Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00000674
Parecer: P000371994
Nº do Documento: PPA19941013003700
Descritores: DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
Livro: 00
Pedido: 06/23/1994
Data de Distribuição: 06/24/1994
Relator: SOUTO DE MOURA
Sessões: 01
Data da Votação: 10/13/1994
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MDN
Entidades do Departamento 1: SE DA DEFESA NACIONAL
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 10/28/1994
Privacidade: [02]
Data do Jornal Oficial: 000000
Indicação 2: ASSESSOR: MEIRIM
Área Temática:DIR ADM * DEFIC FFAA.
Ref. Pareceres:P001351976Parecer: P001351976
P000211979Parecer: P000211979
P000941990Parecer: P000941990
P000571993Parecer: P000571993
P001071990Parecer: P001071990
P000661990Parecer: P000661990
P001151978Parecer: P001151978
Legislação:DL 43/76 DE 1876/01/20 ART1 N1 B N2 N3 ART2 N4.; PORT 162/76 DE 1976/03/24.; PORT 114/79 DE 1979/03/12.
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1 - A manipulação de granadas lacrimogéneas que se encontravam empilhadas com o propósito de as transferir dum local para outro, corresponde a um tipo de actividade de risco agravado que se enquadra no nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, com referência ao nº 2 do artigo 1º do mesmo diploma;
2 - É condição indispensável à atribuição da qualidade de deficiente das forças armadas, a verificação dum grau mínimo de 30% de incapacidade geral de ganho;
3 - O acidente de que foi vítima o Soldado NIM (...) enquadra-se no condicionalismo referido na primeira conclusão, mas porque desse acidente resultou uma incapacidade de 20,4%, não é legalmente possível qualificar aquele militar como deficiente das Forças Armadas.

Texto Integral:
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,
Excelência:

1 - Para que fosse produzido parecer nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, Vossa Excelência ordenou o envio à Procuradoria-Geral da República do processo respeitante ao Soldado NIM (...).

Cumpre pois emiti-lo.

2 - Seleccionam-se com relevância os seguintes elementos de facto constantes do processo:
a) O militar em causa prestou serviço na ex- província ultramarina de S. Tomé e Príncipe a partir de 22 de Setembro de 1961, integrado na Companhia de Caçadores nº 221.
b) A 8 de Dezembro de 1962 encontrava-se na ilha do Príncipe quando lhe foi ordenado superiormente pelo Alferes de serviço o transporte de granadas lacrimogéneas, que se encontravam empilhadas, porque a água da chuva havia entrado para o local onde as mesmas se encontravam.
c) Eram cerca das 12 h quando o soldado (...) se entregou à referida tarefa, e a certa altura notou que uma das granadas emitia o barulho característico de ter começado a funcionar.
d) Apercebendo-se de que a granada em questão estava para rebentar, pegou-lhe com o propósito de a atirar para longe, e foi então que a dita granada lhe rebentou na mão.
e) No processo de averiguações levado a cabo considerou-se que o acidente deve ter ficado a dever-se ao facto, de durante o empilhamento, e com o atrito, se ter soltado a cavilha de segurança da granada que explodiu, do facto resultando para o militar em questão ferimentos na mão e ante-braço direitos.
f) Transportado de urgência para a ilha de S. Tomé, e daí para o Hospital Militar Principal em Lisboa, em 16 de Dezembro de 1962, foi submetido a tratamento, até que a 4 de Março de 1964 foi considerado curado, tendo sido dado como pronto para todo o serviço militar pela J.H.I (Junta Hospitalar de Inspecção).
g) Por despacho de 1 de Maio de 1964 do Comandante Militar de S. Tomé e Príncipe, considerou-se que o acidente ocorrera em serviço, não havendo culpabilidade quer do sinistrado quer de outrem.
h) A 19 de Janeiro de 1990 o militar em questão requereu a revisão do processo para ser presente a uma J.H.I., e, designadamente , lhe ser atribuído o grau de incapacidade decorrente do acidente sofrido em 1962.
i) A 1 de Fevereiro de 1991 a J.H.I. do H.M.R.1 (Hospital Militar Regional nº 1) julgou (...) incapaz de todo o serviço militar, apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência, com 20,4% de desvalorização nos termos da T.N.I.A.T.D.P. j) A C.P.I.P., (Comissão Permanente para Informação e Pareceres), no seu parecer nº 137/92, considerou que a dita desvalorização advinha do acidente em questão, o que foi homologado pelo Director de Justiça e Disciplina, a 2 de Junho de 1993, com o aditamento de que o acidente ocorreu numa situação de risco agravado equiparada a campanha. O que tudo mereceu a concordância do Excelentíssimo General Ajudante General a 16 de Novembro desse ano.

3 - Procedendo ao enquadramento jurídico destes factos, cumpre referir antes do mais que a revisão solicitada do processo é possível, já que o nº 2 do artigo 18º do Decreto-lei nº 43/76 de 20 de Janeiro, determina a aplicação do diploma aos "cidadãos que, nos termos e pelas causas constantes do nº 2 do artigo 1º, venham a ser reconhecidos DFA após revisão do processo".

E o nº 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, (na redacção dada pelo nº 1 da portaria nº 114/79, de 12 de Março), veio afastar qualquer limitação de prazo, exigindo apenas que o requerimento pertinente fosse dirigido ao Chefe do Estado-Maior do ramo respectivo.
Por seu turno, os nº 2 e 3 do artigo 1º do Decreto-Lei em causa prescrevem que:

"2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores; vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar".

"3. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio. provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas."

E, segundo o nº 4 do artigo 2º:

"4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.

A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".

Por último, a alínea b) do nº 1 do artigo 1º, sempre do Decreto-Lei nº 43/76, refere que:
"b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".

4 - Chamado a interpretar aquele nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, conjugado com a parte da previsão do nº 2 do artigo 1º a que se refere, este Conselho sempre entendeu que o mesmo só se aplica aos casos que "pelo seu circunstancialismo justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando a sujeição a um risco que excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".

Assim sendo de exigir, "não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (1).

5 - O entendimento que começou por ser expresso no parecer nº 135/76 de 7 de Outubro (2) e que vem sendo frequentemente citado, vai no sentido de a manipulação ou transporte de explosivos ou engenhos destinados a deflagração implicar o tratamento com objectos por sua natureza perigosos, ficando o militar exposto a imponderáveis, que não são completamente cobertos pela previsão que em abstracto originou a estipulação de regras de segurança. Aí se escreveu que:

"estas regras são estudadas e concebidas, como é natural, em função de certas causas típicas, geradoras do accionamento dos referidos engenhos ou dele condicionantes".

"Contudo, não eliminam outros factores, indetermináveis, mas nem por isso menos frequentes, como a experiência tem demonstrado, e conducentes aos mesmos resultados".

Tem sido assim posição uniforme deste Conselho, que a manipulação de engenhos explosivos ou destinados a deflagração por si só, e independentemente de factores ocasionais que possam sobrevir, representa um especial risco, superior ao da normal actividade castrense (3).

No caso em apreço e como resulta da matéria fáctica apurada, o militar (...) procedia
à deslocação de granadas lacrimogéneas, sendo surpreendido pelo barulho duma delas, denunciandor de estar desencavilhada, sem que se lhe tivesse imputado a responsabilidade por tal facto.

A ponto de, como já se observou (4) se ter considerado que o acidente teve lugar sem culpabilidade, quer do agente quer de outrem.

A reacção pronta do militar em causa foi tentar arremessar para longe o engenho explosivo para justificadamente minorar os efeitos do respectivo rebentamento.

Acresce que se o rebentamento duma granada lacrimogénea não produz a projecção de estilhaços e não apresenta portanto a perigosidade letal doutros tipos de granadas, nem por isso deixa de constituir um engenho explosivo, com cujo rebentamento a curta distância, podem ser produzidas, além do mais, queimaduras graves.

O acidente que vitimou o soldado (...) em serviço, ocorreu pois em circunstâncias reveladoras de risco agravado equiparável ao serviço de campanha, sendo certo que a sua possível classificação como deficiente das forças armadas, não seria "in casu" prejudicada pela falência dum duplo nexo de causalidade entre o aludido condicionalismo e o acidente, e entre este e a incapacidade sobrevinda.

6 - Só que, como já se apontou, a al. b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76 de 20 de Janeiro exige que essa classificação dum cidadão como D.F.A. requer além dos demais requisitos, que à vítima sobrevenha uma diminuição mínina de 30% na sua "capacidade geral de ganho". E como noutros pareceres deste Conselho se afirmou, tal pressuposto visa "permitir o enquadramento como deficiente das Forças Armadas dos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição da capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância, atingindo as respectivas capacidades de ganho, e colocando-os em dificuldades profissionais e sociais".

Mais se pretendendo fazer uma equiparação, neste aspecto, entre deficientes das Forças Armadas e vítimas de acidentes de trabalho, por esta via se "terminando com a inconsequência do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, que, não fixando limite mínimo áquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma" (5)

Ora, como se apontou atrás, o militar em questão sofreu uma incapacidade global permanente de 20,4% o que inviabiliza a sua classificação como D.F.A..

7 - Assim se formulam as seguintes conclusões:

1ª - A manipulação de granadas lacrimogéneas que se encontravam empilhadas com o propósito de as transferir dum local para outro, corresponde a um tipo de actividade de risco agravado que se enquadra no nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, com referência ao nº 2 do artigo 1º do mesmo diploma;

2ª - É condição indispensável à atribuição da qualidade de deficiente das forças armadas, a verificação dum grau mínimo de 30% de incapacidade geral de ganho;

3ª - O acidente de que foi vítima o Soldado NIM (...) enquadra-se no condicionalismo referido na primeira conclusão, mas porque desse acidente resultou uma incapacidade de 20,4%, não é legalmente possível qualificar aquele militar como deficiente das Forças Armadas.




1) Cfr. parecer deste Conselho nº 21/79, de 15.2.79, homologado a 5.3.79, reflectindo doutrina constantemente afirmada, v.g. também nos pareceres nºs 19/90, de 5.4.90, 94/90, de 25.10.90, e 57/93, de 22.10.93, estando os dois primeiros homologados desde, respectivamente, 18.5.90 e 7.12.90.

2) Homologado por despacho de 23.10.76, e publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 266 ,a págs. 66 e segs.

3) Poderão referir-se, só no campo das granadas de mão, e seu manuseamento por razões de instrução ou outras relacionadas com o serviço, os pareceres nºs 47/85 de 16.5.85, 139/85, de 27.2.86, 121/87 de 24.3.88, 82/89, de 23.11.89, ou 19/90 de 5.4.90, 23/90, de 10.5.90, 66/90 de 27.9.90, 107/90 de 22.11.90, com as respectivas homologações 11/6/85, 4/4/86, 14/4/88, 26/12/89, 18/5/90, 11/6/90, 26/10/90 e 4/11/91, inéditos.

4) Vide supra al. g) do nº 2.

5) Do parecer nº 115/78 de 6.7.78, homologado por despacho de 22.7.78 e publicado no Diário da República, II Série, nº 244 de 23.10.78, pág. 6414.