Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0497/18.2BESNT |
Data do Acordão: | 04/10/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL APRECIAÇÃO PRELIMINAR |
Sumário: | I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPTT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - Não é de admitir a revista se o acórdão recorrido decidiu em consonância com a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo. |
Nº Convencional: | JSTA000P32110 |
Nº do Documento: | SA2202404100497/18 |
Recorrente: | A... UNIPESSOAL, LDA |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 497/18.2BESNT
1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 16 de Novembro de 2023 (Disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/19e0741a639cfdc780258a700058ce0a.) – que negou provimento ao recurso por ela interposto e manteve a sentença recorrida, por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedentes as impugnações judiciais deduzidas, na sequência do indeferimento dos recursos hierárquicos das decisões que indeferiram as reclamações graciosas, contra liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) dos exercícios de 2009 e 2010 e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2009, 2010 e 2011 –, dele recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «a) O art. 150.º, n.º 1, do CPTA confere ao Supremo Tribunal Administrativo a competência para a revisão excepcional de decisões proferidas em segunda instância quando há uma relevância jurídica ou social fundamental, uma vez que envolve questões de alta complexidade e relevância; b) Como se decidiu no Aresto desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 30-05-2007, proferido no Recurso n.º 0285/07, a relevância jurídica deve transcender o plano teórico, manifestando-se na utilidade prática da revista, implicando a interpenetração de diversas legislações; c) As implicações dessas questões vão além do caso individual, afectando a solvabilidade das empresas, sua sobrevivência, viabilidade e empregabilidade, tornando-se evidente a relevância social; d) O n.º 5 do art. 45.º da LGT, introduzido pela Lei n.º 60-A/2005, teve como objectivo lidar com as consequências negativas da sobreposição do processo criminal sobre o tributário, evidenciando a necessidade de uma aplicação restrita; e) A suspensão do prazo de caducidade prevista no referido dispositivo só é válida se a conclusão do processo-crime for indispensável para a liquidação do imposto, revelando que o processo penal não era crucial para a liquidação imediata; f) E se o inquérito criminal for instaurado anteriormente ao procedimento de inspecção tributária; g) Sendo este (procedimento inspectivo) uma consequência daquele (inquérito), face a factos com relevância fiscal nele detectados; h) O princípio da suficiência do processo penal, consagrado no art. 7.º do CPP, reforça a ideia de que as questões não penais devem ser resolvidas nesse âmbito, reflectindo a prevalência da jurisdição fiscal sobre o processo penal; i) As alterações legislativas subsequentes, como as introduzidas pela Lei 53-A/2006, restringiram a suspensão do processo penal apenas a situações em que a análise da situação tributária afectasse a qualificação criminal dos fatos; j) A análise específica do processo revela que o alargamento do prazo não se justifica, uma vez que os fatos não surgiram nem dependiam da conclusão do inquérito criminal para a correcta liquidação do imposto; k) Importa sublinhar que a análise conjunta das normas em vigor reflecte a clara intenção do legislador ao introduzir o n.º 5 do art. 45.º da LGT, tal disposição não tem por escopo comprometer a primazia da jurisdição fiscal na apreciação das questões tributárias; l) Pelo contrário, a extensão do prazo de caducidade parece destinada, primordialmente, a infracções não tributárias, onde a liquidação de impostos é inextricavelmente vinculada à demonstração dessas infracções; m) Nessa senda, é imprescindível destacar que a doutrina especializada, citando Patrícia Helena Leal Cordeiro da Costa, converge para a interpretação de que a mencionada extensão do prazo se aplica a infracções não tributárias, enquanto as infracções tributárias são minuciosamente reguladas por dispositivos específicos, como os arts. 42.º, n.º 4, 47.º e 48.º do RGIT; n) Sublinhe-se que a manutenção da primazia da jurisdição fiscal, nos termos do art. 212.º, n.º 3 da CRP, reveste-se de importância crucial; o) Tal prerrogativa visa garantir a especialização e a expertise necessárias na análise de complexas questões tributárias, salvaguardando, assim, a coesão e a segurança jurídica do sistema; p) Ademais, uma interpretação que contrarie a prevalência da jurisdição fiscal para as questões tributárias, conforme preconizado pelo n.º 5 do art. 45.º da LGT, ensejaria um conflito patente com disposições legais específicas, a exemplo do art. 36.º, n.º 5, al. c) do RCPITA e o art. 46.º da LGT, que já prevêem a suspensão em casos de instauração de inquérito criminal; q) Em síntese, a Recorrente mantém firmemente a posição de que o alargamento do prazo de caducidade, nos termos do n.º 5 do art. 45.º da LGT, não se aplica às liquidações em discussão; r) Esta assertiva se fundamenta no facto de que o procedimento inspectivo foi iniciado anteriormente à instauração do inquérito criminal, como anteriormente se referiu; s) Esta interpretação, além de harmonizar-se com a legislação em vigor, preserva a integridade do sistema jurídico e realça a preeminência da jurisdição fiscal na resolução de questões tributárias de elevada complexidade. t) Que urge esclarecer, com a douta e veneranda intervenção desse Tribunal. Termos em que, atentos os factos e fundamentos expedidos, nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento V. Ex.as, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente por provado, revogado o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e em consequência, determinada a caducidade das liquidações atingidas». 1.2 A Recorrida não contra-alegou. 1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, tendo verificado a legitimidade da Recurso e a tempestividade do recurso, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo 1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de que «[a]o Ministério Público não compete emitir Parecer sobre a admissão ou não admissão do Recurso de Revista (artigo 285.º n.º 6 do CPPT)». 1.5 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, e decidir da admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental, ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. art. 285.º, n.º 1, do CPPT). 2.1.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo – que deve estar bem delimitada – assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista [cfr. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis]. 2.1.3 Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema»(Cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1853/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.). 2.1.4 Cumpre ter presente que, em sede de recurso excepcional de revista e nos termos do disposto no n.º 4 do art. 285.º do CPPT, as questões de facto, designadamente o erro na apreciação da prova e na fixação dos factos, estão arredadas do âmbito do recurso, a menos que haja «ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». 2.1.5 Cumpre também ter presente que o recurso de revista não serve para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade. 2.1.6 Referidos que ficaram os pressupostos da admissibilidade da revista excepcional e o seu âmbito abstracto, passemos a verificar, preliminar e sumariamente (cfr. art. 285.º, n.ºs 1 e 6, do CPPT), se o recurso pode ser admitido, tendo em conta a questão que a Recorrente pretende colocar a este Supremo Tribunal e os requisitos de admissibilidade que invocou. 2.2 O CASO SUB JUDICE 2.2.1 Vem a Recorrente interpor recurso de revista do acórdão por que o Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso por ele interposto, confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedentes as impugnações judiciais, desatendendo, para além do mais que ora não releva, a invocada caducidade do direito às liquidações impugnadas. 2.2.2 A questão suscitada pela Recorrente foi tratada pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 29 de Setembro de 2022, proferido no processo com o n.º 111/21.9BALSB (Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/febcecd455e24a79802588cd004fd83f.) – onde é referida pertinente jurisprudência deste Supremo Tribunal –, que se pronunciou no sentido, plasmado nas respectivas conclusões, de que «[a] aplicação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT não exige que se deva verificar uma relação de prejudicialidade entre os factos que justifiquem a liquidação e aqueles que tenham determinado a abertura do inquérito criminal, mas apenas uma mera coincidência factual objectiva» e de que «[n]ão constitui requisito para operar o alargamento do prazo de caducidade previsto no artigo no n.º 5 do artigo 45.º da LGT que o direito à liquidação do tributo esteja condicionado pelo desfecho do processo de inquérito». 2.2.3 CONCLUSÃO Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão: I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPTT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - Não é de admitir a revista se o acórdão recorrido decidiu em consonância com a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso. Custas pela Recorrente. * |