Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3852/09.5TJVNF.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: CONTRATO DE ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA
PROVA
DEPOIMENTO DE PARTE
SIMULAÇÃO
CONTRATOS DISSIMULADOS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS EM GERAL / ABERTURA DE CONTA.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / ( AÇÃO, PARTES E TRIBUNAL ) / PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - PROCESSO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA POR CONFISSÃO.
Doutrina:
- Alberto Luís, Direito Bancário, 65 e nota 15.
- António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 288, 532, 537.
- Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 525; Manual de processo Civil, 2.ª ed., 573.
- Conceição Nunes, in Estudos em Homenagem ao Professor Galvão Telles, II, 84.
- Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, 115.
- José Engrácia Antunes, in Estudos em Homenagem ao Prof. Carlos Ferreira de Almeida, II, 82, 84 e 92.
- Lacerda Barata, in Estudos em Homenagem ao Prof. Galvão Teles, II, 48.
- Manuel de Andrade, NEPC, 232, 249.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 392.
- Paula Camanho, Do Contrato de Depósito Bancário, 111, 123.
- Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil” Anotado, I, 376.
- Remédio Marques, “A aquisição e valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte”, Revista Julgar, n.º16.
- Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, 277.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 219.º, 220.º, 240.º, N.º 1, 241.º, N.º1, 242.º, N.º1, 266.º, N.º2 280.º, 352.º, 363.º, N.º2, 376.º, 570.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 7.º, N.º2, 417.º. 452.º,466.º, N.º2.
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AVISO DO BANCO DE PORTUGAL N.º 11/2005 (POSTERIORMENTE ALTERADO PELO AVISO N.º 2/2007 E REVOGADO PELO AVISO 5/2013, ENTRETANTO ALTERADO PELO AVISO 1/2014).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 2.10.2003, PROCESSO N.º 03B1909 E DE 16.3.2011, PROCESSO N.º 237/04.3TCGMR.S1., AMBOS COM TEXTO DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 30.9.2004, 18.11.2004, 17.4.2005, 24.10.2006, 19.12.2006, 22.3.2007, 12.7.2007, 12.9.2007 E 17.4.2008, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 7.10.2010, PROCESSO N.º 283/05.0TBCHV.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 13.11.2014, PROCESSO N° 1934/12.5T2SNT.L1-7.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1 . O acordado relativamente à abertura de conta bancária pode ser provado por testemunhas e por depoimento de parte.

2 . O depoimento de parte pode servir de elemento de prova, quer integre confissão, quer não integre.

3 . São nulos, por simulação, os contratos de abertura de conta bancária e de depósito, em que, para evitar que o respectivo montante pudesse ser afetado pela eventual ação de credores, a depositante – que pretendia investir o dinheiro em produto financeiro – acordou com o banco em que tal conta fosse aberta, não em nome dela, mas duma filha e alargada, depois, aos demais filhos, sem, todavia, que estes a pudessem movimentar, só o podendo fazer ela própria.

4 . Nada obsta, todavia, até atenta a natureza consensual dos contratos, à validade do acordado no sentido de a titular da conta ser a depositante, com exclusividade de movimentação por parte dela, enquanto negócios jurídicos dissimulados.

5. Violando o réu estes, ao permitir a movimentação da conta sem ser pela depositante, é obrigado a indemnizá-la.

6 . Não se devendo considerar que a autora – apesar da elevada censurabilidade da sua conduta – tenha contribuído para o evento danoso.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1 . AA intentou esta ação declarativa de condenação contra:

BB, S.A. e

CC.


Alegou, em síntese, que:

Por sugestão do réu, gerente bancário da ré, procedeu ao depósito de € 230.000,00 numa conta nesta que foi então, por comodidade, aberta em nome da sua filha DD e que funcionava como suporte de uma conta de Fundo de Investimento Associada, correspondente a uma apólice de seguro;

Ficou, então, combinado entre ela, autora, e o réu que, àquela, enquanto titular do investimento e proprietária do numerário, assistia o direito de movimentar livremente tais contas.

Vieram, no entanto, a ser efetuadas várias operações bancárias sem o conhecimento nem o consentimento dela, autora, designadamente a resolução da apólice de seguro e a constituição de uma conta a prazo, contração de mútuos a favor da sua filha e da empresa desta, num conjunto de responsabilidades que ascendem a € 220.000,00, garantidas por valores do depósito, todas do conhecimento dos réus e por eles autorizadas só por a conta estar aberta em nome de DD, filha da A.

Não logrou levantar, designadamente, € 50.000,00 do seu dinheiro, informada que foi de que sobre ele passara a recair um penhor.

Sofreu, por isso, um dano de, pelo menos, € 250.000,00, causado pelo réu, por conta e no interesse da ré que ambos estão obrigados a reparar ao abrigo dos art.ºs 483º e 513º do Código Civil, ao não terem acautelado o interesse da verdadeira proprietária do numerário e ao não a informarem e elucidarem dos respetivos movimentos de conta, antes se afastando da boa prática bancária.


Pediu, em conformidade:

A condenação de ambos os réus a pagarem-lhe € 250.000,00.



2 . Estes contestaram, impugnando parcialmente os factos carreados pela autora.

Alegaram, no essencial, que ela surgiu ao balcão da ré acompanhada da filha DD, dizendo que queria abrir uma conta à ordem em nome desta e de dois outros filhos mediante depósito de dois cheques, cada um no valor de € 119.840,00;

O réu abriu então a conta solidária n.º … em nome de DD, na qual a autora fez depositar aqueles valores e DD subscreveu duas apólices de seguro Multibond, respetivamente, de € 75.000,00 e € 161.000,00, tendo, alguns dias depois, conforme estava combinado, sido aditados à ficha de assinatura os nomes dos outros filhos da autora: EE e FF.

Negam que soubessem que a autora continuava titular de qualquer direito de crédito sobre o dinheiro e aplicações afetos à conta, sendo alheios ao que admitem ter sido o arrependimento de uma doação efetuada pela autora à sua filha. Consideram falso que o réu ou qualquer outro funcionário da ré dissesse àquela que a mesma era livre de movimentar as contas sem ser titular das mesmas ou sem que lhe estivesse outorgada procuração para o efeito.

Os movimentos efetuados na conta n.º … não são da responsabilidade da autora, assim como os empréstimos contraídos, os resgates das aplicações financeiras, a constituição de depósitos a prazo, a constituição de garantias pignoratícias, emissão de cheques, etc.

São tudo operações ou movimentos efetuados pela 1ª titular da conta, a sua filha DD.

A autora não tinha procuração para movimentar a conta de depósito aberta em nome da filha e não foi parte nos contratos que invoca. Por isso não era obrigação dos réus informarem-na das operações relacionadas, a crédito ou a débito.

Foi a ré que autorizou as operações bancárias focadas, e não réu.

A ação nasce de uma desavença familiar a que os réus são alheios.


A autora replicou, impugnando o que considerou ser matéria de exceção e concluindo como na petição inicial.



3 . Por requerimento de fls. 99, EE e FF requereram a sua intervenção principal espontânea, o que foi indeferido por despacho de fls. 162 e 163, de que aqueles recorreram, mas cuja apelação não foi admitida.



4 . A ação prosseguiu e, na devida oportunidade, foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:

Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo os réus Banco BB, S.A., e CC do pedido contra eles formulado.”



5 . Apelou a autora e o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu nos seguintes termos:


“Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em:

1- Julgar a apelação da A. parcialmente procedente e, em consequência:

a) Embora por fundamento diverso, confirma-se a sentença recorrida no que respeita à absolvição do R. CC do pedido;

b) Revoga-se a sentença recorrida na parte em que absolveu a R. Banco BB, SA., condenando-se esta a colocar a conta da A., aberta sob o nº …, assim como as que lhe estiverem associadas, na situação em que se encontrariam se não tivessem sido movimentadas ou utilizadas sem a sua autorização, designadamente pela sua filha DD, assim levantando o penhor ou os penhores que sobre ela e as aplicações financeiras a ela associadas recaem e a ela restituindo todas as quantias que dali foram realmente levantadas ou transferidas sem ordem da sua real titular, a demandante, pelo valor a determinar em oportuna liquidação, e que jamais ultrapassará a quantia de € 250.000,00 (valor do pedido).

2- Julgar improcedente a ampliação do recurso requerida pelos recorridos.”


Tendo sido elaborado o seguinte sumário:

“1. A abertura de conta opera como o negócio bancário nuclear e traça o quadro básico do relacionamento entre o banqueiro e o cliente. O seu conteúdo constitui, na prática, o tronco comum dos atos bancários subsequentes.

2. A instituição bancária não pode liberar-se da sua obrigação de restituição dos fundos “depositados” se a ordem de pagamento não emana do real cliente, mas de um terceiro. O cumprimento feito a terceiro não extingue a obrigação do credor nos termos da nossa lei civil, com a consequente possibilidade de o solvens repetir a prestação perante o verdadeiro credor.

3. É simulado – e não um negócio fiduciário – o contrato pelo qual o gerente de um banco, a A. cliente e a filha dela, combinam que na ficha de abertura de uma conta determinada figurará o nome da filha escrito pelo punho e com a letra da mãe e que, assim, sob a aparência da titularidade da filha, é a mãe a verdadeira titular da conta e cliente do Banco, a única que a poderá utilizar, assim colocando os valores depositados a salvo do interesse dos seus próprios credores.

4. Demonstrado que esteja a ilicitude da conduta do seu agente, por contrariedade ao contrato dissimulado, o prejuízo da cliente e o nexo causal entre a conduta ilícita e o dano, Banco é responsável pela sua reparação (art.º 800º do Código Civil) se não ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai nos termos do art.º 799º, nº 1, do citado código. 



6 .  Pede revista a ré.


Conclui as alegações do seguinte modo:


1. O acórdão da relação alterou a resposta ao art.6° da base instrutória (correspondente à resposta dada no art. 24.° dos factos assentes) em violação da Lei, por se fundar em depoimento de parte e contrariar prova documental.

2. O que constitui uma violação do art 352.° CC.

3. A forma de movimentação da conta é solidária, como resulta da "ficha de assinaturas" (Doc. 1 da contestação - documento não impugnado pela recorrida) e art 19° dos factos provados.

4. Como tal, não pode deixar de se entender, em homenagem à forma de movimentação convencionada, que qualquer um dos filhos titulares (DD, FF e EE) a poderia movimentar.

5. Todavia, contrariando o que resulta do referido documento, quanto à forma de movimentação, veio a decidir-se que "apenas” a recorrida poderia movimentar a conta.

6. Estamos perante duas posições conflituantes: (i) a que resulta de um documento que estabelece a forma de movimentação solidária e (ii) a que resulta da prova produzida pela parte, que apontou no sentido de que a forma de movimentação da conta não era solidária mas individual ou singular.

7. Nos termos do art 335.º n.° 2 do CC, a questão de direitos conflituantes resolve-se a favor do que for superior - neste caso, resolve-se a favor do direito suportado em prova documental (ficha de assinaturas).

8. A prova documental resultante da "ficha de assinaturas" faz prova plena contra a recorrida, na medida em que sejam contrários aos seus interesses (artigo 376.º n.º 1 e 2 do CC).

9. Acresce que a prova testemunhal não deve ser admitida, quando o facto estiver plenamente provado por documento, como é o caso (art.393.º n° 2 CC).

10. Por último, não procedendo nenhum dos anteriores argumentos, os factos suportados em documentos referidos no ponto II, n.° 4, postos em confronto com a resposta dada ao artigo 6.° da BI, na versão ora dada pela Relação, deveria conduzir à aplicação do artigo 570.° CC, atribuindo-se um grau de culpa ao lesado e lesante, de acordo com um critério equitativo.

11. Neste caso, entende-se que a contribuição da recorrida para o dano que alega ter sofrido é total.

12. Ocorreu assim, relativamente a cada um dos itens em observação, violação dos artigos 352.º, 335.º, 376.º, 393.º e 570.º do CC.


Contra-alegou a autora, rebatendo a argumentação da contraparte e sustentando ser de manter a decisão recorrida.



7 . Ante as conclusões das alegações, as questões que se nos deparam consistem em saber se:

A alteração dos factos constantes do ponto 24.º do elenco factual que infra se vai transcrever, ao fundar-se em depoimento de parte, contraria prova documental, violando, por isso, o artigo 352.º do Código Civil;

 Da “ficha de assinaturas”, que constitui o documento n.º1 junto com a contestação, resulta plenamente provado que qualquer dos filhos da autora podia movimentar a conta;

Nem sequer sendo de admitir prova testemunhal sobre este ponto;

Os factos constantes dos documentos referidos no ponto II, n.º4 das alegações postos em confronto com a resposta dada ao artigo 6.º da BI, na versão da Relação, conduzem à aplicação do artigo 570.º do Código Civil;

Sendo, nessa construção, de considerar a recorrida como tendo contribuído totalmente para o dano havido.



8 . A – Na 1.ª instância foi considerado provado o seguinte:


Factos constantes da MFA:


1. Em Julho de 2006, a Autora, fruto da venda de um imóvel, dirigiu-se ao balcão do 1º réu, balcão n.º … Trofa Centro, local onde o 2º Réu ocupava o cargo de gerente bancário, juntamente com a sua filha DD B – Alínea A) dos Factos Assentes.

2. Nesta deslocação ao Banco e durante a reunião com CC, esteve a Autora sempre acompanhada da sua filha, DD, que assistiu a toda a negociação – Alínea B) dos Factos Assentes.

3. DD assinou a declaração de fls. 20, com o teor que ora se dá por integralmente reproduzido – Alínea C) dos Factos Assentes.

4. Foi criada a conta à ordem n.º … que funcionava como suporte da Conta de Fundo de Investimento Associada n.º …, correspondente a uma apólice de seguro (Seguro Multibond), em nome da filha da Autora – Alínea D) dos Factos Assentes.

5. Nos últimos 2 anos, foi-se verificando uma crescente diminuição do saldo das referidas contas – Alínea E) dos Factos Assentes.

6. Verificou-se que, em Agosto de 2009, o numerário existente se fixava em € 199.907,41 (cento e noventa e nove mil novecentos e sete euros e quarenta e um cêntimos) – Alínea F) dos Factos Assentes.

7. Sendo certo que, que o saldo da conta à ordem estava, naquela data, negativo em 92,59 (noventa e dois euros e cinquenta e nove cêntimos) – Alínea G) dos Factos Assentes.

8. Acresce que, em Outubro de 2008, foi resolvida Apólice de Seguro Multibond, nº … – Alínea H) dos Factos Assentes.

9. E foi constituída a Conta a Prazo nº … – Alínea I) dos Factos Assentes.

10. Foram contraídos pelo menos 2 (dois) contratos de crédito ao consumo – Alínea J) dos Factos Assentes.

11. Todas estas operações bancárias foram efetivadas sem o conhecimento ou consentimento da Autora – Alínea K) dos Factos Assentes.

12. Foi-lhe dito, pessoalmente pelo Réu CC que não podia levantar parte do seu próprio dinheiro, € 50.000,00 (cinquenta mil euros) porque o mesmo estaria “caucionado” – Alínea L) dos Factos Assentes.

13. Ou seja teria sido, sobre o mesmo constituído penhor – Alínea M) dos Factos Assentes.

14. Aliás, esta informação, prestada pelo réu CC à Autora foi acompanhada de documento escrito e assinado pelo punho do próprio – Alínea N) dos Factos Assentes.

15. Foram emitidos e levantados cheques de elevado valor, alguns dados em pagamento, ainda que não tivessem provisão – Alínea O) dos Factos Assentes.

16. Foram ordenadas a favor da filha da A., e da empresa desta, várias transferências – Alínea P) dos Factos Assentes.

17. O Réu CC autorizou vários financiamentos à Sr.ª DD, celebrando com aquela contratos de mútuo – Alínea Q) dos Factos Assentes.

18. As responsabilidades assumidas perante o BB, pela Sra. D. DD, ascendiam a € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros) em Abril último – Alínea R) dos Factos Assentes.

19. De seguida foi aberta a conta solidária nr. … – DOC 1 - em nome de DD, tendo, alguns dias depois, conforme estava combinado, sido aditados à ficha de assinatura os nomes dos outros filhos da A: EE e FF – Alínea S) dos Factos Assentes.

20. Depois de aberta a conta, a A. entregou para depósito os dois cheques de que era portadora, cfr DOC 2 e 3 e a 1ª titular da conta – DD – subscreveu duas apólices de seguro MULTIBOND, respetivamente, de € 75.000,00 e € 161.000,00, cfr DOC 4 e 5 – Alínea T) dos Factos Assentes.


Factos oriundos das respostas à base instrutória:


21. A Autora investiu cerca de € 230.000,00 em produto financeiro sugerido pelo 2º Réu – Resposta ao ponto 1º da B.I.

22. No entanto, por conveniência da autora, que era gerente de uma sociedade que estava na eminência de insolvência e que tinha dívidas para com o Estado, tal conta investimento ficaria formalmente titulada em nome dos filhos, como forma de evitar que o património pessoal pudesse ser afetado pela eventual ação dos credores – Resposta aos pontos 3º e 5º da B.I.

23.(alterado pela Relação) -  Por acordo celebrado entre a autora, a sua filha DD e o réu CC, a referida quantia, da qual a autora era exclusiva titular, ficaria depositada em conta co-titulada pelos filhos da autora, mas a autora ficaria autorizada a movimentá-la, tal como os co-titulares, razão pela qual, na presença do réu CC lavrou pelo seu punho, a rubrica que consta na ficha de assinaturas, por baixo da assinatura da filha – Resposta ao ponto 4º da B.I.

24.(alterado pela Relação) - Apesar das partes saberem que a autora era proprietária exclusiva do numerário investido na conta, de tal forma que os extratos das respetivas contas de suporte e resgate, sempre foram pelo BB enviadas para o domicílio pessoal da autora, acordaram que, para além dos outros co-titulares, mãe e filha poderiam movimentar a conta – Resposta ao ponto 6º da B.I.

25. tendo ambas movimentado efetivamente a conta– Resposta ao ponto 7º da B.I.

26.(alterado pela Relação) Esta situação era do conhecimento da autora, filha e companheiro desta, que foi quem apresentou o réu CC à autora, com o objetivo deste anuir ao aludido acordo – Resposta ao ponto 8º da B.I.

27. Todas as operações bancárias foram autorizadas pelo réu CC, em representação do Banco – Resposta ao ponto 10º da B.I.

28. No dia da abertura da conta, a mesma foi ainda alimentada com uma transferência bancária de € 19.520,28, ordenada pela 1ª titular DD – Resposta ao ponto 14º da B.I.

29. A A e a sua filha DD estiverem em reunião com o co-R. CC em Abril de 2009, para analisar algumas situações pontuais de mora da referida DD e da sociedade GG, Lda, de que esta é gerente – Resposta ao ponto 16º da B.I.

30. Com os dizeres manuscritos apostos no Doc. 11, pretendeu-se significar que seria necessário depositar a importância de € 12.114,00 até 16.05.09, para regularizar as situações de mora da filha da autora e da sociedade de que esta é gerente – Resposta ao ponto 18º da B.I.



8 – B – A Relação levou a cabo alteração factual, tendo fixado os seguintes factos:


DOS FACTOS ASSENTES


1. Em julho de 2006, a A., fruto da venda de um imóvel, dirigiu-se ao balcão do 1º R., balcão n.º … Trofa Centro, local onde o 2º R. ocupava o cargo de gerente bancário, juntamente com a sua filha DD B – Alínea A) dos Factos Assentes.

2. Nesta deslocação ao Banco e durante a reunião com CC, esteve a Autora sempre acompanhada da sua filha, DD, que assistiu a toda a negociação – Alínea B) dos Factos Assentes.

3. DD assinou a declaração de fls. 20, com o teor que ora se dá por integralmente reproduzido – Alínea C) dos Factos Assentes.

4. Foi criada a conta à ordem n.º … que funcionava como suporte da Conta de Fundo de Investimento Associada n.º …, correspondente a uma apólice de seguro (Seguro Multibond), em nome da filha da Autora – Alínea D) dos Factos Assentes.

5. Nos últimos 2 anos, foi-se verificando uma crescente diminuição do saldo das referidas contas – Alínea E) dos Factos Assentes.

6. Verificou-se que, em agosto de 2009, o numerário existente se fixava em € 199.907,41 (cento e noventa e nove mil novecentos e sete euros e quarenta e um cêntimos) – Alínea F) dos Factos Assentes.

7. Sendo certo que, que o saldo da conta à ordem estava, naquela data, negativo em 92,59 (noventa e dois euros e cinquenta e nove cêntimos) – Alínea G) dos Factos Assentes.

8. Acresce que, em outubro de 2008, foi resolvida Apólice de Seguro Multibond, nº … – Alínea H) dos Factos Assentes.

9. E foi constituída a Conta a Prazo nº … – Alínea I) dos Factos Assentes.

10. Foram contraídos pelo menos 2 (dois) contratos de crédito ao consumo – Alínea J) dos Factos Assentes.

11. Todas estas operações bancárias foram efetivadas sem o conhecimento ou consentimento da Autora – Alínea K) dos Factos Assentes.

12. Foi-lhe dito, pessoalmente pelo R. CC que não podia levantar parte do seu próprio dinheiro, € 50.000,00 (cinquenta mil euros) porque o mesmo estaria “caucionado” – Alínea L) dos Factos Assentes.

13. Ou seja teria sido, sobre o mesmo constituído penhor – Alínea M) dos Factos Assentes.

14. Aliás, esta informação, prestada pelo R. CC à A. foi acompanhada de documento escrito e assinado pelo punho do próprio – Alínea N) dos Factos Assentes.

15. Foram emitidos e levantados cheques de elevado valor, alguns dados em pagamento, ainda que não tivessem provisão – Alínea O) dos Factos Assentes.

16. Foram ordenadas a favor da filha da A., e da empresa desta, várias transferências – Alínea P) dos Factos Assentes.

17. O R. CC autorizou vários financiamentos à Sr.ª DD, celebrando com aquela contratos de mútuo – Alínea Q) dos Factos Assentes.

18. As responsabilidades assumidas perante o BB, pela Sra. D. DD, ascendiam a € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros) em Abril último – Alínea R) dos Factos Assentes.

19. De seguida foi aberta a conta solidária n.º … – DOC 1 - em nome de DD, tendo, alguns dias depois, conforme estava combinado, sido aditados à ficha de assinatura os nomes dos outros filhos da A: EE e FF – Alínea S) dos Factos Assentes.

20. Depois de aberta a conta, a A. entregou para depósito os dois cheques de que era portadora, cfr DOC 2 e 3 e a 1ª titular da conta – DD – subscreveu duas apólices de seguro MULTIBOND, respetivamente, de €: 75.000,00 e €: 161.000,00, cfr DOC 4 e 5 – Alínea T) dos Factos Assentes.


FACTOS PROVADOS ORIUNDOS DAS RESPOSTAS À BASE INSTRUTÓRIA


21. A A. investiu cerca de € 230.000,00 em produto financeiro sugerido pelo 2º Réu – Resposta ao ponto 1º da B.I.

22. No entanto, por conveniência da A., que era gerente de uma sociedade que estava na eminência de insolvência e que tinha dívidas para com o Estado, tal conta investimento ficaria formalmente titulada em nome dos filhos, como forma de evitar que o património pessoal pudesse ser afetado pela eventual ação dos credores – Resposta aos pontos 3º e 5º da B.I.

23. Por acordo celebrado entre a autora, a DD e o R. CC, a referida quantia, da qual a autora era exclusiva titular, ficaria depositada em conta co-titulada pelos filhos da autora, mas só a autora ficaria autorizada a movimentá-la, razão pela qual, na presença do réu CC lavrou pelo seu punho e como seu estilo de letra, a rubrica que consta na ficha de assinaturas, por baixo do nome da filha, também este lavrada pelo punho da A. e com o seu próprio estilo de letra.

24. Sabendo as partes que a A. era proprietária exclusiva do numerário investido na conta, de tal forma que os extratos das respetivas contas de suporte e resgate, sempre foram enviadas pelo BB para o domicílio pessoal da A., entre esta, a DD e o R. Banco ficou acordado que apenas a primeira poderia utilizar e movimentar o dinheiro depositado na conta em questão. – Resposta ao ponto 6º da B.I.

25. Tendo ambas movimentado efetivamente a conta – Resposta ao ponto 7º da B.I.

26. A situação descrita em 23 e 24 era do conhecimento da A., filha e companheiro desta, que foi quem apresentou o R. CC à A., com o objetivo de acordarem numa forma de acautelarem o dinheiro da demandante. – Resposta ao ponto 8º da B.I.

27. Todas as operações bancárias foram autorizadas pelo R. CC, em representação do Banco – Resposta ao ponto 10º da B.I.

28. No dia da abertura da conta, a mesma foi ainda alimentada com uma transferência bancária de € 19.520,28, ordenada pela 1ª titular DD – Resposta ao ponto 14º da B.I.

29. A A. e a sua filha DD estiverem em reunião com o co-R. CC em abril de 2009, para analisar algumas situações pontuais de mora da referida DD e da sociedade GG, Lda, de que esta é gerente – Resposta ao ponto 16º da B.I.

30. Com os dizeres manuscritos apostos no Doc. 11, pretendeu-se significar que seria necessário depositar a importância de € 12.114,00 até 16.05.09, para regularizar as situações de mora da filha da autora e da sociedade de que esta é gerente – Resposta ao ponto 18º da B.I.



8 – C – No acórdão recorrido fundamentou-se a alteração factual que agora se questiona, nos seguintes termos:

“Passemos ao ponto 24 dos factos provados (quesito 6º da base instrutória).

A recorrente visa afastar a prova de que também a DD e os irmãos (que ali figuram como co-titulares, estes últimos apenas até ao ano de 2008) estavam autorizada a movimentar a conta.

Não há a mínima dúvida de que nunca os irmãos da DD, as testemunhas FF e EE, fizeram qualquer movimento na conta aberta pela A. Estes, aliás, estão de relações cortadas com a irmã por estarem convencidos de que ela abusou da confiança que a A. nela depositou, tendo o FF confirmado a surpresa que a A. sentiu quando, em 2008 ou 2009, tomou conhecimento dos movimentos de conta que a DD levou a cabo, designadamente, empenhando a seu favor, as aplicações financeiras da mãe.

A A. negou terminantemente ter autorizado a DD ou qualquer dos filhos a movimentar a conta. Disse que não lhe deu qualquer instrução para tais movimentos. Disse que ficou admirada e sentida por a filha lhe ter gasto o dinheiro sem lhe dizer nada e o R. não a ter avisado, sendo ela a titular. E acaba por desculpar a filha, com alguma ingenuidade, dizendo que ela não mexeu no dinheiro e que foi o R. CC que enganou a própria A. ao empenhar as suas aplicações (e nem sabia que tinha subscrito aplicações financeiras quando abriu a conta, tendo assinado o que lhe pediram).

As divergências e contradições notadas no depoimento da DD não favorecem a afirmação que fez de que assinou documentos bancários sem que se apercebesse de que estava a usar as aplicações financeiras da mãe para garantir empréstimos que o Banco, através, do 1º R, e a pedido dela (testemunha), lhe efetuou. E se, no final do depoimento, afirmou que ela própria depositou dinheiro seu na conta da A. (referimo-nos à quantia de € 19.520,28 (cf. ponto 28 dos factos provados), manda a verdade que se diga que começou por aceitar que o dinheiro depositado era propriedade exclusiva da mãe, que a ideia era ser apenas a A. a movimentar a conta em causa, que agiu sob pressão do 1º R. no sentido de que ela cumprisse obrigações vencidas junto do Banco. Não convence a afirmação da DD de que nunca leu os documentos que assinou…. Ela que era empresária, titular de uma empresa de confeções, para a qual dirigiu pelo menos um dos empréstimos que contraiu.

Negando que alguma vez mexeu no dinheiro da conta, confrontada com um levantamento de € 25.000,00, efetuado no dia 12.1.2008 sobre a mesma, declarou que foi a mãe que lhe pediu que o fizesse, para depois dizer que não se lembra se foi ela ou a mãe que levantou o dinheiro e que este foi destinado à empresa gerida pelo pai e irmão, a “HH” para pagarem cheques. Os documentos respetivos apontam no sentido de que foi a DD que os assinou, dada a diferença da letra das assinaturas. Acaba por dizer que “acha” que a A. teve conhecimento deste levantamento.

Esse dinheiro entrou na conta à ordem pessoal da DD.

Reconheceu que a mãe se convenceu de que ela lhe tinha roubado o dinheiro.

Aceita que logo após a abertura da conta, levou a ficha aos irmãos para que eles assinassem, em casa, onde almoçavam juntos e que aqueles acabaram por retirar-se posteriormente da titularidade sem que alguma vez a tivessem movimentado.

Ainda sobre o depósito de € 19.520,28 que a DD efetuou na conta, nada garante que se trate de dinheiro dela, ainda que seja proveniente de uma conta sua. Reafirma-se que a depoente, ao longo de grande parte do seu depoimento, não colocou em causa que o dinheiro em conta era exclusivamente da sua mãe.

A versão do 1º R. não convence. Foi interveniente ativo no acordo de abertura de conta; foi mesmo o artífice da forma como a conta foi aberta. Por isso, até terá sido gratificado pela demandante, com material em prata, como foi referido pelos filhos da AA.

Estamos convencidos de que se combinou que seria a A. a única pessoa a movimentar a conta e que a intervenção da DD foi estranha ao acordo estabelecido e abusiva, sempre com a colaboração do 1º R.

Quanto muito, poderia ponderar-se que a DD poderia movimentar pontualmente a conta se a A. nisso, caso a caso, o consentisse. Mas tal possibilidade está justificadamente negada pela demandante, com aspeto de seriedade, sendo que a própria DD começou por introduzir no seu depoimento a ideia de que fora enganada pelo 1º R., construção que se foi desfazendo ao longo da sua prestação probatória, com pormenores que apelam à violação, pela DD, da confiança que a A. nela depositou. 

Assim, o ponto 24 dos factos provados (quesito 6º da base instrutória) passa a ter a seguinte redação:

«Sabendo as partes que a A. era proprietária exclusiva do numerário investido na conta, de tal forma que os extratos das respetivas contas de suporte e resgate, sempre foram enviadas pelo BB para o domicílio pessoal da A., entre esta, a DD e o R. Banco ficou acordado que apenas a primeira poderia utilizar e movimentar o dinheiro depositado na conta em questão.»


Afastado que fica da factualidade dada como provada na 1ª instância que todos os co-titulares da conta poderiam movimentá-la, por se ter combinado que apenas a A. o poderia fazer, ao ponto 23 dos factos provados deve ser retirada, sob pena de contradição, a expressão «tal como os co-titulares». O teor deste ponto deve ser o seguinte:

«Por acordo celebrado entre a autora, a DD e o R. CC, a referida quantia, da qual a autora era exclusiva titular, ficaria depositada em conta co-titulada pelos filhos da autora, mas só a autora ficaria autorizada a movimentá-la, razão pela qual, na presença do réu CC lavrou pelo seu punho e como seu estilo de letra, a rubrica que consta na ficha de assinaturas, por baixo do nome da filha, também este lavrada pelo punho da A. e com o seu próprio estilo de letra.»



9 . Como se vê do texto acabado de transcrever, a Relação, tendo sempre presente o documento de abertura de conta, estribou-se na prova testemunhal que refere, nomeadamente com detalhado exame da versão apresentada pela DD e pelos irmãos.

A valoração probatória do documento de abertura de conta repousa nas regras do direito comum, não tendo especificidades derivadas das normas bancárias (Assim, Conceição Nunes, Estudos em Homenagem ao Professor Galvão Telles, II, 84).

De acordo com a parte final do n.º 2 do artigo 363.º do Código Civil é um documento particular.


A sua força probatória é a que resulta do artigo 376.º e perante este, há que distinguir:

A prova de que o documento procede das pessoas a quem é atribuído e;

A prova de que as declarações nele constantes correspondem à realidade.


A primeira aqui não levanta dúvidas.

Quanto à segunda, há que distinguir as declarações contrárias aos interesses do declarante das que o não são. Aquelas, sempre considerando que a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão, consideram-se plenamente provadas.

Este regime de prova plena não veda, contudo, que se permita ao declarante a prova, por outro meio, de que o ali declarado não correspondeu à sua vontade ou que esta foi afetada por qualquer vício do consentimento (erro, dolo, coação, simulação, etc.) (Cfr-se Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, I, 376, Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, 115, A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 525, Manuel de Andrade, NEPC, 232). Tem sido mesmo muito abundante a jurisprudência deste tribunal, no sentido de que tal prova plena se reporta à materialidade das declarações e não à exatidão do conteúdo destas, podendo, quanto a esta, o autor do documento produzir livremente prova (vejam-se, exemplificativamente, em www.dgsi.pt, os Ac.s de 30.9.2004, 18.11.2004, 17.4.2005, 24.10.2006, 19.12.2006, 22.3.2007, 12.7.2007, 12.9.2007 e 17.4.2008).



10. No caso presente foi aberta a conta bancária, com dinheiro da autora.

Mas não foi aberta em nome dela, porque era gerente duma sociedade que estava na eminência de insolvência e tinha dívidas para com o Estado.

Foi aberta em nome da filha DD e foram acrescentados os nomes dos filhos EE e FF.

Na “ficha de assinaturas”, abaixo da assinatura da DD, foi incluída uma rubrica ilegível.


Neste quadro, a Relação considerou provado que por acordo celebrado entre a autora, a DD e o réu CC (gerente do banco) só aquela ficaria autorizada a movimentar a conta, razão pela qual, na presença deste réu, lavrou pelo seu punho e como seu estilo de letra, a referida rubrica.

Baseou-se na prova testemunhal e no depoimento de parte a que alude, nada impedindo – face ao que se referiu no número anterior – a respectiva produção e valoração.



11 . Quanto ao depoimento de parte, levanta a recorrente a questão de poder ser valorado para além do domínio da confissão.


Sobre a questão do âmbito deste figura escrevemos no Acórdão de 13.11.2014, proferido no processo n° 1934/12.5T2SNT.L1-7.S1, em posição que mantemos:


Prima facie o depoimento de parte constitui um meio de aquisição de prova por confissão. É o que resulta do artigo 552.º do Código de Processo Civil (452.º do NCPC).

A confissão é, por definição do artigo 352.º do Código Civil, “o reconhecimento que a parte faz da realidade dum facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.”

Nesta vertente, portanto, o depoimento de parte importa enquanto revelador de factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária.


Mas, no melhor dos entendimentos, esta conceção restrita e formal do depoimento de parte cede perante os poderes que os artigos 266.º, n.º2 e 519.º, n.º1 do Código de Processo Civil (7.º, n.º2 e 417.º do NCPC) conferem ao juiz.

Podendo, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto que se afigurem pertinentes, não pode considerar-se limitado a tomada de depoimento só sobre os factos que forem desfavoráveis à parte e favoráveis à contraparte em ordem a provocar a sua confissão.

Se pode colher os esclarecimentos, tenham eles o sentido que tiverem, seria iníquo que se vedasse ao julgador a consideração deles, para fundamentar a decisão factual.

A única diferença situa-se no âmbito conceptual da confissão. Esta, observado o requisito da redução a escrita, produz prova plena, enquanto o depoimento relativo a factos favoráveis é livremente apreciado pelo tribunal.

Este entendimento vai de encontro à realidade referente ao julgamento da matéria factual. Por regra, os depoentes reafirmam convictamente a sua posição, já vertida nos articulados que apresentaram. E isso não terá grande valor para o julgador avisado. Mas pode dar-se, p. ex., o caso de, no envolvimento factual apresentado, surgirem elementos (mormente pormenores, explicações de documentos, etc) que justifiquem uma convicção mais firme ou mesmo particularmente firme a respeito da veracidade do que é revelado. Assim como pode vir ao de cima que a realidade factual é diferente.

Já Manuel de Andrade (NEPC, 249) dedicou atenção ao “depoimento de parte, quando não resulte em confissão”, considerando-o um “simples elemento probatório a apreciar segundo o prudente critério do julgador”, ideia seguida por A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de processo Civil, 2.ª ed., 573, perfilhando este modo de ver Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, 277 e, em circunstanciado estudo inserto na Revista Julgar, n.º16, também Remédio Marques, A aquisição e valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte.

Neste Tribunal seguiram este entendimento, nomeadamente, os Ac.s de 2.10.2003, processo n.º 03B1909 e de 16.3.2011, processo n.º 237/04.3TCGMR.S1., ambos com texto disponível em www.dgsi.pt.

No NCPC, independentemente dos preceitos já referidos, o n.º3 do artigo 466.º, acolheu a valoração livre das declarações de parte, “salvo se as mesmas constituírem confissão.”



12 . Não enferma, pois, de vício a alteração factual levada a cabo pela Relação.



13 . Com base em tais factos, entendeu o Tribunal de segunda instância, muito em síntese, que:

No contrato de abertura de conta teve lugar simulação porque, com o intuito de enganar os credores da sociedade de que a autora era gerente, esta e os réus acordaram em que na conta ficassem, como titulares, apenas os filhos dela.

Este vício determina nulidade.

Todavia, dissimuladamente, os outorgantes quiseram abrir a conta tendo como titular a própria autora, sendo esta a única dotada de poderes de movimentação.

O negócio de abertura de conta é informal, pelo que vale o regime do n.º1 do artigo 241.º do Código Civil, ou seja, o regime que corresponderia ao negócio dissimulado, tal como se fosse concluído sem dissimulação.

A ré violou as obrigações derivadas deste contrato dissimulado, ao permitir que o dinheiro seguisse “o caminho” que se descreve no elenco factual.

Não relevando, para estes efeitos, que a autora tenha participado no acordo simulatório, atento o que decorre do artigo 241.º, n.º 1 e do artigo 242.º, n.º 1 do Código Civil.

Pelo que, verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil, a entidade bancária é obrigada a repor a situação anterior.



14 . Nada temos a opor a esta construção.

Mormente quanto à verificação dos requisitos da simulação, previstos no artigo 240.º, n.º 1 do Código Civil, no que respeita aos contratos emergentes da vontade declarada, de abrir a conta em nome dos filhos da autora e de nela depositar as quantias que se referiram.



15 . Todavia, sob estes contratos, outros existiram, no sentido de a abertura de conta e depósito inerente terem como titular a própria autora, sendo esta apenas a pessoa que podia movimentar o dinheiro. Foi esta a vontade real dos outorgantes.   


Vale, então, o n.º1 do artigo 241.º, sendo estes contratos válidos, se razões de forma não afastarem a validade.

O contrato de abertura de conta é o contrato celebrado entre o banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos relativos a diversas práticas bancárias. Opera como um ato nuclear cujo conteúdo constitui, na prática, o tronco comum dos atos bancários subsequentes, distinguindo-se destes (Veja-se António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 532).

Não dispõe de regime legal explícito, assentando, no essencial, nas cláusulas contratuais gerais dos banco e nos usos bancários. Corresponde a um contrato socialmente típico e a sua celebração postula algumas “formalidades”, sem que, contudo, a lei exija uma determinada forma para a sua celebração (artigo 220.º do Código Civil).

No momento da celebração do contrato em causa nos autos (2006), regia o Aviso do Banco de Portugal n.º 11/2005 (posteriormente alterado pelo Aviso n.º 2/2007 e revogado pelo Aviso 5/2013, entretanto alterado pelo Aviso 1/2014).

Sob a designação de “abertura de conta de depósito bancário” – terminologia objeto de crítica por Menezes Cordeiro, ob. cit., págs. 288 e 537, precisamente por a abertura de conta não implicar sempre um depósito bancário – estabelece o referido Aviso as condições gerais para a abertura de contas nas instituições de crédito com sede ou sucursal em território nacional. Na abertura de contas de depósito, as instituições de crédito devem atuar com elevado grau de cuidado, nomeadamente, no que se refere à identificação dos titulares das contas, dos seus representantes e das demais pessoas com poderes de movimentação, aludindo-se – a respeito da abertura presencial de contas – à recolha desses elementos na respectiva “ficha de abertura”.

A menção a esse documento, assim como a referência à obrigatoriedade das instituições de crédito disponibilizarem aos seus clientes, previamente à abertura de qualquer conta de depósito, um exemplar das condições gerais que regerão o contrato a celebrar (artigo 3.º, n.º1 do Aviso), não alteram, porém, a natureza consensual do negócio.

A regra da consensualidade ou da liberdade de forma prevista no artigo 219.º do Código Civil, apenas é excecionada nos casos em que a lei prescreve a necessidade da observância de determinada forma, o acatamento de determinado formalismo ou de determinadas solenidades, cominando tal inobservância com o vício da nulidade (artigo 220.º do Código Civil).

Os negócios consensuais são os que podem ser celebrados por quaisquer meios declarativos aptos a exteriorizar a vontade negocial, porque a lei não impõe uma determinada roupagem exterior para o negócio (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 392).

No caso do contrato bancário de abertura de conta, sem prejuízo dos deveres a que as instituições financeiras estão sujeitas por decorrência da regulamentação bancária, não existe qualquer exigência legal relativa à forma de celebração do contrato.

O mesmo que sucede com outros contratos bancários, como seja, o contrato de depósito bancário que a doutrina classifica como consensual (entre outros, Paula Camanho, Do Contrato de Depósito Bancário, 123, e Lacerda Barata, Estudos em Homenagem ao Prof. Galvão Teles, II, 48, em sentido contrário José Engrácia Antunes, Estudos em Homenagem ao Prof Carlos Ferreira de Almeida, II, 82).

Valem, assim, para o contrato de abertura de conta, os argumentos invocados para a defesa da natureza consensual do contrato de depósito bancário, porquanto, ainda que, por via dos usos bancários ou do recurso a cláusulas contratuais gerais, tenham habitualmente ambos os contratos expressão num documento escrito ou suporte equivalente, não requer a lei para a sua validade qualquer formalidade especial.

Da natureza consensual afirmada, decorre que inexistem razões formais que ponham em causa a validade dos contratos dissimulados de abertura de conta e de depósito.

Aliás, não se concluindo pela consensualidade, sempre seria de ponderar se os documentos subscritos não seriam suficientes para integrar eventual forma exigida.



16 . Sendo formalmente válidos os contratos dissimulados, importa determinar se os mesmos devem ser considerados substancialmente válidos.

As condutas descritas nos factos são, no mínimo, chocantes.

A autora, perante a eminência de insolvência da sociedade de que era gerente, procurou pôr a salvo o dinheiro, de modo a subtraí-lo a possíveis ações dos credores.

Perante esta intenção, a ré foi para uma realidade, também, no mínimo, absurda.

Abriu uma conta bancária, não em nome da que sabia ser proprietária do dinheiro, mas em nome dos filhos dela.

E foi mais longe: combinou que só a ora autora, que não era titular, a poderia movimentar.

Quer dizer: nenhum dos titulares podia movimentar a conta, podendo esta ser movimentada apenas pela autora que não tinha essa qualidade.

O esquema gizado constituiria um “modelo” excelente de fugir aos credores (ou de esconder o dinheiro por qualquer outra razão) com o mínimo de incómodo. O devedor abria uma conta em nome doutra pessoa, mas ele é que a movimentava. Com o evoluir do “instituto jurídico” assim criado, a titularidade das contas bancárias poderia passar a ser apenas “formal”, havendo, em cada caso, que procurar quem estava por detrás do “testa de ferro”. Isto quando o depósito bancário “é celebrado intuitu personae, sendo assim essencial a pessoa do depositante para a sua celebração (Paula Ponces Camanho, ob. cit, 111, correspondendo tal a opinião comum – vejam-se, exemplificativamente, Alberto Luís, Direito Bancário, 65 e seu acolhimento na nota 15.ª de pé de página do Acórdão deste Tribunal, com texto disponível em www.dgsi.pt, de 7.10.2010, processo n.º 283/05.0TBCHV.S1).


Só que, o vício esgota-se no conteúdo da própria simulação.


A ele escapa o conteúdo dos negócios dissimulados.

Tiveram como fim disciplinar a relação bancária estabelecida entre os outorgantes e investir o banco no direito de dispor livremente das quantias pecuniárias que lhe foram entregues pela autora, com obrigação de restituir outro tanto da mesma espécie e qualidade nos termos acordados (Cfr-se Engrácia Antunes, loc. cit., 84 e 92).

Como tal, os negócios dissimulados, sem prejuízo das circunstâncias descritas envolventes e que conduziram à celebração de negócios simulados, não se mostram, em si, contrários à lei ou à ordem pública, nem ofensivos dos bons costumes (artigo 280.º do Código Civil).



17 . Do que vem sendo referido resulta que a entidade bancária estava vinculada às obrigações que decorriam dos contratos dissimulados.

As quais violou grosseiramente, permitindo a movimentação da conta sem ser pela autora.

Incorrendo, assim, em responsabilidade contratual.



18. Resta, agora, tendo em conta o alegado, determinar se se deve considerar que a autora concorreu para o dano que sofreu.

O art.° 570.º, n.º1 do Código Civil impõe ao tribunal a ponderação sobre se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, quando um facto culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento do dano.

Está aqui, para além da culpa, a exigência de nexo causal entre a conduta daquele e o facto ilícito e respectivos danos.  

No caso, a fonte da responsabilidade civil imputada à ré é contratual e assenta no incumprimento do estipulado no contrato dissimulado a respeito da movimentação da conta, inexistindo qualquer conexão, em termos de causalidade, entre o comportamento censurável da autora na celebração do contrato simulado e os danos verificados em consequência da permissão dada pela ré à movimentação da conta por outrem que não a autora.

Por conseguinte, ainda que esta tenha tido um comportamento altamente censurável, não se vê que tenha contribuído para essa violação.

O dinheiro passou a estar totalmente na disponibilidade da ré que assumiu integralmente o comportamento que levou ao dano verificado que está na base da condenação levada a cabo pela Relação. Não tendo a autora, assim, e para efeitos do artigo 570.º do Código Civil, concorrido para o dano por si sofridos.



19 . Face ao exposto, nega-se a revista.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 4.6.2015

João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Fernando Bento