Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2182/14.5TBVFR-U.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE MARTINS RIBEIRO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA OU JOVEM
DIREITO DE PARTICIPAÇÃO PROCESSUAL E DE AUDIÇÃO
Nº do Documento: RP202402192182/14.5TBVFR-U.P1
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Em conformidade aos instrumentos legais supranacionais relativos ao Direito das Crianças, ratificados por Portugal, está legalmente consagrado nos artigos 4.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (R.G.P.T.C.) e 4.º, n.º 1, al. a), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (L.P.C.J.P.) que o principal critério que orienta as decisões judiciais relativas a uma criança ou jovem é a prossecução do seu superior interesse – aferível sempre concretamente em função das circunstâncias de cada caso.
II – As crianças têm o direito a serem felizes e a conviverem prazerosamente com ambos os progenitores, bem como a serem poupadas à judicialização das suas vidas e aos conflitos entre eles e demais familiares.
III – As crianças têm o direito de participação processual e a serem ouvidas, expressando as suas opiniões, nos termos legalmente consagrados (incluindo no art.º 4.º, n.º 1, al. c), e no art.º 5.º do R.G.P.T.C., bem como do art.º 4.º, al. j), da L.P.C.J.P., devendo ser-lhes explicado o objetivo da audição e fazer-lhes ver que não têm a responsabilidade de decidir ou de escolher um dos progenitores.
IV – Consequente e logicamente, as crianças e os jovens não têm o poder de decidir o processo e não têm um direito de veto à decisão que o tribunal considere ser a mais adequada à prossecução do seu superior interesse (sem prejuízo de o juízo de valor decisório do tribunal vir a ser idêntico à opinião da criança ou jovem).
V – É contraproducente estabelecer um regime de convívio pré-definido entre o adolescente e o pai, tendo aquele 15 anos e meio e exposto ao longo de anos a múltiplos incidentes (do ponto de vista processual e material, ou seja, do que deveria ter sido uma infância poupada a uma judicialização da sua vida) sendo mais adequado um regime de convívio livre que possibilite a ambos, na medida do que forem capazes, refletirem no que não está bem e, se possível, restaurarem o relacionamento paterno-filial (cabendo os esforços para tal, a evolução da dinâmica relacional, em maior proporção ao adulto).
VI – Não obstante a igualdade de ambos os progenitores perante os filhos, tutelada constitucionalmente nos artigos 1.º, 13.º, 26., n.º 1, in fine, e 36.º da Constituição, como é evidente e resulta da natureza das coisas, o Direito e os Tribunais são incapazes de substituírem as pessoas nas suas interações, o que é patente no caso das relações familiares, do Direito de Família e de Crianças – este regido, entre outros, pela prossecução do seu superior interesse e que, por isso, não pode ser preterido perante uma atitude parental pautada, ao longo de anos, pela obstinação processual em vez de alteração do próprio comportamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º 2182/14.5TBVFR-U.P1

SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do C.P.C.):
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Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relator: Jorge Martins Ribeiro;
1.ª Adjunta: Teresa Fonseca e
2.ª Adjunta: Fátima Andrade.
ACÓRDÃO

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais, no atinente ao convívio paterno-filial, são progenitores AA (titular do N.I.F. ..., com domicílio profissional em Av. ..., ..., sala ..., ... Esmoriz, e BB (titular do N.I.F. ..., residente em ..., ..., 3.º Direito, ..., Santa Maria da Feira, sendo criança CC, nascido aos ../.../2008.
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Procedemos agora a uma síntese do processado, e factual, destinada a facilitar a compreensão do objeto do presente recurso([1]), sem prejuízo de darmos por reproduzido o exato teor dos itens que referiremos.
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A) Entre todos os demais que correram termos (este é o apenso U), o apenso E reporta-se a um processo de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo, tendo sido aberto por sinalização, de março de 2015, do I.N.M.L.C.F. à C.P.C.J., por o jovem CC ter estado exposto a agressões perpetradas pelo progenitor sobre o irmão mais velho, DD (que, no decurso dos autos, atingiu a maioridade e não pretendeu a continuação destes) e a situações de violência doméstica entre os progenitores.
Tais autos (nos quais foi também decidido o apenso C relativamente ao filho DD, bem como o apenso D, relativo à regulação do exercício das responsabilidades parentais atinentes ao filho CC) terminaram por acórdão proferido aos 08/01/2018, depois de realizado o debate judicial do Apenso E, tendo, no a este respeitante, sido decidido a cessação da medida de apoio junto dos pais, a executar na mãe, que tinha sido aplicada a título provisório, e o arquivamento dos autos por ser desnecessária a continuação da intervenção.
Esse apenso E está com visto em correição desde 20/03/2018.
B) No apenso 11 (por incorporação do apenso Q, além doutros), entre o mais, fundando a sua pretensão em incumprimento do regime de convívio de férias de verão (emergente da regulação atrás referida, no apenso D) o requerente pretendia a entrega judicial da criança CC e que ao processo fosse atribuída a natureza urgente, o que foi indeferido e posteriormente confirmado por acórdão desta Relação datado de 24/11/2022.
C) Ao longo de diferentes apensos é relatada a posição da criança: em suma, diz que a mãe lhe diz para estar com o pai, que não quer um regime de convívio pré-determinado mas estar com o pai quando lhe apetecer, manifestando desagrado com a atitude continuada de o pai estar sempre a falar mal da mãe, de passar muito tempo sozinho quando ia ao pai e de ele ser ríspido, dando como exemplo que “não” é “não” sem mais explicar.
D) Os incidentes (e apensos) sucedem-se ininterruptamente ao longo dos anos (como a consulta do histórico de processos relacionados comprova) mantendo-se, no fundo, a questão de o regime de convívio não estar a ser cumprido por o jovem CC manifestar, reiteradamente, que não quer estar com o pai, explicando os seus motivos, como referido.
E) Tendo o jovem CC nascido aos ../.../2008 tem, neste momento, cerca de 15 anos e meio.
F) Como resulta desta sinopse e dos factos provados n.º 14 a 18, 64 a 66 e 69 a 72 já no apenso E atrás referido (sendo o acórdão, transitado em julgado, datado já de 08/01/2018) o jovem tem passado a infância envolvido numa incessante disputa judicial.
G) No acórdão atrás referido em F), os factos provados que enquadram a situação (quanto à dinâmica relacional, disfuncional, por um lado, e quanto às avaliações de capacidades parentais e psiquiátricas efetuadas aos progenitores, por outro), entre outros, são do seguinte teor([2]):
14. O relacionamento entre os progenitores após 2003 foi pautado por conflitos e agressões físicas, com exposição até direta do filho DD, conflitos e agressões que persistiram após a separação do casal, pelo menos até Janeiro de 2014, data em que ocorreu um episódio no local de trabalho de ambos, que culminou com a intervenção dos OPC´s e que deu origem ao inquérito-crime 11/14.9GAVNG.
15. Nesse mesmo inquérito em 04.03.2014 foi proferido despacho de indiciação do requerido por crime de violência doméstica e aplicação de medida de coação de proibição de contactar com a requerida e de frequentar ou permanecer na residência da mesma (fls. 209 a 212 do apenso D).
16. A requerida beneficiou de teleassistência.
17. Em 23.01.2015 o requerido foi acusado pelo crime de violência doméstica, tendo vindo a ser julgado e condenado por sentença datada de 15.07.2015, transitada em julgado em 17.08.2015, por crime de violência doméstica, em pena de prisão de 3 anos, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de submissão a regime de prova e a afastamento do contacto com a ofendida, com exceção do estritamente necessário ao exercício comum das responsabilidades parentais dos filhos.
Em tal sentença deu-se como provado que:
. A relação conjugal foi pautada por discussões, o requerido apelidava  a requerida de puta e vaca, ameaçou-a de morte, com exibição de faca, agredia-a com murros, pontapés, empurrões, puxões de cabelo, calcadelas, arremesso de objetos, muitas vezes na presença do filho DD.
. No dia 06.01.2014 apelidou-a de puta, vaca, escroque, porca, cuspiu-lhe na cara, anunciou que a mataria, projetou uma cadeira contra a ofendida, desferiu murros e pontapés, empurrou a ofendida, prostrando-a no chão, colocou um pé na face esquerda da mesma, fazendo pressão, colocou as mãos no pescoço da ofendida e apertou como se quisesse estrangulá-la, bateu no corpo da ofendida com um cinto até o mesmo se partir.
. Seguiram-se outros episódios de ameaças, inclusive de morte.
(fls. 265 a 269 e 488 a 498 do apenso D).
18. A comunicação entre os requeridos a partir de Janeiro de 2014 passou a ser quase nula, salvo algumas mensagens e/ou mails enviados pelo requerido, embora o progenitor aluda a uma melhoria dessa comunicação nos últimos meses, mantendo-se, no entanto, latente uma forte conflituosidade.
[64]. Foi proposto aos progenitores serem alvo de terapia familiar, a realizar pelo CAFAP, o progenitor rejeitou colaborar por entender que é «um pai quase perfeito» (sic), sem necessidade de melhorar o exercício das responsabilidades parentais, tendo-se mostrado, no entanto, disponível para realizar mediação.
65. A progenitora foi alvo de intervenção pelo CAFAP entre Janeiro e Outubro de 2017, tendo o CAFAP dado por cumprida e finda tal intervenção (relatório de fls. 301 a 303 do apenso E).
66. A requerida sempre considerou o requerido como um pai interessado, com forte vinculação aos filhos e vice-versa, tendo mantido uma postura de promoção dos contactos dos menores com o pai, permitindo que os mesmos ocorressem para além do que estava estipulado.
[69]. Realizada avaliação às capacidades parentais da progenitora, resulta do respetivo relatório pericial que a mesma não revela presença de psicoterapia e/ou padrões comportamentais indicadores de disfuncionalidade que sugiram incapacidade…. deu mostras de estar emocionalmente ligada às crianças, de estar motivada, interessada e disponível para o exercício das responsabilidades parentais … capacidade de gestão e de organização da vida doméstica e familiar… (fls. 272 a 279 do apenso D).
70. Realizada avaliação psiquiátrica da progenitora, resulta do respetivo relatório pericial que a mesma não apresenta sintomas de padecer de doença psiquiátrica descompensada ou psicopatologia aguda que interfiram nas suas capacidades parentais (fls. 465 a 667 do apenso D).
71. Realizada avaliação às capacidades parentais do progenitor, resulta do respetivo relatório pericial que o mesmo não colaborou no âmbito da realização da perícia, o que condicionou a recolha de dados clínicos.
Não obstante, revelou-se egocêntrico, superior, impulsivo, reativo, excessivamente sensível perante críticas ou desaprovações, com elevada confiança interpessoal. Adotou um discurso excessivamente impressionável e deficiente em detalhes. Demonstrou um humor disfórico, com modelação afetiva inadequada, instabilidade psicoemocional, incapacidade de gerir e integrar de forma adaptativa o fim do relacionamento conjugal, incapacidade de separar o subsistema conjugal do subsistema parental, responsabilização unilateral da progenitora de todos os problemas vivenciados, estando demasiado centrado na mesma.
No decurso das sessões com vista à realização da referida avaliação o requerido verbalizou, no que para aqui particularmente importa: Em 2003 ela teve um caso extraconjugal com um do cartório…ela é uma mentirosa compulsiva…deixei um gravador que era ativado por voz e ouvi os telefonemas entre eles…a partir de setembro de 2011…iniciou relacionamento com um formando…apanhei-a em Gondomar com ele…ela é uma vadia…basta ir à página do facebook para perceber que ela não é em condições…em Agosto de 2014 fui com os meus filhos a Cabo Verde…quando cheguei soube que a mãe foi de viagem atrás de um indivíduo que conheceu na internet…para Marrocos…que tipo de mulher faz isto…corrupção moral total…quero que ela se meta debaixo do comboio o mais rapidamente possível…é uma vadia, ninguém sabe onde ela anda…se ela morresse os meus filhos iam viver comigo e iam ter um futuro garantido…o DD é assim porque ele moldou a personalidade desde os 5 anos de idade, com as neuroses da mãe, etc… (fls. 280 a 287 do apenso D).
72. Realizada avaliação psiquiátrica do progenitor, resulta do respetivo relatório pericial que o mesmo não revela evidência de doença psiquiátrica, porém é possível detetar alguns traços disfuncionais da personalidade, que se traduzem por impulsividade acentuada, instabilidade afetiva, bom desempenho intelectual e boa capacidade de argumentação e persuasão, não se evidencia nenhuma circunstância que lhe prejudique o exercício responsável das competências parentais (fls. 462 a 664 do apenso D)([3]).
H) No dia 28/10/2022 o requerente interpôs os presentes autos de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, formulando o seguinte pedido:
25. Perseguindo este objectivo, vem o requerente requerer com caráter de urgência, um regime a título provisório de visitas/convívios, na pendência dos dois recursos intentados junto do Venerando Tribunal da Relação do Porto e em consequência do arestos deles resultantes ou de posterior alteração ao regime doutamente fixado, que venha a ser intentada por qualquer das partes.
26. Como requer que, tendo-se extinguida a medida de coação de afastamento do requerente em relação à progenitora inadimplente e que, ao contrário do que esta diz, não existe qualquer outra medida de afastamento em nenhum outro processo que o impeça, as conduções do menor para efeitos de visitas/convívios, voltem de novo a ser feitas pelo requerente, como, aliás, resulta do regime doutamente fixado ab initio e que por aquela razão tem e deve ser represtinado.
27. Pois a não ser fixado um regime provisório de visitas/convívios e condução do menor do menor com e pelo requerente como ora se requer, seguramente que o regime doutamente fixado ab initio continuará a ser incumprido”.
Para tal, e em suma, alegou que:
3. No pretérito dia 06.09.2022, realizou-se uma conferência de progenitores no âmbito dos incidentes de incumprimento ao regime de visitas/convívios, apensados e numerados de 4 a 10, na qual estiveram presentes ambos os progenitores e o sobredito menor, ali chamado para tomada de declarações.
4. Tal conferência foi convocada por este douto tribunal com uma única finalidade: aferir se a situação dos reiterados e sucessivos incumprimentos ao referido regime de visitas/convívios estabelecido, se deveram e devem a conduta culposa/censurável pela progenitora remissa requerida.
5. Concluindo este douto tribunal que não!
6. É o que respalda da douta sentença proferida no Apenso 4 dos autos e que parcialmente se transcreve: “(....) não podendo ser assacado à progenitora um efetivo juízo de censura na não concretização do regime de convívios “.
7. Douta decisão da qual discorda o requerente, razão pela qual dela recorreu para o Tribunal Superior que doutamente apreciará as razões de facto e de direito que consubstanciam esse recurso e doutamente decidirá.
É QUE:
8. Resultou evidente para o douto tribunal (que não para o requerente) e como tal concluiu pela declarações do menor CC e pela conhecida posição da progenitora remissa requerida, quer em sede de alegações nos citados vários incidentes de incumprimento, quer na própria conferência que, por um lado, esses incumprimentos resultaram da exclusiva vontade do menor em não querer cumprir esse regime e, por outro lado, que esse regime, por exclusiva vontade daquele, passaria a regime livre, i.é., o menor só visitará/conviverá com o progenitor requerente quando quiser e muito bem lhe apetecer e ISTO É INTOLERÁVEL sob qualquer ponto de vista seja ele social, seja jurídico ou outro.
9. Implicitamente, aceitou e aceita o douto tribunal que seja o menor a alterar um regime doutamente fixado pelo tribunal que, então, seguramente, decidiu como decidiu, prolatando um decisão motivada, segura e exclusivamente, pelos seus superiores interesses.
23. Que, finalmente, o menor não visita/convive regularmente com o requerente e com o seu irmão primogénito com quem aquele vive, há mais de 6 meses.
24. E não se acredita que este doutro tribunal ou qualquer outro prossiga os superiores interesses da criança permitindo o afastamento entre jovens irmãos consanguíneos que cresceram juntos (para nem falar do requerente), sem razões minimamente atendíveis e compreensíveis que o justifique”.
Ou seja, invoca que o anterior regime de convívio fixado no apenso D, aos 08/01/2018, foi alterado (na sequência de múltiplos incidentes de incumprimento interpostos pelo requerente) na conferência de pais de 06/09/2022 (passando a vigorar um regime livre de convívio entre o adolescente e o pai), sendo que está sem estar com o filho desde abril de 2022, pedindo por isso que seja fixado um (outro) regime que passe por dias, períodos de tempo concretos e condução do menor – o qual não pode alterar por sua vontade o regime anterior.
I) Os autos prosseguiram os seus termos, detalhados no relatório da sentença em recurso (de 16/11/2023).
J) No dia 27/02/2023 as partes foram notificadas do relatório de acompanhamento psicológico (efetuado pela Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados - Técnica Superior de Saúde - Psicologia Clínica Agrupamento de Centros de Saúde de Entre Douro e Vouga I - Feira/Arouca) do jovem CC, entretanto junto ao apenso 12.
Entre o mais, de tal relatório consta:
Em suma, o CC perceciona a figura parental como instável, estabelecendo com ele uma vinculação insegura, o que contribui para a sua resistência em estar com o pai. A figura materna é percecionada como estável e securizante. Mais se informa que quando questionado sobre a audição em tribunal o CC verbalizou querer ter em relação ao pai um regime de visitas livre”.
K) Aos 16/11/2023 foi proferida a sentença recorrida, cujo dispositivo transcrevemos:
- A) Absolver a requerida BB dos pedidos de condenação em multa e indemnização formulados nos incidentes de incumprimentos n.º12 a 24;
- B) Não decretar as medidas requeridas pelo progenitor/requerente com vista ao cumprimento coercivo de convívios do CC com o progenitor, por tal ser contrário ao superior interesse do jovem;
- C) Alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais referente ao CC no que diz respeito aos convívios com o progenitor (alínea b) do regime) nos seguintes termos ([4]):
- O [progenitor] estará com o filho CC sempre que o desejar, desde que o CC esteja de acordo com tal convívio, em termos concretos a acordar entre o jovem e o progenitor, sem prejuízo dos horários de descanso e escolares do jovem.
 - Nas férias escolares de verão, Páscoa e Natal, e interrupções letivas, o [progenitor] estará com o filho CC sempre que o desejar, desde que o CC esteja de acordo com tal convívio, em termos concretos a acordar entre o jovem e o progenitor, sem prejuízo dos horários de descanso do mesmo.
- Nas festividades de Natal, Passagem de Ano, Páscoa, aniversários e dia do Pai o [progenitor] estará com o filho sempre que o desejar, desde que o CC esteja de acordo com tal convívio, em termos concretos a acordar entre o jovem e o progenitor, sem prejuízo dos horários de descanso.
- Sempre que o CC pretender conviver com o pai caberá à progenitora promover tais convívios.
- Sempre que o CC tenha jogo ou outra atividade e esteja em convívio com o pai, o pai deverá conduzir o CC ao local onde decorrerá o jogo/atividade, caso o CC queira participar na mesma.
«Face à extinção das medidas de coação de proibição do requerente de aproximação da requerida/progenitora aplicadas no processo crime n.º92/21.9PAVFR mostra-se desnecessária a intervenção do irmão DD nas conduções do CC»;
D) Julgar improcedente o pedido de alteração/cessação da prestação de alimentos ao CC a cargo do progenitor;
E) Absolver as partes dos pedidos recíprocos como litigantes de má-fé;
F) Não decretar providências, nos termos do artigo 150.º do Código de Processo Civil;
G) Ordenar a extração de certidão do articulado com a referência 14136755, datado de 9 de fevereiro de 2023, apresentado no apenso U, e remessa à Ordem dos Advogados para os fins tidos por conveniente([5]);
H) Condenar o requerente nas custas.
I) Junte cópia da presente decisão aos incidentes de incumprimentos n.º12 a 24 e apenso S para melhor esclarecimento.
Valor: 30 000,01 (artigo 303.º, n.º1 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique”.
J) No dia 05/12/2023 o requerente interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões([6]):
CONCLUSÕES
30. O objecto do presente recurso está absolutamente delimitado em matéria de direito.
31. O recorrente insurge-se contra a douta sentença a quo proferida em 17-11-2023, na qual é consignada a alteração ao RRRP em sede de convívios do menor CC com o seu pai ora recorrente, nos termos seguintes:
C) Alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais referente ao CC no que diz respeito aos convívios com o progenitor (alínea b) do regime) nos seguintes termos:
«- O progenitor AA estará com o filho CC sempre que o desejar, desde que o CC esteja de acordo com a ocorrência de tal convívio, em termos concretos a acordar entre o jovem e o progenitor, sem prejuízo dos períodos de descanso e escolares do jovem;
- Nas férias escolares de Verão, Páscoa e Natal e interrupções letivas o progenitor estará com o filho CC sempre que o desejar, desde que o CC esteja de acordo com a ocorrência de tal convívio, em termos concretos a acordar entre o jovem e o progenitor, sem prejuízo dos períodos de descanso do mesmo;
- Nas festividades de Natal, Passagem-de-Ano, Páscoa, aniversários e dia do Pai, o progenitor estará com o filho sempre que o desejar, desde que o CC esteja de acordo com a ocorrência de tal convívio, em termos concretos a acordar entre o jovem e o progenitor, sem prejuízo dos períodos de descanso;
- Sempre que o CC pretender conviver com o pai caberá à progenitora promover tais convívios;
- Sempre que o CC tenha jogo ou outra atividade e esteja em convívios com o pai, o pai deverá a conduzir o CC ao local onde irá decorrer o jogo/atividade, caso o CC queira participar na mesma.
32. Convívios que consubstanciam inequivocamente um qualificado pelo Tribunal a quo na sentença sob escrutínio de «regime livre» com o qual o recorrente não se conforma e dela recorre.
E, ASSIM SENDO, O OBJECTO DESTE RECURSO, RECONDUZ-SE, DESDE LOGO, EM FACE DO SUPRA ALEGADO E AGORA CONCLUÍDO, PEDIR A ESTE VENERANDO TRIBUNAL QUE SE DIGNE PRONUNCIAR SOBRE AS SEGUINTES E ÚNICAS QUESTÕES DE DIREITO:
33. Importa, primeiro, pedir ao Venerando Tribunal ad quem se digne pronunciar-se quanto à admissibilidade pelo direito da aplicabilidade pelo Tribunal a quo, de um «regime livre» que nos termos em que está consignado, dependente exclusivamente do acordo e do desejo do menor, o torna inexequível e inescrutínável pelos tribunais?
34. Importa depois, pedir ao Venerando Tribunal ad quem se digne pronunciar-se sobre se o tal «regime livre» configura ou não um vício de decisão susceptível de per si constituir eventual violação, entre outras disposições legais, do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do CPC., enquanto nulidade processual sancionada com a nulidade da decisão?
35. Depois pedir ao Venerando Tribunal ad quem se digne pronunciar-se se o Tribunal a quo, ao decretar na sentença sob escrutínio, essa exclusiva dependência formal consubstanciada no acordo e vontade do menor, para efetivação dos convívios, afastando definitivamente da equação o recorrente sem que a este sejam apontadas razões atendíveis que justifiquem a negação ou supressão do direito ao convívio do menor e que somente poderia justificar-se como última ratio - no quadro de um conflito extremo entre o interesse do menor e o direito referido.
36. Ainda pedir ao Venerando Tribunal ad quem que se digne pronunciar-se sobre se, aquele «regime livre», consignado nos precisos termos em que está pela sentença a quo, elimina definitivamente, ou não, a possibilidade do recorrente no futuro, intentar incidente de incumprimento ao regime de convívios se não conseguir provar e demonstrar que o incidente se deveu à falta de acordo e vontade do menor e, como tal, fica vedado ao recorrente o direito plasmado no n.º 1do art.º 41.º do RGPTC em manifesta violação do disposto no art.º 20.º da CRP quando interpretado no sentido de, pelo menos, limitar o acesso ao direito e aos tribunais por força de uma construção do citado «regime livre» que não é sequer sindicável nem escrutinável pelos tribunais?
37. Pedir também ao Venerando Tribunal ad quem se digne pronunciar-se se, ao invés do sobredito «regime livre» sentenciado pelo Tribunal a quo, este deveria, ou não, num quadro de manifesta inexistência de conflito extremo que ponha em causa o superior interesse do menor, consignar um regime de convívios regular em que se mostre indispensável e imprescindível a presença do pai-recorrente na vida do menor, perseguindo o objectivo de consolidar laços de reciprocidade afetiva que importa de todo salvaguardar, intensificando-os, ao invés, repete-se, de na prática, eliminar esses laços, através de um «regime livre» como é aquele que está sentenciado ?
E, FINALMENTE:
38. Pede o recorrente a este Venerando Tribunal ad quem se digne concluir e doutamente decidir se a douta sentença sob censura aqui recorrida, nos termos em que foi produzida, viola ou não o art.º 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem?
CONCLUINDO
39. Entende o recorrente que a douta sentença a quo sob censura ora recorrida deve ser substituída por uma sentença que o recorrente entende ser a melhor que defende os superiores interesses do seu filho, que determine o seguinte:
a) O menor ficará a residir com cada um dos progenitores, em semanas alternadas, de sexta-feira a sexta-feira, indo o progenitor com quem a criança tenha ficado, buscá-lo a casa do outro, até às 21 horas desse dia.
b) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do menor incumbe àquele com quem a criança estiverem nesse período que está consigo.
c) As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do menor (v.g., atinente à sua saúde, eventuais intervenções cirúrgicas ou outros atos urgentes, ensino e eventuais mudanças de estabelecimento de ensino dentro do público ou deste para o privado, ou vice-versa, mudança de residência ou religião) são exercidas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo em caso de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
d) Às terças-feiras, o progenitor com quem o menor não estiver a residir nessa semana, vai buscá-la a casa do outro, pelas 18.00 horas – ou no final das atividades escolares -, devendo entregá-lo no dia seguinte, pelas 14h30 horas.
e) O menor passará o dia de aniversário do pai, e o dia do pai, com este último, independentemente de nesses momentos estar ou não a residir com ele.
f) O menor passará o dia de aniversário da mãe, e o dia mãe, com esta última, independentemente de nesses momentos estar ou não a residir com ela.
g) O menor passará o dia do seu aniversário e o dia da criança, alternadamente, com o pai e com a mãe, passando o próximo aniversário com a mãe, e o próximo dia da criança, como o pai, e assim sucessivamente.
h) O menor passará as épocas festivas (véspera e dia de natal; véspera e dia de ano novo e domingo de Páscoa), alternadamente com cada um dos progenitores (independentemente de com quem estiver a residir em tais datas), e, assim, em 2024 o menor passa a véspera de Natal com a mãe e o dia de Natal, com o pai, devendo ser entregue a esta última até às 11h00 de dia 25 de Dezembro, alternando para o ano, e assim sucessivamente,
i) Em 2023 o menor passa a véspera de ano novo com o pai, e o dia de ano novo com a mãe, sendo entregue a este último até às 11h 00 do dia 01 de Janeiro/2024, e assim sucessivamente.
j) Em 2024 o menor passa o Domingo de Páscoa com o pai e para o ano seguinte com a mãe, e assim sucessivamente.
k) Cada um dos progenitores suporta as despesas com os alimentos da menor durante o período em que esta resida com eles.
l) Cada progenitor suportará, em parte iguais, as despesas médicas e medicamentosas, escolares e extracurriculares do menor, devidamente documentadas, a liquidar no mês subsequente à apresentação da documentação.
D – NULIDADE DA DECISÃO
VIOLAÇÃO PRIMÁRIA DE DIREITO ADJECTIVO POR ERRO DE ESTATUIÇÃO
Argui-se a nulidade secundária da douta decisão ora recorrida, nos termos do n.º 1 do art.º 195.º do CPC.
Destarte:
Por vício de decisão por erros notórios de aplicação e subsunção ao direito;
A douta decisão recorrida é ainda nula por errada aplicação do direito, quanto ao facto do tribunal a quo, não valorizar os superiores interesses do menor CC consubstanciando erro nos pressupostos de facto e de direito da decisão.
Pelo que, quanto ao que a esta parte respeita, deverá a douta decisão a quo ora recorrida ser anulada e/ou reformada pelo Venerando Tribunal Superior ad quem, no sentido do regime provisório supra proposto.
De tal sorte, por esse Venerando Tribunal ad quem, que dispõe da matéria de facto e de direito consignada na fundamentação da decisão recorrida, examinando serena e criteriosamente a prova dos autos.
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:
§ Art.º 5.º e 28.º do RGPTC
§ Art.ºs 154.º e 607.º do CPC, este último por força das remissões que resultam da conjugação do disposto no art.º 986.º, nº 1, do mesmo diploma legal.
§ Art.º 3.º n.º 3, art.º 6.º e 615.º do CPC
§ Art.ºs 158.º n.º 1, 195.º, n.º 1 e 507.º do CPC.
§ Art.ºs 1885.º, 1887.º-A e 1906.º do Código Civil
§Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27-11-2003 (RB II
a / II bis) e 4/2009, de 18/12, ambos do Conselho
§ Art.ºs n.ºs 9, n.ºs 1 e 3, 11 e 18, da Convenção sobre
os Direitos da Criança.
§ Art.º 8.º da CEDH
§ Art.ºs 8.º, 13.º, 20.º, 36.º, n.ºs 3, 5 e 6, 37.º 67.º n.º 1, 68.º, 69.º, 205.º e 208.º da CRP, da qual resulta uma inconstitucionalidade material por violação daqueles princípios.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento dos Venerandos Desembargadores, se conclui no sentido supra exposto, julgando-se o presente recurso procedente e proferindo-se douto acórdão que revogue a douta decisão sindicada nos termos propostos ou a baixa do mesmo para que retome os respectivos e devidos trâmites.
Assim, se respeitando o SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA e o Direito e fazendo a sempre esperada JUSTIÇA”.
K) Aos 04/01/2024 a recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos([7]):
CONCLUSÕES:
1 – Salvo sempre o devido respeito por opinião em contrário, a Douta Sentença Recorrida não merece qualquer reparo ou censura, estando assim, votado ao insucesso, quer de facto, quer de direito, o recurso dela interposto pelo Reu/Recorrente;
2 – O Requerente/Recorrente insurge-se contra a Douta Sentença Recorrida, dizendo que o Tribunal «a quo» incorreu em erro na aplicação do direito, ao decidir fixar um «regime livre» de convívios entre si e o Jovem CC, o qual, apelida de inexequível e inescrutável perante os Tribunais, processualmente nulo e consequentemente nula a decisão, negação do seu direito ao convívio com o seu filho, impossibilidade de recurso a incidentes de incumprimento do regime fixado em violação do principio de acesso ao direito e aos tribunais, e, eliminação dos laços parentais por não poder conviver com o seu filho normalmente;
3 – Tais segmentos recursivos são inócuos e não constituem fundamentos legais que se oponham ao Doutamente Decidido;
4 – A decisão sobre a matéria de facto dada como assente e provada não foi impugnada pelo Recorrente;
5 – A subsunção de tal factualidade, que determinou a decisão de alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais no que concerne aos convívios com o Recorrente, emerge do superior interesse do Jovem CC, em manter-se emocional e afetivamente estável sem a obrigação de conviver em dias estipulados com o Recorrente, seu progenitor;
6 – O superior interesse da criança é o princípio orientador em qualquer processo de regulação ou alteração do exercício das responsabilidades parentais, princípio chave que se encontra previsto no artigo 1906.º do CC, e, no Princípio 7.º da Declaração dos Direitos da Criança; no artigo 6.º, alínea a) da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança; e no artigo 9.º, n.º 1 e 18.º, n.º 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança;
7 – Superior Interesse que prevalece preponderantemente sobre quaisquer outros, nomeadamente, de escrutínio processual ou de acesso ao direito e/ou aos tribunais daqueles, como o Recorrente, que vêm no direito de convívio com o menor, apenas um interesse exclusivo e absoluto próprios, sem consideração pela dignidade, saúde, bem estar e desenvolvimento salutar de quem reclamam o respetivo direito;
8 - Pelo que, e sem necessidade de mais considerações, muito bem andou o Tribunal «a quo» em alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais do Jovem CC no que concerne aos convívios com o Recorrente, nos termos fixados, decisão que se encontra devidamente fundamentada, pelo que, julgando improcedente o recurso, deve a Douta Sentença Recorrida ser totalmente confirmada, com as demais consequências legais.
TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EX.AS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, E, EM CONSEQUENCIA, SER CONFIRMADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, COM AS DEMAIS CONSEQUENCIAS LEGAIS”.
L) O Ministério Público respondeu ao recurso, aos 08/01/2024, concluindo pela seguinte maneira:
IV CONCLUSÕES
1 - O Ministério Publico não adere ao teor das conclusões.
2 - Nos termos do artigo 42º/1 do RGPTC, a alteração pressupõe um incumprimento por parte de ambos os pais, de terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada ou a verificação de circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido.
O circunstancialismo de tempo no qual se decidiu o anterior regime foi alterado porquanto a situação da relação do menor com o progenitor era bastante diversa da que vive atualmente.
3 - O Ministério Publico já se tinha pronunciado e propugnado pela fixação de regime provisório porquanto não tinha sido alcançado acordo na conferência de 23/11/2022 por o progenitor pretender a fixação de meios coercivos que se transcreve por manter toda a sua atualidade, pertinência e ter encontrado sustento na decisão recorrida de 15/12/2022:
4 - O regime de alteração do regime de convívios que o recorrente impugna permite a conciliação dos direito de visitas do progenitor, o qual se mantém, com o interesse do menor, na medida em que demonstra que se atendeu à sua manifestação de vontade em grau adequado à salvaguarda da tranquilidade e equilíbrio afetivo e emocional do menor e a manutenção de relação com o progenitor.- art 4º n.º 1 al b) e c) , 5º, n.º 1 e 28º do RGPTC e art. 1906º do CC”
5 - A alteração do critério dos convívios está inelutavelmente associada ao primado do interesse do menor e baseia-se nas declarações prestadas pelo menor, nas declarações da progenitora e perícia medico legal.
6 - A audição da criança/jovem é um dos primordiais critérios orientadores da intervenção judicial em sede de processos tutelares cíveis e recomendada e imposta por convenções europeias – art. 4º, n.º 1 al c) e 5º do RGPT e a que o tribunal deu acolhimento prático na formação da decisão e que, por isso, deve ser mantida.
7 - Encimou a decisão o critério do interesse do menor tal como o impõe o art. 4º n.º1 do RGPTC e 4 a) da LPCJP e artigo 9.º, da Convenção sobre os Direitos das Crianças ex vi artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, no Princípio 1.º, do Anexo à Recomendação n.º R (84) ex vi artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 2.º, da Declaração dos Direitos da Criança ex vi artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
O critério fundamental a atender nas decisões em matéria de exercício das responsabilidades parentais é o superior interesse da criança – cfr. artigo 3º/1 da Convenção Europeia Sobre os Direitos da Criança, Diário da República, 1ª Série, de 12/09/1990.
8 - O interesse do menor na busca de se assegurar o seu equilíbrio pessoal (com atenção à sua vontade) com manutenção de vínculos (para além da relação filio paternal) com o progenitor e dentro do contexto vivencial a que está sujeito e para o qual contribuem os comportamentos e atitudes do progenitor (designadamente em desabono, depreciação, animosidade e desprezo pela progenitora) e também falta de comunicação adequada com jovem, conduziram ao regime fixado na decisão recorrido.
9 - Acresce referir que o recorrente sempre desvaloriza a opinião do filho e não se predispõe a soluções de consenso; o mesmo não atribui valor probatório e autenticidade quanto à manifestação de vontade que as declarações do filho encerram, o que é não compaginável com o principio orientador da intervenção em sede de justiça para as crianças e jovens, mormente a nível tutelar cível em que nos encontramos e a que já acima se aludiu.
10 - Por último, o recorrente sempre parece arrogar-se ou pugnar por aplicação de regime para os convívios sem que estejam verificados quaisquer condicionalismos externos ou internos (quanto ao funcionamento psicológico do progenitor e do jovem) que o torne exequível.
11 - Porém, o processo de regulação de responsabilidade parentais é, como é consabido, um processo de jurisdição voluntária que está associado o principio do inquisitório, critérios de equidade e principio de modificabilidade das decisões – cfr. 986º A 988º do CPC e art.12º do RGPTC.
Inexiste o exclusivo principio da legalidade estrita pois é temperado por principio de necessidade, conveniência e oportunidade. A decisão recorrida insere-se neste quadro de critérios de intervenção, o que lhe confere validade.
12 - Não foi violada qualquer norma legal invocada pelo recorrente.
Por tudo, reitera-se, o recuso deve ser julgado integralmente improcedente”.
M) O requerimento de interposição de recurso foi corretamente admitido por despacho datado de 15/01/2024, tendo o tribunal a quo considerado não se verificar qualquer nulidade na sentença recorrida.
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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).
Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.
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II – FUNDAMENTAÇÃO

De facto:
Os factos relevantes para a decisão da causa são os que constam já da sinopse processual e factual, antes referidos – que nesta vertente adjetiva têm força probatória plena.

O Direito aplicável aos factos:

A matéria do recurso é apenas de Direito.
As questões (e não razões ou argumentos) a decidir podem ser resumidas pela seguinte maneira:
1) Se é legítimo que o tribunal a quo fixe um regime de convívio paterno-filial em termos livres, ou seja, nos moldes que forem combinados entre pai e o filho (adolescente, de 15 anos e meio de idade) e este o pretenda;
2) Se tal regime, a ser acolhido, impede o recurso a novos incidentes de incumprimento nos termos do art.º 41.º do R.G.P.T.C. e, impedindo, se tal consubstancia uma violação do princípio do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva.
Posto isto, teceremos alguns considerandos de natureza legal, Doutrinal e Jurisprudencial, pois que a sua abordagem facilitará a compreensão da decisão das questões que se colocam
Assim, nesta primeira fase, veremos:
A) A natureza destes processos, sendo de jurisdição voluntária, art.º 100.º da L.P.C.J.P.
B) A consagração no Direito de origem nacional do critério decisório nesta jurisdição (o superior interesse da criança), tal como consagrado nos instrumentos legais supranacionais integrantes, igualmente, do Direito nacional.
C) A audição da criança, a sua incapacidade de exercício de direitos e a decisão do tribunal: do direito a expressar as suas opiniões à inexistência de um direito de decidir ou de um qualquer “direito de veto” sobre as decisões tomadas pelo tribunal (sem prejuízo de o juízo de valor decisório do tribunal vir a ser idêntico à opinião da criança ou jovem).
D) Outros princípios orientadores, constantes do art.º 4.º da L.P.C.J.P. a ter em conta no caso.
E) Das invocadas nulidades, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do C.P.C.
Seremos tão sucintos quanto possível.
A’)      A natureza destes processos – de jurisdição voluntária.
Tal é, clara e inequivocamente, afirmado no art.º 12.º do R.G.P.T.C. (à semelhança do constante do art.º 100.º da L.P.C.J.P.).
Tendo em conta o disposto nos artigos 986.º a 988.º do C.P.C., estes processos regem-se por critérios de oportunidade e de conveniência (mais do que por legalidade estrita), devendo as decisões de substância prevalecer sobre as de forma, não significando tal que se trata de “jurisdição arbitrária” – pois que o que se pretende pela jurisdição voluntária é potenciar os poderes-deveres, funcionais, dos juízes em aplicarem o Direito, em cada momento, para prossecução do ideal de Justiça, fazendo-o a partir dos princípios que enformem o processo especial em questão (no caso, o superior interesse da criança e demais referidos no art.º 4.º da L.P.C.J.P. ex vi do art.º 4.º do R.G.P.T.C.), libertando-os de formalismos inerentes ao processo comum declarativo (regido pelo princípio do dispositivo, sem prejuízo do disposto, entre o mais, no art.º 5.º do C.P.C.) e conferindo-lhes o poder de investigarem livremente os factos.
O que vimos dizendo é, inequivocamente, afirmado na lei: assim, no art.º 986.º, n.º 2, do C.P.C., lemos que “[o] tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias”, ao passo que, segundo o art.º 987.º do C.P.C., “[n]as providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”, aditando o art.º 988.º, n.º 1, do C.P.C. que “[n]os processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração”.
Como veremos adiante, tal refletir-se-á, entre o mais, na apreciação das arguições de nulidade ao abrigo do disposto no art.º 195.º do C.P.C.
B’) A consagração no Direito de origem nacional do critério decisório nesta jurisdição (o superior interesse da criança, entre outros), tal como consagrado nos instrumentos legais supranacionais integrantes, igualmente, do Direito nacional – como resulta do art.º 8.º da Constituição da República([8]).
O principal critério decisório (entre outros) nos processos de tutelares cíveis é o da realização (possível) do superior interesse da criança ou jovem (art.º 4.º, al. a), da L.P.C.J.P.), conceito amplamente tratado na Doutrina e na Jurisprudência.
Em conformidade aos instrumentos legais supranacionais relativos ao Direito das Crianças, ratificados por Portugal, está legalmente consagrado nos artigos 4.º, n.º 1, do R.G.P.T.C. e 4.º, n.º 1, al. a), da L.P.C.J.P. que o principal critério que orienta as decisões judiciais relativas a uma criança ou jovem é a prossecução do seu superior interesse – entre os demais enunciados neste artigo.
Como referido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 382/2017, de 12/07/2017, relatado por Pedro Machete, “[o] superior interesse da criança é o princípio estruturante dos regimes que têm por objeto a matéria atinente aos direitos das crianças, incluindo o direito ao seu desenvolvimento integral (cfr. o artigo 3.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, em 26 de janeiro de 1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de setembro). A reforma do direito e da justiça de menores de 1999 traduziu-se, fundamentalmente, na separação da intervenção tutelar de proteção (com cariz civil, e que foi objeto da LPCJP) da intervenção tutelar educativa (com cariz para penal, objeto da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de [setembro]. Mas e daí a subsidiariedade da LPCJP, também existem normas de proteção das crianças e jovens no Código Civil: desde logo, aquelas dirigem o exercício das responsabilidades parentais em função da proteção dos interesses dos filhos: por exemplo, as normas respeitantes à inibição (artigo 1915.º) ou à limitação do exercício (artigos 1918.º e 1919.º) de tais responsabilidades, a efetivar por via da adoção de providências tutelares cíveis nos termos do processo tutelar cível (cfr. o artigo 3.º, alínea h), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro)”([9]).
Ainda de origem supranacional, importa destacar a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, que vigora na ordem jurídica portuguesa desde 01/07/2014([10]), da qual, logo no art.º 1.º, n.º 1 e n.º 2, consta o seguinte: “1 - A presente Convenção aplica-se a menores de 18 anos. 2 - A presente Convenção, tendo em vista o superior interesse das crianças, visa promover os seus direitos, conceder-lhes direitos processuais e facilitar o exercício desses mesmos direitos, garantindo que elas podem ser informadas, diretamente ou através de outras pessoas ou entidades, e que estão autorizadas a participar em processos perante autoridades judiciais que lhes digam respeito”([11]).
Ao nível jurisprudencial, citamos ainda (dada a abrangência da síntese aí efetuada, no atinente à definição do critério superior interesse da criança) o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães n.º 253/10.6TMBRG-A.G1, de 16/06/2016, “[p]or se tratar de um conceito jurídico indeterminado, o princípio só adquire relevância quando referido ao interesse de cada criança ou jovem, em concreto, defendendo-se mesmo que haverá tantos interesses quantos forem os menores. O interesse de uma criança não se confunde com o interesse de outra criança e o interesse de cada um destes é, ele próprio, suscetível de se modificar ao longo do tempo, já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias. Para Maria Clara Sottomayor «o conceito de interesse da criança comporta uma pluralidade de sentidos. Não só porque o seu conteúdo se altera de acordo com o espírito da época e com a evolução dos costumes, ou porque é diferente para cada família e para cada criança, mas também porque relativamente ao mesmo caso, é passível de conteúdos diversos igualmente válidos, conforme a valoração que o juiz faça da situação de [facto]». Caberá, pois, ao julgador densificar valorativamente este conceito, de conteúdo imprecisamente traçado, apreendendo o fenómeno familiar na sua infinita variedade e imensa complexidade e, numa análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, decidir em oportunidade pelo que considerar mais justo e adequado. No fundo, significa que deve adotar-se a solução mais ajustada ao caso concreto, de modo a oferecerem-se melhores garantias de desenvolvimento físico e psíquico da criança, do seu bem-estar e segurança e da formação da sua personalidade ou, como se refere no Acórdão do Relação de Coimbra de 16 de Março de 2004» quem, na verdade, define, em cada caso, o sentido dos conceitos intencionalmente deixados vagos na lei é o tribunal, no exercício da função que lhe cabe de a interpretar e aplicar, em face das realidades concretas da vida, nos termos dos artigos 8.º, n.º 3, e 9.º, ambos do Código Civil»”([12]).
Ou seja, o superior interesse da criança ou do jovem é aferível sempre concretamente em função das circunstâncias de cada caso, havendo que determinar qual é o motivo pelo qual ele poderá estar a ser prejudicado e, uma vez determinado, ser tomada a decisão mais adequada a removê-lo.
C’) A audição da criança, a sua incapacidade de exercício de direitos e a decisão do tribunal: do direito a expressar as suas opiniões à inexistência de um direito de decidir ou de um qualquer “direito de veto” sobre as decisões tomadas pelo tribunal (sem prejuízo de o juízo de valor decisório do tribunal vir a ser idêntico à opinião da criança ou jovem).
As crianças têm do direito legal de serem ouvidas e de exprimirem as suas opiniões, como resulta claramente do disposto nos artigos 4.º , n.º 1, al c), do R.G.P.T.C. (atinente à audição e participação da criança), “a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha que nisso manifeste interesse”, regulando o art.º 5.º os termos em que a audição deve ser efetuada.
Por remissão do art.º 4.º, n.º 1, do R.G.P.T.C., também o art.º 4.º, al. j) da L.P.C.J.P. prevê, como um dos princípios estruturantes, a audição obrigatória da criança, “audição obrigatória e participação da criança – a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida,  bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção”.
De notar, também, que se deve ter em conta que a criança não deve sentir-se responsável pela decisão, preocupação que deve integrar a audição da criança, pelo que não se pode defender que o que ela for dizer é vinculativo, pois que as opiniões devem ser tidas em consideração, sendo como tal evidente que a valoração pertence ao tribunal e a este a tomada de decisão, naturalmente([13]).
Ou seja, as  crianças  não  têm, nem se vê como poderiam ter o poder-
-dever de decidirem, tal como não lhes é reconhecido qualquer direito de veto sobre as decisões judiciais – que aos progenitores, não podendo, como noutros casos sucede, esconderem-se atrás de pretensas “vontades” dos filhos e invocando sempre o seu superior interesse que, invariavelmente, é idêntico ao de quem o alega… – obstaculizando, assim e de facto, a uma função, a jurisdicional, que constitucionalmente aos tribunais compete, administrar a Justiça em nome do Povo, o soberano constituinte.
Nada disto obsta ao evidente, que é dar-se o caso de o juízo de valor decisório do tribunal vir a ser idêntico à opinião da criança ou jovem, coincidindo.
D’) Outros princípios orientadores, constantes do art.º 4.º da L.P.C.J.P. a ter em conta no caso.
O da proporcionalidade e atualidade, previsto na al. e).
O decurso do tempo, bem como o processado, acaba(m) por ganhar importância factual, em sentido estrito, por se constituírem eles mesmos em factos. Assim, e acima de tudo, a relevância do princípio da atualidade prende-se com a necessidade de acompanhamento da evolução ou involução da situação, não havendo como que uma cristalização das decisões ao longo do processo, que podem tornar-se desadequadas em função da situação.
Ao referir-se expressamente a atualidade das decisões o que se pretende é uma atuação dinâmica do tribunal em função dos factos que, a cada momento, são conhecidos, daí que a norma refira que “a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou jovem se encontram no momento em que a decisão é [tomada]([14]).
O princípio da responsabilidade parental, previsto na al. f).
Este princípio tem por objetivo evitar que os pais se desresponsabilizem em relação aos problemas dos filhos e à sua resolução, procurando se envolvam ativamente para os superar (e não, como muitas vezes sucede, num fenómeno psicológico de culparem alguém ou uma instituição pelas falhas que são deles), conforme decorre das suas obrigações parentais, previstas, nomeadamente, nos artigos 1878.º, 1881 e 1885.º do Código Civil.
Segundo os artigos 1878.º, 1881 e 1885.º do Código Civil, ambos os progenitores têm o dever legal de velarem pela segurança e saúde dos filhos e proverem ao seu sustento, como resulta do disposto nos artigos 1874.º e 1878.º, n.º 1, do Código Civil (C.C.), cabendo-lhes também, de acordo com o art.º 1885.º do C.C., de acordo com as suas possibilidades, promoverem o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, exercendo em comum as responsabilidades parentais desde que no interesse da criança assim não deva ser, como resulta dos artigos 1901.º e 1906.º do mesmo Código.
Trata-se de consagrações legais dos princípios constitucionais constantes, entre outros, do art.º 36.º, n.º 3 e n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, respetivamente: “3. [o]s cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos [filhos]. 5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”([15]).
Independentemente da transversal igualdade dos progenitores quanto às crianças (no atinente aos direitos e deveres para com ela), há que atentar também na vertente psicológica do bem-estar da mesma, tendo presentes os considerandos antes tecidos a propósito do conceito de superior interesse da criança.
O jovem CC viveu os últimos anos (a maior parte da sua vida…) enredado em processos judiciais, o que comprovadamente tem afetado o seu completo bem-estar mental, psicológico (como resulta da fundamentação do relatório psicológico cuja parte final transcrevemos na sinopse processual).
Da abstração ou dimensão conceitual do superior interesse da criança importa depois concretizar, objetivar, o conceito, o que implica definir qual é, no caso, o óbice à prossecução do superior interesse da criança e como, em concreto, a solução atingida pelo tribunal se afigura, pelo menos prima facie, adequada a removê-lo, promovendo assim o superior interesse da criança.
E’)      Das invocadas nulidades, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do C.P.C.
Não se verifica qualquer nulidade.
Como referimos já, estamos perante um processo de jurisdição voluntária, nos termos dos artigos 12.º do R.G.P.T.C., aplicando-se-lhe os princípios da oportunidade e de conveniência já referidos – nos termos dos artigos 986.ºe 987.º do C.P.C. (não só numa vertente substantiva, mas também processual – que sempre resultaria fundamentada no dever de gestão processual e adequação do processado, ao abrigo do disposto, respetivamente, nos artigos 6.º e 547.º do C.P.C.).
Segundo o disposto no art.º 195.º do C.P.C. (“[f]ora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”), e independentemente de ser patente que não se verifica qualquer das hipóteses da norma, sempre a natureza do processo (tendo em conta que um dos critérios interpretativos é o da consideração pela unidade do sistema jurídico, como enunciado no art.º 9.º, n.º 1, do C.C.) se repercutiria, necessariamente, na interpretação do disposto no art.º 195.º, n.º 1, do C.P.C.
Ainda sobre este regime de nulidades, fazemos nossa a fundamentação a tal respeitante constante do acórdão proferido neste Tribunal da Relação, aos 14/09/2023, na Apelação n.º 6618/20.0T8PRT-H ([16]).
Aí se refere “[c]omo é sabido, são nulidades processuais todos os desvios do ritualismo processual prescrito na lei, com relevância no exame e decisão da causa. Estes desvios de carácter formal, podem traduzir-se num dos três tipos: prática de ato proibido; omissão de ato prescrito na lei e realização de um ato imposto ou permitido por lei mas sem as formalidades requeridas. (cf. Ac. do STJ de 13.12. 90, BMJ n.º 402/ 518). Por outro lado, as nulidades dividem-se em nulidades principais e nulidades secundárias. O primeiro princípio que domina a matéria das nulidades no nosso processo civil é o de que as nulidades se devem considerar meramente relativas, ou seja, é indispensável um ato de vontade da parte ou interessado em favor da qual a nulidade foi estabelecida, para que ela seja declarada e produza os seus efeitos (cf. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 105 e segs.). Como expressamente estabelece, o artigo 195º n.º 1 do CPC, fora dos casos especialmente previstos nos artigos anteriores (ineptidão da petição), (falta e nulidade da citação), (erro na forma de processos) e (falta de vista ou exame ao MP), a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou eliminação do ato. Assim, se a parte não arguir a nulidade dentro do prazo legal fixado (art.º. 199º do CPC), esta considera-se sanada. O mesmo não se passa com as nulidades principais, que são de conhecimento oficioso. [Por] outro lado, como é sabido, as irregularidades têm de ser arguidas perante o tribunal em que ocorreram e nele devem ser apreciadas e julgadas, com a exceção prevista no n.º 3 do citado artigo 199 do CPC que no caso manifestamente não se verifica. Sobre o despacho proferido sobre as arguidas nulidades, poderá a parte reclamante, se vencida, recorrer. Estas regras reconduzem-se ao postulado que a jurisprudência consagrou: das nulidades reclama-se dos despachos recorre-se”([17]).
Ainda que de forma imprecisa, depreendemos que a nulidade subjetivamente configurada pelo recorrente assenta no facto de prever um regime de convívio (livre) que o mesmo entende não estar legalmente previsto – o que é um entendimento errado, pois tendo em conta a possibilidade legal de não ser sequer fixado um regime de convívio (como, por exemplo, no art.º 42.º, n.º 3, do R.G.P.T.C.), pode concluir-se logicamente que, por maioria de razão, a lei permite que seja fixado um regime de convívio ainda que não pormenorizado (livre).
Ora, aqui chegados, e sem prejuízo do que dissemos já (mormente quer quanto à natureza destes processos, quer quanto aos princípios diretores da jurisdição no atinente à aplicação do Direito), tal questão não deve ser tratada como se fosse algo distinto da apreciação do mérito da sentença (apesar de, como já vimos, não se ter verificado qualquer nulidade).
Posto isto, cumpre então responder às questões, ainda que não haja respostas absolutamente autónomas, porquanto a realidade processual é holística.
1) Se é legítimo que o tribunal a quo fixe um regime de convívio paterno-filial em termos livres, ou seja, nos moldes que forem combinados entre pai e o filho (adolescente, de 15 anos e meio de idade) e este o pretenda;
O regime de convívio tem de ser aquele que, em cada momento e em cada caso, seja o mais adequado e, nos termos do art.º 988.º, n.º 1, do C.P.C. (e, diga-se, do art.º 42.º do R.G.P.T.C.), poderá sempre ser alterado se novas circunstâncias o justificarem. Entre outros, o art.º 40.º, n.º 3 e n.º 2, do R.G.P.T.C. preveem mesmo, respetivamente, a não fixação de qualquer convívio, por um determinado período de tempo, ou que os mesmos fiquem sujeitos a supervisão.
Perante os sucessivos incumprimentos alegados nos autos, é patente que o recorrente pretende a manutenção de um regime desadequado, que não funciona. De nada adianta a fixação de um regime de convívio que, antecipada e seguramente se sabe, não será viável, que é inexequível.
Ademais, e como é o caso dos autos, os incidentes continuados têm provocado mau estar psicológico no jovem; pior ainda seria se se visse envolvido em algum tipo de entrega coerciva que o tribunal decidisse ordenar: trata-se, como já dissemos, de um adolescente com 15 anos e meio. Tal seria uma violação do critério decisório de prossecução do superior interesse da criança.
Em determinadas situações, justifica-se até a não fixação de qualquer regime de convívio – o que não sucedeu, manifestamente, nestes autos, apenas se condicionou o mesmo à correspondência com o interesse do menor.
Assim, e sabendo o pai o que vem desagradando ao menor, ao longo de anos, seria mais producente enveredar por uma mudança de atitude e ir ao seu encontro (por exemplo, não dar azo a que o filho se queixe de estar só, de não o levar a eventos, de o pai estar sempre a falar mal da mãe, entre o mais já referido) do que prosseguir numa senda de incidentes processuais, pois os afetos conquistam-se, não se impõem por sentença.
2) Se tal regime, a ser acolhido, impede o recurso a novos incidentes de incumprimento nos termos do art.º 41.º do R.G.P.T.C. e, impedindo, se tal consubstancia uma violação do princípio do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva.
Os factos, os autos (e todos os apensos…), falam por si, pois que ao longo dos anos o pai não logrou alterar a sua atitude perante o filho. Nomeadamente não corrigindo o discurso de crítica dirigido à progenitora do menor em termos que afetam a estabilidade deste, como os factos provados o evidenciam. O progenitor tem conhecimento da perturbação que tal atitude provoca no menor e não corrige a sua atuação.
Como dissemos atrás, em vez de apostar na sua própria mudança de atitude e recorrendo, se incapaz de o fazer sozinho, a acompanhamento psicológico (que recusou fazer no CA.F.A.P., no âmbito do desenvolvimento das capacidades parentais), persiste em destratar no processo a mãe do filho, sendo um facto notório que nenhuma criança gosta de ouvir falar mal, seja do pai, seja da mãe – aliás, por mais que uma vez o filho verbalizou que não gosta que o pai o faça.
Por estes motivos elaborámos a sinopse processual nos termos em que o fizemos com elementos também do apenso E (de promoção e proteção), do apenso D (da inicial regulação do exercício das responsabilidades parentais do jovem CC), bem como do apenso 12 (relatório da psicóloga clínica que acompanhou o jovem), pois é evidente que o problema de fundo vem de há anos.
O que está a prejudicar a plena realização do superior interesse da criança é a conflitualidade entre os progenitores, a obstaculização que, como já referimos, o pai realiza a uma modificação do statu quo, é a judicialização da sua vida.
As crianças têm direito a terem sossego e a conviverem salutarmente com ambos os progenitores, sendo que o CC deveria, e não foi, ter sido poupado às consequências advindas da separação dos pais.
De realçar, novamente, que independentemente da tutela civil no âmbito das responsabilidades parentais (como, por exemplo, os artigos 1878.º e 1906.º do C.C.), acima, ao nível constitucional, a tutela também é explícita, tendo os pais iguais direitos, mas também iguais deveres perante os filhos, é o que resulta dos artigos 1.º, 13.º, 26., n.º 1, in fine, e 36.º da Constituição.
Noutra perspetiva, também o artigo 69.º, n.º 1, da C.R.P. tem de ser referido, pois a criança tem direito à proteção contra formas de opressão ou abuso de autoridade na família, pois a postura do progenitor tem sido a de querer sujeitar o seu relacionamento com o filho à sua atuação reiterada, não distinguindo as pretensões ou objetivos do próprio perante os direitos e interesses da criança, pois ao destratar a ex-companheira, perante o filho, o que ele interioriza é uma opressão, por ver a sua mãe destratada.
Sobretudo nesta jurisdição, há sentenças (essas impassíveis de recurso) que só a vida poderá dar, não o tribunal: qual será o entendimento do filho de tudo isto, no futuro? E, já agora, será que o progenitor não se virá a arrepender do caminho que escolheu?
A intervenção dos tribunais de família e de menores pauta-se como que por uma obrigação de meios, não de resultado.
Nas relações familiares, quando as pessoas não percebem (ou não querem perceber) a necessidade de mudança, não é de esperar que o tribunal logre obter resultados. O processo é do tribunal, a vida é das pessoas...
Quanto à questão de saber se o recorrente fica impedido de recorrer ao instituto do incumprimento previsto no art.º 41.º do R.G.P.T.C., de facto fica, pois que a previsão da norma (a hipótese) é clara, não abrangendo um putativo incumprimento por parte da criança ou jovem; apenas fica precludida, na prática, a possibilidade de serem usados meios coercivos (de índole monetária), condenações em multa por incumprimento do outro progenitor – sem prejuízo de, neste caso, não ter sido apurado, pelo contrário, qualquer incumprimento da progenitora. 
Não está em causa, patentemente, a denegação do acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva, por referência ao disposto no art.º 20.º da Constituição Portuguesa. É até algo paradoxal que num processo em que as partes litigam com o benefício de apoio judiciário e que atingiu um anormal nível processual (apensos sucessivos), tal seja sequer questionado, tal como é patente que não está em causa qualquer desrespeito pela vida privada e familiar (o objeto de proteção conferido pelo art.º 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos).  
Não foi assim violada qualquer norma na sentença recorrida.
Pelo exposto, improcedem todas as conclusões do recorrente.

III – DECISÃO

Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo recorrente e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.
Custas da apelação pelo recorrente, art.º 527.º, n.º 2, do C.P.C.
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Porto, 19/02/2024.
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Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:
Jorge Martins Ribeiro
Teresa Fonseca
Fátima Andrade
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[1] Mais detalhada do que, em rigor, seria indispensável…, mas que cremos ser necessária dada a complexidade da situação.
[2] Como referimos na anterior nota, importa ter presente a história do caso até para se poder enquadrar a postura dos diferentes intervenientes, mormente do requerente recorrente e do jovem CC, daí transcrevermos tais factos – tanto mais que, tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, nos termos do art.º 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (R.G.P.T.C.)., as decisões regem-se por critérios de oportunidade e de conveniência, investigando o julgador livremente os factos, como resulta do disposto nos artigos 986.º, n.º 2, e 987.º do Código de Processo Civil (C.P.C.).
[3] Interpolação nossa e aspas no original.
[4] Interpolação nossa.
[5] Transcrevemos em nota parte do teor do mesmo:
“AA, Advogado em causa própria e Requerente nos autos do processo acima e à margem referenciado, onde melhor se mostra id., notificado pela parte contrária do requerimento com a ref.ª 44669923 de fls.., vem ao abrigo do princípio do contraditório]. Quanto aos vómitos do menor certamente resultaram da presença nauseabunda da progenitora remissa inadimplente o que não constitui sequer uma novidade em face do seu comportamento social e do seu passado vergonhoso. Não será por acaso que o filho primogénito quando a ela se refere a qualifica de puta e vadia e também ele de quando em vez sente náuseas, vómitos e repulsa pela traste de quem o pariu. Sim o mesmo filho a quem aquela mandou prender e condenar e que define muito bem o hediondo e velhaco caráter da mesma que este tribunal não pode deixar de ter em conta. 9.5. Sim, o mesmo filho a quem o tribunal confiou a guarda e ela deixava sozinho em casa com 16 anos e onde só ia para dar de comer aos cães e dar de comer ao cão humano enquanto a puta e vadia nas palavras daquele, se perdia pelas «ruas da cidade» Como dirá, sustentando aquele mimo, face ao que presenciou sobre o corropio de homens a entrar e a sair de casa quando o requerente, encornado e enojado teve que sair da casa que construiu e onde os seus filhos nasceram. 9.7. Eles eram marroquinos, seguranças, notários, trolhas e quejandos, tudo marchava, sem esquecer professores de faculdade que muito jeito deram para concluir um curso para o qual aquela não tem o mínimo de habilidade de tal forma se arrasta nas provas de agregação à profissão de advogado que persegue à custa de uma fonte de rendimentos que tem que ser [investigada]. 9.9. Quanto aos medos do CC sobre o pai, para além de um grandessíssimo disparate, o que ali se diz é única e simplesmente da responsabilidade de quem o escreveu e o facto de ali se ter escrito que o CC tem medo de morte do pai falta provar que efetivamente é assim. O requerente já conhece e já está habituado a que a requerida remissa inadimplente escreva coisas que o menor nunca disse e sente e, portanto, o que ali se escreveu vale tanto como nada... zero. 9.10. É verdade que o requerente escreveu uma mensagem supostamente recepcionada pelo CC, na qual escreveu «MONTE DE ESTERCO» sem no entanto, como se diz na gíria popular «pôr nomes aos bois» ou em defesa da igualdade de género, «pôr nomes à vaca». Se a requerida remissa inadimplente enfiou a carapuça e se revê naquele designação é lá com ela. 9.11. Depois, quanto à queixa-crime, seguramente aproveitou a relação de «amizade» com o policia «amigo» para o efeito. 10. Quanto à demais ladainha sobre «aferir das capacidades e competências parentais do Requerente, a sua idoneidade para o exercício das responsabilidades parentais...», sempre dirá que a sua competência e idoneidade para tal é por demais evidente. Basta ver com quem o filho primogénito se refugiou logo que atingida a maioridade e com quem continua, livrando-se de uma ambiente de promiscuidade imprópria para o seu normal desenvolvimento. 11. Não há comparação possível quando a competências entre os progenitores! Enquanto aquela vagabundeava pela noite em bares e discotecas e metia toda a espécie de homens na casa de morada de família na presença dos filhos, agredia o filho primogénito com gás pimenta e o condenou criminalmente, o pai requerente reeducou-o, retirou-o do consumo das drogas, recolocou-o no caminho da escola e do bom e normal comportamento e conduta social” ([interpolação nossa e aspas no original).
[6] Aspas, negritos e maiúsculas no original.
[7] Negrito, aspas e maiúsculas no original.
[8] Deixamos em nota o seu teor:
“Artigo 8.º (Direito internacional)
1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.
4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
A Constituição da República portuguesa está acessível em:
https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=4A0008&nid=4&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&so_miolo=&nversao=#artigo [06/02/2024].
[9] O acórdão está acessível em:
TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 382/2017 (tribunalconstitucional.pt) [06/02/2024] (interpolação nossa e citação de bibliografia no original).
[10] Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 27/01; ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, de 27/01, e publicada no Diário da República I, n.º 18, de 27/01/2014.
Esta Convenção está acessível em:
https://www.ministeriopublico.pt/instrumento/convencao-europeia-sobre-o-exercicio-dos-direitos-das-criancas-0 [06/02/2024].
[11] Itálico nosso.
[12] Acessível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/FC8CA6ACD58221628025802E004A9E59; aspas e indicação de bibliografia no original e interpolação nossa. Ainda sobre o conceito, cf., entre outros, o acórdão do S.T.J. n.º 1431/17.2T8MTS.P1.S1, de 17/12/2019, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/82b170206b04b075802584d3005bc3fa?OpenDocument [06/02/2024].
[13] Sobre as boas práticas relativas à audição da criança, cf., entre outros, Caderno Especial, Segundas Jornadas de Direito da Família e da Criança, Lisboa, Ordem dos Advogados e Centro de Estudos Judiciários, 2018, acessível em:
https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=ZN9Z64X8BX8%3D&portalid=30 [06/02/2024].
[14] Itálico e interpolação nossa.
[15] Interpolação nossa.
[16] Proferido aos 14/09/2023, relatado por Leonel Serôdio, sendo adjuntos Ernesto Nascimento e Deolinda Varão.
[17] Interpolação nossa.