Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA JOÃO VAZ TOMÉ | ||
Descritores: | DEPOIMENTO DE PARTE REQUISITOS PROVA POR DECLARAÇÕES DE PARTE LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA CONFISSÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS ACORDÃO FUNDAMENTO ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
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Data do Acordão: | 06/21/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA, REPRISTINANDO-SE A DECISÃO DA 1ª INSTÂNCIA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I. Não se afigura necessário tomar partido na querela entre a tese que defende a aplicabilidade do art. 629.º, n.º 2, al. d), ex vi do art. 671.º, n.º 2, al. a), do CPC, a acórdãos relativos a decisões interlocutórias, e a tese que a não admite, quando o Recorrente junta, além de acórdãos-fundamento do TR, um acórdão-fundamento, e apenas um, do STJ, que se encontra em oposição com o acórdão recorrido. II. Conforme jurisprudência consolidada do STJ, a admissibilidade da revista, em caso de oposição de julgados, pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) a existência de acórdão em oposição concreta com o acórdão recorrido, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito fundamental, tendo por objeto idêntico núcleo factual; (ii) a anterioridade do acórdão-fundamento, já transitado em julgado; e (iii) a não abrangência da questão fundamental de direito por jurisprudência anteriormente uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça. III. Nada obstando à valoração de factos favoráveis ao depoente que venham a resultar espontaneamente do seu depoimento de parte, a admissão prévia deste meio de prova encontra-se, todavia, sujeita à verificação dos requisitos legalmente previstos para o efeito. Estes encontram-se intrinsecamente ligados ao objetivo fundamental do legislador aquando da previsão da possibilidade de as partes prestarem depoimento (que não as declarações previstas no art. 466.º do CPC): provocar e obter do depoente uma confissão judicial. IV. No momento prévio em que tem de decidir sobre a admissão deste o meio probatório, o juiz deve analisar os factos que o requerente, de forma discriminada, indica (art. 452.º, n.º 2, do CPC), permitindo apenas o depoimento de parte quanto aos factos desfavoráveis ao depoente. V. O Réu só pode pedir o depoimento de parte de um comparte quando este assuma uma posição na ação que se distancie da sua, isto é, que tenha um interesse por definição antagónico ao do requerente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório
1. AA, e Mulher, BB, intentaram contra CC, e Mulher, DD, e EE, e Mulher, FF, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo: a) se declare e condene os Réus a reconhecerem o direito de preferência dos Autores na alienação do prédio melhor identificado no artigo 7.º, da petição inicial, nos exatos termos em que o mesmo foi transmitido através da escritura pública junta como documento n.º 5 à petição inicial; b) se adjudique aos Autores, em substituição dos 1.os Réus e com eficácia ex tunc, o direito de propriedade sobre o imóvel referido na alínea anterior, condenando-se os últimos a abrir mão desse prédio e a entregá-lo àqueles, completamente livre e desocupado; c) se ordene o cancelamento de todas e quaisquer inscrições na correspondente descrição predial que contrariem e/ou onerem esse direito de propriedade dos Autores, designadamente a que os 1.os Réus fizeram a seu favor e outras que entretanto possam ter realizado. 2. Alegam, para tanto, em síntese, que: - os Autores são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico sito no lugar de ..., da União de Freguesias ..., do concelho ...; - esse prédio confina com o prédio rústico inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...87.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...76, denominado “..., ... e de ...”, o qual pertencia aos 2.os Réus e foi por estes vendido aos 1.os Réus, através de escritura pública de compra e venda outorgada a 17 de julho de 2013; - aos Autores não foi dado prévio conhecimento do seu propósito de vender tal imóvel, e muito menos das condições da projetada venda, antes tendo os Réus celebrado tal negócio no completo desconhecimento daqueles, de quem foi mantido em segredo desde a sua conclusão; - foi violada, assim, a preferência legal consagrada no art. 26.º, n.º 1, DL n.º 73/2009, de 31 de março, que aprovou o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional, porquanto, a 17 de julho de 2013, ambos os prédios estavam incluídos numa área da Reserva Agrícola Nacional, de acordo com o Plano Diretor Municipal (PDM) em vigor na ..., como ainda hoje estão. 3. Os Autores AA, e Mulher, BB, efetuaram o depósito do preço de € 3.000,00 (três mil euros), mediante requerimento com a REF.ª ...62 (cf. fls. 22 a 25). 4. Regularmente citados, apenas os 1.os Réus, CC, e Mulher, DD, apresentaram contestação, a fls. 39 a 45 (REF.ª ...42), na qual, em suma, a título de exceção: a) invocaram que o direito de preferência está afastado à luz do art. 1381º, do CC, já que, de um lado, o prédio se destinou a fim diverso da cultura (tendo sido integrado num projeto de investimento agropecuário cofinanciado pelo Estado Português e pela União Europeia pelo programa PDR 2020) e, de outro lado, o imóvel adquirido constitui, conjuntamente com outros, uma exploração agrícola de tipo familiar, no âmbito da qual os prédios são fabricados, como um todo, há mais de trinta anos, pelo pai do Réu marido e seu agregado familiar, neles colhendo milho, centeio e batata com o intuito de prover ao sustento da sua família e do pastoreio dos animais sua propriedade, fazendo-o sempre à vista de toda a gente; b) mencionaram a caducidade do direito, pois que os Autores sabiam desde há muito tempo que aquele terreno tinha sido vendido aos 1.os Réus e que era intenção destes construir no local uma vacaria. 5. Alegaram também os 1.os Réus CC, e Mulher, DD, que, após a celebração do contrato de compra e venda, construíram um edifício afeto à atividade agrícola e agropecuária (um armazém/vacaria com uma área de 240 m2), o que constitui uma benfeitoria, insuscetível de ser levantada, na qual despenderam a quantia de € 63.400,00, considerando neste valor apenas o conjunto de despesas por si efetuadas, mas ascendendo, após a construção no seu conjunto, ao montante de € 96.800,00. 6. Levando em linha de conta a referida obra efetuada no prédio, os 1.os Réus CC, e Mulher, DD, formularam reconvenção a título subsidiário, pedindo a condenação dos Autores: a) no reconhecimento do seu direito de retenção sobre o prédio objeto de preferência até serem pagos dos valores das benfeitorias nele implantadas; b) no pagamento do montante de € 96.800,00 (noventa e seis mil e oitocentos euros), correspondente ao valor dessas benfeitorias. 7. Os Autores AA, e Mulher, BB, responderam à reconvenção mediante a réplica apresentada a fls. 54 a 57 (REF:ª ...19), sustentando a sua inadmissibilidade e, subsidiariamente, a sua improcedência, na medida em que, em seu entender, os 1.os Réus dispõem de outro meio de tutela do seu direito junto dos 2.os Réus, obrigados à preferência, atendendo ainda a que a construção não acrescenta valor ao prédio, antes lhe retira área aproveitável para a implantação de culturas. Alegaram, por fim, que, no caso de existir, o enriquecimento não corresponde àquele indicado pelos Réus, na medida em que obtiveram parcial financiamento através do programa PDR. 8. Os 1.os Réus CC e Mulher, DD, requereram o depoimento de parte dos Autores e do 2.º Réu EE sobre todos os factos alegados a integrar os temas de prova e que admitam confissão. 9. Sobre tal requerimento foi proferida decisão, a 7 de julho de 2021, que não admitiu o depoimento de parte do Réu EE, nos seguintes termos: “Verificando-se que, por lapso, no despacho de admissão dos meios de prova não foi proferida decisão sobre o depoimento de parte requerido quanto ao comparte EE, de molde a colmatar essa omissão, passa-se de imediato a fazê-lo: Reconduzindo-se o depoimento de parte ao meio técnico de índole probatória destinado a provocar a confissão da parte, a sua prestação apenas é admissível no que se reporta a factos pessoais, cuja prova reveste carácter desfavorável para a posição processual do depoente (cfr. artigos 452º e 454º, do CPCiv, e 352º do Código Civil). Acresce que, apesar do artigo 453º/3, do CPCiv, admitir a prestação de depoimento pelo comparte, é necessário que o depoente tenha um interesse antagónico ao requerente do mesmo (assim, Lebre de Freitas, Código do Processo Civil Anotado e Comentado, vol. 2.º, Coimbra Editora, p. 470, face ao artigo 553º/3, do CPCiv de 1961, cuja redação é idêntica ao citado artigo 453º, do atual CPCiv). No caso concreto, não se verifica esse interesse antagónico, já que o Réu EE não apresentou contestação e a prova da factualidade alegada pelos Réus contestantes aproveita a ambos (neste sentido, vd. Ac. TRG de 07/04/2011, proc. 138/10.6TBCMN-A.G1, e como Acórdão do TRG de 18.05.2017, proferido no processo n.º 197327/14.7YIPRT-A.G, e demais jurisprudência aí citada). Notifique.” 10. Não conformados, os 1.os Réus CC, e Mulher, DD, interpuseram recurso de apelação. 11. Os Autores AA, e Mulher, BB, apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida. 12. Por acórdão de 16 de dezembro de 2021, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu o seguinte: “Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, decide-se revogar o despacho recorrido, admitindo-se o requerido depoimento a toda a materialidade para que foi indicado, com a consequente anulação da sentença proferida”. 13. Não conformados, os Autores AA, e Mulher, BB, interpuseram recurso de revista, formulando as seguintes Conclusões: “l.§) O presente recurso tem por objecto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que revogou decisão interlocutória, proferida pelo Tribunal de primeira instância, que recaiu unicamente sobre a relação processual, por entender admissível um depoimento de comparte apenas incidente sobre factos favoráveis ao Réu que iria depor e que não contestou a acção; 2.§) Uma tal interpretação encontra-se em clara oposição com os acórdãos da mesma Relação de Guimarães de 18/05/2017 - Proc. n.e 197327/14.7YIPRT-A.G1 e de 07/04/2011 - Proc. n.e 138/10.6TBCMN-A.G1, bem como com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/2004 - Processo 03A3530, todos já transitados em julgado e que constituem os acórdãos-fundamento para o presente recurso de revista; 3.§) A referida contradição entre a jurisprudência da Relação quanto à mesma questão fundamental de direito no domínio da mesma legislação, não existindo acórdão uniformizador de jurisprudência e tendo em conta que de outro modo não haveria recurso do acórdão recorrido por motivo estranho à alçada, legitima o presente recurso de revista nos termos do disposto na alínea a) do n.9 2 do art. 671.2 do CPC, conjugado com a previsão do art. 629.9, n.5 2 - alínea d), do mesmo Código; 4.§) A referida contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento do Supremo Tribunal de Justiça quanto à mesma questão fundamental de direito no domínio da mesma legislação, e não existindo acórdão uniformizador de jurisprudência, torna a presente revista admissível ao abrigo do disposto na alínea b) do n.s 2 do art. 671.s do CPC; 5.§) Admitido que seja o presente recurso, por qualquer das vias acabadas de referir, o mesmo terá objecto uma única questão: se deve, ou não, admitir-se um depoimento de comparte que verse apenas sobre factos favoráveis a quem o iria prestar ou a prestar quem não tenha assumido na acção uma posição divergente do requerente do depoimento, como é o caso de co-Réu que não tenha contestado; 6.§) Ao admitir o depoimento de comparte requerido à materialidade relativamente à qual foi requerida, por considerar que tal meio de prova pode incidir sobre factualidade favorável à parte que depõe, o acórdão recorrido faz errónea interpretação e aplicação dos arts. 452.9, 453.2, n.e 3, e 454.5 do CPC; 7.§) A correcta interpretação dessas normas necessariamente levaria o Tribunal a quo a concluir pela inadmissibilidade do depoimento de comparte não contestante, requerido pelos l.os Réus, e, consequentemente, pela improcedência do recurso por estes interposto da decisão proferida em 07/07/2021 pela primeira instância, que teria de confirmar. Nestes termos, pelos fundamentos explanados nas conclusões acabadas de alinhar e nos melhores de direito que V.^s Ex.^s proficientemente suprirão, deve conceder-se provimento à presente revista, revogando-se o acórdão recorrido, com a consequente confirmação do decidido em 07/07/2021 pela primeira instância, e mais determinando a baixa dos autos à Relação de Guimarães, a fim de este Tribunal conhecer agora dos recursos interpostos da sentença final já proferida pela primeira instância, assim se fazendo JUSTIÇA.” 14. O recurso foi admitido pelo Senhor Desembargador-Relator a 14 de março de 2022. II – Questões a decidir Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, está em causa a questão de saber se deve ou não ser deferido o requerimento apresentado pelo 1.º Réu CC no sentido de ser prestado depoimento de parte do co-Réu EE, que não apresentou contestação nos autos. III – Fundamentação A) De Facto Releva a factualidade mencionada supra no Relatório.
B) De Direito Tipo e objeto de recurso 1. Está em causa o recurso de revista interposto pelos Autores AA, e Mulher, BB, do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de dezembro de 2021, que julgou procedente o recurso interlocutório interposto pelos Réus CC, e Mulher, DD, e, em consequência, revogou o despacho recorrido, admitindo o depoimento de parte de um dos Réus a toda a materialidade para que foi indicado, com a daí resultante anulação da sentença proferida. 2. O Tribunal de 1.ª Instância havia proferido despacho, objeto do recurso de apelação, que indeferiu a prestação de depoimento de parte do Réu EE. 3. Não conformados com a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, os Autores interpuseram o presente recurso de revista, por entenderem, em síntese, que este fez uma interpretação dos arts. 452.º, 453.º, n.º 3, e 454.º, do CPC, em contradição com acórdãos anteriores do Tribunal da Relação e, também, com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. (In)admissibilidade do recurso 1. Os Autores AA, e Mulher, BB, interpuseram o presente recurso de revista ao abrigo do disposto no art. 671.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC. 2. Está em causa a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão que apreciou uma decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual, revogatória da decisão do Tribunal de 1.ª Instância. 3. Os Autores/Recorrentes alegam que o acórdão recorrido se encontra em oposição: - com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18 de maio de 2017 (Higina Orvalho Castelo), proc. n.º 197327/14.7YIPRT-A.G1; - e/ou com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7 de abril de 2011 (Amílcar Andrade), proc. n.º 138/10.6TBCMN-A.G1; e/ou - com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de janeiro de 2004 (Alves Velho), proc. n.º 03A3530. 4. No que respeita aos primeiros fundamentos invocados - i.e., a oposição do acórdão recorrido com outros acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães -, tem sido objeto de querela tanto na doutrina[1] como na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[2] a questão de saber se o art. 629.º, n.º 2, al. d), ex vi do art. 671.º, n.º 2, al. a), do CPC, se aplica a acórdãos relativos a decisões interlocutórias. 5. Todavia, não se afigura necessário, no caso em apreço, tomar partido por uma das posições em confronto na referida querela, uma vez que os Autores/Recorrentes, além dos acórdãos da Relação, apresentam um acórdão-fundamento – e apenas um - do Supremo Tribunal de Justiça que se encontra em oposição com o acórdão recorrido, conforme se demonstra infra. 6. Na medida em que os Autores/Recorrentes, no requerimento de interposição de recurso, apenas se referem a um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão de direito alegadamente objeto de divergência jurisprudencial, não é necessário “(…), num primeiro momento, convidar o recorrente a escolher o acórdão em relação ao qual pretende que seja apurada a existência da oposição - uma espécie de “despacho de aperfeiçoamento” - aplicando-se por analogia, designadamente para efeitos de prazo, o disposto no art. 639.º, n.º 3, do CPC e ainda do artigo 652.º, n.º 1, al. a), ex vi do art. 679.º do CPC.”[3]. 7. Por isso, não se revelando necessário lançar mão dos arts 652.º, n.º 1, al. a), in fine, e 639.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis por remissão do art. 679.º, do mesmo corpo de normas – por analogia -, não se convidam-se os Autores/Recorrentes a aperfeiçoar/completar as conclusões das suas alegações, selecionando um acórdão fundamento sobre a questão de direito a apreciar, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecimento do recurso na parte afetada. 8. Conforme jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, a admissibilidade do recurso de revista em caso de oposição de julgados pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) a existência de acórdão em oposição concreta com o acórdão recorrido, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito fundamental, tendo por objeto idêntico núcleo factual; (ii) a anterioridade do acórdão-fundamento, já transitado em julgado; e (iii) a não abrangência da questão fundamental de direito por jurisprudência anteriormente uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça[4]. 9. Com efeito, no caso de invocação de contradição do acórdão recorrido com outro acórdão do Tribunal da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado, permite-se o recurso para este Tribunal (art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC), desde que entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento se verifique: (i) identidade do quadro factual, (ii) identidade da questão de direito expressamente resolvida, (iii) identidade da lei aplicável, (iv) carácter determinante da resolução daquela questão para a decisão final e, por fim, (v) oposição concreta de decisões[5]. 10. Alegam os Autores/Recorrentes que no acórdão fundamento foi decidido que “O art. 553.º-3 CPC apenas permite que se exija o depoimento de comparte se este toma posição ou alega factos diferentes do comparte que requer o seu depoimento, favoráveis a este e desfavoráveis àquele”. 11. Segundo a fundamentação do acórdão fundamento: “4. 1. 2. - A lei processual não fornece um conceito de depoimento de parte, nem estabelece directamente e em concreto o que dele pode ser objecto. Limita-se a dispor sobre quem pode prestá-lo, de quem pode ser exigido e sobre que factos pode recair do ponto de vista da sua relação com a pessoa do depoente. Esta regulamentação, só por si, permitiria a admissibilidade quase ilimitada do depoimento de parte, desde que a pretensão se movesse no campo dos factos de que a parte devesse ter conhecimento e não lhe fossem imputados, sendo criminosos ou torpes (art. 554.º). O regime do depoimento de parte está (todo e só ele) inserido em secção subordinada à epígrafe "Prova por confissão das partes". A confissão, meio de prova, define-a a lei substantiva como «o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária» - art. 352.º C. Civil. Daqui decorre, conjugando regimes, que o depoimento de parte é o meio processual que a lei adjectiva põe ao serviço do direito probatório substantivo para provocar a confissão judicial, como expressamente previsto no art. 356.º-2 C. Civ.. Ora, se depoimento de parte se destina a provocar a confissão da parte e se esta, pelo seu objecto, implica o reconhecimento de factos desfavoráveis ao depoente e favorecentes da posição da parte contrária, então bem se compreende que o depoimento só possa ser exigido quando esteja em causa o reconhecimento pelo depoente de factos "cujas consequência jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à parte contrária, nos termos do art. 342.º do Código Civil» (M. ANDRADE, "Noções Elementares e Processo Civil", 1976, pg. 240). A confissão, como meio de prova típico e diferenciado, escreve A. DOS REIS (Anotado, IV, 76), pressupõe o reconhecimento da verdade de facto contrário ao interesse do confitente; se a parte alega facto favorável ao seu interesse, não confessa, faz uma afirmação cuja veracidade tem de demonstrar, pela razão simples de que ninguém pode, por simples acto seu, formar ou fabricar provas a seu favor. A confissão constitui prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária; portanto recai necessariamente sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis ao seu adversário. O depoimento de parte surge, assim, como um "testemunho qualificado pelo objecto (ser contrário ao interesse do seu autor)", o que não é o mesmo que o denominado «testemunho de parte», enquanto depoimento de parte de livre apreciação pelo julgador, à semelhança da valoração do depoimento das testemunhas, figura que a nossa lei não admite (vd. M. ANDRADE, ob. e loc. cit.; LEBRE DE FREITAS, "Anotado", 2.º vol., 464; Ac. STJ, 29/3/01, Proc. 544/01-7.ª Secção). Deve, pois, aceitar-se que requerer o depoimento de parte sobre factos co-alegados pela própria parte sem que se tenha por objectivo o reconhecimento de qualquer facto desfavorável, ou cujo ónus de prova recaia sobre a parte contrária, se traduz num uso indevido desse meio de prova, por falta de correspondência funcional e teleológica entre o meio processual e o objecto do meio de prova fixado na lei. Volta-se a A. DOS REIS (ob. cit., 91), para retirar nota de que o n.º 3 do art. 553.º "não teve em vista resolver o problema da confissão-prova em caso de litisconsórcio (…)" deixando a "questão em aberto, não quis pronunciar-se sobre ela". Apenas se quis estabelecer que "não obsta ao depoimento de parte a circunstância de ter sido requerido por um comparte do depoente", mas já obstará, se bem interpretamos, a que a parte possa requerer o seu próprio depoimento. Consequentemente, o depoimento de comparte há-de ser ou não admissível consoante concorram ou não os pressupostos que ficaram enunciados. Assim, se o comparte toma posição ou alega factos diferentes do comparte que requer o seu depoimento, favoráveis a este e desfavoráveis àquele, permitirá o n.º 3 do art. 553.º que o depoimento lhe seja exigido. A lei, não só restringe o âmbito do depoimento aos factos susceptíveis de confissão, como exige a prévia indicação dos mesmos factos materiais ao tribunal (arts. 552.º e 554.º), o que só se justificará para lhe permitir o controlo dos requisitos substantivos da prova por confissão de parte. Ora, no caso presente, efectuado o controlo em causa através do confronto entre os factos indicados e a sua proveniência e natureza, leva a concluir pela ausência dos ditos requisitos susceptíveis de provocar declarações confessórias e, consequentemente, pela inadmissibilidade do depoimento pessoal recíproco do Co-réu (cfr., no sentido defendido, M. TEIXEIRA DE SOUSA, "Estudos sobre o Novo Proc. Civil", 325; acs. STJ de 20/4/99 e 26/10/99, proc. 115/99, 1.ª sec. e 622/99-6.ª sec.; RL, 15/12/94 e 3/10/00, CJ XIX-5-128 e XXV-4-103). Resta referir que também se não vislumbra violação dos princípios que dimanam do art. 20.º da Lei Fundamental. Aí se consagra o direito geral à protecção jurídica e de acesso aos tribunais de que o direito à prova é entendido como uma das componentes. Dele decorre, por um lado, o dever de o tribunal atender a todas as provas produzidas no processo, desde que lícitas, independentemente da sua proveniência, princípio acolhido no art. 515.º-1 do CPC, e, por outro lado, a possibilidade de utilização pelas partes, em seu benefício, os meios de prova que mais lhes convierem e o momento da respectiva apresentação, devendo a recusa de qualquer meio de prova ser devidamente fundamentado na lei ou em princípio jurídico, não podendo o tribunal fazê-lo de modo discricionário. Porém, o direito à prova, nesta última vertente, que é a que ao caso cabe, como a generalidade dos direitos, não é absoluto, antes contém limitações de natureza intrínseca e extrínseca. Desprezando, agora, o caso das provas lícitas ou proibidas, prazos de apresentação, etc., bem podem considerar-se entre aqueles limites intrínsecos os atinentes à relevância da prova sob a perspectiva em que a lei "define e circunscreve exactamente o objecto do direito à prova relevante" (RUI RANGEL, "O Ónus da Prova no Processo Civil", 73, citando M. TARUFFO "Il diritto alla prova nel proc. civ., Riv. Dir. proc., 1984, 78); cfr., ainda, ISABEL ALEXANDRE, "Provas Ilícitas em Proc. Civil", 68 e ss.) Ora, justamente, como já atrás se pôs em relevo, o que aqui está em causa é essa limitação intrínseca postulada pela circunstância de os requerentes, ao fazerem afirmações dos factos favoráveis aos seus interesses, que têm de demonstrar, se colocarem, quanto a esses factos, fora dos limites da eficácia da confissão, que é o meio de prova que pretendem utilizar. A confissão, como dito, não constitui meio de prova de quem emite a declaração, mas a favor da parte com interesses contrários, ninguém podendo, por mero acto seu, formar provas a seu favor. Não se vê que fique vedado ao legislador ordinário regular a possibilidade de limitar o depoimento de parte por forma a impedir o exercício do direito de o prestar quando o respectivo objecto seja irrrelevante enquanto confissão, ou seja, quando se anteveja uma disfunção entre o meio processual e o fim tido em vista pela sua previsão. Deste modo, não haverá qualquer diminuição da tutela efectiva do "direito à prova", nem os Recorrentes ficaram, nem discricionária, nem injustificadamente, privados de produzir esse meio probatório - que não o era como confissão, objectivo normal do depoimento de parte -, a impor interpretação diferente da norma n.º 3 do art. 553.º CPC, por desconformidade com os princípios acolhido pelo art. 20.º CR. A resposta à primeira questão é, pois, negativa”. 12. Em sentido manifestamente contrário a tal acórdão, concluiu o acórdão recorrido que “(…) o depoimento de parte, conduzindo ou não à confissão, pode ser livremente valorado pelo tribunal a quo para fundar a sua convicção acerca da veracidade de factos controvertidos favoráveis a qualquer das partes. E podendo assim ser valorado, tal pressupõe que o mesmo tem igualmente de poder ser admitido apenas com esse fundamento, ou seja, incidindo apenas sobre factos favoráveis.”. 13. Por conseguinte, não restam dúvidas de que o acórdão recorrido, admitindo estar em causa um depoimento de parte incidente apenas sobre factos favoráveis ao Réu que iria depor, retirou da possibilidade legal de um tal depoimento ser valorado, no segmento em que não produz confissão, à luz da livre apreciação da prova, a admissibilidade deste meio de prova ainda que não exista qualquer facto desfavorável suscetível de ser confessado. 14. Assim, a questão a decidir no acórdão recorrido e no acórdão-fundamento é a mesma: saber se deve ou não admitir-se um depoimento de comparte (i) que recaia apenas sobre matéria que é favorável ao depoente ou (ii) quando a comparte depoente tenha, sobre a referida matéria, a mesma posição que a comparte que o chama a depor. 15. A resposta a esta questão implicou, no caso dos acórdãos em confronto, a interpretação das mesmas normas jurídicas, existindo identidade substancial do quadro normativo aplicável. Afigura-se irrelevante que o acórdão-fundamento tenha sido proferido quando vigorava a anterior versão do CPC, aprovado pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, enquanto à data da prolação do acórdão recorrido já estava em vigor o novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. Com efeito, os preceitos legais aplicados, para além de haverem sido objeto de diferente numeração, não sofreram qualquer alteração[6]. O que se exige é que exista identidade substancial, não necessariamente também formal, do quadro normativo. 16. Refira-se, a este propósito, que a introdução do meio de prova “declarações de parte” (art. 466.º do CPC) em nada obsta à observância do requisito em apreço, uma vez que não é sobre este meio probatório que as decisões em confronto se debruçaram. 17. Por último, a solução jurídica dada à questão em causa foi distinta: enquanto no acórdão recorrido se considerou admissível um tal depoimento de comparte, no acórdão-fundamento entendeu-se o contrário. 18. Existe, pois, entre ambos os arestos identidade substancial ou similitude da situação processual litigiosa, permitindo afirmar que o núcleo essencial de apreciação da matéria subjacente a cada uma das decisões em confronto é equiparável. 19. Com efeito, independentemente da especificidade da situação apreciada no acórdão-fundamento – em cujo processo foi apresentada contestação única por ambos os Réus -, a questão fundamental dirimida nos arestos em confronto é, no essencial, a mesma: a (in)admissibilidade do depoimento de comparte que incida sobre factos favoráveis a quem iria prestá-lo. 20. Conclui-se, portanto, no sentido da existência de oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento, tendo ambos os acórdãos sido proferidos no domínio da mesma legislação, respeitando à mesma questão fundamental de direito, tendo tal divergência sido essencial para as respetivas decisões. 21. Acresce que não houve ainda acórdão de uniformização de jurisprudência conforme com o acórdão recorrido. 22. Reconhece-se, pois, a contradição de acórdãos que é invocada pelos Autores/Recorrentes nesta parte. O recurso de revista é admissível e deve ser conhecido – cf. arts. 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 2, al. b), do CPC. Questão de saber se deve ou não ser deferido o requerimento apresentado pelo 1.º Réu no sentido de ser prestado depoimento de parte pelo co-Réu EE, que não apresentou contestação nos autos 1. Na presente ação declarativa de condenação, GG, BB, vieram deduzir contra CC e DD e EE e Mulher, FF, os seguintes pedidos: a) se condenem os Réus no reconhecimento do direito de preferência dos Autores na alienação do prédio melhor identificado no artigo 7.º da P.I., nos exatos termos em que o mesmo foi transmitido através da escritura pública junta como documento n.º 5 à P.I; b) se atribua aos Autores, em substituição dos 1.os Réus, e com eficácia ex tunc, o direito de propriedade sobre o referido imóvel, condenando-se os últimos a abrir mão desse prédio e a entregá-lo àqueles, completamente livre e desocupado; c) se ordene o cancelamento de todas e quaisquer inscrições na correspondente descrição predial que contrariem e/ou onerem esse direito de propriedade dos Autores, designadamente aquela que os 1.os Réus fizeram a seu favor e outras que entretanto possam ter efetuado. 2. Regularmente citados, apenas os 1.os Réus CC e DD apresentaram contestação e requereram o depoimento de parte dos Autores e do 2.º Réu sobre todos os factos alegados a integrar os temas de prova. 3. Sobre tal requerimento foi proferida decisão, a 7 de julho de 2021, que não admitiu o depoimento de parte do Réu EE, nos seguintes termos: “Verificando-se que, por lapso, no despacho de admissão dos meios de prova não foi proferida decisão sobre o depoimento de parte requerido quanto ao comparte EE, de molde a colmatar essa omissão, passa-se de imediato a fazê-lo: Reconduzindo-se o depoimento de parte ao meio técnico de índole probatória destinado a provocar a confissão da parte, a sua prestação apenas é admissível no que se reporta a factos pessoais, cuja prova reveste carácter desfavorável para a posição processual do depoente (cfr. artigos 452º e 454º, do CPCiv, e 352º do Código Civil). Acresce que, apesar do artigo 453º/3, do CPCiv, admitir a prestação de depoimento pelo comparte, é necessário que o depoente tenha um interesse antagónico ao requerente do mesmo (assim, Lebre de Freitas, Código do Processo Civil Anotado e Comentado, vol. 2.º, Coimbra Editora, p. 470, face ao artigo 553º/3, do CPCiv de 1961, cuja redação é idêntica ao citado artigo 453º, do atual CPCiv). No caso concreto, não se verifica esse interesse antagónico, já que o Réu EE não apresentou contestação e a prova da factualidade alegada pelos Réus contestantes aproveita a ambos (neste sentido, vd. Ac. TRG de 07/04/2011, proc. 138/10.6TBCMN-A.G1, e como Acórdão do TRG de 18.05.2017, proferido no processo n.º 197327/14.7YIPRT-A.G, e demais jurisprudência aí citada). Notifique.” 4. Não conformados, os 1.os Réus CC e Mulher, DD, interpuseram recurso de apelação. Por acórdão de 16 de dezembro de 2021, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou procedente o recurso interlocutório interposto pelos Réus e, em consequência, revogou o despacho recorrido, admitindo o depoimento de parte do Réu sobre toda a materialidade para que foi indicado, com a consequente anulação da sentença proferida. 5. É desse acórdão que os Autores vêm agora recorrer, por entenderem, em síntese, que a interpretação feita dos arts. 452.º, 453.º, n.º 3, e 454.º, do CPC, contraria outros acórdãos do Tribunal da Relação e um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que, no âmbito do mesmo enquadramento jurídico, perfilham entendimento divergente do aí sufragado. 6. A este respeito, os Autores/Recorrentes formulam as seguintes Conclusões: “l. O presente recurso tem por objecto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que revogou decisão interlocutória, proferida pelo Tribunal de primeira instância, que recaiu unicamente sobre a relação processual, por entender admissível um depoimento de comparte apenas incidente sobre factos favoráveis ao Réu que iria depor e que não contestou a acção; 2. Uma tal interpretação encontra-se em clara oposição com os acórdãos da mesma Relação de Guimarães de 18/05/2017 - Proc. n.e 197327/14.7YIPRT-A.G1 e de 07/04/2011 - Proc. n.e 138/10.6TBCMN-A.G1, bem como com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/2004 - Processo 03A3530, todos já transitados em julgado e que constituem os acórdãos-fundamento para o presente recurso de revista; 3.A referida contradição entre a jurisprudência da Relação quanto à mesma questão fundamental de direito no domínio da mesma legislação, não existindo acórdão uniformizador de jurisprudência e tendo em conta que de outro modo não haveria recurso do acórdão recorrido por motivo estranho à alçada, legitima o presente recurso de revista nos termos do disposto na alínea a) do n.9 2 do art. 671.2 do CPC, conjugado com a previsão do art. 629.9, n.5 2 - alínea d), do mesmo Código; 4.A referida contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento do Supremo Tribunal de Justiça quanto à mesma questão fundamental de direito no domínio da mesma legislação, e não existindo acórdão uniformizador de jurisprudência, torna a presente revista admissível ao abrigo do disposto na alínea b) do n.s 2 do art. 671.s do CPC; 5. Admitido que seja o presente recurso, por qualquer das vias acabadas de referir, o mesmo terá objecto uma única questão: se deve, ou não, admitir-se um depoimento de comparte que verse apenas sobre factos favoráveis a quem o iria prestar ou a prestar quem não tenha assumido na acção uma posição divergente do requerente do depoimento, como é o caso de co-Réu que não tenha contestado; 6. Ao admitir o depoimento de comparte requerido à materialidade relativamente à qual foi requerida, por considerar que tal meio de prova pode incidir sobre factualidade favorável à parte que depõe, o acórdão recorrido faz errónea interpretação e aplicação dos arts. 452.9, 453.2, n.e 3, e 454.5 do CPC; 7. A correcta interpretação dessas normas necessariamente levaria o Tribunal a quo a concluir pela inadmissibilidade do depoimento de comparte não contestante, requerido pelos l.9s Réus, e, consequentemente, pela improcedência do recurso por estes interposto da decisão proferida em 07/07/2021 pela primeira instância, que teria de confirmar.”. 7. Segundo o art. 452.º, n.º 1, do CPC: “o juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa” e, conforme o n.º 2, “quando o depoimento seja requerido por alguma das partes devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair.”. 8. Por seu turno, de acordo com o art. 453.º, n.º 3, do CPC, “cada uma das partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas também o dos seus compartes”, devendo o depoimento versar sobre factos pessoais ou sobre os quais o depoente teve conhecimento direto nos termos dart. 454.º, n.º 1, do CPC. 9. O depoimento de parte, integrando-se no capítulo da prova por confissão, “constitui um meio processual cujo objetivo fundamental é o de promover e obter de alguma das partes a confissão judicial, enquanto declaração de ciência através da qual se reconhece a realidade de um facto desfavorável ao declarante e favorável à parte contrária (art. 352.º do CC)”[7]. 10. Esse continua a ser, de resto, o entendimento predominante na doutrina[8] e na jurisprudência[9] quanto ao objetivo processual subjacente ao depoimento de parte. 11. Na verdade, considera-se que o depoimento de parte se traduz num meio de prova destinado a provocar a confissão da parte[10]. Também o regime atualmente em vigor continua a indicar que o depoimento de parte, visando a confissão, deve ater-se a factos desfavoráveis ao depoente[11]. 12. Consequentemente, o depoimento de parte só pode incidir sobre factos desfavoráveis ao depoente. E é justamente a essa luz que o art. 452.º, n.º 2, do CPC, prevê que a parte que requer o depoimento indique logo os factos sobre que o mesmo haverá de recair; é que só assim poderá o juiz verificar se esse primeiro pressuposto se encontra ou não preenchido, i.e., que o objeto do depoimento se limita a factos desfavoráveis ao depoente. 13. Nesse sentido, “o depoimento de parte só pode incidir sobre factos desfavoráveis ao depoente, factos esses alegados, em regra, pela contraparte. Daí que o réu só possa pedir o depoimento de parte do corréu quando este assuma na ação posição divergente da sua”[12], traduzindo-se “num uso indevido deste meio de prova a pretensão de a parte depois sobre factos por si alegados, sem o objetivo de reconhecimento de qualquer facto desfavorável ou cujo encargo probatório recaia sobre a parte contrária, por falta de correspondência funcional e teleológica entre o meio processual e o objeto do meio de prova fixado na lei”[13]. 14. Afirma-se, a propósito da legitimidade para requerer o depoimento de parte ao comparte do depoente, conforme o art. 453.º, n.º 3, do CPC, que “para que o possa fazer, o requerente deve ter um interesse próprio, por definição antagónica ao do depoente, na prova dos factos sobre os quais pretende obter a confissão. (…) não pode é ser pedido o depoimento sobre factos comumente alegados ou igualmente desfavoráveis ao requerente e ao depoente (…) pois falta então o interesse próprio, não subsistindo entre o requerente e o depoente, divergência relevante quanto a esses factos.” [14]. 15. Por seu turno, no que toca à distinção entre o depoimento de parte e a confissão, “I. A confissão e o depoimento de parte são realidades distintas, sendo este mais abrangente do que aquela: pode haver depoimento sem haver confissão, do mesmo modo que pode haver reconhecimento da realidade de factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária a que não possa atribuir-se eficácia confessória específica, valendo, então, como meio probatório que o tribunal apreciará livremente – cf. art. 361.º do CC.”[15]. 16. Nos termos do art. 466.º do CPC, considerando a admissão da prestação de declarações de parte, que muito frequentemente tem como único objetivo o relato de factos favoráveis, compreende-se que não possa excluir-se a possibilidade de valoração de depoimento de parte mesmo no que respeita a declarações que se revelem favoráveis ao depoente. 17. É, segundo se crê, com base neste pressuposto, que a jurisprudência tem vindo a consolidar o entendimento de que o depoimento de parte, versando sobre factos favoráveis ao depoente, pode ser valorado à luz do princípio geral da livre apreciação da prova[16], apesar de o tribunal, não se basear, neste caso, exclusivamente nessas declarações para formar a sua convicção[17]. 18. Nesta sede, encontra-se ultrapassada a conceção restrita segundo a qual o depoimento de parte só pode ser valorado desde que os factos sobre que incide sejam suscetíveis de confissão, sendo antes, muito diferentemente, de admitir a valoração do depoimento de parte, no segmento em que os factos favorecem o próprio depoente, segundo o princípio da livre apreciação da prova por parte do tribunal. 19. Assim, conforme a maioria da jurisprudência mais recente, a questão da valoração de declarações favoráveis obtidas no decurso de um depoimento de parte não se confunde com aquela ora em apreço, que respeita a momento anterior ao da apreciação da prova produzida em audiência de julgamento. O acórdão recorrido não procedeu a esta distinção, pois que, partindo do pressuposto da possibilidade da sua valoração quanto a factos controvertidos favoráveis, conclui pela admissibilidade do depoimento de parte que incida apenas sobre factos favoráveis. Este salto lógico como que desvirtua o fulcro do depoimento de parte assente na confissão, especificidade que o legislador não terá pretendido alterar com a introdução da prova por “declarações de parte”, tanto mais que não modificou o lugar sistemático que compete ao “depoimento de parte” no capítulo dedicado à “prova por confissão”. 20. Com efeito, a resolução da questão submetida à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça pressupõe a análise dos pressupostos formais de admissibilidade do meio probatório “depoimento de parte”. Reporta-se, pois, a um momento decisório anterior ao da respetiva valoração e não se confunde com o exercício de apreciação global das provas produzidas em audiência de julgamento. 21. Nada obstando, à luz do regime jurídico atualmente em vigor, à valoração de factos favoráveis ao depoente que venham a resultar espontaneamente do seu depoimento de parte, a verdade é que a admissão prévia deste meio de prova se encontra sujeita à verificação dos requisitos legalmente previstos para o efeito. 22. Esses pressupostos encontram-se intrinsecamente ligados ao objetivo fundamental do legislador aquando da previsão da possibilidade de as partes prestarem depoimento (que não as declarações previstas no art. 466.º do CPC). Como resulta da epígrafe da secção I do capítulo III – “Prova por confissão das partes” –, onde se integra sistematicamente o art. 452.º do CPC, tal finalidade consiste em provocar e obter do depoente uma confissão judicial. Aliás, é aqui que reside a diferença entre este meio probatório e aqueloutro autonomamente previsto no art. 466.º do CPC – declarações de parte. 23. Por conseguinte, e sob pena de se unificarem dois regimes processualmente distintos, no momento prévio em que tem de decidir sobre a admissão do meio probatório “depoimento de parte”, o juiz deve analisar os factos que o requerente, de forma discriminada, indicar (art. 452.º, n.º 2, do CPC). Deve apenas premitir a prestação deste meio de prova quanto aos factos desfavoráveis ao depoente, porque só estes podem conduzir ao objetivo essencial que lhe subjaz – a obtenção de uma confissão judicial. 24. Assim, o Réu só pode pedir o depoimento de parte de um comparte quando este assuma uma posição na ação que se distancie da sua, isto é, que tenha um interesse por definição antagónico ao do requerente. 25. No caso sub judice, o Réu, cujo depoimento de parte é requerido, não havia contestado a ação. Não o tendo feito, não assumiu qualquer posição nos autos que permita concluir que defende uma posição divergente daquela dos Réus contestantes. Por outro lado, tal como mencionado no despacho do Tribunal de 1.ª Instância, a contestação apresentada pelos 1.os Réus aproveita ao Réu não contestante (art. 568.º, al. a), do CPC), pelo que, numa perspetiva meramente processual, impõe-se concluir que todos os Réus se encontram na mesma posição processual, beneficiando de defesa idêntica. 26. Acolhe-se, pois, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância que indeferiu o requerimento em que os 1.os Réus solicitavam o depoimento de parte do Réu não contestante, na medida em que este não manifesta um interesse divergente daquele do Requerente, por não ter apresentado contestação e por a prova da factualidade alegada pelos Réus contestantes aproveitar a ambos. 27. Esta solução é aquela que surge mais conforme com o objetivo subjacente ao meio probatório “depoimento de parte” e que permite autonomizá-lo da prova por declarações de parte (art. 466.º do CPC). 28. Em jeito de conclusão, a pretensão dos Recorrentes revela-se fundada. Consequentemente, deve o presente recurso de revista ser julgado procedente e alterado o juízo decisório em conformidade. IV - Decisão Nos termos expostos, julga-se procedente o recurso de revista interposto pelos Autores AA, e Mulher, BB, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se, consequentemente, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância. Custas pelos Recorridos. Lisboa, 21 de junho de 2022 Maria João Vaz Tomé (relatora) António Magalhães Jorge Dias ______ [1] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020, pp. 63-66, 406-407, e Carlos Lopes do Rego, A dupla conforme, Cadernos do STJ – Secções Cíveis, Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 2021, pp. 16-17, que se manifestam favoráveis à aplicação do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, ex vi do art. 671.º, n.º 2, al. a), do mesmo corpo de normas. Diferentemente, Miguel Teixeira de SOUSA, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de setembro de 2019, proc. n.º 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1 - – disponível para consulta in |