Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
268/03.0TBVPA.P2.S1-A
Nº Convencional: 7ª SECÇÂO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
CONFLITO DE INTERPRETAÇÕES NORMATIVAS
IDENTIDADE DE SITUAÇÕES MATERIAIS
QUESTÃO ESSENCIAL
Data do Acordão: 10/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ - Nº 259 - ANO XXII - T. III/2014 - P. 45-47
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 285.º E SS., 433.° E SS., 562.° E SS., 801.º, 1222.° E 1223.°.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 688.º E SS..
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22/13/13, PROCESSO N.º 261/09.0TBCHV.P1.S1.
Sumário :
1. Para que exista um conflito jurisprudencial, susceptível de ser dirimido através do recurso extraordinário previsto no art. 688º do CPC, é indispensável que as soluções jurídicas, acolhidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, assentem numa mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito.


2. O preenchimento deste requisito supõe que as soluções alegadamente em conflito:

- correspondem a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental: implica isto, não apenas que não hajam ocorrido, no espaço temporal situado entre os dois arestos, modificações legislativas relevantes, mas também que as soluções encontradas num e noutro acórdão se situem no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica - não integrando contradição ou oposição de acórdãos  o ter-se alcançado soluções práticas diferentes para os litígios através da respectiva subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados;

- têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito – sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto;

- a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto – não relevando os casos em que se traduza em mero obter dictum ou num simples argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via jurídica.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Notificado do acórdão proferido por este Supremo em 28/11/2013, veio, nos 30 dias subsequentes ao respectivo trânsito em julgado, o R./recorrido AA interpor o presente recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência através do requerimento de fls.30 e segs., invocando contradição entre a solução normativa acolhida naquele aresto e a adoptada no acórdão que indica como acórdão fundamento do recurso (o acórdão proferido pelo STJ em 12/7/05 no P. 05B1807, de que juntou cópia, com nota de trânsito) - e encerrando a alegação com as seguintes conclusões:


1ª - O presente recurso vem interposto do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Novembro de 2013, proferido nos presentes autos que decidiu julgar:

- "improcedente o pedido referente ao ressarcimento dos danos decorrentes de defeitos da obra, e, em consequência:

- julgar, nessa medida, a acção procedente, adita-se ao montante da condenação do R., decretada no acórdão recorrido, o valor pecuniário de €12.000,00, com juros de mora devidos apenas a partir da prolação do presente acórdão (...) - cfr. acórdão STJ de 28/11/2013, página 37, acessível in http://www.dasi.pt .


2ª - O ora Recorrente entende que o decidido no acórdão ora recorrido está em contradição com outros acórdãos do Supremo Tribunal de justiça, já transitados em julgado, nomeadamente com o acórdão STJ, de 12 de Julho de 2005 (acórdão fundamento), quanto à questão de saber se perante a resolução da empreitada, com fundamento em incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, a contraparte - o dono da obra - poderá ser ressarcida pelos vícios ou defeitos não corrigidos do imóvel construído.


3ª - Em ambos os acórdãos está subjacente uma situação factual em que o dono da obra resolve o contrato de empreitada - em virtude de defeitos na obra e atrasos na realização da mesma - peticionando o ressarcimento dos danos sofridos com tal situação.


4ª - E, quer à data dos factos quer à data da prolação de ambos os acórdãos estavam em vigor os artigos 289.°, 433.°, 434.°, 562.°, 566.°, 1222.° e 1223.° do Código Civil, que, até hoje, não sofreram qualquer modificação.


5ª - Contudo, no acórdão recorrido, entendeu-se que tendo resolvido o contrato de empreitada, o dono da obra poderá obter o ressarcimento pelos vícios ou defeitos não corrigidos do imóvel construído. Aceitando-se "uma ampliação do círculo de danos a ressarcir", para o âmbito do interesse contratual positivo, decorrente de a eficácia retroactiva do contrato se encontrar "mitigada ou restringida".


6ª - Admitindo, ainda que indirectamente - atenta a conceptualização da solução jurídica adoptada, ou seja a aplicação de normas do instituto da resolução de contratos - o ressarcimento de danos abrangidos no âmbito do interesse contratual positivo em conjugação com a resolução contratual.


7ª - Assim, no acórdão recorrido, respondeu-se afirmativamente à questão de saber se perante a resolução da empreitada, com fundamento em incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, a contraparte - o dono da obra - poderá ser ressarcida pelos vícios ou defeitos não corrigidos do imóvel construído.


8ª - Tendo-se decidido aditar ao montante da condenação do R„ na Relação do Porto, o valor pecuniário de €12.000,00 referente ao ressarcimento dos danos decorrentes de defeitos da obra.


9ª - Por outro lado, no acórdão fundamento determina-se, directa e claramente, que "o artigo 1223° do Código Civil, no caso de resolução do contrato, não exclui o direito do dono da obra de ser indemnizado nos termos gerais, o que significa que este pode cumular um pedido de indemnização pelo interesse contratual negativo (art. 801°, n° 1)".


10ª - Sendo que «tal indemnização há-de apenas dizer respeito "a prejuízos outros que não sejam os derivados da eliminação de defeitos da obra ou de redução do preço».


11ª - Pelo que, no acórdão recorrido, respondeu-se negativamente à questão de saber se perante a resolução da empreitada, com fundamento em incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, a contraparte - o dono da obra - poderá ser ressarcida pelos vícios ou defeitos não corrigidos do imóvel construído.


12ª - Assim, os dois referidos acórdãos consagram jurisprudência substancialmente diferente, em situações factuais similares e na vigência do mesmo Direito.


13ª - Verificando-se que, no acórdão recorrido, se optou - ainda que de forma indirecta, ou seja pela aplicação das normas relativas ao instituto da resolução do contrato - por considerar que, em caso de resolução do contrato de empreitada, os prejuízos derivados da eliminação de defeitos da obra são ressarcíveis, danos esses que (nas palavras vertidas no próprio acórdão recorrido) estão "inquestionavelmente" compreendidos no âmbito do interesse contratual positivo.


14ª – Enquanto que, no acórdão fundamento, se rejeita, directa e claramente, a possibilidade de, em caso de resolução do contrato de empreitada, poder haver lugar ao ressarcimento pelos prejuízos derivados da eliminação de defeitos da obra.

Rejeitando-se claramente, em caso de resolução contratual, o ressarcimento de prejuízos derivados da eliminação de defeitos da obra e expondo-se que, nesse caso, apenas poderá haver lugar ao ressarcimento dos danos abrangidos no âmbito do interesse contratual negativo.


15ª - Na realidade, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão ora recorrido, explana que "esta limitação da indemnização, nos casos de resolução, ao típico interesse contratual negativo não é absolutamente unívoca e pacífica na doutrina e jurisprudência".


16ª - De facto, a questão de direito subjacente à oposição de jurisprudência (presente nos acórdãos indicados e em muitos outros), trata-se de uma vexata quaestio que carece de ser solucionada, no interesse comum de uma melhor aplicação do Direito.


17ª - Sendo necessário que se esclareça a questão de saber se perante a resolução da empreitada, com fundamento em incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, a contraparte - o dono da obra - poderá ser ressarcida pelos vícios ou defeitos não corrigidos do imóvel construído.


18ª - Questão esta que é conexa à vexata quaestio de saber se, em caso de resolução do contrato, pode haver lugar a indemnização pelo interesse contratual positivo, ou se, pelo contrário, tal indemnização apenas pode quantificar-se tendo por base o interesse contratual negativo.


19ª - Ora, o Recorrente defende, naturalmente, a jurisprudência rejeitada no acórdão fundamento no sentido de que "havendo resolução do contrato por incumprimento, a indemnização mede-se pelo dano contratual negativo", tendente a colocar o dono da obra na situação em que estaria se não tivesse celebrado o negócio", devendo ser calculada de acordo com as regras gerais da obrigação de indemnização (artºs 562° ss).


20ª - E tal indemnização há-de apenas dizer respeito "a prejuízos outros que não sejam os derivados da eliminação de defeitos da obra ou de redução do preço".


21ª - Com efeito, "o artigo 1223°, ao declarar que o exercício dos direitos conferidos nos artigos precedentes, entre os quais figuram os de obter a eliminação dos defeitos da obra e a redução do preço, não exclui o de ser indemnizado nos termos gerais, mostra que este último pode ser accionado conjuntamente com qualquer dos outros e, sendo assim, sob pena de a lei consentir um duplo ressarcimento pelo mesmo facto, aquela indemnização tem de respeitar a outros prejuízos que não sejam compensados com a simples eliminação dos defeitos ou com a simples redução do preço da empreitada».


22ª - Defendendo, assim, o ora Recorrente que a questão de saber se perante a resolução da empreitada, com fundamento em incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, a contraparte - o dono da obra - poderá ser ressarcida pelos vícios ou defeitos não corrigidos do imóvel construído, deve ter resposta negativa.


23ª - Entendendo, respeitosamente, o Recorrente que, ao determinar o ressarcimento de defeitos da obra, quando, in casu, se verificou a resolução do contrato de empreitada, o acórdão recorrido, não aplicou correctamente o Direito, entrando em contradição com jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, especificamente, com o acórdão (fundamento), de 12 de Julho de 2005, já transitado em julgado, devendo, assim, o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro em que se decide a questão controvertida, nos termos do n.° 2, do artigo 695º, do CPC.


24ª - O Recorrente defende que os prejuízos derivados da eliminação de defeitos da obra "extravasam o estrito âmbito do interesse contratual negativo", inserindo-se já no âmbito do interesse contratual positivo.


25ª - Sendo que tendo os Autores resolvido o contrato de empreitada, apenas podem pedir indemnização pelo interesse contratual negativo.


26ª - Assim sendo, o acórdão recorrido violou os artigos 289.°, 433.°, 434.°, 562.°, 566.°, 1222.° e 1223.° do Código Civil, pois ao invés de considerar parcialmente procedente o recurso dos Autores, devia ter considerado o mesmo totalmente improcedente.


27ª - De facto, para além de tudo o supra exposto, o Recorrente entende ainda que no acórdão recorrido, não se podia ter decidido pela dedução do valor atribuído aos defeitos (€ 12.000,00), ao valor que se atribuiu à parcela da obra realizada pelo ora Recorrente (€ 42.397,82).


28ª - Na decisão recorrida, devia ter-se considerado que a percentagem e o valor da parcela construída pelo ora Recorrente foi determinado, tendo em conta aquilo que estava feito e aquilo que faltava fazer da obra, nos termos inicialmente contratados.


29ª - Pois, aquando da determinação da percentagem do que estava feito e o que faltava fazer, foram tidos em conta os "apelidados" defeitos da obra contidos nos pontos 16 a 18 da matéria de facto. Ou seja, os 65% que faltavam realizar da obra contratada já implicavam, naturalmente, os defeitos que foram carreados ab initio pelos autores parta os presentes autos.


30ª - A enunciação dos defeitos, constantes dos pontos 16 a 18 da matéria de facto, resulta da táctica processual inicial (dos Autores) que visava o ressarcimento pelo interesse contratual positivo, inclusive dos referidos "defeitos" aí especificados.


31ª - Aliás, conforme se verifica pela leitura das alíneas a), f) e g), do ponto 16 da matéria de facto, vários dos defeitos constantes desses pontos, dizem respeito a partes da obra que não foram realizadas!


32ª - Assim, não se pode aceitar que se considere que uma obra só está realizada em 35% e, ao mesmo tempo, considerar como defeitos da obra partes da obra que não estão realizadas - como forma de desvalorização desses 35%.


33ª - De facto, tendo os defeitos sido trazidos/alegados para o processo ab initio - correspondendo inclusive parte dos mesmos a tarefas por fazer - certamente se considerou que para que a obra estivesse 100% realizada os mesmos teriam que estar realizados/corrigidos.


34ª - Assim, com o devido respeito, o Recorrente não concorda com o acórdão recorrido quando se parte, imediatamente, para a dedução de € 12.000,00 ao valor atribuído à parcela da obra realizada pelo ora Recorrente. Pois a correcção desses defeitos (grande parte deles tarefas da obra por fazer), está naturalmente integrada na parte dos 65% da obra por realizar.


35ª - Pelo que, com o devido respeito, o ressarcimento dos defeitos da obra, através da sua dedução no valor da parcela realizada pelo Recorrente, significa, na realidade, uma dupla desvalorização de tais defeitos no valor da parcela da obra efectivamente realizada pelo Recorrente. Pois, por um lado foram considerados na parte da obra que está por fazer, e, por outro lado, foram considerados para efeitos de desvalorização da parte da obra realizada pelo ora Recorrente.


36ª - Assim sendo, o acórdão recorrido violou os artigos 289.°, 433.°, 434.°, 562.°, 566.°, 1222.° e 1223.° do Código Civil, ao invés de considerar parcialmente procedente o recurso dos Autores, devia ter considerado o mesmo totalmente improcedente.


37ª - Assim, ao determinar o ressarcimento de defeitos da obra, quando, in casu, se verificou a resolução do contrato de empreitada, o acórdão recorrido, não aplicou correctamente o Direito, entrando em contradição com jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, especificamente, com o acórdão (fundamento), de 12 de Julho de 2005, já transitado em julgado, devendo, portanto, o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro em que se decida a questão controvertida, nos termos do n.° 2, do artigo 695.°, do CPC, considerando-se que, perante a resolução do contrato de empreitada, com fundamento em incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, a contraparte - o dono da obra - não poderá ser ressarcida pelos vícios ou defeitos não corrigidos do imóvel construído, com os inerentes efeitos legais no caso concreto, ou seja, determinando-se que os ora Recorridos (tendo resolvido o contrato) não podem exigir do Recorrente os € 12.000,00 correspondentes supra referidos defeitos.

Termos em que, e pelo que V. Exas. doutamente suprirão no que o patrocínio se mostre insuficiente e no mais de Direito, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se e substituindo-se a sentença recorrida nos termos e com as consequências supra referidos,

sempre se fazendo JUSTIÇA.



2. Remetidos os autos a este Supremo, foi, pelo relator, proferida a seguinte decisão acerca da verificação dos pressupostos do recurso extraordinário interposto:


Cabe, deste modo, apurar, nos termos do art. 692º do CPC, se se verifica o específico fundamento de tal recurso, ou seja, a apontada oposição entre a solução normativa acolhida no acórdão recorrido e a que subjaz ao decidido no acórdão fundamento.


Importa começar por identificar as precisas interpretações normativas feitas em ambos os acórdãos acerca da questão da possível ressarcibilidade do interesse contratual positivo em caso de resolução do contrato e, bem assim, verificar se as situações litigiosas, subjacentes ao acórdão recorrido e ao acórdão fundamento, se podem considerar, de um ponto de vista normativo idênticas ou, sequer, análogas no seu significado jurídico.


No acórdão fundamento, assumiu-se a posição que tradicionalmente tem vigorado acerca de tal tema, ao afirmar-se:


Quanto à segunda questão, temos como óbvio que "resolvido o contrato, o dono da obra fica exonerado da obrigação de pagar o preço e, se já o tinha pago, pode exigir a sua restituição por inteiro (art. 289º)".(7) Consequentemente, nada teriam os réus que pagar à autora a título de preço - prestação pecuniária - da empreitada resolvida.

Em contrapartida, por força do disposto no art. 1223º, a resolução do contrato não exclui o direito dos réus de serem indemnizados nos termos gerais, o que significa que os réus podem cumular um pedido de indemnização pelos danos sofridos em consequência dessa resolução (art. 801º, nº 1).

Isto é, "havendo resolução do contrato por incumprimento, a indemnização mede-se pelo dano contratual negativo" (8), tendente a colocar o dono da obra na situação em que estaria se não tivesse celebrado o negócio", devendo ser calculada de acordo com as regras gerais da obrigação de indemnização (arts. 562º ss).

E tal indemnização há-de apenas dizer respeito "a prejuízos outros que não sejam os derivados da eliminação de defeitos da obra ou de redução do preço".(9)

Com efeito, "o artigo 1223º, ao declarar que o exercício dos direitos conferidos nos artigos precedentes, entre os quais figuram os de obter a eliminação dos defeitos da obra e a redução do preço, não exclui o de ser indemnizado nos termos gerais, mostra que este último pode ser accionado conjuntamente com qualquer dos outros e, sendo assim, sob pena de a lei consentir um duplo ressarcimento pelo mesmo facto, aquela indemnização tem de respeitar a outros prejuízos que não sejam compensados com a simples eliminação dos defeitos ou com a simples redução do preço da empreitada".(10)

Sempre se diga, em todo o caso, que "parece que a orientação de conceber o direito de indemnização como um direito alternativo dos de resolução ou de redução do preço não é aceitável, pois, não obstante a resolução ou redução do preço, pode haver danos do comitente que com elas não são eliminados e susceptíveis de ser reparados por meio de indemnização. Nem a resolução, nem a redução do preço, eliminam todos os danos do comitente. Basta pensar no tempo que podem exigir a eliminação do defeito ou a nova construção e na necessidade em que esse facto pode colocar o dono da obra de realizar despesas com que razoavelmente não contava". (11)


No acórdão recorrido começou efectivamente por se notar - invocando nomeadamente a doutrina mais recente e certos dados de direito comparado – que pode considerar-se de algum modo abalada e posta em causa aquela tradicional orientação segundo a qual – atento o efeito tendencialmente retroactivo da resolução - em nenhumas circunstâncias poderia a parte que resolveu o contrato ser ressarcida pelos danos decorrentes do incumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações contratuais da contraparte, ligados ao interesse contratual positivo.


Desde logo se salientou, porém, que a solução do concreto e peculiar caso dos autos não passava pela interpretação normativa do disposto no art. 1223º do CC, de modo a determinar se a indemnização nos termos gerais, aí prevista, poderia ou não englobar o interesse contratual positivo – ou apenas e sempre os danos em que se consubstanciava o interesse contratual negativo, afirmando-se claramente:


E, assim sendo, considera-se que, na especificidade do caso dos autos, esta manutenção ou subsistência parcial de efeitos práticos da empreitada, apesar do acto resolutivo do dono da obra, poderá legitimar uma possível ampliação do círculo dos danos a ressarcir ao contraente lesado com o incumprimento – sem que, todavia, se revele necessário abordar a complexa questão dogmática, atrás referida, de saber precisamente em que casos é que a resolução pode compatibilizar-se com o ressarcimento autónomo e adicional de danos ligados ao interesse contratual positivo; é que, movendo-nos apenas no âmbito do instituto da resolução do contrato e do seu efeito típico, isto é, da recíproca restituição das prestações efectuadas –ou seja, da lógica seguida pelas instâncias de compensação ou desconto na parcela do preço já pago pelos AA. da percentagem do valor da edificação já irremediavelmente implantada pelo empreiteiro no prédio pertencente ao dono da obra e por este aproveitável - é possível alcançar a solução adequada para a questão que constitui objecto da presente revista.


Na verdade, como atrás se realçou, a resolução tem, em regra, efeito retroactivo, estando equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico ( arts. 433º e 434º, nº1, do CC) – pelo que devem as partes restituir tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente , nos termos previstos no nº1 do art. 289º do CC.


No caso dos autos, perante a irremediável incorporação da edificação no terrenos dos AA., é manifesto que – quanto ao conteúdo prestacional do referido dever de restituição – tem de se convocar e aplicar a parte final do citado nº1 do art. 289º: sendo impossível devolver em espécie os materiais incorporados pelo empreiteiro na obra efectuada no prédio dos AA., deverão estes compensá-lo pelo respectivo valor pecuniário, naturalmente a abater no montante do preço já pago ao empreiteiro e a cuja devolução têm direito, por força da resolução.

 

Sucede, porém, que – para determinar o valor dessa obra já edificada e que reverterá factualmente para os AA. – é necessário apelar, não apenas a critérios quantitativos, traduzidos em saber que percentagem material da obra global representa a edificação realizada pelo empreiteiro -  mas também a juízos qualitativos, que tenham em conta o préstimo para o proprietário, a valia intrínseca associada à qualidade construtiva da edificação incorporada no terreno, naturalmente abalada ou diminuída se a construção padecer de vícios ou defeitos graves que, como é óbvio, lhe afectam negativamente o valor intrínseco.


É que, como é evidente, conduzem a juízos avaliativos objectivos perfeitamente diversos a implantação no terreno dos AA. de 35% da obra total, em termos construtivos perfeitos; ou desses mesmos 35%, afectada a construção, porém, de vícios ou defeitos relevantes que – não justificando, embora, a demolição total a expensas do empreiteiro ( questão nem sequer aflorada no caso dos autos) -  não podem deixar de lhe cercear a valia objectiva e intrínseca.


E, nesta perspectiva, movendo-nos ainda na lógica do instituto da resolução do contrato e dos seus efeitos, em termos de restituição recíproca das prestações efectuadas em cumprimento do contrato resolvido, não poderá deixar de se reconhecer – em aplicação do referido critério qualitativo na avaliação da parcela da obra, efectuada pelo empreiteiro e irremediavelmente implantada no prédio dos AA. – que, não sendo possível a restituição em espécie, ao calcular o seu valor, para efeitos de compensação em dinheiro, terá de ser ponderada a valia construtiva do edifício já implantado, nela se repercutindo negativamente os defeitos estruturais que careçam de ser corrigidos, mediante dispêndio de valor patrimonial significativo pelo dono da obra; ou seja: ao realizar a dita avaliação para efeitos de restituição do valor pecuniário da obra já efectuada não poderão deixar de se tomar em consideração os defeitos ou vícios que reconhecidamente a afectem e os montantes pecuniários que terão de ser dispendidos para repor o edifício já construído em condições de poder desempenhar a sua utilidade típica e normal.



Assim, embora exista um traço comum mínimo relativamente a ambas as situações contratuais subjacentes a cada um dos litígios - ocorreu uma resolução lícita de contrato de empreitada por parte do dono da obra, com fundamento em incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, importando delimitar o concreto círculo de danos a que deverá ter direito o dono da obra que exerceu o direito à resolução com base em justa causa - é manifesto que :


- o acórdão fundamento refere a interpretação normativa do art. 1223º do CC, num caso em que a resolução da empreitada conduziu a que o dono da obra não tivesse sido condenado a suportar qualquer parcela do preço convencionado;


- o acórdão recorrido funda-se em interpretação normativa extraída do art. 289º, nº1, do CC, reportando-se à compensação do dono da obra que, recebendo o edifício parcialmente edificado pelo empreiteiro, assume, como contrapartida, o pagamento de uma parte do preço convencionado para a obra global.


Ou seja: as soluções normativas acolhidas em ambos os acórdãos baseiam-se na interpretação e aplicação de normas de direito civil diversas – a eventual atribuição ao dono da obra de um direito de indemnização, nos termos gerais, pelos defeitos denunciados, fundado no art. 1223º ( indemnização esta que, aliás, no caso concreto, nem sequer tinha sido peticionada pelo reconvinte), num caso; e a determinação dos precisos efeitos da resolução do contrato, tendencialmente retroactiva, numa situação em que se revela materialmente impossível a restituição integral, em espécie, das prestações realizadas em execução do contrato, fundada na interpretação da norma constante do art. 289º, nº1, do CC.


Por outro lado, é manifesto que as situações litigiosas dirimidas pelos dois arestos postos em confronto no presente recurso extraordinário apresentam especificidades e particularidades relevantes no que respeita ao modo como foi liquidada entre as partes a situação emergente da resolução do contrato de empreitada; assim:


- no processo em que foi proferido o acórdão fundamento, foi o empreiteiro que peticionou o pagamento do preço convencionado para os trabalhos compreendidos na empreitada e já executados – obras de carpintaria interior e exterior em certo prédio – vindo tal pretensão a ser julgada na totalidade improcedente ; em contestação/reconvenção, os RR., para além de defenderem a justa causa da resolução e impugnarem a obrigação do pagamento de qualquer parcela do preço peticionado na acção, sustentando que os defeitos da obra a tornavam absolutamente imprestável, devendo o empreiteiro proceder ao levantamento dos materiais defeituosos colocados e que não aceitavam - pediram, em reconvenção, indemnização claramente circunscrita aos danos correspondentes a um típico interesse contratual negativo ( acréscimo de juros e encargos bancários com o atraso da obra e perdas decorrentes da impossibilidade de disponibilização para venda ou arrendamento do apartamento onde tiveram de continuar a residir); ou seja, no litígio que está na base do acórdão fundamento, a afirmação respeitante à não ressarcibilidade do interesse contratual positivo, no caso de resolução do negócio, não se destina a afastar a viabilidade de uma pretensão desse tipo ( que os RR/reconvintes nem sequer formularam), mas – num raciocínio a contrario, a esclarecer que tal entendimento em nada prejudicava a procedência da pretensão, efectivamente deduzida, de ressarcimento por danos ligados exclusivamente à violação do interesse contratual negativo;


- na acção em que foi proferido o acórdão recorrido, defrontamo-nos com situação litigiosa profundamente diversa nos seus contornos factuais e jurídicos, já que estamos confrontados com uma acção condenatória movida pelo dono da obra contra o empreiteiro, fundada na resolução com justa causa do negócio, em que – entre outras verbas que não estão agora em discussão – os A.A. pretendiam ser também ressarcidos do montante de € 12.000, correspondente à verba necessária para eliminar os defeitos que afectavam a parcela do imóvel construído antes da resolução da empreitada e que iria  reverter para o seu património.


De salientar que, no caso dos autos, o modo como se procedeu à liquidação do negócio resolvido foi profundamente diverso no seu significado jurídico, já que:


- a obra parcialmente edificada no terreno dos AA. reverteu para estes;

- os AA.. tiveram de suportar o diferencial entre a parcela do preço total que já havia sido solvida ao empreiteiro e o montante correspondente ao custo, dentro do total da obra, dos trabalhos já executados, apenas lhes sendo reconhecido o direito a haver do empreiteiro a parcela do preço adiantado sem nenhuma correspondência na obra já edificada;

- como contrapartida dessa reversão da edificação parcialmente construída  pelo empreiteiro para a esfera jurídica dos AA. e a título de compensação pelas despesas indispensáveis à eliminação dos defeitos que qualitativamente a inquinavam, foi o empreiteiro, no âmbito dos efeitos da resolução do contrato, condenado a suportar a verba necessária á eliminação dos vícios que afectavam a parcela já construída do prédio.



Ou seja: na situação dos presentes autos e face à solução jurídica do pleito ( que não foi, nos seus contornos essenciais, questionada no âmbito da revista) reverteu para a esfera jurídica do dono da obra o prédio urbano  parcialmente construído e incindivelmente implantado no terreno de que ele é proprietário, mediante o pagamento da parcela do preço correspondente ao custo do edificado.


Pelo contrário, no litígio subjacente ao acórdão fundamento:

- o dono da obra não foi condenado a suportar qualquer parcela do preço convencionado ( saliente-se que o pedido formulado nesse sentido pelo A. improcedeu na totalidade);

- não reverteu para o dono da obra/reconvinte o resultado dos trabalhos de carpintaria executados, uma vez que o empreiteiro devia proceder ao levantamento e retirada ( ao menos parcial) das madeiras não aceites.


Deste modo, a questão fulcral que cumpria dirimir na presente revista – saber se, em aplicação do instituto da resolução do contrato tal como se mostra delineado no art. 289º, nº1, do CC e dos seus efeitos tendencialmente retroactivos quanto à restituição das prestações efectuadas, ao determinar o valor da obra já edificada e que reverterá factualmente para os AA., se deve apelar, não apenas a critérios quantitativos, traduzidos em saber que percentagem material da obra global representa a edificação realizada pelo empreiteiro, mas também a juízos qualitativos, que tenham em conta o préstimo para o proprietário, a mais valia intrínseca associada à qualidade construtiva da edificação incorporada no terreno, naturalmente abalada ou diminuída se a construção padecer de vícios ou defeitos graves que lhe afectam negativamente o valor intrínseco – não foi, nem tinha de ser abordada no acórdão fundamento, já que, no litígio que lhe subjaz, a obra deficientemente realizada pelo empreiteiro e não aceite pelo dono da obra não reverteu para o património deste, não havendo, por isso, lugar à condenação do dono da obra no pagamento de qualquer parcela do preço convencionado.


Saliente-se que – ao contrário do sustentado pelo recorrente – entendemos que não resulta minimamente das decisões proferidas pelas instâncias e respectiva fundamentação que, ao realizar o juízo diferencial entre a percentagem do trabalho já executado pelo empreiteiro e o preço total da obra, se tenha ponderado a menos valia decorrente dos defeitos que inquinavam a parte já edificada do imóvel: na verdade, o estabelecimento da percentagem de 35% do valor do preço total da obra correspondeu apenas, numa perspectiva estritamente quantitativa, à ponderação do custo, dentro do total da obra, do trabalho já executado pelo R. –visando precisamente a solução adoptada no acórdão ora recorrido complementar tal visão quantitativa com uma perspectiva qualitativa, que tivesse na devida conta (obviamente sem qualquer duplicação de indemnizações) as deficiências ou menos valias que afectavam negativamente a edificação que iria reverter para o património dos AA.


Nestes termos e pelos fundamentos apontados, considera-se inverificado um pressuposto essencial do recurso extraordinário interposto, inexistindo a pretendida contradição ou colisão de interpretações normativas, atenta a substancial diferenciação de situações factuais subjacentes aos litígios dirimidos no acórdão recorrido e no acórdão fundamento e o seu relevo decisivo nas soluções normativas alcançadas - pelo que, em apreciação liminar, vai o mesmo rejeitado, por não se verificar a efectiva oposição que lhe serve de fundamento.

Custas pelo recorrente.



3. Novamente inconformado, deduziu o recorrente reclamação para a conferência, através de requerimento do seguinte teor:


AA, Recorrente com os demais sinais dos autos à margem referenciados, havendo sido notificado da decisão singular proferida, nos presentes autos, a 14 de Maio de 2014, e não se conformando com a mesma, vem, mui respeitosamente, apresentar RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, conforme previsto no n.° 2, do artigo 692.° do Código de Processo Civil, nos termos e com os seguintes fundamentos:


Os presentes autos, a correr termos no Supremo Tribunal de Justiça, tiveram origem no recurso de revisão extraordinária apresentado pelo Recorrente, nos termos do artigo 688.° e ss. do C.P.C.



O Recorrente fundou o seu recurso na contradição entre os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos a 12/07/2005 (acórdão fundamento) e 28/11/2013 (acórdão recorrido).

 

Contudo, na decisão de que ora se reclama, entende-se que "[inexiste] a pretendida contradição ou colisão de interpretações normativas, atenta a substancial diferenciação de situações factuais subjacentes aos litígios dirimidos no acórdão recorrido e no acórdão fundamento e o seu relevo decisivo nas soluções normativas alcançadas".

Ora, com todo o respeito (que é muito), o Recorrente não pode concordar com tal decisão.


O Recurso de Uniformização de Jurisprudência visa, em primeira linha, o interesse geral da boa aplicação do Direito, procurando-se eliminar (dentro do possível) do nosso ordenamento jurídico a existência de interpretações/entendimentos contraditórios, nas decisões judiciais, em benefício da certeza e da segurança justiça. E sempre com a finalidade de aumentar a aceitação e a confiança dos cidadãos portugueses no seu sistema de justiça.

E essa contradição está, manifesta e expressamente, patente nos acórdãos fundamento e recorrido.

Aliás, conforme o Supremo Tribunal de Justiça expõe no acórdão recorrido, "a limitação da indemnização nos casos de resolução, ao típico interesse contratual negativo não é absolutamente unívoca e pacifica na doutrina e Jurisprudência".

Na verdade, diga-se, poucas serão as matérias em que se verifique uma contradição tão reiterada e diametral.

Posto isto importa salientar que, ao aferir da similitude fáctica entre as decisões judiciais em oposição, não é exigível que se constate uma quase absoluta similitude factual entres tais decisões.



Na verdade, ao prever o Recurso de Uniformização de Jurisprudência, o legislador não fez referência expressa à necessidade de semelhança quanto à factualidade subjacente às decisões judiciais em contradição.


O que o legislador prevê no n.° 1, do artigo 696.°, do CPC (que tem como epígrafe "Fundamentos do Recurso"), é que as partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal:

- no domínio da mesma legislação: e

- sobre a mesma questão fundamental de direito.

E o legislador não exigiu expressamente a igualdade da factualidade subjacente às decisões judiciais em contradição, porque o que efectivamente releva é que em tais decisões se tenham adoptado entendimentos diferentes, no âmbito da mesma legislação, quanto a uma mesma questão fundamental de Direito.

De facto, o que o legislador (e a comunidade) pretende é que se corrijam e evitem as contradições de entendimentos nas decisões dos nossos Tribunais, sobre uma mesma questão de Direito, diligenciando-se no sentido de que os nossos Tribunais tomem decisões mais uniformes.

Atente-se que, com o exposto, não se pretende negar que as decisões em (invocada) contradição devem ter uma factualidade nuclearmente similar - que as insira no âmbito das mesmas normas e da atinente questão fundamental de Direito. Na verdade, o que o que se defende é que não é exigível uma (quase) absoluta similitude factual entre tais decisões.

Na verdade, se o Supremo Tribunal de Justiça procurar diferenças factuais no âmbito de cada um dos processos, certamente que as encontrará, até porque todos os processos têm - em maior ou menor medida - diferenças que podem ser apontadas.

Contudo, o que importa aferir não será tanto essas diferenças, mas antes se existe a semelhança necessária/suficiente para efeitos de admissão do presente recurso.


De facto, o que importa aferir é se as decisões em (invocada) contradição têm uma factualidade nuclearmente similar, que as insira no âmbito das mesmas normas e da atinente questão fundamental de Direito.

A rejeição de recurso de uniformização de jurisprudência por excessiva exigência de igualdade factual, não só limitará exacerbadamente a possibilidade de recurso para uniformização da jurisprudência - como aumentará a incompreensão social, dos cidadãos colocados perante decisões manifestamente contraditórias, para situações que nos seus traços gerais são similares.


Assim, com todo o respeito (que é imenso), é irrelevante se no processo onde foi proferido o acórdão fundamento foi empreiteiro quem interpôs a acção tendo os donos da obra reconvindo peticionando o reconhecimento da resolução e o pagamento de indemnização, enquanto que no âmbito do presente processo (do acórdão recorrido) foi o donos da obra quem interpôs a acção peticionado desde logo o reconhecimento da resolução e o pagamento de indemnização.

De facto, relevante é que, em ambos os processos, os donos das obras peticionaram que fosse judicialmente reconhecida a resolução contratual por si realizada, bem como serem indemnizados pelos danos sofridos, em resultado do incumprimento contratual.


De facto, o que deve, efectivamente, relevar é que conforme se reconhece na decisão de que ora se reclama existe "um traço comum mínimo relativamente a ambas as situações contratuais subjacentes a cada um dos litígios - ocorreu uma resolução licita de contrato de empreitada por parte do dono da obra, com fundamento em incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, importando delimitar o concreto circulo de danos a que deverá ter direito o dono da obra que exerceu o direito de resolução com base em justa causa" - cfr. página 11 da decisão singular.

E, verificada a existência desse traço comum mínimo, o que efectivamente releva é se tanto num processo como no outro a mesma questão fundamental de Direito foi apreciada de forma diferente, ou seja, contraditória.


E, aqui, importa salientar que a questão fundamental de Direito não coincide necessariamente com as normas jurídicas que os Tribunais - cujas decisões estão em contradição - aplicaram nos respectivos acórdãos.

Pois, se perante uma mesma questão fundamental de Direito, no âmbito da mesma legislação, os Tribunais superiores aplicarem normas diferentes, com consequências jurídicas distintas, não deixaremos de estar perante decisões antagónicas, que consagram solução jurídicas diferentes para uma mesma questão - ou seja, não deixaremos de estar perante contradição jurisprudencial que deve ser uniformizada no interesse geral da boa aplicação do Direito.


E, tal questão fundamental de Direito é assim descrita no acórdão recorrido (cfr. acórdão recorrido, página 30):

 

Tendo os AA. optado pela resolução do contrato de empreitada com fundamento em incumprimento definitivo do empreiteiro, poderão incluir na indemnização global peticionada danos que extravasam o estrito âmbito do interesse contratual negativo, exclusivamente conexionados com a celebração do contrato cuja eficácia foi destruída pelo mecanismo da resolução - e não com o incumprimento deste, como são inquestionavelmente os prejuízos que se prendem com a remoção ou compensação dos defeitos da obra, decorrentes de cumprimento defeituoso da empreitada? ".


Assim, no acórdão recorrido, respondeu-se afirmativamente à questão de saber se perante a resolução da empreitada, com fundamento em incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, a contraparte - o dono da obra - poderá ser ressarcido pelos vícios ou defeitos não corrigidos do imóvel construído.

Tendo decidido que "não sendo possível a restituição em espécie, ao calcular o seu valor, para efeitos de compensação em dinheiro, terá de ser ponderada a valia construtiva do edifício já implantado, nela se repercutindo negativamente os defeitos estruturais que careçam de ser corrigidos, mediante dispêndio de valor patrimonial significativo pelo dono da obra; ou seja: ao realizar a dita avaliação para efeitos de restituição do valor pecuniário da obra já efectuada não poderão deixar de se tomar em consideração os defeitos ou vícios que reconhecidamente a afectem e os montantes pecuniários que terão de ser dispendidos para repor o edifício já construído em condições de poder desempenhar a sua utilidade típica e normal.

Deste modo, considera-se que o valor da obra edificada deve ser efectivamente diminuído dos valores pecuniários indispensáveis à remoção dos defeitos que estruturalmente a afectam, o que implica que se adite à condenação decretada no acórdão recorrido o valor de €12.000,00, resultante da factualidade provada nos pontos 16/18 da matéria de facto"- cfr. acórdão recorrido, página 34.


Enquanto que no acórdão fundamento se determina expressamente que:

"Quanto à segunda questão, temos como óbvio que "resolvido o contrato, o dono da obra fica exonerado da obrigação de pagar o preço e, se já o tinha pago, pode exigir a sua restituição por inteiro (art. 289°)".(7)

Consequentemente, nada teriam os réus que pagar à autora a título de preço -prestação pecuniária - da empreitada resolvida.

Em contrapartida, por força do disposto no art. 1223°, a resolução do contrato não exclui o direito dos réus de serem indemnizados nos termos gerais, o que significa que os réus podem cumular um pedido de indemnização pelos danos sofridos em consequência dessa resolução (art. 801°, n° 1).

Isto é, "havendo resolução do contrato por incumprimento, a indemnização mede-se pelo dano contratual negativo" (8), tendente a colocar o dono da obra na situação em que estaria se não tivesse celebrado o negócio", devendo ser calculada de acordo com as regras gerais da obrigação de indemnização (arts. 562° ss).

E tal indemnização há-de apenas dizer respeito "a prejuízos outros que não sejam os derivados da eliminação de defeitos da obra ou de redução do preço".(9)

Com efeito, "o artigo 1223°, ao declarar que o exercício dos direitos conferidos nos artigos precedentes, entre os quais figuram os de obter a eliminação dos defeitos da obra e a redução do preço, não exclui o de ser indemnizado nos termos gerais, mostra que este último pode ser accionado conjuntamente com qualquer dos outros e, sendo assim, sob pena de a lei consentir um duplo ressarcimento pelo mesmo facto, aquela indemnização tem de respeitar a outros prejuízos que não sejam compensados com a simples eliminação dos defeitos ou com a simples redução do preço da empreitada" - cfr. acórdão fundamento.

Acresce salientar que, não podemos concordar com o que se pretende alcançar na decisão singular, de que ora se reclama, quando se refere que "[as] soluções normativas acolhidas em ambos os acórdãos baseiam-se na interpretação e aplicação de normas de direito civil diversas - a eventual atribuição ao dono da obra de um direito de indemnização, nos termos gerais, pelos defeitos denunciados, fundado no art. 1223° (indemnização esta que, aliás, no caso concreto, nem sequer tinha sido peticionada pelo reconvinte), num caso; e a determinação dos precisos efeitos da resolução do contrato, tendencialmente retroactiva, numa situação em que se revela materialmente impossível a restituição integral, em espécie, das prestações realizadas em execução do contrato, fundada na interpretação da norma constante do art. 289°, n° l, do CC" - cfr. decisão singular 14/05/2014, página 12 [destaque e itálico no original].

De facto, - sem esquecer que o que releva é que esteja em causa a mesma questão fundamental de direito e não a aplicação da norma "A" ou "B" -, também, não podemos concordar com a decisão singular quando se expõe que no acórdão recorrido se enquadrou esta questão na perspectiva da resolução contratual (433.° do Código Civil), enquanto que no acórdão fundamento já se enquadrou a questão no âmbito do direito de indemnização previsto no artigo 1223.° do Código Civil.


É que, analisados os dois acórdãos (fundamento e recorrido), constata-se que, em ambos, o Supremo Tribunal de Justiça enquadrou, naturalmente, a questão, quanto ao Direito aplicável, ou seja, no âmbito: das normas da resolução (artigo 433.° e ss. do CC), da nulidades e anulabilidade (289.° do CC), da obrigação de indemnizar (562.° e ss do CC) do incumprimento contratual (801.° do CC) e do contrato de empreitada (artigos 1222.° e 1223.° do CC) do Código Civil. Até porque, o 1222.° remete para o 433.° e ss. e este remete para o 285.° e ss. do Código Civil.



Na realidade, na decisão recorrida, o Supremo Tribunal de Justiça não só enquadra a questão no âmbito da indemnização cumulável com a resolução do contrato de empreitada - identificando tal questão como uma vexata quaestío — como explana, doutamente (diga-se), a evolução das posições doutrinais nesta matéria, fazendo citações expressas de vários autores.


De facto, no presente processo, já em sede da lª instância e na Relação do Porto a questão fundamental de Direito havia sido analisada e resolvida por adopção da "posição tradicional dominante nesta matéria, segundo a qual, nos casos de resolução contratual", a parte lesada apenas pode ser ressarcida pelo interesse contratual negativo, e logo, não pode pedir a reparação de defeitos da obra.

Expondo-se, no acórdão recorrido, que: "na verdade, a tese sufragada, quer na sentença proferida em 1ª instância, quer no acórdão da Relação, ora impugnado, é perfeitamente perceptível - correspondendo, aliás, à posição tradicional dominante nesta matéria, segundo a qual, nos casos de resolução contratual, não pode a parte lesada pedir e obter mais do que os danos que resultam da celebração do contrato cuja eficácia ficou precludida em consequência do exercício do direito de resolução (não podendo logicamente a indemnização pretendida abranger também danos resultantes do incumprimento da relação contratual que a parte lesada optou por destruir, em princípio, retroactivamente)"- cfr. acórdão recorrido, página 30.

Aliás, se tal matéria não fosse relevante para a decisão, certamente que, no acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça não teria procedido à análise, inclusive doutrinal, da mesma.

De facto, se a questão decidenda, não se situa-se no âmbito de tal matéria, certamente que o Tribunal não a teria mencionado na sua decisão, porquanto não faria sentido estar a falar de normas e matéria não relacionadas ou irrelevantes para o thema decidendum.

No entender do Recorrente, o que o Supremo Tribunal de Justiça refere (após enquadrar, inclusive doutrinalmente, a questão fundamental de Direito) é que a ressarcibilidade dos defeitos em caso de resolução do contrato de empreitada - questão fundamental de direito - é solucionável "no âmbito do instituto da resolução contratual e do seu efeito típico, isto é da recíproca restituição de prestações".

O que, na realidade, vai de encontro com a jurisprudência e doutrina, referidas no acórdão recorrido, que defendem que "em casos pontuais e materialmente justificados - a indemnização a arbitrar à parte lesada possa ultrapassar o estrito círculo dos danos integrados no interesse contratual negativo - sendo esta ressalva especialmente justificável nos casos em que, afinal, a resolução do contrato não tem eficácia retroactiva ou esta se encontra especialmente mitigada ou restringida" - cfr. acórdão recorrido página 31.


Entendendo-se, no acórdão recorrido que:

"no caso dos autos, o típico efeito retroactivo da resolução do contrato encontra-se claramente limitado ou mitigado pela circunstância de estarmos confrontados com edificação construída em terreno pertencente ao dono da obra, a que estão incindivelmente ligadas as estruturas construídas e que integram , no essencial, embora de forma não completa e perfeita, o tosco da edificação que era objecto da empreitada . Não é, deste modo, possível, pela natureza das coisas - irremediável incorporação da construção realizada no prédio pertencente aos AA e não sendo, face ao estado da obra e defeitos que a afectam, justificada a integral demolição a cargo do empreiteiro - colocar, de modo pleno e integral, as partes na situação em que estariam se o contrato não tivesse sido celebrado, devolvendo-se aos AA. a totalidade do preço já pago e revertendo todos os materiais incorporados no prédio pelo empreiteiro à esfera patrimonial deste: na verdade, o aproveitamento da construção já realizada, embora com incompletudes e deficiências, impede que a eficácia do contrato resulte, no plano prático, plenamente apagada ou precludida pelo efeito resolutivo, sendo necessário converter a relação contratual resolvida numa relação de liquidação, em que se ponderem adequadamente os interesses de ambas as partes (e, muito especialmente, os daquela a que não pode assacar-se nenhuma responsabilidade pelo incumprimento) - cfr. acórdão recorrido página 32.


Assim, no acórdão recorrido, atento a resolução contratual ter efeitos mitigados, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu ser de relevar o interesse dos Autores, em serem indemnizados pelo valor dos defeitos da obra, descontando os mesmos ao valor da prestação (obra) que não poderiam devolver ao Réu.


E se o Supremo Tribunal de Justiça refere, no acórdão recorrido, que resolveu a questão jurídica no âmbito do instituto da resolução, não se pode daí concluir que o Supremo não se tenha, também, considerado e aplicado as normas referentes ao incumprimento contratual, à obrigação de indemnizar e ao contrato de empreitada.

De facto, entender-se que no acórdão recorrido apenas se aplicaram as regras do instituto da resolução contratual, seria defender-se que o nosso ordenamento jurídico é formado por institutos jurídicos estanques, o que como é sabido, não corresponde à realidade.

 

De facto, na decisão recorrida foram, inquestionavelmente, interpretadas e aplicadas regras referentes à resolução, à nulidade e anulação de negócios, ao incumprimento contratual, à obrigação de indemnizar e ao contrato de empreitada.

Sendo que, no acórdão recorrido enquadra-se a matéria dizendo que efectivamente a indemnização a calcular in casu não pode ser atendida apenas por referência ao interesse negativo, atento a retroactividade da resolução ter efeito mitigado. E só depois de determinar que a retroactividade da resolução tem um efeito mitigado - que é o mesmo que dizer que a indemnização não se limitará ao interesse contratual negativo, ou seja a repor, ex tunc a situação original - é que no acórdão recorrido se passa apara a chamada relação de liquidação.

Assim, no acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que como não é possível colocar as partes na situação em que estariam caso o contrato não tivesse sido celebrado - tendo a retroactividade da resolução efeitos mitigados - o valor dos defeitos da obra deverá ser descontado ao valor atribuído à parte da obra realizada pelo empreiteiro. Ou seja, uma vez a resolução não tem um "efeito retroactivo pleno" o Supremo Tribunal de Justiça entendeu serem de relevar danos que "extravasam o estrito âmbito do interesse contratual negativo", estando já no âmbito do interesse contratual positivo.


Enquanto que no acórdão fundamento se procedeu à análise das normas atinentes à matéria em questão, tendo-se entendido que as normas legais aplicáveis apenas permitem o ressarcimento dos Autores pelo interesse contratual negativo, não sendo admissível uma indemnização que respeite "a outros prejuízos que não sejam compensados com a simples eliminação dos defeitos ou com a simples redução do preço da empreitada".

Tendo-se no acórdão fundamento exposto que: «Quanto à segunda questão, temos como óbvio que "resolvido o contrato, o dono da obra fica exonerado da obrigação de pagar o preço e, se já o tinha pago, pode exigir a sua restituição por inteiro (art. 289°)".(7)


Consequentemente, nada teriam os réus que pagar aos Autores a título de preço - prestação pecuniária - da empreitada resolvida. Em contrapartida, por força do disposto no art. 1223°, a resolução do contrato não exclui o direito dos réus de serem indemnizados nos termos gerais, o que significa que os réus podem cumular um pedido de indemnização pelos danos sofridos em consequência dessa resolução (art. 801°, n° 1)».

Assim, também, não se diga que, in casu, não se verifica a oposição de jurisprudência, porque no acórdão fundamento o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que os danos peticionados estavam circunscritos no interesse contratual negativo.


Pois, verifica-se que, no acórdão fundamento, primeiro o Supremo Tribunal de Justiça determinou as normas de Direito aplicáveis, expondo, claramente, que apenas são indemnizáveis os danos circunscritos no âmbito do interesse contratual negativo e negando categoricamente compensação pela eliminação dos defeitos da empreitada; e, seguidamente, enquadrou os danos em questão no âmbito do interesse contratual negativo, admitindo o seu ressarcimento; da mesma forma que teria rejeitado o ressarcimento dos danos em questão caso os enquadrasse no interesse contratual positivo.


De facto, é inegável que a solução dada pelo Supremo Tribunal de Justiça à questão fundamental de Direito figura clara e inequívoca no acórdão fundamento.

 

E diga-se ainda que não se pode concordar com a decisão ora reclamada quando se refere que "entendemos que não resulta minimamente das decisões proferidas pelas instâncias e respectiva fundamentação que, ao realizar o juízo diferencial entre a percentagem do trabalho já executado pelo empreiteiro e o preço total da obra, se tenha ponderado a menos valia decorrente dos defeitos que inquinavam a parte já edificada do imóvel: na verdade, o estabelecimento da percentagem de 35% do valor do preço total da obra correspondeu apenas numa perspectiva estritamente quantitativa, à ponderação do custo, dentro do total da obra, do trabalho já executado pelo R. - visando precisamente a solução adoptada no acórdão ora recorrido complementar tal visão quantitativa com uma perspectiva qualitativa, que tivesse na devida conta (obviamente sem qualquer duplicação de indemnizações) as deficiências ou menos valias que afectavam negativamente a edificação que iria reverter para o património dos AA.


É que para se dizer se determinado defeito releva quantitativamente ou qualitativamente impor ver qual o defeito que está em causa.

É que se o que está em causa é a não realização de determinada parte ou aspecto da obra, então a deficiência/defeito (no cumprimento) será quantitativa.

Se estiver em causa uma parte da obra mal realizada, então, ai sim, a deficiência/defeito (no cumprimento) será qualitativa.

Ora, com o devido respeito, como é que, in casu, se pode dizer que determinadas partes da obra que estão por realizar correspondem a defeitos qualitativos?

De facto, se há partes da obra que não foram realizadas, então, estão em causa deficiências/defeitos quantitativos.



Ora, in casu, é inegável que grande parte dos defeitos da obra correspondem a partes da obra que estão por realizar.

 

Vejamos.

Conforme se verifica pela leitura das seguintes alíneas do ponto 16 da matéria de facto:

a) o pilar referenciado no projecto com o n.° 20, localizado e dimensionado e com as características descritas no projecto de estabilidade - (quadro de pilares - desenho 5), não se encontrava executado:

f) na cobertura não existe isolamento conforme previsto na memória descritiva e justificativa (placas de poliestereno expandido extrudido),

g) as escadas de acesso exterior ao rés-do-chão e as duas chaminés previstas no projecto não se encontram executadas, conforme a calendarização da obra.


De facto, não se pode aceitar que se considere que uma obra só está realizada em 35% e, ao mesmo tempo, considerar como defeitos da obra partes da obra que não estão realizadas - como forma de desvalorização desses 35%.

Na realidade, ao determinar-se o valor da parcela da obra realizada pelo Recorrente, foi, necessariamente, tido em conta o que este realizou da obra e o que lhe faltava realizar para que a obra se pudesse considerar acabada.

Tendo os defeitos sido carreados, ab initio, para o processo, na quantificação e valorização do trabalho realizado, pelo ora recorrente, e daquilo que lhe faltava realizar para a entrega perfeita da obra, teve-se em consideração, pelo menos, tudo aquilo que faltava fazer.


Tendo, assim, o Tribunal da Relação do Porto dado como provado que "a percentagem do trabalho executado é de 35%, com a explicação de que essa percentagem corresponde, ao custo, dentro do total da obra, do trabalho já executado pelo réu".

Assim, com o devido respeito, o Recorrente não concorda com o acórdão recorrido quando se parte, imediatamente, para a dedução de € 12.000,00 ao valor atribuído à parcela da obra realizada pelo ora Recorrente. Pois, a correcção desses defeitos (grande parte deles tarefas da obra por fazer), está naturalmente integrada na parte dos 65% da obra por realizar.

Pelo que, com o devido respeito, o ressarcimento dos defeitos da obra, através da sua dedução no valor da parcela realizada pelo Recorrente, significa, na realidade, uma dupla desvalorização de tais defeitos no valor da parcela da obra efectivamente realizada pelo Recorrente. Pois, por um lado foram considerados na parte da obra que está por fazer, e, por outro lado, foram considerados para efeitos de desvalorização da parte da obra realizada pelo ora Recorrente.

Dupla desvalorização que deve ser corrigida, ainda que o Supremo Tribunal de Justiça, profira acórdão de uniformização de jurisprudência adoptando a tese intermédia (de que no caso de resolução contratual com efeito retroactivo mitigado é admissível o ressarcimento de danos que extravasem o interesse contratual negativo), defendida no acórdão recorrido.

Sendo que, ao determinar o ressarcimento de defeitos da obra, quando, in casu, se verificou a resolução do contrato de empreitada, o acórdão recorrido, não aplicou correctamente o Direito, entrando em contradição com jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, especificamente, com o acórdão (fundamento), de 12 de Julho de 2005, já transitado em julgado, devendo, portanto, o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro em que se decida a questão controvertida, nos termos do n.° 2, do artigo 695.°, do CPC, considerando-se que, perante a resolução do contrato de empreitada, com fundamento em incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, a contraparte - o dono da obra - não poderá ser ressarcida pelos vícios ou defeitos não corrigidos do imóvel construído, com os inerentes efeitos legais no caso concreto, ou seja, determinando-se que os ora Recorridos (tendo resolvido o contrato) não podem exigir do Recorrente os € 12.000,00 correspondentes supra referidos defeitos.


E caso, se entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, sempre caberá mandar julgar novamente a causa, em harmonia com a decisão e Direito fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.° 1, do artigo 683.° e do n.° 3, do artigo 682.° ambos do CPC.

Assim, ao determinar que, in casu, não se verifica a oposição que serve de fundamento ao presente recurso, a decisão de que ora se reclama, violou, nomeadamente, o n.° 1, do artigo 688.° do CPC, devendo a mesma ser revogada, decidindo a Conferência pela verificação dos pressupostos do presente recurso, incluindo a contradição invocada como seu fundamento, e enviando-se o processo à distribuição para julgamento pelo pleno das secções cíveis.

 

Conclusões:


1ª - Com todo o respeito (que é muito), o Recorrente não pode concordar com a decisão singular de 14 de Maio de 2014, quando se decide que "[inexiste] a pretendida contradição ou colisão de interpretações normativas, atenta a substancial diferenciação de situações factuais subjacentes aos litígios dirimidos no acórdão recorrido e no acórdão fundamento e o seu relevo decisivo nas soluções normativas alcançadas".


2ª - O Recurso de Uniformização de Jurisprudência visa, em primeira linha, o interesse geral da boa aplicação do Direito, procurando-se eliminar (dentro do possível) do nosso ordenamento jurídico a existência de interpretações/entendimentos contraditórios, nas decisões judiciais, em benefício da certeza e da segurança justiça. E sempre com a finalidade de aumentar a aceitação e a confiança dos cidadãos portugueses no seu sistema de justiça.


3ª - E essa contradição está, manifesta e expressamente, patente nos acórdãos fundamento e recorrido.


4ª - Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça reconhece no acórdão recorrido que "a limitação da indemnização nos casos de resolução, ao típico interesse contratual negativo não é absolutamente unívoca e pacifica na doutrina e jurisprudência".


5ª - De facto, poucas serão as matérias em que se verifique uma contradição tão reiterada e diametral.

6ª - Ao aferir da similitude fáctica entre as decisões judiciais em oposição, não é exigível que se constate uma quase absoluta similitude factual entres tais decisões.


7ª - Atente-se que, com o exposto, não se pretende negar que as decisões em (invocada) contradição devem ter uma factualidade nuclearmente similar, que as insira no âmbito das mesmas normas e da atinente questão fundamental de Direito. O que se defende é que não é exigível uma (quase) absoluta similitude factual entre tais decisões.


8ª - Na verdade, ao prever o Recurso de Uniformização de Jurisprudência, o legislador não fez referência expressa à necessidade de semelhança quanto à factualidade subjacente às decisões judiciais em contradição.


9ª - A rejeição de recurso de uniformização de jurisprudência por excessiva exigência de igualdade factual, não só limitará exacerbadamente a possibilidade de recurso para uniformização da jurisprudência - como aumentará a incompreensão social, dos cidadãos colocados perante decisões manifestamente contraditórias, para situações que nos seus traços gerais são similares.


10ª - De facto, o que deve, efectivamente, relevar é que conforme se reconhece na decisão de que ora se reclama existe "um traço comum mínimo relativamente a ambas as situações contratuais subjacentes a cada um dos litígios - ocorreu uma resolução licita de contrato de empreitada por parte do dono da obra, com fundamento em incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, importando delimitar o concreto circulo de danos a que deverá ter direito o dono da obra que exerceu o direito de resolução com base em fusta causa" - cfr. página 11 da decisão singular.


11ª - E, verificada a existência desse traço comum mínimo, o que efectivamente releva é se tanto num processo como no outro a mesma questão fundamental de Direito foi apreciada de forma diferente, ou seja, contraditória


12ª - E, aqui, importa salientar que a questão fundamental de Direito não coincide necessariamente com as normas jurídicas que os Tribunais — cujas decisões estão em contradição - aplicaram nos respectivos acórdãos.

13ª - Pois, se perante uma mesma questão fundamental de Direito, no âmbito da mesma legislação, os Tribunais superiores aplicarem normas diferentes, com consequências jurídicas distintas, não deixaremos de estar perante decisões antagónicas, que consagram solução jurídicas diferentes para uma mesma questão - ou seja, não deixaremos de estar perante contradição jurisprudencial que deve ser uniformizada no interesse geral da boa aplicação do Direito.


14ª - E, tal questão fundamental de Direito é assim descrita no acórdão recorrido (cfr. acórdão recorrido, página 30):

"Tendo os AA. optado pela resolução do contrato de empreitada com fundamento em incumprimento definitivo do empreiteiro, poderão incluir na indemnização global peticionada danos que extravasam o estrito âmbito do interesse contratual negativo, exclusivamente conexionados com a celebração do contrato cuja eficácia foi destruída pelo mecanismo da resolução - e não com o incumprimento deste, como são inquestionavelmente os prejuízos que se prendem com a remoção ou compensação dos defeitos da obra, decorrentes de cumprimento defeituoso da empreitada?".


15ª - Assim, no acórdão recorrido, decidiu-se que "não poderão deixar de se tomar em consideração os defeitos ou vícios que reconhecidamente a afectem e os montantes pecuniários que terão de ser dispendidos para repor o edifício já construído em condições de poder desempenhar a sua utilidade típica e normal. Deste modo, considera-se que o valor da obra edificada deve ser efectivamente diminuído dos valores pecuniários indispensáveis à remoção dos defeitos que estruturalmente a afectam, o que implica que se adite à condenação decretada no acórdão recorrido o valor de €12.000,00, resultante da factualidade provada, nos pontos 16/18 da matéria de facto" - cfr. acórdão recorrido, página 34.


16ª - Enquanto que no acórdão fundamento se determina expressamente que "havendo resolução do contrato por incumprimento, a indemnização mede-se pelo dano contratual negativo" (8), tendente a colocar o dono da obra na situação em que estaria se não tivesse celebrado o negócio", devendo ser calculada de acordo com as regras gerais da obrigação de indemnização (arts. 562° ss). E tal indemnização há-de apenas dizer respeito "a prejuízos outros que não sejam os derivados da eliminação de defeitos da obra ou de redução do preço".


17ª - Também não podemos concordar com o que se pretende alcançar na decisão singular, de que ora se reclama, quando se refere que "[as] soluções normativas acolhidas em ambos os acórdãos baseiam-se na interpretação e aplicação de normas de direito civil diversas - cfr. decisão singular 14/05/2014, página 12.


18ª - É que, analisados os dois acórdãos (fundamento e recorrido), constata-se que, em ambos, o Supremo Tribunal de Justiça enquadrou, naturalmente, a questão, quanto ao Direito aplicável, ou seja, no âmbito: das normas da resolução (artigo 433.° e ss. do CC), da nulidades e anulabilidade (289.° do CC), da obrigação de indemnizar (562.° e ss do CC) do incumprimento contratual (801.° do CC) e do contrato de empreitada (artigos 1222.° e 1223.° do CC) do Código Civil. Ate porque, o 1222º remete para o 433.° e ss. e este remete para o 285.° e ss. do Código Civil.


19ª- Na realidade, na decisão recorrida, o Supremo Tribunal de Justiça não só enquadra a questão no âmbito da indemnização cumulável com a resolução do contrato de empreitada - identificando tal questão como uma vexata quaestio - como explana, doutamente (diga-se), a evolução das posições doutrinais nesta matéria, fazendo citações expressas de vários autores.


20ª - Atente-se ainda que, no presente processo, já em sede da 1ª instância e na Relação do Porto a questão fundamental de Direito havia sido analisada e resolvida por adopção da "posição tradicional dominante nesta matéria, segundo a qual, nos casos de resolução contratual", a parte lesada apenas pode ser ressarcida pelo interesse contratual negativo, e logo, não pode pedir a reparação de defeitos da obra - cfr. acórdão recorrido, página 30.


21ª - Na realidade, se a questão decidenda, não se situa-se no âmbito de tal matéria, certamente que o Tribunal não a teria mencionado na sua decisão, porquanto não faria sentido, estar a falar de normas e matéria não relacionadas ou irrelevantes para o thema decidendum.


22ª - No entender do Recorrente, o que o Supremo Tribunal de Justiça refere (após enquadrar, inclusive doutrinalmente, a questão fundamental de Direito) é que a ressarcibilidade dos defeitos em caso de resolução do contrato de empreitada - questão fundamental de direito - é solucionável "no âmbito do instituto da resolução contratual e do seu efeito típico, isto é da recíproca restituição de prestações".


23ª - O que, na realidade, vai de encontro com a jurisprudência e doutrina, referidas no acórdão recorrido, que defendem que "em casos pontuais e materialmente justificados - a indemnização a arbitrar à parte lesada possa ultrapassar o estrito círculo dos danos integrados no interesse contratual negativo - sendo esta ressalva especialmente justificável nos casos em que, afinal, a resolução do contrato não tem eficácia retroactiva ou esta se encontra especialmente mitigada ou restringida" - cfr. acórdão recorrido página 31.


24ª - Assim, no acórdão recorrido, atento a resolução contratual ter efeitos mitigados, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu ser de relevar o interesse dos Autores, em serem indemnizados pelo valor dos defeitos da obra, descontando os mesmos ao valor da prestação (obra) que não poderiam devolver ao Réu.


25ª - E se o Supremo Tribunal de Justiça refere, no acórdão recorrido, que resolveu a questão jurídica no âmbito do instituto da resolução, não se pode daí concluir que o Supremo não se tenha, também, considerado e aplicado as normas referentes ao incumprimento contratual, à obrigação de indemnizar e ao contrato de empreitada.


26ª - Entender-se que no acórdão recorrido apenas se aplicaram as regras do instituto da resolução contratual, seria defender-se que o nosso ordenamento jurídico é formado por institutos jurídicos estanques, o que como é sabido, não corresponde à realidade.


27ª - De facto, na decisão recorrida, foram, inquestionavelmente, interpretadas e aplicadas regras referentes à resolução, à nulidade e anulação de negócios, ao incumprimento contratual, à obrigação de indemnizar e ao contrato de empreitada.


28ª - Assim, no acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que, como não é possível colocar as partes na situação em que estariam caso o contrato não tivesse sido celebrado - tendo a retroactividade da resolução efeitos mitigados -, o valor dos defeitos da obra deverá ser descontado ao valor atribuído à parte da obra realizada pelo empreiteiro.


29ª- Portanto, uma vez a resolução não tem um "efeito retroactivo pleno" o Supremo Tribunal de Justiça entendeu serem de relevar danos que "extravasam o estrito âmbito do interesse contratual negativo", estando já no âmbito do interesse contratual positivo.


30ª - Enquanto que no acórdão fundamento se procedeu à análise das normas atinentes à matéria em questão, tendo-se entendido que as normas legais aplicáveis apenas permitem o ressarcimento dos Autores pelo interesse contratual negativo, não sendo admissível uma indemnização que respeite "a outros prejuízos que não sejam compensados com a simples eliminação dos defeitos ou com a simples redução do preço da empreitada".


31ª - Enquanto que no acórdão fundamento se determina expressamente que "havendo resolução do contrato por incumprimento, a indemnização mede-se pelo dano contratual negativo" (8), tendente a colocar o dono da obra na situação em que estaria se não tivesse celebrado o negócio", devendo ser calculada de acordo com as regras gerais da obrigação de indemnização (arts. 562° ss). E tal indemnização há-de apenas dizer respeito "a prejuízos outros que não sejam os derivados da eliminação de defeitos da obra ou de redução do preço".


32ª - E, também, não se diga que, in casu, não se verifica a oposição de jurisprudência, porque no acórdão fundamento o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que os danos peticionados estavam circunscritos no interesse contratual negativo.


33ª - Pois, verifica-se que, no acórdão fundamento, primeiro o Supremo Tribunal de Justiça determinou as normas de Direito aplicáveis, expondo, claramente, que apenas são indemnizáveis os danos circunscritos no âmbito do interesse contratual negativo e negando categoricamente compensação pela eliminação dos defeitos da empreitada; e, seguidamente, enquadrou os danos em questão no âmbito do interesse contratual negativo, admitindo o seu ressarcimento; da mesma forma que teria rejeitado o ressarcimento dos danos em questão caso os enquadrasse no interesse contratual positivo.


34ª - De facto, é inegável que a solução dada pelo Supremo Tribunal de Justiça à questão fundamental de Direito figura clara e inequívoca no acórdão fundamento e é manifestamente contraditória com a, supra exposta, solução dada a tal questão no acórdão recorrido.


35ª - E, também, não se pode concordar com a decisão ora reclamada quando se refere que a solução adoptada no acórdão ora recorrido visa "complementar tal visão quantitativa com uma perspectiva qualitativa, que tivesse na devida conta (obviamente sem qualquer duplicação de indemnizações) as deficiências ou menos valias que afectavam negativamente a edificação que iria reverter para o património dos AA.


36ª - Se o que está em causa é a não realização de determinada parte ou aspecto da obra, então a deficiência/defeito (no cumprimento) será quantitativa. Se estiver em causa uma parte da obra mal realizada, então, ai sim, a deficiência/defeito (no cumprimento) será qualitativa.


37ª - De facto, se há partes da obra que não foram realizadas, então, estão em causa deficiências/defeitos quantitativos.

 

38ª - Ora, in casu, é inegável que o vertido nas alíneas a), f) e g), do ponto 16 da matéria de facto correspondem a partes da obra que estão por realizar. Veja-se:

Ponto 16 da matéria de facto:

"a) o pilar referenciado no projecto com o n.° 20, localizado e dimensionado e com as características descritas no projecto de estabilidade - (quadro de pilares - desenho 5), não se encontrava executado";

"f) na cobertura não existe isolamento conforme previsto na memória descritiva e justificativa (placas de poliestereno expandido extrudido)",

g) as escadas de acesso exterior ao rés-do-chão e as duas chaminés previstas no projecto não se encontram executadas, conforme a calendarização da obra".


39ª - Não se pode aceitar que se considere que uma obra só está realizada em 35% e, ao mesmo tempo, considerar como defeitos da obra partes da obra que não estão realizadas - como forma de desvalorização desses 35%.


40ª - Na realidade, ao determinar-se o valor da parcela da obra realizada pelo Recorrente, foi, necessariamente, tido em conta o que este realizou da obra e o que lhe faltava realizar para que a obra se pudesse considerar acabada.


41ª - Assim, com o devido respeito, o Recorrente não concorda com o acórdão recorrido quando se parte, imediatamente, para a dedução de € 12.000,00 ao valor atribuído à parcela da obra realizada pelo ora Recorrente. Pois, a correcção desses defeitos (grande parte deles tarefas da obra por fazer), está naturalmente integrada na parte dos 65% da obra por realizar.


42ª- Pelo que, com o devido respeito, o ressarcimento dos defeitos da obra, através da sua dedução no valor da parcela realizada pelo Recorrente, significa, na realidade, uma dupla desvalorização de tais defeitos no valor da parcela da obra efectivamente realizada pelo Recorrente. Pois, por um lado foram considerados na parte da obra que está por fazer, e, por outro lado, foram considerados para efeitos de desvalorização da parte da obra realizada pelo ora Recorrente.

 

43ª - Dupla desvalorização que deve ser corrigida, ainda que o Supremo Tribunal de Justiça, profira acórdão de uniformização de jurisprudência adoptando a tese intermédia (de que no caso de resolução contratual com efeito retroactivo mitigado é admissível o ressarcimento de danos que extravasem o interesse contratual negativo), defendida no acórdão recorrido.


44ª - Sendo que, ao determinar o ressarcimento de defeitos da obra, quando, in casu, se verificou a resolução do contrato de empreitada, o acórdão recorrido, não aplicou correctamente o Direito, entrando em contradição com jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, especificamente, com o acórdão (fundamento), de 12 de Julho de 2005, já transitado em julgado, devendo, portanto, o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro em que se decida a questão controvertida, nos termos do n.° 2, do artigo 695.°, do CPC, considerando-se que, perante a resolução do contrato de empreitada, com fundamento em incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, a contraparte - o dono da obra - não poderá ser ressarcida pelos vícios ou defeitos não corrigidos do imóvel construído, com os inerentes efeitos legais no caso concreto, ou seja, determinando-se que os ora Recorridos (tendo resolvido o contrato) não podem exigir do Recorrente os € 12.000,00 correspondentes supra referidos defeitos.


45ª - E caso, se entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, sempre caberá mandar julgar novamente a causa, em harmonia com a decisão e Direito fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.° 1, do artigo 683.° e do n.° 3, do artigo 682º, ambos do CPC.


46ª - Assim, ao determinar que, in casu, não se verifica a oposição que serve de fundamento ao presente recurso, a decisão de que ora se reclama, violou, nomeadamente, o n.° 1, do artigo 688.°, do CPC, devendo a presente reclamação ser julgada procedente, e a decisão singular em questão ser revogada, decidindo a Conferência pela verificação dos pressupostos do presente recurso, incluindo a contradição invocada como seu fundamento, e enviando-se o processo à distribuição para julgamento pelo pleno das secções cíveis.


Termos em que, e pelo que V. Exas. doutamente suprirão no que o patrocínio se mostre insuficiente e no mais de direito, deve a presente reclamação e, subsequentemente, o recurso, in casu, serem julgados totalmente procedentes, revogando-se o acórdão ora recorrido, substituindo-o por outro que determine que os Autores não poderão ser ressarcidos pelos vícios ou defeitos não corrigidos do imóvel construído, confirmando a decisão do Tribunal da Relação do Porto e julgando-se improcedente o Recurso de Revista apresentado pelos Autores.

sempre se fazendo JUSTIÇA!



4. A argumentação expendida pelo reclamante reitera e reproduz, em larga medida, a fundamentação oportunamente apresentada como base do recurso de uniformização – e que já obteve apreciação e resposta clara no despacho ora reclamado.


Para que possa falar-se de conflito jurisprudencial, susceptível de ser dirimido através do recurso extraordinário criado pela reforma de 2007 do CPC, é obviamente indispensável que as soluções jurídicas, acolhidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento - e que, segundo o recorrente se encontram em invocada oposição - tenham uma mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito – sem o que obviamente não está preenchido o pressuposto essencial deste excepcional meio recursório, previsto no art. 688º do CPC.


Isto implica que as soluções alegadamente em conflito:


-  terão de corresponder a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se por isso no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental: este requisito implica, não apenas que não hajam ocorrido, no espaço temporal situado entre os dois arestos, modificações legislativas relevantes, mas também que as soluções encontradas num e noutro acórdão para os litígios que cumpria solucionar se situem no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica, não integrando contradição o ter-se alcançado soluções práticas diferentes para os litígios através da respectiva subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados;


- devem ter na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito – sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto;


- é necessário que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma ainda um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi

dos acórdãos em confronto – não relevando os casos em que se traduza em mero obter dictum ou num simples argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via jurídica ( veja-se a decisão de 22/13/13, proferida no P. 261/09.0TBCHV.P1.S1).


Não poderá, deste modo, falar-se em conflito jurisprudencial quando as concretas soluções alcançadas pelo STJ, num caso e no outro, radicarem no apelo a normas, figuras ou institutos jurídicos perfeitamente diversificados e autonomizáveis – não representando, por isso, as soluções em alegada oposição interpretações normativas efectivamente conflituantes; tal como inexiste conflito jurisprudencial quando a diversidade de soluções jurídicas alcançadas para a composição dos interesses em litígio, num e no outro caso, assentar em diferenciações relevantes da matéria litigiosa, decorrendo a solução adoptada no acórdão recorrido inteiramente de especificidades, particularidades ou peculiaridades da matéria de facto subjacente ao litígio que, só por si, justifiquem a adopção de solução diversa – ou seja, não há conflito jurisprudencial quando o modo de composição de certo litígio tiver passado, não por interpretação conflituante de um mesmo regime normativo, mas pela ponderação de especificidades factuais que, na óptica do interesse das partes, não possam deixar de revelar para a forma como o litígio deve ser justamente composto pelos tribunais.


Ora, reiterando o que já ficou longamente explanado ao longo dos presentes autos, entende-se que o pressuposto da identidade da questão fundamental de direito, dirimida nos acórdãos recorrido e fundamento, se não verifica.


Na realidade, estamos confrontados com duas situações litigiosas perfeitamente diversificadas, nos seus contornos essenciais : embora ambos os casos, dirimidos pelo acórdão recorrido e pelo acórdão fundamento, tenham efectivamente uma base factual e jurídica comum mínima ( sem o que seria totalmente absurdo tentar sequer falar em conflito jurisprudencial) – ou seja: está em causa o incumprimento culposo de um contrato de empreitada, resolvido pelo dono da obra, importando determinar de que modo exacto deve ser liquidada a relação contratual justificadamente objecto do acto resolutivo – existem, todavia, inquestionáveis e evidentes diferenças estruturais nos contornos das situações litigiosas - que não podem obviamente ser olvidadas quando se trata de determinar o modo de composição dos interesses dos litigantes, subsequentes ao acto resolutivo.


Assim, no caso dos autos, a obra parcialmente edificada, com defeitos, pelo empreiteiro reverteu para o dono da obra, que naturalmente teve, precisamente como contrapartida de tal reversão para a sua esfera patrimonial, de suportar uma parte do preço acordado para o total da obra.


Bem pelo contrário, na situação que foi objecto do acórdão fundamento, a obra deficientemente realizada pelo empreiteiro não reverteu para a esfera patrimonial do dono da obra – que não teve, por isso, de suportar qualquer parcela do preço convencionado, de que foi considerado exonerado – cabendo antes ao empreiteiro remover os materiais inadequados que tinha aplicado, em incumprimento das respectivas obrigações contratuais – e devendo indemnizar o dono da obra pelos danos correspondentes ao estrito interesse contratual negativo, conforme peticionado pelo autor.


Note-se, aliás, que no acórdão escolhido pelo ora reclamante como acórdão fundamento, em manifesta consonância com aquela fisionomia básica da situação litigiosa, nem sequer tinha sido peticionada pelo A. qualquer verba a título de ressarcimento danos decorrentes dos defeitos da obra: a argumentação expendida no acórdão fundamento de que, havendo resolução do contrato, a indemnização se mede pelo dano contratual negativo não se destina, pois, a excluir ou afastar qualquer indemnização pelos danos positivos, decorrentes do incumprimento ( que, repete-se, o A. nem sequer havia peticionado), mas, num raciocínio a contrario,  a deixar demonstrado que inexistia qualquer obstáculo quanto à atribuição da indemnização concreta e realmente peticionada, reportada a um típico  interesse contratual negativo do A.


Como afirma o acórdão fundamento, resolvido o contrato, o dono da obra fica exonerado de pagar o preço e, se já o tinha pago, pode exigir a sua restituição por inteiro – sendo precisamente esta circunstância de os RR nada terem a pagar à A. a título de preço que, só por si, explica e justifica cabalmente o juízo conclusivo, adiante expressado, segundo o qual, neste caso,  a indemnização poderá abranger os danos negativos, consequentes ao acto resolutivo.


Ora, como parece evidente e incontroverso, tais pressupostos não podem aplicar-se à situação litigiosa dirimida no presente processo, já que o dono da obra foi condenado a suportar uma parcela do preço, correspondente ao edificado pelo empreiteiro e que aceitou reverter para o seu património – ou seja, em vez de ficar exonerado da obrigação de pagar o preço, teve de suportar o diferencial entre a parcela do preço total que já havia sido solvida ao empreiteiro e o montante correspondente ao custo, dentro do total da obra, dos trabalhos já executados.


O núcleo essencial da matéria litigiosa – decorrente do modo perfeitamente diversificado como as partes, num e noutro caso, entenderam liquidar a situação emergente da resolução do contrato de empreitada – não coincide manifestamente, o que, desde logo, afasta a possibilidade de estarmos confrontados com interpretações normativas divergentes, feitas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento.


Acresce que, como se notou claramente na decisão reclamada, as soluções alcançadas para cada um dos litígios assentaram na interpretação e aplicação de regimes normativos diferenciados e autónomos, já que a solução adoptada no acórdão recorrido passou decisivamente pelo apelo, não à figura da responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, cujo âmbito decorre da interpretação do estatuído no art. 1223º do CC, mas pela interpretação e aplicação do regime da restituição recíproca das prestações, no caso de resolução do contrato, nas situações em que seja materialmente impossível obter a respectiva restituição em espécie: ou seja, a solução alcançada no caso dos autos passou decisivamente pela subsunção da matéria litigiosa a um instituto ou figura jurídica – a determinação dos efeitos jurídicos da resolução, definidos legalmente por remissão para a anulação do contrato – que, de forma inequívoca, é diverso do instituto da responsabilidade civil contratual por defeitos da obra – o que, só por si, afastaria a existência de contradição jurisprudencial invocada pelo recorrente.


5. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, confirma-se inteiramente a decisão reclamada, tendo por inverificado o pressuposto essencial do recurso extraordinário interposto pelo reclamante, não se admitindo, nos termos do art. 692º, nº3, do CPC, o presente recurso extraordinário.

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.


            Lisboa, 02 de Outubro de 2014


            Lopes do Rego (Relator)

            Orlando Afonso

            Távora Victor