Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EDGAR TABORDA LOPES | ||
Descritores: | NULIDADES DA SENTENÇA COMPRA E VENDA COMERCIAL DEFEITOS PRAZO DE DENÚNCIA DOLO DO VENDEDOR CADUCIDADE DO DIREITO À AÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário:[1]: I – As nulidades da Sentença previstas no artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil correspondem a deficiências da Sentença que não podem confundir-se com erros de julgamento: estes correspondem a uma desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável (haverá erro de julgamento - e não deficiência formal da decisão - se o Tribunal decidiu num certo sentido, mesmo que, eventualmente, mal à luz do Direito). II - No caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada, o que não sucede com a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação. III - A alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º – em abstracto – constitui-se como um vício formal (traduzido num error in procedendo) e susceptível de afectar a validade da Sentença, sendo que a que se reporta à sua 1.ª parte, ocorre quando se detecta um vício lógico traduzido na incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, quando a fundamentação (as premissas) aponta num sentido que está em contradição com a decisão (a conclusão), violando o silogismo judiciário. IV - Cabe ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova. V - O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância, usando um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão (que conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que é correcta, mas também quando se reconheça situar-se numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade). VI - Não há dúvidas de estarmos perante uma compra e venda objectiva e subjectivamente comercial (artigos 2.º, in fine, e 463.º, n.º 1, do Código Comercial) quando vendedora e compradora são sociedades comerciais, tendo a primeira vendido à segunda um veículo para revenda. VII - O prazo de oito dias para a denúncia dos defeitos depende de a compra ser um contrato comercial previsto nos artigos 469.º e 470.º e de que ao defeito da coisa comprada se deva aplicar o regime do artigo 471.º do Código Comercial. VIII – Esse prazo curto de 8 dias não foi estabelecido em benefício do vendedor comercial, mas com o objectivo da celeridade, segurança e certeza na contratação comercial, pelo que sua ratio legis é a de não deixar por muito tempo exposto o vendedor à reclamação por defeitos da coisa vendida, o que seria prejudicial ao tráfico comercial: trata-se de um regime legal destinado a proteger o comércio, mas não a tutelar desonestidades. IX – Há um erro qualificado da compradora, provocado por dolo relevante, quando esse dolo é causa do erro e este, por seu turno, tenha sido determinante do negócio, o que ocorre quando uma vendedora omite à compradora que o veículo que está a vender por €12.999 tem uma avaria na bateria cuja reparação custa €20.000. X - Havendo dolo da vendedora, ainda que a compra e venda tenha natureza comercial, não é aplicável o artigo 471º, do CCom, mas antes os artigos 913º e seguintes e 287.º do Código Civil. XI - Não havendo dúvidas sobre o dolo da vendedora e não podendo ser beneficiada pelo regime do Código Comercial, tendo a compradora tido conhecimento do vício a 30/03/2023 e a acção de anulação do contrato entrado em juízo a 05/09/2023, inexiste qualquer caducidade no exercício do direito desta. XII – Condenando-se a vendedora a devolver o valor do preço facturado à compradora (que incluía IVA), cabe aos intervenientes realizar as operações contabilísticas e fiscais necessárias para corrigir e regularizar a situação em termos fiscais (anulando a factura, emitindo a nota de crédito, e pagando, compensando ou recebendo o que houver a pagar, compensar ou receber). [1] Da responsabilidade do Relator, em conformidade com o n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa[1] Relatório A instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C, LDA. peticionando: i) a declaração de anulação do contrato de compra e venda celebrado entre Autora e Ré relativamente ao veículo automóvel Nissan, modelo Leaf electric drive, com a matrícula ,,-,,-,, ii) a condenação da Ré no pagamento de € 12.999 correspondentes ao valor pago pela viatura objeto do contrato de compra e venda; iii) a condenação da Ré ao pagamento dos frutos de capital por equivalência aos juros calculados em função das taxas bancárias sucessivamente praticadas, desde a data do pagamento do preço de aquisição ao comprador K, em 06/06/2023, até efectivo e integral pagamento. Alega , em suma, a Autora, que: - adquiriu à Ré, por contrato de compra e venda celebrado a 27/02/2023, o veículo automóvel Nissan, modelo Leaf electric drive com a matrícula ,,-,,-,, pelo preço de €12.999; - em 22/03/2023 vendeu o referido veículo automóvel a uma terceira compradora – K – sócia gerente do S, pelo valor de €12.999, acrescido das despesas administrativas no valor de 889,00€, tudo perfazendo o montante total de €13.888; - em 30/03/2023 recebeu uma reclamação da referida terceira compradora, que lhe comunicou que a viatura tinha um problema grave de funcionamento da bateria que impedia o seu funcionamento e que a viatura tinha sido anteriormente utilizada como táxi/uber; - na sequência da referida reclamação resolveu o contrato de compra e venda celebrado com a terceira compradora, procedendo à respetiva restituição do preço recebido pela venda do veículo; - comunicou à Ré os vícios do veículo, pedindo a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre ambos, tendo a Ré declinado qualquer responsabilidade; - existiu um erro-vício na aquisição da viatura, susceptível de conduzir à anulabilidade do negócio, erro respeitante às qualidades do objecto. Citada, veio a Ré apresentar Contestação, defendendo a improcedência da acção e referindo – em síntese – que: - a Autora não invoca nem faz prova da anomalia que reclama e que pretende fazer com o presente processo por via de uma reclamação apresentada por outro comprador; - caducou o direito da Autora em reclamar/denunciar os defeitos da coisa vendida, considerando que estando em causa nos autos compra e venda mercantil, a reclamação/denúncia devia ter sido feita em 8 dias e que só foi realizada ao fim de dois meses. - a viatura em causa nos presentes autos foi muito bem inspecionada pela Autora, no momento de realização do test drive; - antes de adquirir a Autora o veículo, a Autora realizou todos os testes possíveis para verificar possíveis anomalias da bateria; - não entende que problemas graves foram verificados pela Autora e que esta não teve conhecimento antes da venda; - até à presente data a Autora não apresentou qualquer diagnóstico com os problemas que reclama, tendo estes sido apresentados pela terceira compradora. Dispensada a realização de Audiência Prévia, foi proferido Despacho Saneador, fixado o valor da causa (€ 13.019,30), relegando-se o conhecimento de excepções peremptórias para final. Realizada a Audiência de Julgamento veio a ser proferida Sentença, dela constando a seguinte parte decisória: “A. Anular o contrato de compra e venda celebrado entre Autora e Ré; B. Condenar a Ré a restituir à Autora o valor de 12.999,00€ (doze mil novecentos e noventa e nove euros), devendo a A. proceder à devolução do automóvel em causa na presente lide; C. Condenar a Ré a pagar à A. os frutos do capital referido em B., os quais correspondem aos juros calculados em função das taxas bancárias sucessivamente praticadas no mercado, desde a data do pagamento do preço de aquisição ao comprador K, em 06/06/2023, até efetivo e integral reembolso, os quais calculados até à data de 15/07/2023, perfazem o montante de € 20,30. Custas a cargo da R. porquanto ficou totalmente vencida – artigo 527.º do C.P.C. Valor da ação: 13.019,30€ (treze mil e dezanove euros e trinta cêntimos) Registe e Notifique”. É desta Sentença que vem pela Ré interposto Recurso de Apelação, tendo apresentado Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões: “1) Vem o presente Recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a acção declarativa de condenação, movida pela Recorrida contra a Recorrente, e que anulou o contrato de compra e venda celebrado entre a Recorrida e a Recorrente; bem como 2) Condenou a Recorrente a restituir à Recorrida o valor de €12.999,00, bem como os frutos do respectivo capital, desde a data de 06/06/2023 até integral e efectivo pagamento, e que se computam em €20,30 à data de 15/07/2023; 3) E que julgou improcedente a excepção de caducidade do direito da Autora. 4) Da douta sentença se recorre, da matéria de facto e de direito, por se entender que ao improceder a excepção da caducidade do direito da Autora e anular o negócio da venda da viatura ,,-,,-,, com fundamento no dolo, o Tribunal A quo, fez errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis – erro que inquina a sentença de vício de insuficiência de fundamentação e de nulidade – e decidiu com ofensas aos princípios da proporcionalidade e da livre apreciação da prova. 5) O Tribunal A quo errou porquanto ao considerar que o direito da Recorrida não estava precludido, por caducidade, pese embora tenha reconhecido que o contrato de compra e venda celebrado entre a Recorrente e a Recorrida é um contrato comercial; 6) Por se tratar de um contrato comercial aplica-se prazo de reclamação estatuído no art.º 471.º do CCom, ou seja, 8 dias. 7) Prazo que o Tribunal A quo entendeu afastar pelo dolo da Recorrente, argumento que falece por falta de fundamento e prova que o sustente. 8) A norma do art.º 471.º do Ccom, tem como finalidade submeter o contrato de compra e venda comercial a um regime de prazo curto para as reclamações do comprador contra as qualidades da coisa e como razão de ser a necessidade de segurança nas transacções, fundamentais à vida mercantil. 9) Donde decorre que a falta de reclamação dentro deste prazo o direito de reclamar caduca. 10)Ainda assim a Recorrida não interpelou a Recorrente logo que teve conhecimento da alegada anomalia, bem como nada disse à Recorrente no dia 25/05/2023, data em que a Recorrente adquiriu uma nova viatura (Citroen C4 Gran Picasso) à Recorrida. Cfr Doc.2 da Contestação. 11)A existência de um novo negócio, nomeadamente a aquisição de uma nova viatura afasta o dolo , uma vez que a relação comercial se manteve. 12)A douta sentença recorrida sustenta a anulação do negócio da compra e venda da viatura em litígio no dolo da Recorrente. 13) Facto que não ficou provado, quer pela prova documental, quer pela prova testemunhal. 14) O art.º 253.º do CC elenca os requisitos cumulativos do dolo, a saber: o declarante causar uma falsa representação da realidade; a intenção deliberada e induzir em erro a outra parte e o nexo de causalidade entre o erro e a vontade de contratar. 15) Ficou demonstrado que a Recorrente não ocultou da Recorrida informação relevante sobre a viatura em objecto; facultou à Recorrida todos os documentos da viatura, incluindo o documento de inspecção (IPO) que menciona que a viatura foi utilizada como táxi/uber - uma vez que tinha sido inspeccionada nos termos da Lei n.º 45/2018, de 10/08 e estava equipada com um sistema de Car tracking; 16) E bem assim, a Recorrente autorizou a Recorrida a realizar os testes que entendeu fazer antes da concretização do negócio. 17) Na verdade, foi a Recorrida que, intencionalmente, não juntou aos autos o documento de inspecção para poder sustentar o erro-vício para anular o negócio, isto é, que desconhecia que a viatura tinha sido táxi/uber, e assim responsabilizar a Recorrente. 18) Não foi a Recorrente que agiu de má-fé e com dolo. 19) Além da omissão do documento da inspecção do automóvel em objecto, a Recorrida juntou aos autos uma guia de transporte - doc. n.º 6 junto com o requerimento datado de 23.10.2024, ref.ª Citius 15818821 - ilegível, cortada e incompleta quanto aos elementos obrigatórios. 20) Documento que entrou em contradição com o depoimento da testemunha PG, passagem 00:10:13 – 00:10:32 do ficheiro áudio, e que o Tribunal A quo desvalorizou. 21) No que concerne à alegada “anomalia” da viatura em objecto, ficou demonstrado que a Recorrente substituiu a bateria de 12V conforme a Factura Proforma da marca, pagou essa substituição – cfr. Doc. 5 da contestação e requerimento junto nos autos em 02-12-2024 , Ref,163186715 (Factura pagamento). 22) Desde a substituição da bateria, a viatura circulou sem anomalias, mais de oito mil km – confrontando o doc. 5 da contestação com o doc. 1 da p.i.. 23) Acresce o facto de, após a compra da viatura, esta ter ficado parada um mês num parque sem carregar – cfr. depoimento da testemunha PG, passagem 00:08:49 a 00:09:22 do ficheiro áudio. 24) E, na instância da Advogada da Recorrente quando perguntado à testemunha PP se o facto de a viatura ter ficado aquele tempo parada pode ter contribuído para a degradação da bateria, a testemunha respondeu “É óbvio que sim” – passagem 00:34:10 a 00:34:18 do ficheiro áudio. 25) E que uma vez mais, o Tribunal A quo, não analisou. 26) Por outro lado, não existe prova documental que confirme a anomalia da bateria de alta voltagem da viatura em questão e sustente o pedido da Recorrida, ou seja, a Recorrida não juntou qualquer um relatório de diagnóstico que certificasse a existência de danos e da extensão dos mesmos. 27) Nesta senda, o depoimento da testemunha PP, arrolada pela Recorrida, foi esclarecedor de como é feito um diagnóstico a uma bateria de alta voltagem, nos termos recomendados pela marca – passagem 00:14:40 a 00:15:53 do ficheiro áudio; 28) No que respeita aos documentos 13 e 14 juntos com a p.i., são duas estimativas que não provam a necessidade de substituir a bateria de alta voltagem nem estão suportados por um relatório de diagnóstico à bateria para o efeito. 29) Confrontados os documentos supra identificados, com os documentos 5 e 6 da contestação e com o depoimento da testemunha PP, passagem 00:09:31 a 00:10:12, existem diferenças notórias que colocam em causa a autenticidade dos mesmos; 30) No campo “N.º WIP” dos documentos 13 e 14 da p.i., emitidos em 30.03.2023, aparece a numeração 55899, ou seja, a mesma numeração que consta nos documentos 5 e 6 da contestação. 31) De acordo com o depoimento da testemunha PP o n.º WIP, a data e hora da recepção das viaturas é alterado cada vez que dão entrada. 32) Pergunta-se, com o devido respeito, como é que as estimativas docs. 13 e 14 da p.i., têm o mesmo n.º WIP, data e hora de recepção da mesma viatura e que consta dos docs. 5 e 6 da contestação emitidos em data anterior? 33) Algo não bate certo. 34) Assim, devem ser expurgados da Matéria de Facto Provada os factos n.os 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, porquanto não foi produzida prova suficiente para demonstração dos mesmos; 35) Devem ainda ser aditados à Matéria de facto Provada os factos das alíneas a), d) e), nos seguintes termos: a) Que a Autora antes de adquirir a viatura ,,-,,-,,, realizou todos os testes para identificar possíveis anomalias; d) Em Dezembro de 2022, a Ré autorizou a substituição da bateria de 12 V na viatura ,,-,,-,,, por ter sido essa a primeira proposta do gestor de cliente ( NF) da Nissan. e) A reparação autorizada pela Ré em Dezembro de 2022, resolveu o problema da bateria o que permitiu a viatura circular mais de 8 mil quilómetros até à venda à Autora e comprova ter resolvido a anomalia. 36) A douta sentença prolatada não se encontra devidamente fundamentada por não permiti descortinar com clareza o iter lógico que lhe subjaz. 37) Decorrendo da análise que o Tribunal A quo, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 607.º, n.º 7, 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d), todos do CPC, e o art.º 18.º, n.º 2 da CRP, e fez errada interpretação e aplicação dos artigos 287.º, 253.º e 254.º do CC. 38) Razões pelas quais, a decisão em crise deverá ser revogada e substituída por outra que indefira a pretensão da Recorrida e absolva integralmente a Recorrente do pedido Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente Recurso ser considerado procedente, por provado, e, consequentemente, ser proferido Acórdão que absolva integralmente a Recorrente do pedido, em virtude da completa improcedência do mesmo, com que farão Vossas Excelências Assim se fazendo a verdadeira e sã, Justiça”. A Autora apresentou Contra-Alegações, culminadas com as seguintes Conclusões: “1. O Recurso interposto pela Recorrente não pode ser considerado procedente, na medida em que aponta à sentença recorrida vícios de que esta não padece e não tem, do ponto de vista do mérito qualquer cabimento, pelo que a douta sentença recorrida não merece qualquer censura. 2. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal a quo conheceu todas as questões essenciais que lhe foram submetidas, nomeadamente a questão central da validade do negócio jurídico celebrado entre as partes face à atuação da Recorrente. E também não incorreu o tribunal a quo em qualquer erro de Direito como, de resto, a Recorrente nunca logra demonstrar. 3. O recurso interposto pela Recorrente subdivide-se na impugnação da matéria de facto e da matéria de Direito, mas nem uma, nem outra, têm qualquer fundamento, como se verá. 4. Em primeiro lugar, importa relembrar que, na senda do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25/10/2018, Proc: 178/17. 4T8MTJ.L1-2, as provas “(…) são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais”. No entanto, a Recorrente nunca concretiza, de forma juridicamente relevante, de que modo a valoração da prova feita pelo Tribunal a quo teria violado normas legais específicas, limitando-se a contrapor a sua própria interpretação dos factos e das provas. a) Da Impugnação da Matéria de Facto 5. A impugnação da matéria de facto pretendida pela Recorrente não pode proceder, pois o Tribunal a quo decidiu corretamente ao dar como provados os factos 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, com base na valoração crítica e conjugada de toda a prova produzida, em estrito cumprimento do princípio da livre apreciação da prova (art. 607.º, n.º 5 do CPC), não tendo a Recorrente logrado demonstrar qualquer erro de julgamento ou violação de norma probatória, limitando-se a manifestar a sua discordância subjetiva face à convicção formada pelo julgador. 6. O Facto n.º 4 (venda do veículo pela Recorrida a K) encontra-se solidamente provado, desde logo, pelos Docs. 7 e 8 da PI (faturas de venda e despesas administrativas), cuja força probatória não foi contestada. A validade epistémica dos documentos referidos no ponto anterior nunca foi colocada em crise pela Recorrente através de qualquer meio de prova idóneo, sendo o ónus da prova de eventual falsidade da Recorrente (art. 343.º, n.º 2 do CC), ónus esse que manifestamente não cumpriu. 7. Não obstante, a prova da venda referida no Facto n.º 4 é ainda corroborada pela demais prova documental (Doc. 9 - emails com a compradora; Doc. 15 - notas de crédito e comprovativos de devolução; Doc. 16 - resposta à reclamação) e pelos depoimentos convergentes das testemunhas PG e MS, que confirmaram a transação e a subsequente reclamação após a compradora K ter levado o automóvel à oficina Entreposto Carby e lhe ter sido entregue o orçamento para reparação da avaria do sistema EV, relacionada com a necessidade de substituição da bateria de alta voltagem, que já anteriormente havia sido entregue à Recorrente. 8. Pelo exposto, e inexistindo qualquer elemento que pudesse levar o tribunal a quo a considerar que o veículo não havia sido vendido à compradora K, como, de resto, se pode facilmente verificar nos autos, entendemos que deve confirmar-se neste ponto a sentença recorrida, pois o tribunal a quo avaliou de forma adequada as provas ao seu dispor, tendo concluído, corretamente, pela inclusão do Facto n.º 4 na lista dos Factos Provados. 9. Os Factos n.º 5, 6 e 7 (reclamação da compradora K sobre a avaria da bateria, o seu uso como táxi/uber e a sua ida à oficina Carby) resultam claramente provados pela conjugação do Doc. 9 da PI (email de reclamação de K), Doc. 10 da PI (mensagem de erro da viatura), Docs. 13 e 14 da PI (estimativas de reparação em momento prévio e posterior ao negócio entre as Partes) e pelos depoimentos das testemunhas MS e PG. 10. A alegação da Recorrente sobre a "incompletude" do Doc. 9 da PI é irrelevante, pois a convicção do Tribunal fundou-se não apenas naquele documento, mas sim num conjunto mais vasto de provas, e a Recorrente nunca suscitou essa questão ou requereu documentos adicionais na primeira instância, conformando-se com a prova junta. Para além disso, a continuação da conversa por email entre a Recorrida e a compradora K veio mesmo a ser junta, como Doc. 7, com o Requerimento de 11-10-2024, com a Refª Citius 15766843 da Recorrida, nunca tendo sido posteriormente solicitados à Recorrida quaisquer outros documentos, que pelo tribunal a quo, quer pela Recorrente, que teve a oportunidade de o fazer, mas não reagiu no momento processualmente adequado, conformando-se com a prova que existia nos autos. 11. A discussão levantada pela Recorrente sobre a “autenticidade” ou menções da guia de transporte é mais um exemplo de uma questão lateral e inconsequente, que em nada abala a prova robusta da celebração do negócio, da entrega do veículo e da posterior reclamação e devolução do mesmo, factos essenciais que foram devidamente provados com base na globalidade da prova presente nos autos. 12. Cumpre ainda dizer que o tribunal a quo não mencionou como “provado”, especificamente, que o veículo tivesse sido entregue por via de transportadora ou, ao invés disso, levantado no centro logístico, como se pode perceber pela análise da factualidade contestada. Esse facto não teve qualquer relevância para que o tribunal fundasse a sua decisão, pois de nada importa saber qual terá sido o meio de entrega do veículo, quando é manifesto que (i) o negócio foi celebrado, (ii) o veículo foi entregue, (iii) e a compradora K formalizou as suas reclamações atentos os defeitos descobertos e comprovados pelos documentos emitidos pela oficina Entreposto – Carby, sita nos Olivais, tendo (iv) posteriormente sido devolvido à Recorrida. 13. Resulta assim, na globalidade, que os factos n.º 5, 6 e 7 ficam inegavelmente provados como consequência direta da análise dos documentos n.º 9, 10, 13 e 14 da PI, e, bem assim pelos testemunhos de PG e MS, já acima transcritos. Não se verifica que o tribunal a quo tenha desconsiderado qualquer elemento relevante que, por si, fosse capaz de desconsiderar aqueles factos. Nesse sentido, deve a decisão recorrida ser confirmada nessa matéria, mantendo-se na sua totalidade. 14. Os Factos n.º 9, 10 e 11 (perda de interesse da compradora K, devolução do veículo e anulação do negócio entre esta e a Recorrida) estão inequivocamente comprovados pelos Docs. 9, 15 e 16 da PI, que atestam a reclamação legítima da compradora e a subsequente anulação com restituição do preço. Nem poderia ser de outra forma, pois a Recorrida, confrontada com a prova inegável de que o veículo sofria de um dano que não havia sido por ela anunciado, e que lhe foi ocultado pela Recorrente, não tinha outra opção que não a de aceitar a anulação requerida pela compradora K. 15. A Recorrente não logra fazer prova das razões ou elementos que pudessem desqualificar a consideração dos factos 9,10 e 11 como provados, trazendo aos autos meras alegações desprovidas de qualquer sentido e suporte probatório, pelo que também nesta matéria se deve manter integralmente a decisão recorrida, improcedendo a impugnação formulada pela Recorrente. 16. O Facto n.º 12 (conhecimento prévio da Recorrente sobre a avaria do sistema EV e custo de reparação/substituição da bateria de alta voltagem) está demonstrado pelos orçamentos emitidos pela oficina Entreposto Carby (Docs. 13 e 14 da PI e Docs. 5 e 6 da Contestação), os quais foram entregues à Recorrente (aliás, a mesma juntou a estimativa onde consta a recomendação desta reparação) e, de forma lapidar, pelo depoimento da testemunha PP(representante da oficina), que confirmou que a Recorrente recebeu o diagnóstico da avaria grave na bateria de alta tensão e recusou expressamente a sua reparação. 17. Por outro lado, o próprio legal representante da Recorrente, em declarações de parte, admitiu não ter informado a Recorrida sobre os problemas anteriores do veículo aquando da venda, corroborando os depoimentos de todas as testemunhas arroladas pela Recorrida, as quais foram claras e inequívocas quanto ao seu desconhecimento, ao momento da venda, de que a viatura tinha uma reparação orçamentada em valor de cerca de vinte mil euros. Aliás, a própria Recorrente nunca chegou sequer a colocar em crise o facto de nada ter referido à Recorrida acerca dos diagnósticos e problemas que o carro havia tido, razão pela qual andou bem o tribunal a quo ao dar este facto como provado. 18. Quanto à avaria do sistema EV, que carecia da substituição da bateria de alta voltagem para que pudesse ser reparado, o depoimento da testemunha PPé extremamente claro e esclarecedor, pois o mesmo confirma que a Recorrente sabia da avaria que havia sido diagnosticada ao seu carro, relativa aos danos elevados na bateria de alta voltagem, e que expressamente recusou substituir aquela bateria, tendo substituído apenas a bateria de 12v. Como se não bastasse o acervo documental nos autos, que já atesta claramente que era essa a situação, a verdade é que este depoimento do representante da oficina Entreposto Carby, que foi claro e inequívoco, confirma todo o conteúdo daqueles documentos e demonstra, sem sombra de dúvidas, que o carro tinha uma avaria no sistema EV ainda antes de ser vendido à Recorrida, avaria essa que era do conhecimento da Recorrente e que esta, por sua própria escolha, “optou” por não reparar. 19. Mais, quando questionado acerca da substituição da bateria de 12v, a testemunha PPconfirmou ao tribunal a quo que aquela não era apta a reparar o problema da viatura (veja-se o depoimento já transcrito acima, pág. 30). Como é evidente, a oficina Entreposto Carby, representante da marca Nissan, não iria propor à Recorrente esta reparação a menos que entendesse que a mesma era necessária – uma coisa é aquilo que a Recorrente “acha” acerca do erro e avaria detetada; outra bem diferente, e bem mais credível, é aquilo que uma oficina da própria marca diagnosticou após a avaliação do automóvel. E dúvidas não nos sobram de que a avaria era real, que se manifestou e que a Recorrente agiu de forma a ocultá-la para garantir a venda da viatura à Recorrida. 20. Por outro lado, a Recorrente considera que, havendo uma diferença de cerca de 8.000km entre cada uma das estimativas (pois uma é de 2022, quando o veículo era propriedade da Recorrente, e outra é de 2023, quando foi vendido à compradora K pela Recorrida), não pode ser responsabilizada pelos danos verificados. Quanto a isto, nada mais há a acrescentar do que aquilo que a testemunha PPafirmou sobre o assunto, tendo este esclarecido que era possível que o carro circulasse mediante a “limpeza” das mensagens de erro, o que podia ser feito por qualquer oficina com acesso a um aparelho multimarca. 21. Mais, esta testemunha confirmou mesmo que esta era uma prática corrente nos clientes TVDE e ainda revelou que, por vezes, fruto dessa “limpeza” das mensagens de erro aquando da chegada dos carros à sua oficina, passam por vezes dias, e já chegou a meses, a tentar replicar as queixas dos clientes, o que se afigura como a mais provável e lógica explicação para o facto de o automóvel ter circulado cerca de um mês entre a sua saída das oficinas Entreposto Carby e a sua venda à Recorrida (veja-se o seu depoimento, páginas 35-36). 22. O depoimento da testemunha PPfoi considerado pelo tribunal, ao abrigo do princípio da livre apreciação, como bastante credível, isento e esclarecedor, com o que não podemos deixar de concordar, na medida em que esta é a pessoa que melhor conhece o funcionamento destas viaturas e não tem qualquer interesse na resolução do litígio. 23. Os seus esclarecimentos quanto à existência de danos graves na bateria de alta voltagem, e quanto à capacidade destes veículos elétricos circularem com a ajuda do “reset” levado a cabo por aparelhos multimarca, permitiram ao tribunal a quo compreender na totalidade a situação que lhe foi submetida, razão pela qual nenhuma censura nos merece a consideração de que o facto n.º 12 se encontra devidamente provado com recurso aos elementos documentais e testemunhais apontados. 24. O Facto n.º 13 (o desconhecimento da Recorrida de que o veículo havia sido previamente Uber/Táxi) ficou provado pelo depoimento da testemunha JC (avaliador da Recorrida), que afirmou ter-lhe sido dito pela Recorrente que o veículo era de "uso pessoal" (veja-se o seu depoimento, pág. 39), e ainda pelo Doc. 1 da PI, onde a própria Recorrente assinalou que o veículo "não foi utilizado para atividades comerciais". O depoimento daquela testemunha foi claro e inequívoco, ao contrário do depoimento do Legal Representante da Recorrente, o qual, para além de ter um interesse direto na causa, prestou declarações confusas, contraditórias e não logrou convencer o tribunal de que estava a falar verdade, como facilmente se pode verificar pela audição do respetivo ficheiro áudio. 25. Este facto também se deve considerar como devidamente provado, na medida em que a relação comercial existente entre ambas as partes se referia ao facto de a Recorrente ter adquirido à Recorrida algumas viaturas, mas nunca o contrário, pelo 74 que tal em nada significa que isso confirme o conhecimento desta relativamente ao destino dessas viaturas, nem tão pouco chega para inferir que, certamente, a Recorrente lhe estaria a vender um carro TVDE/Táxi, pois esse não é um dado de que tenha de ter conhecimento. 26. Quanto ao Facto n.º 14, e como já se disse, é o próprio legal representante da Ré quem confirma que nunca mencionou à Recorrida quaisquer defeitos do carro relacionados com a estimativa de reparação que lhe foi entregue na Entreposto – Carby, e que considerava que o carro não tinha nenhuma avaria, pelo que nada havia a relatar. Mais se diga que este facto resulta ainda inequívoco das declarações prestadas pelas testemunhas JC e PG, as quais esclareceram que jamais lhes foi indicado que o veículo tivesse qualquer avaria. Por fim, concordamos totalmente com o tribunal a quo quando este aponta para o Doc. n.º 2 da PI, uma vez que aí se diz claramente que “o veículo pode circular”, tendo esse documento sido subscrito pelo legal representante da Ré. 27. É por isso manifesto que o representante legal da Recorrente nada disse à Recorrida acerca do facto de o carro ser utilizado como TVDE/Táxi, e que com essa atitude mais não fez do que manter, de forma voluntária e com a intenção de a enganar, a situação de erro em que essa se encontrava. Para além disso, o legal representante da Recorrente, como se viu, nada disse à Recorrida acerca da visita do automóvel às oficinas da Entreposto – Carby, nem achou relevante referir os danos graves da viatura, pelo que, quanto ao facto n.º 13 e 14 considerados provados na decisão recorrida, nada há a apontar, devendo a mesma manter-se integralmente neste ponto, sendo que a fundamentação apresentada pelo tribunal a quo não nos merece reparos. 28. O Facto n.º 15 (remessa da carta pela Recorrida a pedir a anulação) está provado quanto ao envio, sendo irrelevante a questão da receção para a prova do facto tal como foi considerado provado, pelo que também este se deve manter na sua integralidade. 29. A decisão de considerar não provada a alínea a) dos factos não provados é correta, pois as testemunhas JC,MS e PG confirmaram que a Recorrida realizou os testes standard não invasivos, não tendo meios técnicos nem autorização para proceder à desmontagem da bateria de alta tensão e realizar os testes complexos que a oficina da marca realizou. 30. A decisão de considerar não provadas as alíneas d) e e) dos factos não provados é igualmente correta, pois a prova (documental e testemunhal, nomeadamente o depoimento da testemunha PP, páginas 22-30) demonstrou que a substituição da bateria de 12V (custo irrisório) não era uma "hipótese de reparação"/alternativa para o problema grave diagnosticado na bateria de alta tensão (que tem um custo elevadíssimo), nem era apta a resolver este último, como foi expressamente confirmado ao tribunal a quo, e resulta da análise dos Docs. N.º 13 e 14 da Petição Inicial, dos Docs. N.º 5 e 6 da Contestação). 31. De resto, os elementos probatórios nos autos mais não fazem do que confirmar que a tese da Recorrente de que a reparação de cerca de 77€, através da substituição apenas da bateria de 12v, seria uma alternativa viável à reparação de mais de 13.000€ (sem IVA) é inverosímil e contrária às regras da experiência e à prova produzida, como bem salientou o Tribunal a quo. 32. Cumpre ainda notar que a Recorrente, naturalmente, tenta valer-se do facto do automóvel ter circulado, após aquela visita à oficina da Entreposto, por mais 8.000km, algo que a testemunha PPesclareceu ser possível mediante o apagar das mensagens de erro que várias oficinas permitem, sendo que essa se assume como a razão mais provável para que o carro tenha circulado aqueles quilómetros após ter sido diagnosticado com uma avaria grave na bateria de alta voltagem – neste ponto, o depoimento já transcrito (veja-se, acima, a pág. 36) é cristalino, e fundamenta na totalidade as conclusões do tribunal a quo. 33. Em face de tudo o exposto, deve manter-se na sua totalidade a decisão recorrida no que concerne a factualidade considerada provada e não provada, porquanto não se vislumbra que o tribunal a quo tenha violado qualquer norma na apreciação que fez das provas nos autos, tendo antes chegado a conclusões sólidas e bem alicerçadas no que foi demonstrado documentalmente e na audiência de discussão e julgamento. b) Da Fundamentação de Direito 34. A factualidade provada – conhecimento prévio pela Recorrente da avaria grave e essencial na bateria de alta voltagem, do seu custo de reparação superior ao valor do veículo, do uso do mesmo como táxi/uber, e ocultação deliberada de todas estas informações à Recorrida, assegurando-lhe o contrário – preenche todos os requisitos do dolo enquanto vício da vontade, nos termos dos artigos 253.º e 254.º do Código Civil. 35. A omissão da Recorrente não foi uma "mera omissão", mas sim uma ocultação intencional de factos essenciais que, por dever de lealdade e boa-fé pré-contratual, deveriam ter sido comunicados à Recorrida, constituindo em si mesmo um artifício destinado a manter a Recorrida em erro e determiná-la a adquirir o veículo. 36. Está verificada a dupla causalidade exigida para o dolo relevante: a Recorrente agiu com o propósito de enganar (ou mantendo o erro) a Recorrida, e esta só celebrou o negócio (ou pelo menos naqueles termos) porque foi induzida ou mantida em erro pela conduta da Recorrente, como resulta das regras da experiência e do depoimento da testemunha MS sobre a inviabilidade comercial do veículo. 37. A atuação dolosa da Recorrente torna o negócio anulável, independentemente de estar em causa uma omissão, circunstância que o tribunal a quo levou em conta, para além de tal distinção não resultar da lei, que apenas exige que uma atuação dolosa, levada a cabo pelo “deceptor”, se dirija a conseguir que o enganado preste a declaração que de outro modo não prestaria (veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-01-2005, Proc: 04B4349). 38. A informação omitida pela Recorrente era objetivamente essencial, pois dizia respeito a qualidades intrínsecas do bem (funcionalidade da bateria de alta tensão e tipo de utilização prévia) que o desvalorizavam completamente ou alteravam substancialmente o seu valor e apetência comercial. Ocultar, como a Recorrente ocultou, que a viatura que vendia carecia de uma reparação cujo valor era estimado em cerca de vinte mil euros, quando esta foi vendida por doze mil euros, tem evidentemente de ser considerada uma atuação dolosa e totalmente violadora dos princípios da boa-fé e da lealdade. 39. A Recorrida, sem prejuízo de ser uma comerciante e atuar no mercado de compra e venda de automóveis, não tem, naturalmente, a capacidade para fazer a um carro elétrico todos os testes que uma oficina, da própria marca, é capaz de fazer. No entanto, a Recorrente, que levou o automóvel a uma oficina da marca, recebeu o seu diagnóstico e dispunha do mesmo, tinha a obrigação de ter informado a Recorrida desse facto, na medida em que sabia, e não podia desconhecer, que o veículo não tinha qualquer valor comercial atento esse defeito, o que era razão mais do que suficiente para o negócio não se realizar. 40. Considerando o exposto supra, andou bem o tribunal a quo ao determinar que se encontravam verificados todos os pressupostos para a anulação do negócio por dolo (art. 253.º CC), atendendo, assim à pretensão da Recorrida, devendo a decisão recorrida manter-se integralmente neste ponto. 41. Estando a anulabilidade do negócio fundamentada em dolo da Recorrente (vendedora), não são aplicáveis os prazos curtos para denúncia de defeitos previstos no art. 471.º do Código Comercial, na medida em que aqueles se dirigem a afastar os erros visíveis ou facilmente perceptíveis. 42. Também não é aplicável o prazo previsto nos artigos 916.º e 917.º do Código Civil, como bem decidiu o Tribunal a quo e confirma a jurisprudência maioritária, uma vez que esses normativos excluem expressamente as situações de dolo (veja-se, para além do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referido pelo tribunal a quo, e entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28/04/2022, Proc: 422/19.3T8VRL.G1). 43. O que se impõe em casos como o presente, em que a Recorrida foi verdadeiramente enganada pela Recorrente, era, então, tentar uma resolução extrajudicial de anulação do negócio ou intentar a competente ação de anulação – o que foi feito. 44. Face ao exposto, o prazo para intentar a referida ação de anulação não pode ser outro senão o que vem estabelecido no art. 287.º do CC, ou seja, de um ano a contar da data em que a Recorrida teve conhecimento do vício (30.03.2023). Tendo a Recorrida intentado a ação em 05.09.2023, o seu direito foi exercido tempestivamente, decorridos 5 meses e seis dias desde que teve conhecimento do defeito. 45. Assim, deverá também neste ponto improceder totalmente a pretensão da Recorrente, devendo manter-se integramente o decidido na decisão recorrida, que concluiu corretamente pela não caducidade do direito da Recorrida de requerer a anulação do negócio jurídico aqui em causa. c) Conclusãp 46. Em conclusão, e face ao exposto, deve ser considerado totalmente improcedente o recurso apresentado pela Recorrente, na medida em que: a) O tribunal a quo não cometeu, ao longo da sua análise que culminou na emissão da decisão recorrida, qualquer omissão de pronúncia, nos termos em que a mesma vem configurada na lei (alínea d), do n.º 1 do art. 615.º do CPC); b) O tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões que foram submetidas à sua apreciação, tendo dado cabal resposta à questão principal dos autos e para essa resposta considerado a avaliação de todas as questões que lhe foram submetidas, tudo culminando numa decisão lógica e que não nos merece censura, em total respeito do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC. c) O tribunal a quo, considerando os factos que deu por provados (o que fez em total cumprimento dos poderes que lhe estão conferidos pela lei, e sem violar qualquer normativo), não incorreu em qualquer erro de Direito, tendo aplicado o mesmo de forma correta e alicerçada na letra e espírito da lei e na jurisprudência e prática constante dos tribunais superiores. 47. Pelo exposto, não assiste razão à Recorrente em nenhum dos fundamentos do recurso, devendo a douta sentença recorrida ser integralmente confirmada tanto quanto à matéria de facto quanto à matéria de Direito. Nestes termos e nos melhores de Direito doutamente supridos por Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença 81 proferida pelo Tribunal a quo, só assim se fazendo a habitual e acostumada JUSTIÇA”. ** Questões a Decidir São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na Petição Inicial, como refere, Abrantes Geraldes[2]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso. In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará verificar: I – da existência de alguma nulidade da Sentença, por falta de fundamentação e não permitir “descortinar com clareza o iter lógico que lhe subjaz” (artigo 615º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil); II - se alguma da factualidade apurada se mostra adequadamente colocada em causa e, na afirmativa: i- se os factos provados 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, devem passar a constar como não provados; ii- se os factos não provados a), d) e e) devem passar a constar como provados; III - se a acção se mostra correctamente decidida em função da factualidade apurada, nomeadamente no que respeita à apreciação da eventual caducidade da acção por estar em causa um contrato de natureza comercial, com prazos próprios, à da verificação do dolo da Ré e à da sua condenação ter incluído os valores de IVA. ** Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir. * Das nulidades A nulidade invocada reporta-se a uma putativa falta de fundamentação e ambiguidade da Sentença, nos termos previstos pelo artigo 615.º do Código de Processo Civil. As nulidades da decisão previstas neste normativo (como, aliás, já ocorria com as previstas no artigo 668.º do anterior Código) são deficiências da Sentença que não podem confundir-se com erro de julgamento: este corresponde a uma desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável (haverá erro de julgamento - e não deficiência formal da decisão - se o Tribunal decidiu num certo sentido, mesmo que, eventualmente, mal à luz do Direito). Assim, prevê o n.º 1 do referido artigo 615.º que será nula a Sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Para o que releva nos presentes autos, a Ré entende que a Sentença prolatada não se encontra devidamente fundamentada por não permitir descortinar com clareza o iter lógico que lhe subjaz. Trata-se de um caso paradigmático da aludida confusão entre deficiências da Sentença e erros de julgamento: o que a Recorrente diz é que há factos em desacordo com a prova produzida, mas se tal ocorre ou não, adiante se verificará na sede adequada[3], não em sede de apreciação de nulidades da Sentença. A Recorrente discorda das opções tomadas, discorda do entendimento do Tribunal, mas isso não constitui nulidade da Sentença… Sublinhe-se que a nulidade invocada reportada à alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º reconduz-se à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito na Sentença, ou mesmo à sua ininteligibilidade, sendo certo que a jurisprudência tem – de forma uniforme – entendido que apenas se considera abrangida a absoluta falta de fundamentação[4], mas já não uma fundamentação (alegadamente) insuficiente ou desacertada. Com este entendimento, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Junho de 2016 (Processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1-Fernanda Isabel Pereira) escreveu que o “dever de fundamentar as decisões tem consagração expressa no artigo 154º do Código de Processo Civil e impõe-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento ou fundamentos[…]. Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º[5]citado, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, p. 670/672), ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. Só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada”[6]. No mesmo sentido, vide, também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de Março de 2021 (Processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1-Leonor Rodrigues), onde se destaca de forma assertiva que: - só “a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil”; - esta nulidade “pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente”; - se verifica “tal nulidade quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão e não contradição entre os factos provados e a decisão, ou contradições da matéria de facto, que a existirem, configuram eventualmente erro de julgamento”. O sempre pertinente José Alberto dos Reis, sobre a matéria escrevera já no V volume do seu Código de Processo Civil Anotado, que havia “que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada” e que o “que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”[7]. Neste contexto, facilmente se conclui que não assiste qualquer razão à Recorrente quanto a esta putativa nulidade: a decisão está profusamente fundamentada e é coerente e compreensível, sendo perceptíveis as razões que levaram o Tribunal às suas conclusões (e por referência aos factos que deu como provados e não provados). A Decisão pode estar errada, pode haver um erro de julgamento, mas não há qualquer vício que a afecte, pela via invocada. Improcede, assim, a invocação da nulidade em causa. *** Quanto à invocada nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º reporta-se a uma putativa (e mal explicada[8]) ambiguidade resultante dos factos provados e não provada e a decisão tomada. Também esta nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º – em abstracto – se constitui como um vício formal (traduzido num error in procedendo) e susceptível de afectar a validade da Sentença, escrevendo Abrantes Geraldes-Paulo-Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, que a “nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente (STJ 8-9-21, 1592/19, STJ 3-3-21, 3157/17, STJ 29-10-20, 1872/18)”[9]. Francisco Ferreira de Almeida, por seu turno, afirma que a oposição entre os fundamentos e a decisão corresponde a uma «construção viciosa», ou seja, corresponde a “um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendia – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional”[10]. Ou seja e como se assinala no Acórdão de 05 de Fevereiro de 2020 (Processo n.º 3294.11.2TBBCL.G1.S1-Maria do Rosário Morgado), a “nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º, do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença” sendo que, constituindo “a sentença um silogismo lógico-jurídico (cf. art. 607º, do CPC), de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade – como tem sido unanimemente afirmado na doutrina e na jurisprudência - só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído”. Na síntese perfeita do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2023 (Processo n.º 1603/19.5T8EVR.E1.S1-Fernando Baptista de Oliveira), a “nulidade da sentença consubstanciada na oposição entre os fundamentos e a decisão (que nada tem a ver com um simples erro material, nem é confundível com o chamado erro de julgamento) traduz um vício lógico da sentença/decisão que a compromete: se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”. No caso em apreço, inexiste qualquer contradição, estando o decidido em perfeita consonância lógica e coerente com a fundamentação e o raciocínio apresentados, inexistindo qualquer erro lógico-discursivo patente, não se vislumbrando qualquer ambiguidade ou falta de clareza no decidido A Recorrente discorda das conclusões tiradas pelo Tribunal quanto à valoração que fez da prova produzida, mas esta, podendo ser errada, não carece de lógica e é compreensível, pelo que – claramente - não existe a nulidade apontada. Improcede, assim, a invocação da nulidade em causa. ** Fundamentação de Facto O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade[11]: 1. A Autora tem por objecto social, nomeadamente, a aquisição, detenção da titularidade e venda de veículos, bem como a prestação de todos os serviços relacionados, nomeadamente com armazenamento e transporte de veículos. 2. A Ré exerce actividade de comércio de veículos automóveis ligeiros. 3. No dia 27/02/2023 a Autora adquiriu à Ré o veículo automóvel marca Nissan, modelo Leaf electric drive 110, Kw 3.0, com a matrícula ,,-,,-,,, do ano 2019, e n.º de chassis SJNFAAZE1U007019, pelo preço de €12.999. 4. No dia 22/03/2023 a Autora vendeu o veículo identificado no ponto anterior a K – sócia gerente do Stand…, por leilão eletrónico realizado no site www.auto1.com, pelo valor de €12.999, acrescido das despesas administrativas no valor de €889, perfazendo o montante total de €13.888. 5. Em 30/03/2024 a Autora recebeu uma queixa da compradora K na qual esta informa que o veículo com a matrícula ,,-,,-,, tinha um problema da bateria que impedia o seu carregamento além dos 50% e impossibilita que o mesmo arranque e circule. 6. Na mesma queixa, a compradora K informou a Autora que a viatura ,,-,,-,, tinha sito utilizada como táxi/uber e que a mesma estava equipada com sistema de car tracking, 7. No dia 30/03/2023, a compradora K dirigiu-se ao Entreposto da Nissan – Carby, sito nos Olivais, onde até à data tinham sido realizadas todas as revisões da viatura com a matrícula ,,-,,-,,. 8. Em data anterior à celebração do contrato de compra e venda entre a Autora e a Ré, o Entreposto Nissan Carby dos Olivais tinha fornecido à Ré um orçamento destinado ao conserto de um problema do sistema EV, no valor líquido de 16.434,87€, acrescido de IVA à taxa legal aplicável, perfazendo o montante total de 20.214,89€, o qual não tinha sido realizado. 9. A compradora K, em virtude do problema existente no veículo relacionado com o sistema EV (e respectivo custo de reparação) e pelo facto de o mesmo ter sido utilizado para táxi/uber, perdeu interesse no veículo e solicitou à Autora, em 30/03/2023, a extinção do negócio consigo celebrado. 10. Em 22/05/2023 a compradora K devolveu o veículo ,,-,,-,, à Autora. 11. Em 07/06/2023 a Autora e K, por entenderem que a viatura em causa na lide não correspondia àquilo que tinha sido anunciado, acordaram na extinção do contrato de compra e venda celebrado, tendo sido restituído o preço recebido. 12. No momento da venda do bem à Autora, a Ré tinha pleno conhecimento da avaria do sistema EV do veículo automóvel com a matrícula ,,-,,-,, e respectivo custo de reparação e, ainda assim, não a informou a Autora. 13. A Ré, antes da celebração do acordo mencionado em 3, mormente na fase das negociações, não informou a Autora que o veículo com a matrícula ,,-,,-,, havia sido por si utilizado como táxi/uber. 14. A Ré, antes da celebração do acordo mencionado em 3, mormente na fase das negociações, assegurou à Autora que o veículo com a matrícula ,,-,,-,, não tinha qualquer avaria que condicionasse o normal uso e funcionamento do veículo. 15. A Autora, através da sua mandatária, remeteu em 26.5.2023, por meio de carta registada com aviso de recepção, uma carta onde indica as mencionadas imperfeições do veículo, mais tendo sido solicitada pedindo a anulação do contrato de compra e venda entre ambas celebrado. 16. A Ré em 25.05.2023, adquiriu à Autora, uma viatura de 7 lugares de marca Citroen C4 Gran Picasso. 17. A Ré presta serviços na plataforma UBER. 18. A Ré já adquiriu à Autora diversas viaturas. *** O Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida[12]: a) Que a Autora antes de adquirir a viatura ,,-,,-,, realizou todos os testes para verificar as possíveis anomalias da bateria; b) Que a Autora tenha comunicado à Ré por via telefónica em 28.4.2023 a existência de desconformidades na viatura e a intenção de extinguir o acordo; c) A venda referida em 3 da matéria provada, deveu-se à necessidade da Ré obter liquidez para adquirir uma viatura de 7 lugares para o exercício do seu comércio; d) Em Dezembro de 2022 a pedido da Ré foi realizada a substituição da bateria ,,-,,-,,, sendo que na ocasião foram sugeridas duas hipóteses de reparação; e) A reparação ordenada pela Ré em Dezembro de 2022 era apta a resolver o problema da bateria. **** Apreciação da Matéria de Facto O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Neste momento processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa por afirmar que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”[13]. Como, aliás, assinala o Conselheiro Tomé Soares Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Setembro de 2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”. Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[14], nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de: 1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a); 2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c). Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[15], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[16], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[17]. Como pano de fundo da apreciação a fazer dos factos que estejam em causa, também a circunstância de não se proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação “não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)” (Acórdãos da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos[18] e da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019, Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco). Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1-Tomé Gomes) “a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC. É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC. Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1 do referido artigo 640.º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”. Na mesma linha, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2015 (Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1-Lopes do Rego), escreve-se que “é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes. Ora, se é certo que – relativamente ao cumprimento de tais ónus, primário e secundário – não se permite a formulação de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito: como é óbvio, a ausência de objecto delimitado e de fundamentação minimamente concludente da impugnação deduzida deverá ditar, de forma inevitável e em termos proporcionais, a liminar rejeição do recurso quanto à matéria de facto. Pelo contrário, o incumprimento do referido ónus secundário, tendente apenas a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, deverá ser avaliado com muito maior cautela […]. Para além disto, importa realçar a distinção que se impõe efectuar entre aquilo que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objecto do recurso e o que se encontra já abrangido pelo âmbito da reapreciação da decisão de facto, devidamente impugnada, mediante a reavaliação da prova convocada e tida por relevante”. Neste contexto, verificadas as Alegações e Conclusões da Recorrente quer o corpo das Alegações, quer as Conclusões, cumprem minimamente – em termos formais – o que o já referido artigo 640.º determina. Assim, o que a Ré pretende é que os Factos 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, passem a constar como não provados. Assim, quanto ao Facto 4 (No dia 22/03/2023 a Autora vendeu o veículo identificado no ponto anterior a K – sócia gerente do Stand por leilão eletrónico realizado no site www.auto1.com, pelo valor de €12.999, acrescido das despesas administrativas no valor de €889, perfazendo o montante total de €13.888) entende a Recorrente que inexiste prova documental idónea que o sustente. Por seu turno, a Recorrida entende que nada há a alterar ao decidido e fundamentado na Sentença. O Tribunal a quo, quanto a este facto escreveu o seguinte: “O facto dado como provado no Ponto (4) resulta da análise crítica do Doc. n.º 7 junto com a Petição Inicial, que é uma fatura/recibo emitida pela A., em 27/03/2023, a favor de K, relativa à venda do veículo com a matrícula ,,-,,-,,, pelo valor de 12.999,00€ e do Doc. n.º 8 que é uma fatura emitida pela Autora a favor de K relativa às despesas administrativas relacionadas com o contrato de compra e venda celebrado, no valor de 889,00€. Não existe qualquer elemento probatório que coloque em crise a validade epistémica dos mencionados documentos”. Não tem razão a Recorrente. De facto, a decisão do Tribunal a quo é acertada e não merece reparos, quer em função dos referidos documentos cuja validade nunca foi colocada em causa (e caberia à Ré fazê-lo), quer pelos mails trocados entre a Recorrida e compradora K (documento 9, junto com a Petição Inicial), quer pela resposta da Recorrida à reclamação desta e confirmação de que lhe seria devolvido o montante pago (documento 16, da Petição Inicial), quer pelas notas de crédito e comprovativos de transferências (documento 15, junto com a Petição Inicial). Prova esmagadora e irrefutável, sendo irrelevantes as considerações formuladas pela Recorrente Nada a alterar, portanto. * Quanto aos Factos 5 (Em 30/03/2024 a Autora recebeu uma queixa da compradora K na qual esta informa que o veículo com a matrícula ,,-,,-,, tinha um problema da bateria que impedia o seu carregamento além dos 50% e impossibilita que o mesmo arranque e circule), 6 (Na mesma queixa, a compradora K informou a Autora que a viatura ,,-,,-,, tinha sito utilizada como táxi/uber e que a mesma estava equipada com sistema de car tracking), 7 (No dia 30/03/2023, a compradora K dirigiu-se ao Entreposto da Nissan – Carby, sito nos Olivais, onde até à data tinham sido realizadas todas as revisões da viatura com a matrícula ,,-,,-,,), 9 (A compradora K, em virtude do problema existente no veículo relacionado com o sistema EV (e respectivo custo de reparação) e pelo facto de o mesmo ter sido utilizado para táxi/uber, perdeu interesse no veículo e solicitou à Autora, em 30/03/2023, a extinção do negócio consigo celebrado), 10 (Em 22/05/2023 a compradora K devolveu o veículo ,,-,,-,, à Autora), 11 (Em 07/06/2023 a Autora e K, por entenderem que a viatura em causa na lide não correspondia àquilo que tinha sido anunciado, acordaram na extinção do contrato de compra e venda celebrado, tendo sido restituído o preço recebido), fundamenta a Recorrente a sua pretensão na incompletude do documento 9 da Petição Inicial, na leitura do depoimento das testemunhas MS e PG, na não junção de documentos, na falta de autenticidade da guia de transporte e em suspeições sobre o conjunto da prova produzida. A Autora entende nada haver a alterar, considerando irrelevantes as considerações da Recorrente. O Tribunal a quo escreveu o seguinte quanto a estes Factos: “Os factos dados como provados nos Pontos (5), (6) e (7) resultam da análise crítica e conjugada dos Docs. n.º 9, 10, 13 e 14, juntos com a Petição Inicial, que são, respetivamente, a reclamação e demais documentos apresentados por K, enviados para a Autora, na qual aquela informa que o veículo objeto do presente processo tinha um problema nas baterias EV e que havia sido utilizado como táxi/uber, informação que lhe foi prestada pela oficina Entreposto Nissan dos Olivais, local onde o referido veículo havia realizado anteriormente todas as revisões periódicas e onde se deslocou. Resultaram estes factos igualmente provados pelas declarações da testemunha MS, que prestou um depoimento claro, preciso, objetivo e direto, esclarecendo que teve conhecimento da reclamação apresentada à Autora pela compradora K, bem como da deslocação desta à oficina Nissan, onde lhe foi apresentado um orçamento para reparação do sistema EV, igual àquele que já havia sido apresentado à Ré. Esse orçamento foi elaborado antes da celebração do contrato de compra e venda com a Autora. Foram igualmente estes factos dados como provados pelas declarações prestadas pela testemunha PG, que prestou um depoimento objetivo, sincero e isento, tendo afirmado ter tomado conhecimento da reclamação apresentada pela compradora K, por ter sido o depoente que a recebeu, na qualidade de trabalhador na Autora. Esclareceu ainda esta testemunha que K informou que a bateria do veículo em causa nos autos não carregava mais do que 50% e que se havia deslocado às oficinas da Nissan, onde lhe haviam prestado o mesmo orçamento que já haviam, em momento anterior, apresentado à Ré.(…) Os factos dados como provado nos Pontos (9), (10) e (11) resultam da análise critica do Doc. n.º 9 junto com a Petição Inicial, de onde resulta que a compradora K perdeu o interesse no negócio celebrado com a Autora, em virtude do veículo por si adquirido se encontrar com uma avaria no sistema EV e por ter sido utilizada para transportes de pessoas – táxi e uber, factos que desconhecia aquando da celebração do negócio com a Autora. Tais factos ficam igualmente provados pela análise crítica e atenta dos Doc’s n.º 15 e 16 juntos com a Petição Inicial, de onde resulta que foi restituído à compradora K o valor por si pago quer pelo veículo, quer pela quantia a título de despesas administrativas. Aliás, perante a informação que recolheu junto da Nissan, no sentido de ser necessário a substituição da bateria EV (esse componente é, na prática, aquilo que dá valor comercial à viatura) não se vislumbra uma outra conduta que não seja solicitar a extinção da compra e venda. E perante a clareza da declaração da Nissan (traduzida no orçamento/estimativa de reparação) também não se alcança em que medida a A. poderia duvidar dessa informação. Na verdade, nada nos autos demonstra que a solução proposta para a solução do problema (aquela que foi transmitida primeiramente à Ré) seja provisória ou meramente perfunctória (bem pelo contrário). Qualquer uma das testemunhas arroladas pela A. confirmam de forma plena a veracidade daqueles factos”. Compulsada toda a prova documental junta e verificados (ouvidos) os depoimentos prestados na Sessão de 02/12/2024 (PG, MS PP; JC, IA-declarações de parte da Ré), só podemos concluir pala total ausência de razão da Ré, a qual se perde em dúvidas, insinuações e conclusões desajustadas, nomeadamente a propósito de questões absolutamente laterais e inócuas (como é o caso do que respeita à guia de transporte). De notar, entretanto, que as declarações de parte da Ré foram totalmente inconsistentes, defensivas e insusceptíveis de contrariar as das testemunhas da Autora, nomeadamente quanto ao estado do veículo, à sua (re)venda e à anulação desta. A Ré, nitidamente, tentou tapar o sol com uma peneira e, não estando a reparação da bateria principal abrangida pela garantia, reparou a mais pequena, retirou as mensagens de erro e vendeu o veículo à ora Autora, sem fazer referência ao problema quer sabia que ele tinha. A situação é tanto mais constrangedora que só com uma enorme falta de pudor se pode afirmar que não seria relevante comunicar ao comprador que estava a comprar por €12.999, um veículo (que sabia, sem lugar a dúvida razoável) necessitar de uma reparação no valor de €20.214,89 (Facto 8)… O comportamento da Ré, é – ostensivamente – deliberado! Assim, nada há a dizer quanto aos Factos 5, 6, 7, 9, 10 e 11: os documentos 9-reclamação K, 10-mensagem de erro do veículo, 13 e 14-estimativas da Entreposto-Carby, para reparação do problema detectado no automóvel da Petição Inicial, e 7 do Requerimento de 11-10-2024, conjugados com os depoimentos das testemunhas MS e PG (ambos claros, objectivos, isentos, coerentes), não permitem conclusões distintas, inexistindo quaisquer dúvidas sobre a celebração do contrato com a compradora K, a entrega do veículo, a reclamação apresentada e os defeitos constatados, bem como sobre a natural e consequente anulação do contrato. Por outro lado, também os Factos 12 (No momento da venda do bem à Autora, a Ré tinha pleno conhecimento da avaria do sistema EV do veículo automóvel com a matrícula ,,-,,-,, e respectivo custo de reparação e, ainda assim, não a informou a Autora), 13 (A Ré, antes da celebração do acordo mencionado em 3, mormente na fase das negociações, não informou a Autora que o veículo com a matrícula ,,-,,-,, havia sido por si utilizado como táxi/uber), 14 (A Ré, antes da celebração do acordo mencionado em 3, mormente na fase das negociações, assegurou à Autora que o veículo com a matrícula ,,-,,-,, não tinha qualquer avaria que condicionasse o normal uso e funcionamento do veículo), 15 (A Autora, através da sua mandatária, remeteu em 26.5.2023, por meio de carta registada cm aviso de recepção, uma carta onde indica as mencionadas imperfeições do veículo, mais tendo sido solicitada pedindo a anulação do contrato de compra e venda entre ambas celebrado), o entendimento é semelhante: - quanto ao Facto 12, não há – desde logo – qualquer dúvida sobre o conhecimento da Ré da avaria do sistema eléctrico do veículo, o que decorre com clareza das declarações de parte desta, concatenadas com o depoimento da testemunha PP(particularmente credível, isento e esclarecedor, que confirmou que a Ré não quis proceder à reparação mais cara – a da bateria de alta voltagem – permitindo apenas a da bateria de 12v[19], deixando claro o contexto do defeito e da sua não reparação) e os documentos 5 e 6 da Contestação (factura e estimativa de reparação). A este propósito, diga-se e sublinhe-se, o trabalho de análise crítica do Tribunal a quo, foi exemplar: “A testemunha PP, que depôs de forma credível, isenta, objetiva e esclarecedora, referiu que conhecia a Ré por ter sido sua cliente nas oficinas da NISSAN automóveis, onde exerce funções de gestor. Logo no inicio do seu depoimento foi lapidar: acreditou que a questão que se suscitava nos presentes autos prendia-se precisamente com a viatura Nissan LEAF com a matricula ,,-,,-,, porquanto consta dos ficheiros da empresa que o problema detetado (veja-se o doc. n.º6 – estimativa de reparação) não tinha dado origem a qualquer reparação. Neste contexto, esclareceu esta testemunha de forma pormenorizada a realidade fáctica quanto à avaria existente no veículo em causa nos presentes autos. Nesta esteira, clarificou que o veículo esteve sensivelmente 8 meses nas instalações da Nissan e que a Ré, à época proprietária da viatura, não autorizou a substituição da bateria de alta voltagem. Resultou ainda do depoimento desta testemunha que foi feita a substituição da bateria de 12 v, esta sim autorizada pela Ré, uma vez que sem a substituição não seria possível fazer o diagnóstico de avarias existentes no veículo. Confrontada a testemunha com os Documentos n.º 5 e 6 juntos com a Contestação, esta esclareceu que a oficina recomendou à Ré a substituição da bateria de alta voltagem, uma vez que o custo associado não justificava uma reparação da bateria já existente, o que a Ré declinou. Mais enfatizou que a reparação da viatura não era viável com a substituição da bateria de 12 v. (não existindo, portanto, dois orçamentos de reparação). O depoimento é bastante claro e inequívoco: o doc. n.º6 a que vimos fazendo referência traduz aquilo que a marca preconiza para solucionar o problema apresentado pela viatura. A marca não apresentou mais do que uma solução. Mais esclareceu que a fatura pró-forma apresentada como doc. n.º5 deu origem a uma fatura, porquanto a substituição da bateria de 12 V foi o único ato que o cliente autorizou realizar. Como se disse, sem esse ato não era possível realizar o diagnóstico. Vincou também de forma inabalável que o nível de dano na bateria EV era elevado, isto é, grave. Logo, a única intervenção a realizar apta a corrigir o problema seria a substituição da bateria EV (doc. n.º6). Como se disse, estivemos perante um depoimento claro, preciso, objetivo, seguro, com conhecimento de causa, sendo mesmo a única pessoa ouvida em juízo que demonstrou ter conhecimentos técnicos sobre esta factualidade. Acresce que não tem qualquer interesse direto ou indireto na resolução do litigio, nem o seu depoimento é infirmado por qualquer outro meio de prova. Por último e não de somenos importância para o caso que ora nos ocupa, esclareceu também PP, fruto da sua elevada experiência profissional, que é possível, com recurso a máquinas existentes nas suas oficinas (e em outros estabelecimentos de reparação automóvel – máquina multimarca), apagar as avarias existentes nos veículos elétricos (o que também sucede nos carros a combustão) e que só após este procedimento é que estes veículos podem voltar a circular. Mais informou que é plausível (falamos de uma possibilidade concreta e real, não meramente abstrata) que depois de apagados os erros da Centralina, a viatura circule algum tempo sem que surja nova mensagem de erro (o que, por vezes, dificulta que a avaria seja detetada novamente pela oficina, caso tenha havido esse procedimento de eliminação da mensagem). Tal comportamento permite que a viatura circule por tempo mais ou menos indefinido sem surgir nova mensagem de erro. Adiantou que é plausível que tal tenha sucedido no caso dos autos. Neste aspeto foi igualmente claro e concludente: há oficinas que apagam estas avarias para o carro poder circular; tem sido detetado que é um procedimento habitualmente utilizado por empresas TVDE (ida às oficinas para apagar códigos); que esta viatura poderia circular vários dias sem surgir qualquer aviso ou alerta e, nessa medida, passar numa avaliação; e que é perfeitamente possível andar mais de 8 mil quilómetros com este problema (algo que a Ré diz não ser possível). Ora, se o veículo em causa nesta lide entrou na oficina da Nissan de reboque - porque tinha uma avaria que o impedia de circular - e, conforme referiu o legal representante da Ré, em sede de declarações de parte - saiu da oficina a circular sem que tenha sido trocada a bateria EV, conclusão diferente não pode ser retirada senão a de que foram apagadas as avarias existentes na viatura. Facto este que a testemunha PPconsidera altamente provável, dado que o carro terá de circular pelas instalações da oficina quando se procede à sua reparação. É manifesto da prova produzida em juízo, mormente pela pessoa que melhor conhece o funcionamento destas viaturas e não tem qualquer interesse na resolução do litigio (testemunha PP), que a troca da bateria de 12 v não resolvia o problema existente no sistema EV do veículo. O que a troca da bateria de 12 v permitia, conforme resultou provado, é que fosse feito o diagnóstico de avarias existentes na viatura e que esta circulasse mais quilómetros, sem a substituição da bateria de alta voltagem. Ora, todos estes dados estavam na plena esfera de conhecimento do legal representante da Ré. Do exposto, resultou provado que a Ré tinha conhecimento da existência da avaria do sistema EV e do seu custo da reparação; e que muito pouco tempo depois de levantar a viatura rapidamente procedeu à sua alienação à A.. Não tem qualquer cabimento afirmar (por violar as regras de experiência comum) que uma pessoa medianamente instruída, diligente e sagaz, ignore a informação dada pela oficina de que é necessário substituir um componente fundamental. Ainda que tenha dúvidas sobre a validade do diagnóstico, certamente teria procurado outra opinião de modo a aferir da assertividade da valoração efetuada pela Nissan”. A Recorrente volta a tapar o sol com a peneira, mas ele continua a passar, quando escamoteia o problema da bateria de alta voltagem. Era aí que residia o problema principal. E por muito que se “enganasse a máquina”, com o apagamento de mensagens de erro, mais cedo ou mais tarde o problema voltaria ao de cima, como efectivamente voltou, tendo – evidentemente – o mesmo diagnóstico. Repare-se que não está sequer em causa uma “oficina de esquina”, mas a oficina da marca, que nem sequer tem interesse na acção, relevando aqui o depoimento da testemunha PP, onde se deixam clarificadas e explicadas todas as dúvidas da Recorrente (nomeadamente os 8 mil Km que a viatura ainda circulou…). Sejamos claros: diagnosticada a avaria, a Recorrente optou por não a reparar e preferiu vender a viatura nesse estado, fazendo ainda uma nova de não informar a compradora. Nada a alterar quanto a este ponto, como é evidente. - quanto ao Facto 13 (A Ré, antes da celebração do acordo mencionado em 3, mormente na fase das negociações, não informou a Autora que o veículo com a matrícula ,,-,,-,, havia sido por si utilizado como táxi/uber), a Recorrente pretende que tal não corresponde à verdade até porque tem mais relacionamentos comerciais com esta e o seu Código CAE é o da actividade de táxi/uber. O Tribunal a quo volta aqui a ser particularmente sólido e assertivo na fundamentação da prova deste facto: “O facto dado como provado no Ponto (13) resulta da análise crítica do documento n.º 1 junto com a Petição Inicial, que é o Contrato de Compra e Venda de veículo usado, onde se encontra assinalada com um X a caixa de texto: “o vendedor garante que mesmo antes de o ter na sua posse o veículo não foi utilizado para atividades comerciais”. Não se concebe que um comerciante medianamente atento e que tem alguma experiência na compra e venda de carros (o negócio que explora, TVDE, pressupõe a troca regular de viaturas), não se tenha apercebido do preenchimento dessa caixa e/ou que não tenha lido o documento. Resultou ainda este facto provado das declarações prestadas pela testemunha JC, trabalhador da Autora que elaborou a avaliação do veículo em causa nos autos, que esclareceu de forma precisa e objetiva que não foi mencionado pelo representante da Ré, aquando a celebração do negócio, que o mesmo havia sido utilizado para TVDE (UBER). Acrescentou um facto acessório e periférico que dá credibilidade à sua versão: quando o carro estava a ser carregado e preparado para ser enviado para o depósito de Setúbal, constatou que a viatura tinha um dispositivo de car tracking e que questionou o legal representante da Ré sobre essa matéria: foi-lhe dito que era para uso pessoal. Não mereceram fé em juízo as declarações de parte do legal representante da Ré e da testemunha IA (cônjuge do legal representante da Ré). Pretendeu passar-se a ideia de que não havia grande noção da gravidade do diagnóstico e da sua assertividade. Ambos apresentaram argumentação vaga, simplista e pouco transparente (ausência de espontaneidade). A documentação junta aos autos, conjugada com o depoimento da testemunha PP, torna totalmente inverosímil as conclusões que pretendem retirar. Há, todavia, dois detalhes curiosos no depoimento da testemunha IA. Ora, a sociedade que se decida à industria de TVDE irá praticar um ato de gestão ordinário, mas o legal representante da sociedade vai acompanhado do seu cônjuge, que não exercer qualquer tipo de função na empresa. Acreditamos que seria para dar credibilidade à ideia de que se tratava de uma viatura particular. Por outro lado, afirmou que o carro tanto era usado para fins particulares, como para a atividade comercial TVDE. Ou seja, não é despiciendo considerar, neste contexto, que tenha sido omitida a indicação mais gravosa, ou seja, aquela que desvalorizaria a viatura (a que se reporta ao uso comercial)”. Nada a apontar à clareza e linearidade da análise crítica aqui desenvolvida e que não é beliscada pelas considerações da Recorrente (aliás, irrelevantes em termos de alteração da decisão final, no que concerne a este facto). A Recorrente tudo fez para valorizar o seu veículo (que sabia com defeito grave) e “chamar a atenção” para o exercício de actividade TVDE não ajudaria nesse sentido. Nada a alterar, portanto, a este facto. - quanto ao Facto 14 (A Ré, antes da celebração do acordo mencionado em 3, mormente na fase das negociações, assegurou à Autora que o veículo com a matrícula ,,-,,-,, não tinha qualquer avaria que condicionasse o normal uso e funcionamento do veículo), depois de tudo o já exposto, é por demais evidente que nunca poderia ser dado como não provado, como resulta sintetizado com acerto pelo Tribunal a quo: “O facto dado como provado no Ponto (14) resulta da análise crítica do documento n.º 2 junto com a Petição Inicial, que é um Protocolo de Entrega assinado pelo legal representante da Ré, onde se encontra assinalada com um X a caixa de texto: “O veículo pode circular”. Resultou ainda este facto provado das declarações prestadas pela testemunha JC, trabalhador da Autora que elaborou a avaliação do veículo em causa nos autos, que esclareceu que não lhe foi informado pelo legal representante da Ré, aquando a celebração do negócio, que a referida viatura tivesse qualquer avaria que condicionasse o seu normal uso e funcionamento. Para prova deste facto o Tribunal levou ainda em consideração as declarações prestadas pela testemunha PG que esclareceu, de forma clara e isenta que aquilo que conhecia do concreto negócio celebrado entre Autora e Ré, é que a aqui demandada, quando se deslocou às instalações da Autora para realizar o test drive antes da venda, informou que o veículo tinha bateria, estava apto e que podia ser vendido. Aliás, é de registar que o legal representante da Ré em sede de declarações de parte indicou que considera que o carro não tinha qualquer avaria. Consequentemente, nada haveria para relatar à Autora”. Perante a claríssima prova produzida, esta é a análise crítica que se exigia e que a Recorrente prefere não fazer. Nada a alterar, portanto. - quanto ao Facto 15 (A Autora, através da sua mandatária, remeteu em 26.5.2023, por meio de carta registada cm aviso de recepção, uma carta onde indica as mencionadas imperfeições do veículo, mais tendo sido solicitada pedindo a anulação do contrato de compra e venda entre ambas celebrado), não vale sequer perder muito tempo com a situação, uma vez que a Recorrente parece nem ter percebido que o Tribunal não dá como provada a recepção da carta (“Todavia, não existe qualquer prova de que a comunicação tenha chegado ao conhecimento efetivo da Ré, dado que o talão de registo não se encontra assinado”) pelo que até seria manifestamente inútil, para o destino da acção passar o facto a não provado. Nestes termos, nada há a alterar. *** Quanto aos Factos não provados, pretende a Recorrente que os a) (Que a Autora antes de adquirir a viatura ,,-,,-,, realizou todos os testes para verificar as possíveis anomalias da bateria), d) (Em Dezembro de 2022 a pedido da Ré foi realizada a substituição da bateria ,,-,,-,,, sendo que na ocasião foram sugeridas duas hipóteses de reparação) e e) (A reparação ordenada pela Ré em Dezembro de 2022 era apta a resolver o problema da bateria) passem a provados. Mas as suas considerações vêm na linha das anteriores e a sua falta de razão é – novamente – ostensiva. A Recorrente parece querer que a Recorrida tivesse feito mais testes (quiçá, junto da Enterposto-Carby… para dar o mesmo resultado e ter-se evitado toda esta situação…), mas, enquanto comerciante do ramo, sabia qual era o tipo de testes que se fazem e “jogou” com isso. A Recorrida “correspondeu” às suas expectativas e fez, efectivamente, os testes usuais, não invasivos, como ficou claro com os depoimentos das testemunhas MS, PG e JC, que explicaram que seria inviável operacionalmente desmontar veículos eléctricos e baterias, ou usar equipamento só disponível em oficinas especializadas (como as das marcas), que possam proceder à desmontagem de baterias de alta tensão (para o que é necessário especiais autorizações). Assim, a Recorrida fez os testes normais, mas não todos os testes possíveis que permitiriam verificar as baterias do veículo eléctrico (o que – de modo algum e perante o tipo de envolvidos – reveste um qualquer carácter de anormalidade) de modo que o Tribunal a quo não poderia ter feito outra coisa que não considerar como não provado o facto não provado a)[20]. Quanto aos factos não provados d) e e), representam – basicamente - a rebuscada tese da Recorrente, que não encontrou qualquer ancoragem na prova produzida e muito menos na que ela própria (não) produziu, resultando esmagadoramente afastada pela prova linear e objectiva que a Recorrida teve oportunidade de apresentar em Tribunal (nomeadamente o depoimento completo, sabedor e isento e da testemunha PP). Raia o absurdo, diga-se, que a Recorrente tenha defendido (e continue a defender) que uma qualquer entidade tivesse apresentado a um cliente uma proposta “alternativa” de solução do problema do veículo com valores tão díspares (de menos de € 80, para mais de €13 357,39[21]). Mais ainda quando, quem tratou do assunto, explicou em Tribunal o que foi feito, proposto e…recusado. Repete-se a substituição da bateria de 12v (que foi feita) nada reparava, apenas permitia fazer um melhor diagnóstico, pois o problema real e efectivo residia na bateria de alta voltagem. Que a Recorrente, depois de a saber danificada, não quis substituir… O Tribunal a quo só podia considerar não provados estes dois factos[22]. *** No que à impugnação da matéria de facto respeita, e perante a fundamentação clara, objectiva, assertiva e consistente elaborada pelo Tribunal a quo, conjugada com as divergências formuladas pela Recorrente, constata-se que estas não mancham, nem afectam, minimamente a apreciação por aquele feita do material probatório produzido na acção. Assim, verificada a prova produzida em audiência e compulsada a prova documental junta ao processo, não se vislumbra a necessidade de introduzir qualquer alteração ao decidido, por inexistir qualquer segurança na conclusão da existência de um erro de apreciação da prova, existindo – pelo contrário – uma total concordância com a apreciação feita pelo Tribunal a quo. Como tivemos oportunidade de escrever (tendo como Adjuntos os Juízes Desembargadores Luís Filipe Pires de Sousa e José Capacete) no Acórdão desta Relação de 14 de Fevereiro de 2023 (Processo n.º 895/21.4T8FNC-B.L1-7[23]) – valendo aqui as mesmas considerações – cabe “ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova” sendo que só se deve “alterar a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância”[24]. Já sabemos que, como decorre dos artigos 341.º do Código Civil e 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, as provas têm por função “a demonstração da realidade dos factos”, e que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”. Daí que, nas situações – como a dos autos – em que para a prova não existe qualquer norma legal que exija formalidade especial ou prova documental específica (não se tratando de factos plenamente provados por documento, confissão ou acordo das partes), o material probatório produzido esteja sujeito ao princípio da livre apreciação por parte do Tribunal (o que não é o mesmo que arbitrariedade e, daí, a necessidade imposta pelo n.º 4, do artigo 607.º, de uma análise crítica da prova e da indicação de todos os elementos que foram decisivos, para a decisão, permitindo a sindicância da expressada convicção). Neste contexto de não validação das pretensões da Recorrente, há ainda que sublinhar que os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, apontam também no sentido apurado e não noutro, constatando-se a adequação das conclusões à prova e não a existência de qualquer erro de apreciação. Naquilo que cabe neste momento a este Tribunal fazer[25], o resultado só pode ser o desatendimento da pretensão da Recorrente, uma vez que, como resulta claro de tudo o atrás já escrito, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância, usando um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão (que conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que é correcta, mas também quando se reconheça situar-se numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade). Nada permite, portanto, a alteração da factualidade provada e não provada. *º* Fundamentação de Direito A Sentença sob recurso, em termos de apreciação de Direito, estrutura-se em três partes (Da existência de Erro – Vicio conducente à anulabilidade do negócio; Da caducidade do direito da Autora de reclamar/denunciar os defeitos do veículo; Do pagamento de frutos de capital) e segue o seguinte processo de raciocínio: 1-Da existência de Erro – Vicio conducente à anulabilidade do negócio A-Tendo sido celebrado um contrato de compra e venda entre a Autora e a Ré, pretende-se que o Tribunal decrete a sua invalidade. B-A Autora entende que se tivesse conhecimento da avaria existente no veículo que lhe foi vendido pela Ré nunca o teria adquirido uma vez que aquela tem um custo de reparação muito superior ao preço de aquisição da própria viatura, c concluindo ter existido um erro-vício relevante para tal aquisição, suscetível de conduzir à anulabilidade do negócio. C-Os vícios da vontade previstos no Código Civil consistem nas situações em que a vontade negocial existe, mas está viciada na formação do processo de decisão – por deficiências de esclarecimento ou de liberdade, sendo a consequência, em regra, a anulabilidade do negócio. D-São várias as modalidades dos vícios da vontade: o erro, o dolo, a coação moral e a incapacidade acidental. E-Quanto ao erro, este divide-se entre o erro-obstáculo (que afecta a expressão da vontade e provoca uma divergência não intencional entre a vontade real e a vontade declarada) e erro-vício (que afecta a formação da vontade negocial), entre erro simples (declarante forma uma vontade ou uma vontade errada por não ter sido diligente ou por ter entendido mal) e erro qualificado por dolo (a vontade errada é causada por uma actuação propositada de outrem e só será relevante se for determinante do erro) F- Previsto no artigo 247.º (Erro na Declaração), aí se dispõe que “Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”, o que abarca a situação de erro-obstáculo. G-Nesta modalidade de erro o declarante manifestou uma vontade num sentido que, de harmonia com as regras definidas pelo artigo 236.º, não coincide com aquele que lhe intentava imprimir. H-O negócio será então anulável desde que: i) o elemento da realidade sobre o qual o objecto incidiu tenha sido essencial na determinação da manifestação da vontade do declarante; ii) o declaratário, no momento da sua celebração, conhecesse ou devesse conhecer (segundo as regras da boa fé – cfr. artigo 227.º a referida essencialidade. I-Relativamente aos elementos do negócio são quatro aqueles a que se reporta o erro, e dividem-se entre: i-o erro sobre o objeto – cf. artigo 251.º; ii- o erro sobre a pessoa do declaratário – cf. 251.º; iii- o erro sobre a base do negócio – cf. artigo 252.º, n.º 2 e iv- o erro sobre os motivos – cfr. 252.º, n.º 1. J-Previsto no artigo 251.º (Erro sobre a pessoa ou o objecto do negócio), aí se dispõe: “O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º” – o que abarca, a par do regime previsto no artigo 252.º , o essencial do regime do erro-vício: espécie de divergência entre a declaração e a vontade conjetural do declarante. K-No caso do erro previsto no artigo 251.º o declarante manifestou o que pretendia, mas a sua vontade encontra-se viciada na correspondente formação devido a ignorância ou má representação da realidade, o que corresponde sempre a um erro na motivação (as razões que conduziram o declarante a proferir a declaração surgiram fundadas numa representação da realidade desconforme com ela própria). L-No erro sobre a pessoa do declaratário estão em causa qualidades pressupostas na pessoa do destinatário da declaração que, na realidade, nele não existem ou não estão presentes. M-No erro sobre o objecto do negócio está em causa tanto o erro sobre o objeto imediato do negócio (conteúdo ou efeitos jurídicos), como também o erro sobre as qualidades, jurídicas, materiais da coisa à qual o negócio diga respeito. N-Tanto um como o dependem da verificação, mutatis mutandis, dos mesmos requisitos de relevância anulatória do erro obstáculo (artigo 247.º): a essencialidade e a cognoscibilidade. O-O poder de anulação está dependente do conhecimento ou da cognoscibilidade do declaratário reportada, não ao próprio erro, mas antes à essencialidade para o declarante do troço da realidade sobre o qual ele incidiu (pois, caso contrário haverá, erro qualificado por dolo omissivo – cfr. 2.ª parte do n.º 2 do artigo 253.º). P-O artigo 252.º (Erro sobre os motivos) preceitua que o “erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo” (n.º 1 – erro sobre os motivos em geral), sendo que se “recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído” (n.º 2 – erro sobre a base do negócio) e nele se contém (a par do artigo 251.º), o essencial do erro-vício (espécie de divergência entre a declaração e a vontade conjectural do declarante). Q-No erro sobre os motivos em geral (n.º 1) a particularidade não é o facto de incidir sobre os motivos, mas antes de recair sobre um elemento da realidade que não concerne nem à pessoa do declaratário, nem ao objecto do negócio. R-No erro sobre a base do negócio (n.º 2), para que o regime entre em funcionamento, considerando o conceito base do negócio, o essencial é que a sua revelação: i) agrida gravemente os princípios da boa fé, pretendendo-se a subsistência do negócio por ele viciado; ii) que as consequências jurídicas não estejam incluídas nos riscos peculiares do negócio. Preenchidos estes requisitos, o negócio torna-se anulável. S-No artigo 253.º (Dolo) prevê-se a modalidade de erro qualificado por dolo definindo-se este como “qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante” (n.º 1), acrescentando-se que não “constituem dolo ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as conceções dominantes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas concepções”. T-O dolo, para efeitos de negócio jurídico, não é um vício da vontade, mas antes uma causa de certo vício: o erro. U-O dolo pressupõe uma dupla causalidade para que possa adquirir relevância anulatória: o dolo provoca erro e este, por seu turno, determina a celebração do negócio nos termos em que ele sobreveio. V-Decorre do próprio artigo 253.º que o dolo pode ter natureza activa ou omissiva (neste caso, não há, em princípio o dever de actuar seja em que sentido for a não ser que norma expressa o determine, pelo que estas normas deverão ser entendidas como excepcionais). W-Assim também sucede quando está em causa a omissão de esclarecimentos, a qual só será ilícita quando sobre o declaratário incida o dever de elucidar o declarante, ou vice-versa, e algum deles não o tenha cumprido. X-Não se pode igualmente esquecer, no que neste campo diz respeito, dos deveres decorrentes da boa-fé (artigo 227.º), designadamente a sujeição dos contraentes à necessidade de uma conduta honesta e leal entre si durante o processo de negociação, que acarreta a imposição de deveres de esclarecimento. Y-Não é toda e qualquer omissão do dever de informar que terá carácter doloso, mas apenas aquela que for cometida com a intenção de dissimular o erro do declarante, importando ainda fazer apelo a princípios estruturantes do direito das obrigações (artigos 762.º n.º 2 e 227.º n.º 1, segundo os quais, tanto o credor como o devedor devem proceder de boa fé, ou seja, com lealdade e correção, no exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres, impondo-se-lhes uma conduta honesta e conscienciosa, a fim de que não resultem afectados os legítimos interesses da outra). Z-Este princípio tem aplicação não apenas ao dever principal (como seja, a entrega da coisa no contrato de compra e venda), mas também aos deveres acessórios, secundários ou laterais de conduta, ou seja, todos aqueles que sejam necessários ao regular desenvolvimento da relação obrigacional. AA-Em matéria obrigacional o nosso ordenamento jurídico acolhe a boa fé como regra de conduta (boa fé objectiva) e como consciência ou convicção de se agir conforme ao direito (boa fé subjectiva), relevando a primeira para a situação dos autos. AB-Este princípio normativo ou cláusula geral tem como significado exprimir que os membros da comunidade “devem adoptar uma linha de correcção e probidade, tanto na constituição de relações entre eles como no desempenho das relações constituídas” (Almeida Costa). AC-Caberá ao julgador, de acordo com as regras de vivência social, com a finalidade que se visou alcançar com a consagração desse conceito, com o caso concreto e com estudo de decisões jurisprudenciais, integrar esse instituto, sendo que doutrina e jurisprudência tem acolhido as figuras da: - tutela da confiança (as partes, logo na fase pré-negocial, pelo facto de se relacionarem e de entrarem em contactos com vista à celebração de um negócio, assumem desde logo deveres-que se estendem à execução do acordo-de transparência, clareza, honestidade, probidade e lisura, ficando reciprocamente obrigadas a comportar-se nas negociações com boa fé objetiva) e - o princípio da primazia da materialidade subjacente (que faz apelo a que o “Direito não se limita a actuação rituais: ele pretende, de facto, a prossecução de determinados valores materiais, que estão subjacentes às diversas normas. Assim, serão contrárias à boa fé as actuações que apenas respeitem a exterioridade formal do Direito, desprezando os seus valores mais profundos”-Menezes Cordeiro). AD-No caso dos autos (Factos 15 a 17): - a Ré tinha conhecimento da existência da avaria do sistema EV do veículo que vendeu à Autora e do respectivo custo de reparação e não informou disso a Autora; - a Ré igualmente não informou a Autora que o veículo que lhe havia vendido tinha sido por si utilizado como táxi/uber; - a Ré informou (erradamente) a Autora que o veículo por esta adquirido não tinha qualquer avaria que condicionasse o seu normal uso e funcionamento (ou seja, não informou a Autora que a viatura padecia de uma avaria essencial para o seu funcionamento). AE-Basicamente, o veículo em causa, sem reparação, não tem qualquer valor comercial (a substituição da bateria EV corresponde à substituição de um motor a combustão). AF-Resultou evidente dos autos que a Ré não cumpriu com os deveres a que estava obrigada aquando da celebração do contrato de compra e venda com a Autora, nomeadamente de informação, lealdade e boa fé. AG-A Ré não só tinha conhecimento dos defeitos existentes no veículo que vendeu à Autora, como não havia procedido a uma reparação essencial para o seu normal funcionamento informando a Autora que tudo estava a funcionar na normalidade. AH-Caso a Autora tivesse sido devidamente informada das qualidades e características do objecto do negócio não o teria adquirido (pressuposto da essencialidade) e a Ré bem sabia que não a informou das desconformidades existentes (pressuposto da cognoscibilidade). AI-A circunstância de a Ré não ter prestado à Autora as informações e esclarecimentos a que estava obrigada (avaria existente na bateria EV, veículo ter sido utilizado para táxi/uber), tinha conhecimento e deliberadamente ocultou, fez com que a Autora celebrasse o contrato de compra e venda. AJ-A Autora está em erro sobre as qualidades do bem que viria a adquirir, mas onde o erro é causado de forma intencional pela Ré. AK-Estão verificados os pressupostos da dupla causalidade determinantes para a anulabilidade do negócio por dolo (artigos 253.º e 254.º), pelo que se mostram verificados os pressupostos de anulação do contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a Ré relativo ao veículo automóvel Nissan Leaf electric drive, matrícula ,,-,,-,,, por erro qualificado por dolo (artigos 253.º e 254.º). AL-Porquanto a anulação tem efeito retroativo, deverá ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. AM-Importará que a Autora restitua o bem e que a Ré devolva o preço (€ 12.999) – artigo 289.º. 2-Da caducidade do direito da Autora de reclamar/denunciar os defeitos do veículo AN-A Ré defende a caducidade do direito de a Autora reclamar os defeitos do veículo com a matrícula ,,-,,-,,, uma vez que o prazo para reclamar os vícios nele existentes no veículo é de 8 dias, uma vez que ambas as partes – Autora e Ré – são sociedades comerciais às quais se aplica o regime previsto no artigo 471.º do Código Comercial (e não o regime dos artigos 913.º do Código Civil). AO-Nos termos do artigo 3.º do Código Comercial são considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados naquele Código e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar. AP-Nos termos do n.º 1 do artigo 463.º do Código Comercial são consideradas comerciais as compras de coisas móveis para revender, em bruto ou trabalhadas, ou simplesmente para lhes alugar o uso. AQ-Nos termos do artigo 471.º do Código Comercial as condições de qualidade a que se referem os artigos 469.º e 470.º do Código Comercial haver-se-ão por verificadas e os contratos considerados perfeitos se o comprador examinar as coisas compradas no acto de entrega e não reclamar contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias. AR-No caso dos autos não subsistem dúvidas que estamos perante uma compra e venda comercial à qual, em princípio, se aplicaria o prazo de 8 dias para a reclamação/denúncia de defeitos da coisa vendida. AS-Todavia, não é assim: - o prazo curto de 8 dias não foi estabelecido em benefício do vendedor comercial, tendo que ver – essencialmente - com a celeridade, segurança e certeza que o legislador quis imprimir à contratação comercial (a ratio legis do artigo 471.º do Código Comercial está na vantagem de não deixar por muito tempo exposto o vendedor à reclamação por defeitos da coisa vendida e nas necessidades do tráfico comercial); - o artigo 471.º do Código Comercial visa abranger aquelas qualidades, atributos ou defeitos da mercadoria observáveis à vista ou através dos sentidos humanos, detectáveis no exame da coisa pelo comprador no ato de entrega; - o prazo de oito dias para a reclamação contra a qualidade da mercadoria (a contar da entrega da mercadoria) só é de observar quando a simples inspecção da coisa pelo comprador o habilite à reclamação, por diferença em relação à amostra ou à qualidade tidas em vista ao contratar; - no caso de impossibilidade de deteção dos vícios ou defeitos, no momento da entrega ou dentro do referido prazo de oito dias, o prazo conta-se a partir da data em que cessou tal impossibilidade. AT-A Autora requer a anulação do negócio, pelo que haveria igualmente de considerar o disposto no artigo 916.º e 917.º do Código Civil. AU-Se é certo que o prazo de denúncia é relevante para aferir da tempestividade do exercício dos direitos conferidos ao comprador, é igualmente certo que apenas terá de existir denúncia se o vendedor não tiver agido com dolo: se assim suceder, nada há a comunicar, dado que o alienante sabia do vício da coisa. AV-Consequentemente, também não é aplicável o disposto no artigo 917.º que se reporta à ação de anulação por simples erro. AW-Em suma, em caso de dolo (alienante sabia do vicio da coisa), é desnecessária qualquer denúncia, sendo que o direito caduca nos termos gerais previstos no artigo 287.º do Código Civil. AY-Quando haja dolo, o prazo de caducidade é o fixado genericamente no artigo 287º, do CC, sem necessidade de denúncia, podendo o comprador intentar a ação de garantia (em qualquer dos remédios em que esta se concretize) no prazo de 1 ano a contar do momento em que teve conhecimento do dolo”. AZ-A Autora tomou conhecimento do vício a 30.3.2023; a acção deu entrada em juízo a 5.9.2023; a Ré foi citada em Setembro de 2023. BA-Provando-se o dolo, tal como sugerido pela Autor na Petição Inicial, improcede a exceção de caducidade do direito. 3-Do pagamento de frutos de capital BC-Peticiona a Autora que a Ré seja condenada ao pagamento dos frutos decorrentes da indisponibilidade do capital (referindo-se à quantia de € 12.999 que pagou no momento da celebração do negócio com a terceira compradora, por equivalência aos juros calculados em função das taxas bancárias sucessivamente praticadas no mercado. BD-Anulado o contrato de compra e venda, nada obstará a que seja peticionada uma indemnização. BE-Em caso de anulação do negócio jurídico haverá lugar à fixação de indemnização através do instituto da culpa in contrahendo –artigo 227.º. BF-A Ré violou os deveres inerentes a um parceiro contratual reto, honrado e honesto (em concreto, com violação do dever de lealdade e informação) sendo que o valor indemnizatório corresponderá ao interesse contratual negativo ou interesse de confiança, e visará reparar os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse celebrado o contrato, ou seja, com a reconstituição patrimonial reportada àquele momento. BG-Pretende a Autora ser ressarcida pela indisponibilidade de dispor da quantia que pagou ao Réu, valor que se enquadra na reconstituição patrimonial protegida pelo interesse contratual negativo. BH-Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora os frutos de capital que esta deixou de receber relativos à quantia € 12.999, desde (06/06/2023), por equivalência aos juros calculados em função das taxas bancárias sucessivamente praticadas no mercado, até efectivo e integral reembolso, os quais calculados até à data de 15/07/2023, perfazem o montante de € 20,30 . nn Raciocínio claro, escorreito, pragmático e sem “ruído”, estando juridicamente muito bem fundamentado[26]. Resta saber se também com razão. A Recorrente entende que não, e insiste em que não se mostram verificados os pressupostos da existência de erro-vício conducente à anulabilidade do negócio e, ainda que se mostrassem, estaria caducado o direito da Recorrida de reclamar ou denunciar os defeitos do veículo (basicamente repetindo a posição que assumiu nos autos sem, eficazmente, colocar em causa a sólida argumentação jurídica apresentada pelo Tribunal a quo). Por outro lado, a pretensão recursória estava dependente da alteração da matéria de facto, e esta foi mantida na totalidade. Efectivamente, quanto ao enquadramento jurídico feito, pouco há a acrescentar ao que foi feito e que se acabou de descrever, uma vez que, o dolo da Recorrente é ostensivo (sabia da avaria da bateria do veículo, sabia do seu custo de reparação[27], sabia o valor pelo qual estava a vender[28], e optou por não informar a compradora, ora Recorrida, do grave defeito daquela, assegurando-lhe mesmo que nada condicionava o uso e funcionamento do veículo[29] – Factos 3, 8, 12 e 14): a Recorrente sabendo que tinha uma despesa de mais de € 20.000 para fazer com a viatura, optou por desfazer-se dela, vendendo-a por € 12.999, confiando na sorte, passando o problema para o comprador e assim o enganando deliberadamente. Bem pode a Recorrente escudar-se na defesa de que uma “mera omissão não equivale a dolo”, mas o que provado resultou não foi uma “mera omissão”, foi uma omissão consciente e deliberada só passível, no contexto descrito de ser vista como intencionalmente enganosa (acrescendo que a compradora-Recorrida, pelo tipo de veículo em causa e pelo tipo de avaria, não podendo ir além dos testes usuais -que fez-, nunca lograria detectá-la[30]), sendo certo, em todo o caso que foi essa omissão que determinou que a venda ocorresse. Assim, estão absolutamente correctas todas as lúcidas considerações a este propósito formuladas na Sentença sob recurso e que nos dispensamos de repetir, assinalando e reforçando apenas - como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Novembro de 2013 (Processo n.º 866/11.9TBOER.L1-2-Tibério Silva) - que o “erro é qualificado quando seja provocado por dolo relevante e o requisito específico de relevância do dolo é a dupla causalidade, verificando-se essa dupla causalidade quando o dolo seja causa do erro e este, por seu turno, seja determinante do negócio”: o erro da compradora recorrida quanto ao veículo que estava a adquirir foi gerado pela actuação dolosa da vendedora-recorrente e foi determinante para o negócio, pois em caso algum o negócio se realizaria (não se dão – nem um cidadão comum e muito menos um comerciante[31] – 13.000 euros sabendo que se têm de gastar 20.000…). * Quanto à questão da putativa caducidade do direito da compradora-recorrida volta a não assistir qualquer razão à Recorrente Pretende esta a aplicação do artigo 471.º (Conversão em perfeitos dos contratos condicionais) do Código Comercial, onde se dispõe que as “condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos, se o comprador examinar as coisas compradas no acto da entrega e não reclamar contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias”, uma vez que a denúncia do defeito ocorreu apenas dois meses depois da compra do automóvel, ultrapassando claramente o aludido prazo de oito dias, assim se mostrando caducado o exercício desse direito. Não há dúvidas de estarmos perante uma compra e venda comercial[32] (artigo 463.º[33] do Código Comercial): Recorrente e Recorrida são sociedades comerciais, tendo a primeira vendido à segunda um veículo para revenda, assumindo, assim, tal compra e venda, natureza subjectiva e objectivamente comercial[34] (cfr., também o artigo 2.º, in fine, concatenado com o n.º 1.º do artigo 463.º, ambos do Código Comercial). E não as há também de que “aplicação do prazo de oito dias para a denúncia dos defeitos depende de que a compra seja um contrato comercial previsto nos artigos 469.º e 470.º e de que ao defeito das coisas compradas deva aplicar-se o regime do artigo 471.º do Código Comercial”[35]. Sucede que, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Outubro de 2022 (Processo n.º 154/20.0T8LRS.L1-6-Manuel Rodrigues)[36] “aquele prazo curto de 8 dias não foi estabelecido em benefício do vendedor comercial, antes tem a ver, essencialmente, com a celeridade, segurança e certeza que o legislador quis imprimir à contratação comercial, pelo que a ratio legis do art.º 471º do Código Comercial está na vantagem de não deixar por muito tempo exposto o vendedor à reclamação por defeitos da coisa vendida e nas necessidades do tráfico comercial”. Mais, o “artigo 471.º do Código Comercial visa as qualidades, atributos ou defeitos da mercadoria observáveis à vista desarmada ou através dos sentidos humanos (olfacto, paladar, tacto), detectáveis no tal exame da coisa pelo comprador no acto de entrega”, de forma que o aludido prazo de oito dias “só é de observar quando a simples inspecção da coisa pelo comprador o habilite à reclamação, por diferença em relação à amostra ou à qualidade tidas em vista ao contratar”. Assim, e como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Outubro de 2003 (Processo n.º 03A2663-Afonso Correia), havendo “dolo do vendedor, ainda que a compra e venda [tenha] natureza comercial, não é aplicável o artº 471º, do CCom, mas antes os art.s 913º e ss., do CC”, sendo que, a “acção de anulação por simples erro caduca findo qualquer um dos prazos previstos no art. 916º, n.s 1 e 2, do CC sem o comprador ter feito a denúncia ou decorridos sobre esta 6 meses, sem prejuízo do disposto no n. 2 do artº 287º (art. 917º, do CC)” e, no caso de haver dolo, “o prazo de caducidade é o fixado genericamente no art. 287º, do CC, sem necessidade de denúncia, podendo o comprador intentar a acção de garantia (em qualquer dos remédios em que esta se concretize) no prazo de 1 ano a contar do momento em que teve conhecimento do dolo”[37]. Neste contexto e não havendo dúvidas sobre o dolo da vendedora (ora Ré-Recorrente), torna-se evidente que não pode ela beneficiada pelo regime do Código Comercial, o qual, reforça-se, está destinado a proteger o comércio, mas não a tutelar desonestidades[38] [39], pelo que, existindo um dolo comprovado (e determinante do negócio), tem de ser aplicado o regime legal geral e, como tal, o do artigo 287.º do Código Civil (um ano a contar da data em que a compradora, ora Autora-Recorrida, teve conhecimento do vício: 30 de Março de 2023-Facto 5). Uma vez que a Petição Inicial deu entrada em juízo a 05 de Setembro de 2023, não há quaisquer dúvidas sobre a circunstância de o direito da Autora poder exercer o que considerava ser o seu direito não estar extinto por caducidade, como concluiu, novamente bem, o Tribunal a quo. Também por esta via falece a pretensão da Recorrente. *** Há ainda uma outra matéria que a Ré-Recorrente alude e que tem de ser abordada. Trata-se da questão do IVA: o Tribunal a quo condenou a Recorrente no pagamento do montante de €12.999, montante que inclui o IVA, imposto que foi entregue ao Estado pela Recorrente, “sendo que a sua devolução nos termos em que foi determinada gera um risco de enriquecimento injustificado da Recorrida”, uma vez que nos “termos do artigo 78.º, n.º 7 do Código do IVA, a Recorrente apenas pode pedir a regularização do IVA que entregou ao Estado se houver efectiva anulação da operação e emissão de nota de crédito, o que não está previsto na sentença recorrida”. Quanto a este ponto, temos por certo que o Tribunal a quo na Sentença não poderia - nem deveria - levar esta questão do IVA em consideração, nos termos pretendidos. Trata-se de questões distintas, colocadas em planos diversos e que não se podem misturar nem confundir. Uma coisa é o valor do montante a devolver (preço facturado), outro o da(s) relevância(s) fiscal(is) desse valor. Como se assinala no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2017 (Processo n.º 4523/06.0TVLSB.L2.S1-António Joaquim Piçarra), o “IVA surgiu, como se sabe, da necessidade de promover a harmonização fiscal na tributação do consumo no espaço europeu e, dessa forma, aprofundar o projecto de integração económica e de construção do mercado único no seio da Comunidade, hoje União Europeia, sendo «unanimemente reconhecido que em muito tem contribuído para a concretização das liberdades de circulação de pessoas e bens e, assim, para a prestação de serviços e de efectiva concorrência entre as empresas no espaço da União, constituindo até uma importante fonte de receitas desta», pois «parte das receitas deste tributo arrecadadas pelos Estados Membros destinam-se a financiar as políticas comunitárias». Tem como principais características, tratar-se de um imposto estadual, em que o sujeito activo é o Estado, indirecto e geral sobre o consumo, plurifásico, por se aplicar em todas as fases do circuito económico, desde a produção de bens e transformação até ao consumo, sendo liquidado e pago por cada um dos agentes intervenientes no circuito económico, mas sempre repercutível sobre o consumidor final. No plano estritamente tributário, o IVA opera pelo chamado método do crédito de imposto (ou subtractivo indirecto) em que o sujeito passivo assume a qualidade de devedor ao Estado «pelo valor do tributo que factura aos seus clientes, nas vendas efectuadas ou nos serviços prestados em determinado período (imposto liquidado ou imposto a favor do Estado) e, em contrapartida, é credor do Estado pelo imposto suportado nos seus inputs, no mesmo período. Dito de outra forma, o sujeito passivo é devedor do montante do tributo facturado (contribuinte de direito), mas assume igualmente as vestes de credor do imposto suportado nas aquisições realizadas». A entrega nos cofres do Estado resume-se ao diferencial encontrado e, embora o mesmo seja entregue pelo sujeito passivo de IVA, é o consumidor final quem suporta o tributo (contribuinte de facto). Transpondo estas regras para o caso presente e tendo em conta as disposições conjugadas dos art.ºs 2º, n.º 1, a), 26º, n.º 1, 28º, n.º 1, b) e 35º, n.º 5, do CIVA, há que reconhecer que a ora Autora, “na qualidade de dona da obra, é a contribuinte de facto (consumidora final), ao passo que” a ora Ré, “na qualidade de empreiteira, se apresenta como contribuinte de direito, recaindo sobre ela, como sujeito passivo do tributo (a par” da ora Autora), “a obrigação de cobrar” desta “o correspondente IVA, entregando-o ao Estado”. “Por outro lado, sendo inquestionável que a actividade” da ora Ré “é passível de IVA, nos termos dos art.ºs 1º, n.º 1, a), 2º, n.º 1, a), e 4º, do CIVA, e resultando” do elenco factual provado que os trabalhos acordados e pagos não foram realizados e que o valor recebido tem de ser devolvido (no caso, por determinação judicial), caberá às partes fazerem os respectivos acertos com a Autoridade Tributária. A Autora pagou o preço facturado do veículo por determinado valor e é esse valor que tem de ser devolvido, porque é isso que está em causa no âmbito dos presentes autos. O que respeita ao IVA deverá ser tratado posteriormente, cabendo aos interessados a realização das operações contabilísticas e fiscais que se tornem necessárias, para corrigir a situação[40]. É exactamente para isso que o artigo 78.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado[41] prevê o processamento adequado. Deste modo, anulada a compra e venda, devolvido o valor em causa à Autora, caberá a esta proceder às necessárias correcções e regularizar a situação em termos fiscais com a Autoridade Tributária, pagando, compensando ou recebendo o que houver a pagar, compensar ou receber, sem que tal tenha de resultar de forma expressa do dispositivo, porque resulta – necessariamente – das regras fiscais e contabilísticas gerais aplicáveis. Nada há, portanto, a censurar ao decidido pelo Tribunal a quo. ** Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"[42]. Recorrente e Recorrido escolheram o seu caminho de actuação. Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", não dar razão à Ré-Recorrente considerando totalmente improcedente o seu recurso (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"[43]). ** DECISÃO Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a Apelação apresentada pela Ré e, em consequência, confirmar a Sentença recorrida. * Custas a cargo da Recorrente. Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil). *** Lisboa, 09 de Setembro de 2025 ~ Edgar Taborda Lopes Ana Mónica Mendonça Pavão Paulo Ramos de Faria[44] _______________________________________________________ [1] Por opção do Relator, o Acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as). A jurisprudência citada no presente Acórdão, salvo indicação expressa noutro sentido, está acessível em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/. [2] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183. [3] Como se assinala no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2018 (Processo n.º 108/13.2TBPNH.C1.S1 - José Rainho), as “primeiras (errores in procedendo) são vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afetam a regularidade do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito. As nulidades ditam a anulação da decisão, as ilegalidades ditam a revogação da decisão”. [4] Que a torna - como se conclui no Acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Novembro de 2019 (Processo n.º 23151/16.5T8SNT.L1-7-Micaela Sousa) – numa “figura de muito difícil verificação, dado que a doutrina e a jurisprudência têm salientado que tal só se verifica em situações de falta absoluta de indicação das razões de facto e de direito que justificam a decisão e não também quando tais razões constem da sentença, mas de tal forma que pela sua insuficiência ou laconismo, se deve considerar a fundamentação deficiente”. [5] Sublinhado e carregado nossos. [6] Sublinhado e carregado nossos. [7] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, 3.ª Edição, Coimbra Editora, página 140. [8] A Recorrente parece pretender ainda encontrar uma contradição na Sentença por não ter sido relevada uma putativa falta de impugnação pelo Réu dos factos por si alegados, nos termos do artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (nomeadamente com que respeita ao pagamento de juros) , mas faz por esquecer que na Audiência Prévia existiu acordo quanto aos factos a considerar e que inexiste qualquer contradição entre estes e os factos não provados 3 e 4. [9] Abrantes Geraldes-Paulo-Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Volume, 3.ª edição, 2022, Almedina, páginas 793-794. [10] Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, Almedina, 2015, páginas 370-371. [11] Os Factos colocados em causa pela Recorrente estão destacados com letra em carregado e de maior tamanho (e os não provados também em itálico). [12] Considerando que os demais factos, não especificamente dados como provados ou não provados estão em oposição ou constituem a negação de outros dados como provados ou não provados, ou contêm expressões conclusivas ou de direito, ou são irrelevantes para a decisão da causa. [13] “O atual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 332. [14] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210. [15] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., página 200. [16] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 201-205. [17] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 206-207. [18] Que acrescenta, relevantemente, que “este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, (…)). Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, (…)). Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, (…). No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”. [19] Que, aliás, era a que permitia fazer os restantes diagnósticos e, opor isso tinha mesmo de ser reparada. [20] E fê-lo com a assertividade e esmero demonstrados em toda a análise probatória da acção: “Quanto ao facto dado como não provado no Ponto a) o mesmo assim resulta da prova testemunhal produzida em julgamento, nomeadamente da testemunhaJC, da testemunha MS e da testemunha PG, todos trabalhadores da Autora, avaliador de automóveis, responsável pelas operações em Portugal e mecânico, respetivamente, que prestaram um depoimento objetivo, direto e esclarecedor e isento. Do depoimento da testemunha JC que a Autora efetivamente realizou um test drive à viatura em causa nos presentes autos, mas que esse teste resulta de uma prova dinâmica de estrada, isto é, a qual é seguida de uma avaliação presencial do estado de conservação do automóvel, bem como relativamente danos visíveis e existentes no veículo. É claro do depoimento daquelas testemunhas que a. não está dotada de equipamentos e dispositivos que permitam avaliar as baterias. Assim, a avaliação realizada foi apenas para verificar se o veículo tinha ou não algum problema visível, não sendo possível avaliar o estado de conservação das baterias (o que exigiria um exame mais profundo, bem como o estado e a capacidade de carregamento. Por seu turno, a testemunha MS esclareceu, apesar de considerar que a pessoa que tinha conhecimento direto sobre a avaliação realizada seria o avaliador JC, que a avaliação realizada se destina essencialmente a verificar os danos e avarias visualmente detetáveis. A testemunhaPG esclareceu igualmente o Tribunal quanto à realização do dito teste drive pela Autora, corroborando que o mesmo é realizado é realizado mediante uma avaliação não invasiva, pois não estão autorizados a desmontar equipamentos (logo, não estavam autorizados a desmontar a bateria EV) e que a dita avaliação passa por uma análise visual ao veículo com registo fotográfico. Ora, a bateria EV constitui o centro nevrálgico da viatura (equiparado ao motor nos carros a combustão). Em qualquer negócio de compra e venda de automóvel não é usual a realização de uma inspeção ao motor para verificar de eventuais anomalias que não sejam aparentes. Como resulta do depoimento PP, aferir de danos na bateria implica a desmontagem: este ato não é compatível com o comércio de automóveis, a menos que tal seja exigido pelas partes. Como é usual em qualquer negócio, efetuou-se a avaliação do automóvel de acordo com os dados disponíveis no momento. Impunha-se, assim, dar como não provado aquele facto”. [21] Porque sempre haveria de se lhe acrescentar o IVA. [22] Novamente fundamentados sem reparo possível: “O legal representante da Ré e a testemunha IA, tentaram criar uma mise-en-scène, quanto a esta matéria, invocando a existência de dois orçamentos (doc. n.º 5 e n.º6): haveria duas hipóteses de reparação, uma mais dispendiosa do que a outra (diferença essa que é abissal, o que já de si colocava algumas reservas sobre a veracidade desse facto). Esta frágil construção foi devidamente desconstruída pelo representante da Nissan, testemunha PP (tal como fizemos referência na fundamentação da matéria provada): o carro tinha apenas um problema, o qual só poderia ser resolvido através da substituição da bateria EV. E foi o legal representante da Ré que deu ordem para que a obra não fosse realizada. A substituição da bateria de 12 v, trabalho realizado e pago, permitiu que fosse possível ligar o carro e efetuar o diagnóstico. E deste facto tirou a Ré vantagem: a Nissan fez o diagnóstico, apagou as avarias e a viatura passou a conseguir circular sem indicar a existência da avaria (tal como esclareceu a testemunha)”. [23] E que repetimos no Acórdão da mesma Relação 20 de Fevereiro de 2024 (Processo n.º 16981/20.5T8LSB.L1-7). [24] Vd., na mesma linha: - o Acórdão da Relação de Guimarães de 10 de Outubro de 2022 ( Processo n.º 2733/13.2TBVCT-A.G1-Maria João Matos), quando escreve que o “uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, impuserem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova)”, sendo que, para demonstrar a existência de um qualquer erro “na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida” ; - o Acórdão da Relação do Porto de 21 de Junho de 2021 (Processo n.º 2479/18.5T8VLG.P1-Pedro Damião e Cunha), quando assinala que, mantendo-se “em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados” e que “a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância”. [25] Apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne e fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso, acrescidos da nova – e própria – percepção sobre a totalidade da prova produzida, continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova. [26] Na linha do que já sucedera com a fundamentação de facto. [27] “valor líquido de 16.434,87€, acrescido de IVA à taxa legal aplicável, perfazendo o montante total de 20.214,89” (Facto 8). [28] €12.999 (Facto 3). [29] Violando os mais básicos deveres de informação, lealdade e boa fé, assim contrariando desde logo os bons costumes e usos do comércio. [30] Conclusão distinta assumiríamos se a venda tivesse sido feito à Entreposto-Carby que tinha meios, equipamentos e autorizações para fazer testes às baterias, como a Recorrente bem sabia. [31] Como referem Pedro Pais de Vasconcelos-Pedro Leitão Pais de Vasconcelos na “configuração económica da compra e venda mercantil ressalta o seu carácter especulativo. O comerciante compra certa mercadoria para a revender com lucro” pois este “é o móbil geral do comércio” (Direito Comercial, Volume I, 2.ª Edição, Almedina, 2020, página 323. [32] “O regime da compra e venda comercial mantém como mais notáveis especialidades a admissibilidade expressa da venda de coisa alheira(artigo 467º e seguintes) e o curto prazo de denúncia de defeitos (artigo 471º” (Carlos Ferreira de Almeida ,Contratos II - Conteúdo.Contratos de Troca, 2.ª Edição, Almedina, 2011, página 123. Sobre a compra e venda comercial vd. Pedro Pais de Vasconcelos-Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, cit., páginas 321-332 e Manuel Baptista Lopes, Do Contrato de Compra e Venda no Direito Civil, Comercial e Fiscal, Almedina, 1971, páginas 385-417. [33] Artigo 463.º (Compras e vendas comerciais) São consideradas comerciais: 1.° As compras de coisas móveis para revender, em bruto ou trabalhadas, ou simplesmente para lhes alugar o uso; 2.º As compras, para revenda, de fundos públicos ou de quaisquer títulos de crédito negociáveis; 3.° As vendas de coisas móveis, em bruto ou trabalhadas, e as de fundos públicos e de quaisquer títulos de crédito negociáveis, quando a aquisição houvesse sido feita no intuito de as revender; 4.° As compras e revendas de bens imóveis ou de direitos a eles inerentes, quando aquelas, para estas, houverem sido feitas; 5.° As compras e vendas de partes ou de acções de sociedades comerciais. [34] Assim, vd. o Acórdão da Relação de Coimbra de 11 de Janeiro de 2011 (Processo n.º 1977/08.3TBAVR.C1-Carlos Querido). [35] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de Março de 2024 (Processo n.º 2731/21.2T8GMR.G1.S1-Nuno Pinto Oliveira). [36] Onde se refere também que o “prazo de caducidade do direito de acção previsto no artigo 917.º do Código de Civil deve abranger, por interpretação extensiva, todas as acções emergentes de cumprimento defeituoso, sendo, como tal, aplicável não unicamente à acção de anulação, ali referida, mas a todas as pretensões e acções decorrentes da compra e venda de coisa defeituosa - seja genérica ou específica a obrigação subjacente”. [37] Na mesma linha, vd., mais recentemente, o Acórdão da Relação de Guimarães de 28 de Abril de 2022 (Processo n.º 422/19.3T8VRL.G1-Maria Luísa Ramos), onde se concluiu que, quando “haja dolo regem as disposições dos artº 254º-nº1 e 287º do Código Civil, podendo o comprador pode intentar a acção de anulação no prazo de um ano a contar do momento em que teve conhecimento do vício ou da falta de qualidade (artº 287º-nº1), independentemente de denúncia (cfr. exclusão expressa no artº 916º-nº1, parte final, do citado código)”. [38] O dolo, a consciência do engano que se provoca no seu contraente dá azo à quebra do mais essencial em que assenta o comércio: a confiança! (essa é natureza do comércio e o que dele faz o motor do crescimento económico das sociedades) Contratar é sempre assumir riscos. É confiar. Dizia Fernando Pessoa (não nas suas vestes de poeta), que “Todo o pensador de sistemas fixos, todo o organizador de conteúdos definidos, sofre fatalmente desilusões, quando não desastres. Em toda a organização prática há pois que contar com o inesperado e indefinido da vida. E o facto de que o organismo artificial é remodelável, e substituíveis todas as suas peças, torna possível, até certo ponto, a preparação para o inesperado, digamos mesmo a previsão do imprevisível” (Sociologia do Comércio, Colecção Antologia, C.E.P., s/data, páginas 94-95). Ora, a Ré-Recorrente com o seu comportamento, tornou o inesperado e indefinido, esperado e definido… para si própria, deixando a sua contraente perante uma inevitabilidade que só de si era desconhecida. Sobre a confiança e o seu papel no comércio, na economia e na vida social, vd. com interesse, Pierre Rosanvallon, Les Institutions Invisibles, Éditions du Seuil, Paris, 2024, páginas 31 a 50. [39] Concordantemente, Manuel Baptista Lopes cita uma anotação da Revista dos Tribunais (confirmada depois pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 24 de Janeiro de 1969 – BMJ 183, página 274), onde, a propósito do prazo de oito dias do artigo 471.º do Código Comercial, se escreveu que se é “certo que as exigências da rapidez das transacções comerciais e a necessidade de assegurar a maior certeza do conteúdo dos actos mercantis justifica, em princípio, na generalidade dos casos, a observância rigorosa do estatuído” nesse normativo e da “doutrina dele emergente, segundo a qual, verificada, pelo escoamento do prazo, a conformidade da mercadoria, o contrato deve ter-se por perfeito”, também o é que o “comércio jurídico em geral assenta essencialmente na boa fé e, sendo assim, aquele preceito não pode ser interpretado no sentido de constituir um meio fácil de legitimar a conduta imoral, desonesta ou fraudulenta de qualquer dos litigantes” (Da compra e venda…, cit., páginas 403-405) [40] Assim, também, o Acórdão da Relação de Lisboa de 05 de Abril de 2022 (Processo n.º 12233/19.1T8LRS.L1-Edgar Taborda Lopes-Luís Filipe Pires de Sousa-José Capacete) – não publicado. [41] Artigo 78.º - Regularizações 1 - As disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a factura ou documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo. 2 - Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável. 3 - Nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos. 4 - O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada. 5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução. 6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado. 7 - Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis: a) Em processo de execução após o registo da suspensão de instância, a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 806.º do Código do Processo Civil; b) Em processo de insolvência quando a mesma seja decretada. 8 - Os sujeitos passivos podem igualmente deduzir o imposto respeitante a outros créditos desde que se verifique qualquer das seguintes condições: a) O valor do crédito não seja superior a € 750, IVA incluído, a mora do pagamento se prolongue para além de seis meses e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução; b) Os créditos sejam superiores a € 750 e inferiores a € 8000, IVA incluído, e o devedor, sendo particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução, conste no registo informático de execuções como executado contra quem foi movido processo de execução anterior entretanto suspenso por não terem sido encontrados bens penhoráveis; c) Os créditos sejam superiores a € 750 e inferiores a € 8000, IVA incluído, tenha havido aposição de fórmula executória em processo de injunção ou reconhecimento em acção de condenação e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução; d) Os créditos sejam inferiores a € 6000, IVA incluído, deles sendo devedor sujeito passivo com direito à dedução e tenham sido reconhecidos em acção de condenação ou reclamados em processo de execução e o devedor tenha sido citado editalmente. 9 - O valor global dos créditos referidos no número anterior, o valor global do imposto a deduzir, a realização de diligências de cobrança por parte do credor e o insucesso, total ou parcial, de tais diligências devem encontrar-se documentalmente comprovados e ser certificados por revisor oficial de contas. 10 - A certificação por revisor oficial de contas a que se refere o número anterior deve ser efectuada por cada um dos períodos em que foi feita a regularização e até ao termo do prazo estabelecido para a entrega da declaração periódica ou até à data de entrega da mesma, quando esta ocorra fora do prazo. 11 - No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada. 12 - Nos casos em que se verificar a recuperação dos créditos, total ou parcialmente, os sujeitos passivos são obrigados a proceder à entrega do imposto, no período em que se verificar o seu recebimento, sem observância, neste caso, do prazo previsto no n.º 1 do artigo 94.º 13 - Quando o valor tributável for objecto de redução, o montante deste deve ser repartido entre contraprestação e imposto, aquando da emissão do respectivo documento, se se pretender igualmente a rectificação do imposto. 14 - Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respectiva liquidação e dedução ou o tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução são aceites sem quaisquer consequências desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber. 15 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável aos sujeitos passivos que tenham o direito à dedução parcial do imposto, nos termos do disposto no artigo 23.º, sem prejuízo da liquidação adicional e pagamento do imposto e dos juros compensatórios que se mostrem devidos pela diferença. 16 - Os documentos, certificados e comunicações a que se referem os n.ºs 8 a 11 do presente artigo devem integrar o processo de documentação fiscal previsto nos artigos 121.º do Código do IRC e 129.º do Código do IRS. [42] Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95. [43] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24. [44] Assinaturas digitais, cujos certificados estão visíveis no canto superior esquerdo da primeira página (artigos 132.º, n.º 2 e 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 19.º, n.ºs 1 e 2, e 20.º, alínea b), da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto) |