Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:051/19.1BALSB
Data do Acordão:12/11/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
PEDIDO
REVISÃO OFICIOSA
Sumário:Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr. art. 78.º, n.º 1, da LGT) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].
Nº Convencional:JSTA000P25294
Nº do Documento:SAP20191211051/19
Data de Entrada:06/26/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:......., FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 663/2018 -T

1. RELATÓRIO
1.1 A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT, adiante também Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), tendo apresentado alegações do seguinte teor:
«A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objecto a decisão arbitral proferida no processo n.º 663/2018-T, em 21-05-2019, por Tribunal Arbitral Singular em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
B. A decisão arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 01201/17, datado de 23-05-2018, já transitado em julgado, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto.
C. A decisão arbitral recorrida incorreu em erro de julgamento, contrariando a jurisprudência reiterada do STA, pois em contradição total com o Acórdão fundamento, condenou a AT a pagar à Requerente arbitral juros indemnizatórios «calculados sobre a data dos pagamentos efectuados até à sua integral devolução».
Isto quando o n.º 3, alínea c) do artigo 43.º da LGT determina que nas situações, como a dos autos, de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, apenas são devidos juros indemnizatórios a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão, prazo que não havia decorrido.
D. Efectivamente, o Tribunal arbitral não ponderou na apreciação da questão relativa ao direito a juros indemnizatórios que se encontrava em apreciação na acção arbitral um pedido de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte apresentado em 20-06-2018, situação enquadrável no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, preceito legal que determina que são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
E. Consequentemente, o Tribunal arbitral não valorou, como se impunha, a data da apresentação do pedido de revisão e a data da decisão de indeferimento (seja tácito, seja expresso), verificada menos de um ano sob a apresentação do referido pedido de revisão oficiosa.
F. No Acórdão fundamento (também) se apreciou uma decisão arbitral na qual «estava em causa a revisão do acto tributário de IRC, por iniciativa do contribuinte».
G. Indicando os Venerandos Juízes Conselheiros que seria proferida decisão sobre «a questão de saber se os juros indemnizatórios são devidos desde a data em que o pagamento do tributo foi efectuado ou a partir de um ano após o pedido de revisão formulado pelo contribuinte».
H. O Acórdão fundamento consignou: «Questiona-se, na decisão arbitral recorrida, o IRC relativamente ao qual a recorrida, em 28-03-2016, apresentou pedido de revisão oficiosa das autoliquidações, referentes aos períodos de 2011 e 2012.
Com fundamento em indeferimento tácito, apresentou, em 22-08-2016, recurso hierárquico.
Por ofício de 11 de Outubro de 2016 foi a Requerente notificada do projecto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que, por despacho de 7 de Novembro de 2016, foi convolado em decisão definitiva».
I. Concluindo os Venerandos Juízes Conselheiros que «esta norma do artigo 43.º, n.º 3 c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão, como é o caso dos presentes autos e não perante a situação normal típica em que a impugnação da liquidação se inicia após o pagamento. […]
Entende-se, por isso, que os juros indemnizatórios a que a recorrida têm direito, neste processo, são apenas os devidos a partir de um ano após o pedido de revisão formulado, ou seja, a partir de 28-03-2017.
O artigo 43.º, n.º 3 c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão do acto tributário em que os mesmos são devidos decorrido um ano após o pedido de revisão».
J. Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entra a decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito (que se prende o pagamento de juros indemnizatórios nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte) que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por nova decisão que conclua pelo indeferimento do pedido de juros indemnizatórios, atento o facto de não ter sido ultrapassado o prazo de um ano referido no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT [isto é, desde a apresentação do pedido de revisão oficiosa até à formação da decisão de indeferimento tácito (ou mesmo da prolação da decisão de indeferimento expresso ou até da decisão arbitral)].
K. Ou, ainda que assim não se entenda, por cautela e dever de representação, por decisão em que se determine, então, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios a partir de um ano após o pedido de revisão formulado, ou seja, a partir de 21-06-2019.
L. A infracção a que se refere o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA consiste num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a decisão arbitral recorrida viola o disposto no n.º 3, alínea c) do artigo 43.º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
M. Ora, o pedido de revisão oficiosa que constituiu objecto da acção arbitral foi apresentado no dia 20-06-2018, tendo-se formado a decisão de indeferimento tácito da qual se apresentou pedido de pronúncia arbitral em 20-10-2018 e, proferida decisão de indeferimento expresso, notificada por ofício de 21-12-2018.
N. Ou seja, ambas as decisões ocorreram dentro do prazo de um ano previsto no n.º 3, alínea c) do artigo 43.º da LGT, pelo que não são devidos juros indemnizatórios.
O. Ou, por mera cautela e dever de representação, mesmo que assim não se entenda, sendo, apenas devidos juros indemnizatórios a partir de um ano após o pedido de revisão formulado, ou seja, a partir de 21-06-2019.
P. Mas nunca a partir da data de pagamento do imposto, como erroneamente decidiu a decisão arbitral recorrida.
Q. Por tudo o exposto, resta concluir que a decisão arbitral recorrida incorreu em erro de julgamento por violação das normas legais aplicáveis, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo STA no Acórdão fundamento, devendo ser substituído por nova decisão que julgue procedente o presente recurso nos termos acima já identificados.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente».
1.2 O recurso foi admitido.
1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4 Foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no qual, depois de considerar verificados os requisitos de admissibilidade do recurso, se pronunciou no sentido de que se julgue verificada a oposição e se uniformize jurisprudência no sentido em que decidiu o acórdão invocado como fundamento do recurso, com a seguinte fundamentação:
«[…] a questão fundamental de direito aqui em apreço prende-se com o direito ou não a juros indemnizatórios devidos nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT e a data a partir da qual devem ser devidos e quando houver revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar um ano após o pedido deste.
De facto, constata-se que quer na decisão recorrida quer no acórdão fundamento a questão fundamental em apreço – o direito a juros indemnizatórios, nos termos atrás citados, está em dissonância com a jurisprudência recente deste STA – Acórdão fundamento acima citado deste Colendo Tribunal de 23.05.2018, proferido no proc. n.º 01201/17.
O acórdão fundamento mostra-se transitado em julgado.
Mostram-se, pois, verificados os requisitos decorrentes do artigo 152º do CPTA.
Pois, prevê o artigo 43.º da LGT, na redacção original e com o aditamento decorrente da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, que, quando há pagamento indevido da prestação tributária, são devidos juros indemnizatórios, enumerando as situações em que tal ocorre, definindo o termo dos prazos e as taxas aplicáveis.
Sendo que no n.º 3, al. c) se estipula:
(…)
São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(…)
Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.
A questão em controvérsia nos presentes autos é perfeitamente subsumível à redacção do artigo 43.º, n.º 3 al. c) da LGT e acima citado, divergindo a decisão recorrida do entendimento perfilhado pela jurisprudência citada deste STA, devendo ser a condenação em juros indemnizatórios a partir de um ano após o pedido de revisão formulado pelo contribuinte, em consonância com o disposto no citado preceito legal que face aos dados assentes nos autos não oferece dúvidas de aplicação»
1.5 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, por haver já jurisprudência do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, cumpre apreciar e decidir em conferência naquele Pleno.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 A decisão arbitral recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«A.1. Factos dados como provados
i. O Requerente encontra-se constituído como um fundo de investimento imobiliário fechado, com autorização da CMVM em 06/07/2005 tendo iniciado a sua actividade em 15/07/2005, a que corresponde o código CAE “64300 - Trusts, fundos e entidade financeira similares” e, como CAE secundária “6810- Compra e venda de bens imobiliários”,
ii. O depositário dos seus activos e a sua entidade comercializadora é o “Banco ……., S.A.”, encontrando-se registado na CMVM, como intermediário financeiro desde 29/07/1991,
iii. O FUNDO tem recorrido a financiamentos juntos do “Banco ………., S.A.” a coberto de um “contrato de abertura de crédito por conta corrente”, celebrado em 20/03/2013 e aditado em 23/12/2014,
iv. Entre Junho de 2014 e Junho de 2015, o Requerente contraiu financiamentos bancários junto do referido banco,
v. Relativamente a esse período o “Banco …………., S.A.” liquidou o imposto do selo devido por tais operações ao abrigo do disposto na verba 17 da TGIS, tendo-o repercutido ao Requerente,
vi. Em 20/06/2018 o Requerente apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira pedido de revisão oficiosa, com vista à anulação dos actos tributários de liquidação do imposto do selo com referência à verba 17 da respectiva tabela anexa ao CIS, tendo-se sobre o mesmo formado indeferimento tácito,
vii. Em 2018-12-21, o Requerente através do seu representante legal “…………- Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário” dirigiu ao CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral que originou o presente processo (cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD).
A.2. Factos dados como não provados
Inexistem factos relevantes para a decisão que devem considerar-se como não provados».
2.1.2 No acórdão fundamento, considerou-se a seguinte factualidade, com referência ao acórdão aí invocado como fundamento:
«A. Em 27/08/2004, no 1.º Cartório Notarial de Viseu, foi celebrada escritura pública de “Aumento de Capital e Alteração de Pacto Social”, na qual intervieram como outorgantes B… e C…, na qualidade de Administradores, em representação da sociedade “A…, S.A.”, ora impugnante, cujo teor ora se transcreve parcialmente: “(…) Disseram os outorgantes: Que na referida acta da reunião da Assembleia Geral, de vinte deste mês, estando representada a totalidade do capital social, foi deliberado reforçar esse capital, em numerário, com SETE MILHÕES SEISCENTOS E SETENTA E CINCO MIL EUROS, elevando-o para DEZ MILHÕES DE EUROS, através da emissão de um milhão quinhentos e trinta e cinco mil novas acções, nominativas do valor nominal de cinco euros, cada uma, subscritas pela accionista D…, SGPS, S.A. (…)” – fls. 34/37 dos autos.
B. No acto de outorga da escritura pública referida em A) a impugnante “A…, S.A.” pagou Imposto de Selo, no montante de 30.700,00 €, correspondente à verba 26.3 da TGIS – fls. 38 dos autos.
C. Em 27/08/2004, no 1.º Cartório Notarial de Viseu, foi celebrada escritura pública de “Aumento de Capital e Alteração de Pacto Social”, na qual intervieram como outorgantes E… e C…, na qualidade de Administradores, em representação da sociedade “F…, S.A.”, ora impugnante, da qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) Disseram os outorgantes: Que na referida acta da reunião da Assembleia Geral, de vinte deste mês, estando representada a totalidade do capital social, foi deliberado reforçar esse capital, em numerário, com CINCO MILHÕES DUZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, elevando-o para SETE MILHÕES E QUINHENTOS MIL EUROS, através da emissão de um milhão e cinquenta mil novas acções, nominativas do valor nominal de cinco euros, cada uma, subscritas pela accionista D…, SGPS, S.A. (…)” – fls. 39/42 dos autos.
D. No acto de outorga da escritura pública referida em C) a impugnante “F…, S.A.” pagou Imposto de Selo, no montante de 21.000,00 €, correspondente à verba 26.3 da TGIS – fls. 43 dos autos.
E. Em 23/11/2007, as sociedades impugnantes, em coligação, apresentaram um pedido de revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação de imposto de Selo identificados nas alíneas B) e D), com a consequente restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescida de juros indemnizatórios – fls. 44/55 dos autos e 1/12 do processo de revisão oficiosa apenso aos autos.
F. Não foi proferida decisão no âmbito do procedimento de revisão oficiosa a que se alude em E).
G. A petição de impugnação judicial deu entrada neste Tribunal em 01/08/2008 – cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos».
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2.2 DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
A AT veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD em 21 de Maio de 2019 no processo n.º 663/2018-T (Disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=ASC&listPage=392&id=4069.), invocando contradição entre essa decisão e o acórdão (fundamento) do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 1201/17 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f10bab6bc3edec5a8025829d0033feb5.), relativamente ao momento a partir do qual são devidos juros indemnizatórios em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte.
Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
Assim, o regime de interposição do recurso da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo difere do regime do recurso previsto no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre da alínea a) do n.º 2 do referido art. 152.º (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, pág. 230.).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso sub judice.
Assim, e não havendo dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da Recorrente e tempestividade do recurso), há que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.
2.2.2 DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
2.2.2.1 Nos termos do referido art. 25.º, n.º 2, do RJAT, que remete, com as devidas adaptações, para o art. 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes: i) que exista contradição entre essa decisão e um acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito, ii) que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
Vejamos, pois, o que decidiram os acórdãos em confronto – o arbitral, ora sob recurso, e o fundamento –, tendo sempre presente como pano de fundo a questão relativamente à qual foi invocada a contradição de julgados, a da medida no tempo dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão da liquidação por iniciativa do contribuinte.
2.2.2.2.1 A ora Recorrida apresentou no CAAD pedido de declaração da ilegalidade parcial das liquidações de imposto de selo dos anos de 2014 e 2015 e, bem assim, do acto tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado perante a AT, requerendo a anulação desses actos e o consequente reembolso do imposto indevidamente pago e a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
O pedido formulado pela ora Recorrida ao CAAD foi deferido e, no que respeita aos juros indemnizatórios, o Tribunal arbitral deixou escrito o seguinte:
«De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo para o recuso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, e até ao termo do prazo para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que prevê:
Artigo 100.º
Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo
A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do prazo da execução da decisão.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que compreendem nas suas competências, os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao afirmar que “é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.
Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passiva ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante em determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.
Perante o que vem de expor-se, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa, já sinalizado, decide este tribunal singular em condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a data dos pagamentos efectuados até à sua integral devolução».
2.2.2.2.2 Por sua vez, no acórdão fundamento – também ele proferido em uniformização de jurisprudência – estava em causa a decisão arbitral sentença que, conhecendo da impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão de duas liquidações de IRC, condenou a AT a pagar juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à data em que viesse a ocorrer o respectivo reembolso.
2.2.2.2.3 Como resulta do que deixámos exposto supra, as situações factuais nos presentes autos e no processo em que foi proferido o acórdão fundamento são em tudo idênticas: na sequência da procedência do pedido de anulação de uma liquidação de um imposto (Embora o pedido formulado no CAAD seja de declaração de ilegalidade, enquanto o pedido formulado junto do Tribunal Tributário seja de anulação, a diferença é mais de terminologia do que de conteúdo, uma vez que a declaração de ilegalidade da liquidação por parte do CAAD terá, necessariamente, que comportar efeitos anulatórios. Sobre a questão, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária,Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, págs. 110/116.), efectuado na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa efectuado pelo sujeito passivo, ambos os tribunais julgaram no sentido da procedência desse pedido.
E, como resulta também do que deixámos dito, as decisões em confronto deram resposta divergente à questão que a Recorrente erigiu como decidenda no presente recurso por oposição de julgados: a da medida dos juros indemnizatórios que arbitraram ao sujeito passivo.
Verifica-se, pois, a divergência que justifica a prossecução do recurso.
Por outro lado, também não é de ponderar como obstáculo à admissão do recurso que a orientação perfilhada pela decisão arbitral esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que essa jurisprudência, como veremos adiante, é de sentido contrário à perfilhada naquela decisão.
Passemos, pois, ao conhecimento do mérito do recurso.
2.2.3 DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A questão tem-se colocado diversas vezes e tem merecido resposta uniforme, quer na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quer no Pleno da mesma Secção (A título de exemplo, referimos os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 23 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 1201/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f10bab6bc3edec5a8025829d0033feb5;
- de 24 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 99/18.3BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/51a3fd190da40efa802583350054ae9a;
- de 27 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 22/18.5BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a483fda3886e1bcd802583bd005456c9;
- de 8 de Maio de 2019, proferido no processo n.º 116/18.7BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bb965cb6aa7aa5f0802583fb003f0b80;
- de 3 de Julho de 2019, proferido no processo com o n.º 4/19.0BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e141f64ca6e654dc80258435003abc7c.). Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, actualmente consolidada, vamos limitar-nos a remeter para a fundamentação expendida num desses acórdãos do Pleno, o proferido em 27 de Fevereiro de 2019 no processo n.º 22/18.5BALSB:
«A leitura do disposto no art. 61.º, n.º 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário permite concluir que dirigindo-se ele à entidade administrativa lhe confere poder/dever de reconhecer o direito a juros indemnizatórios em benefício do contribuinte em diversas situações sendo que, tratando-se de entidade a quem compete decidir o pedido de revisão do acto tributário a pedido do contribuinte, situação destes autos, tal entidade apenas pode reconhecer esse direito se não for cumprido o prazo legal de revisão do acto tributário. O mesmo é dizer que se tal decisão for proferida dentro do prazo legal não tem a entidade administrativa competência para reconhecer o direito a juros indemnizatórios.
Além do referido normativo dispõe ainda a Lei Geral Tributária, art. 43.º, n.º 3, que: «São também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como se concluiu no acórdão fundamento, e foi reafirmado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01201/17 em 23/05/2018, também a situação dos autos é enquadrável no n.º 3, al. c), do art. 43.º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em 2012 e 2013, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro, até que em 28 de Setembro de 2016, apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário.
Entre 2012 e 2016 decorre um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão, nomeadamente nos três meses seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário usando o processo de impugnação do acto de liquidação.
O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.
A decisão arbitral recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação.».
É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do acto de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do nº 3 do art.º 43º da LGT.
Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de acto ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte, já que o prazo de um ano fixado nesse normativo nem sequer coincide com o prazo de quatro meses que a LGT fixa para a emissão de decisão (art. 57.º, n.º 1)».
No caso sub judice, as liquidações ocorreram e terão sido pagas entre Junho de 2014 e Junho de 2015 (cfr. pontos iv e v dos factos provados). Todavia, o pedido de revisão da liquidação só foi apresentado em 20 de Junho de 2018 (cfr. ponto vi dos factos provados) e, nesta circunstância, os juros só podem ser contados a partir de um ano depois, isto é, a partir de 20 de Junho de 2019.
Assim sendo, não pode deixar de ser revogada a vertente da decisão arbitral que fixou o termo inicial dos juros indemnizatórios nas datas do pagamento do imposto, e de se julgar que esse termo inicial só ocorreu em 20 de Junho de 2019, nesta medida se concedendo provimento ao recurso.
2.2.4 CONCLUSÃO
Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:
Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr. art. 78.º, n.º 1, da LGT) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].
* * *
3. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral no segmento recorrido e declarar que os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado.
Custas pela Recorrida, que não paga taxa de justiça porque não contra-alegou o recurso.
Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2019. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – José Manuel de Carvalho Neves Leitão – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes.