Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22/09.6YGLSB.S2
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: VIDEOVIGILÂNCIA
DECISÃO INSTRUTÓRIA
INSTRUÇÃO
FORO ESPECIAL
DIREITO À SEGURANÇA
DIREITO À INTIMIDADE
DIREITOS FUNDAMENTAIS
PROPORCIONALIDADE
PROIBIÇÃO DE PROVAS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 09/28/2011
Votação: ----
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: DESPACHO DE PRONÚNCIA
Decisão: PROFERIDA PRONÚNCIA
Área Temática: DIREITO PENAL
DIREITO PROCESSUAL PENAL - PROVA
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS
Doutrina: - Benedita Mac Crorie, Cadernos de Direito Privado nº11 Julho/Setembro de 2005.
- Carlos Adérito, Indícios suficientes; parâmetro de racionalidade e instância de legitimação, Revista do CEJ, 2ºSemestre, 2004, pág. 161 e ss..
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Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 79.º, 80.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 11.º, N.º4, 12.º, 23.º,126.º, N.º3, 167.º, 187.º, 190.º, 265.º, N.º1, 263.º, N.º1, 264.º, N.º1, 265.º, N.º1, 266.º, NºS. 1 E 2 , 283.º, N.º2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 31.º, 199.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 9.º, AL. B), 18.º, 19.º, 26.º, 34.º, 37.º, 112.º, N.º9, 165.º, N.º1, AL. B).
LEI 67/98: - ARTIGO 4.º, N.º4, 27.º, 28.º, 37.º, 43.º
LEI 5/2002 (ESTABELECE MEDIDAS DE COMBATE À CRIMINALIDADE ORGANIZADA E ECONÓMICO-FINANCEIRA E PROCEDE À 2ª ALTERAÇÃO À LEI 36/94, DE 29/9, ALTERADA PELA LEI 90/99, DE 10/7, E 4ª ALTERAÇÃO AO DL 325/95, DE 2/12, ALTERADO PELA LEI 65/98, DE 2/9, PELO DL 275-A/2000,): - ARTIGO 6.º.
Legislação Comunitária: DIRECTIVA 95/46/CE DO PARLAMENTO EUROPEU: - ARTIGO 3.º, N.º 2.
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO EUROPEIA AO PARLAMENTO, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES, DATADA DE 4.11.2010, E PARECER 2/2000.
Referências Internacionais: ESTUDO REALIZADO PELO FORO EUROPEU PARA A SEGURANÇA URBANA (CIDADÃOS; CIDADES E VIDEOVIGILÂNCIA).
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 15-2-1995, PROCESSO N.º 44.846, CJ, TOMO I/1995I;
-DE 6-11-1996, CJ, 1996-3, 192 SS.;
-DE 20-6-2001 PROCESSO N.º 244/00, CJ, TOMO II/2001 2001;
-DE 9-2-94, C.J., ACS.-S.T.J. 94,2,217;
-DE 11-4-2007;
-DE 3-3-2010.
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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 22-1-2002, PROCESSO N.º2436/02, CJ, TOMO I/2003
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
-DE 21-11-2000, PROCESSO N.º623/99, CJ, TOMO V/2000, 10012/2000.
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
-DE 19-5-2003, PROCESSO N.º782/03, CJ, N.º 167, TOMO III/2003I;
-DE 29-3-2004, PROCESSO N.º 1680/03-2 ;
-DE 25-10-2010, PROCESSO N.º1191.06.2PBGMR.G1, CJ.
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 15-2-1989, CJ 1989-1, 154;
-DE 24-5-1989, EMJ, 3870, 531 SS.;
-DE 5-2-2003, PROCESSO N.º 6998, CJ, TOMO I/2003, 7767;
-DE 16-7-2008, PROCESSO N.º6131/08, CJ, 7448/2008;
-DE 28-5-2009, PROCESSO N.º10210/08, CJ, N.º 215, TOMO III/2009;
-DE 3-11-2009, PROCESSO N.º473/06, CJ, N.º 218, TOMO V/2009;
-DE 4-3-2010, PROCESSO N.º1630/08, CJ, N.º 221, TOMO II/2010.
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 16-11-2005, PROCESSO N.º 5267/05, CJ, N.º 186, TOMO V/2005,I;
- DE 31-5-2006, CJ III, 210;
-DE 26-3-2008, PROCESSO N.º5930/07, CJ, N.º 205, TOMO II/2008 I;
-DE 23-4-2008, PROCESSO: 6077/07, CJ, Nº 205 TOMO II/2008;
-DE 3-2-2010, PROCESSO N.º371/06,CJ, 661/2010.
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
- DE 18-1-1984, EMJ 3400, 177 SS.;
- N. ° 128/92;
- N.º 634/93;
- N.º 470/96;
- N.º 1182/96;
- Nº 337/97;
- N.º 254/99;
- N.º 187/2001.
Jurisprudência Estrangeira: DECISÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL FEDERAL ALEMÃO NO ACÓRDÃO DE 14 DE SETEMBRO DE 1989.
Sumário :

I -Entre as normas que estabelecem a competência em matéria penal determinada pela qualidade das pessoas, o art. 11.º, n.º 4, do CPP, atribui às secções criminais do STJ a competência para julgar processos por crimes cometidos por Juízes do STJ ou equiparados. Cabe a cada Juiz das secções criminais desse Tribunal a competência para praticar os actos jurisdicionais relativos a inquérito, dirigir a instrução, presidir ao debate instrutório e proferir despacho de pronúncia ou não pronúncia em tais processos.

II -Com idêntico perfil, nos termos do art. 265.º, n.º 1, do CPP, «se for objecto de notícia do crime magistrado judicial ou do ministério público, é designado para a realização do inquérito magistrado de categoria igual ou superior à do visado». O art. 266.º, n.º 1, por seu lado, dispõe que «se, no decurso do inquérito, se apurar que a competência pertence a diferente magistrado ou agente do Ministério Público, os autos serão transmitidos ao magistrado ou agente do Ministério Público competente», sendo que, de harmonia com o n.º 2, «os actos de inquérito realizados antes da transmissão só são repetidos se não puderem ser aproveitados».

III -Nesses casos, o critério da determinação da competência não é, assim, como em geral, o da ocorrência dos factos, mas aquele que deriva da matriz de referência que é a condição funcional (a qualidade de magistrado) no momento processualmente relevante.

IV - A segurança é um elemento essencial da vida dos cidadãos, consubstanciando-se num direito à existência de um clima de paz e confiança mútua, que lhes permite o livre exercício dos seus direitos individuais, sociais e políticos.

V-O direito à segurança não sendo um direito absoluto é, todavia, um direito constitucional que, qualitativamente, se situa num nível equiparável a outros direitos fundamentais que, pelo simples facto de o serem, não deixam de estar sujeitos a uma ponderação de valores. O Direito á segurança é uma garantia de outros direitos fundamentais e, simultaneamente, um direito inscrito no património de cada cidadão.

VI- Um dos pilares fundamentais do Estado de Direito é a relação equilibrada construída entre segurança e democracia ou entre segurança e direitos fundamentais. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tentou, em diversas decisões, responder a esta questão fundamental, reconhecendo que, numa sociedade democrática, os interesses da segurança nacional prevalecem sobre os interesses individuais, mas tornando, também, claro os limites que não podem ser ultrapassados em nome da segurança, nomeadamente em termos de inserção naquelas bases de dados. Assim, o poder de vigiar em segredo os cidadãos só pode ser tolerado na medida estritamente necessária à salvaguarda das instituições democráticas. É o grau mínimo de protecção requerido pela prevalência do direito numa sociedade democrática

VIII- A videovigilância surge, simultaneamente, como uma imposição das exigências de segurança, uma forma do desenvolvimento das tecnologias de segurança e também uma consequência de novas formas de abordagem do fenómeno da criminalidade. A sua utilização no domínio da segurança é muitas vezes o ponto de encontro ou o resultado da aplicação de estratégias que visam o controle do espaço em que o cidadão se realiza e, nomeadamente, o espaço urbano e a sua gestão.

IX - O uso das tecnologias de informação, das comunicações e da videovigilância (com tratamento automatizado dos dados de natureza pessoal ou gravação de imagens) pode conflituar com o direito à intimidade. O âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se com base num conceito de vida privada que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: o respeito dos comportamentos; o respeito do anonimato; e o respeito da vida em relação

X- Não se deve distinguir entre "intimidade" e "vida privada" simples, com apelo á denominada “teoria das esferas” porquanto é difícil determinar o que é que deve ser incluído em cada uma das classificações, sendo sempre uma opção em alguma medida, arbitrária. Aliás, não se vislumbra uma área que mereça uma protecção tão intensa que se sobreponha a todos os restantes valores da ordem jurídico constitucional e cuja protecção seja absoluta e, por outro lado é impossível configurar cada uma das esferas como compartimentos estanques sem inter-relação.

XI - Entre nós, os requisitos para a utilização de videovigilância estão fixados na Lei 67/98, de 26-10, cabendo a sua autorização à Comissão Nacional de Protecção de Dados, enfatizando esta entidade e o próprio legislador a necessidade, a adequação e a proporcionalidade entre os meios utilizados, os direitos fundamentais atingidos e as finalidades estabelecidas (protecção de pessoas e bens).

XII-A finalidade da Lei 67/98 está impressa no juízo de proporcionalidade que constitui o critério de admissibilidade da videovigilância. Um primeiro dado adquirido é o de que as medidas restritivas de direitos, ou seja a limitação ao jus libertatis cada cidadão têm a sua justificação numa tarefa que é exercida em nome de toda a comunidade no exercício de um jus puniendi, que não é mais do que uma defesa de bens jurídicos indispensáveis á vida em sociedade. O princípio da proporcionalidade constitui, conjuntamente com os pressupostos materiais de previsão constitucional expressa, fundamento de restrições ao exercício de direitos, liberdades e garantias com foro constitucional

XIII-A resposta á questão sobre a legalidade procedimental em processo penal não pode ser questionada a texto que não pode, nem deve, responder á mesma questão, como é a referida Lei 67/98. Numa outra perspectiva é evidente a aporia a que é conduzido quem pretenda rever na citada Lei a fonte de apreciação da legalidade dos meios de prova em processo penal e ver naquela Comissão de Protecção de Dados- instância administrativa destinada a controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais-uma papel de filtragem e condição prévia do acto processual penal como se uma instância judicial penal de primeiro e último recurso se tratasse.
A legalidade dos actos praticados no processo penal procura-se no Código de Processo Penal.

XIV – O artigo167 do CPP faz depender a validade da prova produzida por reproduções mecânicas da sua não ilicitude face ao disposto na lei penal. Significa o exposto que a admissibilidade da prova depende da sua configuração como um acto ilícito em função da integração de tipos legais de crime que visam a tutela de direitos da personalidade como é o caso do direito á intimidade. Questão distinta é a ponderação sobre a eventual concessão de autorização pela Comissão Nacional de Protecção de Dados pois que esta poderá relevar para uma valoração do respeito pela legislação de protecção de dados, designadamente a Lei 67/98 (aplicável à videovigilância nos termos do seu art. 4.º/4) mas não define a licitude, ou ilicitude, da recolha ou utilização das imagens. (o não cumprimento intencional das obrigações relativas à protecção de dados, designadamente a omissão das notificações ou os pedidos de autorização a que se referem os artigos 27.º e 28.º, constituem o crime da previsão do art. 43.º dessa lei, pois tratando-se de uma conduta negligente haverá apenas a contra-ordenação cominada no antecedente artigo 37.º).Como A verificação da existência, ou não, de licença concedida pela CNPD para a colocação da(s) câmara(s) de videovigilância no prédio do assistente poderá eventualmente, integrar desrespeito pela legislação de protecção de dados, designadamente a Lei 67/98, aplicável à videovigilância nos termos do seu art. 4.º/4.

XV-É criminalmente atípica a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente, constituindo único limite a esta justa causa a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral do visado.

XVI Assim, os fotogramas obtidos através do sistema de videovigilância existentes num local de acesso público, para protecção dos bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à Comissão Nacional de Protecção de Dados ou tenha sido objecto de deliberação favorável da Assembleia de Condóminos do respectivo prédio constituído em propriedade horizontal, não correspondem a qualquer método proibido de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infracção criminal, e não digam respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada (onde se inclui a sua intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas).

XVII - Deste modo, deve entender-se que age no exercício de um direito e, portanto, vê excluída a ilicitude do seu comportamento, o agente cuja conduta é autorizada por uma qualquer disposição de qualquer ramo do direito, nisso consistindo o chamado «princípio da unidade da ordem jurídica».

XVIII - Na verdade, quando os valores jurídicos protegidos pela estatuição do art. 199.º do CP – relativos à imagem ou à palavra – estão a ser instrumentalizados na defesa de outros direitos, ou quando a não protecção concreta do direito à imagem ou à palavra é condição de eficácia da actuação do Estado na protecção de outros valores, eventualmente situados num patamar qualitativo superior, não se vislumbrando a possibilidade de afirmação da prevalência daquela protecção contra tudo e contra todos.

XIX - A protecção da palavra que consubstancia práticas criminosas ou da imagem que as retrata têm de ceder perante o interesse de protecção da vítima e a eficiência da justiça penal: a protecção acaba quando aquilo que se protege constitui um crime.

XX - Não se verifica a identidade de regimes entre o art. 167.º do CPP – que se reporta a um meio de prova pré-constituído (valor probatório das reproduções mecânicas) – e o regime instituído pela Lei 5/2002, de 11-02, para o combate à criminalidade organizada e económico-financeira – que permitiu ampliar a possibilidade de registar a voz e a imagem, sujeitando-a aos seguintes requisitos: autorização judicial; investigação de um crime de catálogo e necessidade desse meio de obtenção de prova para a investigação.

XXI - Nesta decorrência, a reprodução de imagens obtidas através do sistema de videovigilância instalado nas partes comuns de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal não representa qualquer ilícito criminal, assumindo-se como um meio de prova admissível e objecto de valoração A ponderação entre custos para a reserva da intimidade e os benefícios para a segurança tem de levar em conta o facto de as partes comuns do condomínio serem totalmente diferentes das parcelas privadas, essas sim de utilização exclusiva. Há uma necessidade de conciliar os direitos com a realidade e as necessidades actuais da vida em sociedade.
A privacidade não é um espaço material estabilizado e fixo, na medida em que existe uma "relatividade histórico-cultural da privacidade, isto é, a oscilação das fronteiras entre o privado e o público ao ritmo das transformações civilizacionais.

Decisão Texto Integral:

   Nos presentes autos de inquérito AA veio requerer a abertura de instrução [...]

Termina requerendo que:

Seja declarado nulo o inquérito por violação do disposto no art. 265º, n.º 1, do CPP.

Seja declarada a falsidade e a ineficácia da acta junta à acusação como documento n.º 2;  Seja declarada prova proibida e, por isso, nula a prova indiciária junta com a acusação, nomeadamente os documentos n.ºs 4 e 5 ou, se assim se não entender:

Seja declarada a inadmissibilidade do uso das imagens constantes destes documentos por não se tratar de crime punível com pena de prisão máxima superior a três anos;

Seja proferido despacho de não pronúncia do arguido AA por inexistência de indícios bastantes da prática do crime de que vem acusado.

                                                                *

 Efectuadas as diligências que se consideraram relevantes importa decidir.

 Assim,

I

Competência

Entre as normas que estabelecem a competência em matéria penal determinada pela qualidade das pessoas, o artigo 11º, nº 4 do CPP, atribui ás secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça a competência para julgar processos por crimes cometidos por Juízes do Supremo Tribunal de Justiça ou equiparados. Cabe a cada juiz das secções criminais do mesmo Tribunal a competência para praticar os actos jurisdicionais relativos ao inquérito, dirigir a instrução, presidir ao debate instrutório e proferir despacho de pronúncia ou não pronúncia em tais processos (outros casos de competência penal determinada pela qualidade das pessoas são os referidos nos artigos 12  e 23º do CPP).

As normas dos artigos 11º, nº 4 e 12º nº3 do CPP, dão execução, no domínio da competência material e funcional, aos imperativos (e garantias) estatutários relativamente a magistrados.

Com idêntico perfil de referência encontramos as regras de competência relativas ao inquérito, como fase processual sob a direcção do Ministério Público nos termos do artigo 263º, nº 1, do C. P. P. Concretamente a competência está, em geral, definida no artigo 264º, nº 1 do CPP: é competente para a realização do inquérito o Ministério Público que exercer funções no local em que o crime tiver sido cometido.

Nos termos do artigo 265º, nº 1, «se for objecto da notícia do crime magistrado judicial ou do Ministério Público, é designado para a realização do inquérito magistrado de categoria igual ou superior à do visado».O artigo 266º, nº 1, por seu lado, dispõe que «se, no decurso do inquérito, se apurar que a competência pertence a diferente magistrado ou agente do Ministério Público, os autos serão transmitidos ao magistrado ou agente do Ministério Público competente», sendo que, nos termos do nº 2, «os actos de inquérito realizados antes da transmissão só são repetidos se não puderem ser aproveitados».

Conforme tivemos ocasião de referir em Acórdão deste Supremo Tribunal proferido em 11 de Abril de 2007 a questão em análise tem sido objecto de tratamento uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça. Efectivamente, conforme se refere no Acórdão de 21 de Junho de 2006, a competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição como "foro especial", constitui uma garantia, não pessoal mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função. Motivada por exigências desta ordem, não constitui garantia ou privilégio que proteja ou adira a certa pessoa enquanto tal, mas apenas enquanto titular de dada categoria, na plenitude de exercício do complexo dos respectivos direitos e deveres.

A garantia acompanha o magistrado enquanto detiver esta qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres da função, e justifica-se, como é geralmente entendido, pela dignidade e melindre das funções que os magistrados desempenham e para defesa e prestígio dessas funções (cfr. v.g. os Acs. deste Supremo Tribunal, de 24 e Maio de 1989, no BMJ, 384º-490, e de 12 de Outubro de 2000 na CJ/STJ, Ano VIII, Tomo III, pág. 202).

Nesta sequência é lógico concluir que, situando-se na qualidade funcional os fundamentos do regime sobre a competência material penal relativamente a magistrados, e sendo essa competência estabelecida para defesa e prestígio da função, o critério da competência não deriva, nem é determinado, pela prática dos factos, mas apenas da qualidade que o seu autor detenha no momento em que se iniciem ou prossigam actos processuais próprios determinados pela ocorrência de tais factos.

O critério da determinação da competência é, assim, aquele que deriva da condição funcional no momento processualmente determinante.

Consequentemente, se a razão de ser do regime sobre a competência material penal relativamente a magistrados radica na qualidade funcional, sendo essa competência estabelecida para defesa e prestígio da função, o critério da competência não deriva nem é determinado pela tempo da prática dos factos que estão em causa, nomeadamente das circunstâncias de tempo, mas apenas da qualidade que o seu autor detenha no momento em que se iniciem, ou prossigam, actos processuais próprios determinados pela ocorrência de tais factos

O critério da determinação da competência não é, assim, como em geral, o da ocorrência dos factos, mas aquele que deriva da matriz de referência que é a condição funcional (a qualidade de magistrado) no momento processualmente relevante. Em suma, pois, critério de qualidade funcional - as razões de prestígio e de garantia da integridade da função - e não critério temporal ligado ao momento da prática dos factos.

            É um dado adquirido a qualidade de Juiz Conselheiro no Supremo Tribunal Administrativo por parte do arguido. Porém, tal qualidade apenas emergiu processualmente num determinado momento processual em que o arguido foi identificado.

            Consequentemente, falamos assim de um critério de competência cujo conhecimento inexiste inicialmente e surge de forma subsequente no processo em função de uma qualidade que só então passa a ser conhecida. A aferição inicial da competência não suscitou quaisquer reservas ou críticas, mas a conclusão da alteração da competência surgiu no decurso do processo.

Só este momento em que existe a noção da qualidade do arguido pode relevar como parâmetro da definição de uma alteração de competência. Porém, e conforme se constata da análise dos autos, logo que se constatou tal qualidade os autos foram remetidos para aferição do Magistrado competente para o inquérito.

De forma expressa pretende o arguido indicar nos autos que o assistente tomou conhecimento da sua identidade, e qualidade, logo quando da apresentação de participação.

Porém, tal circunstância é irrelevante, apenas podendo avalizar uma responsabilidade a outro nível, e relativa ao acesso indevido a dados pessoais ou á própria alegação de factos inverídicos, pois que o que importa para efeito de sindicar o juízo formulado pelo dominus do inquérito é o seu conhecimento efectivo.

No que respeita e como se referiu, nos presentes autos logo que foi conhecida a qualidade do arguido foram os autos transmitidos ao Magistrado competente, sendo certo que não se vislumbra razão pela qual os actos praticados anteriormente á transmissão não possam ser aproveitados nos termos do nº2 do artigo 266 do diploma citado.

          Improcede a invocada irregularidade processual

II

Definidos os pressupostos que fundamentam o regime relativo á competência funcional importa agora que nos detenhamos no caso concreto com as suas singularidades:

a)

Segurança; tecnologia e videovigilância

Uma das questões relevantes suscitada nos presentes autos tem como ponto fulcral a utilização das imagens obtidas através da videovigilância a qual, para além de uma aparente linearidade, coloca questões transversais ao ordenamento jurídico-constitucional e processual. Na verdade, a videovigilância surge, simultaneamente, como uma imposição das exigências de segurança; uma forma do desenvolvimento da tecnologia da segurança e também uma consequência de novas formas de abordagem do fenómeno de criminalidade

Efectivamente,

  A segurança é um dos temas em que se reflecte com maior intensidade a forma como evoluiu o pensamento das sociedades democráticas em que nos inserimos, colocando em causa o próprio modelo de Estado que tínhamos por adquirido há largos séculos. Este, nas sucessivas conformações que apresentou, coloriu de forma diversa a noção de segurança que situou em patamares tão distintos como a tarefa do soberano, ou um direito constitucional, passando pelo direito á protecção.

Tal constatação pressupõe, também, a conjunção de toda uma gama de novas interpelações que nos é colocada. Na verdade, o declinar do século XX continha já o esboço de resposta a questões tão prementes com as derivadas de uma globalização acelerada ou das múltiplas interpelações de uma sociedade de risco. Porém, é o 11 de Setembro que traça o limite, e marca uma mudança profunda do paradigma, com reflexos profundos nos conceitos de segurança externa, ou interna e, até, na forma de encarar os desafios que são lançados ao Estado de Direito, procurando transformá-lo num Estado onde predomine o conceito de segurança preventiva.

Pode-se dizer que os desafios lançados pelas novas formas de criminalidade, e pelo terrorismo, colocam agora, e mais do que nunca, a questão da liberdade e segurança e do delicado equilíbrio que lhe está subjacente. Na verdade, preservamos a nossa liberdade como aquisição fundamental do catálogo de direitos que integra o Estado Moderno mas, simultaneamente, pretendemos dissipar a ansiedade que a insegurança provoca no quotidiano

A segurança é um elemento essencial na vida dos cidadãos com enormes reflexos directos, e indirectos, em termos económicos ou psicológicos. A mesma segurança consubstancia-se num direito a uma situação em que cada cidadão tem por assegurada a existência de um clima de paz, e confiança mútua, que lhe permite o livre exercício dos seus direitos individuais, sociais e políticos. É um bem público, resultado da co-produção dos diversos actores sociais e um direito de cidadania

A segurança de que falamos é uma segurança colectiva que se reflecte no nosso viver colectivo e quer seja no âmbito externo quer no interno.

 Porém, existe uma outra dimensão que não pode estar afastada da análise do conceito de segurança e que vai ao encontro da sua função nuclear como direito positivo á protecção contra tudo aquilo que viole a esfera pessoal, ou patrimonial, de cada um. A segurança, não é, não pode ser, apenas a um direito á "garantia de exercício seguro e tranquilo dos direitos, liberto de ameaças ou agressões", ou seja, mais como garantia de direitos do que como um direito autónomo.(em sentido diverso Monteiro Valente-Urbanismo Segurança e Lei pag 50 e seg). Para além de um mero exercício retórico o direito á segurança assume uma importância nuclear na vida de cada cidadão, repercutindo-se no seu quotidiano, e no seu diálogo com a comunidade, pois que o mesmo direito não surge isolado, pendurado no vácuo, mas é o direito á segurança em relação ao exercício de direitos fundamentais como a vida a integridade física ou psíquica

  A concretização do direito à segurança tem, assim, o seu fundamento e a sua causa de existência nos próprios direitos pessoais enraizados na promoção do respeito da dignidade da pessoa humana. É um direito do cidadão e, paralelamente, é também um dever do Estado a quem compete garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático - aI. b) do art. 9.° da CRP. Essas liberdades individuais respeitam aos direitos pessoais, que estão directamente ao serviço da protecção da esfera nuclear das pessoas e da sua Vida, cuja protecção não se esgota civilmente, mas se estende a uma tutela penal de alguns desses direitos _ direito à vida, à integridade física, à imagem, à reserva da vida privada e familiar, ao bom nome e reputação.

 O direito à segurança não sendo um direito absoluto é, todavia, um direito constitucional que, qualitativamente, se situa num nível equiparável a outros direitos fundamentais que, pelo simples facto de o serem, não deixam de estar sujeitos a uma ponderação de valores.

Como refere Monteiro Valente [1] importa referir que a segurança não se apresenta como desiderato exclusivo do Estado. Cabe, também, aos cidadãos garantir a segurança através de medidas e acções físicas e comportamentais adequadas a produzir um espaço dotado de maior segurança. Os cidadãos devem ter um papel dinâmico e activo que é fundamental na prossecução de espaços físicos e cognitivos de segurança, assim como lhes compete promover o desenvolvimento harmonioso do Estado que se quer de Direito e Democrático, não obstante recair, em primeira linha, sobre o Estado o dever fundamental de garantir a segurança de todos os cidadãos por meio de forças colectivas organizadas dotadas de jus imperii.

É evidente que o argumento do direito á segurança não pode justificar um Estado que se arrogue como defensor absoluto dos direitos dos cidadãos, socorrendo-se de todos os meios técnicos, mesmo que eficazes e eficientes, que possam pôr em causa não só direitos, liberdades e garantias, como ainda o desenvolvimento livre e responsável de uma sociedade. Porém, esse mesmo Estado tem a obrigação de ponderar em que termos se devem equilibrar, no estrito limite proposto pelo princípio da proporcionalidade, os diversos direitos eventualmente em colisão.

Nessa sequência pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana se efectiva com o reconhecimento dos direitos fundamentais e que a videovigilância, como meio ou instrumento auxiliar de segurança, põe, indubitavelmente, em evidência a violação de direitos nucleares, cuja prossecução compete primeiramente ao Estado. Consequentemente compete a esse mesmo Estado ponderar até que ponto se justificam medidas que poderão suspender e restringir direitos, liberdades e garantias uma vez demonstrados os pressupostos dos artigos 18º e 19º da CRP: tais como, o respeito pelos princípios da necessidade, da adequação, da exigibilidade, da indispensabilidade e da proporcionalidade.

O que certamente não é constitucionalmente sustentável é a colocação do direito á intimidade; do direito á imagem, e outros direitos correlativos, no patamar de intangibilidade e, em contrapartida, considerar o direito á segurança num nível de retórica irrelevante, alheado da possibilidade de justificar a restrição a que se reporta o artigo 18 da Constituição da República. 

            O Direito á segurança é uma garantia de outros direitos fundamentais e, simultaneamente, um direito inscrito no património de cada cidadão.

b)

O exercício da segurança vem hoje a revelar-se no nosso quotidiano de uma forma poliédrica que vai desde o meio mais clássico como é caso do policial na sua tarefa de vigilância até ás formas mais elaboradas de controlo tecnológico.

            A própria conformação legal relativa ás regras de produção de prova em processo penal adquire uma especial acuidade quando a nossa atenção incide sobre os novos meios tecnológicos. Na verdade, é aqui que se situa um dos pontos nevrálgicos de elaboração do juízo de adequação entre os meios de prova, ou as técnicas de investigação criminal, e a sua interiorização do respeito pelos direitos fundamentais.

            Tal sucede porquanto a realidade assumiu uma dinâmica que ultrapassa, muitas vezes, a mais elaborada construção jurídica, colocando, inclusive, um problema fundamental de ausência de regulamentação legal face a novas tecnologias. Quem imaginaria, até há poucos anos, a utilização de meios como a análise genética; os sistemas de localização geográfica; os dados de tráfego de comunicações; as videocâmaras; os programas informáticos de rastreio; os dispositivos de escuta directa; os programas de detecção de perfil; o agente encoberto na Internet; ou as ciberpatrulhas?

            Uma parte de tal avanço tecnológico concentra-se na problemática das bases de dados que é inseparável do aparecimento dos novos sistemas de identificação e vigilância. Contendo essencialmente dados biométricos (impressões digitais e genéticas), são o elemento transversal de novos sistemas de identificação, vigilância, informação, comunicação e protecção. Pela incorporação de todos os dados respeitantes à identidade ao corpo; ás relações; aos movimentos, gostos e preferências- ao fim e ao cabo grande parte do que constitui a nossa individualidade- bem como pela sua interconexão com outras bases de dados elas tornaram-se o meio de antecipação de comportamentos de risco, bem como da tentativa de predição do futuro.

            A utilização de tais bases é nuclear nas políticas de segurança, sendo certo que a mesma nos confronta com a protecção efectiva dos direitos das pessoas ali catalogadas, sejam estas bases de natureza internacional, europeia ou nacional. A questão crucial é saber até que ponto o direito à segurança autoriza a compressão de direitos fundamentais, nomeadamente o direito á privacidade.

             Na verdade, um dos pilares fundamentais do Estado de Direito é a relação equilibrada construída entre segurança e democracia ou entre segurança e direitos fundamentais. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tentou, em diversas decisões, responder a esta questão fundamental, reconhecendo que, numa sociedade democrática, os interesses da segurança nacional prevalecem sobre os interesses individuais, mas tornando, também, claro os limites que não podem ser ultrapassados em nome da segurança, nomeadamente em termos de inserção naquelas bases de dados. Assim, o poder de vigiar em segredo os cidadãos só pode ser tolerado na medida estritamente necessária à salvaguarda das instituições democráticas. É o grau mínimo de protecção requerido pela prevalência do direito numa sociedade democrática 

            É neste ambiente à escala global, em que as necessidades de segurança são cada vez mais usadas como limitação de direitos fundamentais com recurso às novas tecnologias do “admirável mundo novo” de que nos falava Huxley, que nos interrogamos sobre o seu reflexo no campo específico do processo penal.

            Na verdade, estas nova tecnologias têm, também, o seu campo de aplicação em actos que se inscrevem no processo penal, ou se situam a seu montante, e, como tal, suscitam preocupação sobre a forma proporcionada da sua utilização, sendo certo que tal preocupação é tanto maior quanto menor, ou inexistente, for a regulamentação sobre a sua utilização. 

            Separando as águas, são múltiplas as virtualidades e possibilidades de aplicação das novas tecnologias:-surgem em termos de prevenção e de investigação criminal; surgem no processo e fora do processo; surgem dirigidas a um objectivo concreto ou difusas na sua aplicação. O uso das novas tecnologias, aqui consideradas em sentido amplo, pode inscrever-se no campo da actividade de investigação policial, suportada formalmente num processo penal, suscitando a sua legalidade como meio de prova, mas também pode ser equacionado na sua utilização pela policia, ou pelos serviços de informações, com um intuito meramente preventivo, descolado de uma actuação reactiva à prática de uma infracção.

Por igual forma se impõe a distinção entre o processo penal e a actividade praticada com o intuito de impedir a reiteração delitiva; de tutelar a vítima; de recolher preventivamente todo o tipo de informações com o fim de prevenir delitos ou facilitar a futura investigação dos que vierem a ser praticados (conservação de dados de tráfego); de assegurar fontes de prova com a finalidade de prova em relação um delito a consumar, ou seja, a actividade de prevenção criminal.

             c)

             Paralelamente, importa considerar que a utilização de novas tecnologias no domínio da segurança é muitas vezes o ponto de encontro ou resultado da aplicação de estratégias que visam o controle do espaço em que o cidadão se realiza e nomeadamente o espaço urbano e a sua gestão 

Efectivamente, uma das perspectivas que se impõe na equação das implicações do impositivo da segurança no nosso quotidiano é a forma como alteraram conceitos como o urbanismo. A importância do desenho urbano, integrada num movimento de alteração das estruturas securitárias tradicionais e dos sistemas de controlo, surge nos anos setenta e oitenta como fruto da incapacidade das estruturas policiais para enfrentar a violência. Neste contexto surge o conceito de Prevenção do Crime Através do Desenho Ambiental proposto por Jeffery que, conjuntamente com os princípios do espaço defensável de Newman, foram as chaves para o desenvolvimento das estratégias defensivas do final do século XX.

A noção precisa da importância da ligação entre o espaço urbano e a delinquência traduz-se num sistema normativo apostado num equilíbrio entre as necessidades de prevenção da delinquência e a planificação, concepção e gestão dos espaços urbanos.

Neste particular assumem uma especial importância as estratégias desdobradas entre as quais avulta a planificação territorial e o ordenamento do território de acordo com as directrizes impostas pelas exigências de segurança. Aqui importa salientar a importância dos critérios do Crime Prevention Through Environmental Design (CPTED) Crime (OC), com referência a cinco princípios fundamentais entre os quais a vigilância natural, ou instrumental, assume um papel essencial.

A mesma vigilância consubstancia-se no conjunto de características formais de observação que devem ter as cidades. Visa incrementar a oportunidade de ver e ser visto dentro de um espaço urbano concreto e de sentir confiança nesse mesmo espaço pelas suas características físicas e pelas pessoas que o habitam.

Num espaço urbano, a melhoria da vigilância natural pode-se conseguir a través da aposta no desenvolvimento das perspectivas de visão, iluminação e usos adjacentes compatíveis. A consideração deste aspecto no desenho urbanístico afasta os comportamentos violentos na cidade ao melhorar as oportunidades de resposta e a capacidade de intervenção.

A vigilância natural pode ser negativa o positiva, dependendo da comunidade que controla esse espaço. A falta de vigilância natural está relacionada com os desenhos urbanos problemáticos a que se referia Newman, e é propiciada por una iluminação escassa ou pela presencia de zonas urbanas reservadas com um desenho confuso, fragmentado e repleto de potenciais lugares esconsos ou esconderijos. Como o controle de acesso, a vigilância também contribui para definição dos territórios pessoais e o aumento das expectativas de resposta nos comportamentos indesejáveis e violentos.

             A videovigilância e a geoprevenção[2] aparecem aqui como instrumentos fundamentais do controle do espaço constituindo, também, um poderoso instrumento em termos de estratégias de prevenção.

II

Direito á intimidade

a)

-É evidente que o uso das tecnologias da informação, das comunicações e a videovigilância pelas forças e pelos corpos da segurança com o tratamento automatizado dos dados de natureza pessoal, ou por meio da gravação das imagens, pode conflituar com o denominado direito á intimidade. O mesmo conceito assume um perfil de difícil concretização o qual tem suscitado a atenção da doutrina e jurisprudência, nomeadamente a oriunda do Tribunal Constitucional.

No que toca, e face ao artigo 26 da Constituição, uma primeira ideia a reter situa-se na circunstância de a intimidade surgir conexionada à vida privada pois que o legislador constitucional é assertivo nesta afirmação, explicitando a existência a par da intimidade da vida privada, a da vida familiar. Todavia, Como refere Paulo Mota Pinto[3] o Tribunal Constitucional não retirou desta noção de intimidade nenhum critério adicional, restritivo da protecção e, pelo contrário, no Acórdão n. ° 128/92, o Tribunal fala de uma "esfera privada ou íntima" e de um "direito à intimidade ou à vida privada" (neste sentido, também o Acórdão nº 337/97); por sua vez, no Acórdão nº 470/96, o TC faz referência a um "direito constitucional à privacidade". A jurisprudência constitucional portuguesa não delimitou, assim, a protecção enquanto direito fundamental segundo uma distinção entre "vida privada' e "intimidade da vida privada" - por exemplo, incluindo apenas os aspectos respeitantes a um domínio mais limitado e estreitamente ligado à pessoa, ou um "núcleo central" da vida privada. Tal sucede sem prejuízo de tal distinção poder relevar para graduar a gravidade da ofensa ou para resolver o conflito com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos

Esta ligação ao núcleo central da privacidade, como refere Rita Amaral Cabral [4], exclui do âmbito da tutela do direito em causa tudo aquilo que possa considerar-se como pertencendo ao domínio da participação do cidadão na vida da cives.

A fronteira entre as áreas de actuação do cidadão seria mais evidente, na perspectiva da mesma Autora, pela projecção na análise da ordem jurídica portuguesa, da chamada «teoria das três esferas». De acordo com esta teoria podem diferenciar-se na relação do Homem com o Mundo que o rodeia três planos distintos: a vida intima que compreende os gestos e factos que em absoluto devem ser subtraídos ao conhecimento de outrem (concernentes não apenas ao estado do sujeito enquanto separado do grupo, mas também a certas relações sociais); a vida privada, que engloba os acontecimentos que cada indivíduo partilha com um número restrito de pessoas; e a vida pública que, correspondendo a eventos susceptíveis de ser conhecidos por todos, respeita à participação de cada um na vida da colectividade.

            Nesta perspectiva o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada tutela situar-se-ia na primeira esfera. O que significaria que a privacidade abrange campos tão diversos como, por exemplo, o passado da pessoa, os seus sentimentos, factos atinentes à sua saúde, a respectiva situação patrimonial, os seus valores ideológicos e mesmo o seu domicílio que é, indiscutivelmente, o principal baluarte da intimidade da vida privada. Em contrapartida á medida que nos afastamos desses núcleo o factor de publicitação da vida do cidadão começaria a ser mais densificado e essa maior transparência não teria qualquer reserva em termos de tutela.

Uma outra via de encarar a intimidade é a que insiste na faculdade do indivíduo de exercer um controle sobre a sua vida privada. Esta noção era já defendida por Warren e Brandeis (O direito á Intimidade pag 31) quando assinalaram que a lei (common law) garante a cada pessoa o direito de decidir até que ponto podem ser comunicados a outros os seus pensamentos, sentimentos e emoções. No contexto social o indivíduo constrói uma rede de vínculos de distinta natureza em função das quais define quais aquelas que pretende partilhar e as que pretende reservar.

Como refere Castilla del Pino ( Teoria de la Intimidad pag 15 e seg) no marco social cada sujeito define um “eu” externo ou, dito por outra forma, estabelece o volume de informação que deseja revelar em função do cenário - público, privado, familiar- em que se desenvolve

Independentemente das considerações que a teoria das esferas merece em termos de processo penal, e que adiante se tentará desenhar, importa referir na esteira de Benedita Mac Crorie [5] que entendemos que não se deve distinguir entre "intimidade" e "vida privada" simples, com apelo aquela teoria porquanto é difícil determinar o que é que deve ser incluído em cada uma das classificações, sendo sempre uma opção em alguma medida, arbitrária. Aliás, tal como refere João Conde Correia[6] , não se vislumbra uma área que mereça uma protecção tão intensa que se sobreponha a todos os restantes valores da ordem jurídico constitucional e cuja protecção seja absoluta (v.g. a decisão do Tribunal Constitucional Federal Alemão no Acórdão de 14 de Setembro de 1989 [7] ) e, por outro lado é impossível configurar cada uma das esferas como compartimentos estanques sem inter-relação·.

            Assim, estamos em crer que a perspectiva mais adequada se situa na lição de Gomes Canotiho e Vital Moreira segundo a qual o âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se, assim, com base num conceito de vida privada que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: o respeito dos comportamentos; O respeito do anonimato; e o respeito da vida em relação" [8] Referindo-se «direito ao segredo do ser» (direito à imagem, direito à voz, direito à intimidade da vida privada) conexionado com a teleologia intrínseca dos direitos de personalidade "o critério constitucional deve talvez arrancar dos conceitos de privacidade (art. 26.°, n. ° 1) e dignidade humana (art. 26.°, n. ° 2), de modo a definir-se um conceito de esfera privada de cada pessoa, culturalmente adequado à vida contemporânea

Tal entendimento apresenta duas ordens de consequências:- por um lado tem subjacente a ideia de que o âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada não se limita a uma esfera íntima, mais restrita. Por outro lado, este direito não se refere a um sujeito concreto localizado num espaço físico determinado. O direito à reserva da intimidade da vida privada acompanha a pessoa independentemente do lugar onde esta se encontre.

O afinamento de critérios com recurso art. 80º do Código Civil nada acrescenta ou retira ao conceito de direito à intimidade da vida privada e familiar, consagrado no art. 26 da Constituição. A lei, neste caso, intervém apenas para concretizar a norma constitucional, confinando-se a explicar conceitos, interpretando-os e repetindo mais claramente o seu conteúdo.

            Esta é uma das situações em que, como escreve Bachof a lei não faz mais do que aclarar os limites imanentes de um direito fundamental. 

Desenhados os limites extrínsecos do objecto do direito, ou melhor, a [9]delimitação do que seja a intimidade da vida privada enquanto objecto próprio de um dos direitos de personalidade, perante os demais modos de ser físicos e morais do ser humano, cria igualmente questões, cujo tratamento não é menos delicado. Se aquela delimitação, por exclusão de partes, é fácil de realizar na relacionação com o direito à honra, consideração e decoro, ou no cotejo com o direito à liberdade de pensamento ( para só referir alguns dos mais próximos entre si) já as maiores dúvidas têm ocorrido, por exemplo, na autonomização dos interesses que são objecto de tutela no direito à intimidade da vida privada e no direito à imagem.

Assim, o direito à imagem constitui uma manifestação, não única, do direito ao segredo da vida privada. Consistindo o mesmo direito na exclusão do conhecimento por outrem de quanto se refere à pessoa, abarcaria também a reprodução da própria figura física.

É certo que os dois direitos estão autonomizados tanto na lei civil, como no texto constitucional. Porém, tal critério não assume relevância prática pois que, como bem refere Rita Amaral Cabral o direito à imagem traduz apenas um corte sectorial no direito à intimidade, exigindo para a sua compreensão e aplicação prática o recurso a esta, que funciona como uma espécie de matriz englobante e unificante. [10]

 b)

No caso concreto do processo penal, e da investigação criminal, releva essencialmente o processamento da informação. Este um dos aspectos que mais conflitua com o direito á intimidade pois que esta refere-se não só a concretas situações, ou âmbitos da vida humana objectiváveis, como também ao domicílio ou até ás próprias relações humanas. Nesta sequência o direito á intimidade implica a faculdade de excluir terceiros, especialmente o Estado, do âmbito físico subjectivo determinado e a atribuição ao indivíduo do direito de controlar as informações que lhe respeitam

            Segundo Helena Moniz (RPCC Ano fasc 2 pag 231 e seg) é necessário conjugar a necessidade de obtenção de tais informações com a preservação da informação individual da pessoa, prevenindo-se o risco da lesão dos direitos fundamentais. Tal direito consignado no artigo 35 nº4 da Constituição da República não é, porém, absoluto e admite excepções que se devem inscrever no regime de restrições de direitos, liberdades e garantias consignado no artigo 18 da mesma Constituição. Uma de tais excepções é a utilização desses dados para fins de investigação criminal, designadamente como meio de prova em processo penal.

Como se afirma no Acórdão do STJ de 3/03/2010 fundamentalmente o que está em causa é saber até que ponto a protecção da intimidade da vida privada prevalece quando, em contraposição, estão interesses igualmente relevantes na prossecução dos valores do Estado os quais, eventualmente, podem incorporar a realização de objectivos e propósitos sem os quais se torna utópica a vida em sociedade. E nem sequer é necessário invocar exemplos extremos como a necessidade de combate á criminalidade mais grave, ou organizada, mas bastando-nos a afirmação da necessidade de inocentar um eventual acusado.

Tal antinomia está bem patente na contraposição que a doutrina e jurisprudência alemã consumam quando, para além da reserva inviolável de intimidade como valor absoluto, admitem uma ponderação sequencial em que o único critério é o dos valores em jogo e que, por si, é susceptível de afirmar uma aplicação do principio da proporcionalidade. Como nos noticia Costa Andrade esta impostação, e compreensão das coisas, são, no essencial, partilhadas pela doutrina dominante.

Também é maioritariamente aceite, em termos doutrinais, o postulado de um tratamento específico da criminalidade mais grave na base de uma representação que presta homenagem ao enunciado de Carpzov in delictis atrocissimis propter criminis enormitatem jura transgredi licet. Para o efeito Costa Andrade cita Schafer referindo que  «O primado da esfera íntima, face às necessidades da justiça penal na procura da verdade, recua quando, à luz do princípio de proporcionalidade, a ponderação com o significado do direito fundamental de respeito pela dignidade humana e o livre desenvolvimento da personalidade faz emergir prevalecentes necessidades da justiça criminal, que exigem a admissibilidade de produção e valoração do meio de prova. Quando, por exemplo, a valoração de gravações ou de dados constantes de um diário constituem o único meio processual de libertar outra pessoa de uma acusação particularmente séria ou sobre o arguido impende a suspeita fundada de um atentado grave à ordenação jurídica» . [11]

Em sede de construção dogmática é evidente a procura de soluções ancorando no princípio da ponderação de interesses. Uma ponderação que assume como elemento essencial o valor inerente a uma justiça criminal eficaz. Na fórmula de KleinKnecht «Como bens jurídicos em confronto e interesses a ponderar entre si aparecem: de um lado, o interesse da perseguição criminal encabeçado pela comunidade jurídica ofendida e tendo na devida conta o significado da matéria criminal; e, do outro lado, a ideia de justiça e o imperativo de um processo conforme às exigências da justiça».

Segundo Rogall a quem se deve uma das suas mais acabadas e consequentes formulações: «Para o cidadão as proibições de prova aparecem como instrumento de defesa dos direitos individuais contra a actividade estadual de perseguição criminal. As proibições de valoração emergem e relevam assim do conflito entre os interesses individuais e o interesse da perseguição penal. Só pode afirmar-se a sua existência quando a consideração da concreta situação de conflito faz aparecer a prevalência do interesse individual porque o princípio do Estado de Direito reclama a garantia e efectivação do bem jurídico individual face á actividade de perseguição do Estado. A ponderação, precisa Rogall terá de orientar-se para as singularidades da situação, fazendo nomeadamente relevar o significado do interesse punitivo, a gravidade da violação legal, a dignidade de tutela e a carência de tutela do interesse lesado.

É exactamente essa ponderação de valores que resulta da necessidade de equilibrar o direito á segurança que a videovigilância pretende acautelar e o direito á intimidade que é afectado

Entre nós é consabido o entendimento de que a própria Constituição apenas sanciona com nulidade as provas obtidas mediante intromissão na vida privada que deva ser considerada abusiva. Aqui, se é indesmentível que a tutela do direito à reserva da intimidade da vida privada se projecta em sede processual penal, impondo limites à valoração de provas que representem uma abusiva intromissão em tal esfera – designadamente quando seja “efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art. 34º - 2 e 4), quando desnecessária, ou desproporcionada, ou quando aniquiladora dos próprios direitos– também deve considerar-se que o problema da (i)licitude de uma ingerência pública no âmbito da intimidade pessoal não pode, sem mais, subtrair-se a uma ponderação que, atenda às especificidades do caso concreto, relevando os direitos e interesses aí nuclearmente envolvidos

III

 Videovigilância

a)

Analisando o papel da videovigilância importa salientar o seu desenvolvimento em poucas décadas pois que a expansão da utilização da videovigilância representa uma tendência internacional e europeia a partir dos anos noventa.

 A expansão da videovigilância no Reino Unido e, em menor escala, também noutros países (Países Baixos, França, Polónia, Hungria) não deve ocultar a enorme variação das políticas públicas existentes na Europa. A Dinamarca, por exemplo, encontra-se no outro extremo da escala: em 2002 não existiam câmaras instaladas por autoridades públicas para vigilar lugares públicos. Na Alemanha, em cerca de trinta cidades instalaram-se instalado vídeo câmaras para a prevenção de delitos em lugares públicos com uma taxa alta de criminalidade, e o número de vídeo câmaras de segurança privada será de cerca de 400.000.[12] [13]

 A relevância mediática de casos específicos não explica todas as diferenças. Uma parte da variação relativa á extensão da utilização da videovigilância pode atribuir-se a diferenças de cultura política e jurídica. No Reino Unido, a videovigilância encontrou nos anos noventa do século XX um terreno ideal para o seu desenvolvimento e expansão: um governo que apoiava a sua instalação com recursos financeiros e organizativos maciços; meios de comunicação e uma opinião pública em geral favorável; uma tradição jurídica que não conhecia o conceito da esfera privada; e finalmente a necessidade das administrações locais de regenerarem os centros urbanos em declínio com centros comerciais atractivos e seguros para o consumidor.

Na Alemanha, em contrapartida, os órgãos políticos de decisão olham com maior precaução um uso ilimitado da tecnologia. Uma história problemática da relação entre o cidadão e o Estado, mas também uma forte cultura de direitos fundamentais e uma importante tradição de protecção de dados pessoais, não impediram mas limitaram consideravelmente a utilização pela polícia da videovigilância com objectivos de segurança.

Duma forma algo simplificada pode afirmar-se que os Estados Europeus dividem-se em dois grandes grupos: por um lado aqueles que consideram que a protecção dos cidadãos face á videovigilância policial requer uma legislação específica porque se trata de una restrição de direitos fundamentais (videovigilância como restrição de direitos) e, por outro, aqueles que consideram que não é necessária uma legislação específica porque entendem a videovigilância exclusivamente como contribuição para a segurança dos cidadãos ((videovigilância como reforço da segurança),e, também, porque entendem que os princípios jurídicos e as normas existentes, e em particular, a legislação relativa á protecção de dados, são suficientes para disciplinar o uso publico e privado da videovigilância. (confrontar Xabier Arzoz Santibestan Videovigilância, Seguridad Ciudadana y Derechos Fundamentales pag 15 e seg)

            Os sistemas de videovigilância não se limitam á captação de imagens, e som, e á sua transmissão até ao receptor ou seja não se reduz á tecnologia do vídeo. Podem ser complementados com programas e aplicações informáticas específicas; p. ex., podem ser acompanhados de sistemas inteligentes para o controle de imagens, acessos, prevenção de riscos etc. Mencionam-se a título de exemplo, e sem pretensão exaustiva, algumas possibilidades operativas já existentes noutros âmbitos e incorporáveis nas redes de videovigilância:

-Em primeiro lugar, as câmaras inteligentes podem co-relacionar perante uma situação, uma actividade ou um contexto. Determinadas alterações que capta una câmara podem ser transmitidos imediatamente via rede informática a um centro de controlo para ser analisados e comparados com a activação de determinados sensores, ou simplesmente podem conduzir á adopção de decisões de forma automatizada sobre a base da informação armazenada.

A tecnologia da videovigilância também pode ser complementada com programas de identificação das pessoas através dos traços físicos, principalmente a face. Podem utilizar-se como sistema de controlo de acesso ou como sistema de detecção de suspeitos.

Na primeira modalidade o sistema de controlo do acesso determina o reconhecimento dos traços fisionómicos e transmite um pedido de autorização conjuntamente com a imagem do interessado a um centro de acesso. Na segunda modalidade, o sistema de detecção emitirá um sinal de alarme quando detectar uma pessoa (uma face) cujos traços coincidam com os de uma pessoa procurada registada numa base de dados policial. No sistema interconectado de vídeo câmaras a pessoa em questão é seguida automaticamente até que um funcionário de polícia chegue ao local e verifique a identidade da pessoa. Naturalmente que este sistema pressupõe a digitalização prévia das fotografias das pessoas a identificar já disponíveis por regra provenientes das forças de segurança e a criação dos correspondentes arquivos digitais de imagens pessoais Numerosos ficheiros automatizados da Administração Pública inclui a fotografia das pessoas como dado de carácter identificativo.

Também são possíveis os programas de reconhecimento da voz. Ainda que a previa formação dum arquivo digital de vozes parece mais complicada a priori que a das imagens, a tecnologia correspondente está já disponível com natureza geral

Outra possibilidade é a de utilizar câmaras inteligentes que descodificam quando existe una situação de perigo. Na cidade holandesa de Groningen começou, em Novembro de 2006 uma experiência para detectar comportamentos agressivos, com una combinação de vídeo câmaras e um sistema acústico de alarme integrado. O software analisa os sinais acústicos que expressam agressividade ou medo e avalia-os com relação a algoritmos de princípios de reacção humana. É capaz de decompor frequências incluso em situação de ruído intenso e reconhecer os sinais acústicos que indicam possíveis actos violentos o de pânico. O alarme faz disparar as câmaras e ordena a intervenção policial. Segundo as autoridades municipais promotoras da experiência, a mencionada tecnologia permitirá reduzir a ingerência da videovigilância no direito á intimidade mediante a redução da vigilância visual á vigilância acústica.

É possível combinar a videovigilância com programas de reconhecimento térmico por infravermelhos ou de detecção de metais. É possível “scanear” indivíduos ou ajuntamentos até poucos metros e detectar a presença duma arma de fogo, uma arma branca ou outro objecto suspeito.  Nos sistemas de vídeo de três dimensões proporciona-se uma informação adicional para que o vigilante avalie melhor a situação e, por exemplo, tenha informação mais precisa sobre a volumetria dos objectos ou a situação no seu conjunto, desde qualquer ângulo e de qualquer distância.

Por último, são possíveis os programas de leitura electrónica das matrículas dos veículos que transitam ou atravessam zonas determinadas. Desde Maio de 1996 que as videocâmaras colocadas na zona financeira de Londres estão equipadas cm um sistema de reconhecimento das matrículas dos automóveis (automatic number data recognition), dentro do conjunto de medidas adoptadas para prevenir atentados terroristas do IRA. Desde Fevereiro de 2003 todo o centro da cidade de Londres está controlado com o mesmo sistema com o objectivo de controlar o pagamento da taxa de congestão urbana (congestion charge), uma medida para reduzir o tráfico excessivo. A mesma aplicação se utiliza na Alemanha para controlar o pagamento da taxa que devem pagar os veículos pesados que utilizam as auto estradas, Práticas similares estenderam-se aos parkings públicos dos aeroportos, como consequência dos atentados no parking do aeroporto de Madrid em 30 de Dezembro de 2006.

Em conclusão:-são concebíveis um serie infinita de aplicações segundo as necessidades ou as indicações de quem tenha a responsabilidade da gestão da rede de videocâmaras. Não se deve pensar que estamos perante possibilidades técnicas que só serão implantados em entidades e organismos que requeiram sistemas de segurança e vigilância muito avançados, mas em realidades já existentes neste momento.

b)

 Comissão Nacional de Protecção de Dados

     No nosso País as questões legais relativas á videovigilância têm sido, essencialmente, objecto de pronúncia pela Comissão Comissão Nacional de Protecção de Dados.

A actuação da mesma Comissão em sede de Videovigilância tem-se efectuado dentro dos limites que foram propostos pela Deliberação 61/2004 de 19 de Abril a qual proclama como critérios de actuação que “entre as condições a observar importar conferir particular atenção – quando aplicável o artigo 8.º n.º 2 da Lei 67/98 – aos pressupostos em que assenta o tratamento e se é determinado pela necessidade de «execução de finalidades legítimas do seu responsável». Para além disso, é exigível que, por força desse tratamento, «não prevaleçam os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados.

Porque estão em conflito direitos passíveis de protecção – o direito de propriedade, à segurança de pessoas e bens, de um lado, e o direito à intimidade, de outro – este preceito condiciona o tratamento à necessidade de ponderação entre o interesse e finalidades legítimas dos responsáveis e os direitos, liberdades e garantias dos titulares dos dados que podem ser afectados pela recolha de imagens.

O tratamento a realizar e os meios utilizados devem ser considerados os necessários, adequados e proporcionados com as finalidades estabelecidas: a protecção de pessoas e bens. Ou seja, para se poder verificar se uma medida restritiva de um direito fundamental supera o juízo de proporcionalidade importa verificar se foram cumpridas três condições: se a medida adoptada é idónea para conseguir o objectivo proposto (princípio da idoneidade); se é necessária, no sentido de que não exista outra medida capaz de assegurar o objectivo com igual grau de eficácia (princípio da necessidade); se a medida adoptada foi ponderada e é equilibrada ao ponto de, através dela, serem atingidos substanciais e superiores benefícios ou vantagens para o interesse geral quando confrontados com outros bens ou valores em conflito (juízo de proporcionalidade em sentido restrito).

Na linha do que referimos, será admissível aceitar que – quando haja razões justificativas da utilização destes meios – a gravação de imagens se apresente, em primeiro lugar, como medida preventiva ou dissuasora tendente à protecção de pessoas e bens e, ao mesmo tempo, como meio idóneo para captar a prática de factos passíveis de serem considerados como ilícitos penais e a servir como meio de prova.

Estamos perante a aplicação do princípio da proporcionalidade que “implica, em cada caso concreto, a idoneidade do meio utilizado – a videovigilância – bem como, e também, o respeito pelo princípio da intervenção mínima”.

O princípio da intervenção mínima obriga, necessariamente, que, em cada caso concreto, se pondere entre a finalidade pretendida e a necessária violação de direitos fundamentais, aqui concretamente o direito à privacidade e à imagem.

Deverá mesmo pressupor-se que, no caso concreto, o risco a prevenir deverá ser de todo razoável” e proporcionado quando comparado com os direitos fundamentais de terceiros que são afectados com a utilização destes meios.

A análise da deliberação em causa transmite desde logo a exigência de observância do postulado fundamental da proporcionalidade, nas suas três valências, equacionado em relação á finalidade preventiva de protecção de bens e o principio da protecção mínima que obriga á ponderação entre o objectivo final e os direitos fundamentais atingidos.

Aqui chegados não podemos deixar de trazer á colação algumas questões suscitadas pelo entendimento da Comissão e a sua interpretação da Lei 67/98, normativo rector da videovigilância.

A finalidade da Lei 67/98 está impressa no juízo de proporcionalidade no qual a citada deliberação entende constituir o critério de admissibilidade da videovigilância. Sem curar agora da validade de alguns dos pressupostos de que a mesma arranca[14] e que nos deixam alguma perplexidade e, mesmo abdicando da visão do espaço publico como espaço de concretização de uma cidadania transparente pela qual se paga o preço da visibilidade por todos compartilhada[15], importa precisar qual o significado de tal principio:

 Um primeiro dado adquirido é o de que as medidas restritivas de direitos, ou seja a limitação ao jus libertatis cada cidadão têm a sua justificação numa tarefa que é exercida em nome de toda a comunidade no exercício de um jus puniendi, que não é mais do que uma defesa de bens jurídicos indispensáveis á vida em sociedade.O princípio da proporcionalidade constitui, conjuntamente com os pressupostos materiais de previsão constitucional expressa, fundamento de restrições ao exercício de direitos, liberdades e garantias com foro constitucional

Sob o prisma do mesmo princípio importa distinguir os requisitos da idoneidade, necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Estas três exigências são requisitos intrínsecos de toda a medida processual restritiva de direitos fundamentais e exigíveis, tanto no momento da sua previsão pelo legislador, como na sua aplicação prática.

O respeito pelo principio da idoneidade exige que as limitações dos direitos fundamentais antecipadas pela lei estejam adaptadas aos fins legítimos a que se dirigem e que as mesma sejam adequadas á prossecução das finalidades que prosseguem em função da sua adequação quantitativa e qualitativa e de seu espaço de aplicação subjectivo. Significa o exposto que o juízo sobre a idoneidade não se esgota na comprovação da aptidão abstracta de uma medida determinada para conseguir determinado objectivo, nem na adequação objectiva da mesma, tendo em consideração as circunstâncias concretas, mas também requer o respeito pelo principio da idoneidade a forma concreta e ajustada como é aplicada a medida por forma a que não se persiga uma finalidade diferente da antecipada pela lei.

            Pela aplicação do princípio da necessidade a entidade vocacionada para aplicar a medida conformada pelo mesmo princípio deve eleger, entre aquelas medidas que são igualmente aptas para o objectivo pretendido que aquela é mais menos prejudicial para as direitas dos cidadãos 

Por último, o uso do princípio da proporcionalidade em sentido estrito implica que se verifique se o sacrifício dos direitos individuais sujeitos á sua aplicação consagra uma relação razoável ou proporcional com o a importância do objectivo que se pretende atingir.

Consequentemente, a ponderação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito terá de sopesar os interesses em conflito o que, na prática se resume aos direitos do indivíduo face aos interesses prosseguidos pelo Estado.(conf Gomes Canotilho e Vital Moreira-ibidem pag 392 e seg) 

A jurisprudência do Tribunal Constitucional nesta matéria foi sintetizada no acórdão n.º187/2001, em que se afirma que o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, se desdobra, como se afirmara já no acórdão n.º 634/93, “em três subprincípios: da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)”. Há, assim, três exigências na relação entre as medidas e os fins prosseguidos. Como se afirmou no acórdão n.º 1182/96, “num primeiro momento perguntar-se-á se a medida legislativa em causa […] é apropriada à prossecução do fim a ela subjacente”; de seguida, “haverá que perguntar se essa opção, nos seus exactos termos, significou a «menor desvantagem possível» para a posição jusfundamental decorrente do direito […]”; finalmente, há que “pensar em termos de «proporcionalidade em sentido restrito», questionando-se «se o resultado obtido [...] é proporcional à carga coactiva» que comporta”.

Da mesma jurisprudência decorre, igualmente, que, estando em causa actividade legislativa, é reconhecido ao legislador um amplo espaço de conformação.

Consequentemente, a avaliação pelos tribunais da inconstitucionalidade de uma norma, por violação do princípio da proporcionalidade, depende da circunstância de se poder apontar uma manifesta inadequação da medida;  uma opção manifestamente errada do legislador, o seu carácter manifestamente excessivo, ou inconveniente, manifestamente desproporcionado em relação às vantagens que apresenta.

 Em contrapartida, quando aplicamos o conceito de proporcionalidade no segmento estrito da videovigilância, o que nos é proposto pela CNPD é uma equação que consubstancia um juízo de proporcionalidade fundado, não sobre a adequação abstracta de uma restrição de direitos contemplada normativamente, mas sim um juízo sobre a concreta situação para a qual é pedida autorização, ou seja, um juízo de adequação concreta que tem como parâmetro as circunstâncias singulares.

Não é, assim, um juízo sobre a adequação constitucional da norma de restrição de direitos que é pedido, mas sim uma ponderação da proporcionalidade em face das condições concretas. Tal ponderação arranca de um juízo de adequação e prognose que, muitas vezes se fundamenta em convicções subjectivas, e pré-conceitos, em lugar de se reconduzirem a uma equação pautada por valorações objectivas

Para afirmar a idoneidade da videovigilância é necessário que a medida não seja  inadequada de forma evidente para conseguir a sua finalidade. O argumento de que a videovigilância simplesmente desloca a criminalidade para outros lugares ignora a finalidade concreta da videovigilância: não se trata de aumentar a protecção absoluta dos bens jurídicos reduzindo a taxa geral de criminalidade mas, essencialmente, de reduzir as manifestações de criminalidade num lugar determinado e claramente definido.

Idoneidade não equivale a eficácia plena ou garantida. Demonstrar a efectividade da videovigilância na prevenção dos delitos no plano empírico suscita diversos problemas metodológicos pois que uma coisa é acreditar na utilidade da videovigilância num contexto concreto e em condições determinadas (p. ex, a criminalidade numa praça pública de uma cidade determinada) e outra muito distinta, poder estabelecer com carácter general e de forma quantificada a eficácia da videovigilância como técnica de prevenção da criminalidade.

Para que a eficácia dos sistemas policiais de videovigilância possa ser creditada com carácter geral são necessárias complexas meta análises, ou seja, a análise dos resultados de um número suficiente de avaliações especificas que possam ser comparáveis entre si com o objectivo de luta contra a criminalidade baseada na utilização de câmaras que recolham a evolução da mesma criminalidade antes e depois da instalação de videocâmaras. [16] Para que a idoneidade potencial seja demonstrada em concreto basta que se demonstre a sua aptidão em face das concretas circunstâncias de tempo e lugar o que é tanto mais evidente quanto mais evidente for o fenómeno da criminalidade demonstrado através da georeferenciação

Em qualquer caso, é correcto o entendimento, subscrito Welsh e Farringtos, de que os sistemas de videovigilância devem estar sempre acompanhados de una estratégia mais ampla para poderem ser efectivos. Curiosamente o estudo realizado pelo Foro Europeu para A Segurança Urbana (Cidadãos; cidades e videovigilância) evidencia o facto de a videovigilância ser tanto mais eficaz quanto está ligada a outras estratégias proactivas tão mais importantes quanto tenham inscrito o contributo da comunidade.[17]

Por seu turno a indispensabilidade da videovigilância implica um juízo sobre a existência de medidas capazes de obter o mesmo resultado com uma menor restrição dos direitos individuais. Aqui surge um dos principais equívocos de muitas das decisões existente sobre a matéria nas quais a intervenção da videovigilância é considerada como um poderoso instrumento de restrição do direito de intimidade no espaço publico, um olhar de Grande Irmão Orwelliano, enquanto que a força policial colocada no local onde poderia estar a câmara em postura de vigilância já não suscita qualquer observação.

A única justificação para tal dualidade de critérios reside no facto de, na videovigilância, as pessoas assistentes e as suas condutas serem registadas imediatamente, e poderem ser identificadas; as imagens poderem ser armazenadas, processadas, etc. Porém, esta potencialidade de ingerência, derivada da utilização dos dados armazenados provenientes das videocâmaras, apenas poderá fundamentar, num juízo de proporcionalidade em sentido estrito, uma limitação da utilização dos dados armazenados nos termos estritamente necessário para alcançar o fim que se pretende atingir.

Na verdade, do ponto de vista dos cidadãos a intervenção policial massiva tem uma evidente carga de pressão física e agressividade latente (uniforme, armamento, posição de combate o atitudes análogas) e representa una ingerência maior nos direitos fundamentais e nos hábitos quotidianos que a instalação de uma videocâmara fixa ou a utilização de uma videocâmara móvel Igualmente não é evidente que uma presença policial massiva cumpra o fim perseguido tão eficazmente como a utilização de videocâmaras. A presencia policial também pode ter eficácia dissuasória de comportamentos ilícitos, mas não permite localizar de forma imediata e com precisão os focos onde se produzem as alterações da segurança e não permite registar para efeitos de identificação as pessoas participantes nos factos.

A utilização de videocâmaras pode constituir, assim, uma medida menos drástica e restritiva que outras possíveis alternativas 

No exame do terceiro critério deve ter-se em atenção que a ponderação de bens constitucionais realizada pelo legislador dos direitos fundamentais só pode ser rejeitada quando constitua una ponderação manifestamente errónea entre os fins perseguidos e as restrições previstas. Nesta perspectiva deve poder afirmar-se que, em conjunto, existe proporcionalidade entre o sacrifício do direito fundamental e o benefício resultante para o conjunto dos cidadãos. Este juízo de valor fundamenta-se no cumprimento do conjunto de regra limitadoras da utilização das videocâmaras e de garantias para os cidadãos estabelecidas na Lei. 

Uma segunda observação em relação ás regras que presidem á videovigilância refere-se á circunstância de que a Lei 67/98 transpõe para o direito interno a directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu. Porém, o artigo 3 nº2 da mesma Directiva expressamente refere que a mesma não se aplica ao exercício de actividades não sujeitas ao direito comunitário tais como as previstas nos títulos V E VI do Tratado da União Europeia e, em qualquer caso, ao tratamento de dados que tenha por objecto a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado (incluindo o bem estar económico do estado quando esse tratamento disser respeito a questões de segurança do estado) e as actividades do Estado no domínio do direito penal.

Tal entendimento é sufragado na Comunicação da Comissão Europeia ao Parlamento, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões datada de 4.11.2010 que, expressamente, refere que a Directiva não se aplica ao tratamento de dados pessoais «no exercício de actividades não sujeitas à aplicação do direito comunitário», como as actividades realizadas nos domínios da cooperação policial e judiciária em matéria penal. Acrescentaremos que não se aplica nesta área bem como não se aplica nas áreas do direito penal e processual penal.

Como a mesma Comissão refere no Parecer 2/2000, e no que respeita à transposição de directivas para a ordem jurídica interna tem entendido o Tribunal de Justiça das Comunidades que os Estados destinatários têm a obrigação de procederem à transposição das directivas garantindo o seu "efeito útil", isto é, o seu conteúdo necessário. Significa o exposto que não existe, a priori, qualquer obrigação de incorporação literal do conteúdo das directivas. Porém, existe a obrigação de transposição atendendo a critérios de clareza e precisão das normas.

No mesmo sentido preceitua a Constituição da República Portuguesa, no n. ° 9 do artigo 112.°, após a IV Revisão Constitucional. Deste preceito constitucional não parece, efectivamente, poder retirar-se um conceito determinado quanto ao conteúdo do acto de transposição das directivas para a Ordem Interna. Sempre haverá que proceder-se a uma operação interpretativa que, sem qualquer afronta ao Direito Comunitário, se possa adaptar aos interesses fundamentais do Estado Português. Significa o exposto que nunca a transposição do texto da Directiva em causa pode dar origem a um diploma legal que consagre no direito interno um regime contrário àquela ou que sequer possibilite uma interpretação que a mesma não permite.

A actividade do Estado no domínio do direito penal a que alude a Directiva é aquela que deriva dos termos Constitucionais e o seu instrumento de aplicação é o processo penal o que, inevitavelmente, nos conduz á conclusão de quer a Directiva comunitária quer a Lei 67/98 que a transpôs não têm aplicação no que toca ao direito penal e ao processo penal na ordem jurídica interna.

Consequentemente, nunca a procura da resposta á questão sobre a legalidade procedimental em processo penal pode ser questionada a texto que não pode, nem deve, responder á mesma questão, como é a referida Lei 67/98. Numa outra perspectiva é evidente a aporia a que é conduzido quem pretenda rever na citada Lei a fonte de apreciação da legalidade dos meios de prova em processo penal e ver naquela Comissão de Protecção de Dados- instância administrativa destinada a controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais-uma papel de filtragem e condição prévia do acto processual penal como se uma instância judicial penal de primeiro e último recurso se tratasse.

             A legalidade dos actos praticados no processo penal procura-se no Código de Processo Penal. É essa procura que se tentará agora equacionar:

 IV

Videovigilância e processo penal

a)

-Os direitos fundamentais básicos configuram-se como traves mestras da constituição processual criminal. São, pois, princípios materiais de processo criminal não podendo, consequentemente, admitir-se actos que os violem.

            É precisamente no processo penal, onde a liberdade individual e os direitos fundamentais são bens constantemente avaliados, que se evidencia a necessidade de colocar limites á forma como se desenvolve a actividade probatória. A dicotomia, mas, simultaneamente, o equilíbrio que se desenvolve entre a eficiência da justiça penal e os direitos individuais torna mais urgente a necessidade de considerar como ponto de referência o respeito por aqueles direitos.  

Uma das questões que então se suscita é o tratamento que merecem as violações de tais direitos quando sucedidas no âmbito de um procedimento criminal. Para além da concreta normativização das questões centradas em torno das proibições de prova, o legislador português parte de uma posição diversa, e por alguma forma antinómica, do paradigma existente no direito alemão. Na verdade, e apelando para as palavras de Costa Andrade[18]   parece ser outra e divergente a impostação de fundo a que nesta matéria sacrifica a lei portuguesa que dita as proibições de prova e determina as suas consequências em termos que não apelam para uma ponderação com os valores subjectivados sub nomine e no interesse da realização da justiça penal. A ordem jurídica portuguesa parece assentar, assim, no distanciamento, e diferenciação qualitativa, entre duas ordens de valores: os valores material-substantivos tutelados pelo direito penal substantivo e, também, e em primeira linha, pelas proibições de prova; e os valores adjectivos de relevo endoprocessual e recondutiveis à ideia da eficácia funcional da justiça penal. Tal sucede sem deixar subsistir entre as duas ordens de valores os momentos de comunicabilidade indispensáveis à plena operatividade do princípio de ponderação.

     Nesta perspectiva, a gravidade do crime a perseguir não será, só por si e enquanto tal, razão bastante para legitimar a danosidade social da violação das proibições de prova. Menos o será ainda nos casos em que a violação da proibição de prova releva também do ilícito jurídico-penal

b)

-Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada pag 524) os interesses do processo criminal encontram limites na dignidade humana (art. 1°) e nos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (art. 2°), não podendo, portanto, valer-se de actos que ofendam direitos fundamentais básicos. Em consequência a nulidade das provas obtidas sob tortura ou coacção (nulidade e não mera irregularidade. Cfr. Ac TC nº 528/03) obtidas com ofensa da integridade pessoal, da reserva da intimidade da vida privada, da inviolabilidade do domicílio e da correspondência ou das telecomunicações (nº 8; confr. arts. 25°-1 e 34°), não podendo tais elementos ser valorizados no processo.

A interdição é absoluta no caso do direito à integridade pessoal (cfr. AcTC nº 616/98); e, relativa, nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art. 34°-2 e 4), quando desnecessária ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos próprios direitos (conf. art. 18°-2 e 3).

            O artigo 18º nº 2, da Constituição refere que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias, nos casos expressamente previstos na Constituição…”. Uma primeira análise deste preceito sugere que os direitos fundamentais, como é o caso do direito à integridade física, para os quais a própria Constituição não prevê expressamente a possibilidade de restrições legais, seriam, pura e simplesmente, insusceptíveis de ser restringidos.

Todavia, a norma constitucional não proíbe, em absoluto, a possibilidade de restrição legal aos direitos, liberdades e garantias, submete-a, contudo, a múltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade. Na jurisprudência constitucional sobre a matéria refere-se, em síntese, que qualquer restrição de direitos, liberdades e garantias só é constitucionalmente legítima se for autorizada pela Constituição (artigo 18º, nº 2, 1ª parte) estiver suficientemente sustentada em lei da Assembleia da República ou em decreto-lei autorizado (artigo 18º, nº 2, 1ª parte e 165º, nº 1, alínea b), visar a salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (artigo 18º, nº 2, in fine); for necessária a essa salvaguarda, adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (artigo 18º, nº 2, 2ª parte); tiver carácter geral e abstracto, não tiver efeito retroactivo e não diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18º, nº 3, da Constituição).

            Decisivo é, no entanto, verificar se os normativos que concretizam os termos dessa possibilidade respeitam as exigências constitucionais de adequação, de exigibilidade e de proporcionalidade em sentido estrito que decorrem, designadamente, da segunda parte do nº 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade, a Constituição autoriza, tendo em vista a prossecução das finalidades próprias do processo penal e respeitadas as demais e já referidas exigências constitucionais, a restrição dos direitos fundamentais à integridade pessoal, à liberdade geral de actuação, à reserva da vida privada ou à autodeterminação informacional. Isso mesmo decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 254/99 referindo que: “[…] Também o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar é consagrado à partida no nº 1 do artigo 25º da Constituição sem qualquer limite e, no entanto, o Tribunal Constitucional admitiu que em hipóteses de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (e, portanto, de conflito com o interesse na prossecução penal e com o princípio da verdade material) pode haver intercepção e gravação de comunicações telefónicas (Acórdão nº 7/87, Acórdãos cit., 9, pp. 7 ss., 35; cfr., de modo semelhante, quanto ao uso, não consentido pelo visado, de fotografia como prova em processo de divórcio, o Acórdão nº 263/97, Diário da República, II série, de 1-7-1997, pp. 7567, 7569).

c)

-Ao prescrever a proibição de prova obtida mediante intromissão na vida privada sem o consentimento do respectivo titular, o art. 126. nº 3 do CPP indica o dever dos investigadores, e autoridades judiciárias, de respeitarem normativos que, excepcionalmente, e para prossecução de outros direitos, ou fins constitucionalmente contemplados, designadamente a perseguição penal, autorizam restrições aos direitos fundamentais. É o caso de normativos como o art. 187 do CPP ou 6.º da Lei 5/2002, em concretização ainda do respeito pelos direitos fundamentais contemplados nos arts. 26.º e 34.º da CRP.

No que respeita, por seu lado, a provas obtidas por particulares o legislador remete-nos para a tipificação dos ilícitos penais previstos no Código Penal como tutela do referido direito fundamental à privacidade.

Na verdade, o artigo167 do CPP faz depender a validade da prova produzida por reproduções mecânicas da sua não ilicitude face ao disposto na lei penal. Significa o exposto que a admissibilidade da prova depende da sua configuração como um acto ilícito em função da integração de tipos legais de crime que visam a tutela de direitos da personalidade como é o caso do direito á intimidade. Questão distinta é a ponderação sobre a eventual concessão de autorização pela Comissão Nacional de Protecção de Dados pois que esta poderá relevar para uma valoração do respeito pela legislação de protecção de dados, designadamente a Lei 67/98 (aplicável à videovigilância nos termos do seu art. 4.º/4) mas não define a licitude, ou ilicitude, da recolha ou utilização das imagens. (o não cumprimento intencional das obrigações relativas à protecção de dados, designadamente a omissão das notificações ou os pedidos de autorização a que se referem os artigos 27.º e 28.º, constituem o crime da previsão do art. 43.º dessa lei, pois tratando-se de uma conduta negligente haverá apenas a contra-ordenação cominada no antecedente artigo 37.º).Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/05/2009 A verificação da existência, ou não, de licença concedida pela CNPD para a colocação da(s) câmara(s) de videovigilância no prédio do assistente, que tanto preocupou o tribunal a quo na decisão recorrida, poderá, eventualmente, integrar desrespeito pela legislação de protecção de dados, designadamente a Lei 67/98, aplicável à videovigilância nos termos do seu art. 4.º/4. Mas não define a licitude ou ilicitude penal a recolha ou utilização das imagens. É o art. 199.º do CP que tipifica o crime de gravações ou fotografias ilícitas.

d)

- É o art. 199.º do CP que tipifica o crime de gravações ou fotografias ilícitas. Nos termos do mesmo normativo deve ser punido «quem, sem consentimento, gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas (...) mesmo que licitamente produzidas». Nos termos do n.º 2 do citado artigo no mesmo crime incorre ainda quem, «contra vontade fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos».

Como refere Costa Andrade (Comentário Conimbricense do Código Penal, em anotação ao art. 199.º): «o art. 199.º contém duas incriminações autónomas - a saber: gravações e fotografias ilícitas - preordenadas à tutela de dois bens jurídicos distintos: o direito à palavra e o direito à imagem. Trata-se de duas incriminações homólogas, mas não inteiramente sobreponíveis». E entre as diferenças que é possível encontrar nas duas incriminações em referência, adianta o mesmo Professor que a gravação da palavra é ilícita logo que obtida "sem consentimento", enquanto que a fotografia só será ilícita desde que produzida "contra a vontade", o que traduz uma redução significativa da dimensão da tutela penal do direito à imagem relativamente à dimensão conferida à tutela penal do direito à palavra, diferenciação que deve ser compreendida face à maior externalidade da imagem que torna este direito necessariamente mais incontornavelmente exposto à ofensa. Sublinhe-se novamente que para que este último crime se integre não basta o não consentimento do titular do direito, é necessário que a produção das fotografias ou filmagens das imagens ou a sua utilização se faça contra a vontade do titular do direito à imagem.

Ainda segundo o mesmo Autor (ibidem.) o art. 199 do Código Penal protege o direito à palavra e o direito à imagem como bens jurídicos pessoais, correspondentes a duas expressões directas da personalidade…. trata-se, em última instância, de proteger a personalidade na sua comunicação inocente com os outros membros da sociedade.

Na ordem jurídica vigente, o direito à palavra e o direito à imagem configuram bens juridico-penais autónomos, tutelados em si, e de per si, independentemente da sua valência do ponto de vista da privacidade e intimidade. Como, reportando-se concretamente à imagem, precisa a Relação de Lisboa (Ac. de 15-2-1989): "parece inquestionável hoje que o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar são direitos distintos" (CJ 1989-1 154). No mesmo sentido, e também para o direito à palavra, cf. Acs. do STJ de 24-5-1989 (EMJ 3870 531 ss.) e 6-11-1996 (CJ 1996-3 192 ss.) e Ac. do TC de 18-1-1984 (EMJ 3400 177 s.).

            À semelhança de outros bens jurídico correspondentes a liberdades fundamentais e de estrutura axiológico-normativa idêntica, também o direito à palavra se analisa numa dupla dimensão: a) Uma dimensão positiva: a legitimidade para, sem restrições, recusar que assiste ao portador concreto para, em total liberdade, autorizar a gravação e audição; e b) uma dimensão negativa ou exclusiva: a liberdade para, sem restrições, recusar a gravação e a audição. E também aqui esta estrutura intersubjectiva e relacional do bem jurídico prejudica o estatuto dogmático e o regime jurídico-penal da manifestação de concordância do portador concreto: trata-se, com efeito, de um acordo que exclui a tipicidade.

O exposto vale, no essencial, para o direito à imagem como autónomo bem jurídico-penal. Também aqui estamos perante um bem jurídico eminentemente pessoal com a estrutura de uma liberdade fundamental e que reconhece à pessoa o domínio exclusivo sobre a sua própria imagem. É, um efeito, à pessoa que assiste o poder soberano de decidir quem pode gravar, registar, utilizar ou divulgar a sua imagem. Isto em consonância com o disposto no art. 79°, n° 1, do CC (Direito à imagem):

e)

-É criminalmente atípica, a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente O único limite para esta justa causa, será sempre a inviolabilidade dos direitos humanos e, como tal, a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e à integridade moral do Neste sentido, ao nível das Relações, refira-se o Ac. da R. Guimarães de 2004/Mar./29, (recurso n.º 1680/03-2  e, ainda, o Ac. da R. Porto, de 2005/Nov./16 (CJ V/216), este relativo a fotografias obtidas pelos investigadores em locais públicos.

Também obteve apoio jurisprudencial o entendimento de que a obtenção de tais imagens em lugares de acesso público existentes nas proximidades de postos de combustível não constitui qualquer crime de devassa da vida privada, da previsão do art. 192.º, ou de crime de devassa por meio de informática, estatuído no art. 193.º, ambos do Código Penal, porquanto, e como se refere no Ac. R. Porto de 2006/Mai./31  (CJ III/210), mediante tais ilícitos o que se pretende abranger e tutelar é apenas “o núcleo duro da vida privada” e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas.[19]

Assim é lógica a conclusão de que os fotogramas obtidos através do sistema de videovigilância existentes num local de acesso publico e para protecção dos bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD, não correspondem a qualquer método proibitivo de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infracção criminal, e não digam respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada.

f)

- Na intima relação que coexiste entre o regime de admissibilidade de prova por reprodução mecânica-artigo 167 do Código de Processo Penal PP e o crime de gravação e fotografia ilícita-artigo 199 do Código Penal pode-se dizer, de forma redutora, que a gravação, ou fotografia, que não é crime, é admissível como prova.

Na verdade, ao estabelecer-se que as reproduções fotográficas, ou cinematográficas, só valem como prova dos factos, ou coisas, reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal, não se equaciona tão somente uma condição de validade da prova assente na constatação da tipicidade de uma conduta como crime, mas exige-se, também, que o acto não seja afectado pela sua ilicitude e esta não se esgota no preenchimento de um tipo legal de crime. Para que um comportamento seja punido como crime exige-se que, além se encontrar tipificado na lei penal, configure, também, um acto ilícito, e culposo, o que implica a ponderação da existência, ou não existência, de uma causa de justificação da gravação ou da fotografia que se pretende utilizar como meio de prova

Considerando-se por tal forma impõe-se a consideração, á revelia de alguma sedimentação teórica entre nós existente, de que o direito á palavra e o direito á imagem não são, nem devem ser, sacralizados como núcleo essenciais da vivência pessoal, e da comunidade, que se sobreponham a todo e qualquer tipo de ponderação de outros valores.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2001 a conduta não é punível quando a sua ilicitude é excluída pela ordem jurídica na sua totalidade - art. 31.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal. Consagra-se, assim, o princípio de que o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto de modo que as normas de outros ramos que estabelecem a licitude de uma conduta têm reflexo no direito criminal. Trata-se de um ensinamento corrente da doutrina moderna que a jurisprudência dos Tribunais Superiores já vinha perfilhando (conf. Maia Gonçalves . "Cód. Proc. Penal" anotado, 14.ª edição, págs. 143/144) referindo que "... nunca uma conduta poderá ser ilícita perante ele quando estiver legitimada perante qualquer outro ramo de direito. Em face do que acaba de ser exposto, um determinado comportamento que constitua ilícito civil, administrativo, fiscal ou qualquer outro pode não constituir um ilícito de natureza criminal, mas um comportamento que constitua ilícito criminal nunca pode ser comportamento permitido por qualquer outro ramo de direito" (cfr. Ac. do S.T.J. de 9/2/94 in "C.J." ACS.-S.T.J. 94,2,217).

Deve, assim, entender-se que age no exercício de um direito e, portanto vê excluída a ilicitude do seu comportamento, o agente cuja conduta é autorizada por uma disposição de qualquer ramo de direito. O princípio formulado por Merkel é contextualizado por Eduardo Correia nestes termos: "Sempre que uma conduta é, através de uma disposição de direito, imposta ou considerada como autorizada ou permitida está excluída, sem, mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo e com base num preceito penal, ser tida como antijurídica e punível [20]

                         É o chamado princípio da unidade da ordem jurídica.

g)

Quando os valores jurídicos protegidos pela estatuição penal-artigo 199-e relativos á imagem ou palavra, estão a ser instrumentalizado na ofensa de outros direitos, ou quando a não protecção concreta do direito á imagem, ou á palavra, é condição de eficácia da actuação do Estado na protecção de outros valores, eventualmente situados numa patamar qualitativo superior, não se vislumbra a possibilidade de afirmação a prevalência daquela protecção contra tudo e contra todos.

Assim, contrariamente ao defendido por alguma doutrina, entendemos que o comportamento ilícito do titular do direito à palavra e imagem no uso da mesma determina a perda da dignidade penal da ofensa do referido direito e isto, desde logo, porque no caso concreto o mesmo não merece protecção. Como nos dá noticia Costa Andrade [21]para suportar dogmaticamente a construção invocam-se, inter alia, os limites imanentes dos direitos fundamentais, mormente no sentido de que a sua tutela jurídica deve circunscrever-se à expressão "positiva". Uma representação que ganha apoio material e político-criminal a partir do pensamento vitimodogmático. Nesta linha refere sustenta-se que o comportamento censurável (porque imoral, ilícito, descuidado, etc.) da vítima das gravações ou fotografias determina a perda da dignidade penal e a caducidade (Verwirkung) da protecção jurídica. Isto porquanto aqueles que "se colocam no lado inverso do ser social" (Bruns) e se de decidem contra a ordem jurídica, não devem contar com a sua solidariedade. De acordo com Scmitt: "quem abusivamente se serve da linguagem para realizar uma conduta típica e ilícita faz caducar a tutela da sua personalidade em termos tais que já não pode ser defendido contra a gravação secreta daquelas mesmas declarações".

Não se vislumbra qual a razão pela qual a protecção da vítima; a eficiência da justiça penal tenha de ser postergada pela protecção da palavra que consubstancia práticas criminosas ou da imagem que as retrata. A protecção acaba quando aquilo que se protege constitui a prática de um crime  

h)

-Independentemente de tal posição é certo que a verificação de crime, ao nível dos elementos do tipo, implica a possibilidade de verificação de alguma causa de justificação da ilicitude, ou mesmo da culpa, configuráveis no caso. Tal como é salientado por Costa Andrade (ibidem.), a razão para algumas controvérsias suscitadas em torno da justificação nos crimes de gravações e fotografias ilícitas radicam sobretudo na necessidade de aplicar velhas causas de justificação (historicamente vinculadas a factos como homicídio, ofensas corporais, dano, etc.) novas expressões de comportamento penalmente relevante», concluindo mais adiante que não há razão nenhuma para não se aplicar a figura da legítima defesa, por exemplo, à gravação da palavra no crime de extorsão, não cabendo o argumento que por vezes costuma contrapor-se da falta de verificação de pressupostos como a actualidade da agressão, ou a idoneidade, e a necessidade do meio. 

            Uma primeira nota incide sobre o tratamento das situações de gravação efectuadas por particulares em relação á criminalidade mais grave e, relativamente á qual, Costa Andrade entende que o direito positivo português não deixa espaço para aquele entendimento que na Alemanha vem fazendo curso entre os tribunais superiores e a doutrina maioritária. Segundo este entendimento terá de reservar-se um tratamento privilegiado à perseguição da criminalidade mais grave, face à qual o interesse por uma justiça funcionalmente eficaz, erigido à categoria de autónomo bem jurídico-constitucional, sobe o grau qualitativo. 

Na verdade, estamos em crer que a admissão como valoração deste tipo de prova de gravações entre particulares depende da gravidade do delito que se investiga ou se tenta provar. No caso de um delito grave deve dar-se a primazia ao interesse na descoberta da verdade mas, quando o delito for menos grave, deve prevalecer o interesse privado seja ele o direito á intimidade o direito á imagem ou o direito á palavra.

Entendemos que esta questão se deve situar no âmbito do próprio estado de necessidade no qual predomina o princípio da ponderação de interesses: se o interesse prioritário é o interesse público na averiguação da verdade então está justificada a valoração da prova. Porém, se o interesse preponderante é o direito da personalidade a prova não deve ser admitida. O barómetro a ter em conta na ponderação de qual dos interesses deve prevalecer é o da gravidade do delito que se investiga ou que se julga: se é um delito menos grave ou se é um delito mais grave.

Sem embargo do exposto, e na sequência da opinião de Munoz Conde (Revista Penal Prueba prohibida y valoracion de las grabaciones audiovisuales en el proceso penal pag 111 e seg) a chave para saber em que casos pode ser utilizada como prova a gravação áudio visual realizada por um particular depende da situação em que está o particular que faz a gravação pois que não é o mesmo que a faça alguém que nesse momento está a ser vítima de um delito e com a gravação pretende facilitar a sua averiguação, perseguição e punição ou que o faça alguém que não é a vítima, mas alguém que até pode ser co-autor do delito ali retratado.  

i)

 A legítima defesa é outra das dirimentes recorrentemente convocadas pela doutrina e pela praxis como excludente da ilicitude das gravações arbitrárias. Como constelações paradigmáticas avultam aqui as situações de extorsão (ou equivalentes: ameaça de bomba, coacção, ameaças, etc.). Refere Costa Andrade (ibidem) que na sua forma arquetípica, a extorsão provoca uma compressão duradoira e ilícita da liberdade da vítima: tanto da liberdade de decisão como da liberdade de fruição da propriedade e do património. Na síntese de Amelung: "a situação de compressão consiste no facto de a vítima ter de pagar ou ter de contar com um atentado particularmente drástico, por vezes mesmo de nível existencial, ao seu bom nome" Como forma de reacção e defesa (descoberta e identificação do agente e sua eventual perseguição) a vítima recorre frequentemente à "fixação do comportamento do agente da extorsão" (Amelung), isto é, à gravação oculta e não consentida das comunicações (normalmente telefónicas) com o extorsor. Uma agressão típica à palavra que a doutrina maioritária considera coberta pela legítima defesa.

Situação singular é a da comunicação que esgota a agressão ou em que a gravação apenas possa prevenir um perigo futuro. Tal sucederá v.g. com a testemunha que grava a conversa em que se lhe pede um depoimento falso, sob a ameaça de se lhe imputar um comportamento ilícito ou desonroso.

Nestas circunstâncias perfilha-se o entendimento de que se pode considerar a prevalência do direito de necessidade na certeza de que o interesse de quem faz a gravação resulta sensivelmente superior ao do autor da palavra gravada, sendo certo que este dificilmente pode configurar um interesse "dificilmente digno de protecção penal" .

Concluindo, parece-nos totalmente desligada da realidade a perspectiva jurisprudencial que se pronuncia pela invocação da necessidade de autorização, ou na invocação de uma absoluto direito á imagem, e, á revelia de qualquer outra consideração teleológica ou racionalidade argumentativa, considera prova proibida a gravação por sistema de videovigilância da actuação criminosa praticada em espaço público ou privado. Neste sentido, que não aceitamos, a decisão do Tribunal Relação do Porto, Acórdão 23 Abril 2008 Processo: 6077/07 (Colectânea de Jurisprudência, Nº 205 Tomo II/2008) que refere – I É nula a prova obtida pelo sistema de videovigilância mandado instalar pelo ofendido no seu estabelecimento comercial sem autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados, sem parecer da comissão de trabalhadores e sem a afixação de dístico a anunciar a sua existência II - A nulidade de tal método de obtenção de prova importa a nulidade da sentença que se fundamenta na prova assim obtida, ou a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão 30 Outubro 2008  Processo: 8324/08-9 (Colectânea de Jurisprudência, Nº 209 Tomo IV/2008 ) segundo a qual I - O fim visado pela videovigilância instalada numa escola, designadamente no bar, só pode ser exclusivamente o de prevenir a segurança do estabelecimento, devendo conter o aviso aos que lá se encontram ou se deslocam de que estão a ser filmados, e só neste medida a videovigilância é legítima.II - Constitui prova nula, não podendo ser considerada nem valorada, a obtida através das imagens filmadas em dois CDs, recolhidas num bar de uma escola onde ocorreram factos integradores de um crime de furto, imputado aos arguidos, sem o consentimento destes.III - Em tais circunstâncias, as imagens constituem uma abusiva intromissão na vida privada e violação do direito à imagem dos arguidos.

            Em última análise, na perspectiva das decisões das decisões citadas, a vitima do crime em que a vida, integridade física, ou propriedade, é violada teria um comportamento ilícito que inquinaria o meio de prova resultante do facto de não ter sido obtido o prévio consentimento ou feita a prévia advertência ao criminoso. Negam-se., assim e em nosso entender, pressupostos fundamentais do Estado de Direito e bem mais avisado, e na esteira do agora perfilhado- a equação do presente artigo com o artigo 199 do Código Penal- surge o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de Lisboa, 28 de Maio de 2009 referindo que ao estabelecer-se, no art. 167.º do CPP, que as reproduções fotográficas ou cinematográficas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal, não se estabeleceu uma condicionante de validade da prova assente na mera verificação da tipicidade de uma conduta como crime. Exigiu-se mais: exigiu-se a não ilicitude das mesmas. Ora a ilicitude não se esgota no preenchimento de um tipo legal de crime. Para que um comportamento seja punido como crime exige-se que, além se encontrar tipificado na lei penal, configure também um acto ilícito e culposo. Não sendo necessário ir tão longe quanto o foi a teoria da redução teleológica do tipo de sentido vitimodogmático (construção que funda a exclusão da responsabilidade penal das fotografias, ou gravações, feitas sem consentimento, pelas vítimas de crimes com base na dogmática dos limites imanentes dos direitos fundamentais), por via da qual o comportamento indigno do titular do direito à palavra e imagem determina a perda da dignidade penal dos referidos direitos, afastando, desde logo a verificação de crime ao nível dos elementos do tipo, importa, porém, não perder de vista a possibilidade de verificação de alguma causa de justificação da ilicitude ou mesmo da culpa configuráveis no caso.         

Face ao exposto, e uma vez que se entende que no caso vertente a reprodução das imagens obtidas através do sistema de videovigilância não representa qualquer ilícito penal, conclui-se que são um meio de prova admissível e objecto de valoração  Aliás, anote-se a existência de uma comunicação e autorização concedida pela CNPD para a utilização do sistema em causa (Confrontar documento de fls 744 e site na Internet da CNPD) e, se é certo que não está esclarecida a data em que tal comunicação se verificou, não deixa de ser evidente a existência de um indicio consistente de que o mesmo sistema não se encontrava a operar á revelia de qualquer conhecimento por parte da mesma Comissão.

Anota-se, ainda, a referência constante do requerimento apresentada relativa ao regime de condomínio bem como á necessidade do consentimento de todos os condóminos para a instalação de um sistema de videovigilância.

  A posição que se assumiu em termos de processo penal torna irrelevante tal questão que, no que concerne á legalidade da deliberação da Assembleia de Condóminos, respeita a relação do domínio interno dos condóminos cujo eventual vicio tem de ser declarado. Aliás, em sede da necessidade do consentimento unânime dos mesmos condóminos não se vislumbra onde é que o estatuto jurídico que lhes assiste em termos de direito civil, e enquanto tal, configure como elemento essencial da concessão da autorização para a videovigilância a exigência de tal unanimidade.

É certo que, reportando-nos á orientação da CNPD, que tem o aval de decisão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 22/11/2007 “ A instalação de sistemas de videovigilância num prédio de habitação, em propriedade horizontal, envolve a restrição do direito de reserva da vida privada e apenas poderá mostrar-se justificada quando for necessária à prossecução de interesses legítimos e dentro dos limites definidos pelo princípio da proporcionalidade. Porém, no que concerne subscrevemos o entendimento expresso por Benedita Mac Crorie[22] segundo a qual a questão que se coloca é a de saber se existe, no conjunto, proporcionalidade entre o sacrifício do direito fundamental à reserva da vida privada do condómino e o benefício para os restantes condóminos. Trata-se de equacionar os meios e o fim mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim.

Neste juízo de proporcionalidade terão de levar-se em conta, em primeiro lugar, as circunstâncias concretas da situação, nomeadamente o tipo de espaços e a utilização social que lhes é dada. A ponderação entre custos para a reserva da intimidade e os benefícios para a segurança tem de levar em conta o facto de as partes comuns do condomínio serem totalmente diferentes das parcelas privadas, essas sim de utilização exclusiva. Há uma necessidade de conciliar os direitos com a realidade e as necessidades actuais da vida em sociedade.

Na verdade, confunde-se o espaço reservado á vida intima com os espaços comuns onde a vida de todos se entrecruza e sobre o qual ninguém tem o direito de dispor á revelia dos interesses de todos os outro. A ponderação entre os custos para a reserva da intimidade e os benefícios para a segurança tem de levar em conta as características específicas da propriedade horizontal e o facto de as partes comuns de um condomínio serem totalmente diferentes das parcelas privadas. O facto de, nos dias de hoje, se viver maioritariamente em propriedade horizontal, implica que seja necessário adaptar o direito à reserva à existência de espaços comuns no condomínio, o que obriga, obviamente, a uma conciliação de interesses distintos.

A privacidade, refere a Autora citada, não é um espaço material estabilizado e fixo, na medida em que existe uma "relatividade histórico-cultural da privacidade, isto é, a oscilação das fronteiras entre o privado e o público ao ritmo das transformações civilizacionais.

Ao fim e ao cabo o que está em causa naquela exigência de unanimidade é uma visão antropocêntrica centrada nos direitos individuais em detrimento do interesse comum. 

j)

  Por  forma expressa o requerente vem aludir á Lei 5/2002 como critério de verificação da legalidade do meio de prova em causa. A mesma Lei 5/2002 (Estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira e procede à 2ª alteração à Lei 36/94, de 29/9, alterada pela Lei 90/99, de 10/7, e 4ª alteração ao DL 325/95, de 2/12, alterado pela Lei 65/98, de 2/9, pelo DL 275-A/2000,) refere no seu artigo 6º (Registo de voz e de imagem) que é 1 - É admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado. 2 - A produção destes registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos. 3 - São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal. 

            Todavia, tal referência não tem fundamento uma vez que o campo de aplicação do citado diploma legal é totalmente distinto e existe uma diferença fundamental entre o regime inscrito no Código de Processo Penal-artigo 187-e o previsto na Lei 5/2002. Assim, analisando aquele artigo do CPP, verificamos que apenas se aplica aos crimes aí previstos, cujo meio consista no telefone ou outro meio técnico previsto no artigo 190.° do CPP. Porém, o referido artigo 6.°, sem afastar tal regime para esses crimes, vem introduzir para o catálogo de crimes do artigo 1º da Lei nº 5/2002 - relativamente aos quais pode haver coincidência com alguns do artigo 187.° do CPP uma solução mais ampliada, na medida em que vem permitir o registo por qualquer meio - e não apenas pelo telefone ou meio técnico similar - da voz e da imagem. O fundamento para tal ampliação está na necessidade de investigação de crimes - razão de natureza processual -, carecendo, no entanto, de prévia autorização ou ordem do juiz.

Igualmente é certo que, ao permitir que se efectue o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, o artigo 6 da Lei 5/2002 veio ampliar a possibilidade de se registar a voz e a imagem, na medida em que se permite conversas efectuadas fora do telefone, como, por exemplo, conversas face-a-face ou similares, desde que com prévia autorização ou ordem de juiz, para investigação criminal e relativamente à criminalidade prevista no artigo 1.° daquela lei. Como refere Mário Monte[23] não estará excluída agora a possibilidade de se utilizar um meio de vigilância audiovisual, num certo espaço vigiado, para estritos fins de investigação criminal, onde fique registada a voz e a imagem, desde que tal registo seja previamente autorizado ou ordenado por juiz.

             A utilização deste meio de prova está dependente da existência de três requisitos:

Autorização do Juiz; Crime do catálogo; Necessidade para a investigação da utilização desse meio de obtenção de prova

             Falamos, assim, de um meio de obtenção de prova cuja legalidade está dependente de uma prévia autorização judicial condicionada pela existência de determinados pressupostos. Em contrapartida, a reprodução mecânica a que se reporta o artigo 167 do CPP reporta-se a um meio de prova pré-constituído cuja legalidade é verificada em momento posterior á sua obtenção.

São situações, e regimes, absolutamente distintos que estão em causa.

Face ao exposto, e uma vez que se entende que no caso vertente a reprodução das imagens obtidas através do sistema de videovigilância não representa qualquer ilícito penal, conclui-se que são um meio de prova admissível e objecto de valoração 

V

 -A valoração global da prova produzida até um determinado momento apresenta diversas tonalidades qualitativas de acordo com a respectiva fase processual. Equaciona-se num primeiro momento, o de encerramento do inquérito pelo Ministério Público, o qual deduz acusação se tiver indícios suficientes de que o facto se verificou e de quem foi o seu agente-artigo 283 do Código de Processo Penal. Igualmente ao mesmo conceito de índicos suficientes se reconduz o artigo 308 quando se pronuncia sobre a decisão de pronúncia.

            Como refere Cavaleiro Ferreira (Curso de Processo Penal pag 205) a prova, na sua conclusão. é demonstração da realidade dos factos e é um juízo de certeza; à probabilidade corresponde um juízo de opinião, e à possibilidade mais ou menos fundamentada e que por isso consente muitos graus, corresponde um juízo de suspeita. A certeza, a prova plena, a demonstração da realidade dos factos, é exigida, em processo penal, em especial na decisão condenatória, e no que respeita ao facto punível e sua imputação ao agente. Mas já não é assim quanto à prova dos factos que fundamentam a absolvição.

Porém, na marcha do processo, e para fundamentar decisões processuais, é exigida em certos casos uma forte probabilidade ou uma forte suspeita cuja matriz é diferente da certeza, para além de qualquer dúvida possível, que fundamenta a condenação. Assim sucede quanto à pronúncia dos arguidos, que assenta em prova bastante, isto é prova que permita um juízo de probabilidade sobre os factos que são pressupostos da responsabilidade penal; e no que respeita à prisão preventiva, quando pode ser ordenada. e que deve fundar-se em prova indiciária, ou juízo de forte suspeita.

            Consequentemente, e como refere Carlos Adérito [24]- o conceito de "indícios suficientes" torna-se a questão central do sentido da decisão (de acusação), a qual não reveste apenas natureza instrumental que faz despoletar o procedimento antes se assume como verdadeira decisão de mérito pela qual se "fixa" uma factualidade e respectiva qualificação jurídica e, essa via, se define o objecto do processo. Para o mesmo Autor apenas o critério da possibilidade particularmente qualificada ou de probabilidade elevada de condenação, a integrar o segmento legal da "possibilidade razoável", responde convenientemente às exigências do processo equitativo, da estrutura acusatória, da legalidade processual e do Estado de Direito Democrático, e é o melhor se compatibiliza com a tutela da confiança do arguido, com a presunção de inocência de que ele beneficia e com o in dubio pro reo. Acrescenta que, por esta via, afirma-se a necessidade de se verificar - na linha, agora refinada, da concepção que presidia ao ensinamento doutrinal e jurisprudencial ao tempo do CPP /29 - uma convicção de "alta probabilidade" de condenação, ainda decalcada no termo" razoável", atenta a maleabilidade mesmo (logo, não determinante do estabelecimento de uma precisa linha de fronteira).

            Estamos, assim, perante uma das possíveis respostas para a questão do enquadramento do conceito de indícios suficientes, ou seja, a necessidade de uma possibilidade particularmente forte de futura condenação. Relativamente ás restante pode-se apontar, na esteira de Jorge Noronha da Silveira[25], as seguintes duas correntes fundamentais:– uma primeira solução afirma que basta uma mera possibilidade, ainda que mínima, de futura condenação em julgamento;– numa segunda resposta possível, é necessário uma maior probabilidade de condenação do que de absolvição;

            Analisando as soluções propostas dir-se-á que a consignação da mera possibilidade de condenação, ainda que diminuta ou íntima ou ínfima, tem de ser repudiada por violar o princípio da presunção de inocência do arguido. Não é, como é óbvio, uma probabilidade aleatória, uma mera possibilidade, que há-de conduzir à acusação ou à pronúncia.

A segunda interpretação acima mencionada defende que os indícios são suficientes quando a possibilidade de futura condenação do arguido em julgamento for mais provável do que a possibilidade da sua absolvição. É a chamada teoria da probabilidade predominante.

Nesta sequência haverá que elaborar um juízo de prognose fundamentado e em face dos indícios existentes ou seja da prova produzida determinar o que é mais provável: a futura absolvição ou a futura condenação do arguido. Caso a resposta penda neste segundo sentido impõe-se ao Ministério Publico o dever de deduzir acusação

Para acusar, ou pronunciar, não basta uma reduzida possibilidade de condenação do arguido. Se as probabilidades de absolvição forem superiores ou mesmo iguais às de condenação, o processo não deve prosseguir. Mas para acusar ou pronunciar não é necessário que as probabilidades de condenação sejam manifestamente superiores.

            Resta ainda a resposta acima transcrita daqueles que entendem que o caminho está na exigência de possibilidade particularmente qualificada, que não se basta com a simples probabilidade predominante.

            A suficiência dos indícios, nesta linha e raciocínio, pressupõe a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade: Indícios suficientes são assim, «os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que (o arguido) virá a ser condenado. Eles constituem «um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado.

Estamos em crer que foi propósito deliberado e firme do legislador o de fornecer ao intérprete um instrumento adequado a ultrapassar as derivas jurisprudenciais e doutrinárias e, assim, ao consagrar no artigo 2823 nº2 do Código de Processo Penal que se consideram indícios suficientes sempre que deles resulte uma possibilidade razoável de aplicação de uma pena ou medida de segurança consagrou o ensinamento de Figueiredo Dias[26] no sentido de que os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.

            Tal conclusão é desde logo imposta pela própria natureza dos actos em causa. Na acusação elencam-se factos que se entende configurarem a realidade e fazerem incorrer o agente em responsabilidade criminal e que se vão provar, ou não, em julgamento. O Ministério Público pretende que tais factos se provem julgamento mas nunca pode afirmar mais que uma probabilidade com fundamento na prova realizada em inquérito e na ignorância da prova que se vai desenrolar no julgamento.

            Neste, no julgamento, já não podem existir probabilidades mas unicamente certezas.   

              No caso vertente, e em sede de pronúncia, entendemos que existem tais indícios suficientes. Assim, inexistindo nulidades, ou questões prévias, a apreciar que não as referidas, 

Pronuncio […]

Lisboa, 28 de Setembro de 2011

Santos Cabral (Relator)

_______________________
[1] Ibidem
[2]  Na actualidade, as mudanças organizativas geradas pelas novas demandas securitárias no âmbito da segurança interna e á forma pela qual os cidadãos percebem o seu ambiente territorial mais imediato determinou a emergência do enfoque na “geoprevenção”. Uma nova fórmula para a gestão da segurança e prevenção da delinquência a partir da integração de todas as estratégias preventivas definidas com anterioridade e a sua implementação a partir da utilização de ferramentas SIG. Segundo este enfoque qualquer política de segurança cidadã deveria incluir o desenho das medidas direccionadas para a redução da violência, tendo presente a comunidade, suas características e as da população que nelas reside fazendo uso de estas potentíssimas ferramentas tecnológicas para analisar todas as possíveis relaciones entre os agentes e o território com o objectivo de contribuir para a redução do crime e o aumento da segurança.
Estas novas metodologias estão mais orientadas para a prevenção e contenção do crime do que para a sua punição.
[3] [3] Jurisprudência Constitucional  nº10 Ano de 2006
[4] Rita Amaral Cabral, "O direito à intimidade da vida privada ", in Estudos em memória do Professor Doutor Paulo Cunha, Lisboa, 1989, p. 401

[5]   Cadernos de Direito Privado nº11 Julho/Setembro de 2005
[6] Qual o significado de abusiva intromissão na vida privada, no domicilio, na correspondência e nas telecomunicações (artigo 32 nº8 2ª parte da CRP)-RMP Nº79, PA104
[7] Distinguindo, quanto ao conteúdo dos diários pessoais, a parte em que este exprima um cunho vivencial puramente pessoal, tais como pensamentos, impressões, angústias, reflexões, emoções, sem ligação directa com os factos imputados ao arguido, da parte em que, exprimindo embora os sentimentos e emoções do autor, contenha descrições que toquem a esfera dos outros ou da comunidade e contenham indicações sobre os actos que lhe são imputados.
[8] J. J. Gomes Canotilho – Vital Moreira, Constituição da República Anotada, cit., p. 182.
[9] Citado por Rita Amaral Cabral (ibidem

[10] Importa salientar que, perante a influência das novas tecnologias da Informação, a distinção ente o publico e o privado relativiza-se, da maneira que o processamento de uma série de dados de diversa natureza pode tornar transparente a personalidade do cidadão. Estas informações funcionariam como as partes de um mosaico, que isolados não dizem qualquer coisa mas em conjunto definem uma imagem individual específica. Assim, se uma teoria como a das esferas poderia dar algum contributo face ás intromissões da vida privada, provenientes v.g. da agressão da imprensa, já resulta inoperante quando se trata de determinar o âmbito da realidade tutelada face ás mesmas tecnologias da informação. (conf. Ricard Martinez Martinez Tecnologias da la informacion, policia y Constitucion pag 62 e seg).

[11] Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal.
[12] Murakami Wood, David, “The surveillance society. Questions of history, place and culture”, European Journal of Criminology, vol. 6, nº 2 (2009), pp. 185-187. e NORRIS, Clive; MCCAHILL, Mike,
“CCTV: Beyond penal modernism?”, British Journal of Criminology, vol. 46, nº 1 (2006), pp. 101-102.
 HEMPEL,Leon; TÖPFER, Eric, “The surveillance consensus. Reviewing the politics of CCTV in three European countries”, European Journal of Criminology, vol. 6, nº 2 (2009) pp. 172-173.
Sobre as novas tecnologias  NELLIS, Mike, “Electronic monitoring, satellite tracking, and the new punitiveness in England and Wales.” en PRATT, John, et al, (eds.), The new punitiveness, Devon: Willan Publishing, 2005, pp. 171-172, 181.
[13] Analisando tal evolução saliente-se que a vigilância de manifestações e desordens públicas mediante circuitos fechados de televisão são utilizados nos Estados Unidos desde 1971, e práticas similares são conhecidas noutros países desde os anos setenta. No Reino Unido, em 1969 a policia utilizava, em todo o país, não mais de setenta câmaras, e só quatro delas podiam gravar imagens. Porém, genericamente a utilização dos circuitos fechados de televisão desenvolveu-se a partir de então, primeiro no sector privado, principalmente em centros comerciais, para combater furtos e danos contra a propriedade. Depois, estendeu-se a serviços públicos, como escolas, hospitais, transporte urbano, edifícios públicos, etc. Por último, produziu-se uma extensão limitada ás ruas e praças públicas com funções precisas. A primeira instalação permanente de uma vídeo câmara na via pública efectivada no Reino Unido foi efectuada em 1985 em Bournemouth, uma cidade do Sul de Inglaterra. A partir da incorporação da videovigilância no sector público, começou também o interesse e a preocupação da opinião pública sobre a matéria do controle de segurança por tal meio.
A videovigilância em geral (pública o privada) desenvolveu-se de forma acelerada durante as últimas décadas especialmente no Reino Unido onde, nos finais do século XX, existiam mais de um milhão e meio de vídeo câmaras instaladas em lugares públicos. Cálculos mais recentes apontam para mais de quatro milhões de vídeo câmaras públicas e privadas instaladas no Reino Unido (das quais 500.000 estariam localizadas na cidade de Londres uma cidade com sete milhões de habitantes).
Um habitante de Londres é captado uma média de trezentas vezes por dia por uma câmara de vídeo vigilância. De facto o Reino Unido é considerado como a «mãe pátria» da videovigilância e neste desenvolvimento sem paralelo alguns sucessos obtiveram uma repercussão importante no plano político e da opinião pública. Em 12 de Fevereiro de 1993, duas crianças de nove anos de idade sequestraram num centro comercial de Liverpool James Bulger, uma criança de dois anos de idade a qual torturaram e mataram. A polícia esclareceu rapidamente o crime graças ás imagens proporcionadas pelo sistema de circuito fechado de televisão instalado no centro comercial. O caso James Bulger teve uma repercussão enorme na criação no Reino Unido, de uma opinião pública favorável á utilização de vídeo vigilância Uma instalação privada de videocâmaras, bastante rudimentar numa perspectiva actual, foi determinante no esclarecimento do crime e proporcionou as provas decisivas no processo
Um novo êxito sucedeu doze anos depois do caso James Bulger e corroborou perante a opinião publica britânica a utilidade da videovigilância. Em 7 de Julho de 2005, terroristas suicidas executaram atentados paralelos em vários comboios e autocarros no centro de Londres, com o resultado de 56 vítimas mortais e maias de 700 feridos. A identidade dos terroristas foi estabelecida em virtude dos documentos que transportavam e ao respectivo ADN. Porém os detalhes da execução do plano terrorista bem como dos preparativos foram esclarecidos mediante as imagens que proporcionaram as 2.500 câmaras do Metro de Londres.
[14] No que concerne  e sobre a precisão de conceitos utilizada pela CNPD importa considerar o voto de vencido do do vogal da CNPD Dr. Eduardo Campos no Parecer 47/2008 (videovigilância na cidade de Coimbra)
[15] Assumido o papel da videovigilância na diminuição da criminalidade não se vislumbra como é que se coloque no mesmo plano um eventual direito á imagem com o aumento da segurança propiciada pela mesma videovigilância. De igual forma nos questionamos sobre o que será mais intrusivo: se a câmara de videovigilância ou a presença permanente e massiva da autoridade policial ou da segurança privada 
[16] Vários estudos de este tipo solicitados pelo Ministério de Interior britânico recolhem resultados modestos a este respeito. De acordo com Welsh e Farrington  a utilização da videovigilância reduziria a criminalidade no lugar vigiado em cerca de 4%; o principal efeito redutor seria em aparcamentos e parkings públicos, enquanto que, em contrapartida, a redução da criminalidade nos meios de comunicação da vizinhança (metro, autocarro ou comboio) ou em lugares no centro da cidade seria mínima. Outro estudo realizado pelo Sscarman Centre Nacional CCTV Evaluation Team faz ressaltar a ideia de que as pessoas que estão conscientes da existência de videovigilância estão mais afectadas pelo medo da criminalidade nos lugares em questão que as pessoas que não conhecem a sua existência.
[17] Importa ainda salientar, em relação aos delitos com violência, argumenta-se que a videovigilância não tem somente um papel importante na prevenção como com também tem no controle dos referidos delitos.Com efeito, os sistemas de videovigilância proporcionam um precioso instrumento, habilitando uma pronta intervenção policial adequada para enfrentar a criminalidade violenta e para a pronta identificação dos suspeitos. 
[18] Sobre as Proibições de prova pag 201 e seg
[19] A jurisprudência sobre o tema em análise é múltipla como se exemplifica: Supremo Tribunal de Justiça
 Acórdão de 15 Fev. 1995, Processo 44.846 Colectânea de Jurisprudência, Tomo I/1995I - Apenas não podem ser usadas em processo penal as fotografias extraídas de cassetes de vídeo quando, para as obter, tiver havido abusiva intromissão na vida privada do arguido. O que não acontece quando este é filmado em local que não é privado, ao qual outras pessoas tenham acesso e que apenas substituem depoimentos de agentes ou pessoas que fizessem a observação da conduta do mesmo arguido. Não sendo assim, é cometida nulidade do art. 119º do C.P.Penal, dependente de tempestiva arguição Acórdão de 14 Jan. 1999, Processo 176/96 Colectânea de Jurisprudência, Tomo I/1999I - O propósito de carrear provas para o processo penal não pode, enquanto tal, excluir a ilicitude das gravações efectuadas por particulares sem o consentimento do visado.II - A "justa causa" prevista no art. 179º do C.P. tem de reportar-se a interesses, valores ou bens jurídicos transcendentes ao processo penal, tais como o direito à vida ou à integridade física, valores estes que devem encontrar-se perante um efectivo e actual perigo.III - Destinando-se as gravações feitas por particulares e sem o consentimento do visado a ser utilizadas para efeitos probatórios, estamos perante provas proibidas, provas nulas.
Acórdão 20 Junho 2001 Processo: 244/00 (Colectânea de Juriprudência, Tomo II/2001 2001) I - As proibições de gravação vídeo mesmo que com consentimento das pessoas visadas, na medida em que o legislador constitucional e o ordinário pretendem defender a vida, actividade privada das pessoas, pressupõem, v.g. que as imagens tomadas o foram em algum local privado, total ou parcialmente restrito, no qual, segundo as concepções morais vigentes, uma pessoa não deve ser retratada, abrindo-se uma excepção sempre que as exigências de polícia ou dos tribunais exigirem ou necessitarem de tais gravações para proteger direitos ou garantias fundamentais que, por exemplo, a vida ou a integridade física exigem.II - Assim, não é proibida a prova obtida por sistema mecânico de videogravação colocado em postos de abastecimentos de combustíveis ou noutros locais públicos, com a finalidade de proteger a integridade física, a vida, o património dos proprietários de veículos ou dos próprios postos de abastecimento perante tentativas de furto ou de roubo.
Tribunal da Relação do Porto
 Acórdão de 16 Nov. 2005, Processo 5267/05 Processo: 5267/05 Colectânea de Jurisprudência, N.º 186, Tomo V/2005I - Não violam a intimidade ou a esfera privada do arguido, que está acusado do crime de tráfico de estupefacientes, as fotografias que os investigadores lhe tiraram em locais públicos, para documentar factos que eles observaram e fizeram constar dos relatórios que elaboraram, dando conta das diligências de vigilância levados a cabo no âmbito do inquérito.II - Tais fotografias constituem, por isso, prova admitida por lei.Acórdão de 26 Mar. 2008, Processo 5930/07 Colectânea de Jurisprudência, N.º 205, Tomo II/2008 I - É proibida a obtenção de provas com intromissão na vida privada. II - Os fotogramas obtidos por câmaras de vídeovigilância, instaladas nas proximidades de postos de combustível, ou de centros de lavagens, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontra, eventualmente sem licenciamento da Comissão Nacional de Protecção de Dados, não constituindo a sua obteno crime de devassa da vida privada, nem crime de devassa por meio informático, não constituem provas obtidas por método proibido. Acórdão de 3 Fev. 2010, Processo 371/06 (Colectânea de Jurisprudência Ref. 661/2010) I - As proibições de prova assumem o papel de tutela de direitos fundamentais e dirigem-se, em primeira linha, às instâncias formais de controlo: investigadores, Mº Pº e juiz de instrução.II - Embora os particulares devam respeitar o direito à imagem das outras pessoas, as provas que eles obtenham mediante filmagem só são proibidas se esta se fizer contra a vontade da pessoa filmada.III - Por isso, não constitui método de prova proibido a captação de imagens do arguido por uma câmara de videovigilância instalada no estabelecimento do ofendido, com a finalidade de proteger a vida, a integridade física e o património deste e dos clientes contra furtos ou roubos.IV - De facto, apesar de a instalação de tal câmara não ter sido comunicada à ACNPD, esta estava devidamente assinalada por dísticos colocados no estabelecimento; e as imagens por ela colhidas destinam-se apenas à identificação das pessoas, por isso que não constituam devassa da vida privada do arguido que se introduziu no estabelecimento para furtar.
Tribunal da Relação de Lisboa,  Acórdão de 5 Fev. 2003, Processo 6998 Colectânea de Jurisprudência, Tomo I/2003 Ref. 7767/2003  I A danosidade social que as escutas telefónicas acarretam, que justificam o regime estabelecido nos arts. 187º e 190º do CPP, não existe numa gravação voluntária da voz num telemóvel, promovida pelo titular dos bens jurídicos que com ela podem ser postos em causa.II - Não sendo a gravação ilícita, nomeadamente nos termos do artigo 199° do Código Penal, nada obsta, portanto,  sua valoração como meio de prova (artigo 167° do Código de Processo Penal).Acórdão de 16 Jul. 2008, Processo 6131/08 Colectânea de JurisprudênciaRef. 7448/2008 Sumário I - A validade como meio de prova em processo penal, do conteúdo dos sistemas de registo e gravação de informação, quer seja o conteúdo da memória digital de uma máquina fotográfica, da memória digital de um computador ou de um cartão SIM de um telemóvel, pressupõe:- O consentimento da pessoa visada naquela concreta intromissão, ou - A autorização do juiz de instrução que ponderará em que medida é legítimo que o direito à privacidade ceda perante o interesse da sociedade em se defender de actividades delituosas que ponham em crise os seus valores.II - É nula por intromissão na vida privada a prova obtida pelo órgão de polícia criminal mediante a reprodução mecânica fotográfica do conteúdo do cartão de memória digital de uma máquina fotográfica apreendida nos autos, sem consentimento do respectivo titular, nem autorização judicial. Acórdão de 30 Out. 2008, Processo 8324/08-9 Colectânea de Jurisprudência, N.º 209, Tomo IV/2008 I - O fim visado pela videovigilância instalada numa escola, designadamente no bar, só pode ser exclusivamente o de prevenir a segurança do estabelecimento, devendo conter o aviso aos que lá se encontram ou se deslocam de que estão a ser filmados, e só neste medida a videovigilância é legítima.II - Constitui prova nula, não podendo ser considerada nem valorada, a obtida através das imagens filmadas em dois CDs, recolhidas num bar de uma escola onde ocorreram factos integradores de um crime de furto, imputado aos arguidos, sem o consentimento destes.III - Em tais circunstâncias, as imagens constituem uma abusiva intromissão na vida privada e violação do direito à imagem dos arguidos.
Acórdão de 28 Mai. 2009, Processo 10210/08 Colectânea de Jurisprudência, N.º 215, Tomo III/2009 I - as regras de proibição de prova constitucionalmente definidas ou concretizadas pelo legislador ordinário na legislação processual penal, mormente o C.P.P., dirigem-se, em primeira mão, às instâncias formais de controle, designadamente, aos investigadores, Ministério Público e Juiz de Instrução.II - No que respeita a provas obtidas por particulares e à tutela da vida privada, o legislador remete-nos para a tipificação dos ilícitos criminais previstos no Código Penal como tutela do direito fundamental à privacidade.III - Não é a existência ou não de licença concedida pela CNPD para a colocação de câmaras de videovigilância que define a licitude ou ilicitude penal da recolha ou utilização das imagens, mas sim o artigo 199.º do Código Penal que tipifica o crime de gravações e fotografias ilícitas. IV - Nada impedia que o dono da câmara de videovigilância, antes de instaurado procedimento criminal, por crime de dano, contra as pessoas filmadas, procedesse à visualização das imagens recolhidas de forma penalmente não ilícita - já que captadas à vista de toda a gente e sem qualquer surpresa para os filmados. V - Mesmo no caso de confirmação da invalidade do uso das imagens recolhidas, nada obstaria à consideração do testemunho de quem, através da prévia visualização das filmagens captadas, identificou os autores do dano, prova esta a apreciar livremente pelo tribunal nos termos do artigo 127.º do C.P.P.VI - O uso das imagens captadas por câmara de videovigilância colocada pelo assistente na entrada do seu prédio rústico, desde que limitado à identificação do(s) autor(es) dos danos praticados na sua propriedade, e enquanto reportado ao momento da prática dos factos integradores dos referidos danos, configura um meio necessário e apto a repelir a agressão ilícita contra a propriedade do assistente.Acórdão de 3 Nov. 2009, Processo 473/06 Colectânea de Jurisprudência, N.º 218, Tomo V/2009 As imagens obtidas através de sistema de videovigilância, previamente autorizado, que se restringiram ao espaço divisório da propriedade dos assistentes e permitiram visionar o arguido em posição intrusiva no espaço daqueles, não se traduziram em qualquer acto de intromissão na vida privada alheia, podendo ser validamente utilizadas como meio de prova.
Acórdão de 4 Mar. 2010, Processo 1630/08 Colectânea de Jurisprudência, N.º 221, Tomo II/2010 A obtenção de fotogramas através do sistema de videovigilância existente num estabelecimento comercial, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD, não corresponde a qualquer método proibido de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e os referidos fotogramas não digam respeito ao "núcleo duro da vida privada" da pessoa visionada.
Tribunal da Relação de Coimbra Acórdão de 22 Jan. 2002, Processo 2436/02 Colectânea de Jurisprudência, Tomo I/2003 A vigilância da actividade de tráfico de estupefacientes desenvolvida ao ar livre, em pleno parque público, pode ser registada em imagem, não consistindo em intromissão da vida privada nem estando dependente de prévia autorização do Juiz.
Tribunal da Relação de Évora Acórdão de 21 Nov. 2000, Processo 623/99 Colectânea de Jurisprudência, Tomo V/2000 ef. 10012/2000 A autorização de visionamento, na audiência de discussão e julgamento, de um registo fílmico, efectuado em vídeo pela PSP, em lugar público, sem prévia autorização, quer judicial, quer dos filmados, durante uma investigação criminal não viola qualquer preceito constitucional, nem de direito penal.
Tribunal da Relação de Guimarães Acórdão de 19 Mai. 2003, Processo 782/03 Colectânea de  jurisprudência,  N.º 167, Tomo III/2003I - As gravações de conversas telefónicas entre o arguido e uma testemunha, tendo-se a escuta processado legalmente, são livremente apreciadas e valoradas pelo tribunal, mesmo que o arguido se remeta ao silêncio.II - Tal não colide com o direito ao silêncio do arguido, uma vez que os registos fonográficos são um meio de prova distinto das declarações do arguido.III - É legal a obtenção de fotogramas obtidos a partir de gravações em vídeo numa caixa de multibanco, já que estas não foram obtidas a ocultas, nem com a violação da vida privada do arguido.IV - E legal é também a valoração desses fotogramas sem junção dos originais, nem da cassete, quando se não questione a sua exactidão.
Acórdão de 25 Out. 2010, Processo 1191.06.2PBGMR.G1 Colectânea de Jurisprudência.A gravação de imagens do autor de um furto dentro das instalações de uma agência bancária é uma prova válida e utilizável em processo penal.
[20] Direito Criminal" II, pág. 7.
[21] Ibidem
[22] Ibidem
[23] Medidas de Combate á Criminalidade Organizada e Económica Financeira-Registo de Voz e imagem pag 82
[24]  Indícios suficientes; parâmetro de racionalidade e instância de legitimação- Revista do CEJ 2ºSemestre de 2004 página 161 e seguintes
[25] O conceito de indícios suficientes no processo penal português em Jornadas de direito processual penal e direitos fundamentais-Jornadas de direito processual penal e direitos fundamentais pag 161 e seg
[26] Direito Processual Penal pag 133