Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6936/19.8T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
PEDIDOS INDEMNIZATÓRIOS
LIMITES DO PEDIDO
ATROPELAMENTO
CULPAS CONCORRENTES
DANO BIOLÓGICO
Data do Acordão: 09/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 24.º, N.º 1, 26.º E 27.º DO CÓDIGO DA ESTRADA, 503.º, N.º 1, 505.º, N.º 1, 556.º, N.º 3, 570.º DO CÓDIGO CIVIL, 609.º, N.º 1, 615.º, N.º 1, ALÍNEAS E) E D), E 662.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – Nas ações de responsabilidade civil em que são formulados pedidos parcelares de indemnização, os limites da condenação impostos no artigo 609º são reportados ao valor total peticionado.

II – O tribunal também não incorre em qualquer violação dos limites do pedido quando, em vez de atribuir valores parcelares de compensação para cada um dos concretos danos, opta por fazer uma avaliação conjunta dos mesmos, qualificando-os como dano corporal, atribuindo-lhes um valor global se contém dentro do montante indemnizatório peticionado pelo autor relativamente a tais danos.

III – Ocorrendo o atropelamento num arruamento sem saída, destinado exclusivamente ao acesso, a pé e de automóvel, aos armazéns aí situados e à efetivação de cargas e descargas, onde não existe um espaço reservado para os peões e outro para os veículos automóveis, é de considerar superior a culpa do condutor que antes de embater no peão deixa um rasto de travagem de 4,5 m, surgindo o peão do seu lado esquerdo, por detrás de um veículo que prejudicava a visibilidade a ambos os intervenientes.

IV – A conculpabilidade do condutor do veículo automóvel (em maior grau do que a do peão, qualificável como culpa leve), aliada aos riscos próprios do veículo, justifica a não exclusão ou, sequer, redução, da indemnização a atribuir ao lesado na sequência do acidente (artigos 570º e 505º, do CC).

V – Não se afigura excessiva a indemnização de 15.000 € pelo dano biológico, fixada a um lesado com 67 anos à data do acidente, que ainda trabalhava por conta própria, ficando com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos, compatível com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares, com Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7, e com um Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável em 157 dias, tendo vivido com tais limitações até falecer 7 anos depois, aos 74 anos.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Relator: Maria João Areias
1º Adjunto: Anabela Marques Ferreira
2º Adjunto: Chandra Gracias

                                                                                               

Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

AA intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, por acidente de viação, contra o Fundo de Garantia Automóvel (atualmente a prosseguir também contra BB),

pedindo:

a condenação dos Réus no pagamento ao autor de:

a) 3,026,82€ a título de danos patrimoniais (1.707,62€ pela incapacidade permanente temporária e 1.319,20€ por despesas);

b) 23.000,00€ a título de danos não patrimoniais;

c) juros legais sobre os montantes referidos nas alíneas anteriores desde a citação até pagamento integral.

Alegou, para tal, ter sofrido danos em consequência do acidente de viação ocorrido no dia 08-02-2016, provocado pelo condutor de um veículo que não possuía seguro válido e eficaz.

O Réu, Fundo de Garantia Automóvel deduz Contestação por impugnação e exceção, invocando a sua ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, por se encontrar desacompanhado do responsável civil (art.º 62.º, n.º 1 do DL 291/2007, de 21 de agosto).

O A. respondeu, suscitando o incidente de intervenção principal provocada de CC e BB, respetivamente proprietário e condutor do veículo alegadamente causador do acidente de viação em apreço, a qual foi admitida.

 Chamado à ação, CC impugnou a qualidade de proprietário do veículo de matrícula ..-..-SV, à data do acidente e invocou a exceção da sua ilegitimidade passiva.

O Réu BB apresentou Contestação por impugnação, apresentando uma versão alternativa da dinâmica do acidente, pugnando pela improcedência da ação.

Falecido o Autor, DD, EE e FF foram habilitadas como suas únicas e universais herdeiras, com elas prosseguindo a ação.

As Autoras/Intervenientes desistiram do pedido formulado quanto ao Interveniente CC, desistência essa que foi homologada por sentença.

Realizada audiência final, foi proferida Sentença, que culminou com a seguinte:

“ IV. Decisão:

Face ao exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno os Réus BB e Fundo de Garantia Automóvel a pagarem solidariamente ao A. (suas herdeiras habilitadas):

1) a quantia de € 1.319,20 (mil trezentos e dezanove euros e vinte cêntimos), acrescida de juros de mora, a contar da citação, até integral pagamento e

2) a quantia de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, a contar do trânsito em julgado da presente sentença, até integral pagamento, absolvendo-os do mais peticionado.”


*

Inconformado, o 1º réu, Fundo de Garantia Automóvel, interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

(…).

*
Também o 2º réu, BB interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[1]:
(…).
*
A autoras/habilitadas apresentaram contra-alegações ao recurso interposto pelo FGA, bem como ao recurso interposto pelo Réu BB, pugnando pela improcedência de ambos.
*
Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir seriam as seguintes:
A – Apelação do Fundo de Garantia Automóvel
1.    Se a produção do acidente é exclusivamente imputável ao autor.
B – Apelação do Réu BB
1. Nulidade da sentença nos termos do art.º 615º n.º 1 alínea e) e d) do CPC
2. Impugnação da decisão proferida em sede de matéria de facto
3. Se o acidente é de imputar a culpa exclusiva do autor.
4. Se a indemnização por dano biológico fixada em 15.000 € deve ser reduzida para o montante de 5.000 €.
*
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

*

As questões objeto de recurso serão conhecidas, não pela ordem acima anunciada, mas seguindo um critério de precedência lógica.

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1. Se a sentença se encontra ferida das nulidades a que se reportam o artigo 615º, nº1, alíneas e) e d), do CPC.

Segundo o Apelante/BB, perscrutando a petição inicial, o autor peticiona a quantia global de € 23.000,00 a título de danos não patrimoniais, dos quais:

a) limitação a que ficou sujeito para o trabalho, dores e tratamentos após o sinistro: € 8.000,00 (cfr. art.º 31º da P.I.);

b) deixar de trabalhar: € 7,500,00 (cfr. art.º 36º da P.I.);

c) dores, perda de mobilidade, terapêutica antidepressiva e indutora do sono: € 7.500,00 (cfr. art.º 38º e 40º da P.I.).

pelo que, a decisão recorrida, ao fixar ao autor uma indemnização no montante global de € 22.500.00, sendo € 15.000,00 a título de dano biológico e € 7.500,00 referente a danos não patrimoniais, se encontra ferida de nulidade nos termos do artigo 615º, als. e) e d) do CPC, por condenar:

i) em objeto diverso do pedido, porquanto, o autor não alega nem peticiona o pagamento de qualquer quantia a título de dano biológico;

b) em quantidade superior ao pedido, porquanto, o dano biológico apenas se poderia reconduzir ao que vem alegado em 40, pelo qual o autor pede a quantia de 7.500 €.

Não é de atribuir qualquer razão ao Apelante.

As causas de nulidade da sentença previstas nas alíneas d) e e), do artigo 615º do CPC – conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento ou condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido –, encontram-se relacionadas com os limites da condenação a que se refere o nº1 do artigo 609º do CPC, segundo o qual “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.

Incumbindo às partes a circunscrição do thema decidendum (artigo 3º, nº1 do CPC), o juiz tem de se mover dentro do pedido e da causa de pedir, tendo a sentença de se conter nos limites quantitativos e qualitativos da pretensão deduzida.

No entanto, se às partes compete a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas quanto aos poderes de cognição do tribunal, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (artigo 5º, nºs. 1 e 3 do CPC).

Face à consagração do princípio da oficiosidade da qualificação dos factos consagrado no nº3, a valoração jurídica atribuída pelo autor aos factos não é vinculativa para o tribunal.

Por outro lado, na ação de indemnização, os limites da condenação consagrados no nº1 do artigo 661º do CPC reportam-se ao pedido global e não às várias parcelas que o compõem[2].

Como é jurisprudência e doutrina pacífica, o princípio consagrado no nº1 do artigo 609º não obsta a que, nas ações de responsabilidade civil, perante pedidos parcelares de indemnização, se considere que o limite de cada parcela se reporta ao valor total peticionado[3].

O limite de condenação imposto no artigo 609º é o valor do pedido considerado no seu todo, não havendo obstáculo a que o juiz condene em quantia superior à pedida relativamente a um dos danos parcelares cujos quantitativos indiciados pelos lesados apenas constituem critérios orientadores[4].

O juiz pode, assim, valorizar qualquer das parcelas em que se desdobra o pedido global de indemnização em montante superior ao indicado pelo autor, desde que o valor total alcançado não exceda o valor do pedido[5].

Passemos ao caso em apreço.

Com a presente ação, o autor pretende ser indemnizado pelos seguintes danos: na sequência das sequelas do acidente não mais poder trabalhar como até fazia até então (arts. 33º, 34º, 35º da p.i.), perda de mobilidade e sensibilidade de que passou a sofrer, pela terapêutica permanente a que tem de se submeter, antidepressiva e indutora do sono (arts. 38º e 39º), e uma incapacidade permanente parcial de 8,925 % com que ficou, como resulta do relatório de Avaliação do Dano Corporal (art. 41º).

Tais danos enquadram-se claramente no chamado “dano biológico”, sendo perfeitamente irrelevante que o autor não os tenha qualificado como tal.

Como sustenta Maria da Graça Trigo[6], integram claramente o dano biológico, o dano de afirmação pessoal ou dano à vida de relação, dano estético ou psíquico; dano sexual, dano à capacidade laboral genérica; elenco este que poderá ser decomposto nas seguintes variantes: perda de aptidões familiares ou afetivas, em especial da capacidade procriativa, perda da faculdade prática de atividade desportiva ou de outra atividade recreativa; perda do gozo dos anos de juventude, perda da possibilidade de iniciar ou prosseguir determinados estudos, perda de esperança de vida.

Para efeitos de delimitação do objeto do pedido o que interessa são os concretos factos alegados pelo autor relativamente aos danos por si sofridos, independentemente da qualificação que deles faz (como patrimoniais, não patrimoniais, dano biológico, etc.). Desde que alegados os danos, o tribunal pode conhece-los, sendo livre na qualificação que deles faz.

Assim como, o tribunal também não incorre em qualquer violação dos limites do pedido quando, em vez de atribuir valores parcelares de compensação para cada um dos concretos danos, opta por fazer uma avaliação conjunta do dano corporal, cujo valor de 15.000 € se contém dentro do montante indemnizatório peticionado pelo autor relativamente a tais danos.

Vai assim indeferida a arguição das invocadas nulidades da sentença.


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A. Matéria de facto

Na decisão recorrida foi proferido o seguinte julgamento relativamente à matéria de facto apresentada nos autos e tida por relevante:

A. Factos Provados

1- No dia 8 de fevereiro de 2016, cerca das 18:10 horas, o R. BB conduzia o veículo automóvel com matrícula ..-..-SV no arruamento paralelo à Rua ..., em ..., ..., no sentido sul-norte, a uma velocidade não concretamente apurada, mas não superior a 50 km/h (art. 8º da p.i.).

2- O A. saiu da loja “A...” e iniciou o atravessamento do arruamento referido em 1) (art. 1º da p.i. e 19º da contestação de BB).

3- O R. BB avistou o Autor e travou, não tendo conseguido imobilizar o veículo antes de lhe embater no joelho direito (art. 2º, 8º e 9º da p.i. e 18, 20 e 25º da contestação de BB).

4- Em consequência do embate, o Autor caiu e ficou deitado no pavimento à frente do SV (art. 27 da contestação de BB).

5- O arruamento referido em 1) tem dois sentidos de circulação de veículos, não tem sinal de proibição de exceder a velocidade máxima e a faixa de rodagem tem 10 metros de largura.

6- O arruamento referido em 1) dá acesso a armazéns comerciais, onde ocorrem cargas e descargas e circulam veículos e peões que se deslocam a esses armazéns (art. 3º, 5º e 7º da p.i.).

7- Na hora e local referidos em 1), encontrava-se parado em frente ao “A...” um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o sentido em que circulava o R. (art. 6º da p.i. e 14 da contestação de BB).

8- O arruamento referido em 1), em frente ao “A...”, é bem iluminado.

9- Em consequência do embate, o A. foi transportado para o serviço de urgência do Centro Hospitalar ... (...), apresentando traumatismo craniano sem perda de conhecimento e fratura da rótula direita (art. 11º e 20º da p.i.)

10- Ficou internado no serviço de ortopedia e sujeito a intervenção cirúrgica, tendo tido alta hospitalar no dia 14/02/2016 (art. 21º da p.i.)

11- Continuou a ser seguido em consultas de ortopedia e em 23 de janeiro de 2017 realizou extração de material de osteossíntese, tendo retirado os pontos em 8 de fevereiro (art. 22º, 23º e 24º da p.i.).

12- Em 12 de Julho de 2017, o A. fez uma infiltração e em consulta realizada a 30 de Novembro de 2017, continuava a apresentar queixas álgicas (art. 25º da p.i.).

13- O Autor sofreu dores, foi submetido a exames, cirurgias e tratamentos dolorosos (art. 30º da p.i.)

14- O Autor deixou de poder praticar ténis, o que fazia semanalmente (art. 32º da p.i.)

15- Na data referida em 1), o Autor trabalhava por conta própria, fazendo mediação e serviços de consultadoria na área da construção civil (art. 33º da p.i.)

16- As dores, a perda de mobilidade e sensibilidade de que o Autor passou a sofrer após o acidente associadas à terapêutica permanente e aparentemente definitiva, antidepressiva e indutora do sono, afetaram a pessoa do Autor (art. 37º e 38º da p.i.)

17- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 13/07/2016.

18- Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 16 dias.

19- Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 172 dias.

20- Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável em 157 dias.

21- Quantum Doloris fixável no grau 4/7.

22- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos, perspetivando-se Dano Futuro.

23- As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

24- Dano Estético Permanente fixável no grau 2/7.

25- Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7 (art. 34º, 43º da p.i.)

26- Em consequência do embate, os óculos do Autor caíram no solo e foram pisados por um veículo que ali circulava e os partiu (art. 44º da p.i. e 40º e 41º da contestação de BB).

27- Os óculos referidos em 26) tinham um valor não concretamente apurado, mas não inferior a € 1.013,98 (art. 44º da p.i.).

28- O Autor gastou a quantia de € 247,35 em taxas moderadoras e em exames complementares de diagnóstico (art. 45º da p.i.)

29- O Autor gastou o valor total de € 57,87 com medicamentos (art. 46º da p.i.)

30- Em data não concretamente apurada situada entre o dia 12-12-2015 e o dia 8-2-2016, o R. BB comprou o veículo ligeiro de passageiros, marca Ford, modelo Focus, de matrícula ..-..-SV (art. 10º a 13º da contestação de CC).

31- Na data referida em 1), o veículo automóvel ..-..-SV não possuía seguro válido (art. 12º e 15º da p.i.).

32- Em consequência do referido em 1) a 4), correu termos no Tribunal do Trabalho de Coimbra – J2 o Processo de Acidente de Trabalho n.º 6591/16...., sem que tenha havido acordo quanto à responsabilidade por acidente de trabalho (art. 27º da p.i. e 20º e 24º da contestação do FGA)

33- Os autos referidos em 32) encontram-se suspensos, nos termos do art. 119º, n.º 4 do Código de Processo do Trabalho.

34- Os factos referidos em 1) a 4) deram origem ao processo de Inquérito n.º 921/16...., que correu termos na 2ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra, e que terminou com despacho de não pronúncia (art. 2º e 14º da p.i.)

35- O A. nasceu no dia ../../1948 e faleceu no dia ../../2023.


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B. Factos não provados:

- Qual foi a parte do veículo SV (para-choques lateral esquerdo, conforme alega do R. BB, ou parte da frente do veículo, conforme pretende o A.) que embateu no joelho direito do A. (arts. 9º da p.i. e 25 da contestação de BB)

- Que, com a força da pancada, o A. tenha sido projetado no ar a uma distância de 2,5m e que, após tocar uma primeira vez no solo, tenha ressaltado, e só depois tenha ficado imobilizado no solo (art. 9º da p.i.).

- Que o arruamento onde ocorreu o sinistro tenha sido regulamentado como “zona de coexistência”, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1º bb) do Código da Estrada (art. 7º da p.i.)..

- Que no dia e hora referidos em 1) chovia (art. 15º da contestação do FGA e art. 13º da contestação de BB).

- Que o Autor tenha atravessado a estrada a correr (15º da contestação do FGA e 18º e 33 da contestação de BB).

- Que o Autor não tenha olhado para cada um dos lados a fim de aferir a existência de veículo a circular (art. 33 da contestação de BB).

- Que o R. BB tenha percorrido cerca de 45 metros, desde que iniciou a marcha do seu veículo (art. 18 da contestação de BB).


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1. Impugnação da decisão proferida em sede de matéria de facto.

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.


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 Impugna o Apelante/BB a decisão proferida quanto ao ponto 7. da matéria de facto dada como provada, com o seguinte teor:

7- Na hora e local referidos em 1), encontrava-se parado em frente ao “A...” um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o sentido em que circulava o R.

Sustenta o Apelante que deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada, dando-se como provado que:

O autor iniciou a travessia junto a dois veículos que se encontravam estacionados no arruamento e que lhe retirava visibilidade em relação ao transito que circulava no sentido de marcha do SV”.

Para tal, invoca o Réu/Apelante a seu favor o depoimento de GG que afirmou que naquele dia havia carrinhas paradas em frente ao armazém ao lado, o que pode ter dificultado a visibilidade (reciprocamente do A. e do R.), as carrinhas transportadoras, normalmente altas, não respeitam a proibição de estacionamento naquele local, ora mais encostadas à parede, ora mais no meio rua…..; e ainda o depoimento de HH, que também confirmou a existência de carrinhas mal estacionadas que tiravam a visibilidade ao sinistrado.

Quanto à materialidade constante do ponto 7., dos factos provados, pretende o R./Apelante dar como provada a existência, não de um, mas de dois veículos aí estacionados do lado esquerdo da estrada e junto ao A..., de onde saía o autor, e daí retirar a conclusão de que tais veículos retiravam a visibilidade ao autor para o lado de onde provinha o Réu.

Do teor das declarações prestadas em audiência pelas duas testemunhas a tal respeito, tidas em consideração na sentença recorrida, não nos permite dar o salto defendido pelo Réu/Recorrente, relativamente à existência de mais um outro veículo. A testemunha GG, que trabalhava no armazém do A... e que atendeu o autor nesse dia não assistiu ao acidente, limitando-se a afirmar que “naquele dia havia “carrinhas” paradas em frente ao armazém ao lado, o que pode ter dificultado a visibilidade, reciprocamente para o autor e para o condutor do veículo; quanto à testemunha HH, subordinado do réu, em audiência final, afirma que havia “uma, duas ou mais carrinhas” estacionadas do lado esquerdo, atento o sentido em que o réu circulava, “que também tapava a visibilidade”. Tais depoimentos são demasiado vagos para deles retirarmos a existência de uma segunda carrinha estacionada do lado esquerdo, atento o sentido do SV. Por outro lado, ouvido pela PSP em data próxima do acidente (16/09/206), e com a memória ainda fresca, a testemunha HH  afirmou que “se encontrava estacionada uma carrinha entre as instalações do A... e a B...” (cfr., auto de inquirição de testemunha junto a fls. 174 e 175); por sua vez, o agente da PSP, II, que elaborou a participação do acidente, refere a existência unicamente de “uma carrinha baixa tipo 4L” que se encontrava ali parada, o que foi igualmente confirmado pela testemunha DD, mulher do autor e que se encontrava à espera, dentro de um veículo estacionado à frente do A....

De qualquer modo, independentemente da dúvida que pudesse ficar sobre se se encontraria aí estacionada uma outra carrinha para além da 4L (do lado esquerdo do veículo e do lado direito do peão, quando saía do estabelecimento e começou a atravessar o arrumamento) o facto de tal carrinha prejudicar a visibilidade, quer para o peão quer para o condutor do SV, encontra-se igualmente confirmada pelo depoimento da testemunha JJ, que conduzia um veículo circulando no sentido oposto ao do SV e que teve de parar à espera que o SV passasse (por causa dos carros estacionados de um lado e do outro, não havia espaço disponível para que dois carros se cruzassem); tal testemunha afirma que viu o sr. a sair a pé, quando saiu entre as carrinhas, ouvindo o outro carro a travar.

Na procedência parcial da impugnação, aditaremos a seguinte matéria de facto:

7.a. a localização de tal veículo retirava visibilidade para quem circulasse no sentido de marcha do SV, assim como para os peões que aí pretendessem atravessar a estrada, saindo do A....


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Pretende o Apelante o aditamento da seguinte matéria de facto, aos factos dados como provados:

36. O veículo conduzido pelo interveniente deixou um rasto de travagem de 4,5 m;

37. O interveniente percorreu cerca de 50 metros desde que iniciou a marcha até ao local do acidente;

Bem como que se proceda à seguinte alteração do teor do ponto 1 dos factos provados:

1. No dia 8 de fevereiro de 2016, cerca das 18:10 horas, o R. BB conduzia o veículo automóvel com matrícula ..-..-SV no arruamento paralelo à Rua ..., em ..., ..., no sentido sul-norte, a uma velocidade não concretamente apurada, mas não superior a 30 km/h.

Quanto aos factos que o Réu/Apelante pretende ver aditados sob os ns. 36 e 37, constituem factos instrumentais ou probatórios, cuja relevância se restringirá essencialmente ao contributo que podem acarretar para a prova do facto a comprovar, relativo à velocidade a que seguia o veículo SV.

O tribunal a quo explicou, pelo seguinte modo, os motivos que o levaram a afastar-se da tese do réu, de que este seguia a velocidade inferior a 30 km/ hora, dando como provado que aquele seguia a velocidade “não superior a 50 km/hora”:

“II, agente da PSP que se deslocou ao local do acidente e elaborou a participação de acidente registou os factos que observou à sua chegada, cerca de uma hora depois da ocorrência do sinistro. Dessa participação resulta, além do mais, que o veículo SV deixou um rasto de travagem de 4,5 metros no pavimento. Por outro lado, embora na mesma se refira que chovia, o estado do tempo no momento do atropelamento era seco, com o asfalto molhado, conforme resultou do depoimento das testemunhas presentes no local à hora do acidente.

Em relação à velocidade a que circulava o R. quando avistou o A., o mesmo invoca que circulava a uma velocidade inferior a 30 km/h (art. 17º da contestação de BB). Apesar de não ser possível apurar com exatidão a concreta velocidade a que circulava o R., tal velocidade não excederia os 50 quilómetros por hora, considerando que o mesmo iniciara a marcha poucos metros antes do local do embate, provindo do parque do estabelecimento comercial de reparação de veículos automóveis que gira sob a designação de “C...”, onde à data trabalhava, situado na traseira do armazém (conforme referido pela testemunha HH, consonante com o afirmado por BB ao agente da PSP – em que refere que percorrera 100 metros – e contrariamente ao cálculo realizado pelo R. e espelhado na imagem do Google maps junta com a sua contestação) e o rasto de travagem de 4,5 metros que deixou no pavimento.”

O réu faz assentar as pretendidas alterações, no depoimento da testemunha HH, que afirma seguir atrás do carro do Réu e que teriam percorrido cerca de 3 armazéns até ao local do acidente, “uns 20, 30, 40 m, não faço ideia”, e que iam a 20, 30 à hora, “era impossível irem a mais”.

Quanto à distância percorrida pelo réu, desde que saiu do parque situado atrás dos pavilhões até ocorrer o acidente, é o próprio réu que, nas declarações que prestou à PSP aquando do acidente, referiu que “estava a sair do trabalho que fica a cerca de 100 m do local do acidente”.

Quanto ao facto de SV ter deixado no pavimento um rasto de travagem de cerca de 4,5 m, consta da “Folha de Medições por coordenadas Cartesianas”, anexa à participação do acidente, e é reconhecido na própria sentença recorrida.

Maiores considerações nos merece a determinação da velocidade que o réu imprimia o seu veículo aquando do atropelamento.

A testemunha HH, subordinado do Réu (este era “o seu chefe de serviço”), e que conduzia um outro veículo atrás do SV, afirmou que o réu “não travou “de forma brusca”, pois tínhamos acabado de sair do armazém”, “era impossível irmos depressa, tínhamos acabado de sair, percorremos um espaço, no máximo que fosse a 20, 30 à hora…).

Contudo, tais declarações são contrariadas pelas demais testemunhas que assistiram ao embate: KK, que tinha estacionado e circulava a pé à procura do A..., JJ, que circulava em sentido oposto ao do réu (e que teve de parar, para o deixar passar, pois a sua via encontrava-se ocupada por carrinhas estacionadas) e DD (mulher do autor que se encontrava dentro da viatura estacionada), todos afirmam que ouviram o carro a travar imediatamente antes do atropelamento; e KK, quando ouvido pela PSP alguns dias depois do acidente, afirmou mesmo que, no seu entender, o acidente terá ocorrido “devido ao veículo atropelante circular com velocidade inadequada para o local”.

Por outro lado, quer Dario Martins de Almeida[7], quer estimativas mais atuais[8], apontam que, a uma velocidade de 30 km/hora, corresponde uma distância de travagem de cerca de 4,5 m, sendo que, no caso em apreço deixou mesmo um rasto de travagem, o que indicará ter ocorrido uma travagem a fundo, indiciando a possibilidade de uma velocidade superior a 30 km/hora.

Ou seja, da existência de um rasto de travagem de 4,5 m não poderemos retirar que o réu circulasse a velocidade “inferior” a 30 km/hora.

Como tal, improcede a impugnação deduzida ao ponto 1, deferindo-se apenas a pretensão do Réu ao aditamento do seguinte facto:

36. O veículo conduzido pelo interveniente deixou um rasto de travagem de 4,5 m.


*

Peticiona, por fim, o R./Apelante, o aditamento dos seguintes factos:

38. O autor atravessou o arruamento sem olhar para cada um dos lados a fim de aferir da existência de veículos a circular.

39. O autor embateu no farol dianteiro esquerdo, concretamente, no canto frontal esquerdo do SV

Fundamento o Réu a sua pretensão a tais alterações à decisão sobre a matéria de facto sobre tais matérias, nos seguintes meios de prova:

- do depoimento da testemunha HH, que conduzia um veículo imediatamente atrás do SV e que afirmou que não viu o peão a caminhar, só o viu após o embate, no chão e ainda que o peão, se a seguir à carrinha olhasse para o lado direito avistaria o SV;

- o depoimento da testemunha JJ, que declarou que, quando o Sr. saiu a pé entre as carrinhas viu o carro do BB (aqui Réu) em sentido contrário, ouviu o BB a travar “e o Sr. bateu do lado esquerdo do carro, ali na zona do farol”.

De tais depoimentos não se extrai que o autor tenha atravessado a estrada sem olhar para ambos os lados (a testemunha HH afirma só ter visto o peão após o embate, e no depoimento da testemunha JJ não há qualquer referencia a que o peão tenha, ou não, olhado para cada um dos lados), pelo que, nesta parte, não podemos dar razão ao Apelante.

Quanto ao ponto de embate entre o carro e o peão, embora da participação do acidente de viação conste que, “do acidente não eram visíveis danos do veículo, a versão da testemunha JJ quanto ao ponto da viatura que embateu no autor – na parte da frente esquerda, zona do farol –, acaba por ser confirmada pela testemunha KK, que, ouvido perante a PSP a 07/09/2016, afirmou que, indo a pé, naquele local, em direção ao A..., apercebeu-se de um embate “entre a parte anterior esquerda do veiculo que tinha efetuado e a travagem e um peão” (cfr. certidão de fls. 170 e 171).

Como tal, é alterar a decisão proferida relativamente à matéria contida no primeiro ponto dos factos dados como não provados, dando-se como provado que:

37. O embate ocorreu entre a frente esquerda do veículo, na zona do farol, e o peão.

Improcedendo, no mais as pretensões do Réu à impugnação de tais factos.


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B. Subsunção dos factos ao direito

3. Se o sinistro é de imputar a culpa exclusiva do peão

O tribunal recorrido fez assentar a condenação dos réus na responsabilidade objetiva inerente à direção efetiva de veículos automóveis, nos termos do artigo 503º, nº1, do CC, por se desconhecer se o sinistro ocorreu por conduta ilícita do autor, do réu ou dos dois, com base na seguinte apreciação que faz da factualidade dada como provada:

“Da discussão da causa resultou provado que no dia 8 de Fevereiro de 2016, cerca das 18:10 horas, o R. BB conduzia o veículo automóvel com matrícula ..-..-SV no arruamento paralelo à Rua ..., em ..., ..., no sentido sul-norte, a uma velocidade não concretamente apurada, mas não superior a 50 km/h; o A. saiu da loja “A...” e iniciou o atravessamento do referido arruamento; o R. BB avistou o Autor e travou, não tendo conseguido imobilizar o veículo antes de lhe embater no joelho direito tendo o mesmo, em consequência do embate, e subsequente queda sofrido os danos dados como provados.

Contudo, não é por não circular a uma velocidade igual ou inferior à permitida (facto provado 1), que se pode concluir que o R. não iria a uma velocidade desadequada para as condições da via.

Com efeito, há que ter em conta que as características da via, no momento em que na mesma circulava, exigiam do R. uma especial atenção e cuidado. Trata-se de um arruamento que dá acesso a armazéns comerciais, onde ocorrem cargas e descargas e circulam veículos e peões que se deslocam a esses armazéns. Nesse dia e hora, encontrava-se parado em frente ao “A...” um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o sentido em que circulava o R., o que impedia o cruzamento de dois veículos, razão pela qual a testemunha JJ, que conduzia o seu veículo em sentido oposto ao do R., parou para lhe dar passagem. O referido veículo ligeiro de mercadorias dificultava a visibilidade do R. em relação ao local de onde proveio o A., o que lhe impunha que circulasse a uma velocidade ainda mais lenta, por forma a poder fazer parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente, como impõe o art. 24º do Código da Estrada. Ou seja, mesmo circulando a velocidade inferior à máxima permitida naquele local (50 km/h) ou mesmo a 30 km/h conforme por si alegado, ainda assim poderia estar a circular a velocidade excessiva às condições da via, não tendo conseguir parar o veículo no momento em que avisou o A. Velocidade essa que pode ter sido induzido a imprimir, considerando a paragem de um veículo que circulava em sentido contrário (conduzido pela testemunha JJ), que aguardava a passagem do R., uma vez que, atenta a presença do veículo ligeiro de mercadorias, não era possível o cruzamento dos dois veículos.

Da parte do A., a respetiva visibilidade em relação ao trânsito automóvel que se apresentava à sua direita era igualmente prejudicada pela presença do supra referido veículo ligeiro de mercadorias. E, apesar de ser de noite e de o veículo conduzido pelo R. circular com as luzes ligadas, o A. pode não se ter apercebido dessas luzes, devido à boa iluminação do local onde se encontrava. Tal como pode não ter olhado para o seu lado direito, de onde provinha o veículo conduzido por BB (apesar das declarações nesse sentido da sua esposa DD), ou pode tê-lo feito de forma distraída, sem se aperceber da circulação daquele veículo, em violação do art. 101º, n.º 1 do Código da Estrada.

Contudo, não se apurou factualidade subsumível a qualquer das supra elencadas hipóteses. Desconhece-se, pois, se o atropelamento do A. foi provocado por uma conduta ilícita do A. ou do R. BB, ou mesmo dos dois.”

 O Apelante/Fundo de Garantia Automóvel discorda de tal apreciação, alegando que, da matéria dada como provada, não se pode concluir que ao condutor fosse possível avistar o peão, nem a sair da loja, nem a iniciar a travessia da rua, tendo sido surpreendido pelo peão que lhe saiu inadvertidamente, entre dois veículos estacionados do lado esquerdo da via, atento o seu sentido de macha. Sustenta, assim, que o acidente é de imputar a culpa exclusiva do peão ou, quando muito, a culpas concorrentes, 80% para o autor e 20% para o réu.

Por sua vez, o Apelante/BB defende a inexistência de culpa da sua parte, sustentando que o acidente se deveu a dois fatores: os veículos que se encontravam (mal) estacionados em frente do A... e, sobretudo, por culpa do peão, pois, se tivesse olhado para a sua direita, teria avistado o veículo do réu a 4,5 m de distância.

Embora nos afastemos da análise efetuada por qualquer um dos Apelantes, quando pretendem ser de imputar o sinistro a culpa exclusiva do peão (autor), temos de lhes dar razão na censura que deduzem à sentença recorrida, na parte em que afirma não ser possível imputar o acidente a título de culpa ou definir a contribuição de qualquer um dos intervenientes.

Desde logo, das próprias considerações que o tribunal a quo tece acerca das circunstâncias que rodearam e levaram ao atropelamento do peão, chegaríamos a conclusão oposta à assumida na sentença recorrida.

Concordamos na íntegra quanto ao juízo de valor aí expresso, no sentido de que as características do local exigiam que o condutor do SV circulasse com um especial cuidado – nomeadamente por se tratar de um arruamento que dá acesso a armazéns comerciais, onde ocorrem cargas e descargas e circulam veículos e peões que se deslocam a esses armazéns, e quando se encontravam estacionados veículos do lado esquerdo que, não só impediam o cruzamento de veículos que circulassem em sentido oposto, como dificultavam a visibilidade relativamente a possíveis clientes a sair das lojas para a rua – e a velocidade especialmente reduzida, sendo que, ainda que circulasse a 30 Km/hora, tal velocidade afigurar-se desadequada para o local, por excessiva.

No caso em apreço, ficou ainda demonstrado (facto que, apesar de não ter sido feito constar dos factos provados, foi tido em consideração pelo tribunal recorrido) que o SV deixou um rasto de travagem de 4,5 m, de onde se pode retirar a conclusão (tendo em consideração que, à distância de travagem temos ainda que ter em consideração a distância de reação), de que o respetivo condutor terá avistado o peão a, pelo menos, uns 11 m de distância, pelo que o peão não lhe terá surgido assim tão inopinadamente como pretendem os réus.

Por outro lado, era suposto que o condutor contasse com o trânsito de peões, a circular ou a proceder a operações de carga e descarga, assim como, de automóveis a estacionar e a sair dos estacionamentos de apoio aos estabelecimentos comerciais aí existentes, circulação à qual este ao qual deveria estar atento.

E, nomeadamente, o facto de se encontrarem estacionados veículos do lado esquerdo do arruamento, onde se situavam os armazéns (armazéns estes, abertos ao público), paralelamente a este, dificultando a visibilidade para quem se encontrasse a sair dos armazéns acedendo ao arruamento, impunha uma redobrada atenção ao condutor do SV que deveria contar com a hipótese de que poderiam sair peões entre os veículos, nomeadamente, do A....

Para além dos limites gerais e especiais de velocidade previstos nos artigos 26º e 27º do Código da Estrada, o nº1 do artigo 24º, começa por consagrar a regra geral, de que  “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”

No caso em apreço, embora fiquem dúvidas quanto à concreta velocidade a que circulava, existem nos autos elementos suficientes para concluir que o acidente é de imputar claramente a velocidade excessiva do condutor, perfeitamente desadequada às condições do local – um arruamento de acesso a armazéns, de circulação de peões e veículos e onde se efetuam cargas e descargas – em violação do disposto no artigo 24º do Código da Estrada.

Vejamos, agora, se o comportamento do peão concorreu para a produção ou agravamento dos danos e em que medida, a fim de determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, nos termos do artigo 570º do Código Civil[9].

O peão saía do A... – havendo que ter em consideração que, não existindo ali passeios, para quem sai do estabelecimento acede-se, de imediato, ao arruamento – deparando-se à sua direita com um veículo estacionado que prejudicava a visibilidade para o seu lado direito, de onde provinha o SV. O autor inicia a travessia do arruamento, e após percorrer o espaço por detrás da carrinha estacionada do seu lado direito, é embatido na sua perna direita pela frente esquerda do SV, junto ao farol, provindo da sua direita.

Em primeiro lugar e ao contrário do sustentado pelo Fundo de Garantia Automóvel, o peão não atravessou o arruamento em local proibido. Na inexistência de qualquer passadeira, o peão podia proceder ao atravessamento do arruamento e por ele circular em qualquer lado, sendo que, não existindo passeios, sair da porta do A... equivalia a aceder diretamente ao arruamento (como se pode ver das imagens do Google Maps, juntas pelo Réu BB, com a sua contestação).

Sendo tal arruamento destinado igualmente ao acesso de veículos aos armazéns aí existentes e ao parque de estacionamento traseiro, também o peão tinha de estar atento à circulação automóvel, pelo que, se o veículo estacionado à sua direita lhe dificultava a visibilidade para a sua direita, após passar tal veículo, impunha-se-lhe a obrigação de olhar para a sua direita, assegurando-se de que não se aproximavam veículos desse lado antes de continuar a travessia do arruamento.

Como tal, podemos afirmar que para o atropelamento terá igualmente concorrido o comportamento negligente do peão, se não em violação do disposto no artigo 101º, nº1 do Código da Estrada[10] (com as devidas adaptações devido ao facto de ter ocorrido num espaço de circulação coexistente de peões e veículos), pelo menos, em violação de um dever geral de cuidado de evitar a produção de danos.    

Se atentarmos unicamente à contribuição das culpas do condutor do veículo e ao peão no deflagrar do atropelamento, surge-nos como mais grave a culpa do condutor do veículo uma vez que o sinistro ocorre numa via que, sendo embora pública, se destinava exclusivamente ao acesso, a pé e de automóvel, aos armazéns aí situados e à efetivação de cargas e descargas (consiste num arruamento sem saída), tratando-se de um local onde não existe um espaço reservado para os peões e outro para os veículos automóveis.

Daí que, face à sua capacidade de causar danos e ao facto de circular num espaço onde circulam peões e veículos, impunham ao condutor do SV um especial dever de cuidado na circulação do veículo, com uma atenção redobrada ao que o rodeava, contornando veículos aí parados (em operações de carga e descarga) ou estacionados, cedendo a passagem a outros veículos, se necessário, e dando prioridade aos peões que atravessassem ou circulassem no arruamento, procedendo a cargas e descargas.

Para além de, no confronto da gravidade das culpas negligentes por parte do condutor do veículo automóvel e por parte do peão, se nos afigurar a culpa deste como uma culpa leve, haverá, ainda, que ter em consideração um outro fator – deliberadamente afastado pela decisão recorrida por ter enveredado pela via direta da responsabilidade objetiva – consistente no risco geral de circulação automóvel.

Com efeito, a par da qualidade de condutor (pela qual responderia unicamente na medida da sua culpa, efetiva ou presumida), o réu, enquanto seu proprietário, é igualmente detentor do veículo, “respondendo pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação” (artigo 503º, nº1, do CC).

O disposto no artigo 570º do CC, deverá ser articulado com o nº1 do artigo 505º, do Código Civil, segundo o qual a responsabilidade objetiva do detentor do veículo, prevista no nº1 do artigo 503º, “só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro ou quando resulte de causa ou força maior estranha ao funcionamento do veículo”.

A jurisprudência do STJ e a doutrina recente têm vindo a assumir uma interpretação atualista da conjugação de tais normas, no sentido de, em determinados circunstancialismos fácticos – de culpa leve do lesado e em que os riscos próprios da circulação do veículo tiverem um papel especialmente relevante na produção do evento danoso –  se admitir o concurso entre a responsabilidade pelo risco do veículo e a culpa do lesado.

“No plano da relação causal ente o risco comum inerente à circulação de veículos e os danos sofridos por peões e passageiros (…), não se pode negar que a força cinética de um veículo automóvel constitui causa adequada de parte significativa dos danos pelo que a redução da indemnização devido à conduta concausal do lesado teria de ser limitada a uma percentagem diminuta[11]”. 

Em especial, como defende Lopes do Rego, na questão da eventual concorrência entre os riscos do veículo e a conduta do lesado que importe um comportamento inadequado às regras e padrões de conduta impostos aos utentes da via publica, haverá que distinguir entre o campo dos riscos genéricos de circulação do veículo interveniente no acidente e o de determinados riscos específicos agravados que se verificam face às circunstancias particulares e concretas em que ocorreu o acidente:

“Noutros casos, os riscos específicos e agravados do veículo emergem das particularidades da via por onde o mesmo circulava no momento do acidente, especialmente propícias à eclosão de sinistros com gravosas consequências, apesar do cumprimento pelo respetivo condutor de todas as regras estradais. É nomeadamente o que sucede com a circulação em vias urbanas essencialmente pedonais ou envolvendo o problemático forçado convívio de múltiplos utentes (veículos automóveis, peões, velocipedistas, condutores de trotinetes), propiciando situações de conflito rodoviário de grande perigosidade, em que qualquer falha ou falta mínima cometida por qualquer um dos intervenientes pode desencadear um sinistro com consequências extremamente gravosas.

Na verdade, e como parece evidente, é substancialmente diferente o risco normal de circulação de um veículo automóvel em estrada aberta ou em vias rápidas e o risco específico e agravado associado à circulação em vias urbanas congestionadas e sujeitas ao convívio forçado de múltiplos e diferenciados utentes, o qual naturalmente não deverá, no referido juízo casuístico, deixar de ser ponderado quando se procura avaliar o relevo atribuível ao facto culposo do próprio lesado, balanceando-o com os concretos e específicos riscos de circulação do veículo em causa nesse contexto[12]”.

E, se os riscos na circulação do veículo podem ser ponderados em concurso com a culpa do lesado, por maioria de razão, serão de atender em circunstâncias de concorrência de culpas entre o lesante e o lesado, para efeito de determinação de quotas da responsabilidade.

No caso em apreço, a conculpabilidade do condutor do SV (e em maior grau do que a do lesado), aliada aos riscos próprios do veículo, acabam por nos levar, embora por outras vias, à solução adotada pelo tribunal recorrido, de não excluir ou reduzir, sequer, a indemnização a atribuir ao lesado na sequência do acidente.

Improcedem, assim, nesta parte, as pretensões de ambos os Apelantes.


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4. Se a indemnização pelo dano biológico deve ser reduzida para o montante de 5.000,00 €

Por fim, insurge-se o Apelante BB contra o montante de 15.000 € atribuída ao autor a titulo de indemnização pelo dano biológico, defendendo a sua redução para o valor de 5.000 €, com os seguintes fundamentos:

o autor fazia serviços de consultoria na área de construção civil, sem que encontre demonstrado qual seria o rendimento (se é que tinha) que advinha para o autor de tal dita atividade;

não resulta dos factos provados, em que medida é que as lesões sofridas implicam uma maior penosidade no exercício da referida atividade;

não resulta, em concreto, provada uma qualquer incapacidade permanente para o trabalho que lhe acarretasse qualquer perda de rendimento, ou sequer qual o rendimento auferido pelo autor, e em que medida é que os danos se repercutiram na sua atividade, pelo que, atendendo à idade à data do acidente (67) e a circunstância de ter (infelizmente) falecido 7 anos após o sinistro, a indemnização de 15.000 € é exagerada.

As críticas dirigidas à fixação do montante da indemnização baseadas na falta de elementos factuais são destituídas de sentido.

A sentença recorrida refere expressamente não se encontrar em causa a atribuição de qualquer perda salarial, e que as sequelas com que ficou são compatíveis com o exercício da atividade habitual, implicando esforços completares.

Como tal, para a fixação da indemnização pelo dano biológico é irrelevante o apuramento de qual o rendimento que retirava de tal atividade.

Quanto à maior penosidade no exercício da atividade do autor, resulta do tipo de lesões e sequelas resultantes do atropelamento: o autor sofreu fatura da rótula direita, tendo sido sujeito a várias cirurgias, lesões que lhe acarretaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, ficando afetado com dores, perda de mobilidade e sensibilidade, encontrando-se sujeito a terapêutica permanente e aparentemente definitiva, antidepressiva e indutora do sono.

Vejamos agora se é de reduzir o montante da indemnização de 15.000 €, fixado a titulo de dano biológico, por exagerado.

É incontrovertido que o critério único de fixação do dano corporal é a equidade, nos termos do artigo 556º, nº3, do Código Civil, assentando numa ponderação casuística da situação em apreço, dentro de uma margem de discricionariedade que ao consentida ao julgador, sem colidir com critérios jurisprudenciais atualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade[13].

Conforme a jurisprudência dos nossos tribunais[14], o recurso à equidade “não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto.

Como é igualmente jurisprudência do STJ, “em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras[15]”.

 Vejamos quais as circunstâncias tidas por relevantes pelo tribunal a quo:

“A este propósito, provou-se que, em consequência do embate, o A. foi transportado para o serviço de urgência do Centro Hospitalar ... (...), apresentando traumatismo craniano sem perda de conhecimento e fratura da rótula direita, ficou internado no serviço de ortopedia e sujeito a intervenção cirúrgica, tendo tido alta hospitalar no dia 14/02/2016. Continuou a ser seguido em consultas de ortopedia e em 23 de Janeiro de 2017 realizou extração de material de osteossíntese, tendo retirado os pontos em 8 de Fevereiro. Em 12 de Julho de 2017, o A. fez uma infiltração e em consulta realizada a 30 de Novembro de 2017, continuava a apresentar queixas álgicas. O Autor sofreu dores, foi submetido a exames, cirurgias e tratamentos dolorosos, sendo o Quantum Doloris fixável no grau 4/7. As dores, a perda de mobilidade e sensibilidade de que o Autor passou a sofrer após o acidente associadas à terapêutica permanente e aparentemente definitiva, antidepressiva e indutora do sono, afectaram a pessoa do Autor. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 13/07/2016, o Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável em 16 dias, o Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 172 dias e o Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é fixável em 157 dias.

À data do acidente, o Autor trabalhava por conta própria, fazendo mediação e serviços de consultadoria na área da construção civil. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 5 pontos, perspetivando-se Dano Futuro. As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. O Dano Estético Permanente é fixável no grau 2/7.

O Autor deixou de poder praticar ténis, o que fazia semanalmente, sendo a Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7. (…)

As referidas limitações, com que o Autor teve de viver para o resto da sua vida assumiram relevância considerável, sendo certo que tinha 67 anos de idade à data do acidente e faleceu com 74 anos, o Autor teve que viver com as referidas limitações funcionais que foram dadas como provadas durante sete anos”.

Na busca que fizemos na jurisprudência no site da dgsi.pt. relativamente a situações em que o défice funcional apenas apresentava dificuldades acrescidas para o trabalho, encontrámos:

- Acórdão do TRG de 21-05-2024, em que, para um sinistrado de 28 anos, com um défice funcional permanente de 6 pontos, fixou a indemnização pelo dano biológico no valor de 60.000 €;

- Acórdão do STJ de 21-04-2022, para uma sinistrada enfermeira, com 51 anos de idade e um défice funcional de 3 pontos, foi-lhe fixada uma indemnização pelo dano biológico de 22.000 €;

- Acórdão do TRP de 12-05-2025, em que, para um lesado com 56 anos, cozinheiro de profissão, foi atribuído um défice funcional de 17 pontos em que as sequelas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, tendo em conta a esperança média de vida e o salário médio mensal, foi fixado o montante de € 70. 000,00 para indemnizar o dano patrimonial futuro;

- Acórdão do TRG de 11-07-2024, em que, relativamente a um lesado de 41 anos e um défice funcional permanente da integridade físico psíquica fixado em 5 pontos, manteve a indemnização de 15.000 € fixada pela 1ª instância;

- Acórdão do TRG de 12/03/2020, para uma lesada reformada, com 72 anos de idade, que se ocupava das lides domésticas do seu agregado familiar, com um défice funcional permanente da sua integridade física fixável em 9 pontos e a impedem agora de realizar as lides domésticas, implicando que tenha necessidade de contratar uma empregada doméstica para a execução das mesmas, teve-se por ajustada uma indemnização no valor de € 20.000,00;

- acórdão do TRG de 11-01-2024, para um lesado com 64 anos de idade, um défice funcional permanente da integridade física de 2 pontos, manteve a indemnização fixada pela 1ª instância no valor de 7.500 €.

- Ac. do TRG de 20-03-2025, para um sinistrado de 19 anos de idade, afetado de uma incapacidade de 1%, fixou a indemnização pelo dano biológico fixada na quantia de € 10 000,00;

- Acórdão do TRL de 26-09-2024, e que para um lesado com 35 anos, com um défice funcional de 8 pontos, considerou adequada e equitativa a fixação de indemnização pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial, em 30.000,00 € e a título de danos não patrimoniais, no valor de € 20.000,00 a lesado que, em consequência do sinistro, passou a padecer de stress pós-traumático que demanda acompanhamento psicológico e psicoterapêutico, dores fixadas no nível 3 numa escala de 7 valores;

Ac. TRP de 12-07.2025, que considerou adequada, necessária e proporcional a importância de 10.000,00 € para indemnizar o dano biológico sofrido por lesado que à data do acidente era polícia de segurança pública e contava 52 anos de idade, que nenhuma contribuição teve para a produção ou agravamento dos danos e que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3%, compatível com a sua atividade, porém mediante esforços suplementares;

- Ac. TRP de 10-07-2025, que, perante uma lesada, com quase 72 anos à data do acidente, um défice funcional temporário total de 149 + 2 dias, um défice funcional temporário parcial fixável de 305 + 19 dias, um quantum doloris de grau 5/7, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 23,777 pontos, um dano estético permanente de grau 3/7 e um dano de repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2/7, considerou equitativo fixar uma indemnização de 20.000,00 €;

- Acórdão do TRC de 30-09-2025 (relatado pela aqui relatora), que, para um sinistrado de 49 anos de idade, um défice funcional de 6 pontos, manteve a indemnização de 30.000€ fixada pela 1ª instancia.

No caso em apreço, temos a seguinte factualidade relevante:

 - lesado com 67 anos à data do acidente, falecido em 2023, tendo vivido 7 anos após o acidente;

- sofreu dores, foi submetido a exames, cirurgias e tratamentos dolorosos;

- deixou de poder praticar ténis, o que fazia semanalmente (art. 32º da p.i.)

- à data do acidente trabalhava por conta própria, fazendo mediação e serviços de consultadoria na área da construção civil (art. 33º da p.i.)

- as dores, a perda de mobilidade e sensibilidade de que o Autor passou a sofrer após o acidente associadas à terapêutica permanente e aparentemente definitiva, antidepressiva e indutora do sono, afetaram a pessoa do Autor;

- Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 16 dias.

- Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 172 dias.

- Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável em 157 dias.

- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos, perspetivando-se Dano Futuro, compatível com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

- Dano Estético Permanente fixável no grau 2/7.

- Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7.

O Apelante BB faz assentar o juízo de excessividade do montante fixado no facto de o autor só ter vivido mais 7 anos após o acidente.

Contudo, para além de tal circunstância ter sido objeto de ponderação na determinação do montante indemnizatório pela sentença recorrida – aí se afirmando que “As referidas limitações, com que o Autor teve de viver para o resto da sua vida assumiram relevância considerável, sendo certo que tinha 67 anos de idade à data do acidente e faleceu com 74 anos, o Autor teve que viver com as referidas limitações funcionais que foram dadas como provadas durante sete anos” – há que atender a que tal falecimento deu-se não muito aquém da esperança média de vida, fixada para o triénio de 2015/2017 em 77,4 anos para os homens.

Assim sendo, da factualidade acima exposta é de o valor de 15.000 €, fixado pela 1ª instância como compensação para o dano biológico, afigura-se adequado e conforme aos valores atribuídos ou confirmados pelos tribunais de recurso.


*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar ambas as Apelações improcedentes, confirmando-se a decisão recorrida.

Cada um dos Apelantes suportará as custas da respetiva Apelação.

Notifique.

   Coimbra, 30 de setembro de 2025                                             


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…).


[1] Face ao nítido incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos do recurso, em violação do artigo 639º, nº1 do CPC:
[2] Cfr., entre outros, Fernando Amâncio Pereira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª ed., p. 39, e José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2, Coimbra Editora, 2ª ed. p. 682.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANCHES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE DE SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 729. 
[4] Cfr., neste sentido, ainda reportado ao anterior artigo 661º, cfr. Ac. TRP de 03-10-2001, relatado por Pinto Monteiro, disponível in www.dgsi.pt
[5] Cfr., Acórdão do STJ de 04.11.2003, relatado por Moreira Camilo, https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/631 5b9c3e62811b880256df300364904?OpenDocument  
[6] «Adoção do Conceito “Dano Biológico” pelo Direito Português, Revista da Ordem dos Advogados», Ano 72, Vol. I, Janeiro/Março, 2012, pp. 167 e 168.
[7] “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed, Livraria Almedina, p. 548.
[8] Cfr., https://www.google.com/search?q=rasto+de+travagem%2C+ tabelas&rlz=1C1GCEU_pt-PTPT836PT836&oq=rasto+de+ travagem%2C+tabelas&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyBggAEEUYOTIH CAEQIRigAdIBCDg1MTJqMGo3qAIAsAIA&sourceid=chrome&ie =UTF-8#vhid=hw6snKkts0Yw-M&vssid=_o9vCaMjfO-iQkdUPrpn WiQ4_83; para uma velocidade de 30k, uma distancia de travagem de 4,4 m, (cfr., Distancia de Travagem, Rui Silva Oliveira,  http://www.ansr.pt/SegurancaRodoviaria/ArtigosTecnicos/Documents/ Dist_travagem%20(absolute%20Motors)%20r.pdf , https://caetanoretail.pt/blog/distancia-travagem/ , a uma velocidade de 50 km corresponde uma distância de travagem de 6,5 m, uma velocidade de 40 km corresponde uma distância de travagem de cerca de 4 metros, e para uma velocidade de 30 km obtemos uma distância de travagem de 2, 25 m
[9] Com o seguinte teor:
Artigo 570.º
(Culpa do lesado)
1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
[10] Segundo o qual “Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respetiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente.”
[11] Maria da Graça Trigo (2015). Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade civil por acidente de viação, Direito E Justiça, 2 (Especial), 491–492. https://doi.org/10.34632/direitoejustica.2015.9950
[12] A problemática da concorrência da responsabilidade objetiva, decorrente dos riscos de circulação do veículo, com a culpa do lesado”, in Revista Julgar, nº 46 – 2022, pp. 52-53.
[13] Ac. do STJ de 23-05-2019, relatado por Oliveira Abreu, in www.dgsi.pt.
[14] Cfr., Acórdãos do STJ de 23 de maio de 2019 e de 08-06-2017, ambos relatados por Maria dos Prazeres Beleza),  disponíveis para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f0 03fa814/c6ec438b8e346c658025813900593730?OpenDocument.
[15] Ac. STJ de 15-02-2022, relatado por Jorge Dias, disponível in www.dgsi.pt.