMN), do qual o Recorrente juntou certidão.
2. Importa, previamente, aferir da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso em causa no que toca ao respetivo objeto, nomeadamente à respetiva tempestividade.
3. Conforme mencionado supra, o art. 689.º, n.º 1, do CPC, dispõe que “o recurso para uniformização de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido”.
4. No caso em apreço, sendo o objeto do recurso para uniformização de jurisprudência o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 29 de janeiro de 2019 e tendo-se considerado que este transitou em julgado a 15 de fevereiro de 2019, afigura-se claro que a interposição deste recurso extraordinário apenas a 8 de janeiro de 2020 é intempestiva – em conformidade com o decidido no acórdão de 10 de dezembro de 2019 relativamente à emissão de certidão com data de trânsito em jugado a 15 de fevereiro de 2019.
5. Com efeito, conforme referido supra, não impedindo o pedido de dispensa ou redução da taxa de justiça subsequente, apresentado sob a forma de pedido de reforma quanto a custas, o trânsito em julgado do acórdão recorrido que apreciou do mérito da causa, não aproveita ao Réu a pretensa interrupção do prazo de interposição de recurso até que esse pedido fosse apreciado.
6. Deste modo, tendo decorrido mais de nove meses desde o termo do prazo de trinta dias previsto no art. 689.º, n.º 1, do CPC, contado da data de trânsito em julgado do acórdão recorrido até à apresentação do requerimento de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo dos arts. 641.º, n.º 2, al. a), e 692.º, n.º 1, do CPC, o recurso deve, nesta parte, ser considerado extemporâneo.
7. Em todo o caso, numa análise necessariamente abreviada dos pressupostos substantivos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (uma vez que tal fica prejudicado pela rejeição prévia por extemporaneidade), importa verificar se existe ou não a invocada contradição quanto à aplicação do regime do erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, justificativo da modificação do contrato por alteração das circunstâncias, decidida no acórdão recorrido.
8. A este respeito evidenciam-se, desde logo, diferenças entre a matéria de facto subjacente a cada um dos acórdãos em alegada oposição que indiciam não se verificarem os requisitos de admissibilidade do recurso, antes se tratando de um caso de subsunção de diferentes situações concretas à previsão ou hipótese das mesmas normas jurídicas.
9. Na verdade, no acórdão recorrido estava em causa a venda a um Município de um terreno, celebrada na sequência da afirmação do respetivo Presidente no sentido de inviabilizar o licenciamento para construção no caso de essa venda não ter lugar por determinado preço. Os Autores estavam convencidos, por tal convicção lhes ter sido criada pelo Presidente, conhecedor da essencialidade de que esses elementos se revestiam para os Autores, de que, se não concluíssem o referido contrato com a autarquia, seriam expropriados, e que o imóvel se destinava à realização de interesses públicos. A compra e venda foi então celebrada pelo preço aproximado de € 229.447,07. Contudo, ulteriormente – ou seja, menos de dois anos volvidos sobre o contrato de compra e venda celebrado entre Autores e Réu -, o Município vendeu parte desse imóvel em hasta pública por um preço muito superior - € 1.280.000,00 -,  com vista à instalação de uma superfície comercial de supermercado.
10. Já no acórdão-fundamento estava, nomeadamente, em causa a valoração da declaração de entidade pública, emitida aquando da celebração do contrato de compra e venda, de que o objeto mediato do negócio se destinatária a determinada construção, e se tal constituía uma condição a que esse contrato se encontrava sujeito. Contudo, neste caso, decorridos vinte anos sobre a data da alienação, a autarquia não havia ainda realizado qualquer obra no imóvel adquirido. Foi precisamente essa ausência de obra que  fundamentou os pedidos de modificação e resolução do negócio com base na alteração das circunstâncias.
11. Mas ainda que tal diferenciação fáctica não fosse bastante para afastar a admissibilidade do recurso em apreço, sempre se teria de concluir que a questão erigida pelo Réu/Recorrente Município ...– saber se “a mera declaração produzida pela entidade pública no contrato de compra e venda, na posição de compradora no quadro do direito privado, no sentido de que a parcela de terreno se destinava à construção de um conjunto habitacional não é idónea a vinculá-la juridicamente, no confronto do vendedor a dar-lhe esse destino”, para efeitos de aplicação do regime dos arts, 252.º, n.º 2, e 437.º do CC –  não conheceu diferentes respostas por parte dos acórdãos em confronto.
12. Sem prejuízo de diferentes entendimentos que os acórdãos recorrido e fundamento possam ter perfilhado sobre os requisitos da verificação do erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, ou sobre a aplicação do instituto da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias a contratos já executados, a verdade é que, relativamente à questão jurídica identificada pelo Réu/Recorrente, não se pode dizer que a referência feita ao destino do imóvel aquando da celebração da escritura de compra e venda (o qual apenas integra a factualidade provada subjacente ao acórdão-fundamento e não se se encontra entre os factos provados do acórdão recorrido) tenha sido elemento determinante, ou se haja traduzido na ratio decidendi, para as diferentes conclusões a que chegou cada um dos arestos.
13. Razão pela qual, considerando o objeto delimitado pelo Réu/Recorrente, não se verificam os requisitos para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência. Não se admite, pois, o recurso para uniformização de jurisprudência em apreço.
14. Improcede, assim, a reclamação, confirmando-se o despacho reclamado, que não admitiu o recurso para uniformização de jurisprudência sub judice.

Condenação dos Autores em multa por litigância de má-fé e em taxa sancionatória excecional
1. O Réu Município ...pede ainda a condenação dos Autores em multa por litigância de má-fé (art. 542.º, n.os1 e 2, als c) e d), do CPC) e em taxa sancionatória excecional (art. 531.º do CPC), assim como seja dado conhecimento à Ordem dos Advogados para a aplicação da correspondente sanção e condenação do mandatário (art. 545.º do CPC).
2. Entende o Réu que os Autores, nas suas contra-alegações de recurso para uniformização de jurisprudência, usaram de linguagem excessiva, inadequada e injustificadamente injuriosa para consigo, concretamente quando caracterizam a sua conduta por referência “[a]o desmoronamento das instituições” e ao “recrudescimento de populismos, sobretudo de cariz neofascista” e, depois, adjetivando a sua atuação como “moralmente intolerável”.
3. Os Autores responderam, transcrevendo, de um lado, parte das conclusões das contra-alegações em que estão inseridas essas afirmações, que se traduzem em meros juízos e, de outro lado, reproduzindo os factos provados que, em seu entender, justificam as considerações tecidas a propósito da conduta do Município ...e do seu Presidente da Câmara, pugnando pelo indeferimento do requerido.
4. Quanto ao restante, apoiando-se em doutrina e jurisprudência diversa, nomeadamente do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, os Autores sustentam haver atuado ao abrigo da respetiva liberdade de expressão, maxime, do seu advogado, a qual deve ser especialmente tutelada num Estado de Direito.
5. O enquadramento legal do instituto da litigância de má-fé é bem conhecido, estando aqui em causa a utilização, num articulado, de expressões suscetíveis de se consubstanciar, no entendimento do Réu/Requerente, numa violação do dever de cooperação e num uso manifestamente reprovável do processo, nos termos dos arts. 7.º e 542.º, n.º 2, als. c) e d), do CPC, suscetível de comunicação à Ordem dos Advogados, conforme o art. 545.º do CPC, em vista da responsabilização do mandatário.
6. De acordo com o art. 531.º do CPC, a condenação em taxa sancionatória excecional pressupõe a manifesta improcedência da ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente e que a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.
7. De resto, de acordo com o art. 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, “o advogado deve exercer o patrocínio dentro dos limites da lei e da urbanidade, sem prejuízo do dever de defender adequadamente os interesses do seu cliente[6].
8. É neste contexto que deve ser apreciada a conduta dos Autores, representados pelo seu mandatário, sendo certo que, segundo o art. 9.º, n.º 1, do CPC, “nenhuma das partes deve usar, nos seus escritos, ou alegações orais, expressões desnecessária ou injustificadamente ofensivas da honra ou do bom nome da outra, ou do respeito devido às instituições”.
9. Importa, pois, averiguar se a utilização das expressões em apreço pelos Autores, no âmbito das contra-alegações apresentadas ao recurso para uniformização de jurisprudência, integram uma violação do dever de correção (de “recíproca correcção” nos termos da epígrafe do art. 9.º do CPC) e se essa atuação é suscetível de ser considerada como praticada com dolo ou negligência grave, pressuposto da condenação por litigância de má-fé.
10. O segmento das contra-alegações de recurso para o efeito relevante restringe-se à parte introdutória do articulado, designada pelos próprios Autores como “preliminares”, parcialmente reproduzida nas conclusões. Após uma citação de uma obra de António Damásio que alude à degradação moral e espiritual da sociedades contemporâneas passível de conduzir ao “desmoronamento das instituições, ao recrudescimento dos populismos, sobretudo de cariz neofascista, e a guerras”, afirma-se que esta referência é feita a propósito da atuação do Réu nos presentes autos.
11. Segue-se, depois, uma transcrição dos factos provados que os Autores entendem relevantes para a conclusão de que a intervenção de uma entidade pública “no mercado imobiliário, coagindo particulares a venderem-lhe imóveis a preços irrisórios, muito inferiores aos respetivos valores de mercado, levando esses particulares ao logro para o efeito e revendendo tais imóveis a outros particulares escassos meses depois por preços abissalmente superiores, obtendo assim mais-valias verdadeiramente obscenas, mais do que ilícito (…) , é moralmente intolerável e leva em linha reta ao descrédito dos poderes públicos e da ordem vigente e ao robustecimento de ideologias, movimentos e personagens populistas, maxime de cariz neofascista”.
12. Terminam com uma referência ao arrastamento do presente processo, sustentando que “a tentativa de uma entidade pública, utilizando receitas que, genericamente, provêm dos cidadãos, de perpetuar esse processo, não só obstaculizando a realização da justiça, como obrigando os munícipes lesados a suportar ainda mais custos, é literalmente inqualificável.”
13. Da reprodução parcial das contra-alegações retira-se que os Autores formulam essencialmente juízos opinativos a propósito da atuação do Réu Município de…, qualificando essa conduta com base nos factos provados - e dos quais resulta, efetivamente, uma conduta por parte do Réu, na pessoa do seu Presidente da Câmara, suscetível de sustentar esses juízos (des)valorativos.
14. Assim, e ainda que a leitura isolada da referida peça processual se afigure suscetível de roçar a violação do dever de recíproca correção, na medida em que – em abstrato - se possa entender terem sido utilizadas expressões injustificadas ou mesmo ofensivas do bom nome da autarquia visada, parece-nos que, atendendo ao quadro fatual apurado, demonstrativo de uma atuação gravosa (e até censurável) por parte do Réu Município …, agindo designadamente através do seu Presidente da Câmara, se encontra sustentado o juízo de desvalor dirigido ao Réu.
15. No restante, sempre a conduta em apreço estaria justificada pelo contexto processual e pelo exercício da advocacia no cumprimento dos deveres do mandatário de assegurar a defesa e exercer o patrocínio, impondo-se aos tribunais uma diminuída suscetibilidade, ou, se se preferir, uma suficiente margem de tolerância, no que respeita a atuações processuais, veiculadas por mandatários, sob pena de poderem ser sacrificados, de forma não proporcional, os direitos de defesa das partes e de acesso ao direito que caracterizam um Estado de Direito.
16. Isto mesmo se retira da leitura que deve ser feita do arts. 20.º, 37.º e 208.º da CRP e do disposto no arts. 6.º, 10.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, segundo a interpretação que lhes tem sido dada pelo Tribunal Constitucional e pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, designadamente, no Acórdão do Tribunal Constitucional  n.º 581/98[7] e nos acórdãos do Tribunal de Estrasburgo citados na resposta dos Autores, concretamente no acórdão de 23 de abril de 2015, proferido no processo “Morice vs França”, e na jurisprudência aí mencionada. Esta jurisprudência distingue entre a liberdade de expressão do advogado dentro e fora do tribunal, sendo mais ampla a primeira, porquanto lhe permite uma troca livre e forte de argumentos (“free and even forceful exchange of argument between the parties”), e reconhece que as partes no processo têm de tolerar um considerável nível de crítica, mesmo que certos termos sejam inapropriados (“tolerate very considerable criticism by ... defence counsel”, even if some of the terms are inappropriate”)[8].
17. Acresce que também não se poder afirmar que os Autores tenham “feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão” (art. 542.º, n.º 2, al. d), do CPC).
18. Não pode outrossim dizer-se que os Autores tenham agido com dolo ou negligência grave, designadamente por não resultar do contexto das contra-alegações como demonstrado um animus injuriandi, mas antes uma intenção de situar, de “contextualizar” a atuação do Réu sem propósitos difamatórios.
19. Por um lado, não há qualquer intencionalidade na violação do dever de cooperação, ou na utilização maliciosa ou abusiva do processo ou dos meios processuais com vista a conseguir um objetivo ilegal ou a entorpecer a acção da justiça.
20. Com efeito, age dolosamente a parte que sabe que viola intencionalmente o dever de cooperação bem como a parte que sabe estar a fazer um uso reprovável, porque disfuncional, dos meios processuais ou do processo[9].
21. Os Autores agiram na convicção da correção e da justeza da resposta que apresentaram no recurso para uniformização de jurisprudência. Não violaram o seu dever de cooperação e não fizeram uma utilização maliciosa ou abusiva do processo em vista de um objetivo ilegal ou a entorpecer a Justiça.
22. Por outro lado, os Autores não atuaram sem um mínimo de cautelas, sem qualquer espécie de ponderação, com omissão do dever de diligência exigível a qualquer pessoa que intenta responder a um recurso[10].
23. Além do mais, o tipo central de responsabilidade civil por comportamento processual não se limita a qualificar uma qualquer conduta lesiva de bens jurídicos como consubstanciando litigância de má fé, pois descreve também as condutas que merecem um juízo de ilicitude.
24. A responsabilidade processual assenta no conceito de má fé que é, depois, concretizado na descrição de comportamentos típicos, que devem ser atuados pela parte com dolo ou negligência grave[11].
25. Refira-se ainda que a parte atua processualmente de modo reprovável quando não coopera com o Tribunal, nos termos devidos, para a realização da Justiça, ou visa criar neste uma falsa representação da realidade, provocando uma decisão contrária àquela que é justificada pela situação da vida ou, quando, tenha ou não razão, se socorre do tribunal para, com a colaboração deste, atingir um objetivo ilegal, ou quando instrumentaliza os meios escassos para protelar a definitividade da solução ditada[12]. Nada disto fizeram os Autores.
26. Note-se que é a consideração de toda a intervenção do sujeito processual que permite censurar essa atuação, porquanto consente ao julgador formar uma imagem mais clara e nítida daquela que pode ser a colocação de fins do sujeito processual. Não pode, pois, dizer-se que se assistiu a uma degradação de níveis éticos no exercício do direito de defesa dos Autores.
27. Assim, não pode haver condenação dos Autores nem como litigantes de má-fé e nem no pagamento de multa – que, equivalendo a uma pena civil, pressupõe uma conduta desvaliosa. Não se justifica também a comunicação à Ordem dos Advogados, nos termos do art. 545.º do CPC, nem a condenação em taxa sancionatória excecional, conforme o art. 531.º do CPC, a qual depende, prima facie,  da manifesta improcedência do articulado apresentado, o que no caso das contra-alegações do recurso para uniformização de jurisprudência apresentadas, não é manifestamente o caso.
28. Improcede, assim, a reclamação, confirmando-se o despacho reclamado, que indeferiu o requerido pelo Réu.

IV - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em indeferir a reclamação apresentada pelo Réu/Recorrente Município ...e em confirmar o despacho recorrido, que não admitiu nem o recurso para uniformização de jurisprudência que tem por referência a noção e o momento de trânsito em julgado, e nem aquele que tem por objeto a interpretação/aplicação do regime constante dos arts. 252.º, n.º 2, e 437.º do CC, e que também indeferiu o requerimento do Réu de condenação dos Autores em multa por litigância de má-fé e em taxa sancionatória excecional, assim como de dar conhecimento à Ordem dos Advogados para a aplicação da correspondente sanção e condenação do mandatário.

Custas pelo Réu/Recorrente/Requerente/Reclamante.

Lisboa, 3 de novembro de 2020.

 
Sumário:
I. Suscita-se a questão prévia de se saber se a decisão que determinou a emissão de certidão do acórdão de 29 de janeiro de 2019, com nota de trânsito em julgado a 15 de fevereiro de 2019, tendo em vista a sua entrega aos Autores para junção aos autos de execução entretanto instaurados, se consubstancia numa decisão suscetível de ser objeto de um recurso para uniformização de jurisprudência. Com efeito, sem prejuízo de essa decisão ter sido objeto do acórdão que apreciou o primeiro pedido de reforma (na segunda parte), afigura-se defensável considerar que, se não constitui um despacho de mero expediente nos termos do art. 152.º, n.º 4, do CPC, não corresponde, pelo menos, a qualquer decisão que comporte recurso de revista, nos termos do art. 671.º do CPC. Isto inviabilizaria a possibilidade de dela ser interposto recurso para uniformização de jurisprudência.

II. O requerimento de interposição do recurso em causa, de 8 de janeiro de 2020, é intempestivo por antecipação ou prematuridade, na medida em que, tendo sido apresentado pedido de reforma do acórdão de 10 de dezembro de 2019 (o qual só foi apreciado a 13 de outubro de 2020), a decisão de emissão de certidão com indicação do trânsito em julgado não transitara ainda em julgado, pelo que não se iniciara o prazo de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência, estabelecido no art. 689.º, n.º 1, do CPC.

III. Em todo o caso, sempre importaria verificar se existe – ou não - a invocada contradição jurisprudencial no que respeita ao momento do trânsito em julgado quando é requerida a reforma do acórdão recorrido quanto ao pagamento do remanescente da taxa de justiça. De acordo com ambos os arestos – acórdão recorrido e acórdão-fundamento -, “quando seja insuscetível de recurso ordinário, o trânsito em julgado ocorre com o esgotamento do prazo para a arguição de nulidades da sentença ou dedução do incidente de reforma, nos termos dos arts. 615º, nº 4, e 616º (e dos arts. 666º e 685º quando estejam em causa acórdãos da Relação ou do Supremo, respetivamente)”. O que o acórdão recorrido acrescenta é a referência a “quando se trate de matérias diferentes do remanescente da taxa de justiça”, questão essa que de modo algum foi objeto de análise ou pronúncia por parte do acórdão-fundamento. De resto, não existe sequer a necessária identidade fáctica que permita concluir terem ambos os arestos tratado da mesma questão jurídica.

IV. O requerimento de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência relativo à interpretação/aplicação do regime dos arts. 252.º, n.º 2, e 437.º do CC afigura-se extemporâneo. Com efeito, não impedindo o pedido de dispensa ou redução da taxa de justiça subsequente, apresentado sob a forma de pedido de reforma quanto a custas, o trânsito em julgado do acórdão recorrido que apreciou do mérito da causa, não aproveita ao Réu a pretensa interrupção do prazo de interposição de recurso até que esse pedido fosse apreciado.

V. Em todo o caso, existem diferenças entre a matéria de facto subjacente a cada um dos acórdãos em alegada oposição que indiciam não se verificarem os requisitos de admissibilidade do recurso, antes se tratando de um caso de subsunção de diferentes situações concretas à previsão ou hipótese das mesmas normas jurídicas.

VI. Ainda que tal diferenciação fáctica não fosse bastante para afastar a admissibilidade do recurso em apreço, sempre se teria de concluir que a questão erigida pelo Réu/Recorrente – saber se “a mera declaração produzida pela entidade pública no contrato de compra e venda, na posição de compradora no quadro do direito privado, no sentido de que a parcela de terreno se destinava à construção de um conjunto habitacional não é idónea a vinculá-la juridicamente, no confronto do vendedor a dar-lhe esse destino”, para efeitos de aplicação do regime dos arts, 252.º, n.º 2, e 437.º do CC –  não conheceu diferentes respostas por parte dos acórdãos em confronto.

VII. Ainda que a leitura isolada das contra-alegações se afigure suscetível de roçar a violação do dever de recíproca correção, na medida em que – em abstrato - se possa entender terem sido utilizadas expressões injustificadas ou mesmo ofensivas do bom nome da autarquia visada, parece que, atendendo ao quadro fatual apurado, demonstrativo de uma atuação gravosa (e até censurável) por parte do Réu, se encontra sustentado o juízo de desvalor que lhe é dirigido. No restante, sempre a conduta em apreço estaria justificada pelo contexto processual e pelo exercício da advocacia no cumprimento dos deveres do mandatário de assegurar a defesa e exercer o patrocínio, impondo-se aos tribunais uma diminuída suscetibilidade, ou, se se preferir, uma suficiente margem de tolerância, no que respeita a atuações processuais, veiculadas por mandatários, sob pena de poderem ser sacrificados, de forma não proporcional, os direitos de defesa das partes e de acesso ao direito que caracterizam um Estado de Direito.

Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).

Maria João Vaz Tomé (Relatora)

António Magalhães

Fernando Dias

_________________
[1] A irrecorribilidade de determinadas questões conhecidas pela primeira vez pelo Supremo Tribunal de Justiça é a consequência normal da sua qualidade de tribunal de última instância, inexistindo órgão jurisdicional superior para o qual recorrer. É o que sucede com as condenações decididas em 1.ª Instância pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de litigância de má-fé, que não admitem recurso. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de novembro de 2019 (Fátima Gomes), Proc. n.º 2167/10.0YYPRT-A.L1.S1.
[2]  Cfr., por todos, António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 471-476.
[3] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de outubro de 2018 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 17728/15.3T8PRT-A.S1), cujo sumário se encontra disponível in www.stj.pt; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de janeiro de 2019 (Rosa Tching), proc. n.º 1522/13.9TBGMR.G1.S2-A; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de janeiro de 2019 (Rosa Tching), proc. n.º 2183/14.3TBPTM.E2.S1-A, estes últimos ainda inéditos.

Pressuposto fundamental de admissibilidade do recurso em apreço é, assim, a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. Não se afigura necessário que os julgados em contradição se revelem frontalmente opostos, sendo suficiente que as soluções adotadas sejam diferentes, que não sejam as mesmas. Cfr. Jorge Henrique Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013), Lisboa, Nova Causa – Edições Jurídicas, 2017, pp.185-186. Importa, pois, que as decisões - e não os respetivos fundamentos – versem sobre a mesma questão de direito, e que esta haja sido objeto de decisão tanto no acórdão recorrido como no acórdão fundamento e, em todo o caso, que essa oposição seja afirmada e não subentendida, ou puramente implícita.

Outrossim, é necessário que a questão de direito apreciada se revele decisiva para as soluções perfilhadas num e noutro acórdão, desconsiderando-se argumentos ou razões que não encerrem relevância determinante.
Exige-se ainda a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, das mesmas normas ou institutos jurídicos, devendo as soluções em confronto, necessariamente divergentes, respaldar-se no “domínio da mesma legislação”.
[4] Adotada no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de outubro de 2014 (Lopes do Rego), proc. n.º 268/03.0TBVPA.P2.S1-A – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/33b6bd1b9eea161380257d650054fb4b?OpenDocument. Este aresto é mencionado por António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2018, p.477, como uma síntese do que de essencial é exigível para a admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.
[5] Conforme decidiu o pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 10 de maio de 2018 (Rosa Ribeiro Coelho), Recurso para uniformização de jurisprudência n.º 2643/12.0TBPVZ-P1.S1-A, “Pressupondo a contradição de acórdãos que a oposição resulte de decisões expressas, são irrelevantes para este efeito as decisões meramente implícitas ou pressupostas”.
[6] A propósito desta norma, o Conselho Superior da Ordem dos Advogados tem-se pronunciado repetidamente no sentido de “a livre actuação do Advogado no exercício do patrocínio forense é (...) uma exigência do Estado de Direito e uma instituição de interesse público. Se o Advogado estivesse privado de “exprimir livremente o seu pensamento, de apreciar, discutir e criticar tudo quanto julgue conveniente ao bom desempenho do seu mandato e até onde lhe pareça necessário”, o direito de defesa seria esvaziado do seu conteúdo e perderia todo o sentido o conceito de tutela judicial efectiva – não seria possível a realização da justiça” (cfr. Parecer de 23 de setembro de 2005).
Vide, ainda, a título meramente exemplificativo, o sumário do Parecer de 17 de junho de 2005:
“(…) 3. Têm dignidade constitucional o direito ao patrocínio e ao acompanhamento por advogado (artº 20º/2 CRep), assim como a têm o próprio mandato e o patrocínio forenses (artº 208º), o que torna mais evidente e pressuposta a necessidade irrestrita de condições de actuação em inteira liberdade. Tanto a Constituição como a lei ordinária estipulam que a lei “assegura” aos advogados as imunidades necessárias ao exercício eficaz do mandato; imunidade que é “assegurada” pelo reconhecimento legal e garantia de efectivação do direito ao livre exercício do patrocínio e ao não sancionamento pela prática de actos conformes ao estatuto da profissão (artº 114º/1 e 3/b) da L 3/99, de 13-01).
4. Nos termos do artº 31º/2/b) CPen, o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída, nomeadamente, por tal facto ser praticado no exercício de um direito. Em terrenos como os da criação artística ou do debate político, há agressões típicas da honra que, não obstante, se tornam irrelevantes em nome da liberdade de expressão. Por maioria de razão e maior valor, o efeito justificativo tem de valer também em casos do domínio do exercício do mandato e do patrocínio forense, atentos os motivos referidos.
5. De facto, não é considerado ilícito o uso das expressões e imputações adequadas à defesa da causa (artºº 154º/3 CPC e 105º/1 EOA/2005) (justificação do facto em razão da defesa da causa). Assim seria mesmo que fossem inverídicas as imputações ou afirmações em causa, hipótese em que vigora a relevância da prossecução de interesses legítimos a que fazem referência os artºº 180º/2 e 181º/2 do CPen: é eficaz a presunção derivada da dignidade constitucional do patrocínio e do mandato forense reforçada pela presença da actuação de boa-fé.
6. Esta remissão para a boa-fé é coonestada pelo nº 20 dos Princípios Básicos Relativos à Função dos Advogados aprovada pela Assembleia da ONU e que diz: “Os advogados gozam de imunidade civil e penal por todas as afirmações pertinentes feitas de boa-fé, por escrito ou em alegações orais ou no âmbito das suas intervenções profissionais perante um tribunal judicial ou outro ou uma autoridade administrativa”. Visa assegurar aos advogados a representação dos seus clientes ou a defesa das suas causas sem qualquer receio de repressão ou perseguição, sendo evidente que a lei portuguesa se conforma com esta disposição e a intenção subjacente; e ela suporta a melhor interpretação das normas deontológicas apreciadas e está conforme com a circunstância de o princípio da boa-fé atravessar todo o nosso ordenamento jurídico de forma estruturante.”
[7] Neste aresto, com base em jurisprudência anterior, analisa-se a compatibilização entre a liberdade de expressão e outros direitos constitucionalmente garantidos a propósito do instituto da litigância de má-fé, recusando-se um juízo de inconstitucionalidade, mas apontando-se para um exercício razoável, adequado e eficaz do seu sancionamento, em conformidade com o princípio da proporcionalidade – disponível para consulta in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980581.html.
[8] Vide, em especial, os pontos 132 a 137, que parcialmente se reproduzem em língua inglesa:
«(c) The status and freedom of expression of lawyers

132. The specific status of lawyers gives them a central position in the administration of justice as intermediaries between the public and the courts. They therefore play a key role in ensuring that the courts, whose mission is fundamental in a State based on the rule of law, enjoy public confidence (see Schöpfer v. Switzerland, 20 May 1998, §§ 29-30, Reports 1998-III; Nikula v. Finland, no. 31611/96, § 45, ECHR 2002-II; Amihalachioaie v. Moldova, no. 60115/00, § 27, ECHR 2004-III; Kyprianou, cited above, § 173; André and Another v. France, no. 18603/03, § 42, 24 July 2008; and Mor, cited above, § 42). However, for members of the public to have confidence in the administration of justice they must have confidence in the ability of the legal profession to provide effective representation (see Kyprianou, cited above, § 175).

133. That special role of lawyers, as independent professionals, in the administration of justice entails a number of duties, particularly with regard to their conduct (see Van der Mussele v. Belgium, 23 November 1983, Series A no. 70; Casado Coca v. Spain, 24 February 1994, § 46, Series A no. 285-A; Steur v. the Netherlands, no. 39657/98, § 38, ECHR 2003-XI; Veraart v. the Netherlands, no. 10807/04, § 51, 30 November 2006; and Coutant v. France (dec.), no. 17155/03, 24 January 2008). Whilst they are subject to restrictions on their professional conduct, which must be discreet, honest and dignified, they also enjoy exclusive rights and privileges that may vary from one jurisdiction to another – among them, usually, a certain latitude regarding arguments used in court (see Steur, cited above).

134. Consequently, freedom of expression is applicable also to lawyers. It encompasses not only the substance of the ideas and information expressed but also the form in which they are conveyed (see Foglia v. Switzerland, no. 35865/04, § 85, 13 December 2007). (…).

135. The question of freedom of expression is related to the independence of the legal profession, which is crucial for the effective functioning of the fair administration of justice (see Siałkowska v. Poland, no. 8932/05, § 111, 22 March 2007). It is only in exceptional cases that restriction – even by way of a lenient criminal penalty – of defence counsel’s freedom of expression can be accepted as necessary in a democratic society (see Nikula, cited above, § 55; Kyprianou, cited above, § 174; and Mor, cited above, § 44).

136. A distinction should, however, be drawn depending on whether the lawyer expresses himself in the courtroom or elsewhere.

137. As regards, firstly, the issue of “conduct in the courtroom”, since the lawyer’s freedom of expression may raise a question as to his client’s right to a fair trial, the principle of fairness thus also militates in favour of a free and even forceful exchange of argument between the parties (see Nikula, cited above, § 49, and Steur, cited above, § 37). Lawyers have the duty to “defend their clients’ interests zealously” (see Nikula, cited above, § 54), which means that they sometimes have to decide whether or not they should object to or complain of the conduct of the court (see Kyprianou, cited above, § 175). In addition, the Court takes into consideration the fact that the impugned remarks are not repeated outside the courtroom and it makes a distinction depending on the person concerned; thus, a prosecutor, who is a “party” to the proceedings, has to “tolerate very considerable criticism by ... defence counsel”, even if some of the terms are inappropriate, provided they do not concern his general professional or other qualities (see Nikula, cited above, §§ 51-52; Foglia, cited above, § 95; and Roland Dumas, cited above, § 48).

138. Turning now to remarks made outside the courtroom, the Court reiterates that the defence of a client may be pursued by means of an appearance on the television news or a statement in the press, and through such channels the lawyer may inform the public of shortcomings that are likely to undermine pre-trial proceedings (see Mor, cited above, § 59). (…)

139. Lawyers cannot, moreover, make remarks that are so serious that they overstep the permissible expression of comments without a sound factual basis (see Karpetas, cited above, § 78; see also A. v. Finland (dec.), no. 44998/98, 8 January 2004), nor can they proffer insults (see Coutant, cited above). In the circumstances in Gouveia Gomes Fernandes and Freitas e Costa (cited above, § 48), the use of a tone that was not insulting but caustic, or even sarcastic, in remarks about judges was regarded as compatible with Article 10. The Court assesses remarks in their general context, in particular to ascertain whether they can be regarded as misleading or as a gratuitous personal attack (see Ormanni v. Italy, no. 30278/04, § 73, 17 July 2007, and Gouveia Gomes Fernandes and Freitas e Costa, cited above, § 51) and to ensure that the expressions used have a sufficiently close connection with the facts of the case (see Feldek v. Slovakia, no. 29032/95, § 86, ECHR 2001‑VIII, and Gouveia Gomes Fernandes and Freitas e Costa, cited above) – disponível para consulta in https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-154265%22]}.
[9] Cfr. Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p.346.
[10] Cfr. Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p.347.
[11] Cfr. Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p.380.
[12] Cfr. Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p.453.