Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1054/16.3TXPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL SOARES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
JUÍZO DE PROGNOSE
Nº do Documento: RP201808031054/16.3TXPRT-A.P1
Data do Acordão: 08/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º768, FLS.310-316)
Área Temática: .
Sumário: Para concessão da liberdade condicional importa averiguar se a probabilidade de o condenado vir a cometer novos crimes é suportável face à necessidade de lhe assegurar as possibilidades de ressocialização adequadas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1054/16.3TXPRT-A.P1
Comarca do Porto
1º Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto
Acórdão deliberado em Conferência
1. Relatório
1.1 Decisão recorrida
Por decisão proferida em 3 de Abril de 2018 o Tribunal de Execução de Penas decidiu recusar ao condenado B… a concessão de liberdade condicional, simultaneamente ao meio e aos dois terços da pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por crimes de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade e de detenção de arma proibida, e indeferir, ainda, o requerimento de antecipação de liberdade condicional, em regime de permanência na habitação.
1.2 Recurso
O condenado recorreu do despacho, pedindo a revogação da decisão recorrida e a consequente concessão de liberdade condicional.
Concluiu a motivação do recurso nos seguintes termos (resumo nosso):
- O despacho é nulo por omissão de diligências essenciais, na parte em que indeferiu o pedido de antecipação da liberdade condicional, em regime de permanência na habitação;
- O despacho é também nulo, por tomar em conta factos relativos às exigências de prevenção geral cuja origem não se vislumbra;
- Os crimes são de pequena gravidade e foram praticados há muitos anos;
- Revelou consciência do ilícito, frequentou o ensino no EP, nunca foi objecto de medidas disciplinares, está abstinente de consumos, tem perspectivas de reinserção social, com enquadramento social, familiar e profissional;
- Não há razões de prevenção geral ou especial que impeçam a concessão de liberdade condicional ao meio da pena e muito menos aos dois terços.

O Ministério Público no Tribunal de Execução de Penas respondeu manifestando-se pela improcedência do recurso. Em síntese, alegou o seguinte:
- O requerimento de antecipação da liberdade condicional foi apresentado apenas três meses antes de se atingir o meio da pena, quando já estavam a decorrer as diligências de instrução com vista à respectiva apreciação, tendo ficado prejudicado pela decisão recorrida.
- Não se verificam os pressupostos da concessão da liberdade condicional, relativos às exigências de prevenção geral e especial, nem ao meio nem aos dois terços.

Na Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, remetendo, no geral, para as razões em que se fundamentou o despacho recolhido e para os argumentos expostos na resposta do Ministério Público no tribunal recorrido.
2. Questões a decidir no recurso
O objecto do recurso respeita às seguintes questões:
- Verifica-se alguma das alegadas nulidades do despacho ou outras?
- Estão verificados os pressupostos materiais e legais para a concessão da liberdade condicional ao meio da pena?
- E aos dois terços?
3. Fundamentação
3.1. Factualidade relevante para a decisão
No despacho recorrido consta o seguinte elenco de factos considerado relevante para a decisão:
(transcrição)
O condenado nasceu em 07.02.1972.
Cumpre a pena única de 2 ano e 6 meses de prisão, à ordem do processo n.º 39/14.9SFPRT, da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 3, no âmbito do qual foi condenado pela autoria de um crime de tráfico de menor gravidade de estupefacientes e de um crime de detenção de arma proibida, cometidos em 14.10.2014 e em 21.03.2015 (nas circunstâncias e do modo descritos nos factos provados na decisão condenatória, aqui dados por integrados).
Atingiu a metade da pena em 05.01.2018, atingirá os dois terços da mesma em 05.06.2018, estando o seu termo previsto para 05.04.2019.
O condenado encontra-se recluído pela segunda vez em estabelecimento prisional.
No CRC junto figuram sete condenações anteriores, a primeira das quais proferida em 07.11.2003 (factos de 22.10.2003), relativas à prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal (quatro condenações por este tipo de crime) e tráfico de menor gravidade de estupefacientes (três condenações por este tipo de crime).
Ouvido, em relação ao crime declarou que: o cometeu devido à sua toxicodependência de cocaína e haxixe, com vista a sustentar esses consumos; não devia ter feito o crime, sabendo que fez mal a outras pessoas; não consome drogas desde que preso, sem ter tido necessidade de tratamento.
O condenado apresenta comportamentos aditivos precoces, afirmando-se abstinente no presente; contraiu doença infecto-contagiosa, motivo porque lhe foi atribuída pensão de sobrevivência; no estabelecimento prisional beneficia de apoio clínico na vertente de psicologia e, em ambulatório, é seguido no Hospital E… pelo serviço de infecto-contagiosas; aceita a imposição de tratamento no âmbito da toxicodependência, no quadro de uma eventual liberdade condicional.
No decurso da execução da pena foi integrado na escola, frequentando o 1.º ciclo do ensino. Não foi alvo da aplicação de medidas disciplinares.
Não beneficiou ainda de qualquer medida de flexibilização da pena, tendo sido indeferido em Dezembro último o mais recente requerimento para concessão de licença de saída jurisdicional por si subscrito.
Se colocado em liberdade condicional, regime no qual consente, pretende reintegrar o agregado da progenitora onde já vivia em período anterior; actualmente a irmã e o cônjuge do condenado integraram este agregado com vista a prestar cuidados de saúde à progenitora; a irmã do condenado é operária fabril e o cunhado pedreiro de construção civil, ambos manifestando apoio incondicional ao condenado.
Trata-se de uma habitação camarária de tipologia 3, inserida no Bairro C…, dotada de condições de habitabilidade; o espaço habitacional insere-se em bairro camarário onde não são apontados problemas de exclusão social de relevo; o condenado é aqui reconhecido, não se prevendo constrangimentos ao seu regresso; a sua interacção com a comunidade era rara, pois privilegiava o convívio com indivíduos no bairro D…, onde o agregado residiu no passado.
O condenado tem experiência na construção civil, tendo registado um período de emigração em França; devido ao consumo de produtos estupefacientes acedeu à condição de desempregado; actualmente é pensionista e, apesar disso, projecta inserir-se laboralmente no café de um sobrinho, situação confirmada pela sua irmã.
3. 2 Mérito do recurso
O tribunal decidiu não conceder a liberdade condicional ao condenado, nem no prazo do meio da pena, que já tinha decorrido quando o despacho foi proferido, nem no prazo de dois terços da pena, que ocorreria cerca de dois meses depois. Porém, ao apreciar os requisitos, limitou-se a verificar os previstos no artigo 61º nº 1 al. b) do CP, que são os necessários para a libertação aos dois terços da pena. Não verificou os pressupostos da libertação ao meio da pena.
Em simultâneo, no mesmo despacho, o tribunal considerou prejudicada a possibilidade de deferir o pedido de libertação condicional antecipada, em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, formulado pelo condenado ao abrigo do disposto no artigo 62º do CP.
Sem grande rigor jurídico e indicação das normas legais aplicáveis, diz o recorrente que o despacho enferma de duas nulidades. A primeira, porque o tribunal acabou por indeferir o requerimento de libertação antecipada para adaptação à liberdade condicional, sem realizar as pertinentes diligências de instrução. A segunda porque atendeu a factos qualificativos das necessidades de prevenção geral cuja origem não se vislumbra.
Não tem razão.
O artigo 62º do CP permite que o tribunal coloque antecipadamente o condenado em liberdade condicional, pelo período máximo de um ano, em relação ao momento em que, nos termos do artigo 61º do CP, poderia ocorrer normalmente essa libertação, no meio ou da pena. Essa possibilidade pressupõe uma iniciativa do tribunal, oficiosa ou despoletada por requerimento, a tempo de a respectiva decisão ser proferida antes de decorrida a metade da pena. Se o tribunal não concede a liberdade condicional ao meio da pena, por não se verificarem os respectivos pressupostos, fica prejudicada, pela própria natureza das coisas, a possibilidade de a conceder antecipadamente.
Verificamos que o recorrente requereu a libertação antecipada em momento muito próximo do meio da pena e quando já decorria a instrução preparatória para essa decisão. Sendo assim, não se vê que diligências mais haveria o tribunal de ter realizado para proferir uma decisão cuja utilidade e oportunidade ficaram manifestamente ultrapassadas no momento em que deu por não preenchidos os pressupostos para a liberdade condicional.
Por outro lado, não é verdade que na decisão tivessem sido considerados quaisquer factos não resultantes da instrução. O que o tribunal fez foi interpretar os factos que acima transcrevemos e retirar deles o significado que considerou correcto. Olhou para os antecedentes criminais, para as circunstâncias do crime e para a situação do condenado e tirou as suas conclusões. O facto de o recorrente não concordar com a decisão não significa que seja nula.
Não ocorre, portanto, qualquer das nulidades invocadas no recurso.
Mas há uma outra questão, não suscitada pelo recorrente directamente, que devemos verificar oficiosamente. Trata-se de saber se é lícito ao tribunal, quando aprecia os requisitos da liberdade condicional ao meio da pena, face à proximidade temporal do prazo dos dois terços, acabar por não se pronunciar sobre os requisitos da libertação nesse marco temporal e indeferir logo a libertação aos dois terços, cerca de dois meses antes de se atingir esse prazo.
A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, confusa. O que estava em causa era a liberdade condicional ao meio da pena, cujos pressupostos são os das als. a) e b) do artigo 61º nº 2 do CP. Face à proximidade temporal do limite dos dois terços, o tribunal entendeu indagar apenas da verificação dos requisitos da al. a), o que significa, manifestamente, que quis decidir sobre a liberdade condicional aos dois terços da pena. Mas, depois, no dispositivo, ao indeferir a liberdade condicional, acabou por dizer que a decisão valia também para o limite dos dois terços, como se tivesse estado a verificar os pressupostos da libertação ao meio da pena, o que não fez.
A nosso ver o tribunal não podia deixar de apreciar e decidir sobre a libertação condicional do recorrente ao meio da pena, tendo em conta os requisitos daquelas alíneas a) e b). Era esse o objecto do processo e da decisão a proferir.
Por outro lado, pensamos que a lei também não admite que o tribunal se pronuncie sobre a concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena antes de esse prazo ser atingido. Do número 3 do artigo 61º do CP resulta que a decisão só deve ser tomada “quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena”. Pode argumentar-se que a norma se refere apenas à execução do mandado de libertação e não ao momento da decisão. Mas isso não nos parece correcto, na medida em que, na verdade, antes de decorridos dois terços da pena, não é possível antecipar se os pressupostos se irão ou não verificar. É claro que em penas curtas de prisão, em que o prazo dos dois terços é próximo do meio da pena, pode não ser possível, nem necessário, realizar as diligências de instrução autónomas para apurar a situação do condenado. No entanto, nessas situações, será necessário, a nosso ver, que o despacho que aprecia os pressupostos seja proferido apenas quando o prazo relevante tiver decorrido. Essa é a única maneira de garantir que o tribunal teve em conta a situação do condenado existente no momento relevante.
Sendo assim, a nosso ver, o despacho recorrido padece de omissão de pronúncia (por o tribunal não ter apreciado todos os pressupostos da liberdade condicional ao meio da pena) e excesso de pronúncia (por o tribunal ter indeferido a libertação aos dois terços da pena, cerca de dois meses antes de atingido esse momento), o que constitui nulidade do conhecimento oficioso, nos termos do artigo 379º nº 1 al. c) e nº 2 do CPP, aplicável por força da subsidiariedade prevista no artigo 154º do CEPMPL.
Se usássemos neste momento critérios de rigor estritamente formal, a consequência seria a anulação do despacho e a remessa do processo para a primeira instância, para que o tribunal proferisse a decisão em falta e repetisse a outra em excesso no momento correcto. Só que isso acabaria por redundar num prejuízo inaceitável para o interesse do recorrente. O meio da pena foi atingido em Janeiro e os dois terços em Junho. Quando houvesse decisão final muito provavelmente a pena teria atingido o termo final de Abril de 2019, sem que tivesse chegado a haver decisão sobre a possibilidade de libertação condicional.
Temos admitido noutras situações, quando isso não subverte a lógica própria dos recursos, a possibilidade da Relação suprir os vícios de pronúncia da decisão de primeira instância, em conformidade com a solução interpretativa adoptada nos acórdãos do STJ, de 2JUN2014 e 30MAR2016[1]. Neste caso é essa a solução que nos parece mais adequada, tendo em conta que os dois terços da pena já foram atingidos na pendência do recurso.
Devemos, pois, verificar se estão ou não preenchidos os pressupostos da liberdade condicional previstos no artigo 61º nº 1 al. a), à luz da decisão do tribunal e dos argumentos apresentados no recurso.
O que está em causa é saber se neste momento, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do recorrente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, é de esperar que ele, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Há segmentos em que não concordamos com as apreciações feitas na decisão recorrida.
Diz o tribunal que este é o segundo período de reclusão do recorrente. O único elemento informativo que localizámos sobre esta matéria está no relatório do EP, onde se refere que esteve detido em 1998 cerca de dois meses, tendo saído quando pagou a multa. Este período de reclusão não pode ser valorado ao ponto de se concluir que o recorrente é insensível aos efeitos pretendidos pela privação de liberdade. Trata-se de uma reclusão muito curta, ocorrida há vinte anos.
Diz também o tribunal que o recorrente apresenta um vasto percurso criminal, com mais de dez anos de evolução, evidenciando uma personalidade com dificuldade de se confirmar com os padrões normativos vigentes. Não podemos desvalorizar o significado dos antecedentes criminais, mas também não há elementos para caracterizar o recorrente como uma pessoa com um passado criminal de gravidade incompatível com um prognóstico positivo de ressocialização. De acordo com o CRC, foi condenado por crimes estradais (3 conduções sem habilitação e uma condução em estado de embriaguez) quatro vezes, em 2003, 2004, 2007 e 2009, três vezes em multa e outra em pena com execução suspensa, tendo todas sido extintas por cumprimento. Foi ainda condenado uma vez por crime de consumo de estupefacientes, em 2009, em pena de multa, que pagou, e duas vezes (sem contar com a pena em cumprimento) por crimes de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade, em penas com execução suspensa, extintas por cumprimento.
Aceitamos que não se pode dizer que o recorrente é uma pessoa com um modo de vida normativo. Basta ter sido condenado para não se poder dizer isso. Mas também nos parece exagerado dizer que se trata de uma pessoa com absoluta dificuldade de conformação com os valores normativos, especialmente se tivermos em conta que, apesar das condenações e da sua repetição, do seu CRC resulta que as penas de prisão suspensas surtiram ainda assim algum efeito, vindo a ser extintas sem revogação e necessidade de cumprimento.
Há que reconhecer que o recorrente revelou indiferença perante o bem jurídico em causa no tráfico de estupefacientes, pois já é a terceira vez que pratica o crime, embora na sua modalidade menos ilícita. Mas, por outro lado, não pode ignorar-se que esses comportamentos estão ligados a uma situação de adição às drogas, que o recorrente afirma estar ultrapassada, o que os dados do processo não desmentem. Acresce que esta é a primeira vez que cumpre uma pena privativa de liberdade relevante, não se podendo, portanto, concluir que a experiência prisional não surtiu efeito.
No relatório social elaborado pelo EP consta que o recorrente “demonstra auto-reflexão crítica que contextualiza com o comportamento aditivo, fragilidade emocional, deficitário pensamento consequencial e permeabilidade a contextos associais” e que “revela vontade de mudança, crítico relativamente ao grupo de pares que o induziram à recaída de substâncias aditivas”. Já no relatório da DGRSP lê-se: “ambivalência ou reduzida consciência crítica nos seguintes aspectos: o condenado apresenta um discurso aprendido, em que afirma a gravidade do seu comportamento. Identifica os problemas de saúde como um dano”. Pese embora a natureza não inequívoca dos pareceres, em ambos se concluiu no sentido de não poder dizer que os efeitos inerentes à pena tivessem sido atingidos.
Que dizer?
É consensual que a liberdade condicional se destina a facilitar a reintegração do condenado na sociedade, tendo em conta as finalidades da pena e os objectivos da sua execução, consagrados nos artigos 40º nº 1 e 42º nº 1 do CP.
Aos dois terços da pena, a libertação do condenado depende apenas da verificação de requisitos intimamente conexionados com as finalidades de prevenção especial que a imposição e execução da pena devem prosseguir. O que está em causa é sobretudo garantir que a antecipação do termo do cumprimento da pena de prisão em reclusão não vai frustrar a finalidade de reintegração social do agente do crime que a execução da pena pretende incutir. Visa-se, pois, em suma, assegurar o êxito dos fins de prevenção especial positiva – condução da vida com responsabilidade social – e de prevenção especial negativa – abstenção de novos comportamentos criminosos.
A gravidade do crime em abstracto não pode ser considerada como elemento relevante para a avaliação dos factores de prevenção especial no momento de decidir sobre a concessão de liberdade condicional. Aceitamos que sejam de considerar como elementos de ponderação para a concessão da liberdade condicional as circunstâncias concretas do crime praticado, pois elas também fazem parte do passado do condenado e ajudam a revelar a sua personalidade e a formular um prognóstico mais seguro sobre a sua evolução futura. No entanto, o enfoque principal da decisão que temos de proferir não pode ser posto aí. As circunstâncias da ilicitude do crime e da maior ou menor censurabilidade da conduta já foram ponderadas na determinação da pena que está em cumprimento. Elas só seriam de relevar agora se e apenas na medida em que influíssem na caracterização da personalidade do condenado, para o efeito de se prognosticarem as condições necessárias para assegurar que as finalidades de prevenção geral não sairão frustradas.
No caso isso manifestamente não sucede, pois estamos a tratar de uma condenação numa pena curta de prisão por dois crimes de ilicitude menos grave.
O tribunal deu grande ênfase ao facto de o arguido cumprir a terceira pena por crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. Concordamos que a probabilidade de alguém anteriormente condenado por crime idêntico voltar a incorrer no mesmo comportamento ilícito é maior do que aconteceria no caso de se tratar da primeira condenação. Este factor é relevante como índice de maior exigência na protecção das finalidades de prevenção especial. No entanto, se bem que seja verdade que os objectivos de reinserção das penas anteriores não foram integralmente atingidos, também não é de desconsiderar que durante os períodos de suspensão das penas anteriores não há notícia de incumprimento dos deveres impostos. Isso aumenta a confiança no resultado positivo que o cumprimento de penas tem na consciencialização do recorrente.
No plano do comportamento durante o cumprimento da pena, não há nada que desabone. O recorrente frequentou a escola e não teve punições disciplinares.
Muito embora o bom comportamento prisional seja exigível a todos os condenados, a verdade é que muitos não o têm. Aqueles que ao longo da execução da pena mostram capacidade de se comportar de acordo com as normas, algum benefício hão-de ter no momento da avaliação dos pressupostos da liberdade condicional. É esse o sentido da norma quando manda atender à evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena. O bom comportamento, conjugado com todos os demais elementos de ponderação, não pode deixar de ser considerado um índice de mudança pessoal no sentido da reabilitação. Ele pode revelar mais facilmente se o condenado compreendeu o sentido da condenação, se aceitou a censura por ter violado bens jurídicos e se adquiriu a vontade de se reintegrar na sociedade de maneira responsável e afastado da criminalidade.
O condenado quando foi ouvido assumiu a prática do crime dizendo que o fez devido à sua situação de toxicodependente, para sustentar o seu próprio consumo. Disse também que não devia ter praticado o crime e que sabia ter feito mal a outras pessoas. Não sabemos se o discurso foi “aprendido”, como se refere no relatório social. O tribunal, perante quem o recorrente esteve presente e prestou declarações, não o desvalorizou.
O que o arguido disse é razoável e corresponde ao que geralmente acontece em situações idênticas. O pequeno tráfico é muitas vezes uma consequência directa da adição às drogas. A interiorização da ilicitude do crime deve ter-se como demonstrada quando perante o juiz de execução de penas o condenado assume de forma clara a sua responsabilidade e manifesta sentimentos de repulsa em relação ao crime e consegue identificar os valores ofendidos. Só assim não deverá ser se houver razões para acreditar que as palavras não têm correspondência com os sentimentos. Mas para isso é necessário que o tribunal motive essa convicção, sob pena de não poder ser objecto de controlo por via do recurso. No caso, o despacho recorrido não nos dá nota de uma eventual falta de credibilidade das declarações. E sendo assim, afigura-se que as mesmas traduzem suficiente sentido crítico em relação ao ilícito.
No que respeita à existência de condições exteriores favoráveis à ressocialização, o tribunal também nada referiu em especial, limitando-se a dizer que os factores positivos não se sobrepõem aos negativos.
O recorrente tem agregado familiar, onde pretende reintegrar-se e espaço habitacional adequado. Tem apoio da mãe, irmã e cunhado. Não apresenta problemas de subsistência, uma vez que recebe uma pensão por invalidez e tem projecto de trabalho com um sobrinho. Parece, portanto, que o meio social que espera o recorrente fora da prisão tem condições de funcionar como factor de contenção e enquadramento normativo.
Do que temos vindo a afirmar resulta já que discordamos da decisão recorrida.
Comportando sempre a libertação antecipada do condenado um risco social, o que está em causa é saber se a probabilidade de este vir a cometer novos crimes é suportável face à necessidade de lhe assegurar as possibilidades de ressocialização adequadas. O juízo de prognose que temos de fazer não se esgota na ponderação do percurso prisional do recorrente. A ponderação que a lei manda é mais global e deve atender também às circunstâncias do caso, relativas ao crime cometido e à pena imposta, à vida anterior, à personalidade e à existência de condições adequadas fora da prisão.
Não podemos olhar isoladamente para um ou outro factor relevante para o juízo sobre a possibilidade de reinserção social em liberdade e interpretá-lo perdendo de vista o quadro geral que está à nossa frente. O recorrente teve um comportamento prisional adequado, manteve-se ocupado a estudar, tem suporte familiar e enquadramento laboral. Admitiu o crime que praticou e deu sobre o mesmo uma explicação que se afigura razoável. Face a estes factos, não encontramos razão para afirmar que o recorrente não manifesta postura crítica sobre as consequências das suas acções, ou que não encetou um percurso de mudança pessoal no sentido da sua própria reabilitação. Tudo isto nos diz que a sua personalidade evoluiu positivamente, que compreendeu o sentido da condenação, que aceitou a censura por ter violado bens jurídicos e que adquiriu a vontade de se reintegrar na sociedade de maneira responsável e afastado da criminalidade.
Do nosso ponto de vista, no plano da prevenção especial, face aos elementos de que dispomos, não é possível dizer neste momento que o cumprimento integral de uma pena de prisão tão curta é essencial para se atingirem as finalidades esperadas.
Consideramos, em conclusão, que o despacho recorrido interpretou e aplicou erradamente o artigo 61º nº 2 al. a) do CP ao negar ao condenado a concessão de liberdade condicional aos dois terços da pena e tem por isso de ser revogado.
A consequência da revogação será colocar o condenado em liberdade condicional, sujeito às condições adequadas à sua condição.
4. Decisão
Pelo exposto, acordamos em conceder provimento ao recurso e em revogar a decisão recorrida, concedendo ao recorrente B… a liberdade condicional até ao termo da pena, que ocorrerá em 5 de Abril de 2019, sujeita às seguintes condições: (1) residir na morada indicada no relatório da DGRSP (2) manter uma conduta pró-social, não cometendo ilícitos de mesma natureza criminal ou outro; (3) afastar-se de locais de risco, propiciadores do envolvimento em comportamentos de risco; (4) inverter ao nível ocupacional/laboral, efectuando diligências, de forma a manter uma colocação estruturada e regular; (5) colaborar com os serviços de reinserção social que ficarão responsáveis pelo acompanhamento da medida e se necessário sujeitar-se a acompanhamento e/ou tratamento especializado de toxicodependência.
Comunique ao TEP e EP e passe de imediato mandados.
Sem custas.

Porto, 3 de Agosto de 2018
Manuel Soares
Maria do Carmo Domingues
______
[1] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7b3427c1c70d074780257d70003fa445?OpenDocument
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