Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002031
Parecer: P001722001
Nº do Documento: PPA280220020017200
Descritores: DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
INSTRUÇÃO MILITAR
GRANADA
DESARMADILHAGEM
RISCO AGRAVADO
CONDIÇÕES DE SEGURANÇA
DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE
GRAU DE PERÍCIA
CULPA DO SINISTRADO
FACTO IMPEDITIVO
ÓNUS DA PROVA
Livro: 00
Numero Oficio: 7152/CG
Data Oficio: 11/28/2001
Pedido: 11/29/2001
Data de Distribuição: 12/06/2001
Relator: LUCAS COELHO
Sessões: 01
Data da Votação: 02/28/2002
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MDN
Entidades do Departamento 1: MIN DA DEFESA NACIONAL
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 05/06/2002
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 18-03-2003
Nº do Jornal Oficial: 65
Nº da Página do Jornal Oficial: 4279
Indicação 2: ASSESSOR:MARIA JOÃO CARVALHO
Área Temática:DIR ADM * DEFIC FFAA
Ref. Pareceres:P001351976Parecer: P001351976
P002061979Parecer: P002061979
P001351989
P000491990Parecer: P000491990
P000571993Parecer: P000571993
P000291994Parecer: P000291994
P000371994Parecer: P000371994
P000671994Parecer: P000671994
P000491998Parecer: P000491998
P000811998Parecer: P000811998
P000092001Parecer: P000092001
Legislação:DL 43/76 DE 20/01/1976 ART2 N1 B N2 N3 N4; PORT 162/76 DE 24/03/1976; CPADM91 ART56 ART87 ART88 N1; CCIV66 ART342
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1ª O exercício de actividade militar de instrução consistente na desmontagem de uma armadilha de tropeçar armada com granada de mão ofensiva M/962 – real ou de instrução provida de espoleta com detonador – é um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2ª O acidente de que foi vítima o ex-soldado pára-quedista (...), (...), ocorreu em actividade militar correspondente à descrita na conclusão 1ª .

Texto Integral:

Senhor Ministro da Defesa Nacional,
Excelência:



I

A fim de ser submetido a parecer deste Conselho Consultivo nos termos do artigo 2º, nº 4, do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, dignou-–se Vossa Excelência determinar o envio à Procuradoria-Geral da República do processo respeitante ao ex-soldado pára-quedista (...), (...).

Cumpre emiti-lo.


II

Do processo extraem-se com interesse os seguintes factos:

1. No dia 16 de Abril de 1970, pelas 16H30, o soldado (...), no decurso de instrução de combate de minas e armadilhas programada no horário IC-1/70, do Regimento de Caçadores Pára-quedistas de Tancos, para que estava «legalmente nomeado», procedia ao exercício de desarmadilhagem de uma «armadilha de tropeçar», quando ocorreu a deflagração da granada de mão ofensiva nela montada, produzindo-lhe ferimentos nas mãos e na face;


2. Instaurado acto contínuo processo de averiguações por acidente em serviço, reaberto em meados de 2000, o requerente submeteu-se a exames médicos, tendo sido considerado curado no exame de sanidade final, a 1 de Março de 2001, com anquilose funcional dos 1º e 2º dedos da mão esquerda, arrancamento da polpa do 3º dedo e anquilose da I.F.D.;


3. Em consequência das lesões descritas veio a ser-lhe atribuído pela JSFA, em 29 de Março de 2001, o coeficiente de desvalorização de 30,3%, superiormente homologado;


4. Concluiu-se existir «nexo de causa/efeito entre o acidente e o serviço»;


5. No tocante às causas do sinistro relevam os aspectos seguintes:

5.1. Dois militares participantes da instrução declararam que o seu camarada, «sem tomar as precauções que para o caso foram recomendadas pelo instrutor», «retirou a granada da caixa sem que segurasse a paleta de segurança», e, quando isso aconteceu, um daqueles gritou-lhe «larga isso da mão»; por hesitação ou atrapalhação, o sinistrado «não a atirou fora imediatamente pelo que a mesma mina lhe rebentou na mão»;

5.2. O próprio instrutor, ponderando que dava o mesmo tipo de instrução havia cerca de sete anos «sem que com ele se tenha dado um acidente do género, embora com outros instrutores já tenham acontecido casos idênticos», limitou-se a atribuir o acidente «ao facto do sinistrado não respeitar uma das regras de segurança considerada essencial para o bom funcionamento do sistema, que consiste em estar atento»;

5.3. O requerente, por seu turno, descreveu assim o evento: «(...) quando procedia ao levantamento duma armadilha com granada de mão ofensiva de instrução e ao retirá-la da caixa rebentou-lhe prematuramente, tendo-o atingido com estilhaços (...)»; «(...) antes de retirar a granada da caixa colocou a cavilha de segurança conforme lhe tinha sido ensinado e que ouviu um camarada dizer ‘larga isso da mão’ e ele, ora declarante, virou-se para esse seu camarada com a granada na mão e perguntou ‘largo isto porquê?, tendo ela rebentado de seguida. Que ficou surpreendido quando a granada rebentou, pois estava absolutamente consciente daquilo que tinha feito, no que respeita às precauções a tomar; que quanto a si, só se justifica o facto de a granada ter rebentado devido provavelmente a deficiência do material, pois que o único dispositivo que poderia originar tal rebentamento estava por si devidamente imobilizado após lhe ter introduzido a cavilha de segurança»;

5.4. Havendo realmente necessidade de apurar as causas do rebentamento da granada, foram no processo de averiguações instaurado em 1970 nomeados dois oficiais, técnicos de manutenção de armamento e equipamento, que elaboraram relatório em 18 de Dezembro daquele ano, do qual se reproduzem os excertos mais importantes:

«(...)

«3. E passando os mesmos à análise de uma granada igual à que provocou o acidente, constataram o seguinte:

a) Granada: a granada tem a designação de ‘Granada de mão, ofensiva, M/962-TNT’ e é constituída por duas partes principais: a.1) espoleta DM72 com atraso de 3,5 segundos; a.2) granada de plástico de grande potência, de cor verde-azeitona e com marcações a tinta amarelo-vivo;

b) Embalagem: a granada é embalada numa caixa cilíndrica de cartão, constituída por duas partes, com as designações a tinta branca e com os pontos de união da tampa unidos por uma fita adesiva de cor amarela;

c) Funcionamento no lançamento: retirando o troço de segurança que se encontra ligado a uma argola e deixando que a alavanca que sujeita o percutor rode para fora e para cima entre 12 e 14mm, aquele por acção da sua mola roda e fere a cápsula fulminante, iniciando a combustão do misto de atraso de 3,5 segundos; este provoca o funcionamento do detonador que, por sua vez, faz detonar a carga de rebentamento (TNT);

4. Armadilhagem: de acordo com o que nos foi dado constatar, a granada de mão ofensiva M/962 é armadilhada, na instrução, do seguinte modo:

4.1. Retirada a tampa da embalagem que acondiciona a granada, esta é deixada dentro da caixa cilíndrica inferior, sendo ligado a um ponto qualquer da citada granada, um arame de tropeçar;

4.2. É então retirado o troço de segurança (cavilha) ficando a segurança somente a ser exercida através da alavanca que se encontra encostada à parede interior da caixa cilíndrica;

4.3. Se houver alguém ou alguma coisa que exerça uma certa tracção no arame de tropeçar, ligado à granada e a um obstáculo qualquer, a citada granada sairá da caixa e logo que a alavanca deixe de estar sob a acção da parede, o percutor, por acção da mola, roda e percute a cápsula da espoleta, dando-se o rebentamento subsequente da granada conforme o descrito em c) de 3).

5. Desarmadilhagem. A granada pode ser desarmadilhada com toda a segurança desde que o desarmadilhador execute os seguintes procedimentos:
Colocar o dedo indicador da mão esquerda em cima da alavanca que liga à charneira da espoleta enquanto os restantes dedos da mesma mão seguram a caixa que acondiciona a granada;
Com a mão direita (indicador e polegar) colocar no orifício que se encontra a meio da cabeça da espoleta um troço, uma cavilha ou mesmo um arame não macio com 2mm de diâmetro e de que o desarmadilhador deve estar sempre munido (esta operação permite a imobilização do percutor sem que possa ferir a cápsula fulminante);
Retirar o arame de tropeçar;
Colocar o troço próprio (cavilha de segurança) no lugar devido (orifício a ele destinado, nas abas da alavanca e cauda da espoleta), tendo em atenção que a abertura do ramo maior do troço deve ficar compreendida entre 5 e 7mm.

NOTA: A granada pode também ser desarmadilhada procedendo como o indicado no nº 1 de 5. e colocar o troço (cavilha de segurança) directamente, no orifício existente na cauda da espoleta e abas interiores da alavanca.
Neste caso porém a operação da desarmadilhagem deve ser efectuada com todo o cuidado, devendo os intervenientes ter sempre presente de que o mais ligeiro descuido ou a menor falta de atenção ao trabalho levará, fatalmente, ao rebentamento da granada, com as graves consequências que daí poderão advir não só para o desarmadilhador como até para o pessoal que assista à desarmadilhagem sem que haja culpa de um ou dos outros.

Presunção: Presume-se que tenha sido da forma mencionada na nota anterior que se tenha verificado a explosão da granada, na qual foi sinistrado o soldado Pára-quedista nº 305/69, (...).»


5.5. No relatório de encerramento do processo de averiguações, de 5 de Fevereiro de 1971, o oficial averiguante - sintetizando a propósito: «as testemunhas afirmam que houve no acidente culpa para o sinistrado»; «os peritos técnicos são de opinião que não é de atribuir culpa ao sinistrado ou a outrem» - concluiu: «04. Não é de atribuir culpas ao sinistrado ou a outrem»; e o Comandante do Regimento proferiu despacho final, a 25 de Março, do seguinte teor: «Não há razão a sanções. Do acidente, em serviço, resultaram para o sinistrado efeitos lesivos permanentes.»


5.6. A respeito da factualidade descrita, lê-se a determinado passo da Informação elaborada no Serviço de Justiça e Disciplina em 17 de Abril de 2001: «O acidente deveu-se ao manuseamento da granada, pelo interessado, sem observância das normas de segurança, não estando contudo indiciado que o tenha feito intencionalmente» [ponto 7., alínea b)], e, ainda, que a «actividade de instrução de minas e armadilhas, com manuseamento de granada com carga explosiva», «pode ser considerada como de risco agravado face ao comum das actividades militares» (ponto 8.).

6. O requerente fora incorporado em 11 de Fevereiro de 1969 e pronto da escola de recrutas em 23 de Janeiro de 1970.

III


1. A despeito de o acidente haver ocorrido em 1970, é admissível a revisão do processo nos termos dos nºs 1, 3 e 5, da Portaria nº 162/76, de 24 de Março (redacção do nº 1 da Portaria nº 114/79, de 12 de Março).

Ora, o interessado apresentou, como se deixou entender, requerimento de reabertura do processo em 14 de Junho de 2000, o qual releva como pedido de revisão, sendo-lhe consequentemente aplicável o Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.


2. Dispõem os nºs. 2 e 4 do artigo 1º deste diploma legal ([1]):

“2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
Vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.”
3. (...)
4. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.»
E acrescenta o artigo 2º, nº 1, alínea b):
"1. Para efeitos da definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:
a) (...)
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.”
Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo 2º esclarecem:
"2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
"3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
"4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei ([2]).
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.”
IV

1. Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, "pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".
"Assim, implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas.” ([3])


2. Para além do juízo positivo sobre o condicionalismo de risco agravado em que se produziu o acidente, a qualificação como deficiente das Forças Armadas exige ainda a verificação de dois pressupostos.


2.1. Em primeiro lugar, requer-se a existência de uma relação de causalidade adequada entre a actividade em cuja prática se produziu o acidente e a incapacidade sofrida, exigência decorrente do Decreto-Lei nº 43/76 e dos princípios jurídicos gerais em matéria de causalidade.
Mais especificamente - conforme a doutrina constante do Conselho Consultivo sobre este ponto -, “entre o acto (acontecimento, situação) e o acidente (lesão ou doença), e entre este e a incapacidade, deve existir um duplo nexo causal: não basta que o acidente ocorra no lugar e no tempo da prática do acto, mas que entre um e outro, como entre o acidente e a incapacidade, exista uma relação de causalidade, concebida em termos de causalidade adequada, só cabendo na previsão do diploma os acidentes que resultem, em termos objectivos de causalidade adequada, da perigosidade de tais situações”.
Indispensável, por outro lado, à determinação da aludida relação, tem o Conselho salientado sem divergência a necessidade de apurar, “no domínio da matéria de facto - estranho à competência deste corpo consultivo - que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado”, se encontra nessa dupla relação de causalidade.


2.2. Requisito imprescindível para a qualificação DFA é, em segundo lugar, a verificação de um grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30%, como prescreve a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76.
O Conselho, observando que na vigência de diplomas anteriores com idênticos objectivos não se encontrava estabelecido tal limite mínimo, tem considerado sem discrepâncias que a definição visou equiparar os DFA aos acidentados do trabalho, “terminando com a inconsequência do Decreto--Lei nº 210/73, de 9 de Maio, que, não fixando limite mínimo àquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma”.
Trata-se, na verdade, de “permitir o enquadramento como deficiente das Forças Armadas dos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição da capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância, atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando-os em dificuldades profissionais e sociais” ([4]).


3. Desenhados os elementos constitutivos da qualificação como deficiente das Forças Armadas, aceite-se, perante a factualidade relevante, que se verificam na situação submetida à nossa apreciação, quer o coeficiente legal de desvalorização, quer o duplo nexo de causalidade adequada.
Resta apurar se o acidente que vitimou o requerente ocorreu em situação de risco agravado na acepção do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, adiantando-se prévia elucidação do conteúdo e significado do requisito, conforme a densificação desta instância consultiva.


3.1. Desde a entrada em vigor do aludido Decreto-Lei o Conselho Consultivo teorizou, a partir dos acidentes concretos que lhe foram apresentados, o conceito “risco agravado” à luz dos incisos legais, havendo logrado atingir um critério dotado de assinalável consistência.
Neste sentido, desde cedo se considerou risco agravado “um risco que em alguma medida se possa acrescentar àquele que decorre da actividade militar normal”, um risco “de grau equivalente aos das actividades operacionais expressamente contempladas” nos itens do nº 2 do artigo 1º ([5]), e actividade de risco agravado “uma actividade arriscada por sua própria natureza e não por efeito de circunstâncias imprevisíveis e ocasionais” ([6]).
Ou, noutra formulação repetidamente utilizada até ao presente: actividades importando “sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas” previstas no nº 2 do artigo 1º; que a actividade militar que gera o acidente “envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas” ([7]).
Ponderou-se, a este respeito, que a expressão do nº 4 do artigo 2º - pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole -, “parece dever entender-se como uma referência a situações ou tipos de acções implicando uma actividade de risco agravado, isto é, superior ao risco genérico da actividade militar”, “um risco superior ao que normalmente decorre da actividade militar” ([8]).



3.2. Particularmente profícua, neste quadro, é a teorização no capítulo do manuseamento de explosivos.
Desde há muito se vem na verdade entendendo que o manejo de substâncias ou engenhos explosivos em serviço e por motivo do seu desempenho, por exemplo nos actos de instrução e nos exercícios de fogos reais, implica objectivamente, por natureza, um risco agravado relativamente ao normal das actividades castrenses que o torna equiparável ao risco próprio das situações previstas na lei e, nomeadamente, ao risco de campanha ([9]).
Risco agravado, observou-se em determinada altura, que “derivará, em regra, da probabilidade de o militar ser atingido não só pelos estilhaços, como pelo efeito de “sopro” e até pelo “som” do rebentamento, pondo em perigo a sua integridade física e a saúde” ([10]). Com efeito, reafirmou-se noutro momento, os rebentamentos podem ser “de tal modo próximos que quer a deslocação de ar, quer o estampido produzidos, lhes podem provocar lesões ao nível auditivo, sem que se possam considerar tais lesões uma consequência esporádica e imprevisível da participação na operação” ([11]).
Mas o Conselho foi mais fundo na investigação das razões pelas quais constitui o manuseamento de explosivos uma actividade, por natureza, portadora de risco agravado.
Ponderou-se, a propósito ([12]), que o risco agravado implicado nessa actividade (frisado agora):
“(...) nem sequer é decisivamente anulado pela estrita observância das regras de segurança, já que, apesar destas, (...), podem ocorrer acidentes portadores de graves consequências.
“(...) quem manuseia ou transporta explosivos ou engenhos destinados a deflagração, tem que tratar com objectos perigosos por natureza, ficando à mercê de imponderáveis que escapam ao poder de previsão expresso na observância das regras de segurança.
“Estas regras são estudadas e concebidas, como é natural, em função de certas causas típicas, geradoras do accionamento dos referidos engenhos ou dele condicionantes.
“Contudo, não eliminam outros factores indetermináveis, mas nem por isso menos frequentes, como a experiência tem demonstrado, e conducentes aos mesmos resultados.
“(...) a acção em si, consubstanciada no transporte e manipulação daquele engenho, já continha, objectivamente considerada, germes de perigo notoriamente superiores aos que normalmente resultam de actividades de instrução militar em que tais meios não são utilizados” ([13]).
O manejo de explosivos está, pois, sujeito a factores imponderáveis que escapam ao controlo humano e às malhas por mais apertadas das regras de segurança, cuja indeterminabilidade, nem por isso os tornando menos frequentes, imbui de perigosidade objectiva a actividade de serviço em que aleatoriamente incidem.
O risco dessa actividade resulta sempre da perigosidade objectiva do próprio explosivo, sujeito a deflagração incontrolável por simples atrito, elevação da temperatura, instabilidade físico–química, deterioração, simpatia, alteração molecular da carga, ou outro qualquer imponderável, e não obstante a observância das regras de segurança.
Resta precisar que a teorização do risco agravado implicado na manipulação de explosivos em serviço tem sido reiteradamente perfilhada pelo Conselho quando se trate de minas e armadilhas ([14]), tal como no caso presente à nossa apreciação.
E não se vislumbram, com efeito, razões – bem pelo contrário – para submeter tal espécie de engenhos a um diferente tratamento.



3.3. Observar-se-á, porém, ter o requerente declarado (supra, II, 5.3.) que o explosivo armadilhado era uma «granada de mão ofensiva de instrução» .
No entanto, os peritos em 1970 examinaram e descreveram o funcionamento de uma granada real, embora declarando-a «igual à que provocou o acidente» - lê-se no ponto 3. do seu relatório (supra, II, 5.4).
Como quer que fosse, admita-se por hipótese que o acidente se verificou com uma granada de instrução.
A única diferença entre ambas as espécies reside no facto de esta última não dispor da carga explosiva principal de TNT acondicionada dentro do corpo de plástico da granada real, a qual é substituída, na granada de instrução, por areia ou serradura ([15]).

Abstraindo, portanto, da carga explosiva principal, são quanto ao mais idênticos, nos dois tipos de granadas, a composição e o funcionamento dos mecanismos, tudo em conformidade com a descrição constante do relatório pericial.

Na hipótese, por conseguinte, de a armadilha sub iudicio haver sido montada com uma granada de instrução, então as lesões sofridas pelo requerente na desarmadilhagem apenas podiam ter resultado da explosão do detonador.

Sublinhe-se, todavia, que o explosivo do detonador – um composto em regra de fulminato de mercúrio ou de estifenato de chumbo, caracterizado tecnicamente como «alto explosivo iniciador» - dispõe de potência de deflagração em grau exponencialmente superior à do TNT, o explosivo padrão que constitui a carga principal da granada ([16]).

Daí que este corpo consultivo venha qualificando o manuseamento desses engenhos em serviço, tal como a manipulação de explosivos em geral, como actividade de risco agravado equiparável nomeadamente às situações de campanha, nos termos dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76 ([17]).



3.4. Não se divisando razões para divergir do entendimento assim delineado, concluímos, pois, que o exercício de desarmadilhagem que vitimou o requerente deve igualmente ser qualificado como actividade de risco agravado nos termos dos citados preceitos, quer a granada montada na armadilha fosse real, quer se tratasse de granada de instrução.


4. Sendo de afirmar, em conformidade com o exposto, os elementos constitutivos da qualificação como deficiente das Forças Armadas à luz do Decreto–Lei nº 43/76, afloram, todavia, no processo índices dos elementos impeditivos descritos no nº 4 do artigo 1º do mesmo diploma.

Recorde-se o seu teor:

«4. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.»

Será que os factos conhecidos permitem imputar a Paulo Liberto Linares acção ou omissão contra ordens superiores expressas, ou em desrespeito das condições de segurança determinadas pelas autoridades competentes?


4.1. Do processo não resulta a menor referência ao teor de quaisquer ordens superiores ou determinações das autoridades competentes relativas ao modus operandi e às condições de segurança a observar na desarmadilhagem do artefacto de fogo que ao requerente fora cometida.

Não obstante, determinados indícios permitem de algum modo induzir semelhantes determinações, embora o acento da subsunção normativa deva ser posto no seu conhecimento e, quiçá, compreensão e domínio pelo sinistrado.

Assim, os dois camaradas do requerente declararam que este «retirou a granada da caixa sem que segurasse a paleta de segurança», desta forma contrariando, se bem se infere, «as precauções que para o caso foram recomendadas pelo instrutor».

Pena é que o próprio instrutor, exactamente, se tenha abstido de precisar as «precauções recomendadas», limitando-se a considerar haver (...) desrespeitado a regra de segurança, «essencial para o bom funcionamento do sistema, que consiste em estar atento» - uma cautela, em boa verdade, de modo algum específica da actividade em questão.

Em contraponto, o requerente asseverou que «antes de retirar a granada da caixa colocou a cavilha de segurança conforme lhe tinha sido ensinado», pelo que, estando em absoluto «consciente daquilo que tinha feito, no que respeita às precauções a tomar», a explosão do engenho - quando «o único dispositivo que poderia originar tal rebentamento estava por si devidamente imobilizado após lhe ter introduzido a cavilha de segurança” – se teria «devido provavelmente, a deficiência do material».

Anote-se que as versões do requerente e dos companheiros de instrução não são verdadeiramente inconciliáveis na medida em que a cavilha houvesse sido colocada na granada – como aduz aquele – antes de a granada ser extraída da caixa – sem imobilização da paleta, ou alavanca, como referem estes.

E a introdução da cavilha nestas condições é materialmente possível – tanto quanto flui do relatório pericial e do diagrama acima esboçado -, quer seja levada a efeito no orifício existente a meio da cabeça da espoleta, quer no orifício das «abas da alavanca».

Resulta, como quer que seja, do exposto que o essencial na desmontagem da armadilha é impedir a percussão da cápsula fulminante por acção do percutor.

E neste sentido se induzem, dos factos aludidos, as precauções da imobilização da alavanca e da introdução da cavilha ou arame equivalente – este, de resto, um processo cautelar autónomo daquele quando utilizado o orifício da cabeça da espoleta -, qualquer delas em todo o caso instrumentalmente eficaz, só por si, na fundamental neutralização do percutor.

As mesmas ilações se extraem, por seu turno, do relatório pericial de 1970, onde sobressaem as operações de anulação do percutor através, precisamente, da imobilização manual da alavanca e da introdução de troço, ou arame, e cavilha nos orifícios da cabeça da espoleta e das abas da alavanca.

Procurando resumir em poucas palavras esses procedimentos, duas alternativas de desarmadilhagem se descrevem como possíveis.

Na primeira, a mais completa, e por isso, quiçá, a mais segura, todas as precauções são cumulativamente aplicadas para neutralizar a acção do percutor e da fortíssima mola sempre pronta a projectá-lo: a imobilização manual da alavanca; a introdução de troço, arame ou cavilha no orifício da cabeça da espoleta; a introdução ainda da cavilha de segurança própria da granada no orifício respectivo das abas da alavanca.

A segunda, um tanto simplificada, centra-se na inserção da cavilha no segundo orifício mencionado. Mas sem que deixe de se observar a manutenção da imobilização da alavanca mediante pressão manual.

Advertem os peritos que esta outra modalidade de desarmadilhagem há-de ser levada a efeito «com todo o cuidado, devendo os intervenientes ter sempre presente que o mais ligeiro descuido ou a menor falta de atenção» «levará, fatalmente, ao rebentamento da granada», «sem que haja culpa» do desarmadilhador ou de outros intervenientes.

E presumem que tenha sido esta a forma pela qual o requerente procedeu à desmontagem do engenho no decurso da qual ocorreu a explosão que o vitimou.

Tal o que, em resumo, é possível extrair dos factos coligidos no processo quanto à integração das hipóteses desenhadas no nº 4 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76.


4.2. Para além disto, tudo se ignora acerca da forma como foi ministrada instrução ao requerente acerca da imobilização do percutor e das precauções tendentes à consecução deste objectivo.

Se, nomeadamente, haverá atingido a minúcia e o rigor técnico que transparecem do relatório pericial como presuntivos parâmetros de segurança.

Se um nível de conhecimentos e de adestramento prático foi alcançado que habilitasse os instruendos às manipulações letais cuja delicadeza e grau de precisão fluem com impressividade do mesmo documento.

Quem pode dizer que no espírito do requerente não tenha avultado a necessidade absorvente de imobilização do percutor mediante a introdução da cavilha nos orifícios da granada, procedimento que os peritos aceitam e presumem haver sido utilizado?

É certo que ainda nesta alternativa se ressalva a imobilização prévia da alavanca.

Não restam, porém, dúvidas de que a introdução de cavilha ou arame adequado mantendo-se a granada no interior da caixa – com a inerente paralisação da alavanca – neutraliza realmente a acção do mecanismo de percussão da cápsula fulminante, permitindo em segurança extrair a granada da caixa.

Se assim for – facto que na situação apresentada permanece incerto -, pode, no entanto, acontecer que a cavilha seja introduzida sem a necessária precisão.

Trata-se, uma vez mais, de operação minuciosa, sobretudo quando usado arame de dois ramos que devem penetrar num orifício lateral da espoleta, atravessar esta e ser acto contínuo introduzidos no orifício gémeo do lado oposto.

Ou pode ainda acontecer, a despeito do rigor da operação, que o explosivo venha a deflagrar mercê daqueles factores indetermináveis a que há momentos se aludiu a propósito da perigosidade por natureza dos engenhos em causa, não imputáveis à inobservância de qualquer regra de segurança.

Na situação sub iudicio é possível objectar que esta hipótese não se harmoniza, à primeira vista, com a reacção de um dos camaradas do requerente.

Os factos não recomendam o desenvolvimento de lucubrações acerca da possível sintonia dos dois termos em equação.

Julga-se, em todo o caso, que a perigosidade objectiva dos explosivos não resulta apenas dos mencionados imponderáveis – atrito, mudanças de temperatura, instabilidade físico-química, alteração molecular, etc. - «que escapam ao poder de previsão expresso na observância das regras de segurança».

A fattispecies ora apresentada a esta instância consultiva leva-nos a pensar que aos referidos elementos da perigosidade pode acrescer um vector de risco relacionado com o grau de perícia daquele que manuseia os engenhos.

Um risco, se bem ajuizamos, de natureza objectiva, na medida em que dependa de factores alheios à vontade e capacidade de actuação da pessoa em causa, tais a pedagogia da instrução, o tempo de experiência e prática de conhecimentos teóricos.

Bem se compreende, por todo o exposto, que no mesmo tipo de instrução outros acidentes do género, em casos idênticos, se tenham verificado, tal como refere o instrutor.

Propendemos, por conseguinte, a não excluir a implicação de semelhante risco na situação de um soldado, como o requerente, incorporado em Fevereiro de 1969 e pronto da escola de recrutas em Janeiro de 1970, que, menos de três meses depois, é encarregado de desmontar a melindrosa armadilha descrita no processo.


4.3. Em suma. Subsiste, tudo ponderado, um grau de indeterminação acerca da integração das hipóteses delineadas no nº 4 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 que não pode redundar em prejuízo do requerente.

O artigo 88º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo dispõe como segue ([18]):
«Artigo 88º
(Ónus da prova)

1. Cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao órgão competente nos termos do nº 1 do artigo anterior.
2. (...)
3. (...)»

Embora o procedimento administrativo gracioso não se caracterize propriamente como um «processo de partes», tal como o processo civil, a aludida disposição não pode deixar de interpretar-se em harmonia com princípios substantivos elementares de ónus da prova, com vocação de aplicabilidade geral, consignados no artigo 342º do Código Civil:



«Artigo 342º
(Ónus da prova)

1. Àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.»

Pois bem. Os factos integradores das hipóteses descritas no n.º 4 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 devem ser qualificados como factos impeditivos da qualificação «deficiente das Forças Armadas».

Consequentemente, não pode o requerente ser onerado com a prova desses factos sob pena de se resolver contra ele a dúvida, a final subsistente, acerca da sua verificação.

Tal equivaleria a fazer impender sobre o interessado o dever procedimental de provar a não verificação dos mesmos factos, um ónus dir--se-ia insuportável, quando à Administração incumbem na matéria indeclináveis deveres inquisitórios e oficiosos de averiguação e instrução (artigos 56º e 87º do Código do Procedimento Administrativo).


4.4. E não tem sido essa, de facto, a orientação perfilhada pelo Conselho Consultivo nos casos submetidos à sua apreciação.

Assim, no parecer nº 135/89, de 11 de Outubro de 1979, estando em causa um acidente causado por explosão numa instrução com minas e armadilhas, a entidade averiguante concluiu ter o sinistrado «provocado involuntariamente» o acidente, reconhecendo-o, nessa medida, como «involuntariamente culpado» por inobservância de regras de segurança.

O Conselho emitiu, porém, pronúncia favorável à qualificação como deficiente das Forças Armadas, considerando «não se provar ter havido da parte do requerente omissão das condições de segurança determinadas superiormente nem tão-pouco uma sua intromissão, audaciosa e censurável, em área que lhe não dizia respeito».

Já o parecer nº 206/79, de 6 de Dezembro de 1979, adoptando idêntica atitude metodológica, recusou, bem ao invés, a qualificação, por, justamente, se ter provado que o requerente, «manuseando, em serviço, engenhos explosivos, só foi acidentado porque, contra ordens expressas superiores – no sentido de não fazer lume, não fumar ou não deitar bombas – e em desrespeito das condições de segurança determinadas pelo oficial que dirigia o serviço, acendeu um cigarro e deitou fogo a uma das bombas, que explodiu nas sua mãos».

O mesmo se diga do parecer nº 67/94, de 12 de Outubro de 1995 (supra, nota 14), em que a pronúncia foi positiva, escrevendo-se:

«A experiência revela que, apesar de todas as cautelas que porventura se tomem, existe sempre um alto grau de probabilidade de, no decurso da instrução de minas e armadilhas, ocorrerem acidentes por rebentamento involuntário destas. Isso resulta não só do alto grau de perigosidade e delicadeza do manuseio de tais instrumentos bélicos, bem como da eventualidade, sempre possível, de uma desatenção ou falha técnica de quem com eles esteja a operar.
«(...)
«No caso concreto, não se apurou que a detonação da armadilha que causou ao requerente as lesões acima indicadas houvesse sido de sua responsabilidade. A armadilha estava, aliás, a ser manuseada por outro militar. A situação não se enquadra, pois, na previsão do nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, enquanto possível fundamento para denegação da qualidade de deficiente das Forças Armadas.»

O parecer nº 49/98, de 19 de Novembro de 1998, prosseguiu na mesma linha.

Para que o factor de descaracterização previsto no nº 3 do artigo 1º «releve – lê-se a determinado passo -, ele terá, todavia, de ser especificamente comprovado».

«Ora tal não sucedeu no caso em apreciação.

«Pelo contrário: o que do processo consta é que a cavilha de segurança da granada que explodiu e gerou o acidente se terá soltado ‘por deficiência mecânica’».

Finalmente, o parecer nº 81/98, de 28 de Janeiro de 1999, apreciou a actuação de um militar que durante a instrução com exercícios de fogos reais sofrera traumatismo ocular, por virtude da explosão de uma granada que teria sido por ele arremessada defeituosamente.

Concluindo-se no processo de averiguações que «o acidente pode ter tido lugar por inexperiência do instruendo aquando do lançamento da granada que estava encarregado de efectuar», este corpo consultivo entendeu, porém, o seguinte:

«A inexperiência do instruendo, apontada pelo oficial averiguante como eventual causa de um deficiente lançamento, não descaracteriza o acidente, nos termos do nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, para efeito da qualificação como deficiente das Forças Armadas, tendo em conta que se não demonstra ter havido actuação intencional ou em desrespeito pelas condições de segurança aplicáveis».

V

Do exposto se conclui:

1ª O exercício de actividade militar de instrução consistente na desmontagem de uma armadilha de tropeçar armada com granada de mão ofensiva M/962 – real ou de instrução provida de espoleta com detonador – é um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2ª O acidente de que foi vítima o ex-soldado pára-quedista (...), (...), ocorreu em actividade militar correspondente à descrita na conclusão 1ª .






[1]) O artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 foi alterado, sem implicações no presente parecer, pelo artigo 1º da Lei nº 46/99, de 16 de Junho, que lhe introduziu um nº 3 visando a qualificação como deficientes das Forças Armadas das vítimas de stress pós-traumático de guerra, mantendo os nºs 1 e 2 com a anterior redacção e passando o precedente nº 3 a nº 4.
[2]) Redacção rectificada no «Diário da República», I Série, 2º Suplemento, de 26 de Junho de 1976.
[3]) Vamos acompanhar de perto o parecer nº 242/00, de 17 de Maio de 2001, no qual se recorre, por seu turno, a diversos outros, por vezes também citados seguidamente.
[4]) Proposições acolhidas, por exemplo, no parecer nº 47/94, oriundas já de outros pareceres (cfr., v.g., os citados na sua nota 5) e ulteriormente reproduzidas com regular uniformidade.
[5]) Parecer nº 122/76.
[6]) V.g., pareceres nºs. 52/76, 64/76, 122/76, 135/76, 207/76, 17/85, 116/85, 6/86, 5/88.
As “circunstâncias imprevisíveis e ocasionais” que motivaram juízos negativos de risco agravado configuravam-se, por exemplo, do seguinte modo: disparo ocasional de pistola atingindo o militar que a transportava na posição de fogo em perseguição de preso evadido da sua guarda (parecer nº 122/76); fogo de metralhadora em carreira de tiro e projéctil deflagrado na culatra que não saiu do cano, originando a projecção de gases para a rectaguarda e de estilhaço que atingiu no olho o municiador da arma (parecer nº 207/76).
[7]) V. g., pareceres nºs. 285/77, 17/85, 55/87, 80/87, 4/80, 86/81, 147/81, 219/81, 10/89, 44/89, 19/90, 89/90, 94/90, 89/91, 12/93, 24/93, 57/93, 29/94, 37/94, 47/94, 51/94, 57/94, 59/94, 60/94, 3/95, 10/95, 46/95, 72/96, 4/97, 8/97.
[8]) V. g., pareceres nºs. 64/76, 135/76, 207/76.
[9]) Cfr., v.g., os pareceres nºs. 135/76, 10/89, 19/90, 49/90, 74/90, 94/90, 57/93, 29/94, 36/94, 37/94, 10/95.
Ressalva-se a ocorrência de circunstâncias fortuitas ou acidentais, e, quiçá, culposas de deflagração desses engenhos, “assimiláveis às que se podem verificar relativamente a qualquer pessoa que os encontre e manipule imprevista ou inadvertidamente”, recenseando-se, nomeadamente (parecer nº 29/94): o caso de militar que na área do quartel encontra uma espoleta de granada, a manuseia incautamente, supondo-a inerte, até a fazer explodir (parecer nº 145/77); rebentamento ocasional de granada que estava no caixote do lixo, atingindo um militar que o vazava numa nitreira (parecer nº 152/77); militar que encontra um objecto desconhecido no chão do aquartelamento, apoderando--se dele e causando a sua deflagração (parecer nº 187/78); militar que procedendo à limpeza do alojamento dos oficiais causa a explosão de uma granada que estava no interior de um armário (parecer nº 79/80); militar que encontra no pinhal um objecto suposto de guerra e o manuseia de modo a provocar o seu rebentamento (parecer nº 159/82); militar que por curiosidade retira de uma granada a cavilha de segurança, ocasionando o seu rebentamento (parecer nº 107/83).
[10]) Parecer nº 49/90.
[11]) Parecer nº 57/93, recentemente retomado no parecer nº 9/01.
[12]) V.g., pareceres nºs. 135/76, 29/94, 37/94.
[13]) Alude-se aqui ao caso, apreciado no parecer nº 135/76, de rebentamento de mina anti--pessoal nas mãos de militar que a transportava para colocação no terreno, com vista a instrução.
No parecer nº 29/94 - arrumação de uma granada e colocação da patilha de segurança que estava solta, verificando-se a deflagração do detonador na mão direita - concluiu-se, na sequência dos considerandos extractados no texto, que o acidente se devera “essencialmente a factores indetermináveis mas nem por isso menos frequentes”, como se exprimia o parecer nº 135/76 (…), tipificadores de situações portadoras de risco agravado”.
[14]) Refiram-se, a título exemplificativo, os pareceres do Conselho nºs. 135/79, 11/93 e outros citados na sua nota 2, 30/93, 67/94, 71/96, 84/98, 49/98.
[15]) Para melhor compreensão do funcionamento do engenho, atente-se no diagrama seguinte:
(Desenho da granada de mão)

[16]) O diagrama e os detalhes técnicos de que se deixa registo devem-se à assessoria – autorizada por Sua Excelência o Senhor General Chefe do Estado-Maior da Força Aérea – dos Senhores Capitão JOAQUIM MERCA e 1º Sargento MIGUEL MORATO, especialistas em E.O.D. – Explosives Ordnance Disposal.
[17]) Neste sentido são elucidativos, por exemplo, os pareceres: nº 186/81 (deflagração de «artifício de fogo»/espoleta com detonador de uma granada de mão de que resultou amputação da mão esquerda, com 61,95% de incapacidade); nº 29/94 (deflagração de detonador de granada na mão de militar, causando-lhe ferimentos na barriga, no olho direito, a perda de dois dedos e surdez, e desvalorização de 42,67%); nº 53/94 (deflagração de detonador eléctrico provocando ferimento no olho e 30% de incapacidade); nº 78/94 (deflagração de detonador de granada ofensiva M/962, de que resultou amputação do 5º dedo da mão direita e ferimentos graves no 4º dedo e na palma da mão, com 20,2% de incapacidade); nº 9/95 – e outros citados na sua nota 3 – (deflagração de detonador de granada na mão de um guarda da PSP, quando procedia à desmontagem, ocasionando anquilose do polegar direito com o dedo em meia flexão e perda das falanges dos dedos médio, anular e auricular direitos e de um metacárpio, tudo representando 50,5% de incapacidade); outros pareceres citados na nota 3 do parecer nº 124/96.
[18]) Acerca deste normativo veja-se, com certos desenvolvimentos, o parecer nº 82/96, de 23 de Janeiro de 1997 (pontos 4.2. e 4.3).