Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
253/10.6TMBRG-A.G1
Relator: MIGUEL BALDAIA MORAIS
Descritores: SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
MUDANÇA DE RESIDÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO SOCIAL
Sumário: I- Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 615ºdo Código de Processo Civil.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

II- O superior interesse da criança surge como um objetivo a prosseguir por todos quantos possam contribuir para o seu desenvolvimento harmonioso: - os pais, no seu papel primordial de condução e educação da criança; as instituições, ao assegurar a sua tutela e o Estado, ao adotar as medidas tendentes a garantirem o exercício dos seus direitos.

III – Na densificação do conceito indeterminado de “superior interesse da criança” deve adotar-se a solução mais ajustada ao caso concreto, de modo a oferecerem-se melhores garantias do seu desenvolvimento físico e psíquico, do seu bem-estar e segurança e da formação da sua personalidade.

IV- Como critério orientador a criança deve estar com a “pessoa que cuida dela no dia-a-dia”, por constituir a solução mais conforme ao seu interesse, por permitir desenvolver a continuidade do ambiente e da relação afetiva principal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

B. instaurou contra C. a presente ação para decisão de questão de particular importância por falta de acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais de D..
Alega, em suma, ser seu propósito fixar a residência da menor na Inglaterra, para onde pretende ir residir.
Regularmente notificado o requerido veio opor-se a tal pretensão da progenitora da menor.
Foi convocada conferência de pais nos termos do disposto no art.º 175.º da OTM, e recolhidas declarações dos progenitores, não tendo sido possível a obtenção de acordo do progenitor para a alteração de residência da filha (cf. fls. 131).
Foi determinada a audição e avaliação psicológica da D..
Entretanto, o pai veio informar situação de perigo relacionada com a menor (fls. 138).
Foi elaborado e junto o relatório psicológico acima referido (fls. 156).
Foi recolhida informação sobre o incidente denunciado pelo pai.
As partes opinaram sobre o relatório junto (fls. 169 e ss.).
A Digna Magistrada do Ministério Público emitiu parecer a fls. 182, favorável à pretensão da Autora.
Conhecida a existência de P.P.P., apenso B, este processo ficou a aguardar o seu desenlace.
Esse processo de P.P. foi entretanto extinto por se ter considerado inexistir qualquer perigo para a criança que sustentasse o seu prosseguimento.
Em nova conferência, os pais mantiveram as suas posições litigantes.
Foi proferida sentença, na qual se decidiu:
- “Autorizar a requerente/mãe a mudar a residência da D. para o Reino Unido, para morada que deve comunicar a estes autos antes de concretizar essa mudança;
- A progenitora deverá, quando nessa nova residência, facilitar os contatos regulares da D. com o pai, através de meios de comunicação à distância, por som e/ou imagem, previamente solicitados pelo pai ou pela criança;
- A D. passará pelo menos metade das férias escolares com o pai, em períodos a concretizar previamente entre progenitores;
- As épocas festivas (Natal, passagem de ano) serão passadas alternadamente com cada um dos progenitores.
- O pai pode visitar e conviver com a D. no país em que esta irá residir com a mãe, sempre que puder e avisar previamente (com a devida antecedência) a progenitora, não prejudicando os horários de lazer e escolares daquela.
Estas regras não obstam a que os progenitores estabeleçam, aliás como é sua obrigação, por acordo, outras que, em cada momento ou caso, vão de encontro ao melhor interesse da D. e seu desenvolvimento harmonioso caso se concretize a alteração acima autorizada”.

Não se conformando com o assim decidido, veio o progenitor interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:

1 - Vem o presente recurso interposto da sentença que autoriza a mãe da menor D. a mudar a sua residência para o Reino Unido, para a morada que esta deverá indicar nos autos, antes de concretizar essa mudança, sendo que a progenitora deverá, quando nessa nova residência, facilitar os contatos regulares da menor com o pai, através de meios de comunicação à distância, por som/imagem, previamente solicitados pelo pai ou pela criança.
2- A D. passará pelo menos metade das férias escolares com o pai, em períodos a concretizar previamente entre os progenitores e as épocas festivas serão passadas alternadamente com cada um dos progenitores, podendo o pai visitar e conviver com a D. sempre que puder e avisar previamente a progenitora, não prejudicando os horários escolares e de lazer daquela.
3- Da análise dos factos dados como provados e não provados e da motivação da decisão entende o Recorrente que existe uma errada subsunção da prova e uma clara insuficiência da fundamentação e da motivação da sentença, que desencadeou uma errada aplicação da matéria de direito.
4- A douta sentença recorrida enferma da nulidade prevista na alínea b) e c) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C. – constituindo ainda inconstitucionalidade por violação do nº 1 do artigo 205º da C.R.P. –, uma vez que a fundamentação e motivação é claramente insuficiente atinente à decisão da matéria de facto.
5- Apresentou-se apenas o habitual intróito de toda e qualquer sentença que aprecie factos e respectiva prova, constituindo uma formulação genérica em que apenas se tende a revelar que se analisou a prova – mas tudo sem o demonstrar, comprovar e argumentar, no sentido de ser evidente a conjugação dos meios probatórios e a análise crítica dos mesmos que se impõe ao Tribunal, logo, sem poder produzir convencimento quanto ao acerto da decisão.
6- Por não se conformar com a decisão assim proferida não pode o Recorrente deixar de se insurgir contra a mesma, desde logo porque a decisão proferida em relação à matéria de facto não teve em devida conta todos os elementos probatórios constantes dos autos, nem as regras da experiência comum, nem sequer os especificou em concreto.
7- Ora, entendemos que estamos perante uma clara falta de fundamentação e perante uma insuficiente motivação, uma vez que o Tribunal a quo não fundamentou em que parte em concreto das declarações prestadas e em que parte dos e quais os documentos criou a sua convicção.
8- Não se demonstrou todo o processo lógico de análise crítica dos mesmos, por que razão mereceram credibilidade e acolhimento pelo Tribunal a quo, por que razão uns são mais credíveis do que outros, nem se especificou quais os documentos que mereceram aqueles atributos, dizendo-se tão só que se viu os documentos, que as provas foram ponderadas na medida em que se mostraram verdadeiros e credíveis.
9- Trata-se de uma formulação vaga e genérica.
10- Inexiste na sentença impugnada o substracto que deveria alicerçar a decisão sobre a matéria de facto e que pudesse conduzir ao convencimento da justeza da mesma, pelo que a douta sentença em crise se mostra inquinada do apontado vício.
11- À luz dos princípios estruturantes do Direito, dos preceitos legais aplicáveis e das melhores doutrina e jurisprudência, a sentença recorrida não respeitou a exigência legal de fundamentação, pois que, do seu teor, não consta qualquer exercício minimamente adequado a produzir o seu convencimento nem sequer a demonstrar o processo de raciocínios lógicos que conduziu a eventual decisão justa.
12- Ficando assim o Recorrente impedido não só de avalizar a eventual justeza da decisão sobre a matéria de facto, mas também de impugnar – como é seu direito – a análise das provas carreadas para os autos e nas quais se teria estribado o Tribunal a quo para formular a mencionada decisão.
13- Porquanto, não tendo a douta sentença em mérito respeitado o dever de fundamentação e motivação que impendia sobre o Tribunal a quo, vê-se inelutavelmente ferida de nulidade – que expressamente se alega e invoca para todos os efeitos legais, nos termos do disposto na alínea b) e c) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C. –, mais enformando inconstitucionalidade por violação do preceituado no nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, devendo como tal ser declarada.
14- Não obstante a existência do apontado vício, não se pode deixar de impugnar, por mera cautela de patrocínio, o incorreto julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 56, 57 e 58 dos fatos não provados. Entende-se que esta matéria fáctica está em contradição com os pontos 27 e 28 dos fatos dados como provados.
15- Tais fatos que não obtiveram sustento probatório aos olhos do Mmo. Tribunal a quo deverão constar dos fatos provados e tidos em conta para a decisão da causa, uma vez que comprovam o receio do Requerente que com o afastamento da menor para outro país, estas situações se venham a repetir e fiquem fora da sua alçada de proteção.
16- E o fato de o processo movido pela CPCJ tenha sido arquivado não significa que a mãe não mantenha os mesmos hábitos (ou venha a praticá-los futuramente) dados a conhecer nos autos pelo Requerente, e que claramente põe em causa a segurança da menor e a sua própria segurança.
17- Conforme resulta dos autos o progenitor é um bom pai e existe uma grande relação efectiva entre ambos. Ao contrário do entendimento do Tribunal, entende-se que o uso dos aparelhos de som/voz não substitui o contato físico do pai, nem colmatará a sua ausência física, não substitui os carinhos e afetos físicos que uma criança merece e precisa para um crescimento saudável e harmonioso.
18- Não pode o Recorrente corroborar com a tese de que a face à factualidade dada como provada, afigura-se ser de manter o status quo, ou seja, a criança deverá continuar a residir com a mãe, ainda que esta, para satisfação das suas necessidades de realização profissional, financeira ou pessoal vá residir para outro país de origem, neste caso o Reino Unido, por se entender que assim se salvaguarda o superior interesse da criança.
19- Há que definir no caso em concreto onde se situa o interesse da menor que se encontra sujeito ao poder paternal, há que apurar o que é melhor para si, de molde a salvaguardar-lhe uma educação e crescimento harmoniosos, sendo o interesse da menor concretizado de acordo com as orientações legais sobre o conteúdo das responsabilidades parentais.
20- O superior interesse da criança exige que não se autorize a sua mãe a levá-la para o estrangeiro, afastando-a do convívio com o pai, avós paternos, tios e primos, por razões economicistas. Autorizar a mãe a levar a criança para a Inglaterra e dessa forma cortar bruscamente os liames afectivos concretos com o pai e família, exige mais profunda indagação.
21- É necessário que existam nos autos elementos seguros de que a criança vai ser feliz no país de destino e entende-se que esses elementos não se verificam, não estão reunidos os pressupostos necessários para que se possa conceder a autorização para a progenitora levar consigo a menor para a Inglaterra, sendo que esta autorização só pode assentar no seu próprio interesse, o qual sobreleva o dos pais, o superior interesse, o bem-estar e crescimento saudável e harmonioso da criança assim o exige.
22- Ela é o centro nuclear da questão e tudo deve girar em torno da concretização do seu desenvolvimento feliz e harmonioso. (veja-se neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 20.03.2014, in www.dgsi.pt , relator Moisés Silva.)
23- Os pais devem sentir-se “implicados” e “responsáveis” pelo bem-estar dos filhos, colaborando para uma efectiva concretização do interesse e direito fundamental da criança em manter um saudável e profícuo relacionamento pessoal com ambos os progenitores.
24- Parece-nos também determinante a idade da menor, está ainda numa fase de formação e desenvolvimento da personalidade, em que a ligação à mãe e ao pai e o estabelecimento de contactos regulares e prolongados com ambos é muito importante para o seu desenvolvimento equilibrado e harmonioso e se o convívio com ambos os progenitores não pode ser diário, deve pelo menos ser muito frequente e regular, o que a residência em Inglaterra impediria.
25- Os pais encontram-se investidos na titularidade do poder paternal (actualmente responsabilidades parentais) por mero efeito do estabelecimento da filiação conforme dispõe o nº 5 do art. 1906º do CC “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
26- E o nº 7 completa dizendo que “o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidade entre eles”.
27- Os princípios do superior interesse e bem estar da criança são insuficientes para se aferir da justeza da mudança de residência da menor, mormente quando este tem de se deslocar para o estrangeiro na companhia de um dos progenitores, ficando o outro em outro país, justificando-se que nestes casos aqueles princípios sejam complementados por um critério de proporcionalidade, aferindo-se se essa mudança é necessária, adequada e se se verifica na justa medida.
28- Os interesses e o bem-estar da criança representam a confluência tanto de valências subjetivas, como sejam os afetos familiares, mormente os paternais, como objetivas, das quais destacamos neste caso, a sua subsistência económica e a sua valorização educacional.
29- A mudança de residência do menor quando esta implica uma deslocação para outro país, tem sempre consequências práticas relevantes no bem-estar do mesmo, mormente nas suas relações familiares e de amizade.
30- Esta é a realidade que não dá para escamotear e a preponderância do “status quo” utilizado na decisão ora recorrida, mantendo-se tudo na mesma, seja no sentido de que a criança deve manter-se com o progenitor a quem foi confiada, seja no sentido de que a mesma deve continuar a residir com a mãe, ainda que tal implique a saída do país, não é um critério operativo aceitável e muito menos é jurídico, daí que se deva encontrar outro critério.
31- Portanto este critério acolhido pelo Tribunal não deverá ser tido em conta, entendendo-se que a menor deverá continuar a residir em Portugal.

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A requerente progenitora e a Digna Magistrada do Ministério Público apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

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Após os vistos legais cumpre decidir.

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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil, aplicável aos processos da jurisdição de família e menores por força do disposto no 33º da Lei nº 141/2015, de 8.09.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações, são as seguintes as questões solvendas:
. determinar se a sentença recorrida enferma das nulidades previstas nas als. b) e c) do nº 1 do art. 615º do Cód. Processo Civil;
. determinar se existe incorreto julgamento da matéria de facto, por se verificar contradição entre os pontos nºs 27 e 28 dos factos dados como provados e os pontos nºs 56, 57 e 58 do factos não provados;
. determinar se, in casu, o superior interesse da menor impõe que não se autorize a mudança da sua residência para o Reino Unido, afastando-a do convívio com o pai, devendo antes continuar a residir em Portugal.

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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

O Tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
Alegações da mãe
1. A requerente é cidadã Inglesa
2. Bem como progenitora de duas menores, sendo uma delas D., que fora alvo do processo de regulação das responsabilidades parentais nos presentes autos.
3. A D. tem dupla nacionalidade, portuguesa e inglesa.
4. No âmbito da regulação das responsabilidades parentais ficou acordado que a guarda da menor ficaria atribuída à progenitora, sendo as responsabilidades parentais exercidas em comum por ambos os progenitores.
5. Pelo que, desde 22 de Junho de 2010, data da conferência de Pais, que as responsabilidades vão sendo levadas a cabo por ambos os progenitores.
6. Acontece porém que, atualmente a requerente/progenitora pretende voltar a residir no seu País de origem.
7. A requerente não está atualmente a exercer ativamente a sua profissão.
8. No Reino Unido a mãe dispõe de todo um núcleo familiar disponível para auxiliar na educação e desenvolvimento das mesmas.
9. Atualmente, não dispõe a mesma de qualquer outro suporte familiar em Portugal, além da família do pai D..
10. Para além de tal facto, a requerente dispõe lá de propostas de trabalho.
11. Relativamente à frequência de ensino, igualmente neste aspeto, a requerente já providenciou tal facto, tendo garantidas vagas nas escolas correspondentes à área de residência.
12. A acrescer a todos estes fatores, a Inglaterra é dotada de todo um sistema social forte, que auxilia de forma muito substancial as famílias.
13. Dependendo do seu enquadramento, neste caso estaremos a falar de uma família monoparental, que será alvo de ajudas sociais, que incrementarão ainda mais o rendimento familiar disponível para prover este sustento.
14. A Requerente pretende que a relação do Progenitor com a Menor se continue a fazer de todas as formas.
15. Entende que é fundamental a relação que se estabelece entre ambos, pois permite um desenvolvimento saudável da Menor.
16. Pretende disponibilizar o maior número de formas de contacto, quer via telefone, quer via skype e auxiliará todas as deslocações da menor ao país.
17. E igualmente fomentar todas as visitas do Progenitor à Menor em Inglaterra.
Alegações do Pai
18. Requerido e Requerente viveram em condições análogas às dos cônjuges.
19. Da união de ambos nasceu a filha menor, D..
20. No âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais ficou acordado que a residência ficaria atribuída à mãe, e as responsabilidades parentais exercidas por ambos os progenitores.
21. O Requerido tem vindo a cumprir com as suas obrigações, nomeadamente, quanto ao regime de visitas, férias, pensão de alimentos e despesas de saúde.
22. É um pai presente, carinhoso, preocupado, cuidadoso, colocando o interesse da filha acima de todos os outros interesses.
23. Apesar de não auferir uma remuneração astronómica (aufere a retribuição mínima mensal) contribui para proporcionar à menor a educação necessária e a estabilidade emocional sempre importante ao crescimento da menor.
24. Contando ainda com o apoio financeiro da sua família para tudo o que seja necessário em relação à sua filha.
25. O Requerido reside atualmente com os pais.
26. O Requerido tem uma grande relação efetiva com a menor e esta gosta de estar com ele e com os avós.
27. A requerente chegou a conduzir sob o efeito do álcool, pondo em causa a segurança da menor e da sua outra filha.
28. A saída da menor do país provocará o afastamento físico do seu pai, da sua família e amigos.
29. Este afastamento acarretará para a menor algum sofrimento, que porá em risco a sua estabilidade emocional e efetiva apenas no caso de os progenitores não saberem gerir os contatos entre pai e filha nessa nova realidade.
Apurado nos autos
30. D. é filha da requerente B. e do requerido C., tendo nascido em 26.6.2009.
31. A D. reúne condições favoráveis ao desenvolvimento de uma autoestima positiva.
32. Apresenta um desempenho social ajustado.
33. Relaciona-se com a família de ambos os progenitores, apresentando um relacionamento positivo com ambas as partes.
34. Identifica o C. como pai e expressa sentimentos positivos e ligação afetiva em relação ao mesmo.
35. Ambos os progenitores apresentam juízo crítico quanto à importância de uma relação cordial na gestão da partilha das responsabilidades parentais, com dificuldades na sua operacionalização.
36. A D. está ciente da sua realidade familiar: sabe que tem duas casas e que os pais estão separados, bem como dos conflitos ou tensões por vezes emergentes.
37. O pai reconhece na B. competências parentais positivas e capacidade de educar a D., receando que os consumos ocasionais de álcool possam pôr em perigo a menor.
38. A D. mantém um esquema relacional com ambos os pais, atenta a presença significativa de ambos os progenitores na sua vida.
39. A D. revela um discurso inconsistente no que diz respeito à sua preferência em ir para o Reino Unido ou ficar em Portugal, atendendo ao seu estádio de desenvolvimento cognitivo.
40. O afastamento físico resultante da pretendida mudança de residência não implica necessariamente impacto ao nível da ligação afetiva com o pai, dependendo isso sim da concreta gestão/manutenção dos contatos entre ambos.
41. A D. tem uma ligação afetiva forte com a irmã E., nascida em 25.8.2001.
42. A D. esteve sempre ao cuidado (a residir com) da mãe.
43. A mudança de residência para o Reino Unido, na companhia da mãe e irmã importará assim uma alteração menos drástica da sua representação familiar.
44. Em 17.12.2014, a progenitora foi proveniente em acidente de viação quando transportava a E. e a D. de carro, tendo sido apurado que circulava com uma T.A.S. de 1,59 g/l.
45. Tal fato deu origem ao processo de promoção e proteção dessas crianças que terminou por decisão de 20.1.2016 em que se concluiu inexistir atualmente perigo que justificasse a sua continuação.

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O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:
Alegações da mãe
46. A requerente tem um vínculo laboral com a F., no qual aufere um rendimento mensal de aproximadamente €600,00 (seiscentos euros).
47. Não se relaciona com qualquer pessoa na sua convivência diária, o que destabilizou e continua a destabilizar o seu equilíbrio emocional.
48. Tal facto tem originado um longo período de baixa.
Alegações do Pai
49. A Requerente não apresenta grande flexibilidade quanto ao relacionamento da menor com os familiares paternos,
50. Não permite que os avós paternos vão buscar a menor à escola, obrigando a que o Requerido saia a meio da tarde do trabalho para ir buscá-la ao infantário e a leve a casa dos pais e regresse para terminar o expediente de trabalho, no dia de semana a que tem direito a ir buscá-la e efectuar a refeição do jantar em sua companhia.
51. Não permite que a menor participe nos aniversários dos familiares paternos, bem como em batizados e casamentos de familiares e amigos do progenitor.
52. Todos estes atos dificultam a relação da menor com os seus familiares e amigos.
53. A Requerente pouco ou nada fala com o Requerido sobre a menor.
54. O Requerido por várias vezes viu e teve conhecimento que a Requerente passa o tempo em estabelecimentos comerciais, cafés, levando a menor para esses locais até altas horas, onde muitas vezes esta acaba a dormir em cima das cadeiras do estabelecimento.
55. Não cumprindo o horário necessário que uma criança deve ter de repouso e com as condições adequadas.
56. Por várias vezes viu e teve conhecimento que a Requerente se apresenta embriagada em frente da menor.
57. A saída da menor do país provocará o afastamento emocional do seu pai, da sua família e amigos.
58. A deslocação para o estrangeiro vai colocar a menor em perigos de ordem física e psíquica.

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IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

IV.1- Das (alegadas) nulidades da sentença
IV.1.a – Da nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão
Nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (1), a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607.º, nº 3 que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Como é entendimento pacífico (2), só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Ora, para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e os não coloque na base da decisão, coisa que, manifestamente, no caso em apreço não acontece, pois que, o juiz a quo, como o evidencia a sentença recorrida, aí descriminou os factos que resultaram provados e não provados.
E, como dela resulta, também fez a subsunção jurídica que achou pertinente da materialidade que considerou provada.
Portanto, ao invés do que afirma o recorrente, a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe vem assacada e constante da alínea b) do nº 1 do artigo 615.º e, muito menos, afronta a regra vertida no nº 1 do art. 205º do texto constitucional (que, aliás, em matéria de fundamentação remete para a lei ordinária).
O que se verifica é que o recorrente não concorda com a solução jurídica que o tribunal recorrido deu à impetrada alteração da residência da menor Leila na decorrência do pedido que a sua progenitora formulou nestes autos.
Todavia, essa discordância pode configurar erro de julgamento com a consequente revogação da decisão nesse segmento, porém, não torna nula a decisão nos termos invocados.
Por outro lado, analisando a alegação do apelante pelo prisma da insuficiência da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, também não lhe assiste razão, já que a eventual insuficiência dessa fundamentação não importa a nulidade da sentença, podendo, tão-somente, motivar a aplicação do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 662.º.
A propósito da motivação da decisão de facto, no ato decisório sob censura deixou-se consignado que «Os factos dados como provados assentaram na análise dos documentos juntos pelas partes ao longo do processo, dos dados recolhidos no apenso B, do relatório da avaliação psicológica ordenada, das declarações que foram recolhidas às partes e que nos convencemos serem fidedignas na parte apurada, tendo contribuído também para a decisão a experiência comum e a conhecida realidade económica e social diversa do nosso país e do Reino Unido.
Os factos não provados não obtiveram sustento probatório nestes autos».
Admite-se que, neste particular, a sentença não primou por uma fundamentação rigorosa e persuasiva.
Ainda assim, quem procede à exegese dos elementos probatórios que foram carreados para os autos e a que se faz alusão no aludido segmento da sentença (sendo de ressaltar que no processo não foi produzida prova testemunhal) compreende as razões que conduziram o juiz a quo a considerar determinada materialidade como provada ou não provada, sendo que, na essência, a matéria relevante para a decisão da questão da mudança da residência da menor encontra respaldo nos elementos documentais juntos aos autos (maxime no relatório de perícia psicológica que se mostra junto a fls. 146/156), constituindo excertos de referências neles feitas.
Como quer que seja, afigura-se-nos que a alegação do apelante transporta mais uma dose de impugnação da decisão da matéria de facto, embora sem ser assumida expressamente, do que a arguição de uma insuficiência de fundamentação, tanto mais que não indica qual (ou quais) o concreto facto essencial que considera indevida ou insuficientemente fundamentado cuja compreensão do respetivo sentido decisório tenha ficado comprometida, limitando-se, de forma marcadamente genérica, a alegar que não houve fundamentação.
Ora, para ser despoletada a aplicação do disposto na al. d) do nº 2 do citado art. 662º, tornar-se-ia mister identificar o “facto essencial para o julgamento da causa” cuja insuficiente motivação compromete a aferição da bondade do juízo adrede emitido pelo juiz a quo, o que, no entanto, o apelante não fez.
Nesta conformidade, improcede a arguida nulidade da sentença com fundamento na al. b) do nº 1 do art. 615º, inexistindo outrossim razão válida para determinar a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância para os fins estabelecidos no citado art. 662º, nº 2 al. d).

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IV.1.b. - Da nulidade da sentença recorrida por oposição entre os fundamentos e a decisão

O apelante argumenta ainda que a decisão recorrida padece do vício cominado na al. c) do nº 1 do art. 615º, nos termos da qual “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Verifica-se o referido vício formal quando há contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, isto é, a fundamentação conduz logicamente a resultado distinto do que consta do dispositivo da decisão judicial. Dito de outro modo, a fundamentação seguiu uma determinada linha de raciocínio, apontando num dado sentido, e depois a decisão segue outro oposto, chegando a uma conclusão completamente diferente da apontada pela fundamentação.
A razão de ser desta causa de nulidade ancora-se primordialmente na ideia de que a sentença deve constituir um silogismo judiciário, em que a norma jurídica constitui a premissa maior, os factos a premissa menor e a decisão será a consequência lógica de tais premissas, não devendo, pois, existir qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão.
Portanto, o vício em questão ocorre quando se verifique contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
Na espécie, para além de o apelante não ter densificado de forma cabal a ocorrência do apontado vício formal no ato decisório sob censura, certo é que o juiz a quo, nos respetivos fundamentos, considerou estar reunido o condicionalismo necessário para autorizar a mudança da residência da menor para o Reino Unido, pelo que, em conformidade, no respetivo dispositivo, decidiu deferir pretensão que havia sido formulada pela sua progenitora nesse sentido.
Resulta, assim, do exposto inexistir qualquer contradição intrínseca entre os fundamentos e o dispositivo da sentença recorrida, sendo certo que, como tem sido salientado (3), a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão-pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se antes como erro de julgamento.

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IV.2 – Da existência de contradição entre factos provados e não provados

O apelante advoga que ocorreu incorreto julgamento da matéria de facto quanto aos pontos nºs 56, 57 e 58 dos factos considerados não provados, posto que os mesmos estarão em contradição com a materialidade vertida nos pontos nºs 27 e 28 dos factos provados.
Vejamos.
Nos referidos pontos nºs 27 e 28 o tribunal recorrido deu como provado que:
. A requerente chegou a conduzir sob o efeito do álcool, pondo em causa a segurança da menor e da sua outra filha (ponto nº 27);
. A saída da menor do país provocará o afastamento físico do seu pai, da sua família e amigos (ponto nº 28).
Por seu turno, na decisão recorrida consideraram-se não provados os seguintes factos:
. Por várias vezes viu e teve conhecimento que a Requerente se apresenta embriagada em frente da menor (ponto nº 56);
. A saída da menor do país provocará o afastamento emocional do seu pai, da sua família e amigos (ponto nº 57);
. A deslocação para o estrangeiro vai colocar a menor em perigos de ordem física e psíquica (ponto nº 58).
Registe-se, desde logo, constituir doutrina e jurisprudência correntes que, por via de regra, inexiste contradição entre um facto considerado provado e um outro considerado não provado, pois que, quanto a este último, com a sua não demonstração, tudo se passa como se o mesmo não tivesse sido alegado, como se não existisse, não determinando, pois, que se considere provado o facto inverso (4).
Como quer que seja, cotejando os factos considerados provados e não provados não vislumbramos que entre eles exista qualquer contradição, já que a circunstância de se ter dado como provado que a saída da menor do país provocará o afastamento físico do seu pai, da sua família e amigos (ponto nº 28), não implica necessariamente o seu afastamento emocional dessas pessoas (tanto mais que foi estabelecido um “regime de visitas” (5) bastante lato que permitirá salvaguardar o convívio como forma de manter e preservar os laços afetivos entre a menor Leila e o seu progenitor).
Idêntica conclusão se impõe no confronto entre o facto provado constante do ponto nº 27 e os factos não provados vertidos nos pontos nºs 56 e 58, posto que a circunstância de ter ficado demonstrado que, numa dada ocasião, a progenitora conduziu veículo automóvel “sob o efeito do álcool, pondo em causa a segurança da menor e da sua outra filha”, não permite, sem mais, considerar que a mesma se apresente, amiúde, embriagada em frente da menor e, muito menos, que a sua deslocação para o estrangeiro a vai colocar em perigos de ordem física e psíquica. Aliás, como resulta dos autos, o referido comportamento da progenitora motivou a instauração de um processo de promoção e proteção que foi arquivado, por se ter considerado inexistir qualquer situação de perigo para a menor.
Registe-se, de qualquer modo, que com a argumentação adrede expendida a respeito da invocada contradição pretende o recorrente, ainda que de forma ínvia, sindicar o modo como o tribunal a quo fixou a facticidade que considerou provada e não provada.
Ora, para que pudesse validamente pôr em crise o sentido decisório assumido pelo tribunal de 1ª instância no concernente à fixação da materialidade relevante, deveria o apelante ter dado satisfação aos ónus de alegação e impugnação que a lei adjetiva (cfr. art. 640º do Cód. Processo Civil) impõe ao recorrente que pretenda a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal ad quem, designadamente no que concerne à especificação dos factos concretos que se considera incorretamente julgados e dos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa. Certo é que o apelante não deu cumprimento a tais ónus (o que per se importaria, nesta parte, a inatendibilidade da pretensão recursória), resultando outrossim dos próprios autos que não apresentou qualquer meio probatório tendente a demonstrar as afirmações de facto que agora considera terem sido incorretamente apreciadas pelo tribunal recorrido.

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IV.3 – Da mudança da residência da menor para Reino Unido e da conveniência, sob o ponto de vista do seu superior interesse, dessa alteração

Como se deu nota, o problema essencial que se debate nos presentes autos gira em torno da alteração da residência da menor D. para o estrangeiro, mais concretamente para o Reino Unido.
Tal questão mereceu uma resposta favorável por parte do tribunal recorrido, que deferiu o pedido que nesse sentido foi formulado pela progenitora da menor, sendo primordialmente em relação a tal resposta que se reporta, em termos úteis, a divergência recursiva.
Trata-se, naturalmente, de matéria especialmente sensível para a vida da Leila, assumindo, por isso, tal questão particular importância para os efeitos do disposto no nº 1 do art. 44º da Lei nº 141/2015, de 8.09 (que aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
Relativamente a questões desse jaez rege o nº 1 do art. 1906º do Cód. Civil, nos termos do qual “as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível”, acrescentando o seu nº 5 que “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
Resulta, assim, dos segmentos normativos transcritos que, quando se regista uma dissociação familiar entre os respetivos progenitores, o legislador encara o estabelecimento da residência do filho comum como questão especialmente relevante, de molde a suscitar a intervenção jurisdicional sempre que não seja viável a obtenção de um consenso entre aqueles.
Nesta matéria de determinação da residência do filho de casal desavindo (como em outras igualmente relevantes para o seu crescimento e educação) a lei substantiva convoca, como se viu, o conceito de interesse do menor como critério primeiro a atender nessa definição, como, aliás, resulta enfatizado no nº 7 do citado art. 1906º, dispondo que “o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor (…)”.
Contudo, nem a lei nem os instrumentos internacionais definem o que deve entender-se por “interesse do menor”.
Por se tratar de um conceito jurídico indeterminado, o princípio só adquire relevância quando referido ao interesse de cada criança ou jovem, em concreto, defendendo-se mesmo que haverá tantos interesses quantos forem os menores.
O interesse de uma criança não se confunde com o interesse de outra criança e o interesse de cada um destes é, ele próprio, suscetível de se modificar ao longo do tempo, já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias.
Para MARIA CLARA SOTTOMAYOR “o conceito de interesse da criança comporta uma pluralidade de sentidos. Não só porque o seu conteúdo se altera de acordo com o espírito da época e com a evolução dos costumes, ou porque é diferente para cada família e para cada criança, mas também porque relativamente ao mesmo caso, é passível de conteúdos diversos igualmente válidos, conforme a valoração que o juiz faça da situação de facto” (6).
Caberá, pois, ao julgador densificar valorativamente este conceito, de conteúdo imprecisamente traçado, apreendendo o fenómeno familiar na sua infinita variedade e imensa complexidade e, numa análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, decidir em oportunidade pelo que considerar mais justo e adequado.
No fundo, significa que deve adotar-se a solução mais ajustada ao caso concreto, de modo a oferecerem-se melhores garantias de desenvolvimento físico e psíquico da criança, do seu bem-estar e segurança e da formação da sua personalidade ou, como se refere no Acórdão do Relação de Coimbra de 16 de Março de 2004 (7), “quem, na verdade, define, em cada caso, o sentido dos conceitos intencionalmente deixados vagos na lei é o tribunal, no exercício da função que lhe cabe de a interpretar e aplicar, em face das realidades concretas da vida, nos termos dos artigos 8.º, n.º 3, e 9.º, ambos do Código Civil”.
De igual modo, como se sublinha no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 8/91 (8), “reconhece-se o interesse do menor como a força motriz que há-de impulsionar toda a problemática dos seus direitos. Tal princípio radica na própria especificidade da sua situação perante os adultos, no reconhecimento de que o menor é um ser humano em formação, que importa orientar e preparar para a vida, mediante um processo harmonioso de desenvolvimento, nos planos físico, intelectual, moral e social. O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolva os seus legítimos anseios, realizações e necessidades nos mais variados aspetos”.
O superior interesse da criança surge, assim, como um objetivo a prosseguir por todos quantos possam contribuir para o seu desenvolvimento harmonioso: - os pais, no seu papel primordial de condução e educação da criança; as instituições, ao assegurar a sua tutela e o Estado, ao adotar as medidas tendentes a garantirem o exercício dos seus direitos.
Na doutrina, foram ainda ensaiadas diversas definições do conceito, nomeadamente por RUI EPIFÂNIO e ANTÓNIO FARINHA (9) que procuram explicar o “interesse do menor” como sendo “uma noção cultural, intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar material e moral”.
Trata-se, como ressalta MARIA CLARA SOTTOMAYOR (10), de um conceito “vago e genérico utilizado pelo legislador, de forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado no caso concreto”, somente podendo “ser encontrado em função de um caso concreto, situado no tempo e no espaço, através de uma perspetiva sistémica e disciplinar (…) já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias”.
Em conclusão, o ordenamento jurídico configura o superior interesse da criança essencialmente como um critério orientador na resolução de casos concretos.
O interesse superior da criança não pressupõe a utilização pelo julgador de uma absoluta e total discricionariedade e, muito menos, de uma inadmissível arbitrariedade, conferindo ao juiz alguma dose de discricionariedade mas no sentido de que a sua interpretação permite mais do que uma solução igualmente válida, primariamente concretizado através do recurso a valorações subjetivas.
Na sequência de tais considerações, importa, pois, in casu, apelar ao substrato factual que logrou demonstração para determinar qual a solução mais indicada para salvaguardar o superior interesse da menor D..
Com relevo para a questão que ora nos ocupa, resultou provado que:
. No âmbito da regulação das responsabilidades parentais ficou acordado que a guarda da menor ficaria atribuída à progenitora, sendo as responsabilidades parentais exercidas em comum por ambos os progenitores (ponto nº 4);
. Atualmente a requerente/progenitora pretende voltar a residir no seu País de origem (ponto nº 6);
. A requerente não está atualmente a exercer ativamente a sua profissão (ponto nº 7);
. No Reino Unido a mãe dispõe de todo um núcleo familiar disponível para auxiliar na educação e desenvolvimento das mesmas (ponto nº 8);
. Atualmente, não dispõe a mesma de qualquer outro suporte familiar em Portugal, além da família do pai D (ponto nº 9);
. Para além de tal facto, a requerente dispõe lá de propostas de trabalho (ponto nº 10);
. Relativamente à frequência de ensino, igualmente neste aspeto, a requerente já providenciou tal facto, tendo garantidas vagas nas escolas correspondentes à área de residência (ponto nº 11);
. A acrescer a todos estes fatores, a Inglaterra é dotada de todo um sistema social forte, que auxilia de forma muito substancial as famílias (ponto nº 12);
. Dependendo do seu enquadramento, neste caso estaremos a falar de uma família monoparental, que será alvo de ajudas sociais, que incrementarão ainda mais o rendimento familiar disponível para prover este sustento (ponto nº 13);
. A Requerente pretende que a relação do Progenitor com a Menor se continue a fazer de todas as formas (ponto nº 14);
. Entende que é fundamental a relação que se estabelece entre ambos, pois permite um desenvolvimento saudável da Menor (ponto nº 15);
. Pretende disponibilizar o maior número de formas de contacto, quer via telefone, quer via skype e auxiliará todas as deslocações da menor ao país (ponto nº 16);
. E igualmente fomentar todas as visitas do Progenitor à Menor em Inglaterra (ponto nº 17).
. No âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais ficou acordado que a residência ficaria atribuída à mãe, e as responsabilidades parentais exercidas por ambos os progenitores (ponto nº 20);
. O Requerido tem vindo a cumprir com as suas obrigações, nomeadamente, quanto ao regime de visitas, férias, pensão de alimentos e despesas de saúde (ponto nº 21);
. É um pai presente, carinhoso, preocupado, cuidadoso, colocando o interesse da filha acima de todos os outros interesses (ponto nº 22);
. Apesar de não auferir uma remuneração astronómica (aufere a retribuição mínima mensal) contribui para proporcionar à menor a educação necessária e a estabilidade emocional sempre importante ao crescimento da menor (ponto nº 23);
. Contando ainda com o apoio financeiro da sua família para tudo o que seja necessário em relação à sua filha (ponto nº 24);
. O Requerido reside atualmente com os pais (ponto nº 25);
. O Requerido tem uma grande relação efetiva com a menor e esta gosta de estar com ele e com os avós (ponto nº 26);
. A saída da menor do país provocará o afastamento físico do seu pai, da sua família e amigos (ponto nº 28);
. Este afastamento acarretará para a menor algum sofrimento, que porá em risco a sua estabilidade emocional e efetiva apenas no caso de os progenitores não saberem gerir os contatos entre pai e filha nessa nova realidade (ponto nº 29);
. A D. reúne condições favoráveis ao desenvolvimento de uma autoestima positiva (ponto nº 31);
. Apresenta um desempenho social ajustado (ponto nº 32);
. Relaciona-se com a família de ambos os progenitores, apresentando um relacionamento positivo com ambas as partes (ponto nº 33);
. Identifica o requerido como pai e expressa sentimentos positivos e ligação afetiva em relação ao mesmo (ponto nº 34);
. Ambos os progenitores apresentam juízo crítico quanto à importância de uma relação cordial na gestão da partilha das responsabilidades parentais, com dificuldades na sua operacionalização (ponto nº 35);
. A D. está ciente da sua realidade familiar: sabe que tem duas casas e que os pais estão separados, bem como dos conflitos ou tensões por vezes emergentes (ponto nº 36).
. A D. mantém um esquema relacional com ambos os pais, atenta a presença significativa de ambos os progenitores na sua vida (ponto nº 38);
. A D. revela um discurso inconsistente no que diz respeito à sua preferência em ir para o Reino Unido ou ficar em Portugal, atendendo ao seu estádio de desenvolvimento cognitivo (ponto nº 39);
. O afastamento físico resultante da pretendida mudança de residência não implica necessariamente impacto ao nível da ligação afetiva com o pai, dependendo isso sim da concreta gestão/manutenção dos contatos entre ambos (ponto nº 40);
. A D. tem uma ligação afetiva forte com a irmã F., nascida em 25.8.2001 (ponto nº 41);
. A D. esteve sempre ao cuidado (a residir com) da mãe (ponto nº 42);
. A mudança de residência para o Reino Unido, na companhia da mãe e irmã importará assim uma alteração menos drástica da sua representação familiar (ponto nº 43).
Perante o descrito quadro factual, importa, pois, determinar, in concreto, se a mudança da residência da menor D. para o Reino Unido é a solução que melhor acolhe e satisfaz o seu superior interesse.
Os mencionados elementos de facto evidenciam que a guarda da menor tem estado confiada à sua progenitora, que vem promovendo o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral.
Nesse contexto, e inexistindo nos autos elementos que, de forma consistente, abalem a capacidade da progenitora de continuar o processo educacional da menor, afigura-se-nos ser, pois, de observar a regra de que esta deve estar com a “pessoa que cuida dela no dia-a-dia”, por constituir a solução mais conforme ao seu interesse, por permitir desenvolver a continuidade do ambiente e da relação afetiva principal (11) .
E nem o facto de a mãe pretender deslocar-se definitivamente com a menor para Inglaterra permite pôr em crise a bondade de tal solução, posto que, como resultou demonstrado, aquela (para além de aí dispor de propostas de trabalho, o que lhe permitirá prover às necessidades do seu agregado, tendo igualmente garantido para a menor vaga na escola correspondente à área de residência) tem em Inglaterra todo um núcleo familiar, perfeitamente coeso e estruturado, que, naturalmente, a auxiliará na educação e desenvolvimento da D., podendo outrossim beneficiar de todo um sistema social que nesse país auxilia de forma muito substancial as famílias, sobretudo as monoparentais.
Acresce que, como resulta do relatório de avaliação psicológica e se mostra enfatizado na decisão recorrida, a D. tem uma forte afeição pela sua irmã, sempre viveu com a mãe e revela uma personalidade bem estruturada para a sua tenra idade, resultante do apurado contributo de ambos os progenitores, «o que com certeza reduzirá o impacto do seu afastamento físico do pai e, conforme apurado, não perturbará a afeição que dá e recebe do pai, se houver, como se espera, uma continuidade de contactos com o pai, promovidos por ambos os progenitores, como é sua obrigação».
Pelo lado do progenitor, como bem sublinha a Digna Magistrada do Ministério Público, «o desejo expresso de que a sua filha fique em Portugal é um desejo pessoal e não um desejo orientado para os superiores interesses da menor, fator primordial e central a ter em conta para a decisão».
Perante tais dados de facto, conclui-se que nada foi alegado, de relevante, que contrarie o acerto da sentença proferida em 1.ª instância, no segmento em que autoriza a mudança de residência da menor para o Reino Unido, já que tal solução é a que, em concreto, melhor salvaguarda o seu superior interesse.
A apelação terá, pois, de improceder.

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SÍNTESE CONCLUSIVA

I- Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 615ºdo Código de Processo Civil.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

II- O superior interesse da criança surge como um objetivo a prosseguir por todos quantos possam contribuir para o seu desenvolvimento harmonioso: - os pais, no seu papel primordial de condução e educação da criança; as instituições, ao assegurar a sua tutela e o Estado, ao adotar as medidas tendentes a garantirem o exercício dos seus direitos.

III – Na densificação do conceito indeterminado de “superior interesse da criança” deve adotar-se a solução mais ajustada ao caso concreto, de modo a oferecerem-se melhores garantias do seu desenvolvimento físico e psíquico, do seu bem-estar e segurança e da formação da sua personalidade.

IV- Como critério orientador a criança deve estar com a “pessoa que cuida dela no dia-a-dia”, por constituir a solução mais conforme ao seu interesse, por permitir desenvolver a continuidade do ambiente e da relação afetiva principal.

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V- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Guimarães, 16.06.2016
____________________
Dr. Miguel Baldaia Morais
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Dr. Jorge Miguel Seabra
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Dr. José Cardoso Amaral
(1) Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
(2) Cfr., por todos, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140, ANTUNES VARELA et al., Manual de Processo Civil, pág. 669 e LEBRE DE FREITAS et al., Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 669.
(3) Assim, LEBRE DE FREITAS, A ação declarativa comum, pág. 298 e AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 54.
(4) Cfr., inter alia, na doutrina, ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, pág. 227 e seguinte e LEBRE DE FREITAS et al., ob. Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 629; na jurisprudência, acórdãos da Relação do Porto de 18.03.97 (processo nº 9730856), de 23.03.98 (processo nº 9831099) e de 30.11.99 (processo nº 0030644), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
(5) Registe-se, a este respeito, que vem sendo preconizada por alguns autores (v.g. MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio, págs. 273 e seguinte) a conveniência de alterar a denominação para “relações pessoais entre o filho e o progenitor não residente” ao invés do estabelecido “direito de visita”, que acaba por sugerir um distanciamento e uma parca frequência da relação, ao contrário do que, em teoria, se pretende.

(6) In Exercício do Poder Paternal, pág. 85.
(7) (Processo n.º 0179/05), disponível em www.dgsi.pt. Em idêntico sentido, decidiram igualmente, inter alia, os acórdãos da Relação de Lisboa de 14.06.2007 (processo nº 2616/2007) e de 08.07.2008 (processo 5895/2008-1), disponíveis no mesmo sítio.
(8) Disponível no sítio www.dre.pt.
(9) In Organização Tutelar de Menores – Contributo para uma visão interdisciplinar do Direito de Menores e de Família, pág. 376 e seguinte. Em análogo sentido milita ALMIRO RODRIGUES, Interesse do Menor - Contributo para uma definição, in Revista Infância e Juventude, n.º 1, págs. 18 e seguinte, para quem «o interesse superior da criança deve ser entendido como o direito deste ao seu desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, definido através de uma perspetiva sistémica e interdisciplinar que não esqueça e não deixe de ponderar o grau de desenvolvimento sociopsicológico da criança».
(10) In Regulação do Exercício do Poder Paternal nos casos de Divórcio, págs. 42 e seguintes. Em idêntico sentido CELSO MANATA, Superior Interesse da Criança, in http://www.cnpcjr.pt/preview_pag.asp?r=2259.
(11) Cfr., neste sentido, MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Regulação do exercício do poder paternal, pág. 46 e seguinte, a qual, mais adiante (pág. 382), a respeito da questão da mudança de residência, advoga que a sua resolução “deve ser analisada à luz da qualidade das soluções alternativas possíveis para a criança, no caso de se proibir a deslocação, e deteta-se, conforme o exposto, que nenhuma das soluções é a ideal. Portanto, terá que se optar pela menos má, a permanência da criança junto da sua pessoa de referência”.