Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
349/13.2PEGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: VIDEO-VIGILÂNCIA
FILMAGENS
FOTOGRAFIA
LUGARES PÚBLICOS
Nº do Documento: RP20150225349/13.2PEGDM.P1
Data do Acordão: 02/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A obtenção de fotografias ou de filmagens, sem o consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, nomeadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou hajam, ocorrido publicamente não constitui ilícito típico.
II – Nessas circunstancias mesmo que haja falta de licenciamento da CNPD podem ser usadas como meio de prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 349/13.2PEGDM.P1
Secção Criminal
CONFERÊNCIA

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunta: Maria Dolores Sousa

Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, n.º 349/13.2PEGDM.P1, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar, agora Comarca do Porto, Gondomar-Instância Local-Secção Criminal-J2, por sentença proferida a 29 de Maio de 2014, foi o arguido B…, com os demais sinais dos autos, condenado na pena 8 (oito) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de furto simples, previsto e punível pelo art. 203º n.º 1, do Cód. Penal.
Discordando, o arguido interpôs recurso extraindo da motivação as conclusões que se transcrevem:
“A- Fundamenta a M.Ma Juiz a quo a que fundou a sua convicção "... no visionamento do filme de vídeo vigilância do momento em causa efetuado em audiência de julgamento..." No auto de recolha de imagens a fls. ..., a autoridade policial a quem foi confiada a investigação criminal, invoca que as imagens de vídeo vigilância foram recolhidas ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 35/2004 de 21 de fevereiro, diploma que regula o regime jurídico de exercício da atividade de segurança privada. Ora dispõe o n.º 4 do citado artigo 13° que: "A autorização para a utilização de meios de vigilância eletrónica do presente diploma não prejudica a aplicação do regime geral em matéria de proteção de dados previsto na Lei n.º 67/98 de 26 de Outubro, designadamente em matéria de direito de acesso, informação, oposição de titulares e regime sancionatório".
B - Resulta daqui, que as entidades licenciadas para o exercício da atividade de segurança privada, poderão proceder à gravação de imagens e som, através de equipamentos eletrónicos, desde que se observe o regime geral de proteção de dados previsto na Lei n.º 67/98 de 26 de Outubro.
C - Não resultou provado nestes autos que a ofendida (ou outra entidade) procedeu à notificação da Comissão Nacional de Proteção de Dados, antes de implementar o funcionamento do sistema de videovigilância. Esta obrigação resulta das disposições conjugadas dos artigos 7.º, 27º, 28º, n.º l e 37.º n.ºs l e 2 da Lei n.º 67/98 de 26 de Outubro.
D - Não tendo sido observadas as condições imperativas de recolha e tratamento de imagens e som, não podem aquelas imagens e os fotogramas daí obtidos, ser valoradas, como foram, pelo tribunal a quo, atento princípio da legalidade da prova, previsto no artigo 125.º do Código de Processo Penal.
E - São os seguintes os pontos de facto que o Arguido considera incorrectamente julgados (cfr. alínea a) do n.º 3 do artigo 412º do Cód. Proc. Penal): alíneas a), b), c), d) e e) dos factos provados.
F - O arguido de forma coerente, e, respondendo sempre de forma calma, ponderada, objectiva e descomprometida a todas as questões que lhe foram colocadas, pelo MMa Juiz "a quo", pela Senhora Procuradora, não hesitou em qualquer uma delas, admitindo, inclusivamente os factos que bem sabia lhe eram prejudiciais, tais como a sua presença na F….
G - O arguido prestou declarações, - alínea b) do n.º 3 do artigo 412º do Cód. Proc. Penal - que - 21-05-2014,14:14:32 (n.º 4 do artigo 412º do C. P. Penal):
Arguido: É verdade que entrei na loja e saí. É verdade que estive lá dias depois, abordaram-me a dizer que um indivíduo furtou relógios... chamei (chamaram?) a polícia ....
MMa Juiz: Chegue aqui... é o senhor a mexer nos relógios? ...
(A resposta não é percetível)
MMa Juiz: O que é que o fez voltar? Trazia ou não o relógio dentro do bolso!?
Arguido: Não senhor! Como é que eu ia sair do centro comercial no 2º andar com o relógio dentro do bolso?... Com seguranças!.
MMa Juiz: Quando foi lá, foi fazer o quê?
Arguido: Ia comprar um presente para a minha namorada ou para minha filha.
MMa Juiz: Quando saiu da loja, viu alguém a correr atrás de si?
Arguido: Não senhor, eu saí, escadas rolantes, depois andei no K... ...
MMa Juiz: O senhor recorda-se?!
Arguido: É claro que recordo, já fui três vezes à polícia!
MM° Juiz: Ah, bom...
H - A estes pontos responderam as testemunhas C… e D…, testemunhas indicadas pela acusação, da forma seguinte. - alínea b) do n.º 3 do artigo 412º do Cód. Proc. Penal - que, respetivamente, 28-04-2014,14:32:52 e 28-04-2014,14:10:2014, (n.º 4 do artigo 412° do C. P.Penal).
I - Importa dizer que estas testemunhas prestaram depoimento de forma pouco credível, não justificaram o porquê de, o arguido depois de ter furtado o relógio regressou à loja, assim como não explicaram porque é que a testemunha E… disse que viu o relógio no bolso do arguido e o viu sair e não foi imediatamente chamada a segurança ou as forças policiais.
J - O tribunal "a quo" entendeu que a testemunha da acusação C… de forma "peremtória, serena objetiva, que viu o relógio em causa, quando estava atender, o que chamou a atenção e fez chamar as colegas".
L - Não se afigura credível que neste quadro de flagrante delito, uma logista experiente não tenha de imediato feito soar o alarme existente na loja, e subsequente pedido de auxílio aos seguranças contratados pelo centro comercial, e, autoridades policiais.
M - Daqui resulta à evidência que a testemunha mentiu quando disse que viu o relógio no bolso do arguido, admite-se como hipótese académica que o dito relógio possa ter sido furtado e que desapareceu do mostruário, não seguramente foi o aqui recorrente quem o furtou.
N - Parece evidente ao recorrente, com devido respeito, que a convicção a MMa juiz foi formada, não na prova produzida em audiência de julgamento, mas outrossim, com a análise do certificado do registo criminal do arguido, é verdade que o recorrente tem um extenso passado criminal, assim é verdade que já pagou à sociedade por crimes que cometeu, não podendo ser condenado, nos presentes autos, única e exclusivamente como com base em ilações que o tribunal "à quo" retirou do registo criminal do arguido.
O - Face à prova produzida o Mm. Juiz "a quo" não podia ter dado como provado os referenciados factos nas alíneas a), b), c), d) e e).
P - A existirem dúvidas, o que não se concede, dada as diferentes versões dos factos apresentados pelo arguido e pelo assistente, sempre deveria prevalecer o princípio constitucional de presunção de inocência, consagrada no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, que assim foi objectivamente violado.
Q - Determina o artigo 43° do Código Penal que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por pena não privativa de liberdade, já o artigo 58.° dispõe que a pena de prisão não superior a dois anos deve ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
R - Importa agora trazer à colação que o arguido foi acusado e condenado pelo tribunal à quo pelo furto de um relógio no valor € 125,00!!!
S - Para a boa aplicação da pena em concreto aplicável ao arguido, resultou provado que: al. ff), "que o arguido conseguiu cumprir duas mediadas de trabalho a favor da comunidade de forma que mereceu a avaliação positiva por parte da entidade que beneficiou do trabalho"; al. gg) "trabalho comunitário cumprido"; al. kk) "dinâmica familiar equilibrada, sendo B… descrito como um pai dedicado e preocupado com a imagem que projeta junto das filhas"; al. mm) o arguido é descrito como um indivíduo com interação educada por parte dois vizinhos".
T - Perante estes factos, entendeu adequada e proporcional condenar o arguido na pena de oito meses de prisão efetiva.
U - Obviamente nada tem de adequado e proporcional privar um pai dedicado pelo período de 8 meses, um indivíduo que cumpriu de forma exemplar as penas de trabalho comunitário, uma pessoa integrada no meio social, que é apreciada pelos vizinhos, que está integrado numa família funcional.
V - Para além do mais, como é sabido, o cumprimento na pena de prisão efetiva terá como consequência necessária, dada a interação com outros reclusos, o regresso do arguido a uma vida de toxicodependência, que como resulta provado, o arguido abandonou.
Z - Violaram-se assim os artigos 32º da Constituição, artigos 120º e 125º do Código de Processo Penal
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Admitido o recurso por despacho de fls. 204, respondeu o Ministério Público pugnando pela sua improcedência e manutenção do decidido, rematando a motivação com as seguintes conclusões:
“1. A título de questão prévia, cumpre desde logo dizer que o recorrente, no seu requerimento de interposição de recurso e respectiva motivação, fez uma quase reprodução integral da motivação do recurso, sendo certo e consabido que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, impondo-se, assim, que se dê cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
2. Não obstante o recorrente não ter cumprido esse requisito na motivação apresentada, sempre se dirá que não assiste razão ao recorrente, pois a prova produzida em audiência de discussão e julgamento é suficientemente elucidativa da prática dos factos pelos quais o arguido vinha acusado e evidenciou o seu cometimento.
3. Com efeito, a prova produzida, apreciada, ponderada ao longo da audiência de discussão e julgamento foi valorada pelo tribunal segundo os cânones legais - cfr. artigo 127.º do Código de Processo Penal -, suporta objectivamente os factos dados como assentes na sentença recorrida e empresta a todo o processo decisório de formação da convicção da Mma. Juiz, foros de justeza, correcção e comportabilidade juridicamente.
4. O arguido vem, nesta sede, arguir a nulidade da prova, por se ter valorado o visionamento das imagens de videovigilância existentes no estabelecimento em causa nos autos, uma vez que se desconhece se aquele estabelecimento possui autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados para ter tal sistema ali instalado.
5. Todavia, inexiste nulidade a declarar, como linearmente se pode constatar da análise da variada jurisprudência dos nossos tribunais superiores a esse respeito, de que se veja, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10.10.2012 (disponível em texto integral em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/47b9625c36f11ac680257a9c0049e83e?OpenDocument) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.09.2011 (disponível em texto integral em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/25cd7aa80cc3adb0802579260032dd4a?OpenDocument), onde se procede a uma análise exaustiva da temática.
6. Assim, impõe-se concluir - conforme se explana nos citados arestos - que, ao livremente apreciar e valorar as referidas imagens de videovigilância, não foi valorada qualquer prova proibida, porquanto se impõe concluir que os fotogramas obtidos através do sistema de videovigilância existentes num local de acesso público e para protecção dos bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à Comissão Nacional de Protecção de Dados, não correspondem a qualquer método proibido de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infracção criminal, e não digam respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada.
7. Aliás, não obstante tal não resultar expresso e inequívoco dos autos, a verdade é que estão publicadas no sítio da internet da Comissão Nacional de Protecção de Dados as autorizações concedidas para esse efeito, facto que, por uma simples pesquisa na referida página de internet permite apurar que aquele estabelecimento estava devidamente autorizado a dispor de sistema de videovigilância, pelo que, ainda que não fosse acolhido o entendimento acima sufragado, sempre se teria que considerar que existe efectivamente tal autorização, a qual é livremente consultável na internet (pelo acesso à página de internethttp://www.cnpd.pt/bin/decisoes/decide_sumarios.htm, estando a autorização concedida ao estabelecimento comercial em causa nos autos disponível para consulta na página da internethttp://www.cnpd.pt/bin/decisoes/aut/10_1260_2008.pdf).
8.[1]
9. Por todo o acima exposto se impõe concluir que inexiste qualquer nulidade da prova e, bem assim, que não foi valorada pelo Tribunal a quo qualquer prova proibida.
10. No que ao erro notório na apreciação da prova invocado pelo arguido concerne, cumpre referir que, na verdade, o recorrente, pegando nas declarações por si prestadas, dando a sua versão dos factos, pretende retirar credibilidade às declarações prestadas pelas demais testemunhas, ignorando também toda a demais prova produzida, qual seja, os fotogramas e as imagens do sistema de videovigilância apreciados e valorados nos autos, empolando «o acessório» e pretende fazer crer a esse Venerando Tribunal que a Mma. Juiz a quo julgou mal e erroneamente.
11. A prova produzida, no seu conjunto, impunha que a matéria de facto dada como provada assim o tivesse sido, pelo que se impunha, assim, também, a condenação do arguido e naquela pena.
12. Aliás, uma análise criteriosa de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento permite, de facto, esclarecer que o arguido carece de razão e o seu recurso deve ser julgado improcedente.
13. Assim, aqueles depoimentos e imagens, impuseram que se concluísse que aqueles factos deveriam ser dados como provados, pelo que o arguido teria que ser condenado pela sua apurada conduta, não obstante as suas declarações no sentido de negar o inegável, diríamos até.
14. Assim, a decisão proferida não merece qualquer censura, porquanto explanou devidamente como tal convicção foi atingida e por que não se deu credibilidade à versão dos factos trazida aos autos pelo arguido.
15. Verifica-se que nestes autos nunca a decisão poderia ter sido a da absolvição do arguido, impondo-se antes sim a sua condenação pelos factos que constam da acusação pública e da sentença que o condenou.
16. Por outro lado, não há lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo, porquanto nunca o Tribunal a quo esteve perante uma dúvida que devesse ser resolvida a favor do arguido.
17. Assim, o tribunal a quo julgou criteriosa e prudentemente o arguido e face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento só poderia ter concluído pela sua condenação e naquela pena, como fez, e bem.
18. A pena aplicada na sentença recorrida obedeceu a rigorosos critérios de dosimetria penal, observando escrupulosamente a culpa e a reintegração do recorrente, bem como, ponderou as exigências decorrentes das necessidades de prevenção geral e especial, é equilibrada, adequada ao caso, obedece aos critérios legais na sua determinação, não ultrapassa a medida da culpa, razões pelas quais deverá valer e permanecer.
19. A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito, e não é possuidora de qualquer vício que inquine a sua validade substancial ou formal, devendo ser mantida nos seus precisos termos, julgando-se assim o recurso improcedente.”
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Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, louvando-se na aludida resposta a cuja fundamentação aderiu.
Cumpriu-se o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais tendo sido aduzido.
Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. É consabido que, para além das matérias de conhecimento oficioso [v.g. nulidades insanáveis, da sentença ou vícios do art. 410º n.º 2, do citado diploma legal], são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [v. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt].
Daí que, se o recorrente suscita questões na motivação que, depois, não retoma nas conclusões, deve dar-se predominância à matéria que nestas foi vertida, olvidando-se o mais que naquela consta – v., Ac. STJ, de 1/7/2005, Proc. 1681/01- 3ª, in dgsi.pt.
Assim, no caso sub judicio, as questões suscitadas, na sua pré-ordenação lógica, são as seguintes:
a) Valoração de prova nula
b) Erros de julgamento da matéria de facto
c) Aplicação de pena de substituição
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2. A fundamentação de facto da decisão recorrida, no que ao caso interessa, é a seguinte: (transcrição)
A) Factos Provados
a) No dia 17 de Novembro de 2012, cerca das 18,50 horas, o arguido B… dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “F…”, pertença da sociedade “G…, S.A.”, sito no interior do centro comercial “H…”, em …, Gondomar, tendo em vista apoderar-se de algum relógio que no seu interior encontrasse, sem efectuar o respectivo pagamento.
b) Para tanto, e na execução de tal propósito, aproveitando a circunstância de a funcionária que estava de atendimento ao público no aludido estabelecimento comercial ter tido necessidade, de se retirar do interior do balcão de atendimento para se deslocar a uma outra dependência interna do mencionado estabelecimento, e ali não se encontrar mais nenhum cliente, o arguido aproximou-se rapidamente de um expositor de relógios da marca “Swatch”, e, em acto contínuo, agarrou e retirou um relógio de homem, da marca Swatch, modelo ……, de cor cinza, no valor de € 125,00, objecto esse que de imediato acondicionou no interior de um dos bolsos da roupa que trajava, e, dessa forma abandonou, de imediato, o local levando consigo tal objecto, com o propósito de o fazer seu.
c) No preciso momento em que abandonava o referido estabelecimento o arguido apercebeu-se que a dita funcionária regressa ao balcão de atendimento e com o fito de não levantar suspeitas sobre a sua pessoa, reentra no dito estabelecimento e aborda a dita funcionária revelando-se interessado na aquisição de um relógio, abandonando alguns minutos após o dito estabelecimento, sem nunca efectuar qualquer pagamento.
d) Sabia o arguido que a sua descrita conduta era proibida e penalmente punível.
e) O arguido actuou livre, deliberada e conscientemente, no propósito de fazer seu o objecto acima descrito, bem sabendo que este lhe não pertencia e que estava a actuar contra a vontade do seu legítimo proprietário, o que logrou alcançar.
Mais se provou que:
f) Por acórdão proferido em 28.02.2002, devidamente transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 149/00.0PBVNG da 2ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia, o arguido foi condenado pela prática, em 06.06.2000, de dois crimes de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, n.º 1, al. a) e b) e n.º 3 do Código Penal, na pena única de 16 meses de prisão.
g) Por acórdão proferido em 21.12.2001, devidamente transitado em julgado, no âmbito do processo n.º 313/00 do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar, o arguido foi condenado pela prática, em 05.01.2000, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de dois anos e oito meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos.
h) Por acórdão proferido em 11.03.2003, devidamente transitado em julgado, no âmbito do processo n.º 629/99.8SLPRT da 4ª Vara Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, em 27.08.1999, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dezasseis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.
i) Por sentença proferida em 01.10.2003, devidamente transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 766/03.6SMPRT da 2ª Secção do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, em 21.09.2003, de um crime de furto p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão.
j) Por sentença proferida em 09.05.2000, devidamente transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 957/99.2TBMTS do 1º Juízo Criminal de Matosinhos, o arguido foi condenado pela prática, em 06.07.1999, de um crime de furto p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão.
k) Por sentença proferida em 04.02.2003, devidamente transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 1176/99.3GAVNG do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Vila Nova de Gaia, o arguido foi condenado pela prática, em 11.12.1999, de um crime de passagem de moeda falsa p. e p. pelo art. 265º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
l) Por acórdão proferido em 15.12.2003, devidamente transitado em julgado, no âmbito do processo n.º 8280/00.5TDPRT do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial Matosinhos, o arguido foi condenado pela prática, em 20.04.2000, de um crime de burla p. e p. no art. 217º, n.º 1 do Código Penal e de um crime de falsificação de documento p. e p. no art. 256º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 3 do Código Penal, na pena única de 3 meses de prisão e dez meses de prisão.
m) Por acórdão proferido em 28.10.2004, devidamente transitado em julgado, no âmbito do processo n.º 347/00.6SLPRT da 4ª Vara Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, em 05.05.2000, de um crime de furto na forma tentada e de um crime de furto, p. e p. no art. 203º, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 9 meses de prisão.
n) Por acórdão proferido em 09.12.2004, devidamente transitado em julgado, no âmbito do processo n.º 640/99.9PAOVR do 3º Juízo Tribunal Judicial de Ovar, o arguido foi condenado pela prática, em 05.10.1999, de um crime de furto qualificado p. e p. no art. 203º, n.º 1, e 204º n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão.
o) Por acórdão cumulatório proferido em 11.01.2005, devidamente transitado em julgado, no âmbito do processo n.º 640/99.9PAOVR do 3º Juízo Tribunal Judicial de Ovar, o arguido foi condenado numa pena única de 7 anos de prisão efectiva, englobando as penas que lhe foram aplicadas nesse processo referido em o) e nos processos referidos em g) a n).
p) Por sentença proferida em 11.03.2010, devidamente transitada em julgado em 31.03.2010, no âmbito do processo n.º 41/10.0PEPRT do 3º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, em 10.03.2010, de um crime de furto p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho gratuito a favor da comunidade, sendo que tal pena já se encontra extinta pelo cumprimento.
q) Por sentença proferida em 19.10.2010, devidamente transitada em julgado em 08.11.2010, no âmbito do processo n.º 74/09.9SPPRT do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, o arguido foi condenado pela prática, em 08.01.2009, de um crime de desobediência p. e p. pelo art. 348º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €5,00, sendo que tal pena já se encontra extinta pelo cumprimento.
r) Por sentença proferida em 30.06.2010, devidamente transitada em julgado em 08.01.2012, no âmbito do processo n.º 234/09.2PTPRT do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, em 10.03.2010, de um crime de desobediência p. e p. pelo art. 348º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €7,00, a qual posteriormente foi substituída por 100 horas de trabalho a favor da comunidade e já se encontra extinta pelo cumprimento.
s) Por sentença proferida em 29.11.2013, devidamente transitada em julgado em 27.02.2013, no âmbito do processo n.º 1584/11.3TDPRT da 2ª Sessão do 3º Juízo Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, em 14.01.2011, de um crime de furto simples p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa à taxa diária de €5,00.
t) Por acórdão proferido em 30.06.2011, devidamente transitado em julgado em 20.04.2012, no âmbito do processo n.º 140/10.6PJPRT da 3ª Vara Criminal do Porto, o arguido foi condenado pela prática, em 23.01.2010, de um crime de burla informática e nas comunicações p. e p. pelo art. 221º, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempos, com regime de prova.
u) B… é o quinto de sete filhos. O seu processo de desenvolvimento decorreu no agregado familiar de origem, que recorda como marcada por dificuldades económicas e pelo alcoolismo do progenitor, onde aparece enquadrada a separação dos pais, que ocorreu durante o período da adolescência do arguido. O arguido e irmãos permaneceram à guarda da mãe, que teve dificuldades para conciliar o trabalho e o acompanhamento dos filhos, tendo o arguido passado a privilegiar os contextos de rua e a convivência com pares conotados com condutas marginais, referindo que foi neste período da vida que iniciou o consumo de estupefacientes, o que localiza nos 14/15 anos de idade.
v) Teve um percurso escolar globalmente regular até ao 7º ano de escolaridade, data a partir da qual passou a registar absentismo com consequente insucesso que determinou o abandono da frequência escolar no sentido de iniciar atividade laboral numa oficina de automóveis.
w) Ao nível profissional o arguido apresenta um percurso pautado pela descontinuidade na manutenção de uma atividade laboral regular e o exercício de diversas funções indiferenciadas, contudo assinalando períodos de estabilidade em alguns dos enquadramentos laborais, nomeadamente durante mais de dois anos numa gelataria e cerca de sete anos como chefe de uma equipa de vendas, por conta de um estabelecimento de venda de mobiliário e eletrodomésticos.
x) O intensificar do consumo de estupefacientes e a evolução para as denominadas drogas duras, que localiza durante o cumprimento do serviço militar obrigatório, determinou um quadro de toxicodependência e passou a condicionar todo o seu percurso vivencial, sem que as tentativas de desintoxicação a que se submeteu tivessem surtido efeito.
y) Em termos pessoais, desde há cerca de 17 anos que mantém relacionamento afetivo, com união de facto há cerca de 15/16 anos, do qual resultou o nascimento de duas filhas, tendo a subsistência do agregado decorrido principalmente de apoios governamentais.
z) Durante o cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no âmbito do cúmulo jurídico efectuado no Tribunal de Ovar (que decorreu de 23-09-2003 a 20-05-2008) o arguido revelou dificuldades de adaptação ao normativo institucional, tendo sofrido diversas punições, principalmente durante o período em que permaneceu no estabelecimento Prisional do Porto.
aa) A transferência para o Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, ocorrida em 30-05-2007 parece ter contribuído para a gradual normalização do comportamento do arguido, que aderiu a tratamento à toxicodependência e à frequência da escolaridade com o objetivo de se habilitar com o 9º ano e concluiu um curso de informática.
bb) Beneficiou da liberdade condicional, que decorreu de 20-08-2008 a 19-09-2010. Durante este período o arguido, que reintegrou o agregado constituído pela companheira e duas filhas, registou recaída nos consumos com consequente registo de incumprimento e não adesão à intervenção desta DGRSP, realidade que foi reportada ao competente processo em Dezembro do 2009, paralelamente assumiu comportamento delinquente.
cc) Manteve comportamento revelador de dificuldades de cumprimento das obrigações decorrentes das condenações que sofreu, traduzidas na não comparência, quer às convocatórias para entrevista nesta DGRSP quer nas entidades beneficiárias do trabalho a favor da comunidade. Nesta conjuntura, por decisão de 19-09-2011 no Processo n.º 74/09.9SPPRT do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia viu ser-lhe revogada a substituição de multa por trabalho a favor da comunidade, tendo sido emitidas as competentes guias de pagamento da pena de multa em que havia sido condenado.
dd) Relativamente à toxicodependência, o arguido veio a aderir ao tratamento disponibilizado por programas de baixo limiar de exigência, tendo sido integrado em programa de substituição opiácea, inicialmente através do projeto ARRIMO e, desde 2012 que efetua as tomas diárias de metadona na unidade móvel, pertencente ao Centro de Respostas Integradas do Porto Ocidental, que se desloca ao … do Porto.
ee) À data dos factos na origem do presente processo, como presentemente, o arguido permanecia integrado no agregado familiar constituído pela companheira (33 anos, desempregada) e duas filhas (13 e 10 anos de idade). Residem desde finais do ano de 2009 na morada constante no presente processo, em casa arrendada, de construção antiga, situada em zona residencial, próxima de outras caracterizadas por elevada incidência de problemáticas sociais e criminais.
ff) Encontrava-se sujeito à intervenção por parte da equipa do Porto Penal 1 desta DGRS no âmbito de penas de execução da comunidade, sendo que, apesar das dificuldades que apresentou, o arguido acabou por conseguir cumprir duas medidas de trabalho a favor da comunidade de forma que mereceu avaliação positiva por parte da entidade beneficiária do trabalho. Assim, no período compreendido entre 05-11-2012 e 17-12-2012 prestou 150 horas de trabalho a favor da comunidade em substituição de uma pena de 5 meses de prisão em que foi condenado, por sentença transitada em julgado a 31-03-2010, no Processo n.º 41/10.0PEPRT do 3º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto e, durante o período compreendido entre 22-05-2013 e 19-06-2013 cumpriu 100 horas de trabalho em substituição de uma pena de multa em que foi condenado, por sentença de 30-06-2011, no Processo n.º 240/09.2PTPTT do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, tendo ambas as medidas já sido declaradas extintas. Relativamente ao acompanhamento de uma pena de um ano de prisão cuja execução foi suspensa, sujeita a regime de prova, pelo crime de burla informática em que foi condenado por acórdão transitado em julgado a 20-04-2012 no Processo n.º 140/10.8PJPRT da 3ª Vara Criminal do Porto, no relatório final elaborado, apesar de ter sido assinalada alguma irregularidade na comparência às entrevistas e a não concretização de uma inserção laboral regular, foi avaliado que o acompanhamento da execução desta pena decorreu de modo regular. Relativamente ao processo de liberdade condicional, por decisão de 14-03-2013 a pena de prisão aplicada no respetivo processo foi declarada cumprida e extinta, com efeitos a partir de 16-09-2010.
gg) O arguido assume um discurso de desculpabilização sobre o comportamento de incumprimento que manteve, destacando o facto de ter acabado por cumprir as medidas de trabalho a favor da comunidade de modo assíduo e com execução adequada das tarefas que lhe foram confiadas.
hh) Então, como presentemente, como rendimentos fixos mensais para subsistência contam com o Rendimento Social de Inserção (€374) e o abono de família das filhas (€75). O arguido vem prestando trabalho em regime de biscates, realizando cargas/descargas no J…, referindo auferir entre €20 a €25 por dia, não tendo sabido indicar um montante mensal por ser uma atividade irregular. A este respeito, a companheira informou que o arguido normalmente consegue trabalho dois ou três dias por semana, colaborando na economia doméstica. Como despesas fixas mensais indicaram a renda de casa (€258), a luz (€40) e a água (€20), referindo dificuldades económicas, onde enquadram o facto de registarem dividas com as despesas fixas mensais, nomeadamente com a renda da casa, que já não pagam há um ano, e com a eletricidade, que já não pagam há seis meses. Segundo referiram vem-lhes valendo o apoio das respetivas famílias de origem, e recorreram à segurança social e ao serviço social da Junta de Freguesia … para receberem apoio na regularização daquelas dívidas e também no sentido de se candidatarem a habitação social.
ii) B… relata um quotidiano estruturado em torno das deslocações para a toma da metadona, referindo que, quando não consegue trabalho, permanece no domicílio apoiando a companheira ou deslocando-se a cafés onde se encontra com amigos, descrevendo o seu atual círculo de convivência como normativo.
jj) O arguido assegura manter-se abstinente do consumo de drogas, enquadrando a opção de manter o tratamento na unidade móvel do CRI Oriental, consequentemente de baixo limiar de exigência, pela proximidade geográfica à sua habitação, percecionando que ali acede a todos os cuidados de saúde que necessita. Assume um discurso crítico sobre o percurso de toxicodependência, reconhecendo prejuízos pessoais e familiares. Relativamente aos seus antecedentes criminais reconhece que então era movido pela necessidade de obter dinheiro e que, naquelas ocasiões, não pondera as consequências dos seus atos.
kk) A dinâmica familiar é descrita como presentemente equilibrada, sendo B… descrito como pai dedicado e preocupado com a imagem que projeta junto das filhas. A companheira expressa convicção de que o arguido mantém abstinência relativamente às denominadas drogas duras desde há pouco mais de um ano, o que justifica com base na ausência de sinais que descreve como característicos, nomeadamente os de magreza extrema e instabilidade comportamental.
ll) Como projeto de vida o arguido apresenta o de conseguir habitação social e colocação laboral estável.
mm) O arguido é descrito como um indivíduo que mantém uma interação educada por parte dos vizinhos.
nn) B… não identifica particular impacto decorrente do presente processo ao nível da sua situação pessoal ou familiar. Contudo expressa sentimentos de vitimização, considerando-se prejudicado pelos seus antecedentes criminais.
Em abstrato o arguido revela capacidade de análise crítica negativa sobre a natureza dos factos pelos quais está acusado reconhecendo a ilicitude de tais comportamentos e ainda de danos em vítimas. Contudo tende a um discurso de auto justificação e desculpabilização com as circunstâncias e com as oportunidades que, por vezes, as próprias vítimas criam.
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B) Motivação
A matéria de facto dada como provada assentou desde logo nas declarações do arguido que admite que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação pública se encontrava na F… no H… e que ali foi ver os relógios que estavam expostos, bem como admite ser ele que está nos fotogramas de fls. 20 a 26 correspondentes ao filme da vídeo-vigilância da loja naquela hora, isto muito embora diga que não retirou qualquer objecto da loja e que foi ali apenas para ver e pedir uma informação, o que de todo não logrou a obter a credibilidade do tribunal pois que por um lado, a testemunha C…, funcionária da F…, referiu, de forma peremptória, serena e objectiva, que viu o relógio em causa (que desapareceu do mostruário) no bolso do arguido, quando o estava a atender, o que lhe chamou a atenção e a fez chamar pelas colegas, e despoletou a fuga do arguido da loja, e por outro lado o visionamento do filme da vídeo-vigilância do momento em causa efectuado em audiência de julgamento afasta completamente tal versão dos factos avançada pelo arguido uma vez que se vê perfeitamente o arguido a tirar um relógio do expositor, a colocá-lo no bolso e a sair da loja e depois a espreitar e voltar a entrar na loja e a ser atendido pela funcionária C…, como esta efectivamente disse ter acontecido.
Considerou-se ainda o depoimento das testemunhas I… e D…, também funcionárias da F… que depuseram de forma isenta e objectiva merecedora da credibilidade do tribunal relativamente aos factos de que tinham conhecimento directo.
Quanto à condição económica e social do arguido foram tidas em conta as suas declarações e o teor do Relatório Social junto aos autos a fls. 150 e ss. e no que concerne aos seus antecedentes criminais considerou-se o teor do CRC de fls. 124 a 141.
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3. Por seu turno, da fundamentação jurídica da decisão recorrida, com interesse para o caso, importa destacar o seguinte: (transcrição)
“De acordo com o disposto no art. 203º, nº1, do Código Penal, pela prática de um crime de furto é abstractamente aplicável ao arguido uma pena de prisão até 3 anos ou multa.
Assim, e não sendo definido o limite mínimo da pena de prisão nem os limites mínimo e máximo da pena de multa, nos termos do art. 41º e 47º do C. Penal, é abstractamente aplicável ao arguido uma pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou uma pena de multa de 10 a 360 dias.
O art. 70º do Código Penal estipula que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição prevista no artigo 40º do diploma supra referido.
Desta forma, o critério de determinação da pena concreta aplicável encontra-se condicionado pelo momento prévio da necessária escolha da pena, atendendo aos requisitos impostos pelo art. 70º. Dado que o preceito incriminador da conduta do arguido prevê a possibilidade de aplicação de uma pena alternativa de multa, será esta aplicável se com tal se compatibilizarem as exigências de prevenção.
No que respeita às exigências de prevenção geral, as mesmas fazem-se sentir de forma acentuada, porquanto é sabido que este tipo de criminalidade (de furtos em estabelecimentos comerciais) tem vindo a aumentar e dessa forma provoca um clima de insegurança e instabilidade na sociedade pelo que esta espera que o sistema judicial puna, de forma o mais eficaz possível, os agentes destes crimes.
As necessidades de prevenção especial do caso são elevadíssimas. O arguido conforme consta do seu registo criminal tem já 8 condenações pela prática do crime de furto (simples e qualificado), bem como condenações pela prática de crimes de falsificação de documentos, burla, passagem de moeda falsa, desobediência e burla informática e nas comunicações, o demonstra, além de o arguido revelar uma personalidade não conforme ao Direito, propensa à prática de crimes e designadamente do crime aqui em questão, que as condenações operadas e os juízos de prognose realizados para a decisão de aplicar ao arguido penas de prisão efectiva, que já cumpriu, e posteriormente penas de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade e prisão suspensa na sua execução, não se revelaram suficientes para o afastar do cometimento de factos ilícitos, e concretamente de cometer precisamente o mesmo crime assim atentando de novo contra o mesmo bem jurídico, pelo que se entende que no caso concreto a aplicação de uma pena de multa não se mostra suficiente para satisfazer as aludidas exigências de prevenção.
Ao arguido foram dadas oportunidades de se emendar em liberdade, mesmo depois de já ter cumprido prisão efectiva e de já conhecer os efeitos da reclusão “na pele”, as quais o mesmo sucessivamente desaproveitou, sendo de particular gravidade que após ter sido já condenado em pena de prisão efectiva, e pena de prisão substituída por trabalho que até cumpriu antes destes factos que o arguido venha a praticar novamente e por mais do que uma vez o crime de furto e que ainda o tenha feito no período de suspensão de uma pena de prisão e que não tenha reflectido e revisto os seus comportamentos.
Por tudo isto o arguido vai condenado em pena de prisão.
Dentro da moldura abstracta acima definida para o crime praticado pelo arguido cabe agora encontrar a pena concretamente aplicável considerando as circunstâncias que, não fazendo parte do tipos de crime deponham contra ou a favor do arguido.
Os critérios de determinação da medida concreta da pena encontram-se exemplificativamente enumerados no art. 71º do Código Penal (aplicável ex vi do art. 47º, nº1 CP). A pena será delimitada pela inultrapassável medida da culpa do arguido, determinando-se o seu quantitativo tendo em atenção essa mesma culpa e as exigências de prevenção.
A prevenção geral, no seu entendimento mais actual, como prevenção geral positiva ou de integração, é um momento irrenunciável que não pode deixar de relevar decisivamente para a medida da pena – a ideia de que só razões ligadas à inarredável necessidade de reafirmar as expectativas comunitárias na validade e vigência da norma jurídica violada, abaladas pela prática do crime, podem justificar as reacções mais gravosas por parte do direito penal.
Como circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos de crime e se associam directamente à sua prática ou à motivação que lhe deu origem, haverá a considerar que:
● o arguido agiu com a modalidade mais forte de culpa, actuando com dolo directo, representando e querendo os resultados obtidos;
● existem elevadas razões de prevenção geral devido ao crescente número de casos de similares de furtos em estabelecimentos comerciais;
● o arguido tem antecedentes criminais tendo já, inclusivamente, sido condenado, pela prática do crime aqui em questão;
● o arguido praticou os factos dos presentes autos depois de já ter cumprido uma pena de prisão de 7 anos, no âmbito de um cúmulo jurídico que englobava vários crimes contra o património, designadamente furtos, e bem ainda depois de já em liberdade ter cometido novamente crime de furto pelo qual foi condenado em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade e ainda no período da suspensão de uma pena de prisão que lhe foi aplicada pela prática do crime de burla informática e das comunicações;
● posteriormente à prática dos factos aqui em questão o arguido foi condenado uma vez mais pela prática de um crime que praticou em data anterior aos factos aqui em questão;
● nunca sentiu verdadeiramente a gravidade do seu comportamento, apesar de já ter sido condenado várias vezes por este crime;
● nem sentiu a solenidade das sucessivas censuras que lhe foram sendo dirigidas, como demonstra o facto de ter continuado a agir da mesma forma, o que exaspera a censurabilidade da sua conduta e a indiferença às penas que vinha sofrendo;
● a lesão patrimonial, que traduz o desvalor do resultado do crime de furto e se define com base no valor do bem furtado revela-se de pouca monta - €125,00.
● o arguido não mostrou qualquer arrependimento pelos factos cometidos, negando inclusivamente a sua prática apesar de admitir que é ele que está filmado e retratado nos fotogramas juntos aos autos que captaram as imagens no momento do furto, sendo certo que as mesmas são inequívocas quanto à subtração do relógio no mostruário por parte do arguido e colocação do mesmo no bolso e posterior saída da loja sem o pagar.
Consideradas em conjunto as circunstâncias descritas tem-se por adequada e proporcional uma pena concreta de 8 meses de prisão.
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Atento o facto da pena de prisão considerada ser inferior a cinco anos, importa agora ponderar a possibilidade de aplicar o instituto da suspensão da execução da pena, nos termos do artigo 50º e seguinte do CP.
Como refere o Cons. Maia Gonçalves, este instituto “é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser aplicada nos casos em que é aplicada pena de prisão não superior a 3 anos (hoje 5 anos) se, atendendo à personalidade do agente, ás condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o julgador concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição...” e, acrescenta, “trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos” (in Código Penal Português Anotado, 13.ª Edição, 206).
No caso concreto, face à persistência de condutas afrontosas ao Direito e contra o mesmo bem jurídico, à proximidade temporal entre as condutas praticadas depois de ter saído em liberdade após o cumprimento de uma pena de prisão, e finalmente pelo facto dos comportamentos que ora se julgam terem ocorrido já depois do arguido ter sido condenado em penas de prisão efectiva precisamente pela prática de crimes de furto e outros crimes contra o património, que cumpriu e que posteriormente a essa reclusão já cometeu mais crimes contra o património tendo-lhe sido dadas oportunidades de se emendar em liberdade, sem que tivesse reflectido sobre as consequências dos seus actos e revisto o seu comportamento, é-se forçado a inferir que as várias advertências que ao arguido foram cominadas não surtiram qualquer efeito, que o arguido demonstra uma incapacidade para pautar a sua vida em conformidade com a ordem jurídica e que, por conseguinte, a simples ameaça da pena não é suficiente para o afastar da prática de novas infracções, pelo que não há lugar à suspensão da pena.
Por entender que a execução da pena de prisão aplicada se revela necessária para prevenir o cometimento de futuros crimes, pelas razões supra já mais do que explicadas, entendo não ser de substituir a pena de prisão quer por pena de multa quer ainda por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade nos consoante nos permitem os artigos 43º e 58º, nº1, do Código Penal.”
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4. Apreciando de mérito.
4.1 Da valoração de prova proibida
Invoca o recorrente que o tribunal a quo valorou indevidamente as filmagens recolhidas da videovigilância do estabelecimento onde ocorreram os factos pois que não existe prova de que a ofendida tenha procedido à notificação da Comissão Nacional de Protecção de Dados, antes de implementar o funcionamento do aludido sistema, não podendo ser valoradas as imagens e fotogramas daí obtidos.
Vejamos.
De harmonia com o disposto no art. 125º, do Cód. Proc. Penal, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. Assim, não foi estabelecido o princípio da tipicidade dos meios probatórios mas antes o da legalidade.
Os métodos proibidos de prova foram estatuídos no art. 126.º, do Código Processo Penal, e estão intimamente associados às garantias constitucionais de defesa consagradas no art. 32º, da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).
Assim, a enunciação do n.º 8 desse normativo de que “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”, aparece legalmente transposta no n.º 3, do citado art. 126º, que estatui, além do mais, que “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada”.
Todavia, esta proibição é relativa visto que admite a utilização mediante consentimento do respectivo titular.
Consentimento esse que poderá ser prévio, subsequente ou evidenciado por actos expressos de renúncia à invocação da nulidade cometida por indevida intromissão em direitos de natureza pessoal com garantia legal e constitucional, como é o caso da reserva da vida privada.
E, estando em causa prova obtida por reproduções mecânicas, na qual se integra a relativa aos sistemas de videovigilância, haverá ainda que atender ao disposto no art. 167.º, n.º 1 segundo o qual as mesmas “só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas senão forem ilícitas, nos termos da lei penal”, acrescentando o seu n.º 2 que “Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste livro”.
Nesta conformidade, vem sendo sufragado pelos Tribunais Superiores que não constitui crime de devassa da vida privada, nem crime de devassa por meio informático, nem tão-pouco constituem provas obtidas por método proibido os fotogramas extraídos de câmaras de videovigilância, instaladas nas proximidades de postos de combustível ou outros estabelecimentos comerciais, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontra, eventualmente sem licenciamento da Comissão Nacional de Protecção de Dados, porquanto de acordo com a Lei n.º 67/98, só o não cumprimento intencional das obrigações relativas à protecção de dados, designadamente a omissão das notificações ou os pedidos de autorização a que se referem os artigos 27º e 28º, constituem o crime da previsão do art. 43º dessa lei.[2]
Por seu turno, o direito à imagem, que se encontra constitucional e legalmente consagrado - v. arts. 26º, da CRP e 70º, do Cód. Civil -, poderá ser comprimido por exigências de polícia ou de justiça,[3] sendo o único limite para essa justa causa a inviolabilidade dos direitos humanos e, como tal, a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e à integridade moral das pessoas, como será o direito ao respeito pela vida privada destas.
Assim, será criminalmente atípica, a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente.[4]
In casu, o próprio recorrente reconhece que a junção de tal elemento probatório foi justificado pelo OPC respectivo com o facto de terem sido recolhidas ao abrigo do disposto no art. 13º n.º 2, do Dec. Lei n.º 35/2004, de 21/2, extrapolando, depois, uma presumível omissão de comunicação à CNPD, quando a premissa devia sustentar, precisamente, conclusão contrária.
De todo o modo, os fotogramas extraídos desse filme não só foram juntos aos autos ainda em sede de inquérito (fls. 20 a 28), como também foram indicados como meio de prova na acusação, e a filmagem foi mesmo visionada durante a audiência de julgamento e o recorrente confrontado com o respectivo teor, tudo sem qualquer oposição ou protesto, como decorre do teor da acta de fls. 157 a 159 e excertos da prova gravada transcritos no recurso.
Assim, não há qualquer informação que permita concluir, como faz o recorrente, que tais fotogramas/filmagem foram utilizados fora das condições legais, ou seja sem a devida comunicação e autorização da CNPD.
Acresce que, na hipótese sub judice, a questão é irrelevante visto resultar do já exposto que o ora recorrente consentiu na utilização e, consequentemente, na valoração de tal meio de prova, pois que os fotogramas e filmagem foram utilizados/visionados no decurso da audiência de julgamento, não só sem qualquer oposição do arguido, mas também com o seu conhecimento, consentimento e participação activa.
Consequentemente, ainda que tivesse sido obtido mediante intromissão na vida privada e em prejuízo da imagem do recorrente, o seu consentimento posterior – expresso nos actos que praticou - teria validado o referido meio de prova e sanado a sua eventual nulidade.
Carece, pois, de fundamento, nesta parte, a pretensão do recorrente.
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4.2 Dos erros de julgamento
É consabido que os Tribunais da Relação conhecem de direito e de facto [art. 428º, do Cód. Proc. Penal].
Todavia, é consensual na doutrina e jurisprudência o entendimento de que o nosso sistema jurídico-processual penal configura os recursos como remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo especificamente indicados pelo recorrente, não comportando qualquer finalidade de busca e sobreposição de divergentes sensibilidades sobre a questão em litígio.
Daí que, embora a matéria de facto possa ser sindicada por requerimento do interessado e mediante prévio cumprimento dos específicos requisitos previstos no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal, através de impugnação [erros de julgamento], a reapreciação da prova seja necessariamente balizada pelos pontos questionados pelo recorrente que, no estrito cumprimento do ónus de impugnação especificada imposto pelo aludido normativo, tem que especificar os pontos sob censura na decisão recorrida e as concretas provas que, em seu entender, impunham desfecho diverso nessa matéria, por contraposição ao juízo formulado pelo julgador - por referência ao consignado na acta, nos termos do art. 364º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, e com indicação/transcrição das concretas passagens da gravação em que apoia a sua pretensão - e as provas que devem ser renovadas.
Em síntese, trata-se, pois, de apurar se os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não de obter uma nova convicção do tribunal ad quem assente na apreciação da globalidade da prova produzida.
Ora, in casu, fazendo apelo a tal instituto, facilmente se intui que o recorrente não cumpriu os pressupostos que tornariam possível a este tribunal ad quem sindicar o julgado.
Com efeito, afirmando que o tribunal a quo não devia ter considerado provada a matéria que possibilitou a sua responsabilização criminal [alíneas a) a e) dos factos provados], limita-se o recorrente a esgrimir a sua própria interpretação da prova produzida e atendida, realçando as suas declarações – que considera coerentes, ponderadas, objectivas e descomprometidas – em detrimento da prova atendida pelo julgador que reputa de pouco credível, porque as testemunhas C… e D… «não justificaram o porquê de, o arguido depois de ter furtado o relógio regressou à loja, assim como não explicaram porque é que a testemunha E… disse que viu o relógio no bolso do arguido e o viu sair e não foi imediatamente chamada a segurança ou as forças policiais» e permitindo-se até classificar de mentiroso o depoimento da primeira e lançar a suspeita de que o tribunal a quo não se baseou na prova mas no seu CRC.
Como é bom de ver, as testemunhas não têm que justificar os actos e intenções do arguido e as suas afirmações são corroboradas pela filmagem da videovigilância que o arguido pretendia ver excluída por razões óbvias.
É, pois, manifesto que o recorrente não só não invoca qualquer prova que impusesse [como é bom de ver impor e admitir não são sinónimos] opção diversa da assumida pelo julgador, como nem sequer demonstra qualquer violação das regras de experiência na apreciação probatória que subjaz à matéria em causa, único limite ao princípio estatuído no art. 127º, do Cód. Proc. Penal.
Tudo se reconduz, pois, ao mero inconformismo do recorrente pela responsabilização criminal de que foi alvo e inócuo porque sem sustentação legal em qualquer violação de prova tarifada ou dos princípios que regem em sede probatória.
Na verdade, estamos no domínio de convicção legitimamente adquirida, fundada em meios de prova considerados credíveis e fidedignos, e justificada pelo dominus do processo de forma coerente e consentânea com as regras de razoabilidade e normalidade do acontecer, não podendo ser arredada pela interpretação alternativa, sem provas concretas e suficientes de suporte e contrariada por toda a demais prova disponível, fornecida pelo recorrente.
Até porque a impugnação meramente assente numa qualquer leitura parcelar e subjectiva da prova produzida será sempre meio inadequado e incapaz de fazer naufragar a opção do tribunal. Ou seja, ainda que a prova admita leituras divergentes – e não era o caso já que a versão do arguido não subsiste ao confronto com as provas restantes – prevalecerá a do tribunal sempre que se mostre consentânea com as regras da lógica, normalidade do acontecer e experiência comum e permita o controlo do processo lógico-dedutivo que lhe subjaz e permitiu alcançar tal decisão, por força da estatuição legal do citado art. 127º e que preceitua que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente.”
E assim sendo, a questão da violação do princípio in dubio pro reo nem sequer faz aqui sentido.
Na verdade, este princípio, corolário da presunção de inocência, visa garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos típicos do crime, exigindo ao juiz que, em caso de non liquet inultrapassável após a produção da prova, decida em sentido favorável ao arguido, considerando o facto incriminador como não provado.[5]
Em consequência, a violação de tal princípio apenas existe quando se comprova que no espírito do julgador subsistiu uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto e que decidiu desfavoravelmente ao arguido, não bastando para o efeito a constatação da existência de versões divergentes ou que o tribunal tenha utilizado provas instrumentais e as regras de experiência como coadjuvantes da convicção adquirida.[6]
E, não se trata aqui de dúvidas que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve mas devia ter tido segundo a interpretação subjectiva que faz da prova produzida, pois que o princípio in dubio pro reo não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal a propósito da decisão dessa matéria.
Não se trata, pois, de uma dúvida hipotética ou abstracta mas de uma dúvida assumida pelo próprio julgador.
Ora, percorrendo o texto da decisão recorrida, facilmente se conclui que dela não evola a existência de qualquer dúvida ou hesitação no espírito do julgador, evidenciando-se antes que este alcançou um elevado grau de certeza quanto à verificação e autoria dos factos em causa.
Termos em que, afirmando-se a falta de fundamento da invocada violação do princípio in dubio pro reo, improcede também este fundamento do recurso sendo inviável a pretendida modificação da matéria de facto que deve considerar-se definitivamente assente.
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4.2 Do recurso em matéria de direito
4.2.1 Da adequação e proporcionalidade da pena
Tendo sido condenado pela prática do crime de furto, previsto e punível pelo art. 203º n.º 1, do Cód. Penal, que comina a pena abstracta de prisão até 3 anos ou multa, na pena concreta de 8 meses de prisão efectiva, sufraga o recorrente que nada tem de adequado e proporcional privar de liberdade, por tal período, um pai dedicado que cumpriu de forma exemplar as penas de trabalho comunitário, integrado no seu meio social e apreciado pelos vizinhos, estando em causa o valor de € 125. E alude ao facto das penas de prisão até um e dois anos admitirem substituição, respectivamente, por multa e trabalho a favor da comunidade.
Não sendo perfeitamente perceptível se o recorrente pretende a redução da medida da pena ou apenas a substituição desta, sempre se dirá que qualquer dessas hipóteses não tem o mínimo cabimento legal.
Senão vejamos.
É consensual o entendimento de que a finalidade das penas é a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade (art. 40º n.º 1, do Cód. Penal) e que a determinação da sua medida combina os critérios da culpa e prevenção, cometendo àquela «a função (única, mas nem por isso decisiva) de determinar o limite máximo inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.»,[7]
Por seu turno, é também pacífico que, sendo a pena privativa da liberdade a ultima ratio da política criminal (v. art. 70º, do Cód. Penal), o requisito essencial da aplicação de pena de substituição é a possibilidade de formulação de um juízo de prognose positivo sobre a suficiência da censura expressa na condenação para afastar o agente da prática futura de novas condutas desviantes. Juízo esse que há-de ter subjacente matéria factual capaz de inculcar e fundamentar a conclusão da forte probabilidade de existência de uma alteração do percurso de vida do condenado e da sua intenção de se afastar da delinquência[8].
In casu, os fundamentos invocados na decisão recorrida, assentes na factualidade apurada e descrita, são esclarecedores, não foram minimamente abalados pela argumentação do recorrente, grande parte dela desfasada da real matéria provada, cirurgicamente citada, e observam os princípios e preceitos legais que regem em sede de escolha e determinação das penas.
Aliás, a medida da pena nem sequer foi directamente censurada, lendo-se nas entrelinhas o seu carácter excessivo mas sem qualquer pretensão de redução associada.
De todo o modo, perante a extensão dos antecedentes criminais e a premência das necessidades de prevenção geral e especial [o arguido negou os factos - não beneficiando, por isso, dos efeitos atenuantes da confissão, arrependimento, ou interiorização do desvalor da conduta - e não reparou o dano] impõe-se a constatação de que a mediana gravidade objectiva do crime, em razão do valor do bem, e as condições pessoais e familiares do arguido - aliás contemporâneas da data da ocorrência - mal fundamentam a benévola medida da pena concreta fixada.
Relativamente à escolha da pena de prisão, que o recorrente pretendia ver substituída por multa ou trabalho a favor da comunidade, não se vislumbra em que esteio assentaria o necessário juízo de prognose sobre a suficiência de tais penas para acautelar a reiteração criminosa quando, afinal, nem as penas de prisão que já cumpriu lograram tal desiderato, não se antevendo qualquer projecto de vida estruturado em hábitos de trabalho e reconhecimento da necessidade de arrepiar caminho.
Assim, ofertar-lhe agora nova pena de substituição – a exigir uma adesão interior, estabilidade e responsabilidade do condenado que em nada se coadunam com o percurso de vida do ora recorrente - seria acto perfeitamente inútil, porque manifestamente inadequado a reabilitá-lo, e gravemente lesivo das expectativas comunitárias na validade da reacção penal, potenciando o descrédito da justiça penal pela evidência de impunidade.
E, assim, reconhecendo-se a premência das necessidades de prevenção especial e geral e a ausência de circunstâncias que beneficiem o recorrente de forma relevante, nenhum reparo merece a decisão recorrida.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação negar provimento ao recurso do arguido B… e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com 4 (quatro) UC de taxa de justiça – art. 513º n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]

Porto, 25 de Fevereiro de 2015
Maria Deolinda Dionísio – Relatora
Maria Dolores Silva e Sousa - Adjunta
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[1] Tal como no original.
[2] V., Acs. desta RP, de 26/3/2008, e da RL, de 28/5/2009, CJ-2008, Tomo II, pág. 223 e CJ-2009, Tomo III, 135, respectivamente .
[3] Cfr. arts. 18.º, n.º 2, da CRP e 70º, n.º 2, do Cód. Civil.
[4] Neste sentido, entre outros, podem ver-se os Acs. do STJ, de 20/6/2001, in CJ-STJ, Tomo II, pág. 221 e desta RP, de 16/11/2005, in CJ-2005, Tomo V, pág. 216.
[5] V., a propósito, Figueiredo Dias, Direito processual Penal, pág. 215.
[6] Cf. Acs. STJ de 24/3/1999, CJ-STJ, Tomo I, pág. 247, e de 29/4/2003, Proc. n.º 3566/03-5ª, rel. Simas Santos, in dgsi.pt.
[7] Figueiredo Dias, Revista cit., Ano 3, Abril/Dezembro 1993, pág. 186 e segs.
[8] V., entre outros, Ac. STJ de 28/4/2010, Proc. n.º 4/06.0GACCH.E1.S1, rel. Santos Cabral, disponível in dgsi.pt.