Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003296
Parecer: P000242014
Nº do Documento: PPA10072014002400
Descritores: DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
AGENTE DA POLÍCIA JUDICIÁRIA
ESTATUTO EQUIPARADO
ACIDENTE EM SERVIÇO
RISCO AGRAVADO
NEXO DE CAUSALIDADE
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
STRESS PÓS-TRAUMÁTICO DE GUERRA
Área Temática:DIRA ADM*PENSÕES
Ref. Pareceres:P000951981Parecer: P000951981
P000471984Parecer: P000471984
P000791986Parecer: P000791986
P000551987Parecer: P000551987
P000801987Parecer: P000801987
P000451989Parecer: P000451989
P000591989Parecer: P000591989
P000711989Parecer: P000711989
P000651990Parecer: P000651990
P000011997Parecer: P000011997
P000921998Parecer: P000921998
P002422000Parecer: P002422000
P000992001Parecer: P000992001
P001162001Parecer: P001162001
P001672001Parecer: P001672001
P000062002Parecer: P000062002
P000542002Parecer: P000542002
CA00542002Parecer: CA00542002
P001082002Parecer: P001082002
P000142003Parecer: P000142003
P000632005Parecer: P000632005
P001122005Parecer: P001122005
P000582006Parecer: P000582006
P000892006Parecer: P000892006
P000412010Parecer: P000412010
P000012012Parecer: P000012012
P000402012Parecer: P000402012
Legislação:DL 275-A/2000 DE 09/11 ART89 N1 N2; EMP98 ART37 A); DL 43/76 DE 20/01 ART1 N1 N2 ART2 ART19; L 37/2008 DE 06/08 ART1 A ART5; L 53/2008 DE 29/08; L 46/99 DE 16/06; DL 352/2007 DE 23/10
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC STA N265/08, DE 11/09/2008
AC STA N1852/03, DE 19/05/2005
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:PJL 554/VII

Texto Integral:




Senhora Ministra da Justiça,
Excelência:




Dignou-se Vossa Excelência enviar à Procuradoria-Geral da República o processo em que o inspetor-chefe da Polícia Judiciária (...) requer a concessão do estatuto de equiparado a deficiente das forças armadas, para submissão a parecer do Conselho Consultivo[1].

Cumpre emitir tal parecer, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 89.º , n.º 2, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, e do artigo 37.º , alínea a), do Estatuto do Ministério Público.



1


Por requerimento datado de 17 de fevereiro de 2014, o inspetor-chefe da Polícia Judiciária (...), invocando ter sido vítima de acidente de serviço em 29 de setembro de 2011, de que lhe adveio incapacidade permanente parcial de 60%, e alegando que as circunstâncias em que tal acidente ocorreu preenchem os pressupostos constantes do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, formulou o pedido de reconhecimento de tais pressupostos e da consequente concessão do estatuto de equiparado a deficiente das forças armadas.

Resulta do processo, com interesse para a decisão dessa pretensão, a factualidade seguinte:

1. Em 29 de setembro de 2011, alguns minutos após as 20 horas, o Requerente, conjuntamente com duas inspetoras da Polícia Judiciária (...) e (...), abordou, na Rua do Canto da Cumeira, Cumeira de Cima, Porto de Mós, uma viatura estacionada no interior da qual se encontrava (...).

2. Na sequência de tal abordagem, o Requerente viria a efetuar vários disparos com a respetiva arma de serviço, um dos quais atingiu a inspetora (...) no antebraço direito, e outro a (...), que provocou a respetiva morte.

3. Na participação do acidente, efetuada em 30 de setembro de 2011, o Requerente efetuou a descrição seguinte:

«Data – 29-09-2011 Hora – 20h05m
Local – Rua do Canto da Cumeira, n.º 15, Cumeira, Juncal, Porto de Mós
Circunstâncias da ocorrência:
No desenvolvimento de operação policial em situação de suspeita de tráfico de estupefacientes, e em ato de interceção à condutora de um veículo estacionado no local acima referido – suspeita de tráfico de estupefacientes – esta não acatou as ordens que os inspetores devidamente identificados lhe deram para sair da viatura, e colocou o veículo em marcha, inicialmente para trás, tendo em vista adquirir ângulo para fugir, contudo, ao avançar, fê-lo contra as duas inspetoras ali presentes, colocando em risco a sua integridade física – das inspetoras – obrigando o inspetor-chefe (...) a disparar para imobilizar a suspeita e condutora do veículo, disparos esses que além de imobilizarem a suspeita – causando a sua morte – atingiram a inspetora (...)I no antebraço direito, encontrando-se a mesma internada no Hospital de Santo André em Leiria. A morte da condutora suspeita e a lesão da Inspetora (...) perturbaram psicologicamente o inspetor-chefe (...).»

4. Ainda no dia 30 de setembro de 2011, o Requerente elaborou a seguinte informação de serviço dirigida ao respetivo coordenador de investigação criminal:

«Como é do conhecimento de V. Exa., a Sra. Inspetora (...), que chefia a Brigada de Investigação de Tráfico de Estupefacientes, recebeu por volta das 19H10 de ontem, 29/09/2011, uma chamada telefónica no seu telemóvel de serviço, de uma senhora cujo irmão teria sido detido há pouco mais de uma semana por crimes de tráfico de estupefacientes. Nessa chamada deu conta à Sra. Inspetora de que ao arrumar a casa que tinha cedido ao irmão ora preso, deparara, no quarto onde ele dormia com a companheira, com uma arma de fogo municiada e diversas embalagens de droga.
Requeria a intervenção da Polícia Judiciária, face aos ilícitos em causa, e porque temia ser surpreendida pela companheira do irmão, (...).
E cerca de 20 minutos mais tarde, por volta das 19H30, a referida senhora informou a Inspetora (...) de que a companheira do seu irmão acabava de chegar à casa onde ainda se encontrava, sita na Rua do Canto da Cumeira, n° 15, Cumeira de Cima – Juncal – Porto de Mós, pelo que, temendo pela sua vida, pois já havia tido problemas anteriormente com ela, indagava qual o procedimento que deveria adotar. Foram-lhe dadas instruções no sentido de não lhe abrir a porta e, como aquela tinha as chaves de casa, que trancasse a porta por dentro e desse uma qualquer desculpa para a retardar, de molde a dar-nos tempo para tomar conta da situação.
Minutos depois voltou a contactar a Inspetora (...) e relatou-lhe que a (...) permanecia dentro de um jipe mesmo em frente à porta da casa; que lhe dera como desculpa para não abrir a porta que se encontrava sozinha em casa e que, como tinha medo, só lhe franquearia a entrada quando o marido chegasse. Mais referiu que o marido dela, oficial do Exército, se encontrava consigo, e descreveu o melhor e mais rápido itinerário para a Polícia lá chegar.
Seriam cerca das 20H05 quando a viatura desta PJ, conduzida pelo signatário, e onde se encontrava, para além da Sra. Inspetora (...), também a Inspetora (...), de serviço de Piquete, destacada para o efeito, chegou à Rua do Canto da Cumeira, constatando de imediato que, em frente ao n° 15 se encontrava um jipe estacionado com, pelo menos, uma pessoa no interior, voltada no sentido inverso àquele por onde entráramos.
Tratando-se de um suspeito de cuja ficha biográfica consta a prática de crimes violentos; denunciada a existência, embora dentro da casa, de pelo menos uma arma de fogo municiada e produto estupefaciente, o signatário estacionou a viatura desta PJ defronte do jipe, por forma a minimizar o perigo na abordagem ao/aos ocupante/s do jipe. Deixando uma distância mínima de intervalo entre as viaturas, cerca de dez centímetros, a Inspetora (...) e a Inspetora (...) dirigiram-se ao condutor e o signatário dirigiu-se à parte lateral direita do jipe, ou seja, aquela que ficava do seu lado. Enquanto visava o lugar do pendura, por mero procedimento de segurança, as suas colegas instavam o condutor a sair da viatura, anunciando a sua qualidade de Polícia Judiciária em tom de voz firme e audível e exibindo para o efeito a Carteira Profissional (Crachat e Cartão Livre Trânsito).
Ao invés de acatar a ordem dada, o condutor, nesta altura já identificado como sendo a suspeita (...) pelos dados constantes na ficha biográfica dos ficheiros informáticos da PJ, designadamente a fotografia, que já tinha trancado as portas do jipe, colocou o motor a trabalhar e engrenou a mudança de marcha-atrás, arrastando violentamente a Inspetora (...). Recuou apenas o espaço suficiente para poder contornar o bloqueamento da viatura da PJ e, virando a direção para a esquerda, arrancou em frente, colocando a Inspetora (...) na frente do jipe, sensivelmente a meio do capot. Na iminência do atropelamento mortal, o signatário efetuou pelo menos um disparo para o ar e ainda tentou partir à coronhada o vidro da porta do pendura, mas nem assim evitou o abalroamento da sua colega. Não havendo outro meio idóneo a repelir a agressão atual e ilícita que ameaçava diretamente a vida da sua colega, ato contínuo, efetuou um disparo contra o vidro da porta da frente do lado direito do jipe, estilhaçando-o e partindo também o vidro do lado oposto, ou seja, o da porta da condutora.
Deixando de ver a sua colega e presumindo que a mesma pudesse ter sido derrubada pelo jipe, jazendo à sua frente; e vendo a sua colega (...) a cair junto da porta da condutora, voltou a disparar com o objetivo de a forçar a parar a viatura e assim evitar que a viatura esmagasse a sua colega (...) e colhesse a Inspetora (...), que vira tombar encostada à parte lateral esquerda do jipe.
Após este terceiro disparo, a condutora, mantendo sempre o jipe em marcha, debruçou-se sobre o seu lado direito como se fosse apanhar algo no banco do pendura. Perdurando o perigo iminente para a vida das suas colegas, sobretudo a da Inspetora (...), e não tendo conseguido com os disparos até aí efetuados impedir o avanço do jipe, disparou mais uma vez, desta feita para a mão esquerda da suspeita que ainda segurava o volante do jipe, enquanto corria ao lado do carro e a condutora se endireitava no momento do disparo.
Depois deste último disparo, a condutora guinou o jipe para a direita, tentando passar por trás da viatura desta PJ, acabando por embater num outro automóvel que ali se encontrava estacionado.
Nesta altura, para além da vizinhança que acorreu em auxílio dos agentes policiais, também a Inspetora (...), que conseguira desviar-se da ação da condutora apenas devido à intervenção do signatário, que ao retardar, embora pouco, a marcha do jipe, lhe dera tempo para impedir que o jipe a atingisse quando caíra derrubada pelo embate, informou que a Inspetora (...) se encontrava gravemente ferida e era necessário pedir a intervenção urgente de meios de socorro. E quando populares tentavam rebentar a porta do jipe para agredirem a condutora, o signatário constatou que também esta sangrava da boca, revelando-se ferida.
Face à circunstância foi solicitado apoio médico urgente para o local, acabando por comparecer duas ambulâncias que socorreram a Inspetora (...) e tentaram reanimar a condutora ferida, que já se encontrava inanimada. Retirada da viatura pelos Bombeiros, que só conseguiram abrir a porta com a chave que se encontrava na ignição do jipe, malgrado os esforços para a socorrerem, acabaria por falecer no local.
O Inspetor Chefe
(...)»

5. Correu termos na comarca de Porto de Mós o inquérito n.º 363/11.2JALRA, no âmbito do qual se investigou eventual prática pelo Requerente dos crimes de homicídio qualificado e de ofensa à integridade física. Tal inquérito foi arquivado pelo Ministério Público por despacho de 19 de novembro de 2012, com fundamento, no que respeita à ofensa à integridade física, por inexistência de queixa, e quanto ao homicídio, com fundamento na verificação de uma situação de legítima defesa excessiva desculpável.

6. No despacho de arquivamento foi feita a seguinte descrição dos elementos de prova coligidos no processo:

« II – Das Diligências Investigatórias
Realizaram-se nos autos, nomeadamente, as seguintes diligências investigatórias com vista a apurar os factos noticiados:
A fls. 167 a 199 dos autos, consta a Reportagem fotográfica.
Da Informação de fls. 209 dos autos, consta que do local foram recuperados, nomeadamente, três invólucros, dois projécteis e três "stub's" nas mãos e roupa do autor dos disparos.
A fls. 201 e 202 dos autos, consta o Auto de exame direto à roupa usada pela falecida.
A fls. 203 a 207 dos autos, consta o Exame tanatológico ao cadáver de (...).
A fls. 208 a 211 dos autos, consta o exame à viatura automóvel conduzida pela falecida.
(...) inquirida a fls. 220 a 224 dos autos e ali melhor id., disse, nomeadamente, que, no dia 29 de setembro de 2011, se deslocou (acompanhada dos Srs. Inspetores (...) e (...)) ao lugar de Cumeira de Cima, em Porto de Mós, na qualidade de Inspetora da Polícia Judiciária, na sequência de uma denúncia de tráfico de droga. Inicialmente, a operação iria consistir numa busca domiciliária consentida. Todavia, no caminho para o local teve conhecimento que a suspeita estava na via pública, no interior de um jipe, de marca "Nissan", modelo "Terrano", havendo receio que a mesma pudesse abandonar o local. Quando chegou à Rua da Cumeira, avistou o referido jipe com uma pessoa no lugar do condutor. O Inspetor (...), que conduzia a viatura policial em que seguia, imobilizou a mesma de frente e a cerca de dez ou quinze metros[2] do jipe. De imediato, o Sr. Inspetor (...) abordou a condutora do jipe pelo lado do pendura e a Sra. Inspetora (...) abordou a mesma pelo lado do condutor. Demorou algum tempo a sair da viatura, pois ficou trancada dentro da mesma. Quando conseguiu sair, viu que o Sr. Inspetor (...) empunhava uma arma de fogo e que apontava a mesma apara o interior do habitáculo. Os Inspetores (...) e (...) identificaram-se como sendo da Polícia e disseram à condutora para sair da viatura. Todavia, esta não obedeceu e ligou a ignição da viatura automóvel. (...) agarrou o manípulo da porta e verificou que a mesma estava trancada por dentro. Nesse momento, (...) coloca o braço direito dentro do habitáculo do veículo que tinha o vidro aberto a "menos de meio". Então, a condutora da viatura efetuou dois ou três movimentos curtos e bruscos com a viatura para a frente e para trás o que fez com que o corpo das duas Inspetoras tivesse balançado agarradas ao jipe. (...) largou o manípulo da porta e (...) ficou presa no vidro da porta, tendo sido arrastada com os movimentos da viatura. O jipe avançou para a frente e na direção de (...) que, na fuga, desequilibrou-se, escorregou e saiu da direção da viatura com as mãos no chão, andando quase "de gatas". Quando (...) se desequilibrou, ouviu quatro disparos de arma de fogo. Depois, viu (...) com um ferimento de arma de fogo no braço direito e a falecida (...) a sangrar da boca.
(...) inquirida, a fls. 225 a 227 dos autos e ali melhor id., disse, designadamente, que reside no n.º 20 da Rua do Canto da Cumeira e de dentro de sua casa ouviu dois ou três disparos de arma de fogo.
(...) inquirida a fls. 229 a 233 dos autos e ali melhor id., disse, além do mais que, é proprietária da casa n.º 15, sita na Rua Canto da Cumeira, todavia, quem estava a residir na mesma era o seu irmão, preso no dia 29 de setembro de 2011, indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, e a companheira deste, de nome (...). Quando entrou na sua casa, viu no interior da mesma, nomeadamente, algo que associou a droga e uma arma de fogo. Telefonou para a Polícia Judiciária a denunciar a situação, tendo-se apercebido que os Inspetores iam a caminho do local. Entretanto, (...) chega ao local e (...) disse à mesma para esperar pelo seu marido, pois era este quem tinha as chaves novas da fechadura da casa. (...) esperou dentro do seu jipe com o vidro do lado do condutor semiaberto. Quando falou com a Sra. Inspetora (...) ao telefone, disse à mesma que tinha receio que (...) tivesse com ela uma arma de fogo. Quando os Inspetores da Polícia Judiciária chegaram ao local, o Inspetor dirigiu-se para o lugar do pendura, a Inspetora (...) para o lado da condutora do jipe e a outra Inspetora posicionou-se à frente do jipe. Viu a Sra. Inspetora (...) identificar-se como sendo da Polícia. Entretanto, (...) ligou a viatura e fechou a janela do jipe, fez marcha-atrás e arrancou para a frente de forma brusca. Neste momento, (...) recuou para não ser atropelada. Não viu o que sucedeu com os outros dois Inspetores. Quando o jipe faz o movimento para a frente, ouve um primeiro disparo de arma de fogo. Caiu no chão e, nesse momento, ouve mais três ou quatro disparos.
A fls. 247 a 261 dos autos, consta o Relatório pericial, elaborado pelo L.P.C. da P.J., relativo à reconstituição das trajetórias dos disparos de arma de fogo.
(...) inquirida, a fls. 272 a 277 dos autos e ali melhor id., disse, nomeadamente, que se deslocou ao local a pedido da testemunha (...) que lhe disse que na sua residência se encontrava produto estupefaciente e uma arma de fogo. Quando chega ao local, acompanhada dos Inspetores (...) e (...), aquele imobilizou a viatura em que seguiam em frente ao jipe onde se encontrava (...). (...) abordou esta pelo lado do condutor, (...) pelo lado do pendura e (...) seguiu para a viatura para o lado da condutora. Quando se aproximou de (...) exibiu à mesma o crachá da P.J., disse que era da Polícia Judiciária e para sair do automóvel. Nesse momento, (...) fez o mesmo. (...) não obedeceu e ligou a ignição da sua viatura automóvel. (...) ainda a tentou impedir de ligar a viatura, tendo introduzido o seu braço até ao ombro no interior da viatura pelo vidro que estava semiaberto e por dentro do volante. Nesse momento, (...) subiu o vidro do jipe, o que fez com que (...) ficasse com o braço preso até cerca do terço inferior do antebraço. Simultaneamente, (...) começou a efetuar movimentos rápidos para trás e para a frente com o jipe, de modo a sair do espaço encurralado em que estava e fugir. (...) disse a (...) que parasse e ouviu um disparo que pensa que foi para o ar pois não partiu o vidro da viatura automóvel. (...) continuou a fazer movimentos bruscos com a viatura, altura em que ouve um segundo disparo que partiu o vidro da viatura automóvel onde tinha o braço preso. (...) conseguiu soltar o braço e viu (...) dirigir-se para o porta-luvas, dando a entender que ia buscar uma arma de fogo. De seguida, ouve um terceiro disparo. (...) estava na frente da viatura automóvel e na sua trajetória, encontrando-se a viatura a fazer movimentos para trás e para a frente. Perante o perigo de ser atropelada, recua, desequilibra-se e cai no chão, ficando na trajetória do jipe. Nesse momento, ouve (...) dizer a (...) para parar, pois senão atirava-lhe para a perna e ouviu um quarto disparo. Lembra-se de ver a Inspetora (...) na trajetória do jipe e em risco de ser atropelada.
A fls. 291 a 292 dos autos, consta o Relatório de exame pericial, elaborado pelo L.P.C. da P.J., relativo à recolha de resíduos de disparo de arma de fogo recolhidos nas mãos e vestuário de (...).
A fls. 289 a 296 dos autos, consta o Relatório de exame pericial, elaborado pelo L.P.C. da P.J., à arma de fogo, do qual resulta que a mesma é responsável pela deflagração das três cápsulas recolhidas no local.
A fls. 299 a 301, consta o Relatório de exame pericial, elaborado pelo L.P.C. da P.J., aos projécteis.
A fls. 311 a 317, consta o Relatório de autópsia efetuado a (...), pelo Gabinete médico-legal de Leiria do I.M.L., do qual resulta, nomeadamente, que aquela sofreu graves lesões traumáticas no tórax, produzidas por projétil de arma de fogo, que entrou na região póstero-externa do hemitórax direito e saiu da região axilar esquerda, perfurando ambos os pulmões e artéria aorta. A trajetória seguida pelo projétil foi de baixo para cima, da direita para a esquerda e ligeiramente de trás para a frente. Estas lesões associadas a alta dose de cocaína foram a causa da morte de (...).
A fls. 349 dos autos, consta a representação gráfica tridimensional do local.
(...) inquirido a fls. 356 a 358 dos autos e ali melhor id., disse, nomeadamente, que era companheiro de (...) e sabe que a mesma tinha na sua posse duas armas de fogo.
(...) constituído e interrogado como arguido, a fls. 405 a 412 dos autos, disse, designadamente, que imobilizou a viatura que conduzia à frente do jipe e abordou a sua condutora pelo lado do pendura. (...) abordou a condutora do jipe e (...), por ter ficado presa no interior da viatura em que seguia (porta fechada para presos), demorou algum tempo a aproximar-se do jipe. Quando se aproximou do jipe, juntamente com (...), identificaram-se como sendo da Polícia Judiciária e mostrando os respetivos crachás, dizendo a (...) que devia sair da viatura. (...) não obedeceu e ligou a ignição da viatura para encetar a fuga. Nesse momento, (...) introduziu o seu braço direito na viatura, que tinha o vidro semiaberto, para retirar a chave da ignição. Apercebeu-se que (...) e (...) estavam "engalfinhadas" e que a Inspetora (...) tinha o braço preso no vidro da porta do jipe, correndo risco de vida, desde logo com o primeiro movimento brusco de marcha-atrás que (...) fez com a viatura automóvel, arrastando o corpo de (...). De seguida, (...) fez mais dois movimentos para trás com a viatura e mais um para a frente. Nesse momento, reparou que a Inspetora (...) estava à frente do jipe, na trajetória do mesmo, correndo perigo de vida, assim como, (...) que continuava agarrada ao jipe. Quando (...) arranca para a frente, fez um disparo para o ar com a sua arma de serviço. Todavia, (...) continuou a acelerar em direção a (...) e a arrastar o corpo de (...). Tentou partir o vidro da viatura automóvel à coronhada, não o tendo conseguido. Viu (...) à frente do jipe numa posição desequilibrada, ficando com a ideia que a mesma ia ser abalroada pelo jipe e efetuou um segundo disparo, de forma a apanhar os dois vidros da viatura automóvel e sem querer atingir (...) e (...). Após este disparo, viu (...) cair no chão. Disse a (...) que parasse e tentou atingir-lhe as pernas, todavia, nesse momento, (...) deitou-se sobre o lado do pendura à procura de algo, tendo colocado a cabeça e o tronco na trajetória do terceiro disparo. Enquanto (...) continuava à procura de algo, fez mais um disparo que a terá vitimado. Efetuou quatro disparos com intenção de afastar o perigo eminente para a vida de (...) e (...), que estavam na iminência de ser atropeladas.
A fls. 420 a 441 dos autos, constam os Autos de reconstituição dos factos e a fls. 442 e 443 dos autos, consta o Auto de exame direto.»

7. Apresentando um quadro sintomatológico de ansiedade e insónia com agudização progressiva desde 29 de setembro de 2011, o Requerente foi acompanhado em consulta externa pelo Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santo André, E.P.E., estando com baixa médica, com fundamento em incapacidade temporária absoluta para o trabalho, consecutivamente, desde 10 de outubro de 2011 a 22 de janeiro de 2014.

8. Em 9 de março de 2012, foi emitido relatório médico no Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Leiria-Pombal, E.P.E., nele se consignando, relativamente ao Requerente, o diagnóstico de PTSD[3] – F43.1.

9. Em 6 de janeiro de 2013, foi emitido novo relatório médico no mesmo Serviço, nele se consignando o diagnóstico de «Perturbação de Stress Pós-Traumático + Perturbação de Personalidade SOE – Códigos F43.1 + F69».

10. Em 8 de janeiro de 2014, a Caixa Geral de Aposentações dirigiu à Polícia Judiciária um ofício com o teor seguinte:

«Assunto: Junta Médica nos termos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
Nome: (...)
Categoria: Inspetor Chefe
Comunico a V. Exa. que o resultado da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações realizada em 17 de dezembro de 2013, relativa ao acidente ocorrido em 29 de setembro de 2011, foi o seguinte:
Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções.
Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho.
Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 60% de acordo com o Capítulo X, II Grau IV da T.N.I.»

11. Formulada pelo Requerente a pretensão de equiparação a deficiente das forças armadas, foi o processo remetido ao Ministério da Justiça, em cuja Direção de Serviços Jurídicos e de Contencioso foi elaborada a Informação n.º I-SGMJ/2014/271, de 20 de março de 2014, na qual se exararam as conclusões e proposta seguintes, que mereceram despacho de concordância por parte da Diretora de Serviços Jurídicos e de Contencioso e do Secretário-Geral Adjunto:

«Nestas circunstâncias e à luz da doutrina dimanada dos pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, formulam-se as seguintes conclusões e proposta:
A - O acidente de que foi vítima o requerente, (...), Inspetor-Chefe da Polícia Judiciária, em setembro de 2011, em Porto de Mós, ocorreu em circunstâncias fortuitas e imprevisíveis, não podendo, em consequência, reconhecer-se uma situação de risco agravado idónea à qualificação, por equiparação, como deficiente das Forças Armadas.
B – A situação crónica de stress pós-traumático a que se alude no n.° 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro, deriva da exposição a fatores traumáticos durante a vida militar (stress pós-traumático de guerra) ou, mesmo que assim não seja, sempre associado, correlacionado ou derivado das situações previstas no n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro (designadamente, a situação de risco agravado), o que, como resulta da conclusão anterior, não sucede.
C – O parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, independentemente da sua natureza obrigatória (parte final do n.° 4 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro) ou facultativa (n.° 2 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.° 275-A/2000, de 9 de novembro), afigura-se procedimentalmente imperativo, desde logo e entre outros fatores, em razão da sua função doutrinária uniformizadora, garante da observância do princípio da igualdade no tratamento dos pedidos de qualificação como deficiente das Forças Armadas, ou a ele equiparado, justificando-se, assim, a proposta da sua audição, por iniciativa do Gabinete Ministerial da Justiça, ao abrigo e com a finalidade estabelecida no disposto no n.° 2 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.° 275-A/2000, de 9 de novembro.»

12. Na sequência dos pareceres exarados sobre a informação pela Diretora de Serviços Jurídicos e de Contencioso e pelo Secretário-Geral Adjunto, foi lavrado, em 14 de maio de 2014, despacho de concordância por parte de Sua Excelência a Ministra da Justiça, determinando que se solicitasse parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.


2


1. O Decreto-Lei n.º 43/76 «reconhece o direito à reparação que assiste aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumprimento do serviço militar e institui as medidas e os meios que, assegurando as adequadas reabilitação e assistência, concorrem para a sua integração social» (artigo 1.º , n.º 1).

O respetivo regime legal funda-se no «reconhecimento do direito à plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situação de perigo ou perigosidade» e consagra «a materialização da obrigação de a Nação lhes prestar assistência económica e social, garantindo a sobrevivência digna, porque estão em jogo valores morais estabelecidos na sequência do reconhecimento e reparação àqueles que no cumprimento do dever militar se diminuíram, com consequências permanentes na sua capacidade geral de ganho, causando problemas familiares e sociais»[4].


2. Na delimitação do conceito de deficiente das forças armadas, o Decreto-Lei n.º 43/76 estabelece, designadamente, o seguinte:
«Artigo 1.º
Definição de deficiente das forças armadas

1. (...)

2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de ato humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço ativo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.
3. Para efeitos do número anterior é considerado deficiente das Forças Armadas o cidadão português que, sendo militar ou ex-militar, seja portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar.[5]
4. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de ações ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.
Artigo 2.º
Interpretação de conceitos contidos no artigo 1.º

1. Para efeitos de definição constante do n.º 2 do artigo 1.º deste decreto-lei, considera-se que:

a) A diminuição das possibilidades de trabalho para angariar meios de subsistência, designada por “incapacidade geral de ganho”, deve ser calculada segundo a natureza ou gravidade da lesão ou doença, a profissão, o salário, a idade do deficiente, o grau de reabilitação à mesma ou outra profissão, de harmonia com o critério das juntas de saúde de cada ramo das forças armadas, considerada a tabela nacional de incapacidade;
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.
2. O “serviço de campanha ou campanha” tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as ações diretas do inimigo, os eventos decorrentes de atividade indireta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra atividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As “circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha” têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos diretamente relacionados com a atividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra atividade de natureza operacional, ou em atividade diretamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
4. “O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores”, engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.»[6]

3. O Conselho Consultivo tem, de há muito, interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1.º , n.º 2, e 2.º , n.º 4, do Decreto- -Lei n.º 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito – de serviço de campanha ou em circunstâncias com ele relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de ato humanitário ou de dedicação à causa pública –, só é aplicável aos casos que, «pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objetivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a atividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das atividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas»[7].

Nessa linha, tem-se ainda afirmado que «implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a atividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objetiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas»[8].

O Conselho Consultivo tem, assim, entendido, com grande uniformidade, que, na interpretação das disposições legais referidas, para além das situações aí expressamente, o regime jurídico dos deficientes das forças armadas só é aplicável nos casos em que haja um risco agravado necessário, implicando uma atividade arriscada por sua própria natureza e que, pela sua índole e considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-se às situações de campanha e equivalentes[9].

Como já se referiu, o regime de que beneficiam os deficientes das forças armadas tem subjacente a ideia de recompensar os que se sacrificam pela Pátria.

Não basta, por isso, o mero exercício de funções e deveres militares para que se estabeleça tal equiparação, tornando-se indispensável que no seu desempenho ocorra risco equiparável às situações de campanha ou equivalente, ou seja, às previstas nos três primeiros itens do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76.

Exige-se uma atividade de risco agravado, superior ao risco genérico que toda a atividade militar envolve, risco a valorar em sede de objetividade, que se mostra incompatível com circunstâncias ocasionais e imprevisíveis.

O Conselho Consultivo tem procurado densificar o conceito de «risco agravado» a que alude o n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76. Refere-se, a propósito, no parecer n.º 92/98, de 2 de dezembro de 1998:

«Nos termos do n.º 4 do acima citado artigo, “o exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores”, engloba casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito da lei e, por isso, justificando o alargamento do regime jurídico dos DFA aos casos que, embora não relacionados com campanha ou equivalente, mereçam, pelo seu circunstancialismo, o mesmo critério de qualificação.
(...)
Na apreciação de situações específicas, os casos concretos têm de ser analisados e ponderados e só pela consideração das circunstâncias em que os acidentes ocorreram, se poderá proceder à sua qualificação como envolvendo risco agravado equiparável ao risco do serviço de campanha.
Na verdade, “toda a atividade militar comporta, pelos fins que prossegue e pelos meios que emprega, um risco específico que pode ir, por vezes, até ao sacrifício da própria vida. Mas esse é um risco próprio da função militar, inerente ao desenvolvimento do respetivo serviço.
Excede, naturalmente, os limites dos riscos comuns aos demais cidadãos ou de outras atividades profissionais, mas para os militares não deixa de, em princípio, considerar-se um risco generalizado dentro da instituição.
Mas a qualificação de deficiente exige um risco agravado, isto é, um risco que em alguma medida se possa acrescentar àquele que decorre da atividade militar normal.
Esse acréscimo de risco deve ser avaliado face ao condicionalismo de cada caso, pelas circunstâncias determinadas e envolventes de natureza excecionalmente perigosa mesmo no âmbito da vida militar, de grau equivalente ao das atividades operacionais expressamente contempladas no aludido preceito”.
As exigências legais apontam para este entendimento. Na verdade, o alargamento do regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas aos casos que, embora não relacionados com campanha ou equivalente, justifiquem, pelo seu circunstancialismo, o mesmo critério de qualificação, supõe o exercício de funções militares “que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito” do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro. E, como já se referiu, o espírito da lei é o de compensar os que se sacrifiquem pela Pátria, concedendo um estatuto especial àqueles que tiveram de enfrentar situações de particular risco para a sua segurança pessoal e mesmo para a sua vida.»

A existência desse risco agravado, como este Conselho sempre tem vindo a sustentar, deverá ocorrer em qualquer das situações previstas no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76: serviço de campanha ou em circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha; na manutenção da ordem pública; na prática de ato humanitário ou de dedicação à causa pública, ou no exercício de funções militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores[10].


4. Estando em causa a ocorrência de risco agravado, a qualificação como deficiente das forças armadas, a par de um juízo positivo sobre aquela ocorrência, exige ainda a verificação de outros dois pressupostos[11]:

a) a existência de uma relação de causalidade adequada entre a atividade em cuja prática se produziu o acidente e a incapacidade sofrida, ou seja, «entre o ato (acontecimento, situação) e o acidente (lesão ou doença), e entre este e a incapacidade, deve existir um duplo nexo causal» [12], sendo indispensável apurar «no domínio da matéria de facto – estranho à competência deste corpo consultivo – que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado», se encontra nessa dupla relação de causalidade[13];

b) a verificação de um grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30% [conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76].

O Conselho tem procedido ao tratamento jurídico separado de cada um dos três mencionados requisitos, o que se fundamentou, designadamente quanto a dois deles, nos seguintes termos:

«Com efeito, crê-se não serem legítimas dúvidas de que o juízo sobre o risco agravado deve manter-se independente da avaliação, nomeadamente, sobre a existência do duplo nexo causal entre o acidente e a atividade que o gera, por um lado, e a incapacidade originada, por outro.
Elementares razões metódicas radicando na recíproca autonomia dos dois requisitos e na intencionalidade finalística, inclusive, de possibilitar a apreciação da sua convergência na prática fundamentada do ato administrativo de qualificação DFA pela entidade competente, tudo isso exige a sua caracterização e elaboração jurídica separada.»[14]


5. Estabelece-se no artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro que o regime legal em vigor para os deficientes das forças armadas e das forças de segurança é aplicável ao pessoal dirigente e demais funcionários da Polícia Judiciária (PJ), com as devidas adaptações, sendo o estatuto de equiparado a deficiente das forças armadas (DFA) reconhecido pelo Ministro da Justiça (n.º s 1 e 2).

A aplicabilidade aos funcionários da PJ, em bloco, do regime legal dos deficientes das forças armadas implica que, com as adaptações necessárias, lhes sejam designadamente aplicáveis as regras definidoras do conceito de deficiente das forças armadas constantes dos artigos 1.º , n.º s 2 a 4, e 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76.

Assim, o requisito «no cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da pátria» consignado no n.º 2 do artigo 1.º desse diploma deverá ser adaptado, passando a considerar-se em sua substituição a redação «no exercício de funções policiais e atuando na prossecução do interesse público».

No tocante ao segmento «no exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho», deverá passar a ler-se «no exercício de funções policiais e por motivo do seu desempenho».

De entre as situações tipificadas em tal preceito, estará em princípio arredada a que respeita ao serviço de campanha ou em circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha, bem como a de prisioneiro de guerra, uma vez que a missão legalmente definida para a PJ não abarca situações dessa natureza[15].

Já qualquer das restantes situações poderá vir a ocorrer.

Relativamente à «manutenção da ordem pública», embora se não trate de missão especificamente atribuída à Polícia Judiciária, mas sim à Polícia de Segurança Pública[16] e à Guarda Nacional Republicana[17], poderão os respetivos funcionários ser chamados a participar em operações dessa natureza, designadamente no âmbito dos deveres de cooperação interpolicial impostos pelo artigo 6.º , n.º 2, da Lei de Segurança Interna (Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto), e pelo artigo 6.º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária (Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto).

Tratar-se-á, em geral, como este Conselho vem sustentando, de operações em que as forças de segurança são chamadas a reagir a comportamentos que atentam contra a tranquilidade, a segurança e a salubridade[18], em situação de risco agravado para a vida, integridade física ou saúde dos respetivos agentes.

No tocante à prática de «ato humanitário ou de dedicação à causa pública», tem-se este Conselho vindo a pronunciar no sentido de que deverá estar presente a salvaguarda de bens e valores humanos ou da comunidade, ultrapassando-se manifestamente os padrões normais de comportamento, pela coragem demonstrada e pelos fins relevantes tidos em conta, envolvendo perigo ou risco para o seu autor, atuando fora ou além dos limites do dever funcional, por forma a motivar o reconhecimento nacional[19].

No que respeita ao item «no exercício das suas funções e deveres (…) e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações anteriores», já o mesmo foi objeto da correspondente análise no ponto 2.3 do presente parecer, para a qual se remete.


3


1. Estabelece-se no n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76 que, para efeitos do número anterior, é considerado deficiente das Forças Armadas o cidadão português que, sendo militar ou ex-militar, seja portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar.

Tal preceito foi aditado pela Lei n.º 46/99, de 16 de junho, diploma este que visou, como resulta do respetivo sumário, o «apoio às vítimas de stress pós-traumático de guerra».


2. O Projeto de Lei n.º 554/VII[20] que esteve na origem desse diploma justificou a iniciativa legislativa correspondente na respetiva exposição de motivos, fazendo-o nos termos seguintes:

«O Estado Português reconheceu, em devido tempo, a necessidade de reparação das consequências resultantes do cumprimento do dever militar, estabelecendo um particular regime em relação, designadamente, aos deficientes das Forças Armadas.
Nos normativos aplicáveis identificam-se as situações e condições em função das quais o apoio do Estado deve ser concedido.
Acontece, porém, que a evolução do conhecimento médico e o reconhecimento internacional de novos síndromas e afeções com particular relação ou nexo causal com cenários de guerra e participação em ações militares aconselham que novas realidades venham a ser consideradas.
É o caso do designado «stress pós-traumático de guerra e das suas vítimas».
Não se trata de uma particularidade portuguesa mas é, antes, uma situação que se verifica em vários outros países, nos quais problemáticas idênticas se desenvolveram.
Uma organização de nível nacional, em colaboração com as entidades ligadas aos veteranos de guerra, assegura, por exemplo, nos EUA, todo o processo de deteção de casos de acompanhamento social e de tratamento.
Em Portugal foi já em 1985, e por iniciativa da Associação de Deficientes das Forças Armadas, organizada a primeira reunião científica sobre o stress traumático, mas nenhuma resposta organizada se instituiu para este problema.
Pode calcular-se em cerca de 40.000 a 50.000 os portadores desta perturbação na sua fase crónica.
Não há legislação específica e a doença não faz parte da tabela nacional de incapacidades.
As consequências deste síndroma traduzem-se em situações de grande dificuldade de adaptação à sociedade, de alterações de comportamento, de dificuldade em manter uma ocupação profissional ou até de angariar, com normalidade, meios de subsistência.
É reconhecido também que este mesmo síndroma pode provocar comportamentos agressivos, violência familiar e propensão para o suicídio. E estes comportamentos aumentam de gravidade sem acompanhamento terapêutico.
É com a consciência de que é necessário dar resposta a estas situações que se apresenta esta iniciativa legislativa.
Toma-se urgente identificar os casos existentes, avaliar a sua gravidade e propiciar uma forma de apoio responsável por parte do Estado.
São essencialmente carências de nível assistencial e de apoio médico que, em primeira linha, nos preocupam. Entendemos nesta linha que, instituída a rede nacional de apoio, ela deve funcionar no terreno com recurso às organizações não governamentais (Associação de Deficientes das Forças Armadas e Liga dos Antigos Combatentes), que deverão protocolar com o Estado os meios de intervenção.
Nada justifica, depois de medicamente reconhecido o síndroma pela Organização Mundial de Saúde, que Portugal permaneça como o único país da NATO que mantém, em relação às vítimas daquele, uma situação de marginalização e esquecimento.»

No artigo 1.º do articulado do projeto previa-se a alteração do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76 com a seguinte redação:
«Artigo 1.° Definição de deficiente das
Forças Armadas
1 -.........................................................................
2 – É considerado deficiente das Forças Armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado do acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de ato humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
ou quando, na ausência de qualquer acidente, vem a sofrer uma diminuição permanente, causada por doença adquirida, consistindo em perturbação psicológica crónica resultante de stress pós-traumático de guerra; tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou Incapaz do serviço ativo; ou Incapaz de todo o serviço militar.
3 -.........................................................................»


3. Aquando da discussão do projeto na generalidade em plenário[21], o respetivo articulado foi objeto de fortes críticas por parte de alguns deputados[22].

Uma das críticas apontadas ao projeto fundava-se em que o mesmo não levava em consideração o facto de as doenças mentais já estarem então previstas, em geral, no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, como fundamento possível para a atribuição do estatuto de deficiente das forças armadas, havendo já algumas dezenas de deficientes das forças armadas como tal qualificados por deficiências várias do foro psicológico.

Não tendo presente tal realidade, o projeto, como sublinhava o deputado Marques Júnior, ao propor a alteração do regime consignado no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, em que se define o conceito de deficiente das forças armadas, poderia vir a ser interpretado como visando determinar uma restrição de tal conceito, em contrário do pretendido pelos seus autores.

Por outro lado, a redação do diploma teria especialmente em vista os casos de doença relacionados com o período de guerra no Ultramar entre 1961 e 1974, não tendo presentes novas situações de contornos diversos, como eram o caso das forças de manutenção da paz na Bósnia e em África.


4. No decurso da mesma sessão plenária, o deputado Carlos Encarnação, na qualidade de subscritor do projeto de lei, justificou a necessidade de introdução no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76 do segmento «ou quando, na ausência de qualquer acidente[23], vem a sofrer uma diminuição permanente, causada por doença adquirida, consistindo em perturbação psicológica crónica resultante de stress pós-traumático de guerra», fazendo-o nos termos seguintes:

«A questão fundamental que se coloca é esta: de acordo com a atual regulamentação, de acordo com a atual lei, não é possível fazê-lo senão estabelecendo um nexo de causalidade entre um acidente e a determinação da deficiência do candidato à verificação dessa deficiência. O que acontece é que esta doença, pela sua própria natureza, não necessita de um acidente para ser detetada, isto é, o acidente é a pessoa estar envolvida numa guerra, é a situação em que a pessoa está confrontada. É este o facto gerador, é este o nexo causal e é isto que é preciso incluir no conceito de deficiente das forças armadas, uma alteração cirúrgica, pequena embora, mas absolutamente fundamental para determinar o conceito, para o acompanhar, para o completar e para o caracterizar melhor. É por isso que a alteração que propomos neste diploma é muito pequena, justamente para não bulir com a sua economia, justamente para não abranger tudo o resto, porque em tudo o resto queremos que a mesma disciplina se cumpra. Agora, é absolutamente fundamental que haja uma necessidade de incluir o stress post traumático de guerra como condição suplementar para que seja adquirida a classificação de deficiente das forças armadas.»

Verifica-se através desta intervenção que os subscritores da proposta interpretavam o conceito de acidente constante do n.º 2 do artigo 1,.º do Decreto-Lei n.º 43/76 como reportando-se necessariamente a um acontecimento determinado e isolado, ao qual haveria que imputar causalmente a lesão ou a doença. Como o stress pós-traumático de guerra pode ser originado por uma multiplicidade de factos integrados num processo causal complexo, entendiam ser necessário consignar expressamente no articulado do diploma que tal doença poderia vir a ocorrer «na ausência de qualquer acidente».

Sucede, todavia, que tal interpretação restritiva do conceito de acidente não correspondia ao sentido normativo do preceito em causa.

Com efeito, e como já havia sido clarificado através de Despacho Conjunto dos Ministros da Defesa e das Finanças e do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas de 25 de outubro de 1976[24], ao abrigo do disposto no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 43/76, o vocábulo «acidente» constante do n.º 2 do mesmo diploma deve ser interpretado «com a significação de “acontecimento”, que pode ser constituído por factos múltiplos formando um processo».

Tendo o projeto baixado à Comissão de Saúde, viria no âmbito dos respetivos trabalhos a ser elaborado o texto final da proposta, que mereceu a aprovação por unanimidade no plenário, tendo-se mantido intacta a redação do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76 e introduzindo-se um n.º 3 com a seguinte redação: «Para efeitos do número anterior é considerado deficiente das Forças Armadas o cidadão português que, sendo militar ou ex-militar, seja portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar».


5. Não determinando tal preceito, como resultava do projeto inicial, uma alteração do conceito de deficiente das forças armadas constante do n.º 2 do artigo 1.º do referido diploma, veio o mesmo, em termos complementares, clarificar o respetivo conteúdo no que se reporta à perturbação psicológica crónica resultante da exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar.

Tal clarificação apresenta uma dupla vertente.

Por um lado, e para efeitos de aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo, esclarece-se que a doença psiquiátrica em causa deve ser considerada, à semelhança das demais doenças mentais e das doenças em geral, como podendo constituir fundamento para atribuição do estatuto de deficiente das forças armadas.

Por outro, clarifica-se que a eclosão de tal doença não tem necessariamente que resultar da exposição a um evento traumático determinado e isolado, podendo advir de um processo causal complexo e dilatado no tempo (fatores traumáticos múltiplos durante a vida militar).

A necessidade por parte do legislador de efetuar esta clarificação, que não sentiu em relação a qualquer outra doença mental, é perfeitamente compreensível.

Com efeito, o stress pós-traumático, como categoria nosológica de reconhecimento muito recente, suscitava dúvidas nas comunidades médica e jurídica quanto ao respetivo enquadramento na Tabela Nacional de Incapacidades, que a não previa expressamente.

Por outro lado, e como se sublinhou no decurso dos trabalhos parlamentares[25] e na exposição de motivos da Projeto de Lei n.º 554/VII, acima parcialmente transcrita, a Associação dos Deficientes das Forças Armadas já vinha, pelo menos desde 1985, a levantar o problema do enquadramento das vítimas desta doença no regime dos deficientes das forças armadas, sem que o mesmo tivesse sido resolvido pelas entidades competentes.

A dupla clarificação efetuada por esta via relativamente ao conceito de deficiente das forças armadas satisfez plenamente os objetivos visados pelo referido projeto de lei, continuando, no mais, a manter-se integralmente em vigor quanto à matéria o regime jurídico que já vigorava de pretérito, solução esta sustentada, aliás, pelos autores de tal iniciativa legislativa[26].


6. Tratando-se de uma doença mental a enquadrar no regime definido no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, cumpre reafirmar relativamente à mesma a doutrina que este Conselho vem sufragando no que respeita aos vários fundamentos ali previstos para a atribuição do estatuto de deficiente das forças armadas.

Como se salientou, o regime de que beneficiam os deficientes das forças armadas tem subjacente a ideia de recompensar os que se sacrificam pela Pátria, concedendo um estatuto especial àqueles que tiveram de enfrentar situações de particular risco para a sua segurança pessoal ou saúde e mesmo para a sua vida.

Não basta, por isso, o mero exercício de funções e deveres militares para que tal estatuto possa ser atribuído, tornando-se indispensável que no seu desempenho ocorra necessariamente uma situação ou atividade de risco agravado, excedendo significativamente o que é próprio do comum das atividades castrenses.

No sentido da exigência desse risco agravado se tem vindo a pronunciar de igual forma o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdãos proferidos em matéria de stress pós-traumático como fundamento para a atribuição a militares do estatuto de deficiente das forças armadas[27].

Consequentemente, não poderá aceitar-se que qualquer fator traumático de stress, só porque ocorreu no decurso da vida de um militar[28], possa servir de fundamento justificativo para a sua atribuição.

O Projeto de Lei n.º 554/VII, que esteve na origem do preceito, limitava a aplicação do regime aos casos de «stress pós-traumático de guerra».

A redação final que viria a ser aprovada, enquadrando a doença no regime do n.º 2 do artigo 1.º do diploma, sem alterar o conceito de deficiente das forças armadas em vigor, estendeu a aplicabilidade do regime a todas as situações ali referenciadas: o evento traumático, acarretando necessariamente risco agravado para a vida, integridade física ou saúde do militar, poderá ocorrer em serviço de campanha ou em circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha ou como prisioneiro de guerra, na manutenção da ordem pública, na prática de ato humanitário ou de dedicação à causa pública e no exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho.




4
1. Revertendo ao caso concreto, verifica-se pela factualidade apurada que, em 29 de setembro de 2011, o Requerente, conjuntamente com duas inspetoras da Polícia Judiciária, abordou uma viatura estacionada na via pública no interior da qual se encontrava (...).

A abordagem foi efetuada com base na suspeita de que tal cidadã estivesse implicada no tráfico de substâncias estupefacientes.

Os elementos probatórios remetidos com o pedido de parecer, parcos e assumindo por vezes natureza contraditória, não permitem apurar com total rigor e na sua globalidade a sucessão de acontecimentos que teve lugar na decorrência da mesma abordagem.

Poderá, contudo, retirar-se objetivamente de tais elementos o circunstancialismo seguinte:

- A viatura no interior da qual se encontrava (...) (jipe) encontrava-se estacionada na Rua do Canto da Cumeira, em frente ao prédio n.º 15, voltada no sentido inverso àquele por onde a viatura policial entrou em tal artéria.

- O Requerente, condutor da viatura policial, estacionou a viatura respetiva defronte do jipe, deixando uma distância mínima de intervalo entre as viaturas, de cerca de dez a quinze centímetros.

- O Requerente e a inspetora (...) saíram imediatamente da viatura policial, ficando a inspetora (..) retida durante algum tempo no seu interior, pelo facto de a porta respetiva se encontrar trancada («porta do preso»).

- A inspetora (...) acercou-se da parte lateral esquerda do jipe, dirigindo-se à condutora respetiva.

- O Requerente, empunhando a arma de serviço e visando por mero procedimento de segurança o lugar do pendura, dirigiu-se à parte lateral direita do mesmo.

- A inspetora (...), após conseguir abrir a porta da viatura policial («porta do preso»), dirigiu-se também à parte lateral esquerda do jipe, junto da condutora.

- A inspetora (...), identificando-se com o respetivo crachá, ordenou à condutora do jipe que saísse da viatura.

- A condutora, que já havia trancado as portas do jipe, não acatou a ordem, colocou o motor a trabalhar e engrenou a mudança de marcha-atrás, tendo em vista adquirir ângulo para fugir, para o que teria que contornar a viatura policial.

- A inspetora (...) agarrou o manípulo da porta do jipe do lado da condutora, verificando que a mesma estava trancada por dentro.

- A inspetora (...) havia entretanto colocado o braço direito dentro do habitáculo do veículo, que tinha o vidro aberto a menos de meio, procurando retirar a chave da ignição.

- Nesse momento, (...) subiu o vidro do jipe, o que fez com que (...) ficasse com o braço entalado até cerca do terço inferior do antebraço.

- A condutora do jipe efetuou seguidamente dois ou três movimentos curtos e bruscos para trás e para a frente, procurando ganhar espaço suficiente para poder contornar o bloqueamento da viatura da PJ, fazendo com que o corpo das inspetoras tivesse balançado agarradas ao jipe, no lado esquerdo deste.

- A inspetora (...) acabou por largar o manípulo da porta e, aquando de um dos movimentos do jipe para a frente, com inflexão da direção para a esquerda, afastou-se da respetiva dianteira, tendo-se desequilibrado ou escorregado na fuga, terminando por afastar-se do jipe quase de gatas.

- Nessa altura, o Requerente efetuou um disparo contra o vidro da porta da frente do lado direito do jipe, estilhaçando-o, o mesmo sucedendo com o vidro do lado oposto, ou seja, o da porta da condutora.

- Tal disparo atingiu a inspetora (...) no antebraço direito, a qual, retirando esse braço do interior do jipe, viria a cair ao solo, do lado esquerdo de tal viatura, junto da porta da condutora.

- O Requerente efetuou um novo disparo para o interior do jipe, na sequência do qual a condutora se debruçou sobre o seu lado direito como se fosse apanhar algo no banco do pendura ou retirar algo do porta-luvas.

- No momento em que a condutora se endireitava de novo no banco, o Requerente efetuou um último disparo para o interior do jipe, que atingiu a mesma.

- Depois deste disparo, a condutora guinou o jipe para a direita, tentando passar por trás da viatura policial, acabando por ir embater num outro automóvel que ali se encontrava estacionado.

- O último disparo efetuado pelo Requerente provocou graves lesões traumáticas no tórax da condutora do jipe, tendo o projétil respetivo entrado na região póstero-externa do hemitórax direito e saído pela região axilar esquerda, perfurando ambos os pulmões e a artéria aorta.

- Estas lesões, associadas a alta dose de cocaína que a condutora do jipe havia consumido, foram causa direta da respetiva morte.

- A morte da condutora suspeita e a lesão da Inspetora (...) perturbaram psicologicamente o Requerente.


2. A factualidade descrita retrata, na sua fase inicial, uma abordagem efetuada por três inspetores da Polícia Judiciária, no âmbito de uma investigação criminal de atividades de tráfico de estupefacientes, a uma cidadã que se encontrava no interior da respetiva viatura estacionada na via pública.

Tal cidadã não detinha qualquer arma em seu poder, encontrando-se sob o efeito de elevada dose de cocaína que havia consumido.

Após a abordagem, a mesma não acatou a ordem policial para sair da viatura e, sem efetuar qualquer reação contra os inspetores da PJ, ligou o motor da viatura, procurando pôr-se em fuga.

Tratou-se, assim, de uma vulgar operação policial, no quadro de uma investigação criminal, visando identificar e revistar uma suspeita, operação essa que não comportava objetivamente qualquer perigo relevante para a vida, a integridade física ou saúde dos órgãos de polícia criminal nela envolvidos: estando desarmada e sob o efeito de alta dose de cocaína que consumira, a suspeita não reagiu contra os inspetores, tendo procurado, ao invés, pôr-se em fuga na viatura em que se encontrava.

O Requerente, tendo-se aproximado da viatura de arma em punho, pelo lado contrário ao da condutora, não foi em momento algum da operação posto em risco por esta quanto à respetiva vida, integridade física ou saúde.

Algum risco quanto à integridade física provocado pela suspeita, ao procurar pôr-se em fuga, terá corrido, conforme resulta da factualidade descrita, a inspetora (...).

Tendo introduzido o braço direito no interior do jipe pela janela da condutora, procurando retirar a chave da ignição, tal membro foi entalado pelo vidro da janela quando a condutora o procurou fechar.

A condutora iniciou seguidamente curtos movimentos com o jipe, à retaguarda e para a frente, tendo em vista ganhar espaço para contornar a viatura policial. Durante esses curtos movimentos, para trás e para a frente, a referida inspetora, tendo o braço entalado, terá tido que acompanhar o movimento do jipe, o que sucedeu até ao momento em que, com um dos disparos efetuados pelo Requerente, o vidro da janela foi estilhaçado e a mesma soltou o braço que havia sido atingido pelo projétil.

Os elementos constantes do processo não permitem, todavia, presumir que seria intenção da condutora colocar o jipe em andamento acelerado, arrastando consigo a referida inspetora e colocando em grave risco a respetiva integridade física ou vida.

Como não permitem presumir que a mesma tivesse a intenção de atropelar a outra inspetora interveniente na operação.

Com efeito, a condutora do jipe, tendo efetuado vários movimentos curtos, para a frente e para trás, com vista a contornar a viatura policial, assim demonstrando o propósito de não abalroar tal viatura, em momento algum, quando iniciou o movimento para a frente e infletiu a direção para a esquerda, efetuou qualquer aceleração brusca e com trajeto significativo que indiciasse a intenção de arrastar a inspetora (...) na fuga ou de atropelar a inspetora (...).

Como se referiu, tendo o jipe, após o estacionamento da viatura policial à frente do mesmo, ficado com a dianteira a cerca de 10 a 15 centímetros deste, o mesmo, no decurso de toda a intervenção policial e até ao momento em que o Requerente efetuou o último dos disparos, vitimando a respetiva condutora, terá percorrido uma distância, quando muito, de cerca de 3 a 4 metros.

Só assim se explica que, após o último disparo, a condutora tenha guinado o jipe para a direita, para tentar passar por trás da viatura policial, acabando por ir embater num outro automóvel que ali se encontrava estacionado.

Por outro lado, estando a inspetora (...) já com o braço liberto da janela do jipe, na sequência do disparo que a atingiu, e a inspetora (...) afastada da respetiva dianteira, a condutora respetiva, ao invés de efetuar uma fuga em grande velocidade, como parece que poderia ter feito, manteve, durante algum tempo, o jipe parado ou em movimento muito lento, tendo-se inclinado para o lado direito, procurando algo na zona do “banco do pendura” ou no porta luvas, o que deu tempo ao Requerente para efetuar mais dois disparos para o interior do veículo, um dos quais mortal.


3. Como resulta da factualidade acima enunciada, a morte da condutora do jipe e a lesão da inspetora (...) perturbaram psicologicamente o Requerente.

É perfeitamente compreensível que tal perturbação psicológica tenha tido lugar, já que se trata de eventos trágicos provocados pelo próprio Requerente no âmbito de uma operação policial que, à partida, não implicava especial risco para os inspetores envolvidos, eventos esses que viriam dar lugar à instauração de um processo de inquérito tendo em vista apurar eventual responsabilidade criminal do mesmo Requerente[29].

Ao Requerente foi atribuída pela Caixa Geral de Aposentações (CGA) uma incapacidade permanente parcial de 60% de acordo com o Capítulo X, II - Grau IV da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro.

O item da tabela que serve de fundamento a tal incapacidade reporta-se, no quadro das doenças psiquiátricas (Capítulo X) a «perturbações funcionais importantes, com acentuada modificação dos padrões de atividade diária».

Desconhece-se, assim, em face dos elementos constantes do processo, qual a concreta ou concretas doenças psiquiátricas com base nas quais a CGA reconheceu a referida incapacidade permanente parcial.

Sucede, todavia, que do relatório médico-psiquiátrico mais recente constante do processo, emitido em 6 de janeiro de 2013 pelo Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Leiria-Pombal, resulta que ao mesmo foram diagnosticadas em simultâneo duas doenças psiquiátricas: Perturbação de Stress Pós-Traumático e Perturbação de Personalidade SOE[30].

É de presumir, na ausência de outros elementos, que tenham sido tais as doenças psiquiátricas que estiveram na base da incapacidade atribuída pela CGA ao Requerente.

Relativamente à perturbação de stress pós-traumático, não existem razões para duvidar de que o mesmo esteja relacionado causalmente com os factos acima relatados.

Já relativamente à perturbação de personalidade sem outra especificação tal dúvida é pertinente, já que não resultam do processo quaisquer elementos, clínicos ou outros, que permitam estabelecer tal relação de causalidade.

Ignora-se, pois, qual a etiologia dessa doença e em que grau a mesma terá contribuído para a incapacidade de 60% globalmente atribuída ao Requerente pela CGA.


4. Atentos os conceitos e definições legais acima enunciados[31], e uma vez que a factualidade supra descrita, embora ocorrida em serviço no quadro de uma investigação criminal, não teve lugar em serviço de campanha, nem em circunstâncias com ele diretamente relacionadas, nem enquanto prisioneiro de guerra, nem na manutenção da ordem pública, nem na prática de ato humanitário ou de dedicação à causa pública, resta apurar se a mesma se verificou em situação de risco agravado, na aceção do n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76 e conforme a densificação do requisito operada por este Conselho.

Como este Conselho tem sustentado, existe um risco específico da atividade policial, normalmente superior ao risco próprio de outras atividades profissionais, mas que – como se assinala no parecer n.º 1/97[32] – «não ameaça direta e imediatamente a vida ou a integridade física dos agentes que o suportam, dados os concretos meios de defesa de que dispõem e a normal evolução da vida em sociedade».

Poderão, todavia, verificar-se situações em que objetivamente se verifique um agravamento relevante do risco genérico inerente ao exercício da concreta atividade policial, designadamente no âmbito da investigação criminal, que permita afirmar a existência de um risco agravado equiparável a serviço de campanha ou equivalente[33].

É o agravamento significativo desse risco genérico, que o torne num risco excecional, pressupondo um contacto direto com situações ou pessoas que criem ou possam criar perigo para a vida, para a integridade física ou para a saúde do agente, que releva para a verificação do item previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76 relativo a atividades com risco agravado[34].

No caso objeto do presente parecer depara-se-nos, como se expôs, uma situação em que três inspetores da Polícia Judiciária abordam uma suspeita de tráfico de substâncias estupefacientes que se encontrava no interior do respetivo veículo estacionado na via pública, a qual, sem esboçar qualquer reação agressiva contra aqueles, acionou a ignição do veículo iniciando manobras tendentes a pôr-se em fuga. Trata-se de uma situação que manifestamente não determinava para os referidos inspetores um risco superior ao risco genérico inerente ao normal exercício da atividade própria de tal polícia.

O Requerente efetuou diversos disparos para o interior do veículo, tendo um deles atingido uma das inspetoras e outro provocado a morte da suspeita.

Foram as consequências trágicas da própria atuação do Requerente (morte da suspeita e ofensa à integridade física de uma das inspetoras que o acompanhavam) que lhe provocaram o trauma psicológico determinante da perturbação de stress pós traumático que lhe veio a ser diagnosticado.

Ora, como pertinentemente se refere na informação elaborada na Direção de Serviços Jurídicos e de Contencioso do Ministério da Justiça, no caso concreto a ação policial desenvolvida não apresentou objetivamente um risco acrescido ou agravado por reporte ao normalmente presente, tendo o evento traumático sofrido pelo Requerente tido lugar em circunstâncias fortuitas e imprevisíveis.

Tendo presente tal factualidade, não se torna consequentemente possível afirmar a existência de um risco agravado equiparável às situações de serviço de campanha ou equivalente, enquadrável no n.º 4 do artigo 2.º , referido ao n.º 2 do artigo 1.º , ambos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro


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Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – Não caracteriza um tipo de atividade com risco agravado, enquadrável no n.º 4 do artigo 2.º , referido ao n.º 2 do artigo 1.º , ambos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, uma operação em que três inspetores da Polícia Judiciária abordam um indivíduo do sexo feminino que se encontra no interior de uma viatura estacionada na via pública, sob suspeita de tráfico de estupefacientes, e lhe dão ordem para sair da viatura, tendo o mesmo desacatado tal ordem, ligado o motor da viatura e iniciado manobras tendentes a pôr-se em fuga;

2.ª – Tendo um dos inspetores, aqui Requerente, efetuado vários disparos para o interior do veículo, um dos quais atingiu uma das inspetoras que o acompanhavam no antebraço direito, tendo outro provocado a morte do referido indivíduo do sexo feminino, a perturbação psicológica que estes eventos (lesão corporal da inspetora e morte da suspeita) provocaram ao Requerente, diagnosticada como «perturbação de stress pós-traumático», tendo tido lugar em circunstâncias fortuitas e imprevisíveis, é de igual modo insuscetível de enquadramento nas disposições legais referidas na conclusão anterior;

3.ª – Tendo sido diagnosticada ao Requerente em 6 de janeiro de 2013 pelo Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Leiria-Pombal, para além da «perturbação de stress pós-traumático», uma «perturbação de personalidade sem outra especificação», não resultam do processo elementos que permitam inferir qual a etiologia de tal doença psiquiátrica e em que medida veio a mesma a concorrer para a atribuição ao Requerente por parte da Caixa Geral de Aposentações de uma incapacidade permanente parcial de 60%;

4.ª – Consequentemente, e em face dos elementos constantes do processo, não deverá ao Requerente (...) ser concedido o estatuto de equiparado a deficiente das forças armadas.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 10 DE JULHO DE 2014.


Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha – Fernando Bento (Relator) – Maria Manuela Flores Ferreira – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão – Manuel Pereira Augusto de Matos.








[1] O parecer foi solicitado através do ofício n.º 2538, de 15 de maio de 2014 (P.º 976/2014).
[2] Pelos dados constantes do processo, tratar-se-á de lapso na elaboração do auto ou do despacho do Ministério Público, devendo onde se refere «metros» ler-se «centímetros».
[3] A sigla corresponde à designação Posttraumatic Stress Disorder, comummente traduzida para língua portuguesa como Perturbação de Stress Pós-Traumático.
[4] Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43/76.
[5] Este número foi aditado pela Lei n.º 46/99, de 16 de junho, passando o anterior número 3 a figurar como número 4.
[6] A redação do n.º 4 resulta da Declaração de Retificação publicada no Diário da República, I Série, de 26 de junho de 1976 (2.º Suplemento).
[7] Orientação já expressa nos pareceres n.os 55/87, de 29 de setembro de 1987, e 80/87, de 19 de novembro de 1987, e uniformemente reiterada, o que voltou a ocorrer nos pareceres n.os 99/2001, de 11 de outubro de 2001, 167/2001, de 6 de dezembro de 2001, e 116/2001, de 20 de dezembro de 2001, que se referem a título de mero exemplo.
[8] Idem.
[9] Cf., a título exemplificativo, os Pareceres n.os 242/2000, de 17 de maio de 2001, 14/2003, de 27 de março de 2003, 63/2005, de 30 de junho de 2005, e 58/2006, de 27 de julho de 2006.
[10] Cf., a título exemplificativo, os Pareceres n.os 95/1981, de 22 de outubro de 1981, 47/1984, de 25 de julho de 1984, 71/1989, de 23 de novembro de 1989, 65/1990, de 22 de novembro de 1990, e 6/2002, de 14 de fevereiro de 2002.
[11] Sublinhando estes aspetos, vide, por todos, o parecer n.º 45/89, de 12 de julho de 1989, e, mais proximamente, o parecer n.º 242/2000, de 17 de maio de 2001.
[12] Cf. o parecer n.º 45/89 citado.
[13] Idem. Também assim o citado parecer n.º 99/2001.
[14] Do parecer n.º 242/2000 citado.
[15] Conforme resulta dos artigos 1.º a 5.º da lei orgânica da Polícia Judiciária (Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto), a mesma tem por missão coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, desenvolver e promover as ações de prevenção, deteção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes.
[16] Artigo 3.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto.
[17] Artigo 3.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro.
[18] Pareceres n.º 79/86, de 4 de dezembro de 1986, e 59/89, de 10 de maio de 1990.
[19] Pareceres n.os 95/1981, de 22 de outubro de 1981, 47/1984, de 25 de julho de 1984, 71/1989, de 23 de novembro de 1989, 65/1990, de 22 de novembro de 1990, e 6/2002, de 14 de fevereiro de 2002.
[20] O projeto encontra-se publicado no Diário da Assembleia da República n.º 68, II Série, de 9 de julho de 1998, pp. 1598-1599.

[21] Os trabalhos encontram-se transcritos no Diário da Assembleia da República n.º 34, I Série, de 14 de janeiro de 1999, pp. 26-34.
[22] Vide as intervenções dos deputados Marques Júnior e Eduarda Ferronha.
[23] O itálico foi introduzido pelo relator.
[24] Publicado no Diário da República, I Série, n.º 278, de 27 de novembro de 1976.
[25] Cf. a exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 554/VII e a intervenção do deputado Carlos Encarnação na reunião plenária da Assembleia da República de 13 de janeiro de 1999 – Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 34, de 14 de janeiro de 1999, p. 27.
[26] Cf. intervenção referida na nota anterior.
[27] No Acórdão n.º 265/08, de 11 de setembro de 2008, refere-se no respetivo sumário:

«I – (…).
II – (…).
III – O n.º 3 do art. 1º do DL n.º 43/76, de 20/1, número esse que foi aditado pela Lei n.º 46/99, de 16/6, veio possibilitar a atribuição do estatuto de DFA às «vítimas de “stress” pós-traumático de guerra».
IV – Na medida em que a previsão desse n.º 3 se apresenta enunciada «para efeitos do número anterior», deve ver-se esse n.º 3 como continuador e receptício do n.º 2, sendo aqueles «efeitos» os resultantes da interpretação e aplicação do «número anterior».
V – Assim, a atribuição do estatuto de DFA às vítimas de “stress” de guerra exige que a sua «perturbação psicológica» resulte de «serviço de campanha» ou de alguma das outras situações que, nos termos do n.º 2 do referido art. 1º, são equiparáveis a tal «serviço».
VI – (…)
VII – (…)»

Por outro lado, no Acórdão n.º 1852/03, de 19 de maio de 2005, embora se admita que o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76 consagre uma hipótese normativa específica e autónoma não totalmente indexada à previsão do n.º 2, sustenta-se que, sob pena de incoerência sistemática, o mesmo não deixa de suportar-se num critério autónomo de exigência que, de alguma forma, reflita a filosofia restritiva do diploma, o que traduz a exigência de um específico nexo de causalidade entre a perturbação de stress e a exposição do militar a fatores traumáticos que, manifestamente, não podem resumir-se ao risco normal e rotineiro do serviço militar.
Os acórdãos poderão ser consultados em www.dgsi.pt.
[28] A perturbação de stress pós-traumático poderá vir a ser contraída por qualquer pessoa, não sendo doença específica de qualquer setor profissional ou grupo social.
A Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, prevê expressamente a perturbação de stresse pós traumático (F43.1) como doença profissional incapacitante.
Quanto ao respetivo quadro conceptual e formulações diagnósticas, tal diploma remete, à semelhança do que sucede com as doenças mentais em geral, para a Classificação das Perturbações Mentais e Comportamentais (CID) da Organização Mundial de Saúde, sem embargo, todavia, da possibilidade de recurso ou de remissão para outros sistemas de classificação internacionalmente reconhecidos, como o DSM — Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria.
Quanto à etiologia e diagnóstico da doença, refere a TNI o seguinte (Capítulo X-I2):

«Perturbação de stresse pós-traumático (F43.1)
O sujeito deve ter estado exposto a um acontecimento ou situação (de curta ou longa duração) de natureza excecionalmente ameaçadora ou catastrófica, suscetível de gerar reações de stresse na esmagadora maioria das pessoas. Deve haver recordação ou «revivência» persistente do agente de stresse sob a forma flashbacks intrusivos, memórias vívidas, sonhos recorrentes ou experimentação de reações de stresse quando exposto a circunstâncias semelhantes ou associadas ao agente de stresse. O indivíduo deve evidenciar um evitamento atual ou preferencial de circunstâncias semelhantes ou associadas ao agente de stresse, conduta esta inexistente antes da exposição ao agente de stresse. Além disso, devem estar presentes sintomas integrantes de uma das seguintes condições: (1) incapacidade de recordar, total ou parcialmente, aspetos importantes do período de exposição ao agente de stresse; (2) sintomas persistentes de aumento da sensibilidade e do estado de alerta (ausentes antes da exposição ao agente de stresse), evidenciados por, pelo menos, dois dos seguintes: (a) dificuldade em adormecer ou em dormir; (b) irritabilidade ou acessos de raiva; (c) dificuldade de concentração; (d) hipervigilância; (e) resposta de susto exagerada. As condições atrás referidas devem ocorrer no decurso dos seis meses subsequentes ao acontecimento gerador de stresse ou no termo do período de stresse.»

Nos critérios de diagnóstico da doença previstos no DSM — Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM-5, American Psychiatric Association, Washington-London, 2013, pp. 271-280) , refere-se que o evento traumático causal da doença poderá consistir em «exposição a morte ou ameaça de morte, ferimentos graves ou violência sexual», de uma das seguintes formas:

1. Experimentando diretamente o evento traumático (a título exemplificativo:
exposição a guerra como combatente ou civil, agressão física, roubo, abuso físico na infância, violência sexual, sequestro, tomada de reféns, ataque terrorista, tortura, encarceramento como prisioneiro de guerra, desastres naturais ou provocados pelo homem, acidentes graves com veículos motorizados);
2. Testemunhando pessoalmente o evento ocorrido com outras pessoas [exemplos: observando agressões físicas graves, mortes não naturais, abuso sexual ou físico no quadro de ataque violento, violência doméstica, acidentes, guerra, desastres, tratamento médico catastrófico em criança (caso de hemorragia potencialmente fatal)];
3. Tomando conhecimento do evento ocorrido com um familiar próximo ou com um amigo íntimo (caso de ataques violentos a pessoas, suicídio, acidentes graves e ferimentos graves);
4. Experimentando exposição repetida ou extrema a detalhes aversivos do evento (por exemplo, socorristas recolhendo restos humanos, ou agentes da polícia repetidamente expostos aos detalhes de abuso infantil).

[29] Não resultam dos autos referências relativamente à instauração e desfecho de eventual processo disciplinar relacionado com os mesmos factos.
[30] A sigla SOE tem o significado de «Sem Outra Especificação», tendo origem na designação em língua inglesa para a doença: «Unspecified Personality Disorder», cuja caracterização no DSM5 é efetuada da forma seguinte: «Other Specified Personality Disorder - This category applies to presentations in which symptoms characteristic of a personality disorder that cause clinically significant distress or impairment in social, occupational, or other important areas of functioning predominate but do not meet the full criteria for any of the disorders in the personality disorders diagnostic class. The other specified personality disorder category is used in situations in which the clinician chooses to communicate the specific reason that the presentation does not meet the criteria for any specific personality disorder. This is done by recording “other specified personality disorder” followed by the specific reason (e.g., “mixed personality features”).»
[31] Pontos 2.
[32] Parecer votado em 6 de março de 1997 e objeto de homologação pelo Secretário de Estado da Defesa Nacional.
[33] Cf., de entre os mais recentes, os pareceres n.os 54/2002, de 26 de setembro de 2002, 108/2002, de 16 de janeiro de 2003, 112/2005, de 16 de março de 2006, 89/2006, de 17 de fevereiro de 201, 41/2010, de 15 de dezembro de 2011, 1/2012, de 3 de maio de 2012, e 40/2012, de 20 de dezembro de 2012.
[34] Parecer n.º 54/2002-C, de 3 de fevereiro de 2005.