Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
311/08.7JFLSB.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RICARDO COSTA E SILVA
Descritores: ESCUTAS TELEFÓNICAS
INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA
PROTECÇÃO DE DADOS
BLOGUES
Nº do Documento: RP20120509311/08.7JFLSB.P2
Data do Acordão: 05/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A norma do artigo 187º do CPP ao regular um meio de produção de prova (escutas telefónicas) que, em si mesmo, constitui um meio de enfraquecimento da proteção de normas constitucionais – fazendo contraponto com o complexo sistema das proibições de prova – ultrapassa a natureza de mera disposição de ordem processual para assumir uma vertente objetiva que a converte numa norma processual penal material, não sendo por isso, de admitir, sob pena de violação do princípio da tipicidade, a sua ampliação ou extensão a tipos legais de crimes ali não previstos, ex.g. o crime de difamação.
II - Servindo, como servem, os “blogues” para difusão e troca de informação com destino ao público em geral, as comunicações neles realizadas não podem ser tidas como comunicações eletrónicas, no sentido de que estão abrangidas pela proteção de dados pessoais e da privacidade, configurando, antes, os crimes neles cometidos, uma situação relativamente à qual inexiste justificação para estender a proteção devida à intimidade da vida privada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 311/08.7JFLSB.P2

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto,
I.
1. Em 2011/05/12, no processo de instrução n.º 311/08.7JFLSB, a correr termos no 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, foi proferida a decisão instrutória de não pronúncia do arguido B…, e de pronúncia do arguido C…, ambos com os demais sinais dos autos.
Por ser a única que interessa à presente decisão, passamos a transcrever a decisão instrutória de pronúncia do arguido C….
É, na parte que releva, o seguinte o teor da referida decisão:
«(…)
«Mais decido ainda pronunciar para julgamento em processo comum, perante Tribunal Singular, o arguido:
«- C…, filho de D… e E…, nascido a 06 de Setembro 1960, solteiro, advogado, com domicílio profissional na …, n.º.., sala ., Póvoa de Varzim, titular do B. I. n.º …….,
«Porquanto indiciam suficientemente os autos que:
«O assistente é desde 1993 Presidente da Câmara Municipal ….
«Desde pelo menos de 2005 que existe na Internet um blogue destinado aos habitantes do Município …, designado “F…”, disponibilizado pelo prestador intermediário de serviços em rede “G…”, que se pode livremente aceder na Internet em http://www.F....blogspot.com.
«Os blogues são páginas da Internet cujas actualizações (chamadas posts) são organizadas cronologicamente (como um histórico ou diário), onde o criador do blogue escreve com total liberdade e, muitas vezes, convida os internautas a enviar por meios electrónicos comentários aos seus escritos.
«Nesse mesmo blogue, em síntese, o(s) respectivo(s) administrador(es) (adiante apenas designado(s) por “administrador/autor”) expressa(m) as suas opiniões relativamente a factos por si descritos e sobre pessoas que marcam a vida política do município …, em especial o seu Presidente, em tom jocoso e insinuador, ilustrado por fotografias montadas e em que se distorce a imagem dessas pessoas, ridicularizando-as.
«Acresce que, esse administrador/autor destaca também certas entrevistas do assistente que associa a outras entrevistas de cariz humorístico e satírico, realizadas por artistas da televisão, para as quais estabelece ligações (links), associando essas entrevistas a vídeos que não correspondem àquelas entrevistas.
«Em 17 de Outubro de 2007, refere o administrador/autor do blogue em causa que: “Depois das notícias vindas a público, resultado da intervenção de H…, líder da concelhia … do I…, de que o Torneio de Ténis que decorreu na K… havia sido entregue à empresa de um indivíduo casado com uma sobrinha do camarada L…, ele também camarada do camarada M…, eis que tomámos conhecimento de que a Maratona N… do passado fim-de-semana foi também entregue à mesma empresa, a O…”.
«Em 30 de Outubro de 2007, sob o título “COMPADRIO …, … Uma bomba de gasolina”, a propósito de um posto de gasolina, o administrador/autor do blogue afirma o seguinte: “Claro leitor. Não está ao alcance de qualquer um obter a licença para instalação de uma bomba de gasolina. Que o diga o P… que veio para o Q… dizer que tinha o último grito em tecnologia, na bomba que o leitor pode ver na foto, junto ao S…. Pois este P… foi o mesmo que financiou a campanha do T… para as autárquicas de 2005 e ainda pagou o jantar dos 1500 marmanjos no Restaurante U…, o tal que despejava o óleo para a Rua e depois chamava o camarada L… para ele reciclar aquilo na V… e fazer biodiesel. Favor com favor se paga. Não acha o leitor? Sempre foi assim. Então se o homem pagou tudo que era laranja tinha que obter um benefício da Câmara que é do T…. Certo? O pior disto tudo é que os homens que estavam na W… e se viram forçados a sair, estavam à espera de obter a respectiva concessão. Quilharam-se! O camarada L… disse-lhes que era tudo por concurso público. O financiamento ilegal de partido político é passível de multa, para além de outras consequências legais penalizadoras”.
«Em 13 de Dezembro de 2007, o administrador/autor do blogue supra identificado vem referir que “Há um estádio municipal construído com o dinheiro dos contribuintes em geral, e dos poveiros em particular”, acrescentando que “L… não permitiu que o X… utilizasse as instalações desse estádio, forçando o clube a adquirir novas instalações e, dessa forma, gastar todo o dinheiro obtido com a alienação, infeliz, do velho estádio”.
«Prossegue ainda: “A acrescer a esta situação, L… nunca perdoou a Y… por este ter lançado um concurso público para a alienação dos terrenos, e ter recusado o ajuste directo com a empresa espanhola que está a construir nos terrenos da Z…, pondo em causa a sua ambição de ficar “bem na fotografia”, esclarecendo que “se o Presidente da Câmara conseguisse que a tal empresa ficasse com o negócio, as vantagens patrimoniais para o próprio seriam incomensuráveis. Por esse motivo L… lançou AB… como candidato à Presidência do Clube, o tal que foi corrido do Centro de Saúde por cima do seu cadáver e agora é Director Geral do Braga”.
«Em 14 de Dezembro de 2007, o administrador/autor do blogue, a propósito dos resultados uma votação lançada no seu próprio blogue sobre o assistente, vem referir que “isto deve fazer reflectir todos os políticos, porque é um sinal claro de que a maioria dos poveiros está muito descontente com as políticas de cimento levadas a cabo nestes 14 anos por L…. E, acima de tudo, pelos sinais evidentes de corrupção a todos os níveis”.
«Em 25 de Dezembro de 2007, o administrador/autor do blogue supra identificado, a propósito do assistente ter sido sócio da sociedade AC…, LDA., refere nesse mesmo blogue que por esse mesmo facto “muitos terrenos nos arredores do concelho que não passavam de meras bouças, sem qualquer capacidade construtiva, através de alterações ao PDM passaram a ser zonas de construção”, acrescentando que o assistente, “tendo conhecimento privilegiado dessas informações, ele [o assistente] e o irmão, convidaram o AD…, homem de elevada fortuna... para fazer parte da sociedade e, assim, poderem ter capacidade financeira para adquirir os referidos terrenos e, posteriormente, após alteração do PDM, os venderem a preços vinte vezes superiores ao adquirido”. E que “os milhões entravam nos bolsos a uma velocidade estonteante”, referindo ainda que, em consequência, surgiu “a conta em nome do filho AE…, com mais de cem mil contos por volta do ano 2000”.
«No seguimento destas imputações, o administrador/autor do blogue, em 06 de Janeiro de 2008, sob o tema “A Conta bancária”, vem também referir a existência de uma conta bancária “com mais de cem mil contos”, em nome do filho do assistente, “de nome AE…”, em “1999, 2000, 2001”, concluindo que “não existe explicação lógica para um valor tão elevado”.
«O administrador/autor do blogue em questão, através da suas declarações supra citadas, insidiosamente, difundiu junto do público a ideia de que o assistente é um Presidente de Câmara corrupto e/ou corruptível.
«As declarações assim divulgadas constituem um conjunto falsidades, elaboradas com a intenção de difundir a ideia generalizada de que o assistente desenvolveu e desenvolve as suas relações profissionais e pessoais, através do Município …, com base em esquemas criminosos assentes na atribuição de vantagens patrimoniais ou de outra natureza a empresas da região e no auferimento de vantagens pecuniárias para si decorrente dessas mesmas relações.
«Na verdade, como o administrador/autor do blogue bem sabe, além de o assistente não ser parte ou arguido em qualquer processo criminal relacionado com o crime de corrupção, peculato e/ou participação económica em negócio, seja a que título for, nem jamais ter sido condenado pela prática de tais crimes, nunca o assistente, em todos os seus anos de exercício do cargo político para que foi democraticamente eleito, atribuiu a ou recebeu de terceiros quaisquer vantagens.
«As afirmações/imputações supra citadas são totalmente falsas e sensacionalistas, difundidas sem concreto suporte real, o que o administrador/autor do blogue identificado não poderia ignorar, tendo com a difusão dos mesmos sido ofendida a honorabilidade, a credibilidade, o prestigio e a confiança do ora assistente junto dos munícipes …, dos demais órgãos da Câmara Municipal e perante o país.
«Desde que o administrador/autor do blogue em questão proferiu e reproduziu as falsas afirmações/imputações supra citadas na Internet, lançando junto do público infundadas suspeitas da prática de actos de corrupção, peculato e participação económica em negócios por parte do assistente, a credibilidade, o prestígio e a confiança pública no assistente ficaram irremediavelmente afectados e abalados.
«Com efeito, atentos os meios escolhidos pelo administrador/autor do blogue para disponibilizar as falsas afirmações/imputações que publicou, estas rapidamente se espalharam não só por todo o concelho da …, como por todo o país e por todo o ciberespaço.
«Afirmando e insinuando na Internet que o assistente está envolvido em casos de corrupção, o administrador/autor do blogue denunciado inculcou, deliberadamente, a ideia nos habitantes do concelho da …, nos habitantes e órgãos da administração local de outros concelhos limítrofes e no país, que o assistente, a sua família e os seus colaboradores são entidades criminosas que subvertem as mais elementares regras jurídicas para, através dos cargos que ocupam e para os quais foram democraticamente eleitos e nomeados, lograrem atingir os seus fins contrários à lei.
«Atento o meio privilegiado para propagar informação que a Internet constitui, com o seu blogue, o administrador/autor do referido blogue não fez mais do que divulgar incorrecções e acusações infundadas altamente desonrosas para o assistente.
«Além de que o administrador/autor do aludido blogue bem sabia que as suas afirmações assim publicadas e divulgadas teriam a virtualidade de ofender a honra, consideração e dignidade profissional do assistente, atenta a utilização de frases e expressões com referência directa ao assistente: “se e o Presidente da Câmara conseguisse que a tal empresa ficasse com o negócio, as vantagens patrimoniais para o próprio seriam incomensuráveis”; “pelos sinais evidentes de corrupção a todos os níveis”; “tendo conhecimento privilegiado dessas informações, ele [o assistente] e o irmão, convidaram o AD…, homem de elevada fortuna... para fazer parte da sociedade e, assim, poderem ter capacidade financeira para adquirir os referidos terrenos e posteriormente, após alteração do PDM, os venderem a preços vinte vezes superiores ao adquirido”; “os milhões entravam nos bolsos a uma velocidade estonteante”; “daí ter surgido a conta em nome do filho AE… [filho do Denunciante], com mais de cem mil contos por volta do ano 2000”; “Pelo que sabemos, L… tem recusado devolver esse dinheiro”; “queremos saber a verdade, sob pena de se manterem os sinais de corrupção”; “certo é que não existe explicação lógica para um valor tão elevado”.
«O administrador/autor do blogue supra referido e dos textos dele transcritos é o arguido C….
«O blogue supra referido manteve-se na Internet até, pelo menos, 12 de Janeiro de 2010.
«Até esta data, quem acedesse ao blogue em questão e depois, abaixo da menção “Arquivo do blogue”, clicasse na hiperconexão “2007”, poderia visualizar as crónicas escritas no ano de 2007, onde sob as datas acima mencionadas se encontrava o registo das expressões/imputações difamatórias e ofensivas para o assistente e já acima citadas.
«O arguido, não obstante ter conhecimento da falsidade e ilicitude das suas afirmações, continuou a mantê-las nas páginas do blogue referentes ao ano de 2008, bem como uma hiperconexão (link) para a página da Internet do seu blogue referente às crónicas do ano de 2007, onde mais afirmações/imputações difamatórias e ofensivas se encontravam disponibilizadas, demonstrando, assim, assumir a responsabilidade pelo teor das mesmas.
«Por outro lado, todas as crónicas constantes do blogue subjudice referentes ao assistente, encontram-se, desde 2005, ilustradas com fotografias suas, mas com a sua imagem distorcida e com montagens, acrescidas de comentários sem sentido e jocosos atribuídos ao assistente, como se tratassem de falas de banda desenhada.
«Tais imagens e comentários, pela forma como são apresentadas, são ofensivas, vexatórias e atentam contra a honra e consideração do assistente, enquanto Presidente da Câmara Municipal …, expondo a ridículo o mais importante órgão político da edilidade.
«Entretanto, o blogue http://www.F....blogspot.com veio a ser encerrado em virtude da decisão proferida no procedimento cautelar n.º 721/08.0TVLSB, que correu termos na 1.ª Vara Cível de Lisboa, mas tal não impediu que o arguido viesse, de imediato, abrir um novo blogue com o endereço http://AG....blogspot.com onde a página de abertura se inicia com uma ilustração chocarreira do assistente com os dizeres “L… é o nosso homem”, dando a entender que este blogue é construído e desenvolvido com um único leit motiv: o assistente.
«Aqui, para além de ter sido publicada a decisão proferida no procedimento cautelar, profusa e reiteradamente comentada pelo próprio, este continua a proferir e difundir comentários ofensivos, até da própria justiça, relativamente ao processo judicial e aos seus autores.
«Nesse mesmo blogue são reiteradas as mesmas difamações gratuitas que conduziram ao bloqueio do blogue anterior, não se coibindo mesmo de voltar a chamar corruptos e corruptíveis ao assistente e ao Vice-Presidente da Câmara Municipal …, reincidindo na prática criminosa, tudo bem espelhado nos excertos extraídos do blogue actual:
«“Faça o que acha que tem de fazer. Quando for a altura de nos encontrarmos em Tribunal eu respondo-lhe à letra.
«Os seus recados não me atemorizam. Bem pelo contrário.
«Despeça-se dos poveiros com o mínimo de dignidade que os 16 anos de poder autárquico obrigam”.
«O arguido abriu também um outro blogue http://AF....blogspot.com onde vem publicado o despacho que ordenou a suspensão do blogue “AG…”, tendo ainda aberto um outro, ou pelo menos dele faz uso reiterado, designado por http://AH....blogspot.com, blogue este em tudo idêntico aos blogues anteriores, contendo, quase em exclusivo, as constantes insinuações e difamações contra assistente.
«O arguido abriu, para além dos já identificados, pelo menos mais outros três blogues http:/AI….bloqspot.com, http://AJ....bloqspot.com e http://F1....wordpress.com, contendo iguais difamações ao assistente, sua família e à justiça portuguesa.
«O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
«Em consequência do exposto incorreu o arguido na prática de um crime de difamação agravada com publicidade e calúnia, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1; 180.º, n.º 1; 182.º; 183.º, n.º 2; 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l); e 187.º, todos do Código Penal.
«*
«(…)»
2. Inconformado com esta decisão dela recorreu o arguido pronunciado.
Rematou a motivação de recurso que apresentou, com a formulação das seguintes conclusões:
«1- Os factos constantes da queixa-crime, do requerimento da abertura de instrução e do douto despacho de pronúncia têm por limite temporal o dia 6 de Janeiro de 2008;
«2- O arguido foi pronunciado pela prática de um só crime de difamação agravada com publicidade e calúnia, previsto e punido pelos arts. 14.º, n.º 1, 180º, n.º 1, 182,º, 183.º, n.º 2, 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, f) e 187.º, todos do Código Penal, e sem ser sob a forma de crime continuado;
«3- O queixoso apresentou queixa com a qualidade de presidente da Câmara, mas não fez prova dessa qualidade;
«4- Também não se fez prova que desde 2005 que existe na Internet um blog destinado aos habitantes do Município … e que se pode livremente aceder na Internet;
«5- Os documentos juntos com a queixa-crime, de fls. 19 a 165, são meras fotocópias de documentos particulares, alegadamente retiradas de “http://F....blogspot.com/... ...”, a acreditar no que está inscrito no rodapé das mesmas;
«6- O arguido tentou aceder ao sítio da Internet acima referido (já que se pode livremente aceder no dizer do queixoso) para poder confirmar a veracidade e a efectiva correspondência dos documentos com os originais expostos na Net, mas não conseguiu;
«7- Como fotocópias de documentos particulares não se podem considerar provados os factos materiais delas constantes;
«8- Tais fotocópias não foram juntas por ordem da autoridade judiciária;
«9- E não há despacho do MP ou do JIC a validar a sua junção;
«10- O arguido está impedido de confrontar aquelas fotocópias com os respectivos originais;
«11- O arguido tem dúvidas legítimas, para além da dúvida razoável, se tais fotocópias são verdadeiras; Se foram retiradas de um original; Se correspondem fielmente ao original; Se não foram objecto de manipulação, tal como fotomontagem;
«12- Seria necessário, para a cabal defesa do arguido, poder confrontar as fotocópias junto aos autos com os originais, nem que fosse por comparação visual das páginas na internet que o queixoso refere, para a preparação da sua defesa;
«13- http://F....blogspot.com/, Weblog F…” – ……, s blogs nomeadamente “Q…”, “F… – na … a correntes d’ escritas já mexe”, http://www.G....com/... Weblog F…” – …, http://www.G....com/... “weblog F... ou no endereço “AK….com”, são sítios na Internet que não existem, ou não têm nada ver como assunto tratado nos autos;
«14- Não foram investigados os sítios indicados no número anterior;
«15- A fls. 348 o assistente referencia um tal AL…, que não foi ouvido nos autos;
«16- A fls. 598, o assistente dá a informação aos autos que ouviu dizer que o arguido é o autor/administrador do blog em causa, mas não indica quem lhe disse isso, nem na investigação se preocuparam com isso;
«17- Não foi provado que o arguido tivesse trabalhado para a Câmara e o contrato tivesse cessado de forma litigiosa;
«18- O tipo de ilícito imputado ao arguido no douto despacho de pronúncia não se enquadra no n.º 2 do art. 183.º, nem no art. 187.º, ambos do CP;
«19- A previsão do n.º 2 do art. 183.º do CP aplica-se apenas a imputações veiculadas pelos meios de comunicação social, tal como a televisão, rádio, jornais e pressupõe uma estrutura organizacional mínima;
«20- Afastando os arts 183.º, n.º 2 e 187.º do CP, a pena máxima ao crime de difamação constante do art. 180.º (6 meses), apenas 2 agravações: a do n.º 1 do art. 183 (acresce 2 meses) e a do art. 184.º (acresce 4 meses);
«21- Para uma pena de limite máximo inferior a 3 anos não se aplica o crime de catálogo previsto no art. 187.º, ex vi art. 189.º do CP;
«22- Aliás, para o crime de catálogo previsto na a) do n.º 1 do art. 187.º, não contam as circunstâncias agravantes ou atenuantes. Assim sendo, nunca o crime de difamação dos autos constituiria crime de catálogo;
«23- Por essa razão, é nula a prova ou é prova proibida as informações pedidas e fornecidas pela Microsoft e Google, PT Telepac, TV Cabo e Novis;
«24- Nulidades que advêm também do facto de as respectivas informações terem sido solicitadas pela PJ ou MP, sem a prévia autorização do juiz de instrução;
«25- As nulidades invocadas tornam inválido o acto em que se verificaram, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar;
«26- Todos os elementos essenciais foram obtidos na fase do inquérito, pela PJ e MP, sem a prévia e necessária autorização do Juiz de Instrução;
«27- Nomeadamente, são nulos e não podem servir como prova os documentos juntos a fls. 19 a 165, 167 e segts, 551, 877 a 880, 881 a 929, 936, 939, 940, 943, 944, 967 e 987;
«28- Os próprios dados colhidos na fase da instrução, por causa e na sequência de informações pedidas com violação de lei, estão viciados, o que se argui;
«29- Os actos investigatórios ex officio do digno JIC violam a natureza acusatória do processo criminal;
«30- O art. 289.º do CPP é inconstitucional, quando interpretado no sentido de o JIC ter a liberdade de praticar todos os actos que entender, quando não solicitados pelo MP, assistente ou arguido:
«31- A informação da PT, de fls. 943, reporta-se ao ano de 2010;
«32- Essa informação da PT exclui o arguido o grupo/data/hora do documento de fls. 436, Blog Name: … – morcego L1… quer o sangue dos poveiros;
«33- As informações da NOVIS, de fls. 962, reportam-se todas ao ano de 2009, mais concretamente de Julho a Agosto (1 mês);
«34- Os factos mencionados na queixa-crime de fls. 3 e segts têm por limite temporal 6 de Janeiro de 2008;
«35- Como o arguido é pronunciado por só 1 (um) crime, que não é continuado, é legítimo perguntar, da panóplia de factos alegadamente imputados ao arguido, qual é o facto correspondente ao crime de difamação?;
«36- Além das informações da PT e da NOVIS fazerem referência a IP’s alegadamente imputados ao arguido, no ano de 2010 e 1 mês de 2009, pergunta-se em que dia dos da pronúncia ou das fotografias fotomontadas, se referem os respectivos IP’s?;
«37- Qual a relação dos IP’s com o ilícito?;
«38- Por outras palavras, os IP’s correspondem a quê?;
«39- O arguido tem o direito de exigir esse esclarecimento para preparação da defesa, com o cabal conhecimento das demais circunstâncias de tempo, de modo e de lugar;
«40- Aliás, se corresponderem à verdade, nas fotocópias junto com a queixa-crime há textos que estão assinados com nomes, que não correspondem ao do arguido;
«41- Há, nas aludidas fotocópias, fotomontagens de várias pessoas, e em nenhuma delas aparece o queixoso e nenhuma das fotos se parece com o queixoso, pelo menos nenhuma testemunha prestou depoimento nesse sentido;
«42- Como pode o tribunal afirmar que A ou B é o queixoso? Que se saiba, ainda não é um facto de (re)conhecimento oficioso;
«43- Durante todo o processo há mais pessoas que se cruzam com o caso dos autos: a fls. 348, o assistente refere um tal Al…; a fls.586, é identificado o jornalista AM…; a fls. 598, é identificado o arguido; a fls. , é identificado o arguido B…; a fls. 963, é identificada AN…; a fls. 963, é identificado AO….
«44- Nenhum deles, à excepção dos dois arguidos, foi ouvido, tendo em vista a averiguação da verdade material;
«45- O próprio Meritíssimo Juiz de Instrução reconhece que “Em síntese, não podemos afirmar que se aprova recolhida nesta fase da instrução não permite concluir directamente no sentido ora perfilhado – de que o arguido C… foi o responsável pelo blogue http://www.F....blogspot.com e o autor dos textos descritos no requerimento de abertura da instrução e das fotomontagens aí referidas (…)”;
«46- O arguido nunca foi indicado como autor dos textos e fotos que constam na queixa-crime e no requerimento de abertura da instrução;
«47- O assistente juntou aos autos, a fls. 994, uma informação e documentos, sem a notificação do mesmo ao arguido, violando-se o princípio do contraditório;
«48- O arguido foi apanhado se surpresa;
«49- Esse requerimento não traz nada de novo e os documentos padecem dos mesmos vícios dos que havia juntado logo com a queixa-crime, dando aqui por reproduzidas as alegações nesse sentido;
«50- O douto despacho de fls. 1045 foi omisso quanto à admissão ou não do requerimento e junção de documentos, não ordenando o contraditório;
«51- O assistente é uma figura pública ligada ao mundo da política; «52- As pessoas sujeitas à administração dos políticos, têm o direito de informar, de se informarem e de serem informadas, sem impedimentos nem discriminações;
«53- Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais, permitindo a livre crítica dos governantes.
«54- Os administrados, têm o direito de serem informados do comportamento público e privado, com repercussões na vida pública e política, dos governantes. Nos presentes auto está em causa um interesse público;
«55- Os factos que o assistente pretende imputar ao arguido – que não se aceita, nem se concebe tal imputação – não representam qualquer juízo de valor ou críticas subjectiva, não se dirigem directamente à pessoa do assistente, mas à do político, enquanto necessariamente no exercício da sua actividade, ou por causa dela;
«56- Em 17 de Outubro de 2007, apenas se relata as notícias vindas a público, resultado da intervenção de H…, líder da concelhia … do I…;
«57- Em 30 de Outubro de 2007, sob o título “COMPADRIO NA …, …”, quem eventualmente poderia sentir-se ofendido não apresentou queixa, referimo-nos ao “P…” ou ao T…. Seguindo raciocínio do Meritíssimo Juiz de Instrução (fls. 12 no canto inferior esquerdo, do douto despacho de pronúncia) “uma notícia na qual alega existir relação causal entre a concessão de uma licença para instalação de uma bomba de gasolina e o financiamento da campanha do T…, em detrimento de concurso público”;
«58- Em 13 de Dezembro de 2007, a notícia é vaga, e em parte alguma de diz que o Presidente da Câmara prefere “ajustes directos” em detrimento de”concursos públicos” Basta comparar o requerimento de abertura de instrução com a conclusão contida no primeiro parágrafo da fl. 13 do douto despacho de pronúncia. A adjudicação dos terrenos do X…, quer fosse por concurso público ou ajuste directo, nunca é da competência do assistente, não estando nas mãos deste o processo decisório;
«59- Em 14 de Dezembro de 2007, há um comentário a um resultado de votação levada a efeito no blogue. Qual era a pergunta, para se poder conferir a natureza e o alcance da resposta?;
«60- O objecto principal da oração é “a maioria dos poveiros está descontente com as políticas do cimento armado levadas a cabo nestes 14 anos por L…”. O período acabou. Depois, começa uma nova frase, onde nada se imputa ao assistente. “E, acima de tudo, pelos sinais evidentes de corrupção a todos os níveis”. De quem? Sabemos perfeitamente que as políticas de cimento armado passa por opções de plano e está intrinsecamente ligada à Câmara Municipal, composta por nove membros, que aprovam as decisões e que são posteriormente votadas na Assembleia Municipal (caso do PDM, do PU, dos Planos de Pormenor);
«61- Em 25 de Dezembro de 2007, refere-se a situação privilegiada de quem decide o futuro do concelho que passa necessariamente pelos instrumentos de gestão do território;
«62- Câmara Municipal, por deter a orientação política, sabe-se das coisas antes dos comuns dos mortais. Por outro lado, a sociedade AC…, LDA existiu;
«63- Refere o comentário que em consequência surgiu “a conta em nome do filho AE…, com mais de cem mil cotos por volta do ano 2000”. Mas quem é o AE…? Está comprovada documentalmente a filiação?
«64- Em 6 de Janeiro de 2008, volta a falar-se da conta bancária em nome do filho do assistente, de nome AE…. As mesmas dúvidas de identidade, quod non est in actis non est in mundo. Não será esse AE…, a única pessoa com legitimidade para se queixar deste facto da conta?;
«65- Mais denunciou o assistente que foram proferidas e reproduzidas as falsas informações e imagens via Internet. Como conseguiu o assistente identificar o seu rosto nas imagens, qual delas é, já que aparentemente as caras são diferentes. Alguma prova se efectuou nesse sentido identificativo e comparativo?;
«66- Finalmente, imputa-se ao arguido o facto de ser o autor/administrador do blog “F….blogspot.com” e de outros blogs. Há alguma prova concreta que vá nesse sentido, mormente à data da prática dos factos (2005 a 2008)?;
«67- O email F…@hotmail.com – cfr. fls. 878 a 880. E o que se passou com este e-mail, associado ao IP .............?;
«68- A Google prestou uma informação quanto ao IP ………….., referentes ao blogue http://AI....blogspote.com (cfr. fls. 936), com referência a 2009-01-27. Pedida informação à operadora Telepac (cfr. fls. 942), a mesma respondeu que para este IP, nessa data de 2009-01-27, não existem ligações para esse grupo/data/hora;
«69- A mesma operadora informou que para esse IP há um movimento em 2010/12/03. E o que tem esta data a ver com o blog que o assistente se queixou, reportado de 2005 a 2008? O que foi feito no(s) blog(s) nessa data?;
«70- O facto do posto chamador (linha telefónica e não de dados de internet) ……… estar associado ao arguido, que mal é que tem? Que associação tem um telefone com os IP’s ou com os factos constantes da douta pronúncia?
«71- Refere a douta pronúncia que “Por outro lado, em relação aos demais IP’s identificados, e com excepção dos (…), todos eles foram usados nas datas e horas indicadas pelo utilizador na……, registado em nome do arguido C… – cfr. fls. 962 e 987”. Se lermos com atenção esses registos, de fl. 962, que foram comunicados ao Tribunal em cumprimento do doutamente ordenado a fls. 932, facilmente se conclui que os mesmos apenas dizem respeito a grupo data/hora de 7/7/2009 (7 de Julho de 2009) a 8/31/2009 (8 de Agosto de 2009). Ou seja, esses IP’s todos dizem respeito a 1 (um) mês. E o que foi publicado com esses IP’s datados de 7 de Julho a 8 de Agosto de 2009? Em que blog?
«72- Refere ainda o Meritíssimo Juiz que compulsou o endereço da internet http://AI....blogspot.com/..., pela primeira vez no dia 24/03/2011. Não consta dos autos cota a dar essa informação nem o arguido foi depois notificado, para assegurar o contraditório. De qualquer das maneiras, o que tem esse documento a ver com o arguido? Com que IP foi feito? Qual o grupo hora/data desse documento? A quem pertence esse IP? Aliás, a mesma fotografia, que se desconhece de quem seja, aparece também no blog http://AI....blogspot.com/ referenciado a fls. 936, IP ………….., que se sabe não pertencer ao arguido, conforme resulta de fls. 942 e 943, nesse grupo data/hora e IP não existem ligações.
«73- O próprio Meritíssimo Juiz de Instrução diz, “Em síntese, podemos afirmar que se a prova recolhida nesta fase da instrução não permite concluir directamente no sentido ora perfilhado – de que o arguido C… foi o responsável pelo blogue http://AI….blogspot.com e o autor dos textos descritos no requerimento de abertura da instrução e das fotomontagens ali referidas”;
«74- Ainda que improcedessem as arguidas nulidades de prova e a prova proibida, não chegam os factos e provas obtidas na Instrução para alterar o douto despacho de arquivamento pelo MP e imputar ao arguido C… a responsabilidade por uma coisa que não fez e que o próprio Meritíssimo Juiz de Instrução confessa não poder concluir directamente. Em processo penal não pode funcionar a prova por presunção judicial, para mais não havendo nexo em relação a grupo data/hora e IP anteriores ou contemporâneos dos factos (2005 a 2008).
«75- Deve funcionar o princípio constitucional do processo penal in dubio pro reo;
«76- O arguido usando um direito constitucional do processo penal decidiu não prestar declarações. Não pode ser beneficiado, mas também não pode ser prejudicado pelo exercício de um direito reconhecido pelo ordenamento jurídico. O silêncio só vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção – art. 218.º do CC;
«77- O douto despacho de pronúncia sofre de vício de falta de fundamentação e apreciação errónea da prova e da determinação da norma aplicável.
«78- Há insuficiência do inquérito e da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
«79- Todos os factos alegadamente tipificados como ilícito penal de difamação anteriores a 10-11-2008 estão prescritos.
«80- Considera o arguido que o inquérito e a instrução violaram injunções legais conducentes à nulidade e prova proibida, nomeadamente os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 8.º, 32.º, n.ºs 1, 5 e 8, 34.º e 37.º da CRP; 10.º da CEDH; 218.º do CC; 35.º, n.º 4, 118.º, n.º 1, d) e n.º 2; 183.º, n.º 2 e 187.º do CP; 61.º, n.º 1, d), 120.º, n.º 2, d), 129.º, 165.º, n.º 2, 169.º, 180.º, 187.º, 188.º, 190.º, 283.º, 289.º, 308.º e 355.º do CPP.
«81- No entendimento do recorrente as conclusões 1 a 79.º deveriam ter sido interpretadas, aplicadas e julgadas de acordo com as normas mencionadas no item precedente.»
Terminou a pedir a declaração de nulidade dos actos praticados no inquérito e na instrução, bem como a [de utilização de] prova proibida. E a não pronúncia dele, recorrente, e o arquivamento dos autos.
3. Notificados do recurso, responderam a este o Ministério Público (MP) e o assistente, José L…, em ambos os casos no sentido de lhe ser negado provimento.
3.1. Com a sua resposta, o assistente juntou um documento notarial certificativo de que em 2011/04/07, “se encontravam disponíveis ao público e em pleno funcionamento/actividade dois blogues e que o primeiro blogue tem um link para o segundo blogue. Sendo eles, respectivamente: http://AJ....blogspot.com e http://AI....blogspot.com (cfr. fls. 1255 e ss.).
4. O recurso foi admitido (cfr. fls. 1261).
5. Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-geral-adjunta juntou aos autos parecer em que se pronunciou por dever o recurso improceder.
6. Entretanto, em 2011/09/20, o arguido veio interpor um requerimento em que: a) rectificou um erro de escrita, esclarecendo que na página 12 das suas alegações – 3.º e 4.º parágrafos –, escreveu art.º 187.º, ex vi, art.º 189.º do CP, quando quis escrever, não do CP, mas sim do CPP; b) se opôs à junção do documento de fls. 1255 e ss., por violar o disposto no art.º 165.º do CPP e requereu o seu desentranhamento.
7. Notificado deste requerimento, o assistente veio, por seu turno, apresentar requerimento em que: a) reiterou a justificação dada a fls. 9 e ss. das suas contra-alegações de recurso, para cujo conteúdo remeteu; b) defendendo a rejeição do recurso em tudo em tudo o que respeita à fundamentação relativa à pretensa violação do disposto no art.º 187.º, n.º 1, al. a), do CP; e, para o caso de se entender que se tratou, efectivamente, de um erro de escrita, respondendo à motivação do recorrente, com o teor resultante da correcção, no sentido de não ser aplicável ao caso o referido art.º 187.º
8. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente não respondeu.
6. Realizado o exame preliminar, não havendo obstáculos ao conhecimento do recurso e devendo este ser julgado em conferência, determinou-se que, colhidos os vistos legais, os autos fossem remetidos à conferência. Realizada esta, dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.
* * *
II.
1. Atentas as conclusões da motivação do recurso, que, considerando o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, definem o seu objecto, as questões postas no recurso, pela sua ordem de precedência, são as infra enunciadas.
Antes porém, por uma questão de ordem, há que clarificar o seguinte ponto:
O recorrente, na parte da motivação correspondente às conclusões e, sobretudo, no que se refere à apreciação crítica sobre a existência de indícios da prática do crime – que, na perspectiva que propugna, não existem – levou, insistentemente, por diante um método – correspondendo a uma forma de argumentar – consistente na formulação de interrogações ao, suposto, interlocutor ou oponente! Ao tal fazer, visou, aparentemente, colocar este tribunal de recurso na posição de responder às suas interpelações, dispensando-se, assim, de levar a final e demonstrar os argumentos que subjazem a tais interrogações.
Tal método não encontrará, além desta, outra resposta deste tribunal.
A lei manda, nos termos do disposto no art.º 412.º, n. 1, do CPP, que nas conclusões, por artigos, o recorrente resuma as razões do pedido e, consoante o recurso verse sobre matéria de direito ou de facto ou ambas, dê cumprimento, respectivamente, ao disposto nos n.os 2 a 5 do referido artigo.
Tais exigências são muito concretas. No caso, como é o presente, de o recorrente impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, deve ele, nessa parte, especificar: a) os concretos pontos de facto que considera que incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devem ser renovadas.
Devem, portanto, as conclusões ser sucintas e concisas não havendo nelas lugar a interpelações tendentes a estender a discussão para lá do ponto em que a decisão recorrida a fixou.
Aquele que recorre não deve esquecer que coloca questões – organizadas segundo a sua convicção quanto aos erros, que o prejudiquem, da decisão de que recorre e sobre quais devem ser as decisões que os corrijam – e que a apresentação de tais questões deve ser servida por argumentos, tanto quanto possível demonstrativos das razões que invoca e previamente desenvolvidos na parte da motivação que antecede as conclusões. Feito isto, o que se espera do tribunal é que se pronuncie sobre as questões postas decidindo-as – e com elas o recurso – e não que retruque aos argumentos expendidos. O recurso não visa ampliar a discussão mas obter uma decisão. O tribunal decide, não discute.
Não significa isto, é claro, que o tribunal não deva fundamentar a decisão das questões de que conhecer. Significa, apenas, que, ao decidi-las, o tribunal não se vincula a fazê-lo seguindo os passos da argumentação do recorrente ao colocá-las. Tal pretensão enredaria o decisor num percurso em que perderia toda a autonomia e que, no limite, poderia chegar a ser obstativo de uma boa decisão. Assim, a regra é a de que o tribunal decide questões, não responde a argumentos.
Isto dito, vejamos as questões:

– Da prescrição do procedimento criminal. Concomitante a esta, suscita-se a questão da qualificação jurídica dos crimes contemplados na decisão instrutória de pronúncia, que, por comodidade, passaremos a designar por despacho de pronúncia;
– Das nulidades;
– Violação do direito ao contraditório, constitucionalmente garantido no art.º 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP):
– Por a junção dos documentos constantes de fls. 19 a 165, não ter sido ordenada por autoridade judiciária, nem validada por despacho do MP ou do JIC;
– Por o recorrente não ter sido notificado da junção aos autos da informação e documentos de fls. 994 e por o despacho de fls. 1045 ser omisso quanto à admissão do correspondente requerimento e não ter ordenado o contraditório.
– Por o JIC não ter consignado no processo nem notificado ao recorrente que compulsou o endereço “http://AI....blogspot. com/...”, pela primeira vez no dia 24/03/2011.
– Insuficiência do inquérito e (por arrasto) da instrução; nulidade da previsão do art.º 120.º, n.º 2, al. d) do CPP;
– Nulidade das informações, da requisição e das comunicações prestadas nos autos designadamente pela Microsoft, Google, PT Telepac, TV Cabo e NOVIS – art.os 32.º, n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4 e 35.º, n.º 4, da CRP, 190.º. 118.º, 120.º, 122.º e 126.º do CPP; 27.º, n.º 1, al. g), da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, e 4.º da Lei n.º 41/2004 de 18 de Agosto;
– Nulidade que advêm também de essas informações terem sido solicitadas pela PJ ou MP, sem a prévia autorização do juiz de instrução.
– Nulidade, nos termos do disposto no art.º 190.º do CPP e por violação dos art.os 32.º, n.os 1, 4 e 8, 34.º, n.º 1, e 35.º, n.º 4, da CRP, por não terem sido cumpridas, na fase de inquérito, relativamente às mesmas informações, as formalidades dos art.os 187.º e 189.º do CPP;
– Nulidade das “condutas” do JIC corporizadas em fls. 881 a 929, 939 e 940 e dos despachos de fls. 939 e 941 por decorrerem de informações obtidas com violação da lei e por violarem a natureza acusatória do processo penal, ao serem praticadas “ex officio” pelo JIC;
– Da verificação, no despacho recorrido, dos vícios de “falta de fundamentação” e de “apreciação errónea da prova” e de “determinação da norma aplicável”.
– Da inexistência de indícios da prática do crime, que fundamentem a pronúncia.
2. Das questões postas
2.1. Da prescrição.
Pretende o recorrente que, quando foi constituído arguido – o que ocorreu em 2010/11/10 (cfr. fls. 830) –, já o procedimento criminal pelo crime que lhe é imputado estava prescrito.
Apoia esta conclusão em três pontos: Os factos estão jurídico-criminalmente qualificados de forma errada, correspondendo-lhes um crime p. e p. pelos art.os 180.º, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, todos do CP, com pena de 60 dias a 12 meses de prisão ou com pena de multa de 19 a 480 dias; o crime em causa é instantâneo; ao mesmo crime corresponde um prazo de prescrição de dois anos, por a agravação da pena resultante da aplicação do art.º 184.º do CP não poder ser tida em conta para efeito de determinação do prazo em causa, por efeito do disposto no art.º 118.º, n. 2, do CP. Ou seja, sem a referida agravação a moldura penal máxima aplicável ficaria pelos oito meses de prisão, o que determinaria que o prazo de prescrição fosse o da al. d) do art.º 118.º, do CP.
Tem razão quanto aos dois primeiros pontos mas não a tem quanto ao terceiro.
Na realidade, tal como Faria Costa – oportunamente citado pelo recorrente – que meios de comunicação social são os meios que, em determinado momento histórico, a comunidade é capaz de oferecer para difusão dos diferentes fluxos informacionais visando atingir um conjunto alargado ou maciço de pessoas, tais como o livro, a revista o jornal e a televisão, mas que pressupõem uma estrutura organizacional, por mínima que seja [1].
Ora os blogues de pessoas individuais não possuem essa dimensão. Aliás, estando a blogosfera profusamente povoada, é muito duvidoso que a maioria dos blogues atinjam uma penetração superior à da charla, pouco mais do que doméstica. Sem a replicação ou a amplificação que os verdadeiros media podem dar a um blogue, quer por causa do seu conteúdo, quer pela concreta personalidade de quem lhes dá vida – o que constitui a situação mais comum –, este só muito dificilmente atingirá uma verdadeira dimensão mediática. Há, é certo, blogues cujo conteúdo impõe a sua popularidade intranet e, depois, a exportam para fora da rede, mas a grande maioria não passa do anonimato ou pouco mais do que isso. Também por isto, qualificar, em abstracto, o blogue como media é um passo, a nosso ver, excessivo.
Aparentemente contra, posiciona-se Paulo Pinto de Albuqerque [2], louvando-se em Helena Moniz – anotação 12.ª ao art.º 297.º, in CCCP 1999 – e no acórdão do STJ, de 2002/01/23 – in SASTJ, 57, 58 – referindo, entre os meios de comunicação social, a internet e acrescentando que tal “resulta da extensão dada ao conceito nos artigos onde é referido, isto é artigos 183.º, n.º 2, 197.º, 223.º, n.º 2, 240.º, n.º 2, 297.º e 298.º [do CP]”.
E dizemos aparentemente, porque o conceito de internet é muito mais amplo que o de blogue. Nós mesmos propendemos a aceitar que certos sites e páginas que os compõem, nomeadamente os pertencentes a jornais e revistas, sejam equiparados a meios de comunicação social.
Porém, não nos convence, salvo o devido respeito, o argumento da extensão que é dada ao conceito nas outras disposições do código penal em que o mesmo é utilizado. Para além de o teor dessas disposições ser pouco expressivo, relativamente à caracterização do conceito em causa, pode entender-se que o simples facto de, v.g., no art.º 240.º, n.º 2, do CP, usar a expressão “(..) ou através de qualquer meio de comunicação social ou sistema informático destinado à divulgação (…)” mostra que o legislador quis distinguir essas duas realidades – meio de comunicação social, por um lado, e sistema informático destinado à divulgação, por outro – e não homogeneizá-las e que onde a lei refere apenas um dos dois elementos – meio de comunicação social – está a excluir o outro, assim como todos os demais não expressamente mencionados.
Em suma o crime indiciado, entendemos nós, é o do art.º 180.º, n.º 1, agravado, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 183.º – por a ofensa ser praticada através de um meio que facilita a sua divulgação, com conhecimento, pelo seu autor, da falsidade dos factos imputados ao ofendido – e 184.º, todos do CP. Quanto a esta última disposição legal, por o ofendido ser, à data da prática dos factos, presidente de uma câmara municipal e, portanto, estar incluído na previsão da al. l) do n.º 2 do art.º 32.º do CP, facto este que não carece de demonstração, por notório.
Por outro lado, o crime de difamação é um crime instantâneo [3], cuja realização se esgota na acção de imputação do facto ou da formulação do juízo, por meios ou circunstâncias que facilitem a sua divulgação. O facto de esses meios perdurarem no tempo, prolongando o acesso de terceiros ao conhecimento da imputação do facto ou da formulação do juízo, não deve ser associado à acção do agente, mas à própria natureza do meio escolhido, que faz, já, parte do elemento objectivo do tipo legal agravado: meios que facilitem a divulgação da ofensa.
Assim tem vindo a ser considerado para as ofensas praticadas nos meios de comunicação social e não vemos que hajas motivos fortes para se entender de outro modo para uma forma menos grave de prática do crime, como é a da previsão do art.º 183, n.º 1, al. a), do CP.
Isto, apesar de, no caso específico dos blogues, o autor manter o domínio sobre o acesso do público às imputações ou juízos formulados. Entendemos, mesmo assim, que o facto de não remover do blogue a matéria correspondente, não equivale a uma renovação ou um prolongamento da acção delituosa, durante o tempo em que tal matéria se mantiver acessível. Essa situação não tem qualquer efeito no resultado típico – a ofensa –, limitando-se a não fazer cessar a circunstância que facilita a sua divulgação.
Em consequência, o prazo da prescrição iniciou-se imediatamente após a prática do último acto que integrou a execução do crime, tal como este é conformado na decisão recorrida, ocorrido, aquele, em 2008/01/06.
Porém, tal prazo é de cinco anos, nos termos do disposto no art.º 118.º, n.º 1, al. c), do CP, uma vez que a pena máxima aplicável ao crime é de um ano de prisão.
E isto é assim, porquanto que o disposto art.º 184.º do CP não está abrangido pela previsão do n.º 2 do art.º 118.º, do mesmo diploma legal, na parte em que neste se refere que para efeito de enquadramento numa das quatro alíneas, do seu n.º 1, que estabelecem os diferentes prazos de prescrição, na determinação do máximo da pena aplicável não são tomadas em conta as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
O referido art.º 184.º não se limita a introduzir uma mera circunstância agravante da pena, senão que institui uma variante de crimes contra a honra qualificados pela adição de novos elementos ao tipo legal, ligados à qualidade dos ofendidos ou dos ofensores e à conexão entre a prática da ofensa e as funções de uns e de outros.
Assim, releva, aqui, o segmento da norma, ainda do n.º 2 do art.º 118.º do CP, que dispõe que para o mesmo efeitos de subsunção numa das alíneas do seu n.º 1, na determinação do máximo da pena aplicável, são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime.
Em sentido semelhante se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa de 2009/12/21 processo n.º 3063/03, relatora Margarida Blasco T. de Abreu, consultável em “http://www.colectaneadejurisprudencia.com”, ref:ª 7938/2009.
No referido acórdão afirmou-se, entre o mais, que:
«(…)
«No entanto, se atentarmos a difamação agravada (art.184.º), o crime tem que ser praticado contra uma das pessoas referidas na al.1), do n.º 2, do art. 132.º, no exercício das respectivas funções, tratando-se no caso em apreço de um advogado.
«Ou seja, o elemento objectivo do tipo é diferente no que respeita ao preceituado nos arts. 183.º e 184.º, mas essa constatação não infirma que não deixem ambos de ser elementos do tipo (difamação), pelo que, conforme preceitua o n.º 2, do art.118.º, terão que ser considerados para efeitos de contagem do respectivo prazo de prescrição. Refira-se, quando a lei, no n.º 2, do art. 118.º estipula "mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes" expressamente preceitua que para efeitos de contagem dos prazos prescricionais só não são tomadas em consideração as circunstâncias modificativas da Parte Geral do Código Penal.
«Aliás, como expressamente diz Maia Gonçalves na obra citada no despacho recorrido, onde refere que: "Do exposto resulta que para a determinação do máximo da pena aplicável a cada crime, a que se refere o n.º 1, só não são levadas em conta as circunstâncias modificativas na Parte Geral"
«Por outro lado, e segundo outra perspectiva, podemos considerar os arts.183.º e 184.º enquanto novos tipos de crime, protegendo, mais especificamente o art.184.º, um bem jurídico distinto, nas palavras do Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo 1, 1999, Coimbra Editora, pág. 189, o bem jurídico da «honra funcional".
«Mas se considerarmos os referidos preceitos enquanto novos tipos de crime, no que interessa para o presente recurso, chegaremos às mesmas conclusões, como veremos. Considerando que estaremos perante novos tipos de crime, igualmente nesta hipótese, a doutrina é unânime no que tange aos respectivos efeitos na contagem dos prazos prescricionais:
«Com efeito, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, pág. 329, em comentário ao referido n.º 2, do art.118.º, dispõe que "a medida abstracta da pena aplicável é a do crime qualificado ou privilegiado, sempre que a circunstância agravante ou atenuante seja levada em conta para a formação de um tipo criminal autónomo"
«O mesmo Autor indica vários exemplos que corroboram o entendimento perfilhado por Maia Gonçalves (relativamente à hipótese acima aventada), ou seja, que apenas não relevam para o efeito em análise as circunstâncias modificativas previstas na Parte Geral do Código Penal, a não ser quanto às circunstâncias especiais que se revistam de carácter obrigatório.
(…)»
Assim, temos que o prazo de prescrição, de cinco anos, começou a correr em 2008/01/07 e se interrompeu, com a constituição de arguido do recorrente, em 2010/11/10, iniciando-se então o decurso de um novo prazo de cinco anos, nos termos do disposto no art.º 121.º, n.os 1, al. a) e 2, do CP, com as limitações decorrente do disposto no n.º 5 do mesmo artigo.
Em conclusão, o procedimento criminal instaurado nos presentes autos contra o recorrente não se encontra prescrito.
2.2. Das nulidades
O recorrente agrupa sob a invocação de “nulidades”, vicissitudes processuais de ordem vária, de que, no seu, entender o processo enferma, desde pretensas inconstitucionalidades até nulidades propriamente ditas. Parece esquecer que o nosso sistema processual penal consagra um regime de nulidades típicas, sujeitas ao princípio da legalidade, nos termos do art.º 118.º do CPP que, no seu n.º 1 dispõe que “a violação ou inobservância das disposições da lei no processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.”
Como é pacificamente admitido, em processo penal vigora o princípio do numerus clausus em matéria de nulidades e do respectivo regime de arguição.
Na verdade as nulidades estão, taxativamente, expressas na lei. Quando a lei não comina a nulidade, o acto é irregular (v. n.os 1 e 2 [do art. 118.º do CPP]) [4].
Por uma questão de tornar mais expeditiva a presente decisão trataremos, neste ponto, a questões enunciadas, sublinhando que se trata de pretensas ilegalidades de variada natureza.
– Alega o recorrente que a junção dos documentos constantes de fls. 19 a 165 não foi ordenada por autoridade judiciária, nem validada por despacho do MP ou do JIC e que isso viola o seu direito ao contraditório, constitucionalmente garantido no art.º 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O n.º 5 do art.º 32.º da CRP estipula que o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
Temos, assim, que o princípio do contraditório está consagrado constitucionalmente mas são assume uma expressão absoluta e irrestrita. Razões que não interessa esmiuçar aqui e que se prendem com o equilíbrio do sistema, nomeadamente em termos de salvaguarda das garantias, por um lado, e eficácia da acção penal, por outro, reservam o exercício do contraditório para actos determinados por lei. Desde logo, a Constituição refere a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar.
Ficam de fora, os actos relativos ao inquérito, com salvaguarda, naturalmente, dos actos jurisdicionais que visam, além do mais, a salvaguarda dos direitos dos arguidos, como seja o primeiro interrogatório de arguido detido, em que se reconhece a existência de patentes aforamentos do princípio em causa, ainda, que, mesmo aqui, com evidentes restrições.
Como refere Vinício Ribeiro [5], “O princípio do inquisitório domina a fase processual do inquérito conduzido pelo MP (já ninguém põe em causa que a direcção do inquérito pertence ao MP – cfr. v.g., elementos citados no ac. TC 581/2000, DR, II Série, de 22 de Março de 2001) e o princípio acusatório atravessa as fases do debate instrutório, da acusação e do julgamento”.
Na realidade os documentos que o arguido refere foram juntos pelo queixoso, mais tarde assistente, com a queixa que deduziu na Polícia Judiciária e foram naturalmente integrados no inquérito, com o tácito beneplácito do MP, que teve expresso conhecimento dessa apresentação, como os autos documentam.
O arguido, ora recorrente, teve deles conhecimento quando cessou o segredo de justiça interno do processo e teve ampla oportunidade de os examinar e discutir no curso da instrução que correu termos e terminou com a prolação do despacho de pronúncia de que agora recorre.
Não houve, portanto, qualquer ofensa do contraditório, a este título.
– Reclama o recorrente ter havido ofensa do contraditório por não ter ele sido notificado da informação e documentos de fls. 994 e por o despacho de fls. 1045 ser omisso quanto à admissão do correspondente requerimento.
O recorrente não viu o despacho de 2011/04/26, que versa sobre o requerimento de fls. 994 e os documentos que acompanham e que expressamente determinou que os mesmos ficassem nos autos.
Efectivamente não foi ordenada a notificação ao requerente dos documentos juntos com o requerimento.
E não o terá sido por causa de o teor dos documentos juntos ser anódino para a discussão dos factos que iria ter lugar apenas nove dias depois, no debate instrutório.
Nos próprios termos do requerimento de fls¨994, a junção dos documentos, agora em causa, não teve outro fim que não o de fazer prova de que “os referidos blogues [6], entre outros, se encontravam activos em finais do ano 2009, continuando a proferir contra os assistentes conteúdos difamatórios”.
Ora, sendo embora certo que os dois blogues, ali referidos, são, também, mencionados na pronúncia deduzida, não há, relativamente aos mesmos, relato de qualquer factos que integrem a incriminação do arguido. Esta refere-se a uma sucessão de factos que tem seu epílogo, como já se referiu supra, em 6 de Janeiro de 2008 e se referem unicamente a matérias dadas a público em “http://www.F....blogspot.com”.
Assim, as asserções do requerimento de 994 e os documentos juntos para prova das mesmas nada de interesse trouxeram para a discussão da causa e, dado o seu carácter inócuo, o Ex.mo JIC, no seu despacho de fls¨1043, se limitou a declarar tê-los visto e a determinar que ficassem nos autos.
E mesmo que assim não fosse, o parágrafo, do despacho de pronúncia, no qual que consta que «[o] arguido abriu, para além dos já identificados, pelo menos mais outros três blogues http://AI....bloqspot.com, http://AJ....bloqspot.com e http://F....wordpress.com, contendo iguais difamações ao assistente, sua família e à justiça portuguesa», já constava do requerimento de abertura de instrução de fls. 719 e ss., de onde passou, intocado, para a pronúncia. Donde, se nisso tivesse visto interesse, ao arguido não faltaram oportunidades de contraditar os factos ali referidos, o que não sucedeu.
Não houve, portanto, também aqui, qualquer ofensa do contraditório.
– Alega ainda, o recorrente, ter sido cometida ofensa do contraditório por o JIC não ter consignado no processo, nem notificado ao recorrente, que compulsou o endereço “http://AI....blogspot.com/...”, pela primeira vez no dia 24/03/2011.
Também não vemos que o recorrente tenha razão quanto à alegada omissão.
Ao recorrente foi tempestivamente comunicado o resultado das diligências que estabeleciam a ligação entre ele, enquanto arguido, e o referido blogue, como resulta do despacho de fls. 945 e da notificação de fls. 948.
Estando o blogue em causa referenciado no requerimento de abertura de instrução não se vê o porquê de se pretender que o Ex.mo JIC não poderia consultá-lo e utilizar o seu conteúdo no esclarecimento dos factos com interesse dos autos. O referido endereço é acessível ao público e seria excessivo e redundante exigir-se que a entidade instrutória tivesse de notificar o arguido de todo o teor do conteúdo do referido endereço, para depois poder apoiar-se nele para formar a sua convicção sobre os factos.
O endereço em causa inseria-se no âmbito, lato senso, do processo, definido no requerimento de abertura de instrução, enquanto facto adjuvante da convicção sobre a responsabilidade do arguido e, nesse medida, é nosso entendimento que ao Ex.mo JIC era lícito consultá-lo, sem mais.
Além do mais, nenhum contraditório poderia, de facto, ser exercido relativamente a ser aquele o teor do blogue que é referido na motivação de facto da decisão instrutória. O contraditor nunca poderia discutir ou negar a existência dos conteúdos cuja existência o juiz tinha verificado com os seus próprios olhos.
O dever de lealdade foi observado com a menção especificada, na referida motivação de facto, não só do teor do blogue em causa, na parte que interessou à formação da convicção do decisor, a qual foi transcrita para a mesma motivação, como também da forma como o referido trecho se articulou com a demais prova no sentido de formar uma convicção positiva sobre a responsabilidade do arguido/recorrente.
Não nos esqueçamos, enfim, que a decisão sobre os factos é, nesta fase, ainda, provisória e que o contraditório relativamente a todo o objecto do processo estará ainda para ser exercido, em audiência de julgamento, que é o lugar, por excelência, para que tal exercício tenha lugar.
Também, por tudo isto, não procede esta invocada ofensa do princípio do contraditório.
– Insuficiência do inquérito.
Segundo o recorrente, não foi investigado o blog “Q…”, não foi ouvido nos autos AL…, titular do “…”, onde existem “as mesmas” publicações que estão no “F….weblog.com”; também não foi ouvido nos autos AM…, jornalista, que é referido, a fls.564 como sendo o autor da entrevista referida na notícia do Jornal o “AP…” de 2008/11/14 (cfr., também, fls. 528 e 547); e no requerimento de fls. 598 o queixoso não identificou quem lhe deu a informação que, no meso requerimento, transmitiu ao tribunal, de que o criador e utilizador do blogue “http://F....blogspot.com” era o ora recorrente. Destas três incidências processuais o recorrente conclui pela “insuficiência do inquérito” e, por arrasto, da instrução a argui, consequentemente, a existência de nulidade do art.º 120.º, n.º 2, al. d), do CPP.
Dispõe o art.º 120.º, n.os 1 e 2 e alínea d) deste número, do CP, o seguinte:
«Art.º 120.º
«Nulidades dependentes de arguição
«1 – Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte.
«2 – Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
«(…)
«d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, ou a omissão posterior de diligências que pudessem reportar-se essenciais para a descoberta da verdade.
«(…)»
Não existem tais nulidades.
Ao MP cabe dirigir a instrução da forma que se lhe afigurar mais eficaz para a descoberta da verdade. Nesta actividade o MP não está vinculado à produção de provas pré-ordenadas, cabendo-lhe seleccionar as que entenda poderem ser úteis.
Assim, temos que o queixoso não se queixou de que os conteúdos dos blogues “Q…” ou “http://F....blogspot.com” ofendessem a sua honra, pelo que não se impunha qualquer razão para o MP investigar o primeiro e tomar declarações ao titular do segundo. Se o ora recorrente entendia que, dessas acções concretas resultariam benefícios para a sua defesa, poderia ter requerido que as mesmas se realizassem, se não antes, no decurso da instrução, o que não fez.
Nada demonstra que a audição do Sr. AM…, jornalista, pudesse contribuir decisivamente para a descoberta da verdade, até porque essa pessoa estava acobertada pelo sigilo profissional e pelo dever deontológico de protecção das fontes. Além disso, se o recorrente entendesse que o depoimento dessa pessoa podia contribuir para elidir as suspeitas que sobre si impendiam, o que era natural era que tivesse requerido a sua inquirição em instrução, o que também não fez. Já se, pelo contrário, ao não diligenciar por ouvir a referida pessoa, o MP se arriscou a enfraquecer a prova da acusação, não será, certamente, isso que motiva o recorrente no presente recurso.
No requerimento de fls. 598 o queixoso limitou-se a levar ao conhecimento do MP a identificação do ora recorrente como alvo das suas suspeitas e o motivo de assim pensar.
Isto era algo que poderia ter feito logo com a formulação da queixa se dispusesse, ao tempo, dos elementos em causa.
A referência a meras suspeitas não carece de prova. A seu tempo as suspeitas podem mostrar-se fundadas ou infundadas, mas, quando são formuladas, consistem meras pistas, pontos de partida da investigação, que podem ou não ser seguidas, segundo o grau de consistência que apresentem, de acordo com o critério da entidade que investiga. Sendo materialmente impossível seguir todas as pistas, há que estabelecer prioridades entre elas.
Como vimos, nos presentes autos, as provas que se perfilam da ligação do arguido/recorrente, ao blogue a que se referem os factos da pronúncia são constituídas por informações das entidades que operam os serviços utilizados e têm natureza documental. A informação de fls. 598, nem foi explorada como via de investigação dos factos descritos no despacho de pronúncia; nem é referida na mesma pronúncia como elemento de prova,
Finalmente, se tivesse sido cometida nulidade de insuficiência de inquérito, esta, para poder ser conhecida, teria de ter sido arguida até ao encerramento do debate instrutório, nos termos do disposto no art.º 120.º, n.º 3, al. c), do CPP. E, não o tendo sido, deveria considerar-se sanada.
– Argui, depois, o recorrente, a nulidade das informações da requisição e das comunicações, prestadas nos autos pelas Microsoft, Google, PT Telepac, TV Cabo e NOVIS.
Invoca os artigos 32.º, n.º 8 – abusiva intromissão na correspondência ou nas telecomunicações –, 34.º, n.os 1 – inviolabilidade de correspondência – e 4 – proibição de ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação –, 35.º, n.º 4 – Proibição de acesso a dados pessoais de terceiros, todos da Constituição; 190.º, 118.º, 120.º, 122.º – todas referentes a nulidades – e 126.º – o n.º 3 dispõe sobre a nulidade das provas obtidas mediante intromissão nas telecomunicações sem o conhecimento do respectivo titular –, todos do CPP; e ainda 27.º, n.º 1, al.. g). da Lei n.º 5/2004, de 10/2, e 4.º da Lei n.º 41/2004 de 18/8 [7];
Basicamente o argumento do recorrente resume-se em que não constando o crime de que difamação do “catálogo” dos crimes do n.º 1 do art.º 187.º do CPP e estando as comunicações electrónicas abrangidas pelo regime constante do referido artigo, nos termos do disposto no art.º 189.º, do CPP não é admissível, nem sequer para efeitos de investigação criminal, o acesso aos elementos que, nos autos, as empresas prestadoras de serviços de comunicação – Microsoft, Google, PT Telepac, TV Cabo e Novis – remeteram ao processo, pelo que a obtenção de tais provas está, nos termos do disposto no art.º 190.º do CPP, ferida de nulidade e as mesmas provas são nulas e não podem ser utlizadas, por serem obtidas mediante métodos proibidos de prova, nos termos do disposto nos art.os 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 126.º, n.º 3, do CPP.
E, na realidade, o argumento enquadra-se nos parâmetros que a discussão sobre o tema tem definido na nossa jurisprudência.
Assim e tanto quanto nos apercebemos, tem-se pacificamente admitido uma ampla correspondência entre “conversações ou comunicações telefónicas” – art.º 187.º, n.º 1, do CPP – e “conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente de telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática”. Deixando-se na penumbra que tal equiparação está condicionada pelo advérbio “correspondentemente”, que significa que a aplicação do regime de uma realidade à outra se fará na medida em que elas se correspondam. Ou seja, que não basta que se trate, v.g., de uma qualquer forma de transmissão de dados por via telemática, para que, de forma absoluta, lhe seja oponível, enquanto lugar simétrico do art.º 187.º, o conceito de comunicação telefónica; será, a nosso ver, necessário, que a realidade concreta a que nos referimos, apresente elementos distintivos que justifiquem tal associação, quer nas circunstâncias da sua manifestação material, quer na adequação da sua inclusão na abrangência do intuito teleológico que presidiu à construção daquela norma de referência. Não sendo assim, correr-se-á o risco de – ainda v.g. – se considerar equivalente a “comunicação telefónica”, uma realidade passível de tal associação apenas em razão do elemento formal da sua designação (“comunicação telefónica” –“comunicação telemática”) – sem o reconhecimento da existência entre ambas de afinidades de substância que permitissem identificar na segunda, os valores determinantes da consagração da primeira enquanto merecedora da protecção estabelecida na norma. Voltaremos a este ponto.
A questão da legalidade das informações prestadas pelas entidades prestadoras de serviços de comunicações electrónicas no âmbito da investigação criminal tem assentado, da distinção sobre a natureza dos dados transmitidos – dados de base, dados de tráfego e dados de conteúdo – e relativamente aos das duas últimas categorias – de tráfego e de conteúdo – se os crimes a que a investigação se refere pertencem ou não ao elenco do catálogo do art.º 187.º, do CPP.
Relativamente aos dados de base há concordância maioritária em que tais dados ou podem requisitados pelas autoridades judiciárias às entidades fornecedoras da rede pública e prestadoras de serviços de telecomunicações de uso público e por estas livremente fornecidos, em ordem ao prevalecente dever de colaboração com a administração da Justiça [8], ou, no caso de o correspondente utilizador ter requerido um regime de confidencialidade, ficam sujeitos ao sigilo das telecomunicações, nos termos dos artigos 17.º, n.º 2, da Lei n.º 91/97 de 1 de Agosto, e 5.º da Lei n.º 69/98, de 28 de Outubro [9].
Já quanto aos dados de tráfego e de conteúdo, entende-se, que na fase de inquérito, tais aumentos de informação, apenas poderão ser fornecidos às autoridades judiciárias, pelos operadores de telecomunicações, nos termos e pelo modo em que a lei do processo penal permite a intercepção das comunicações, dependendo de ordem ou autorização do juiz de instrução (art.os 187.º, 190.º e 269.º, n.º 1, alínea c, do CPP) [10].
É a seguinte a distinção entre os referidos diferentes tipos de dados [11]:
– Dados de base são os dados relativos à conexão à rede;
– Dados de tráfego, são os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede (por exemplo, localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data e hora, frequência);
– Dados de conteúdo são os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem;
Paralelamente a esta classificação reveste-se de interesse a de “dados pessoais”, que, nos termos do art.º 3.º, al. a), da Lei n.º 67/98, de 26/10 (L 67/98) – lei esta que se aplica ao tratamento de dados pessoais no contexto das redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público – são quaisquer informações de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (“titular dos dados”); sendo considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou um ou mais elementos específicos da sua identidade física fisiológica psíquica, económica cultural ou social [12].
Os responsáveis do tratamento de dados pessoais, bem como as pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos estados pessoais tratados, ficam obrigados ao sigilo profissional, mesmo após o termo das suas funções, assim como os membros da Comisso Nacional de Protecção de Dados (CNPD), e, estas, mesmo após o termo do mandato, nos termos do disposto no art.º 17.º, n.os 1 e 2, da referida lei.
Tal não exclui o dever de fornecimento das informações obrigatórias, nos termos legais, excepto quando constem de ficheiros organizados para fins estatísticos; n.º 3 dos mesmos artigo e lei.
A Lei n.º 41/2004, de 18 Agosto (L 41/2004), que se aplica ao tratamento de dados pessoais no contexto das redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, especifica e complementa as disposições da L. 67/98, tal como se dispõe no n.º 2 do seu artigo 1.º.
Esta lei dispõe no seu artigo 4.º, n.º 1, que as empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações electrónicas “devem garantir a inviolabilidade das comunicações e respectivos dados tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público”.
E no n.º 2 do mesmo artigo 4.º proíbe “a escuta, a instalação de dispositivos de escuta, o armazenamento ou outros meios de intercepção ou vigilância de comunicações e dos respectivos dados de tráfego por terceiros sem consentimento prévio e expresso dos utilizadores”.
Proibição esta sujeita à “excepção dos casos previstos na lei”, como consta da parte final do mesmo número e artigo.
Devendo tal “excepção” ser enquadrada no disposto do n.º 4 do artigo 1.º o qual dispõe que “as excepções à aplicação [da lei em referência], que se mostrem estritamente necessárias para a protecção de actividades relacionadas com a segurança pública, a defesa, a segurança de Estado e a prevenção, investigação e repressão de infracções penais são definidas em legislação especial [13].
Neste ponto tudo se apresenta como consagrando a L 41/2004, na complementação e especificação das disposições da L 67/98, o entendimento já existente relativo aos termos da proibição legal de comunicação de dados pessoais de conteúdo e de tráfego, deixando livres os de dados de base.
Embora, numa leitura mais apertada, se possa considerar que, toda a matéria relativa a dados pessoais fica sujeita ao segredo profissional – independentemente de requerimento nesse sentido do assinante ou utilizador – e apenas os casos específicos contemplados no art.º 4.º, ficam libertos dessa obrigação de segredo, mas, em contrapartida sujeitos ao apertado regime de controlo do art.º 187.º do CPP.
Seja como for, parece não haver dúvida de que a requisição e fornecimento de dados no âmbito do presente processo se enquadram, em parte, na figura da intercepção [14] dos dados de tráfego de comunicação electrónica, lato sensu. Adiante veremos se se trata de comunicações electrónicas com a configuração exigida por lei para ficarem abrangidas pela legislação atinente à tutela da privacidade, começando no art.os 26.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, da CRP e continuando na legislação ordinária que temos vindo a referir.
A questão da intercepção e comunicação de dados relativos a comunicações electrónicas, no âmbito de investigações criminais, nomeadamente de dados de tráfego, que são os que agora interessam, tem vindo a ser jurisprudencialmente enquadrada no âmbito da previsão do art.º 187.º do CPP e tratada como admissível quando o crime sob investigação pertence ao catálogo do referido artigo.
Assim, v.g., no Acórdão da Relação de Évora de 2007/06/26, do processo n.º 843/07-1, relatora Guilhermina de Freitas [15] –, em que se investigava um crime de acesso ilegítimo p. p. pelo art.º 7.º, n.º 1, da Lei 109/91, de 17/8, entendeu-se que tal não está incluído no catálogo do art.º 187.º do CPP e que, em consequência, a obtenção dos dados não é admissível.
Consta do sumário publicado do referido acórdão:
«1. A propósito da protecção de dados pessoais nos serviços de telecomunicações podem distinguir-se fundamentalmente três espécies de tipologias de dados ou elementos; os dados relativos à conexão à rede, ditos dados de base; os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede (p.ex. localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data e hora, frequência), dados de tráfego; dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem, dados de conteúdo.
«2. Os dados de base constituem os elementos necessários ao acesso à rede, são prévios e instrumentos de qualquer comunicação, já os chamados “dados de tráfego” e os “dados de conteúdo” têm a ver directamente com a comunicação.
«3. A informação sobre os pontos de acesso à Internet a determinada conta, em certo período de tempo, respeita aos chamados “dados de tráfego” e não aos “dados de base”, na medida em que permitem identificar os utilizadores da rede, a localização, a data, a hora e a duração da comunicação.
«4. Tratando-se de elementos inerentes à própria comunicação estão sujeitos ao sigilo das telecomunicações e gozam das mesmas garantias de inviolabilidade dos dados de conteúdo, nos termos das disposições conjugadas dos citados artºs 34º nº 1 e 4 da C.R.P., 27º nº 1 al. g) da Lei 5/2004 de 10/2 e 4º da Lei 41/2004 de 18/8.
«5. No plano do direito processual penal os dados em causa só poderão ser fornecidos a pedido do juiz de instrução ou através de autorização deste, desde que legalmente admissíveis nos termos previstos nos artºs 187º e 190º do C.P.Penal (artº 269º nº 1 al. c) do mesmo Código).
«6. O crime de acesso ilegítimo p. p. pelo artº 7º nº 1 da Lei 109/91 de 17/8, ao qual corresponde, em abstracto, pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias, não se enquadra no catálogo de crimes previstos no artº 187º do C.P.Penal em relação aos quais é admissível a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações, daí que a obtenção dos referidos elementos seja legalmente inadmissível.»
No que respeita ao crime de difamação verifica-se uma forte corrente jurisprudencial para se considerar que tal crime pertence ao catálogo do art.º 187.º do CPP. Solução esta a que se tem chegado por interpretação, ora analógica – por a questão ser de âmbito processual penal – ora extensiva, a partir do crime de injúria – este, sim, indubitavelmente inscrito naquele catálogo –, na base da comunhão de bem jurídico protegido em ambos os crimes, de injúria e de difamação. Concomitantemente afirma-se o entendimento de que os dados em causa estão cobertos pelo segredo profissional, resolvendo-se questão da comunicação, quando lhe seja oposta a invocação de segredo profissional, através do disposto no art.º 135.º do CPP.
Como exemplos destas posições temos os Acórdãos da Relação de Lisboa de 2007/02/22, do processo 1317/07.9, relator Almeida Cabral e da Relação de Guimarães de 2010/04/12, do processo 1341/08.4TAVCT, relator Anselmo Lopes [16].
O primeiro destes, com a seguinte nota de síntese publicada:
«I- Antes do mais, diga-se que estando-se no âmbito do direito processual penal, as lacunas, a existirem, sempre haverão de ser integradas nos termos previstos no artº 4º do C.P.P., mal se compreendendo que um qualquer crime fique por investigar só porque não existe lei que essa mesma investigação concretamente preveja.
«II- Os elementos pretendidos pelo MPº, na linguagem das telecomunicações, haverão de ser compreendidos nos chamados 'elementos de tráfego, ou elementos funcionais da comunicação', pois que apenas são necessários ao estabelecimento e à direcção da comunicação, identificam, ou permitem identificar a comunicação, e quando conservados, possibilitam a identificação das comunicações entre o emitente e o destinatário, a data, o tempo, e a frequências das comunicações'.
«III- Na preservação do chamado 'direito à intimidade da vida privada', prevê a lei - artº 17º, n. 2, da Lei nº 91/97, e artº 5º da Lei nº 69/98, - que nesta área das telecomunicações, o dever de sigilo, conexo com o referido direito, possa ser invocado. Aliás, constitui crime, p.p. nos termos do artº 198º do Cód. Penal, a violação do dever de sigilo.
«IV- Contudo, quando superiores interesses o justifiquem, designadamente na área da investigação criminal, esse dever de sigilo poderá e deverá ser quebrado. Isso mesmo resulta do artº 135º, n. 3, do C.P.P., que será sempre aplicável aos casos omissos.
«V- No caso, conhecendo o recurso, releva que os elementos documentais solicitados à PT, sendo necessários à investigação em curso, não traduzem uma intromissão ou devassa, como a que se patenteia quando se pretende o registo de conteúdo da própria conversação ou comunicação.
«VI- E sendo assim, decide-se que deverá o Mº juiz a quo (JIC) solicitar à PT os elementos pretendidos pelo MPº, após o que, ante uma eventual escusa, haverá de ser accionado mecanismo procedimental previsto no artº 135º, n.s 2 e 3 do CPP.
E o segundo dos dois acórdãos referidos, com o seguinte sumário publicado:
«I) Tendo no decurso do inquérito sido participado contra desconhecidos um crime de difamação agravada praticada através da Internet, e visando-se apurar dados de tráfego de comunicações electrónicas (dados relativos às ligações do computador de um agente a um fornecedor de serviço de acesso à Internet), cujo acesso só é possível, nos termos legais, através de autorização do JIC, o regime aplicável é o prevenido no artº 187º, por remessa do artº 189º do C.P.Penal.
«II) E tal conclusão decorre exactamente da equiparação do crime de difamação ao crime de injúria, sob pena de, doutra forma, a prática dum crime de injúrias por via telemática só ser possível aquando duma videoconferência, situação completamente restritiva e injustificada quando num qualquer crime de difamação em causa estão precisamente os mesmos bens jurídicos que no crime de injúrias. O correio electrónico nunca seria possível de interceptar e gravar porque, por natureza, lhe falta a “presencialidade”, elemento crucial para a verificação do mencionado crime de injúrias.
«III) E sendo assim, decide-se que deverá o Mº juiz a quo (JIC) solicitar à PT os elementos pretendidos pelo MPº, após o que, ante uma eventual escusa, haverá de ser accionado mecanismo procedimental previsto no artº 135º, n.ºs 2 e 3 do CPP.»
Relativamente à questão concreta do acesso a dados de tráfego na averiguação de um crime de difamação cometido através de blogue pronunciou-se o acórdão da Relação de Lisboa de 20011/01/18, do processo 3142/09.3PBFUN-A.L1-5, relatora Filomena C. Lima [17].
Pode ler-se no sumário publicado do referido acórdão:
«I - Nos serviços de telecomunicações podem distinguir-se, fundamentalmente, três espécies ou tipologias de dados: os dados de base, os dados de tráfego e os dados de conteúdo;
«II - Os dados de base, são relativos à conexão à rede, os dados de tráfego, são os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e dados gerados pela utilização da rede, os dados de conteúdo, são os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem;
«III - A identificação completa, morada e endereço de correio electrónico do titular de determinado blog, bem como o IP de criação desse blog e o IP onde foi efectuado determinado “post”, constituem dados de base, que embora cobertos pelo sistema de confidencialidade, podem ser comunicados a pedido de uma autoridade judiciária, aplicando-se o regime do art.135, do CPP, quando tenha sido deduzida escusa;
«IV - Considerando que o bem jurídico protegido pelos crimes de injúria e difamação é o mesmo, deve entender-se que este é abrangido pela al. e) do nº 1, do art.187, CPP, integrando, assim, os crimes de “catálogo” referidos nesse preceito;
Como se vê, há uma constante rejeição da jurisprudência à hipótese de o crime de difamação através dos meios de comunicação electrónica não poder ser investigado em resultado da protecção dos dados do assinante ou utilizador.
Nós, por nosso lado, temos relutância em admitir que a enumeração dos tipos legais de crimes do art.º 187.º do CPP possa ser ampliada por via de interpretação. Trata-se de acrescentar ao preceito tipos legais de crimes, assimilando-os a outros em virtude das suas similitudes e a nós afigura-se-nos haver nisso uma ofensa ao princípio da tipicidade.
Sendo certo que a norma do art.º 187.º, ao regular um meio de produção de prova que, em si mesmo, constitui um instrumento de enfraquecimento da protecção de normas constitucionais – fazendo contraponto com o complexo sistema das proibições de prova –, a nossos olhos ultrapassa a natureza de mera disposição de ordem processual, para assumir uma vertente objectiva, que a converte numa norma processual penal material. “Se a norma processual contém dispositivo que, de alguma forma, limita direitos fundamentais do cidadão, materialmente assegurados, já não se pode defini-la como norma puramente processual, mas como norma processual com conteúdo material ou norma mista [18].
Por outro lado, as razões que terão levado o legislador a incluir o crime de injúria através do telefone no catálogo do art.º 187.º, do CPP podem intuir-se a partir do alinhamento deste crime com os demais que, com ele, integram a al e) do n.º 1, do referido artigo.
Trata-se de crimes que, se cometidos através do telefone, causam uma perturbação directa – e que pode ser muito violenta – na vida da vítima, contra a qual será praticamente impossível reagir sem uma intervenção, também directa, nas comunicações.
Já não é totalmente assim com o crime de difamação, que é cometido perante terceiros e que, mesmo se cometido pelo telefone, supõe meios de investigação que podem ser muito diferentes. E que á não suscita a necessidade de quebra do sigilo das comunicações, nem pela sua gravidade objectiva, nem pela gravidade das repercussões do seu meio típico de execução sobre a vida dos ofendidos.
Compreende-se muito melhor que, quando A usa o telefone para insultar B, se postergue o sigilo das comunicações, para protecção de B, do que o mesmo suceda quando A comunica com C, para falar sobre B, imputado factos a este ou formulando sobre o mesmo juízos ofensivos da sua honra e consideração.
Paulo Pinto de Albuquerque expressa a opinião de que o catálogo legal do art.º 187.º não pode ser aplicado analogicamente ao crime de difamação sob pena de fraude à lei [19].
Porém, do nosso ponto de vista, os crimes cometidos em blogues configuram uma situação especial, relativamente à qual não há qualquer justificação para estetender a protecção devida à intimidade da vida privada.
Isto porque, como é óbvio, a essência da comunicação, que consiste no seu conteúdo, neste caso, é pública. Os blogues destinam-se ao público em geral e, dentro das regras definidas pelo administrador, aceitam a intervenção de quem queira neles intervir. Nessa medida assemelham-se muito a meios de comunicação de massa, posto que interactivos.
Assim sendo, não faz qualquer sentido proteger os blogues, com as mesmas regras que visam assegurar o sigilo das comunicações. Hà, se se quiser vê-lo, uma hierarquia nos dados da comunicação. Onde mais se centra a privacidade é naquilo que é comunicado, na comunicação em si mesma. Os dados de conteúdo são o âmago da comunicação. Sendo estes dados voluntariamente públicos, não faz sentido proteger os restantes com as regras do sigilo das comunicações. A não ser que se aceite a criação, através do anonimato, da desresponsabilização de quem comunica, do que comunica, estatuto de que, aliás, os proóprios media não gozam, nem podem gozar.
Com o sentido, ao que cremos, do que acabamos de afirmar, o art.º 2.º da L 41/2004 dispõe, nos n.os 1, al. a), e 2 do seu art.º 2.º:
«Artigo 2.º
«Definições.
«1 – Para efeitos da presente lei, enende-se por:
«a) «comunicação elctrónica» qualquer informação trocada ou enviada entre um número finito de partes mediante a utilização de um serviço de comunicações electrónicas acessível ao público:
«(…)
«2 – São excluídas da alínea a) do n.º anterior as informações enviadas no âmbito de um serviço de difusão ao público em geral, através de uma rede de comunicações electrónicas, que não possam ser relacionadas com o asinante de um serviço de comunicações electrónicas ou com qualquer utilizador identificável que receba a informação.»
Pode querer ver-se nesta disposição uma excepção dirigida apenas aos serviços de informação dos media. Mas, nesse caso, a disposição seria inútil, porque o estatuto da imprensa é regulado em leis especiais.
Do que não há dúvida é de que os “blogues” servem para difusão e troca de informação, na mais ampla acepção desta palavra, e que tais “informações” se destinam ao “público em geral” não podendo ser relacionadas com qualquer utilizador identificável que receba a informação.
Assim sendo e pelo motivos já acima brevemente referidos, as comunicações feitas em “blogues”, logo, os “blogues” eles mesmos, não podem ser tidos como comunicações electrónicas, no sentido jurídico de comunicações que estão abrangidas pela protecção de dados pessoais e da privacidade, no sector das comunicações electrónicas.
Sendo-lhes aplicáveis, em casos de investigações criminal, as normas gerais que regulam a identificações dos autores de actos penalmente puníveis.
Diga-se ainda, em abono de uma realidade em geral saudável, que, segundo cremos, a maioria dos blogues apresentam os seus autores perfeitamente identificados ou, mesmo quando sob pseudónimo, facilmente identificáveis. Daí que a ideia da protecção do sigilo da identidade dos autores ou dos, por qualquer forma, responsáveis pelo conteúdo dos “blogues”, nem sequer corresponda a um interesse geral e menos ainda a um interesse geral definido e merecedor de tutela.
Por todo o exposto, não se verifica a arguida nulidade.
No caso dos presentes autos os dados de base e de tráfego foram solicitados, às operadoras, pelo JIC.
– Argui o recorrente a nulidade pretensamente decorrente de as informações das operadoras de telecomunicações terem sido solicitadas pela PJ ou MP, sem a prévia autorização do Juiz de instrução.
De acordo como que acima expusemos, poderiam tê-lo sido sem que se incorresse em qualquer nulidade, uma vez que, em nosso entender, os dados relativos aos “blogues” não estão cobertos pelo sigilo das comunicações, cabendo, em inquérito, as diligências de averiguação correspondentes ao MP, no âmbito do disposto no art.º 267.º do CPP.
Porém, o certo é que não o foram. Os pedidos das informações em causa foram ordenados por sucessivos despachos do JI, quer em fase de inquérito, quer sobretudo, em fase de instrução; Assim, cfr. fls. 423, fls. 544, fls. 852, 867, 930 e 941. Os pedidos de Informações à Google, Telapac PT, TV Cabo e Novis, foram ordenados pelo JI e por ele subscritos e a junção aos autos da informação prestada pela Microsoft, foi, também, ordenada pelo JI após diligência também por ele ordenada. De todas estas diligências foi, aliás dado oportuno conhecimento ao ora recorrente (cfr. fls. 089).
Em conclusão, não se verifica a nulidade arguida.
– Quanto à invocada nulidade por não terem sido cumpridas, na fase de inquérito, relativamente às mesmas informações das operadoras de telecomunicações, as formalidades dos artigos 187.º e 189.º, não se verifica a mesma, como decorre da fundamentação supra. Se assim não fosse, também não seria caso de seguir as indicadas formalidades, por não se tratar, na realidade, de interceptar e gravar comunicações – o que importaria a obtenção da dados de conteúdo –, mas apenas de solicitar às entidades que prestam os serviços de comunicações as informações, já em seu poder, sobre dados de base e de tráfego. A intervenção do JI teria de ser sempre acomodada à realidade em presença.
– Finalmente, a alegada nulidade consequente às iniciativas ex-officio do JI.
Não existe tal nulidade. As “iniciativas” do JI inscreveram-se no âmbito do objecto da instrução definido no correspondente requerimento de abertura.
Dispõem os art.os 288.º, n.os 1 e 3 e 289.º, n.º 1, 291.º, n.º 1 e 292.º, n.º 1, do CPP, na parte que interessa a esta questão:
A direcção da instrução compete a um juiz de instrução. O Juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução, tendo em conta a indicação constante do requerimento de abertura de instrução a que se refere o n.º 2 do art.º 287.º, a saber: as razões de facto e de direito da discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leva a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados num inquérito e os factos que, através de uns e de outros, se espera provar.
O juiz pratica todos os actos necessários à realização das finalidades na instrução que são a comprovação judicial de decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Os actos de instrução efectuam-se pela ordem que o juiz reputar mais conveniente para o apuramento verdade. O juiz indefere os actos requeridos que entenda não interessarem à instrução ou servirem para protelar o andamento processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considerar úteis. São admissíveis na instrução todas as provas que não forem proibidas por lei.
Da leitura dos preceitos acabados de extractar se conclui que o Ex.mo juiz da instrução ora em causa actuou na mesma em estrita obediência aos mesmos, não se verificando, nas diligências que entendeu realizar ou mandar realizar qualquer ilegalidade.
A pretensão do recorrente radica numa concepção duelística do processo, em que ao juiz estaria reservado o papel de mero executor das disposições das partes, quando não é, manifestamente, essa a função que lhe comete o nosso ordenamento processual penal.
Dito isto e quanto à invocada ofensa ao art.º 32.º da CRP, não vislumbramos em que pudesse consistir.
Improcedem, assim, na totalidade as nulidades invocadas.
2.3. Dos, assim chamados, vícios:
Pretende o recorrente que se verificam, na decisão recorrida, o que ele designa como “vícios” e qualifica como “falta de fundamentação”, “apreciação errónea da prova” e de “determinação da norma aplicável”.
Não entendemos bem o que entende o recorrente por falta de fundamentação. A peça em crise está intensamente fundamentada, nos planos dos factos e do direito. Cumpre lembrar que a decisão em causa está sujeita ao dever geral de fundamentação dos actos decisórios, previsto no art.º 97.º, n.º 5, do CPP que dispõe que “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. Mas mesmo que lhe fosse aplicável qualquer norma que estabelecesse requisitos mais específicos de fundamentação, estamos seguros de que, face à fundamentação dela constante, lhes daria cumprimento.
A pretendida apreciação errónea da prova, a existir, não constituiria um vício, mas teria de se inscrever na apreciação sobre a existência ou não de indícios, levando a uma decisão sobre o mérito da instrução. Adiante diremos o que entendemos sobre tal ponto.
Quanto à “errada determinação da norma aplicável”, já, supra, tomamos posição sobre a qualificação jurídica dos factos constantes da pronúncia, pelo que não nos cumpre voltar a esse assunto.
2.4. Dos indícios.
O recorrente pretende que não há suficientes indícios da prática de crime, ou porque as provas existentes não podem ser utilizadas ou porque, podendo-o, não há indícios suficientes da prática dos factos ou, ainda, porque, havendo-os, os factos não excedem a manifestação do direito constitucional de liberdade de expressão e, como tal não são puníveis.
Não podemos concordar com a sua visão das coisas.
Independentemente dos motivos que possam ter estado na base da forma como o blogue aqui em causa se desenvolveu, sejam eles motivos puramente pessoais, de combate político ou de combate de ideias, o certo é que, no nosso modo de ver, foram ultrapassados os limites de uma actuação cívica legitimada com o direito à liberdade de expressão.
Sendo difícil, por vezes, sobretudo na luta política, definir onde se situam exactamente esses limites, o certo é que ninguém defende que a liberdade de expressão possa acobertar a prática de crimes, nomeadamente de crimes contra a honra, que são os que recorrentemente vêm à colação, quando o tema é o da luta em causa.
Não nos impressiona tanto a depreciação da imagem do ofendido através das manifestações de escárnio, quer por palavras quer por imagens. O julgamento será o momento e lugar adequado a que se defina com precisão se tais manifestações são bastantes para ofender a honra ou se elas enquadram numa tradição socio cultural e política que as possa justificar. Seja como for a gravidade e persistência dessas manifestações justifica inegavelmente que se proceda a julgamento. Seria injusto não deixar essa discussão chegar às suas últimas consequências.
Já nos impressiona mais a persistente insinuação de corrupção dirigida contra o ofendido. Não se trata, em nossa opinião, de afirmações gerais e de alvo indefinido, ao contrário do que pretende o recorrente. Qualquer leitor de média capacidade de entendimento percebe, sem duvidar, que é ao ofendido – presidente da câmara, figura pública, como tal imediatamente identificável – que elas se referem. Aliás, atacar a pessoa do presidente da câmara parece ser o leit motif do blogue. E quanto ao seu teor, apesar da sorna com que são feitas, atingem um nível de concretização suficiente para sujar idelevelmente a reputação de qualquer um: realização de contratos de favor, para enriquecimento fraudulento; desvio de capitais para conta de terceiro, o que suscita de imediato a ideia de branqueamento ou dissimulação de capitais obtidos de forma ilícita; e por aí…
Em nossa opinião, sempre necessariamente perfunctória, tais juízos e imputações, a provarem-se, constituirão o recorrente como autor do crime que lhe é imputado
Não pode ter lugar, aqui, a análise, ponto a ponto da decisão instrutória de pronúncia. No entanto podemos afirmar que concordamos com o modo como interpreta os factos e, nessa medida a damos aqui por reproduzida, na sua fundamentação.
III.
Atento todo o exposto,
Acordamos em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão de pronúncia do arguido recorrente, B…, mas pela autoria de um crime de difamação, com publicidade e calúnia, agravado, p. e p. pelos art.os 180.º, n.º 1, 183.º, n. 1, al. a) e 184.º, todos do Código Penal.

Condena-se o recorrente no pagamento de 6 UC de taxa de justiça.

Porto, 2012/05/09
Manuel Ricardo Pinto da Costa e Silva
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
__________________
[1] Cfr. José de Faria Costa, Comentário Conimbricense Do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pp. 641/642.
[2] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª Edição Actualizada , Universidade Católica Editora, [Lisboa 2010], p. 577/578.
[3] Cfr. quanto à distinção entre crimes instantâneos e duradouros. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 296; Cfr., ainda, quanto aos crimes ditos “de estado” Claus Roxin, “Derecho Penal, Parte General, Tomo I”, Civitas, Madrid 1997 (original Strafrecht, Allgemeiner Teil, Band (…) München, 1994), p. 329.
[4] Assim, Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal; Notas e Comentários, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2011, p. 317.
[5] Ibidem, p. 863.
[6] A saber: http://F....wordpress.com/ e http://AI....blogspot.com/
[7] É o seguinte o teor dos artigos 27.º da Lei n.º5/2004 de 10 de Fevereiro e 4.º da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto:
Artigo 27.º da Lei n.º 5/2004 de 10 de Fevereiro
Artigo 27.º
Condições gerais
1 — Sem prejuízo de outras condições previstas na lei geral, as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas apenas podem estar sujeitas na sua actividade às seguintes condições:
a) Interoperabilidade dos serviços e interligação das redes;
b) Obrigações de acesso que não incluam as condições específicas previstas no artigo 28.º, podendo incluir, entre outras, regras relativas às restrições da oferta;
c) Manutenção da integridade das redes públicas, nomeadamente mediante condições que impeçam a interferência electromagnética entre redes e ou serviços de comunicações electrónicas, nos termos dos Decretos-Leis n.os 74/92, de 29 de Abril, e 98/95, de 17 de Maio, e respectivas medidas regulamentares;
d) Condições de utilização durante grandes catástrofes, para garantir as comunicações entre os serviços de emergência e as autoridades, bem como as emissões para o público;
e) Segurança das redes públicas contra o acesso não autorizado nos termos da legislação aplicável à protecção de dados pessoais e da privacidade no domínio das comunicações electrónicas;
f) Requisitos de protecção do ambiente ou de ordenamento urbano e territorial, assim como requisitos e condições associados à concessão de acesso a terrenos públicos ou privados e condições associadas à partilha de locais e recursos, incluindo, sempre que apropriado, todas as garantias financeiras e técnicas necessárias para assegurar a correcta execução dos trabalhos de infra-estrutura;
g) Protecção dos dados pessoais e da privacidade no domínio específico das comunicações electrónicas, em conformidade com a legislação aplicável à protecção de dados pessoais e da privacidade;
h) Condições de utilização das frequências, nos termos do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de Julho, sempre que essa utilização não esteja sujeita a atribuição de direitos individuais de utilização, nos termos do artigo 16.º;
i) Acessibilidade dos números do plano nacional de numeração para os utilizadores finais incluindo condições, em conformidade com a presente lei;
j) Regras de protecção dos consumidores específicas do sector das comunicações electrónicas, incluindo condições em conformidade com a presente lei;
l) Medidas relativas à limitação da exposição da população aos campos electromagnéticos criados pelas redes de comunicações electrónicas, de acordo com a legislação aplicável;
m) Medidas destinadas a garantir a conformidade com as normas e ou especificações constantes do artigo 29.º;
n) Instalação, a expensas próprias, e disponibilização de sistemas de intercepção legal às autoridades nacionais competentes bem como fornecimento dos meios de desencriptação ou decifração sempre que ofereçam essas facilidades, em conformidade com a legislação aplicável à protecção de dados pessoais e da privacidade no domínio das comunicações electrónicas;
o) Obrigação de transporte, em conformidade com o artigo 43.º;
p) Restrições respeitantes à transmissão de conteúdos ilegais, em conformidade com a legislação que transponha a Directiva n.º 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho, e à transmissão de conteúdos lesivos, em conformidade com a Lei n.o 38-A/98, de 14 de Julho;
q) Contribuições financeiras para o financiamento do serviço universal, em conformidade com os artigos 95.º a 97.º;
r) Taxas, em conformidade com o artigo 105.º;
s) Informações a fornecer nos termos do procedimento de comunicação previsto no artigo 21.º e para os fins previstos no artigo 109.º
2 — Compete à ARN especificar, de entre as referidas no número anterior, as condições aplicáveis às redes e serviços de comunicações electrónicas, podendo para o efeito identificar categorias.
3 — As condições a definir pela ARN nos termos do número anterior devem ser objectivamente justificadas em relação à rede ou serviço em causa, nomeadamente quanto à sua acessibilidade ao público, não discriminatórias, proporcionadas e transparentes.
4 — Para efeitos do n.o 2 do presente artigo, deve ser solicitado parecer prévio obrigatório aos reguladores sectoriais, nas matérias da sua competência, a emitir no prazo máximo de 15 dias.
* * *
Artigo 4.º da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto:
Artigo 4.º
Inviolabilidade das comunicações electrónicas
1– As empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações electrónicas devem garantir a inviolabilidade das comunicações e respectivos dados de tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.
2 – É proibida a escuta, a instalação de dispositivos de escuta, o armazenamento ou outros meios de intercepção ou vigilância de comunicações e dos respectivos dados de tráfego por terceiros sem o consentimento prévio e expresso dos utilizadores, com excepção dos casos previstos na lei.
3 – O tratamento referido no número anterior apenas é lícito até final do período durante o qual a factura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado.
4 – As empresas que oferecem serviços de comunicações eletrónicas podem tratar os dados referidos no n.º 1 na medida e pelo tempo necessários à comercialização de serviços de comunicações electrónicas ou ao fornecimento de serviços de valor acrescentado desde que o assinante ou o utilizador a quem os dados digam respeito tenha para tanto dado o seu prévio consentimento, o qual pode ser retirado a qualquer momento.
5 – Nos casos previstos no n.o 2 e, antes de ser obtido o consentimento dos assinantes ou utilizadores, nos casos previstos no n.o 4, as empresas que oferecem serviços de comunicações electrónicas devem fornecer-lhes informações exactas e completas sobre o tipo de dados que são tratados, os fins e a duração desse tratamento, bem como sobre a sua eventual disponibilização a terceiros para efeitos da prestação de serviços de valor acrescentado.
6– O tratamento dos dados de tráfego deve ser limitado aos trabalhadores e colaboradores das empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público encarregados da facturação ou da gestão do tráfego, das informações a clientes, da detecção de fraudes, da comercialização dos serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, ou da prestação de serviços de valor acrescentado, restringindo-se ao necessário para efeitos das referidas actividades.
7 – O disposto nos números anteriores não prejudica o direito de os tribunais e as demais autoridades competentes obterem informações relativas aos dados de tráfego, nos termos da legislação aplicável, com vista à resolução de litígios, em especial daqueles relativos a interligações ou à facturação.
[8] Contra, o Acórdão da Relação de Guimarães de 2005/’1/10, processo n.º 2013/04-1, relator Francisco Marcolino, consultável em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/, com as seguintes proposições I e III, da nota de síntese publicada no local indicado:
«I - I – A distinção entre dados de tráfego das comunicações e o seu conteúdo é, hoje em dia irrelevante, já que a Lei 41/2004, de 18 de Agosto, equipara os dados de tráfego aos dados de conteúdo para efeitos de garantia da inviolabilidade das comunicações.
(…)
III – Ora havendo a aludida equiparação legal, não faz sentido, em nosso modesto entendimento, fazer-se a distinção que a Jurisprudência fazia entre dados de base, de tráfego e de conteúdo, pois que tudo se trata de comunicações, a merecer o mesmo tratamento jurídico, uma vez que ao solicitar-se a facturação detalhada de um determinado telefone está-se a por em causa a privacidade dos utilizadores de chamadas, os quais podem nada ter a ver com o arguido.
IV – Reza a alínea c) do n.° 1 do art.° 269° do CPP que, durante o inquérito, compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a intercepção, gravação ou registo de conversações ou comunicações, nos termos dos artigos 187.° e 190.°, ou seja, desde que legalmente admissíveis.»
[9] Cfr. conclusões 3.ª e 1.ª do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República (PGR) n.º 21/2000, de 2000/06/16, publicado no D. R., II Série, n.º 198/2000, de 28 de Agosto, págs. 14145 e ss.
[10] Idem, conclusão 2.ª
[11] Conforme recorrentemente enunciada, com variações menores, pela jurisprudência, a partir, pelo menos, do Parecer da PGR n.º 16/94/complementar, de 2 de Maio de 1996 publicado em Pareceres da PGR, Vol. VI, pág. 535
[12] Cfr. o Parecer do Conselho Consultivo da PGA de 2009/05/07, pub no DR., II Série, n.º 192/2009, de 2 de Outubro, págs. 40144 e ss., consultável em http./dgsi.pt/pgrp.nsf/, n.º convencional PGRP00003023; Parecer P00079208; n.º do documento PPA070552009007900.
[13] Ibidem
[14] Ainda que, na materialidade das diligências levadas a cabo não se trate de verdadeiras “intercepções de dados” uma vez que tais dados existem em poder das companhias que prestam os serviços, por força dessa mesma prestação e independentemente de qualquer intercepção das comunicações propriamente ditas.
[15] Consultável em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/
[16] Ambos consultáveis em http://www.dgsi.pt/
[17] Consultável em http://www.dgsi.pt//jtrl.nsf/
[18] Cfr. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, O Processo Penal em Face da Constituição, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 137.
[19] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª Edição Actualizada, Universidade Católica Editora, [Lisboa 2011], pág. 525.