Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
| Relator: | GARCIA CALEJO | ||
| Descritores: | CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO VENDA COM RESERVA DE PROPRIEDADE COMPRA E VENDA VENDA A PRESTAÇÕES CONTRATO DE MÚTUO RESERVA DE PROPRIEDADE CONDIÇÃO SUSPENSIVA TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE SUB-ROGAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 07/12/2011 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | ||
| Doutrina: | - Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, pág. 83. - Gravato Morais, Cadernos de Direito Privado nº 6, pág. 49/53; União de Contratos de Crédito e de Venda para o Consumo, 2004, pág. 307, nota 572. - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Vol. I, 4ª edição, págs. 376 e 605 | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 294.º, 405.º, N.º1, 409.º, N.º1, 589.º, 591.º, 593.º, N.º1, 879.º, AL. A). DL N.º 359/91, DE 21-09: - ARTIGO 6.º, N.º 3, AL. F). | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 27-9-2007, EM WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF; -DE 2-10-2007, EM WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF; -DE 17-4-2008; -DE 3-6-2008; -DE 10-7-2008, EM WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF; -DE 16-9-2008, EM WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF; -DE 27-1-2009; -DE 26-2-2009; -DE 31-3-2011, EM WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF . ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO DE 15-1-2007, C. J., ANO XXXII, TOMO 1, PÁG. 163. | ||
| Sumário : | I - O art. 409.º, n.º 1, do CC, estabelece a possibilidade do alienante reservar para si a propriedade da coisa, até que o devedor cumpra, total ou parcialmente, as suas obrigações, configurando uma excepção ao princípio geral, segundo o qual, a propriedade da coisa vendida se transfere por mero efeito do contrato (art. 879.º, al. a), do CC). II - Por força da cláusula de reserva de propriedade, a propriedade da coisa alienada só se transfere no momento em que o comprador cumpra todas as suas obrigações, operando essa cláusula como garantia do adquirente cumprir essas obrigações (normalmente o pagamento do preço). III - A cláusula de reserva de propriedade e a correspondente condição suspensiva, não incide propriamente sobre a essência do contrato de compra e venda, mas tão só sobre o efeito real do contrato, ou seja sobre a transferência da propriedade da coisa. IV - A disposição constante do art. 409.º, n.º 1, do CC, apenas permite ao alienante reservar para si a propriedade da coisa e já não ao (eventual) financiador do negócio, o qual, ao conceder ao comprador os meios económicos para realizar o negócio, não intervém no contrato de alienação. V - Suspendendo, a cláusula em questão, somente os efeitos translativos inerentes a um contrato de alienação, só nesse tipo de contrato pode ser estipulada, não sendo válida a cláusula de reserva de propriedade a favor do financiador/mutuante constante do contrato de mútuo, porque legalmente inadmissível, face ao disposto no art. 409.º, n.º 1, do CC. VI - Sendo nula tal cláusula, nos termos do art. 294.º do CC, é evidente que não pode produzir o efeito da transferência de propriedade do bem da vendedora para o financiador. VII - A expressão “outro evento”, constante do art. 409.º, n.º 1, do CC, diz respeito ao próprio contrato de alienação e não a qualquer outro, mesmo que relacionado com ele. VIII - O art. 6.º, n.º 3, al. f), do DL n.º 359/91, de 21-09 (diploma que estabelece o regime jurídico do crédito ao consumo) nada modifica os contornos da questão, pois o facto de no contrato de crédito para financiamento da aquisição de bens ou serviços dever constar “o acordo sobre a reserva de propriedade”, refere-se, de harmonia com o determinado no art. 409.º, n.º 1, do CC, ao alienante e não ao financiador/mutuante. IX - Só quando o vendedor do bem em prestações é simultaneamente o financiador da sua aquisição, é que faz sentido e se justifica que no respectivo contrato de crédito se inclua e mencione a cláusula de reserva de propriedade, se acordada pelos contratantes. X - A disposição inserta no art. 6.º, n.º 3, al. f), do DL n.º 359/91, reporta-se somente a situações em que o vendedor/proprietário mantém essa qualidade, por efeito da reserva, ao mesmo tempo que financia a aquisição através de alguma das formas previstas no art. 2.º do diploma (diferimento do pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante). XI - Do art. 589.º do CC resulta que a sub-rogação pressupõe o pagamento ao credor por terceiro, dependendo de que aquele expressamente manifeste ao terceiro a vontade no sentido da sub-rogação, que constitui uma forma de transmissão de créditos que coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao primitivo credor (art. 593.º, n.º 1, do CC). XII - A sub-rogação a favor do mutuante, prevista no art. 591.º do CC, embora dispense o acordo do credor, exige a declaração expressa, no documento de empréstimo, de sub-rogação feita pelo devedor ao mutuante – cf. n.º 2 daquela disposição legal. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I- Relatório: 1-1- AA – BANK P.L.C., com sede na Rua ... nº …, ..º, … Lisboa, propôs a presente acção com processo ordinário contra BB, residente na Rua …, …, Almancil, pedindo que se declare válida a resolução do contrato de financiamento para aquisição a crédito do veículo automóvel com a matrícula ...UT, se condene o R., a reconhecer que o referido veículo pertence à A. e se condene o R., na entrega definitiva do veículo. Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que no âmbito da sua actividade financiou o R., na aquisição do veículo automóvel, tendo sido constituída reserva de propriedade a favor de «CC SA», o vendedor. A CC cedeu à A., com o consentimento do R., a titularidade da referida reserva de propriedade, que se encontra registada na C. R. Automóvel de Lisboa, a favor da A.. O preço total foi de 24.600,00 euros, tendo a A., financiado o valor de 18.000,00 euros, sendo o valor total a reembolsar, no montante de 24.984,00 euros, em 60 meses, no valor de 416,40 euros cada. O R. deixou de pagar a partir da 26ª prestação. A A. notificou o R., para pôr fim à mora no prazo de 8 dias, e mantendo-se a mesma, por carta registada com aviso de recepção, resolveu o contrato. Posteriormente o R., ainda liquidou a quantia de 411,71 euros, não tendo entregue o veículo. O R., foi citado editalmente, após o que foi citado em sua representação o M. P., não tendo sido deduzida contestação. O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se proferiu a sentença. Nesta julgou-se a acção procedente por provada e, por via disso, declarou-se a resolução do contrato de crédito com reserva de propriedade celebrado entre a A. e o R., relativo ao veículo automóvel de marca CC, modelo Transit/C, de matrícula ...UT, condenando-se o R., a reconhecer que o veículo de matrícula ...UT pertence à A. e a restituir o mesmo e seus documentos à demandante. 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu M.P. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 14-12-2010, julgado procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte em que reconheceu que o veículo de matrícula ...UT, pertence à A. e ordenou a restituição do mesmo e seus documentos à demandante, absolvendo-se o R. nesta parte. 1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo. A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: A. No presente caso existe uma interligação do contrato de compra e venda com o contrato de financiamento - só existiu venda porque a Apelante se dispôs a financiar o preço - e a vendedora reservou para si a propriedade do veículo até o incumprimento integral do contrato de mútuo. B. A cláusula de reserva de propriedade foi acordada no âmbito do contrato de compra e venda e não no âmbito do contrato de financiamento. C. Por se tratar de um contrato de alienação, e uma vez que o valor destinado à aquisição do referido veículo seria financiado pela ora Apelante, o contrato de compra e venda foi desde logo celebrado com reserva de propriedade a favor da vendedora do veículo. D. Assim, permitindo a lei que funcione como condicionante à transferência da propriedade qualquer outro evento futuro que não apenas o cumprimento das obrigações do contrato de compra e venda, é de todo defensável que se constitua uma reserva de propriedade com vista a garantir direitos de crédito emergentes de um contrato de mútuo, cuja finalidade última é a de assegurar o pagamento do preço da coisa ao seu alienante. E. Tudo nos termos do artigo 409° nº 1 do CC. F. Posteriormente, a titularidade dessa reserva de propriedade foi cedida pela entidade vendedora à entidade que financiou a aquisição do veículo em causa, com o consentimento do ora Apelado. G. Defendendo a licitude da constituição da reserva de propriedade a favor do cumprimento do contrato de financiamento pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 12.09.2006, relativo ao processo nº 06A1901, em que é Relatar o Exmo. Conselheiro Faria Antunes e consultável em www.dgsi.pt. nos seguintes termos: "Mercê da reserva da propriedade, as vendas não operaram a transferência imediata do direito de propriedade para a requerida. Ficou ajustado o efeito diferido da transferência do direito de propriedade, dependendo tal transferência, não do pagamento do preço às vendedoras (pois estas receberam-no integralmente), mas da verificação da condição suspensiva do pagamento integral, pela requerida, dos financiamentos que lhe foram concedidos pela 1.a requerente, condição suspensiva lícita à luz do segmento final do nº 1 do art. 409° da lei substantiva. Na verdade, não obstante as vendedoras terem recebido a totalidade do preço da venda dos veículos automóveis, nada obstava à reserva da propriedade visto o art. 409°, nº 1 do CC dizer que «Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento ... ». H. Assim, posteriormente e ao abrigo da liberdade contratual prevista no artigo 405° nº 1 do CC, e explanada na Cláusula A das condições gerais do contrato de financiamento, à luz dos artigos 588° e 591° daquele diploma, a reserva de propriedade foi cedida pela vendedora do veículo CC, S.A. à Apelante, ficando esta sub-rogada nos direitos da vendedora com o consentimento do Apelado. I. Para que a referida sub-rogação seja eficaz, nos termos do nº 2 do artigo 591° do Código Civil, basta que haja declaração expressa no documento do empréstimo, de que a coisa mutuada se destina ao cumprimento da obrigação e assim fica o mutuante sub-rogado nos direitos do credor, in casu nomeadamente o direito de resolução e a reserva de propriedade. J. Encontrando-se no presente caso preenchidos todos os requisitos legais exigidos para a sub-rogação, conclui-se que a ora Apelante é legítima titular do direito de propriedade sobre o veículo financiado, por transmissão válida e legitimamente efectuada pela entidade inicialmente detentora do mesmo. K. Apesar de não chegar à mesma conclusão - por entender que a reserva de propriedade não foi constituída inicialmente a favor do vendedor do veículo - também o Acórdão recorrido concede nesta possibilidade, ancorando-se para o efeito no douto acórdão uniformizador de jurisprudência de 4 de Novembro de 2008, republicado a 26 de Novembro de 2008 em Diário da República, I Série, Nº 230, página 8489 e seguintes: L. "Não se desconhece que tem vindo a ser aceite a possibilidade de ocorrer sub-rogação, voluntária, seja do credor seja do devedor, a favor do financiador, em situações como a dos presentes autos (artigos 589° e 591° do CC), como acontece no parecer publicado no Boletim dos Registos e do Notariado, nº …, de Maio de 2001, citado no acórdão de 12 de Julho de 2007, deste Tribunal que abaixo se transcreve: M. "I) O financiamento por uma instituição de crédito da aquisição de um veículo automóvel, contratado sob condição de reserva de propriedade, poderá dar origem a uma situação que se reconduz à figura legal da sub-rogação voluntária, nas modalidades de sub-rogação pelo credor (artigo 589º do Código Civil) ou de sub-rogação pelo devedor, em consequência de empréstimo que lhe tenha sido efectuado (artigo 591° do mesmo Código). N. Assim, a lei civil permite que, por actos celebrados simultaneamente, com intervenção de todos os interessados: 1º O vendedor aliene o veículo ao comprador, estipulando-se a reserva de propriedade a favor do primeiro até integral pagamento do preço; 2º O comprador celebre um contrato de mútuo com uma instituição de crédito, para financiamento do preço de aquisição, procedendo aquela à liquidação do preço junto do vendedor ou, em alternativa, sendo tal pagamento efectuado directamente pela instituição de crédito junto do vendedor, substituindo-se ao comprador; 3º Em consequência, o devedor sub-rogue expressamente a instituição de crédito nos direitos do vendedor, com o assentimento e a declaração de transmissão da propriedade reservada a favor daquela, por parte do vendedor (na 1ª hipótese referida no número anterior), ou o vendedor sub-rogue expressamente a entidade financiadora nos seus direitos, transmitindo-lhe a propriedade reservada com conhecimento simultâneo do facto por parte do comprador (na 2.a hipótese referida no mesmo número)". O. Face ao exposto, forçoso se toma concluir pela validade da cláusula de reserva de propriedade, e da legitimidade da titularidade da mesma na esfera jurídica da Apelante. P. A posição do tribunal a quo, relativamente às clausulas constantes do verso do contrato, apesar das razões em que se fundamenta, desresponsabiliza totalmente os compradores, permitindo que aleguem a qualquer tempo cláusulas que efectivamente conhecem. Q. No presente caso tal desresponsabilização é ainda mais gritante, se atentarmos que o contrato de financiamento celebrado faz expressa menção, antes da assinatura do comprador, que este "declara conhecer e aceitar integralmente as condições expressas neste contrato, incluindo as presentes Condições Particulares e as Condições Gerais inscritas no verso" cfr. Cláusula 15ª das condições gerais do contrato de financiamento celebrado. R. Para além de a remissão que é feita na Cláusula 11ª das referidas condições particulares para as cláusulas gerais constantes do verso. S. Deve exigir-se de quem contrata uma atitude proactiva, no sentido de saber o que contrata e em que termos o faz. T. De facto, como se pondera no Ac. do STJ de 15/3/2005 (Proc. O5B282 www.dgsi.pt) terá de concluir-se pela legalidade das cláusulas insertas no verso do contrato e pela vinculação do aderente às mesmas, desde que "este expressamente refira delas ter conhecimento através de declaração como, por exemplo, a seguinte: "depois de tomar conhecimento, declaro aderir a todas as condições que precedem bem como no verso do contrato". U."Declarações deste tipo figuram normalmente nos contratos de mútuo praticados em países, como a França, com regulamentação semelhante à portuguesa e que levaram o Advogado - Geral Tizzano, no caso Cofidis (Colectânea de Jurisprudência do Tribunal de Justiça as Comunidades Europeias, 2002, p I -10889, nº 41) a concluir pela sua legalidade". U. Pelo exposto, entende a Apelante que a posição a defender deve ser a contrária à plasmada no acórdão ora recorrido, e em conformidade com o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em que é relator o Exmo. Desembargador Farinha Alves, datado de 08.07.2003 e consultável em www.dgsi.pt do qual se citam infra excertos: W. " ... as ditas condições gerais do contrato, apostas no verso do respectivo formulário contratual, assinado pelos outorgantes no anverso têm um suporte documental mínimo evidenciado no rosto do aludido documento, quando ali se declara que "é celebrado o contrato de mútuo constante das condições específicas e gerais seguintes", expressão que só poderia reportar-se às condições nele contidas, mesmo às inserias em espaço subsequente às referidas assinaturas ". X. "Assim sendo... julga-se que não há fundamento bastante para considerar menos esclarecida a adesão da mesma às referidas cláusulas, referidas na parte do texto do contrato que foi assinada e claramente indicadas no verso, não se justificando, assim, a sua exclusão do contrato" Y. Ainda no que diz respeito a esta problemática, atentemos no que diz o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.04.2004, em que é relatora e Exma. Desembargadora Maria José Mouro, ao referir que "O cerne do problema situa-se na interpretação da norma em causa, designadamente no que respeita ao significado do advérbio «depois»: se com referência ao espaço (colocação no escrito em local abaixo ou além da assinatura) ou ao tempo (momento posterior à assinatura). Teremos, pois, duas possibilidades de leitura da alínea. A primeira considerando que as cláusulas em que a A. sustenta o seu pedido (cláusulas contratuais gerais), são de excluir porque foram apostas «depois» (no âmbito do espaço, ou seja, em local seguinte) das assinaturas dos contratantes, uma vez que no verso da página em cujo rosto tais assinaturas constam. A segunda no sentido de que aquelas cláusulas não são de excluir porque não resulta dos autos que as mesmas foram inseridas «depois» (no que respeita ao tempo, ou seja, em momento posterior) à assinatura do contrato". Z. Assim, "no acórdão de 3-5-2001, a cujo sumário se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jrl. proc. 0028612 (nº convencional JTRL 00034557) se considerou: «Ao prescrever-se no artigo 8°, d) ... a exclusão dos contratos singulares das cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contraentes, o que se pretendeu foi afastar cláusulas inseridas depois de algum dos contratantes ter assinado, uma vez que, configurando-se, então, uma alteração do contrato, não haveria mútuo consenso quanto ao conteúdo das cláusulas enxertadas. Nada obsta, pois, á inserção da declaração "toma-se conhecimento e aceitam-se plenamente as condições gerais de utilização constantes do verso deste documento", junto ao local da assinatura das partes; Afigura-se ser esta última acepção referida a que deverá vingar". AA. "Refira-se que parece ser este o entendimento seguido por Galvão Telles em «Manual dos Contratos em Geral», 4.a edição, pág. 322, ao dizer-nos que o art. 8 trata de casos graves cuja ocorrência coloca em manifesta situação de desvantagem a parte por eles afectada, designadamente o contratante confrontado com cláusulas inseridas em formulário depois de o haver assinado". BB. Ainda a propósito das cláusulas gerais insertas no verso do contrato, apesar de tal não ter sido apreciado pelo Tribunal a quo, a ora Apelante reforça que cumpriu todos os deveres decorrentes do Decreto-lei nº 359/91, de 21 de Setembro (LCCG). CC. Fê-lo inclusive em dois momentos distintos. DD. Em primeiro lugar, através dos representantes do concessionário promotor da venda, em momento prévio à subscrição do contrato. EE. E posteriormente através do envio ao Apelado de cópia do contrato em causa, juntamente com um folheto informativo sobre as questões relacionadas com o financiamento e colocando-se à sua disposição para qualquer esclarecimento. FF. Nunca o Apelado contactou a Apelante comunicando o desconhecimento, ou solicitando o esclarecimento de qualquer dúvida ou a aclaração de qualquer aspecto do contrato, GG. Sendo assim forçoso concluir que a Apelante cumpriu os seus deveres de comunicação e informação sobre o teor do contrato, bem como das cláusulas gerais mesmo, tendo, inclusivamente, ido mais além do que aquilo que exigem as normas constantes dos arts. 5° e 6° da LCCG. HH. Assim, as cláusulas em causa deverão, mais uma vez, ser consideradas válidas e eficazes. II. Decidindo nos temos em que o fez, o Tribunal a quo violou, entre outras disposições legais, os artigos 405°, 409° e 591° do Código Civil. O recorrido, representado pelo M.P., contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: II- Fundamentação: 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir: - Se a cláusula de reserva da propriedade a favor do mutuante, o A., é válida. - Se existiu sub-rogação do devedor, o R., ao A. mutuante/financiador. 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto: 1- A Autora dedica-se ao financiamento, para aquisição a crédito, de veículos automóveis. 2- No exercício da sua actividade a Autora celebrou com o Réu, em 22 de Abril de 2003, um contrato de concessão de crédito, no valor de 24.984,00 euros, para aquisição de uma viatura automóvel de marca CC, modelo Transit/C, de matrícula ...UT. 3- Nos termos do acordo referido em 2) a Autora concedeu ao Réu o crédito com a condição de ser constituída reserva de propriedade sobre o veículo a favor da vendedora CC SA, até à liquidação do mesmo pelo Réu, a qual cedera ou cederia à Autora a titularidade de tal reserva de propriedade, tendo o Réu concedido desde logo a sua autorização para tal cessão. 4- Na sequência do referido, o veículo em causa foi vendido ao Réu com reserva de propriedade, tendo a reserva de propriedade sido registada a favor da Autora com data de 6 de Maio de 2003. 5- Nos termos do acordo referido em 2), o Réu devia pagar à Autora, 60 prestações mensais e sucessivas no valor de 416,40 euros cada uma. 6- O Réu não procedeu ao pagamento à Autora das prestações vencidas a partir da 26ª, vencida em 30 de Junho de 2005 nem procedeu ao pagamento de qualquer uma das prestações subsequentes, tendo-se limitado a pagar parte daquela 26ª prestação, tendo ficado em débito, quanto à mesma, apenas a quantia de 411,70 euros. 7- Por carta registada com aviso de recepção dirigida para a morada constante do acordo referido em 2), carta datada de 14 de Setembro de 2005, a Autora, comunicou ao Réu que se encontravam por pagar prestações vencidas no valor de 1.256,79 euros e que o mesmo deveria proceder ao pagamento de tal quantia no prazo de 8 dias a contar da recepção da mesma carta e que caso o não fizesse, poderia considerar rescindido o contrato. 8- O Réu não procedeu ao pagamento da quantia referida em 7). 9- Até hoje não pagou à Autora qualquer outra quantia. 10- A Autora instaurou contra o Réu um procedimento cautelar em que requereu a apreensão do veículo e seus documentos, procedimento cautelar que correu os seus termos pela 1ª Vara Cível de Lisboa, 2ª Secção, desta comarca, tendo sido o mesmo julgado procedente e ordenada a apreensão e entrega à Autora do veículo, veículo esse apreendido em 23 de Dezembro de 2006. --------------
2-3- No douto acórdão recorrido sobre a questão essencial debatida nos autos relativa à validade da cláusula de reserva de propriedade a favor do mutuante, entendeu-se que não pode este, constituir a seu favor, «reserva de propriedade» e se cláusula houver será nula por impossibilidade legal. Isto porque, segundo Gravato Morais (Cadernos de Direito Privado nº 6, pág. 49/53), «não restam dúvidas que literalmente (…) só nos contratos de alienação, maxime nos contratos de compra e venda é lícita a estipulação, sendo certo que a finalidade do legislador, ainda que interpretada actualisticamente, não terá sido a de permitir a quem não aliena um bem, mas tão só o financia, a constituição a seu favor de uma reserva de domínio sobre o objecto que não produziu nem forneceu – apenas em razão do fraccionamento das prestações». Acrescenta-se que alguma jurisprudência tem contornado a dificuldade, convocando a figura da sub-rogação, nomeadamente o disposto nos art. 589º e 591º CC. Porém, tal entendimento deve ser repudiado já que esses preceitos têm a ver com a transmissão de créditos, sendo certo que no caso já não poderia o vendedor transmitir para o mutuante o seu direito, porquanto este já se encontrava extinto pelo pagamento. Por outro lado, “também o disposto no art. 6º nº 3 f) DL 359/91 de 21 de Setembro, quando refere que o contrato de crédito deve indicar «o acordo sobre a reserva de propriedade», nada adianta em abono dessa tese. É que o crédito ao consumo, tanto pode ser concedido por quem vende o bem, como por terceiro”. Acrescenta-se, invocando-se o acórdão da Relação de Lisboa de 14.12.2004, proc. Nº 9857/2004-7) que refere que “«tal disposição reporta-se apenas a situações em que, o vendedor, proprietário do bem, mantém essa qualidade, por efeito de reserva, ao mesmo tempo que financia a aquisição através de alguma das formas previstas no art. 2º (diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante). Não pode essa norma ter aplicação a situações previstas no art. 12º de tal diploma, em que o crédito é concedido por terceiro para financiar o pagamento de bem adquirido ao vendedor»”. Disse-se ainda que alguma jurisprudência admite que a reserva de propriedade, acabe por aparecer a proteger o financiador, não vendedor, desde que todos os intervenientes na relação jurídica triangular, (vendedor, comprador, mutuante), nisso acordem de forma expressa, hipótese, porém, que se deve afastar porque no contrato dos autos apenas tiveram intervenção (só estes o outorgaram), o apelante e o apelado, não tendo o vendedor do veículo qualquer intervenção nele. Concluiu-se assim que “a cláusula de reserva de propriedade a favor do financiador, não é nas circunstâncias apontadas e pelos fundamentos referidos, válida, por inadmissível, face à nossa lei”. Por sua vez o recorrente, através da argumentação acima referida nas suas conclusões de recurso, defende a validade de tal cláusula. Vejamos: Determina o art. 409º nº 1 do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem) que “nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento”. Estabelece, pois, este dispositivo a possibilidade de o alienante em reservar para si a propriedade da coisa, até que o devedor cumpra, total ou parcialmente, as suas obrigações. Configura a disposição uma excepção ao princípio geral, segundo o qual a propriedade da coisa vendida se transfere por mero efeito do contrato (art. 879º al. a)). No caso de reserva de propriedade “o negócio é realizado sob condição suspensiva, quanto à transferência da propriedade”[1]. No mesmo sentido Galvão Telles[2] refere que o “caso particular de alienação sob condição suspensiva é o que se dá quando se aliena uma coisa com reserva de propriedade («pactum reservati dominii»). Apenas se suspende o efeito translativo. Os outros efeitos do negócio produzem-se imediatamente mas a transferência da propriedade fica dependente de evento futuro, que em regra será o cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte (art. 409º nº 1)”. Significa isto que por força da cláusula de reserva de propriedade, a propriedade da coisa alienada só se transfere no momento em que o comprador cumpra todas as suas obrigações. Tal cláusula opera como garantia de o adquirente cumprir as suas obrigações (normalmente o pagamento do preço). Note-se que a cláusula em análise e a correspondente condição suspensiva, não incide, propriamente sobre a essência do contrato de compra e venda, mas tão só sobre o efeito real do contrato, ou seja sobre a transferência da propriedade da coisa. Como se refere neste sentido no acórdão deste STJ de 10-7-2008 (relator o Conselheiro Santos Bernardino em www.dgsi.pt/jstj.nsf) “repare-se que… é apenas o efeito real do contrato, a transmissão da propriedade da coisa, que fica sujeita a uma condição suspensiva: não é a compra e venda, em si mesma considerada, como negócio global, que se entende efectuada sob condição”. De sublinhar, porém, que a disposição em análise apenas permite ao alienante a reserva para si da propriedade da coisa e já não ao (eventual) financiador do negócio. O financiador da operação, ao conceder ao comprador os meios económicos para realizar o negócio, não intervém no contrato de alienação. Daí que, como se refere adequadamente no acórdão deste S.T.J. de 2-10-2007 (relator o Conselheiro Fonseca Ramos em www.dgsi.pt/jstj.nsf), “a consideração de uma relação tripolar brigue com a essência da previsão legal do art. 409º do Código Civil”. Suspendendo, a cláusula em questão, como vimos, somente os efeitos translativos inerentes a um contrato de alienação, só nesse tipo de contrato pode ser estipulada. Neste sentido refere-se no Acórdão deste STJ de 10-7-2008 já mencionado, referenciando o Acórdão da Relação do Porto de 15-1-2007 (Col. Jur., ano XXXII, Tomo 1, pág. 163) “apenas pode reservar para si o direito de propriedade sobre um bem, suspendendo a sua transmissão, quem outorga contrato de alienação do mesmo, na posição de alienante, pois só ele é o titular do direito reservado”. O contrato de mútuo não é um contrato de alienação pelo que “constitui uma contradição nos próprios termos alguém reservar um direito de propriedade que não tem”[3]. É certo que em sede de contratos vigora o princípio da liberdade contratual ou autonomia da vontade, como resulta do disposto no art. 405º nº 1.Todavia, como também decorre desta disposição, esse princípio não é ilimitado, pois expressamente aí se referencia que “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, (...) ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver” (sublinhado nosso). Daqui flui que a cláusula de reserva de propriedade a favor do financiador/ mutuante (o A.) constante do contrato não é válida, porque legalmente inadmissível, face ao disposto no art. 409º nº 1[4]. Quer isto dizer que é certa a conclusão retirada pelo douto acórdão recorrido sobre a nulidade de tal cláusula (art. 294º). Sendo nula, é evidente que não pode produzir a transferência da propriedade do bem da vendedora para o financiador, como pretende o recorrente. O entendimento de que cláusula de reserva de propriedade a favor do financiador/mutuante constante do contrato de alienação é nula, é hoje, segundo cremos, unânime na jurisprudência deste STJ (vide designadamente, para além dos já referidos, os acórdãos de 27-9-2007 (relator o Conselheiro Santos Bernardino), de 17-4-2008 (relator o Conselheiro Urbano Dias), de 3-6-2008 (relator o Conselheiro Silva Salazar), de 27-1-2009 (relator o Conselheiro Pereira da Silva), de 26-2-2009 (relator o Conselheiro Oliveira Rocha), 31-3-2011 (relator o Conselheiro Álvaro Rodrigues), o primeiro e o último acessíveis em (www.dgsi.pt/jstj.nsf) e os outros nos sumários internos deste Supremo. Diz o recorrente que permitindo a lei (art. 409º nº1) que funcione como condicionante à transferência da propriedade qualquer outro evento futuro que não apenas o cumprimento das obrigações do contrato de compra e venda, é de todo defensável que se constitua uma reserva de propriedade com vista a garantir direitos de crédito emergentes de um contrato de mútuo, cuja finalidade última é a de assegurar o pagamento do preço da coisa ao seu alienante. Não poderemos aceitar esta posição. É verdade que o art. 409º nº 1 permite ao alienante a reserva de propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações pela outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento (sublinhado nosso). Será que esta expressão final poderá ser entendida, como dizendo respeito a um contrato em que o vendedor não intervém, mais concretamente a um contrato de financiamento da compra? A mesma posição é assumida pelo acórdão deste STJ de 16-9-2008 (relator o Conselheiro Alberto Sobrinho em www.dgsi.pt/jstj.nsf) que afirma que “a expressão outro evento referida no nº 1 do art. 409° C.Civil tem de se reportar a um acontecimento que, para além de ter uma ligação directa com o contrato de alienação, se contenha dentro dos objectivo e das finalidades próprias desse específico contrato”. A conclusão a que chegámos em relação à nulidade da cláusula de reserva de propriedade a favor do financiador/ mutuante (o A.) constante do contrato, perante o estabelecido pelo art. 409º nº 1, não se altera face ao disposto no art. 6º nº 3 al. f)[5] do Dec-Lei 359/91 de 21 de Setembro (diploma que estabelece o regime jurídico do crédito ao consumo) pois, como nos parece evidente, o facto de no contrato de crédito para financiamento da aquisição de bens ou serviços dever constar «o acordo sobre a reserva de propriedade», nada modifica os contornos da questão. Deverá entender-se que tal referência respeita, de harmonia com o determinado no art. 409º nº 1, ao alienante e não ao financiador/mutuante. Só quando o vendedor do bem em prestações é simultaneamente o financiador da sua aquisição, é que faz sentido e se justifica que no respectivo contrato de crédito se inclua e mencione a cláusula da reserva de propriedade, se acordada pelos contratantes. Daqui resulta que tal disposição se deve reportar somente a situações em que, o vendedor/proprietário, mantém essa qualidade, por efeito de reserva, ao mesmo tempo que financia a aquisição através de alguma das formas previstas no art. 2º do diploma (diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante). A este respeito refere-se no acórdão já mencionado deste STJ de 31-3-2011 que “a disposição em análise (art. 6º nº 3 al. f) do Dec-Lei 359/91) de tão sóbria e generalizante, é, a nosso ver, e fundamentalmente, a responsável não só por que na Conservatória do Registo Automóvel se tenha passado a averbar uma tal cláusula de reserva de propriedade a favor do simples financiador/mutuante independentemente de ele ser ou não também o vendedor (alienante), como pela divergência jurisprudencial a que já se aludiu. Todavia, é sabido que na interpretação das leis o julgador se não pode cingir à letra da lei e tem que ter em conta, além do mais, a unidade do sistema jurídico (com a sua harmonia institutiva e conceitual), em que estão incluídos os demais institutos legais, como o previsto no citado Artº 409º, nº1, quanto à reserva da propriedade – artº 9º, nº1, do CC – o que, tal como bem se salienta no referido Acórdão de 19-07-2008, nos leva a concluir que só quando o vendedor do bem em prestações (alienante) é simultaneamente o financiador da sua aquisição por outrem faz sentido que no respectivo contrato de crédito ou mútuo se inclua e mencione a cláusula da reserva de propriedade, se acordada pelos contraentes. De contrário, se não é o proprietário do bem que vende, nada poderá transmitir (“nemo plus iuris in alium transferre postest quam ipse habet”), e também, por nada ter e nada poder transmitir, nada poderá reservar sob condição. É sempre o efeito de uma aquisição derivada de quem é dono e aliena que permite a este subordinar a transferência do direito de propriedade (que normalmente se dá por simples efeito do contrato – Artº 408º, nº1) do bem à verificação da condição suspensiva do pagamento integral do preço, pela inserção da cláusula da reserva de propriedade, que representa para si uma garantia de cumprimento”. Em síntese, a disposição em análise (art. 6º nº 3 al. f) do Dec-Lei 359/91) diz somente respeito a situações em que quem financia o pagamento é aquele que detém o direito de propriedade sobre o bem alienado. 2-4- Provou-se que nos termos do acordo referido em 2) a A. concedeu ao R. o crédito com a condição de ser constituída reserva de propriedade sobre o veículo a favor da vendedora CC SA, até à liquidação do mesmo pelo R., a qual cedera ou cederia à A. a titularidade de tal reserva de propriedade, tendo o R. concedido desde logo a sua autorização para tal cessão. Na sequência do referido, o veículo em causa foi vendido ao R. com reserva de propriedade, tendo a reserva de propriedade sido registada a favor da A. com data de 6 de Maio de 2003. Estes factos induzem o recorrente a trazer à discussão a sub-rogação dos direitos do vendedor/alienante, a favor do mutuante/financiador. Sobre a questão o douto acórdão recorrido referiu que “alguma jurisprudência admite que a reserva de propriedade, acabe por aparecer a proteger o financiador, não vendedor, desde que todos os intervenientes na relação jurídica triangular, (vendedor, comprador, mutuante), nisso acordem de forma expressa”. Acrescentou depois que tal entendimento, pressupõe que a «reserva de propriedade» seja em primeira linha estabelecida a favor do vendedor. Abordou-se depois situações em que há o acordo expresso de todos os intervenientes, pelo que na ausência de interesses de ordem pública que a contrariem, entendeu-se nada obstar a que a reserva de propriedade, ainda que estabelecida a favor do vendedor, acabe por garantir, o financiador, quanto ao pagamento das prestações a que o comprador/financiado, se obrigou. Afastou-se de seguida esta hipótese, já que no contrato de financiamento apenas tiveram intervenção (só estes o outorgaram) o A. e o R., não tendo tido qualquer intervenção nele, o vendedor do veículo. Acrescentou-se que a conclusão a que se chegou, não sofre alteração, pelo facto de a acção não ter sido contestada, pois pese embora não se poder pôr “em causa que o fornecedor do bem, seu dono, acedeu na inscrição pela financiadora a seu favor da reserva de propriedade do veículo”, isso “não equivale à sub-rogação a que alude o art. 589 CC. A norma exige que a vontade de sub-rogar seja expressa, pois, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, se o não for, é de presumir que se quis, simplesmente extinguir a dívida e não substituir-lhe o sujeito activo”. Acresce que isso também não se pode retirar do facto referido e assente em 3º. Por isso considerou-se não ser relevante, para os efeitos pretendidos, a sub-rogação. Vejamos: Estabelece o art. 589º que “o credor que receba a prestação de terceiro pode sub-rogá-lo nos seus direitos, desde que o faça expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação”. Resulta desta disposição que a sub-rogação pressupõe o pagamento ao credor por terceiro, dependendo de que aquele expressamente manifeste ao terceiro a vontade no sentido da sub-rogação. A sub-rogação é, pois, uma forma de transmissão de créditos que coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao primitivo credor (art. 593º nº 1). Estipula o art. 591º nº 1 (com relevância com o caso dos autos) que “o devedor que cumpre a obrigação com dinheiro ou outra coisa fungível emprestada por terceiro pode sub-rogar este nos direitos do credor”. Aqui não é o terceiro que cumpre, mas sim o próprio devedor. Este fá-lo, porém, através de dinheiro ou outra coisa fungível emprestada por terceiro. Acrescenta o nº 2 desse art. 591º que “a sub-rogação não necessita de acordo do credor, mas só se verifica quando haja declaração expressa no documento de empréstimo, de que a coisa se destina ao cumprimento da obrigação e de que o mutuante fica sub-rogado nos direitos do credor”. Também esta disposição, muito embora dispense o acordo do credor, exige a declaração expressa, no documento de empréstimo, de sub-rogação feita pelo devedor ao mutuante. A este propósito afirma-se no acórdão de 10-7-2008 já mencionado que quanto à “sub-rogação a favor do terceiro mutuante (art. 591º), ensinam os autores – e resulta da própria lei – que se exige, para que ela tenha lugar, um requisito de forma especial: que seja feita, no documento do empréstimo, a declaração de que a coisa se destina ao cumprimento da obrigação e que o mutuante fica sub-rogado nos direitos do credor”. Portanto haverá que verificar se, no caso vertente, existe qualquer manifestação expressa da vontade de sub-rogar, por parte do devedor, o R., no documento de empréstimo. Esta manifestação de vontade não decorre, a nosso ver, dos factos provados, designadamente do nº 3 acima referenciado. Com efeito, aí somente se assentou que a A. concedeu ao R. o crédito (com a condição de ser constituída reserva de propriedade sobre o veículo a favor da vendedora CC SA, até à liquidação do mesmo pelo R., a qual cedera ou cederia à A. a titularidade de tal reserva de propriedade) tendo o R. concedido, desde logo, a sua autorização para tal cessão. Isto é, mediante esta factualidade fica demonstrado que o R. aceitou e anuiu à cessão da titularidade da reserva de propriedade sobre a viatura, da vendedora/alienante para o A. mutuante, mas já não que ele manifestou expressamente a vontade de sub-rogar o A. mutuante. Por outras palavras, face às ditas circunstâncias, não pode pôr-se em causa que o R. (devedor) acedeu ou anuiu na inscrição, pela financiadora a seu favor, da reserva de propriedade do veículo. Mas evidentemente que isso não equivale à sub-rogação em causa. Em relação a esta nada expressamente se afirmou, sendo que, como se viu, a norma exige que a vontade de sub-rogar seja expressa. Se tal não suceder, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela[6], “é de presumir … que se quis, simplesmente extinguir a dívida e não substituir-lhe o sujeito activo”. Portanto não existindo, no caso em apreço, qualquer manifestação expressa da vontade de sub-rogar por parte do adquirente/devedor (o R.), não poderá falar-se em sub-rogação. Quer isto dizer que o apelo ao instituto da sub-rogação (voluntária) não se justifica, não sendo, assim, de molde a alterar os contornos da questão. Defende ainda o recorrente que o contrato de financiamento celebrado, faz expressa menção, antes da assinatura do comprador, que este "declara conhecer e aceitar integralmente as condições expressas neste contrato, incluindo as presentes Condições Particulares e as Condições Gerais inscritas no verso" (cláusula 15ª das condições gerais do contrato de financiamento celebrado), para além de a remissão que é feita na cláusula 11ª das referidas condições particulares para as cláusulas gerais constantes do verso. Nesta cláusula o recorrido declarou que sub-rogava a recorrente nos direitos do credor, ou seja do vendedor, encontrando-se, assim, cumpridos os requisitos do art. 591º nº 2. Deste modo e na respectiva sequência, passou a recorrente, legitimamente, a ser titular do direito de propriedade, ainda que sob reserva, por transmissão efectuada pelo vendedor e autorizada pelo recorrido. Estas circunstâncias não se podem ter como assentes, dado que não constam do acervo dos factos provados que acima se referenciou. Como se sabe, este STJ é um tribunal de revista e, por isso, compete-lhe aplicar definitivamente o direito, face aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (art. 729º nº 1 do C.P.Civil). Ora, não constando tais circunstâncias dessa factualidade (não tendo sequer sido alegadas)[7], é evidente que não poderão ser levadas em linha de conta no tratamento jurídico do pleito. Note-se que na dita cláusula 11ª somente se exarou que o vendedor registado cedeu ou cederá ao A., a titularidade da reserva de propriedade e o comprador (o R.) prestou o seu consentimento a tal cessão, sendo, portanto omissa em relação à sub-rogação. 2-5- O douto acórdão recorrido refere-se ainda ao facto de o contrato em causa ser um contrato de adesão que deverá ser regulado pelo regime jurídico do Dec-Lei 446/85 de 25/10, tendo concluído que devem ter-se «excluídas do contrato», as cláusulas constantes depois das assinaturas das partes, no caso presente, as Cláusulas Contratuais Gerais. Já vimos que este STJ é um tribunal de revista, não lhe competindo, em geral, apreciar a matéria de facto. Serve isto para dizer que não constando a circunstância aduzida da factualidade assente, não poderemos fazer um juízo sobre a questão. De resto, a correspondente apreciação sempre seria inútil, dado que a cláusula em questão (da reserva da propriedade a favor do A.) é, como se viu, nula, pelo que resulta escusada a emissão de qualquer juízo de valor sobre ela, face ao disposto no dito Dec-Lei 446/85 (cláusulas contratuais gerais).
III- Decisão: Por tudo o exposto, nega-se a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido. Custas pelo recorrente.
Lisboa, 12 de Julho de 2011
Garcia Calejo (Relator) Helder Roque Gregório Silva Jesus _________________________
[4] Neste mesmo sentido, também Gravato Morais, in União de Contratos de Crédito e de Venda para o Consumo, 2004, pág. 307, nota 572. |