Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
89/14.5GGBJA.E1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: RECURSO PENAL
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
TOXICODEPENDÊNCIA
PLURIOCASIONALIDADE
Data do Acordão: 03/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES / PENA RELATIVAMENTE INDETERMINADA / TOXICODEPENDÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA ( NULIDADES ) - RECURSOS
Doutrina:
- Alberto do Reis, “Código de Processo Civil”, anotado, vol. 5, 140.
- Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 669.
- Eduardo Correia, Direito Criminal, II,1968, (Reimpressão), 387.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 232, 291,nota 2, 292; Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, 274.
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 221,222.
- Oliveira Mendes, “Código de Processo Penal”, Comentado (2014), 1183/84.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III (1972), 246.
- Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral – Questões Fundamentais, 83 e 84.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE, APROVADO PELA LEI N.º 115/2009, DE 15 DE OUTUBRO. – ARTIGO 2.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 379.º, N.ºS 1, ALS. A), C), 2, 410.º, N.º2, 412.º, N.º1, 425.º, N.º4, 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º1, 71.º, N.ºS1 E 2, AL. E), 77.º, N.ºS1 E 2, 88.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 12/07/2007, P.º N.º 4098/06-5.ª.
-DE 26/03/2014, P.º N.º 15/10.0JAGRD.E2.S2, 3.ª SECÇÃO.
-DE 10/09/2014, P.º N.º 223/10.4SMPRT.P1.S1, 3.ª SECÇÃO.
-DE 26/02/2014, P.º Nº 732/11.8GBSSB.L1.S1, DE 10/09/2014, P.º N.º 223/10.4SMPRT.P1.S1.
-DE 17/03/2016, P.º N.º 1180/10.2JAPRT.P1.S1, 3.ª SECÇÃO.
Sumário :
I - Não enferma de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão da Relação em apreço, uma vez que o mesmo apreciou a concreta questão que o recorrente lhe colocou, embora não tivesse acolhido a sua pretensão, fundamentando de forma suficiente a pena única aplicada. O recorrente pretendeu impugnar o mérito dessa decisão do tribunal da Relação, e não propriamente qualquer aspecto da sua estrutura formal.
II - Mesmo que se verificasse a invocada nulidade, o vício sempre teria de ser suprido pelo STJ, nos termos da parte final do n.º 2 do art. 379.º do CPP, por referência do art. 425.º, n.º 4, também do CPP, porque os factos provados são suficientes para alicerçar uma fundamentação completa da medida da pena única.
III - Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP, a medida da pena única é fixada em função dos critérios gerais da culpa e das exigências de prevenção estabelecidos nos seus arts. 40.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1 e, ainda, do critério especial da 2.ª parte do referido preceito. Isto é, na medida da pena do concurso são também necessariamente considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
IV - Os assaltos a residências, com ofensa da integridade física dos seus habitantes - como é o caso dos autos, em que foram 5 idosos atacados em suas casas, 4 deles, solitários e indefesos - sejam cometidos em meios pequenos, sejam os praticados nas grandes metrópoles, são geradores de forte clima de insegurança e de intranquilidade entre a população em geral, residente ou não no local onde foram consumados. A culpa situa-se, assim, também, num patamar igualmente elevado.
V - O recorrente agiu com dolo directo, intenso e persistente, conhecia as vítimas, escolheu as mais débeis e desprotegidas, em função avançada idade e do isolamento em que viviam, estudou os seus hábitos, escolheu os meios de actuação que lhe pareceram ser os mais adequados aos seus objectivos e agiu, por vezes, com frieza e insensibilidade altamente reprováveis.
VI - O STJ vem entendendo que a toxicodependência, por regra, não isenta nem sequer atenua acentuadamente a responsabilidade criminal do agente, atento o disposto no art. 88.º, do CP, o que não invalida, porém, que se deva reconhecer que aquela pressão é susceptível de enfraquecer de algum modo os mecanismos de autocontrolo, com o inerente reflexo no grau de culpa, pelo que a toxicodependência do recorrente não tem o valor atenuativo que este pretende.
VII - A juventude não tem aqui relevante valor atenuativo, quer da culpa quer das exigências de prevenção especial, pois, tendo já completado os 26 anos quando praticou o primeiro dos crimes em julgamento, afasta-o claramente da fase precoce do seu desenvolvimento adulto. Estão em causa 5 crimes (furto qualificado, roubo e roubo agravado), praticados no espaço de cerca de 7 meses e meio, tendo os dois últimos foram cometidos com o intervalo de 3 dias. Actividade criminosa que cessou apenas porque o arguido passou a estar preso preventivamente. Pelo que o grau de ilicitude global é elevado.
VIII - Verifica-se a mera pluriocasionalidade quando a conduta plural do agente pode encontrar explicação na conjugação de circunstâncias exteriores que se repetiram e facilitaram a sua realização, não sendo essa a realidade espelhada nos autos, pois nada indica que tenham sido circunstâncias exteriores, estranhas à sua personalidade, que empurraram o arguido para o crime.
IX - A moldura penal do concurso é, no caso, a de 4 anos a 14 anos e 3 meses, de prisão. Atendendo a que, apesar do elevado grau de ilicitude da conduta global, do efeito agravativo que tem de se atribuir à pluralidade dos factos praticados, das elevadas exigências de prevenção geral decorrentes do grau de insegurança comunitária que acções como as praticadas pelo arguido inequivocamente provocam, como efectivamente provocaram, e da influência da toxicodependência no percurso marginal do arguido, consideramos ser de reduzir a pena única aplicada de 9 anos e 6 meses de prisão, fixando-a em 8 anos de prisão.
Decisão Texto Integral:

            Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

            1. Relatório

1.1. No processo em epígrafe da Comarca de Beja – Inst. Central – Secção Cível e Criminal – J1, respondeu com outro, perante o Tribunal Colectivo, o arguido AA, nascido em .... em ...., ...., filho de .... e de ...., residente na Rua ...., sob a acusação de ter praticado, em concurso efectivo, os seguintes crimes:

– um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 202º, alínea e), e 204º, nºs 1, alínea d), e 2, alínea e), do CPenal (a que pertencem as normas incriminatórias que se seguem, sem indicação do respectivo diploma);

– um crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, alínea b), 202º, alínea d), 204º, nºs 1, alínea d), e 2, alínea e);

– um outro crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, alínea b), 202º, alínea e), e 204, nºs 1, alínea d), e 2, alínea e);

– dois crimes de roubo agravado, um em co-autoria, p. e p. pelos arts. 26º, 210º, nºs 1 e 2, alínea b), e 204º, nº 1, alíneas d) e f);

– um crime de roubo, em co-autoria, p. e p. pelos arts. 26º, 210º, nºs 1 e 2, alínea b), 202º, alíneas c) e e), e 204º, nºs 1, alínea d), 2, alínea e), e 4.

A final, foi condenado, além do mais, pela prática, em concurso efectivo, de:

– um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 204°, n° 2, alínea e), e 203°, n° 1, na pena parcelar de 3 anos de prisão;

– dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210°, n°s 1 e 2, alínea b), e 204°, n° 2, alínea e), nas penas parcelares de 3 anos e 9 meses de prisão e de 4 anos de prisão;

– dois crimes de roubo, p. e p. pelos arts. 210°, n°s 1 e 2, alínea b), e 204°, n°s 2, alínea e), e 4, nas penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão e de 2 anos de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena conjunta de 9 anos e 6 meses de prisão.

1.2. Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Évora que, pelo acórdão de fls. 930 e segs., de 06.10.2015, decidiu:

«… dar parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido Pedro, mas apenas, na parte relativa à rectificação de matéria de facto dada como provada no ponto 60, substituindo-se nele a expressão "ou rebentando a porta", pela expressão "ou através da porta" e no mais em manter o douto acórdão recorrido».

            1.3. Ainda inconformado, o arguido AA interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1006) que foi recebido, nos termos e com o efeito legais, pelo despacho de fls. 1020, de 15.12.2015.

O Recorrente extraiu da motivação do recurso as seguintes conclusões que transcrevemos:

            «1 – O problema de que o recorrente padece está identificado, precisa de ser ajudado para resolver o seu problema de saúde, foi inclusivamente dado o seu consentimento para um internamento voluntário num estabelecimento de saúde para que se possa restabelecer, organizar a sua vida, junto da sua família, acompanhar o seu filho, atualmente com 5 anos e reintegrar-se na sociedade.

                2 – Apesar da sua condenação pelos crimes roubo agravado (2), roubo simples (2) e furto qualificado, motivados pelo problema de saúde (toxicodependência) de que padece e que na altura a prática dos crimes resultou das necessidades aditivas, agindo num estado de impulsividade/compulsividade causado pela privação do produto estupefaciente, nunca exerceu qualquer violência sobre os ofendidos, apenas existiu sim a sua imobilização, sem qualquer agressão, ou danos materiais nos seus bens.

3 – Os bens e valores subtraídos, com exceção da ofendida BB, são na sua maioria de valor diminuto, ou seja importâncias de 10,00 €, 40,00 €,50,00 € e jóias de 62,00€, 66,00 €, 70,00 € e 130,00 €, todas recuperadas.

4 – A juventude do arguido, hoje com 28 anos de idade, aliada a alguma esperança de ressocialização futura, a necessidade de não o estigmatizar a uma pena demasiado pesada, nesta fase ainda precoce do seu desenvolvimento adulto, leva-nos a considerar uma pena conjunta que valorizando devidamente a sua postura em julgamento, o seu arrependimento sincero (o relatório social refere: "demonstra capacidade de tecer um juízo autocrítica e de arrependimento…), situação que foi omitida no douto Acórdão e a sua enorme contribuição para a descoberta da verdade material, que será de todo aconselhável uma medida penal mais leve que não ultrapasse os 6 anos, fazendo-se desta forma a justiça do caso concreto.

                5 – Nestas condições deve ser revogado o Acórdão recorrido substituindo-o por um que:

                a) De acordo com os fundamentos invocados pelo recorrente, substitua a medida de pena conjunta que foi lhe foi mantida em 9 anos e 6 meses de prisão, por uma outra capaz de assegurar o disposto no artº. 40°. do C.P. e assim a verdadeira ressocialização do agente;

                b) Tenha em consideração na determinação concreta da pena do concurso a existência de um critério especial fornecido pelo artº. 77°. nº. 1 do C.P., segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Tendo em conta também os critérios gerais contidos no artº. 71°., em conjugação com a proclamação de princípios ínsita no artº. 40°, atenta a necessidade de tutela de bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluindo a conjunta, que não pode estar dissociada da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração, pontos de vista preventivos e passando pelo efetivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta;

6 – No caso concreto dos autos, salvo o devido respeito e melhor opinião e cumprindo-se os princípios e fundamentos acima invocados, deve ser fixada ao recorrente uma pena conjunta não superior a 6 anos de prisão, uma vez que não se verifica uma tendência criminosa, mas sim uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, e a sua prática se verificou num curto período de cerca de 7 meses, de forma espaçada, interpolada e descontínua (antes de 21 de dezembro de 2013, 11 de fevereiro de 2014, 20 de abril de 2014, antes de 3 de agosto de 2014 e 6 de agosto de 2014), uma vez que anteriores crimes já datam de há 10 anos e são de natureza diversa, com exceção do (único) praticado em 28 de fevereiro de 2012.

                7 – Por outro lado, salvo o devido respeito e melhor opinião, também não foi feita uma apreciação em conjunto dos factos e a personalidade do arguido, como determina o artº. 77°. nº. 1 do C.P.

Ao omitir a necessária avaliação o tribunal "a quo" omite pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir, o que determina a nulidade da respetiva decisão, nos termos do artº. 379°. nº. 1 alínea c) do C.P.P., nulidade que é de conhecimento oficioso. Assim como também omitiu uma resposta à posição manifestada pelo recorrente, efetuada no julgamento, no sentido do seu internamento voluntário em estabelecimento de saúde tendo como objetivo recuperar a sua saúde, reintegrar-se na sociedade e afastando-o da prática criminal que esteve na origem do presente processo.

                8 – Normas jurídicas violadas:

                - Constituição da República Portuguesa: 205°. nº. 1.

                - Código Penal: artº. 40 nºs 1, 2 e 3, art°. 71°. nº. 2 alínea c), artº. 71°. nº. 3, artº. 72°. nº. 2 alínea c), artº. 77°. nº. 1 , 202°. alínea e) e 204°. nº. 2 alínea e).

                - Código de Processo Penal: artº. 97°. nº. 5, artº. 374°. nº. 2, artº. 375°. nº. 1 e art°. 379°. nº. 1 alínea c).

                Termos em que,

                deve o presente recurso ser recebido e a decisão recorrida ser substituída por outra que fixe uma pena de prisão de 6 anos, fazendo-se desta forma a justiça do caso concreto».

1.4. O Senhor Procurador-geral Adjunto do Tribunal a quo respondeu e conclui do modo seguinte:

            «1ª – O recorrente considera ser nula a decisão do Tribunal a quo que manteve a decisão da primeira instância de condená-lo numa pena única de 9 anos e 6 meses de prisão, por falta de fundamentação da mesma.

2ª – Contudo, e como se refere no acórdão recorrido, a decisão em causa contem os elementos mínimos que permitem aferir a motivação que esteve na base da aplicação da pena única.

3ª – Assim, deverá ser mantida a douta decisão recorrida, fazendo-se deste modo JUSTIÇA».

            1.5. Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-geral Adjunto emitiu parecer em que considerou que, «… ponderado ainda que... as exigências preventivas, quer gerais (pela repercussão pública que este tipo de criminalidade sempre suscita), quer especiais, assumem no caso relevo acima da média, se nos afigura que a pena única fixada, de 9 anos e 6 meses de prisão não merecerá reparo, mormente por violação dos critérios legais para esse efeito ao caso convocáveis, antes se adequando à medida da gravidade da respectiva culpa, personalidade do agente e muito fortes exigências de prevenção, quer geral quer especial, que a tutela dos bens jurídicos ofendidos pela suas provadas condutas necessariamente pressupõe e demanda.  Não obstante, e ponderando apenas que, como decorre do relatório social a seu respeito elaborado, o arguido denota atualmente, pelo menos aparente capacidade de ponderação dos valores jurídicos que a sua conduta ofendeu e da censurabilidade dos seus comportamentos, do mesmo passo que se mostra hoje familiarmente inserido, pois tem um filho menor, com o qual tem um comportamento afetivo gratificante, não nos repugnaria que fosse ponderada uma ligeira redução daquela pena única para medida que, mais claramente situada no limiar médio da sua moldura abstrata, proporíamos ser de fixar entre os 8 anos e os 8 anos e 6 meses de prisão, medida esta, em nosso juízo, ainda adequada à culpa e potenciadora da reintegração social do arguido. Tudo isto, bem entendido, sem prejuízo de ter de reconhecer-se que, como este Supremo Tribunal vem dizendo – no acolhimento aliás dos ensinamentos de Figueiredo Dias [In Direito Penal Português, II – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197] –, em recurso de revista não é de sindicar o quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção manifesta da quantificação efetuada, violação e desproporção essas porventura aqui difíceis de evidenciar» e concluiu «… no sentido de que, na procedência, parcial, do recurso, será de equacionar a redução, nos termos sobreditos, da pena única do concurso de crimes; confirmando quanto ao mais o decidido pelo Tribunal da Relação».

1.6. Cumprido o disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, o Recorrente nada disse.

            Tudo visto, cumpre decidir.

            2. É do seguinte teor a decisão sobre a matéria de facto, tal como rectificada pelo Tribunal da Relação:

                «1. Factos provados

                Com relevância para a decisão a proferir, resultou provado que:

                Da acusação pública

                1) O arguido AA entrou em situação de desemprego com a realização de trabalhos esporádicos, pelo menos, a partir do ano de 2010.

2) Desde 2007 até ao dia 19 de Julho de 2012 viveu maritalmente com CC, de quem tem um filho menor, de nome ...., nascido em ...., que se encontra confiado à progenitora.

                3) Após a separação do casal, o arguido passou a residir com a mãe, ...., na casa desta, sita na Rua ...., onde também coabitavam dois irmãos.

4) Este agregado vivia sobretudo do rendimento que a mãe auferia mensalmente como varredora da Câmara Municipal de Beja.

5) Em 2011, o arguido iniciou-se no consumo de heroína, necessitando diariamente de um ou dois pacotes dessa substância, que comprava ao preço unitário de, pelo menos, € 10,00 (dez euros).

6) Como não dispunha de dinheiro suficiente que lhe permitisse sustentar esse hábito, engendrou uma forma de o conseguir, decidindo praticar assaltos a residências da aldeia onde habitava, onde sabia morarem, sozinhas, pessoas idosas para, desse modo, se assegurar do êxito na concretização dos seus intentos.

                7) Com essa finalidade começou a controlar previamente as residências que seleccionava, bem como os hábitos de vida e os horários dos idosos que nelas moravam.

                8) O arguido DD, por sua vez, residia na mesma aldeia com a avó, a mãe e uma irmã mais nova, era amigo do arguido AA, estava desempregado e também consumia heroína.

9) Como forma de conseguir alguns fundos que lhe permitissem adquirir essa substância, aceitou colaborar com o arguido AA em alguns dos assaltos infra descritos.

                               (I) NUIPC 89/14.5 GGBJA

10) Em dia ignorado do mês de Dezembro de 2013, mas anterior a 21, entre as 22h00 e as 23h00, o arguido AA dirigiu-se à residência da vizinha BB, nascida em .... de 1923 (então, com 90 anos de idade), que era viúva e residia sozinha numa casa situada na Rua .....

                11) Conhecia os hábitos da idosa e sabia que ela guardava em casa o dinheiro que recolhia do negócio de venda de gás.

12) A partir do quintal da sua própria casa – localizada apenas a dois números da da visada – o arguido acedeu a um outro quintal contíguo e, a partir deste, alcançou o da residência da vizinha, que galgou, penetrando, desse modo, no seu interior.

                13) De imediato se apercebeu que as portas da casa estavam todas abertas, mas as luzes apagadas. Por essa razão, manteve-se no quintal, imóvel, durante alguns instantes, com o intuito de se certificar se apareceria alguém. Como isso não sucedeu, o arguido dirigiu-se para o interior da habitação. Porém, quando se aproximava de um tanque, ainda no quintal, viu a idosa estendida no chão, de barriga para cima, sem qualquer reacção. Em face disso, o arguido ignorou-a, prosseguiu a marcha e entrou na casa.

14) Dirigiu-se a um quarto e revistou-o, acabando por encontrar por baixo da cama um saco de plástico com uma caixa metálica, contendo a quantia total de € 5.000,00 (cinco mil euros) em notas, de que se apoderou.

15) De seguida abandonou a residência da mesma forma como entrara, indo para a sua casa.

16) Alguns instantes volvidos apanhou um táxi com destino a Beja, onde adquiriu quantidade indeterminada de heroína para consumir, tendo gasto € 20,00 (vinte euros) na viagem.

17) A partir dessa noite e durante aproximadamente um mês e meio, o arguido, umas vezes sozinho, outras acompanhado do arguido DD, deslocou-se a Lisboa e ao Algarve, onde adquiriu heroína para consumo de ambos, que pagou com o dinheiro que obtivera do assalto à residência de BB, facto que era do conhecimento daquele.

18) No dia 21 de Dezembro de 2013, BB foi encontrada estendida no quintal da sua habitação, vindo a apurar-se que estava morta em resultado de causa natural.

                                (II) NUIPC 19/14.4 GGBJA

                19) No dia 11 de Fevereiro de 2014, pelas 13h00, o arguido AA propôs ao arguido DD que realizassem um assalto à residência de uma "velha" de Baleizão. O último aderiu ao plano e sugeriu-lhe a habitação de EE, nascida .... de 1931 (então, com 82 anos de idade), que morava sozinha na Rua ....

20) Em execução desse propósito comum, passaram duas vezes nas imediações da residência para examinar o local. Na última vez, o arguido AA bateu à porta, mas a idosa só lhe abriu o postigo. Ainda assim, apenas com o propósito de encetar conversa e descobrir uma forma de aceder ao interior da habitação, o arguido perguntou-lhe se tinha por ali visto um cão, ao que ela lhe respondeu negativamente, fechando de seguida o postigo, perante o que os arguidos decidiram abandonar o local.

                21) Porém, ainda nesse mesmo dia, por volta das 17h00, aí regressaram, tendo o arguido AA ido bater novamente à porta de EE, conseguindo que esta a abrisse depois de lhe dizer que vinha para fazer a contagem da água. Mesmo sem autorização, os dois arguidos entraram, tendo AA, agarrado a idosa, tapando-lhe a boca e os olhos com as mãos, ao mesmo tempo que dizia, para ela não gritar, pois ninguém lhe iria fazer mal.

22) De seguida sentou-a numa cadeira, continuando a tapar-lhe os olhos para que ela não os pudesse reconhecer.

23) Após ligaram a televisão para que nenhum vizinho se apercebesse da sua presença e, enquanto o arguido DD revistava o quarto da idosa, o arguido AA continuou a vigiá-la para impedir que ela reagisse.

24) Para além da casa, ambos os arguidos ainda revistaram EE, exigindo-lhe que lhes desse a carteira para ver se tinha dinheiro. Como esta respondeu que ainda não recebera a reforma e só tinha os brincos de ouro que usava, o arguido AA retirou-lhos das orelhas, bem como a aliança de ouro que trazia no dedo.

25) Estes artigos valiam, respectivamente, € 62,00 (sessenta e dois euros) e € 66,00 (sessenta e seis euros).

                26) Por sua vez, o arguido DD ainda retirou do interior do quarto da idosa a quantia de € 40,00 (quarenta euros).

27) De seguida, os dois abandonaram a residência, levando consigo os objectos em ouro e o dinheiro, vindo os primeiros a ser apreendidos na posse do arguido AA e restituídos à dona.

                               (III) NUIPC 1/14.1 GBBJA

                28) FF sofreu traumatismo dos braços e cinco escoriações na face, a maior com 1,5 cm. Sofreu ainda uma equimose no membro superior direito e duas equimoses no membro superior esquerdo, todas elas na face lateral externa do terço médio.

                29) Estas lesões determinaram-lhe directa e necessariamente 4 (quatro) dias de doença com incapacidade para o trabalho geral e sem incapacidade para o trabalho profissional.

                               (IV) NUIPC 50/14.0 GGBJA

                30) No dia 20 de Abril de 2014, pelas 18h30, os arguidos AA e DD seguiram GG, nascido em .... de 1945 (então, com 68 anos de idade), quando este se dirigia para a sua habitação, situada na Rua...., onde morava sozinho.

31) Através da porta do quintal, GG entrou em casa e dirigiu-se para o quarto.

                32) Os arguidos galgaram o muro do quintal que circundava a habitação e conseguiram entrar no interior desta, devido à circunstância de a porta não se encontrar fechada.

33) Uma vez no interior da habitação, este arguido dirigiu-se ao quarto onde estava GG, aproximou-se dele e imobilizou-o. Nesse momento, o arguido DD, que até então estivera no corredor, chegou ao quarto e pegou no cartão multibanco que GG colocara sobre a mesa-de-cabeceira, retirou-lhe do bolso das calças a quantia aproximada de € 10,00 (dez euros) euros, em moedas, e exigiu-lhe a indicação do código pessoal do cartão. GG deu-lhe quatro números propositadamente errados.

34) Acto contínuo, os arguidos abandonaram a residência, galgando o muro do quintal, levando consigo o dinheiro e o cartão, convencidos de que, com este, poderiam fazer diversos levantamentos.

                35) Com este intuito dirigiram-se ao terminal ATM contíguo ao edifício da Junta de Freguesia local, introduziram o cartão e digitaram o código mas, após três tentativas fracassadas de levantamento, o cartão ficou retido.

                               (V) NUIPC 89/14.5 GGBJA

                36) Em data próxima, mas anterior ao dia 3 de Agosto de 2014, o arguido AA dirigiu-se à residência de HH, que conhecia pelo nome de "Nena", nascida em .... de 1933 (então, com 80 anos de idade), situada na Rua .....

                37) Tratava-se de uma idosa com quem o arguido conversava quando a encontrava nas ruas da aldeia e que sabia residir sozinha.

38) O arguido rondou o local durante alguns instantes, procurando descobrir a melhor forma de se introduzir na habitação.

39) Com este fito ainda bateu à porta, com o pretexto de pedir a HH um copo de água, só que esta não lha abriu, por temer pela sua segurança.

                40) No dia 3 de Agosto de 2014, entre as 14h00 e as 16100, o arguido voltou às imediações da habitação, galgou um poste eléctrico localizado nas traseiras, que dão para a Rua ...., conseguindo, desse modo, aceder ao muro que circunda o quintal da residência, onde logrou chegar através de um pulo.

41) No quintal, o arguido dirigiu-se a uma construção em vidro, tipo marquise, que tinha a porta encostada e dava acesso a uma divisão que antecedia o interior da habitação, a qual comportava uma cozinha que servia de sala, o corredor e um quarto. Como a porta dessa divisão estava apenas fechada com um cordel, o arguido abriu-a, alcançando a cozinha, onde se encontrava HH.

                42) Para não ser visto, o arguido escondeu-se atrás da porta, mas apercebeu-se de que a idosa se deslocara para a dita divisão que dava acesso à marquise, onde se sentou nuns degraus.

                43) Para que a mesma não o reconhecesse, pegou num saco de pano que se encontrava por cima de um sofá, vulgo "talego", e enfiou-o na cabeça da idosa, que na altura estava sentada de costas para si, tendo-lhe firmado as mãos na zona do pescoço, ao mesmo tempo que apertava os cordões do saco para obstar a que a mesma pudesse reagir.

44) Aproveitando essa situação, retirou do interior de uma carteira que estava colocada sobre a mesa da cozinha 1 (uma) nota de € 50,00 (cinquenta euros) e uma quantia ignorada em moedas.

                45) Na posse do dinheiro, o arguido regressou à divisão onde HH ficara sentada, retirou-lhe o "talego" da cabeça e pôs-se em fuga em direcção ao portão das traseiras do quintal, levando consigo o dinheiro.

                46) Na rua encontrou o arguido DD, convidando-o para se deslocar consigo a Beja, proposta que este aceitou.

            47) Partiram para Beja na tarde desse mesmo dia, de autocarro, tendo sido o arguido AA quem pagou as passagens de ambos com parte do dinheiro de que se apropriara momentos antes, facto que era do conhecimento do arguido DD.

48) Seguidamente deslocaram-se ao Bairro da Esperança, tendo o arguido AA adquirido quantidade indeterminada de heroína para consumo de ambos, que pagou com o restante dinheiro.

                49) Em consequência da actuação do arguido AA, HH sofreu traumatismo do pescoço e escoriações provenientes de unhadas na face anterior do pescoço, do lado esquerdo, com 0,8 cm, lesões que lhe provocaram directa e necessariamente 3 (três) dias de doença com incapacidade para o trabalho geral e sem incapacidade para o trabalho profissional.

                               (VI) NUIPC 94/14.1 GGBJA

                50) No dia 6 de Agosto de 2014, entre as 13h00 e as 14h00, o arguido AA dirigiu-se à residência de II, nascida em ....de 1931 (então, com 82 anos de idade), sita na Rua ...., a qual vivia sozinha.

                51) O arguido conhecia-a e sabia que ela costumava usar um par de brincos e um fio com um crucifixo, em ouro.

                52) Com o intuito de se introduzir na habitação, o arguido bateu à porta. QuandoII lha abriu, pediu-lhe um copo de água, solicitação que esta satisfez, dirigindo-se à cozinha e deixando a porta aberta.

                53) Aproveitando esse facto, o arguido, sem autorização, entrou na residência e foi no encalço da idosa, mas, ao percorrer o corredor, tropeçou numa coluna de ornamentação, sobre a qual existia um vaso com uma planta, que caiu. Ao aperceber-se do barulho, II virou-se para trás, altura em que o arguido a surpreendeu, procurando firmar-lhe os braços no pescoço para conseguir retirar os brincos e o fio com o crucifixo que a mesma usava.

54) Porém, nesse preciso instante, a idosa sentiu-se indisposta e caiu para o chão, ficando estendida no meio do corredor. Nessa condição, o arguido retirou-lhe os mencionados artigos em ouro, após o que se pôs em fuga, levando-os consigo. Nessa altura, II ainda exclamou em voz alta: "eu conheço-te!".

55) Munido dos referidos objectos, o arguido AA foi ao encontro do arguido DD, propondo-lhe que este lhe vendesse um par de brincos, o que ele aceitou.

56) Dois dias volvidos, deslocaram-se de autocarro para Beja, dirigindo-se ao estabelecimento "PaxPenhor, Lda.", onde o arguido AA entrou sozinho e vendeu o fio e o crucifixo pelo valor total de € 130,00 (cento e trinta euros).

57) Instantes depois foi o arguido DD quem entrou na loja e vendeu o par de brincos, pelo valor de € 70,00 (setenta euros).

58) Em seguida deslocaram-se os dois ao Bairro da Esperança, onde adquiriram heroína para consumo de ambos, que pagaram com os € 130,00 (cento e trinta euros). E com o dinheiro da venda dos brincos adquiriram tabaco e comida também para os dois.

                59) No dia 10 de Agosto de 2014, pelas 22h35, II foi encontrada estendida no corredor da sua habitação, vindo a apurar-se que estava morta em resultado de causa natural.

60) O arguido AA sabia que, agindo só, entrava nas habitações de outras pessoas contra a respectiva vontade, galgando através dos respectivos muros ou através da porta [em consequência da alteração da decisão da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação; a 1ª Instância deu como provado «ou rebentando a prova»], aí subtraindo e apoderando-se de bens ou quantias pecuniárias.

61) Sabiam os arguidos AA e DD que, actuando em comunhão de esforços e intentos, penetravam na residência de outras pessoas contra a respectiva vontade, retirando-lhes bens ou quantias pecuniárias.

                62) O arguido DD agiu com a noção de que recebeu, deteve, conservou, transmitiu ou usufruiu de bens e valores subtraídos aos donos por parte do arguido AA, ou comprados com o seu produto.

                63) Os arguidos actuaram em cada situação de acordo com resoluções distintas e sucessivamente firmadas, agindo sempre contra pessoas idosas e conhecedores desta condição, sem a respectiva vontade ou consentimento.

64) Os arguidos agiram voluntária e conscientemente, bem sabendo as suas condutas proibidas e puníveis por lei, com o propósito de obterem ganhos com expressão pecuniária.

                Do pedido de indemnização civil

65) A circunstância de II ter sido encontrada morta em momento subsequente à ocorrência dos factos descritos na situação (VI) NUIPC 94,14.1 GGBJA agudizou a dor sentida pelo assistente pela perda de sua mãe.

                Quanto aos antecedentes criminais e condições sociais dos arguidos:

66) O arguido AA tem antecedentes criminais registados, tendo sido condenado:

                i. no processo n° 23/05.3GEBJA do Tribunal Judicial de Beja, em sentença transitada em julgado em 05/11/2007, por factos reportados a 28/10/2005, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário e de dois crimes de injúria agravada, nas penas de 3 meses de prisão, substituída por multa, e de 90 dias multa, à taxa diária de € 5,00, extintas pelo cumprimento;

                ii. no processo n° 5/12.9GEBJA do Tribunal Judicial de Beja, em sentença proferida em 27/01/2015 e transitada em julgado em 26/02/2015, por factos reportados a 28/02/2012, pela prática de um crime de furto, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.

                67) Foi elaborado relatório social relativo ao arguido AA do qual consta:

"I - Condições sociais e pessoais

(…)

À data dos factos constantes da acusação AA vivia com a progenitora, um irmão germano mais velho e um outro, uterino, mais novo, em habitação inserida na malha urbana da aldeia de Baleizão, que se revelava exígua para albergar todo o agregado familiar. O relacionamento intra familiar pautava-se por nível elevado de disfuncionalidade, atribuído pelo arguido ao comportamento aditivo, alcoólico, da progenitora, revelando esta fragilidades que a impossibilitavam/impossibilitam de estabelecer e manter um quadro de definição/imposição de regras e respetivo acompanhamento, quanto aos filhos, situação que se refletiu na colocação do irmão mais novo do arguido na Casa Pia de Beja, em sede de proteção do menor e prevenção do quadro delituoso que o mesmo vinha mantendo e de uma das irmãs em instituição de acolhimento de Évora.

Natural de ...., o arguido constitui-se o penúltimo elemento de uma fratria de quatro. Tem quatro irmãos consanguíneos, com os quais não manteve qualquer convívio, da primeira união do progenitor e um uterino de posterior união da mãe. Na sequência da separação dos progenitores, veio para .... com a mãe e os três irmãos, tendo aqui permanecido até ao ingresso na escola, altura em que o pai o veio buscar e o manteve consigo até aproximadamente os 21 anos de idade.

Em Estoi frequentou o ensino, que abandonou aos 15 anos de idade, quando perfez o 4.º ano de escolaridade. Terá concluído o Curso de Formação Profissional de Carpintaria, ministrado pelo Centro de Formação do I.E.F.P. de Faro, área onde não chegou a trabalhar. O pai providenciou a sua integração laboral numa serralharia civil, onde terá trabalhado durante cerca de ano e meio, tendo posteriormente trabalhado em firma de jardinagem. De regresso ao Alentejo, AA fez alguns trabalhos agrícolas, de natureza sazonal, um dos quais decorreu de forma problemática, atendendo à utilização indevida de uma moto, que veio a acidentar, provocando estragos avultados na mesma.

Com cerca de 21 anos uniu-se maritalmente a CC, na altura com 16 anos de idade. O casal procurou oportunidade de trabalho no Algarve, junto do progenitor de AA, que os apoiou, quer em termos económicos quer habitacionais. Contudo, e segundo a ex companheira, um quadro clínico de depressão por que a mesma passou, determinaram o regresso ao Alentejo e o estabelecimento, por algum tempo em Reguengos de Monsaraz, localidade de onde a mesma é originária. Aí trabalhou no matadouro, por curto período. O relacionamento afetivo foi-nos descrito como gratificante e emocionalmente compensador, mantendo o arguido um sentimento de ternura e afeto relativamente a CC e ao filho de ambos.

Em 2012, altura em que deixou de ter trabalho para assegurar a habitação onde residia com a companheira e o filho menor de ambos, verificou-se o falecimento do progenitor, única perspectiva de apoio que mantinha, bem como o cumprimento de uma pena de prisão de 4 meses, por falta de pagamento da multa em que fora condenado, segundo o próprio, por prática de crime de agressão à autoridade, a sua situação pessoal fragilizou-se e, desde o regresso ao agregado materno, com a companheira e filho, iniciou um percurso de adição de produtos estupefacientes, a isso induzido, segundo afirma, por influência do co-arguido DD o qual, num primeiro momento procurava-o, passando depois, também o próprio, a procurar aquele no sentido de consumirem. A problemática aditiva veio a associar condutas desviantes a que a companheira reagiu através da separação, fundamentando-a, não só no processo de degradação pessoal de AA, como na falha acentuada de uma estrutura familiar de suporte e condições habitacionais, promíscuas – sem reserva de privacidade, face ao número de elementos que partilhavam o quarto que lhes era destinado e ao filho.

Segundo CC, que atualmente permanece com o filho em instituição de acolhimento para mães jovens e sem suporte familiar, o arguido era trabalhador um bom companheiro e um pai muito dedicado ao filho.

Reconhecedor de que a sua vivência aditiva agravou toda a sua estrutura pessoal, por diversos motivos já fragilizada, AA terá iniciado tratamento médico à entrada no Estabelecimento Prisional que, após alguns dias, optou por deixar de efetuar por rejeitar uma situação de dependência medicamentosa.

O seu comportamento institucional já foi alvo de aplicação de medida disciplinar, por agressão a companheiro.

Tem sido visitado, com regularidade pela progenitora, a quem se refere como estando actualmente mais próxima de si do que o estava em liberdade.

Também já usufruiu da visita deCC e do filho, o menor ...., de cinco anos de idade, na época natalícia.

(...)

No meio de residência e onde ocorreram os factos de que se encontra acusado, existe um sentimento de forte rejeição quanto ao arguido. Contudo, o sentimento de vulnerabilidade da população, sobretudo da mais idosa, mantém-se, não obstante a prisão preventiva a que está sujeito AA, atendendo à presença de outros indivíduos com problemáticas associadas a consumos de substâncias estupefacientes, levando à colocação de gradeamentos nas janelas de mais fácil acesso.

AA demonstra capacidade de tecer um juízo autocrítico e de arrependimento face aos factos que lhe são imputados. Consegue percecionar os bens jurídicos que as normas incriminatórias visam proteger.

III- Conclusão

AA, oriundo de um agregado familiar que entrou em rutura enquanto criança, veio a desenvolver a sua personalidade dividido entre o convívio inicial e nos últimos anos que antecederam o atual cumprimento de pena, com a progenitora, em contexto disfuncional e de graves carências de supervisão e orientação, e, o convívio com o pai em contexto de maior supervisão e controlo.

A união marital que manteve durante cerca de 4 anos, com CC, de que resultou o nascimento de um filho, apresenta-se como factor positivo na vivência do arguido.

Dispõe de incipiente escolaridade, apresentando a conclusão do 4º ano, nível que se situa muito aquém do legalmente exigido a jovens do seu nível etário.

Pese embora a formação profissional que logrou obter em carpintaria, veio a manter ocupações laborais de caráter precário, em tarefas pouco diferenciadas, sobretudo de natureza sazonal, ligadas à agricultura.

O início de consumos aditivos que passou a efetuar desde há cerca de 3 anos e a dependência perante os mesmos, acentuaram a instabilidade pessoal que o arguido vivenciava na sequência da situação de desemprego, cumprimento de período de prisão, falecimento do progenitor e regresso ao agregado materno, passando o mesmo a apresentar condutas desajustadas e criminalmente sancionadas.

Em situações de tensão revela dificuldade na gestão do conflito e na adopção de alternativas ao confronto directo.

Anda assim, o arguido apresenta capacidade de ponderação dos valores jurídicos em causa e da censurabilidade dos comportamentos pelos quais se encontra em julgamento.

O arguido aparenta ter a noção do interdito e da oportunidade de intervenção da justiça, identificando-se como factores compensadores, a capacidade de se responsabilizar pelas consequências do seu comportamento».

68) a 70) –  Factos relativos ao co-arguido DD.

2. Factos não provados

Com relevância para a decisão a proferir, não resultaram provados quaisquer outros factos. Nomeadamente, não se provou que:

Da acusação pública

A) Que, na situação descrita em (III) NUIPC 1/14.1 GBBJA, em que é ofendido FF:

                a) durante a noite do dia 3 de Abril de 2014, a hora ignorada, o arguido AA se tenha dirigido à residência de FF, conhecido por "Popa", nascido em .... de 1939 (então, com 74 anos de idade), que residia sozinho na Rua ....;

                b) após o rebentamento da porta de entrada tenha conseguido introduzir-se no seu interior.

                c) em seguida se tenha dirigido ao quarto, onde deparou com o idoso a dormir. Que lhe tenha tapado a boca, tendo as mãos calçadas com luvas e, perante a sua resistência, lhe tenha desferido pancadas nos braços para o neutralizar. Que desse modo tenha conseguido retirar-lhe do bolso das calças a quantia de € 700,00 (setecentos euros).

B) Que, nas situações descritas em (II) NUIPC 19/I4.4GGBJA e (IV) NUIPC 50/14.0GGBJA, o arguido ... estivesse encapuzado e/ou munido de luvas.

C) Que, na situação descrita em (V) NUIPC 89/14.5GGBJA, em que é ofendida HH:

a) o arguido AA ainda se tenha dirigido ao quarto, daí retirando 1 (uma) pulseira em ouro de características e valor ignorados, mas seguramente superior a € 60,00 (sessenta euros);

                b) o arguido AA se tenha posto em fuga, levando consigo a pulseira;

                c) o arguido AA tenha convidado o arguido DD a deslocar-se consigo a Beja a fim de lhe vender uma pulseira em ouro;

                d) os arguidos AA e DD, já em Beja, se tenham dirigido ao estabelecimento comercial denominado "PaxPenhor, Lda.", sito nas imediações do Largo do Carmo, gerido por ...., onde o arguido DD vendeu a referida pulseira por valor ignorado.

Do pedido de indemnização civil.

D) Que o assistente seja pessoa educada, sensível e recatada.

E) Que o assistente se sinta dominado por sentimentos de injustiça e ingratidão, uma vez que sua mãe era pessoa respeitada na área de residência e sempre disposta a ajudar o próximo.

Da contestação ao pedido de indemnização civil

F) Que o assistente já tenha recuperado os brincos e o fio com crucifixo subtraídos a II».

3. Objecto do recurso

Nos termos dos artº 412º, nº 1, do CPP e 625º, nºs 2 e 4, do CPP, são as conclusões que, resumindo as razões do recurso, definem o seu objecto.

Como se vê pelo teor das conclusões que acima transcrevemos, o Recorrente

impugna a medida da pena conjunta de 9 anos e 6 meses de prisão que o acórdão recorrido confirmou e reclama a sua redução para não mais de 6 anos, «de acordo com os fundamentos» que invocou (cfr. conclusões 1 a 6), e

argui a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos do artº 379º, nº 1, alínea c), do CPP (conclusão 7).

4. Apreciação/Fundamentação

4.1. Começaremos naturalmente pela apreciação da arguição da nulidade do acórdão recorrido.

4.1.1. Como vimos, o Recorrente alegou a este propósito (conclusão 7),

a) que o «tribunal “a quo”» (sublinhamos) não fez «uma apreciação em conjunto dos factos e a personalidade do arguido, como determina o artº 77º, nº 1, do C.P.»;

b) «assim como também omitiu uma resposta à posição manifestada pelo recorrente, efetuada no julgamento, no sentido do seu internamento voluntário em estabelecimento de saúde tendo como objetivo recuperar a sua saúde, reintegrar-se na sociedade e afastando-o da prática criminal que esteve na origem do presente processo».

4.1.2. A este propósito, o Senhor Procurador-geral Adjunto do Supremo Tribunal de Justiça sublinhando, no seu parecer, que, «bem vista a argumentação neste ponto aduzida, parece lícito concluir que o recorrente insiste na invocação da nulidade, não do aresto recorrido, da Relação, mas antes da decisão da 1.ª Instância, que aquele, e só aquele, poderia sindicar», salientou «duas notas»:

– a primeira, para dizer, relativamente à invocada omissão de pronúncia, que «… ao contrário do que sustenta o recorrente,…, a decisão impugnada [a da Relação, insiste] debruçou-se sobre a concreta questão que, nesta parte, lhe vinha colocada, [mas]… não acolheu, também nessa parte, a sua pretensão», e que «… a nulidade em causa só existe se o Tribunal não resolver todas as questões que deva apreciar, sendo que essas questões não se confundem com os argumentos, as razões ou os pressupostos em que as partes fundam as suas posições na controvérsia…»;
– a segunda, para dizer, «quanto à questão da fundamentação propriamente dita», «… que… não ignora nem questiona,…, que constitui orientação sedimentada e uniforme neste Supremo Tribunal a que aponta para a necessidade de, na determinação da pena unitária do concurso, se deverem observar especiais cuidados de fundamentação,… Só que, examinando a esta luz o texto do aresto impugnado, e mesmo admitindo – [mas sem conceder] – que ele possa porventura ter sido ainda parco de palavras, quer quanto à densificação dos pressupostos enunciados no sobredito art. 77.º, n.º 1 do CP, quer quanto às razões pelas quais optou pela pena concreta fixada, em detrimento de outra no quadro da moldura abstrata aplicável, estamos ainda assim em crer que se mostram respeitados de forma suficiente os requisitos estabelecidos pelo n.º 2 do art. 374.º do CPP. Tanto mais que, e em nosso juízo, sempre a eventual nulidade que pudesse aqui ser assacada à decisão seria passível de suprimento nesta instância pelo simples recurso aos factos provados e aos demais meios de prova produzida nesta concreta sede, mormente o relatório social transcrito no ponto 67 da decisão de facto da 1.ª Instância e vertido no acórdão recorrido. E isto também porque, como bem observa o Sr. Conselheiro Oliveira Mendes, In “Código de Processo Penal Comentado”, 2014, Almedina, pág. 1183: “Por efeito da alteração introduzida ao texto do n.º 2 pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida (é o que decorre da atual letra da lei «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las…»), razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos obviamente que a nulidade só seja suscetível de suprimento pelo tribunal recorrido […]».
De resto, e ainda com o doutamente decidido no Aresto deste STJ de 5-05-2011, Processo n.º 12/09.9PJJVFX.S1, da 5.ª Secção, não se pode confundir a falta de fundamentação da sentença, geradora da sua nulidade, com a eventual deficiência da fundamentação, caso em que se está perante mera irregularidade, suprível pelo tribunal de recurso».
E concluiu no sentido de que «… a pretensão do recorrente não pode, nesta parte, deixar de estar votada ao insucesso».

4.1.3. Apreciemos, então.

4.1.3.1.Quanto à omissão da «apreciação em conjunto dos factos e a personalidade do arguido, como determina o artº 77º, nº 1, do C.P»:

A conclusão 7 da motivação do recurso agora em julgamento – recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Évora – é, de facto, cópia integral da conclusão 10 da motivação do recurso que interpôs da decisão do Tribunal Colectivo da comarca de Beja (cfr. a sua transcrição a fls. 938/39 daquele acórdão). Também aí o arguido AA arguiu a referida nulidade por «salvo o devido respeito e melhor opinião, também não foi feita uma apreciação em conjunto dos factos e a personalidade do arguido, como determina o art.º 77°. n°. 1 do CP. Ao omitir a necessária avaliação o tribunal "a quo" omite pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir, o que determina a nulidade da respetiva decisão, nos termos do art.º 379°. n°. 1 alínea c) do C.P.P., nulidade que é de conhecimento oficioso. Assim como também omitiu uma resposta à posição manifestada pelo recorrente, efetuada no julgamento, no sentido do seu internamento voluntário em estabelecimento de saúde tendo como objetivo recuperar a sua saúde, reintegrar-se na sociedade e aí afastando-o da prática criminal que esteve na origem do presente processo».

Reeditou, repetiu, pois, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a conclusão que sobre a arguição da nulidade, que qualificou como de omissão de pronúncia, havia retirado da motivação do recurso que tinha interposto da decisão da 1ª Instância.

Por outro lado, os termos dessa alegação mostram, sem dúvida, que, também agora, o Tribunal “a quo” que o Recorrente reputa de prevaricador ou «a decisão recorrida» que diz impugnar são, como no primeiro recurso, o Tribunal da 1ª Instância e a sua decisão. Por isso é que, no trecho da motivação a que se reporta a conclusão 7 (nº 3.2, fls. 1009) diz que «… considerar-se [como considerou a Relação] que o tribunal “a quo” cumpriu “pelo menos no mínimo das exigências contidas no aludido preceito legal… é completamente inaceitável…». E nos seus nºs 3.25. e 3.26, fls. 1014, criticando a «decisão recorrida» ou o «douto Acórdão», transcreve justamente a fundamentação do último período do 1º parágrafo de fls. 732 do acórdão do Tribunal Colectivo.

Estamos, pois, perante uma situação que a jurisprudência corrente do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo constituir fundamento de rejeição do recurso para si interposto, por o acórdão nela visado não ser, como tinha que ser, o acórdão da Relação.

Acresce que este acórdão não enferma, neste particular, da nulidade arguida por omissão de pronúncia, insistimos –, porquanto, como nota o Senhor Procurador-geral Adjunto, o Tribunal da Relação apreciou a concreta questão que, nesse âmbito, o Recorrente lhe colocou, embora não tivesse acolhido a sua pretensão. Basta recordar, de facto, o teor daquela conclusão 10 e ler o que diz o acórdão recorrido a fls. 971:

«Entende o ora recorrente Pedro, que a sentença padece de nulidade, em virtude do Tribunal recorrido não ter observado o disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 77° do Código Penal, segundo o qual: "Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente."

Na aplicação da pena única compete assim ao Tribunal efectuar uma avaliação dos factos, tomados no seu conjunto, atendendo-se à personalidade do agente, exigindo-se, ao julgador, a fundamentação da pena única aplicada, resultante do cúmulo das penas parcelares, em obediência ao estatuído no citado preceito legal.

Contudo, entende-se que tal omissão sendo susceptível de acarretar a nulidade da sentença, por força do disposto no artigo 379°, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, caso se verifique, sempre seria neste caso concreto sanável por este Tribunal de recurso, por dispor de todos os elementos para tanto.

Do texto do acórdão recorrido consta, no que à aplicação da pena única resultante do cúmulo das penas aplicadas ao ora recorrente Pedro, concerne, nomeadamente que:

“Atendendo à visão global dos factos, bem como à personalidade demonstrada pelo arguido, fixamos a pena única em 9 (nove) anos e 6 (seis meses) de prisão "

Daqui resulta, que o Tribunal recorrido atentou ao disposto no citado preceito legal, embora, tendo optado por descrever globalmente, antes da aplicação de qualquer das penas parcelares ou da pena única, resultante do cúmulo dessas penas, as circunstâncias que depunham a favor ou contra o agente, as necessidades de prevenção geral e especial e analisando a personalidade do mesmo, consignando nesta parte, nomeadamente, que: "tem um historial de condutas social e penalmente desajustadas, associado a consumos aditivos, e apresenta uma personalidade com dificuldades de gestão em situações de tensão, possuindo... deficiente (quase inexistente) integração profissional", atentando ainda à sua inserção familiar. Sem deixar de se reportar aos factos, no seu conjunto, ao considerar nomeadamente a "gravidade objectiva dos factos (a que corresponde um elevado grau de ilicitude, atendendo a que o arguido já penetrou ilegitimamente no interior das residências das vítimas, pessoas idosas e sós", mais atentando à intensidade do dolo e bem assim aos seus antecedentes criminais.

Donde se conclui que, o Tribunal recorrido, cumpriu, pelo menos no mínimo as exigências contidas no aludido preceito legal, por forma a se entender o raciocínio efectuado na aplicação da pena única, que atentou aos factos já descritos nos autos e ainda à personalidade (que descreve e analisa) do agente.

Pelo exposto, conclui-se que o acórdão recorrido, não padece da nulidade invocada, a qual seria ainda sanável por este Tribunal de recurso, como referido».

Admitimos, no entanto, que a argumentação que o Recorrente desenvolveu a este propósito permita uma interpretação diferente do texto da conclusão 7.

Com efeito, o Recorrente iniciou a motivação do presente recurso chamando à colação os argumentos que entendeu terem sido invocados «pelos Meritíssimos Desembargadores para manter a medida penal resultante do cúmulo de 9 anos e 6 meses de prisão…» para, depois, destacar os trechos da fundamentação que acabamos de transcrever e concluir, como vimos, que «… considerar-se [como considerou a Relação] que o tribunal “a quo” cumpriu “pelo menos no mínimo das exigências contidas no aludido preceito legal… é completamente inaceitável… [porquanto] continuamos sem perceber em que termos a personalidade do condenado se projectou nos factos ….». Não repugna, por isso, aceitar que o que o Recorrente pretendeu, afinal, impugnar seja o sentido, o mérito, dessa decisão do Tribunal da Relação – de que a especial fundamentação da pena conjunta por parte da 1ª Instância é legalmente suficiente à luz das exigências do artº 77º do CPenal –, e não propriamente qualquer aspecto da sua estrutura formal.

Mas, então, a apreciação dessa fundamentação, do seu mérito, enquanto justificadora da confirmação da pena conjunta, será levada a cabo quando tratarmos deste segmento do recurso – o que tem implícito que também entendemos que, podendo embora essa fundamentação ser insuficiente ou até inapta para justificar a pena aplicada, o que veremos nessa altura, não inquina o acórdão recorrido de nulidade, não já por omissão de pronúncia, mas por falta de fundamentação, como prevê o artº 425º, nº 4, com referência ao artº 379º, nº 1, alínea a), do CPP.  

Como concede Figueiredo Dias[1], o dever de fundamentação da pena conjunta não tem que assumir nem o rigor nem a extensão exigidos para a fundamentação das penas parcelares. E, como vem entendendo a doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, embora referida ou aos fundamentos de facto ou aos fundamentos de direito, é que conduz à nulidade da decisão. A fundamentação insuficiente, deficiente ou não convincente não constitui nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso[2]. Esta é, também, a solução adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, como afirma o Senhor Procurador-geral Adjunto no seu parecer. Pela nossa parte, ainda recentemente, no acórdão de 17 do corrente, Pº nº 1180/10.2JAPRT.P1.S1, reafirmamos esta linha jurisprudencial, invocando então o sentido dos acórdãos de 26.03.2014, Pº nº 15/10. 0JAGRD.E2.S2-3ª Secção – que, citando Alberto do Reis, perfilhou o entendimento de que só a falta absoluta de fundamentação, «por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira» determina a nulidade do despacho/sentença. A «insuficiência ou a mediocridade da motivação [que] é espécie diferente [da falta absoluta de motivação] afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade» – e de 10.09.2014, Pº nº 223/10.4SMPRT.P1.S1, também desta Secção.

Seja como for, mesmo que de nulidade se tratasse no caso sub judice, o vício sempre teria de ser por nós suprido, nos termos da parte final do nº 2 do artº 379º, por referência do artº 425º, nº 4, ambos do CPP, porque os factos provados são suficientes para alicerçar uma fundamentação completa da medida da pena conjunta[3].

4.1.3.2. Quanto à omissão «de resposta à posição [por si] manifestada no julgamento, no sentido do seu internamento voluntário em estabelecimento de saúde»:

Referem-se a esta questão as conclusões 1 e 7.

Alegou, com efeito, que deu «o seu consentimento para um internamento voluntário num estabelecimento de saúde para se poder restabelecer, organizar a sua vida, junto da sua família, acompanhar o seu filho, actualmente com 5 anos e integrar-se na sociedade», mas que «o tribunal “a quo” – o Tribunal da 1ª Instância, como acima vimos – não deu resposta a essa «posição manifestada no … julgamento».   

Trata-se, uma vez mais, de censura que não vem dirigida ao Tribunal recorrido, o Tribunal da Relação e, como tal, não atendível neste recurso.

De qualquer modo, o que os próprios termos da alegação evidenciam é que entende que esse facto – ter dado consentimento para aquele internamento – deve constar do rol dos factos provados. Mas essa é uma questão de que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, não pode conhecer, tanto mais que, lidas a contestação que ofereceu (fls. 677), as actas da audiência de julgamento (de 19.05.2015, 20.05.2015 e 03.06.2015), o texto da decisão da 1ª Instância e o do acórdão recorrido, nada encontramos aí que possa indiciar qualquer dos vícios do nº 2 do artº 410º do CPP (cfr. o artº 434º, do mesmo Código).

Aliás, o único passo que encontramos de algum modo relacionado com o tema é o teor do nº 67 da “Fundamentação de Facto”, que transcreve o que consta do Relatório Social relativo ao Recorrente (fls. 712 da decisão da 1ª Instância e 960 do acórdão recorrido), do seguinte teor: «Reconhecedor de que a sua vivência aditiva agravou toda a sua estrutura pessoal, por diversos motivos já fragilizada, AA terá iniciado tratamento médico à entrada no Estabelecimento Prisional que, após alguns dias, optou por deixar de efectuar, por rejeitar uma situação de dependência medicamentosa» (sublinhado nosso) – o que manifestamente contraria a alegada vontade de se submeter a tratamento em estabelecimento de saúde para se poder restabelecer.

Concluímos, assim, que o acórdão recorrido, o acórdão do Tribunal da Relação, insistimos, manifestamente não enferma da nulidade arguida, por qualquer das razões alegadas pelo Recorrente.

4.2. Quanto à medida da pena conjunta.

4.2.1. Como fundamento da pretendida redução da pena conjunta para 6 anos de prisão, o Recorrente, depois de invocar as concretas penas parcelares em que foi condenado (4 anos; 3 anos e 9 meses; 3 anos; 2 anos e 1 ano e 6 meses, de prisão) que, reconhece, não são susceptíveis de ser questionadas no presente recurso, alegou, em síntese, que:

– os crimes que praticou foram «motivados pelo problema de saúde (toxicodependência) de que padece e que na altura a prática dos crimes resultou das necessidades aditivas, agindo num estado de impulsividade/compulsividade causado pela privação do produto estupefaciente» e

– foram praticados num curto período de 7 meses, «de forma espaçada, interpolada e descontínua… uma vez que anteriores crimes já datam de há 10 anos e são de natureza diversa, com excepção do (único) praticado em 28 de fevereiro de 2012»;

– «não se verifica [pois] uma tendência criminosa, mas sim uma pluriocasionalidade que não radica na sua personalidade»;

 – «se considerados isoladamente, não se revestem apesar de tudo  de significativa gravidade objectiva», atendendo «ao seu modus operandi, sem utilização de qualquer arma e nem mesmo qualquer meio de transporte», nunca tendo exercido qualquer violência sobre os ofendidos … ou danos materiais nos seus bens»;

– o valor dos bens e valores subtraídos, excepto os furtados à ofendida BB, são, na sua maioria, de valor diminuto (10, 40 e 50 euros e jóias no valor de 62, 66, 70 e 130 euros, todas recuperadas), tudo apontando «para que se possam classificar os crimes cometidos na pequena e média criminalidade, a qual, como muitas vezes o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado, não deve ser punida, mesmo numa avaliação conjunta de muitos factos, como se de alta criminalidade se tratasse»;

– «a sua postura em julgamento, o seu arrependimento sincero (o relatório social refere: "demonstra capacidade de tecer um juízo autocrítico e de arrependimento…), situação que foi omitida no douto Acórdão e a sua enorme contribuição para a descoberta da verdade material»;

– a sua juventude, «aliada a alguma esperança de ressocialização futura, a necessidade de não o estigmatizar a uma pena demasiado pesada, nesta fase ainda precoce do seu desenvolvimento adulto».

4.2.2. O essencial da fundamentação da pena conjunta pelo Tribunal da 1ª Instância foi atrás referido quando abordamos a questão da arguida nulidade por omissão de pronúncia e transcrevemos fls. 971 do acórdão recorrido.

Este, por sua vez, abordando a questão da medida da pena conjunta considerou e decidiu o seguinte (fls. 978):

«Finalmente cumpre apreciar, mantendo-se inalteráveis as penas parcelares aplicadas, se a pena única deve ser reduzida, como pretende o ora recorrente. Invocando para tanto e em suma, nas conclusões que retira da motivação do recurso que, não se verifica uma tendência criminosa, do mesmo, mas antes uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, por ter decorrido num curto espaço de tempo (cerca de sete meses) de forma espaçada interpolada e descontínua. Contudo, vistos os factos constantes dos autos e atentando a outra condenação noutros autos, constata-se que a actividade criminosa do arguido perdurou durante mais de dois anos e cinco meses, e que a mesma teria lugar sempre que o quisesse obter novos proventos. Não se retira daqui, sobretudo atentando nos factos dados como provados nos presentes autos que se tratou de condutas isoladas que não sejam reveladoras de uma personalidade mal formada, desprovida de valores éticos, com acentuada propensão para o crime.

De salientar que nalguns casos conhecia até as próprias vítimas, que o facto de ter estudado os seus movimentos lhe teria possibilitado introduzir-se nas suas habitações quando estas das mesmas se ausentassem, mas preferiu em todos os casos, fazê-lo quando as vítimas nelas se encontravam, quase sempre de noite, escolhendo vítimas débeis pela avançada idade, desprotegidas pelo isolamento e sempre usando de violência gratuita sobre as mesmas, o que é demonstrativo de uma personalidade mal formada, sem valores éticos e propensa à prática de crimes de acentuada gravidade, que repugnam o sentir geral da comunidade, não só por se tratar de condutas criminosas, mas também pela crueldade e cobardia revelada através da sua actuação.

Sem olvidar que na determinação da pena única, importa punir o arguido, para além dos factos que concernem a cada um dos crimes praticados, pela sua conduta globalmente considerada, não merece qualquer censura a pena única aplicada no acórdão recorrido, perante a acentuada gravidade da conduta global do agente patenteada nos presentes autos, reveladora de uma personalidade delituosa.

Sem olvidar que o facto de apresentar como motivo para a prática dos factos a sua dependência do consumo de heroína, não se entende que constitua relevantemente, neste caso, qualquer atenuação no comportamento delituoso do mesmo atento a que em bom rigor, praticava os crimes de furto ou roubo, visando com os proventos obtidos nos mesmos, praticar ainda crimes de trafico de estupefacientes, através, da sua aquisição, detenção ou entrega ou consumo.

Do que vem de se expor e atento a que a pena única aplicada respeitou o limite máximo (somatório das penas 3 anos, mais 3 anos e 9 meses, mais 4 anos, mais 1 ano e seis meses e mais 2 anos) abstracto de 14 anos e três meses e o limite mínimo de 4 anos, mostra-se adequada e ajustada a pena única aplicada ao arguido ora recorrente, de acordo com o disposto no artigo 77º nº 1 e 2 do Código Penal, não se dando, nesta parte, razão ao recorrente.

Nestes termos e por tudo o exposto conclui-se que para além da inserção indevida da expressão "ou rebentando portas" que deve ser retirada do ponto 60 da matéria de facto dada como provada, falece de razão o recorrente, mantendo-se no mais o decidido no acórdão recorrido, não se vislumbrando que tenha violado qualquer norma ou preceito constitucional ou legal, mesmo vistos os indicados pelo recorrente».

4.2.3. Vejamos, pois, o mérito deste segmento do recurso

4.2.3.1. Previamente, porém, uma nota sobre o teor do que vem alegado no nº 3.19 da motivação do recurso (fls. 1013).

Diz aí o Recorrente:

«É incompreensível, por não corresponder à verdade o parágrafo 2º da pg. 51 do douto acórdão [agora, sim, refere-se ao acórdão do Tribunal da Relação]… em que consta: “… Sem olvidar que o facto de apresentar como motivo para a prática dos factos a sua dependência do consumo de heroína, não se entende que constitua relevantemente, neste caso, qualquer atenuação no comportamento delituoso do mesmo atento a que em bom rigor, praticava os crimes de furto ou roubo, visando com os proventos obtidos nos mesmos, praticar ainda crimes de trafico de estupefacientes, através, da sua aquisição, detenção ou entrega ou consumo» (negrito, como no texto da motivação).

Pelo destaque dado ao excerto sublinhado, cremos que o Arguido acusa o Tribunal a quo de ter faltado à verdade ou errado na qualificação jurídico-penal dos factos, quando afirma que ele, com os proventos dos crimes praticados, visou a prática de crimes de tráfico de estupefacientes, «através da sua aquisição, detenção ou entrega ou consumo».

A verdade é que as Instâncias deram como provado, além do mais, que o Recorrente decidiu praticar os assaltos que depois descrevem para, por essa via, obter dinheiro para sustentar o consumo de heroína (nº 6 dos “Factos Provados”); que, nos assaltos às residências de BB (caso I), de HH (caso V) e de II (caso VI) o Recorrente actuou sozinho e, com o dinheiro e bens de que se apropriou, comprou heroína para si e para o co-arguido DD (nºs 10 e segs., designadamente o nº 17; nºs 36 e segs., designadamente o nº 48; nºs 50 e segs., designadamente o nº 58, dos “Factos Provados”).

Ora, se é certo que, nos termos do artº 2º da Lei 30/2000, de 29 de Novembro a aquisição e detenção de heroína para consumo constitui mera contra-ordenação, desde que não exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias – e, no caso, não sabemos se essa quantidade foi ou não ultrapassada – a verdade é que, nos termos do artº 21º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, comete o “crime de tráfico e outras actividades ilícitas”, «quem, sem para tal estar autorizado,… ceder ou por qualquer título... proporcionar a outem,… substâncias… compreendidas nas tabelas I a III…».

Foi exactamente o que o Recorrente fez naquelas ocasiões.

Cometeu, pois, esse crime, embora por ele não tenha sido julgado neste processo – o que naturalmente não invalida que se considere criminosa a sua actuação subsequente à prática dos crimes aqui apreciados, desde logo para efeitos do disposto no artº 71º, alínea e), do CPenal.

O acórdão recorrido não faltou, pois, à verdade nem merece, neste particular, qualquer censura.

4.2.3.2. Posto isto, prossigamos.

Nos termos do artº 77º, nº 1, do CPenal, a medida da pena conjunta é fixada em função dos critérios gerais da culpa e das exigências de prevenção estabelecidos nos seus arts. 40º, nº 1 e 71º, nº 1 e, ainda, do critério especial da 2ª parte do referido preceito. Isto é, na medida da pena do concurso são também necessariamente considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

            Por isso é que Figueiredo Dias ensina[4] que «a exigência deste critério especial obriga logo (…) a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso… só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz, uma vez mais – ou puramente mecânico e portanto arbitrário» (sublinhado e negrito nossos).

            Ora, nos termos do artº 40º, nº 1, do CPenal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. À culpa está reservado o papel de limite intransponível da medida da pena, diz o nº 2 do mesmo preceito.

            Por sua vez, o artº 71º no nº 1, proclama que a determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção; no número seguinte, manda atender, para o efeito, a todas as circunstâncias – que enumera de forma exemplificativa nas suas diversas alíneas – que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – os “factores de medida da pena”, como lhes chama Figueiredo Dias[5], os quais hão-de relevar naturalmente para efeitos da culpa e/ou da prevenção.

            A medida da pena é, assim, à luz do direito vigente, função da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, traduzida na tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada, a determinar em consonância com as circunstâncias do caso concreto, em face do modo de execução do crime, da motivação do agente, das consequências da sua conduta, etc.

            Mas, do mesmo modo que o Estado usa do seu ius puniendi, também tem o dever de oferecer ao condenado o mínimo de condições para prevenir a reincidência (cfr., o artº 2º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009, de 15 de Outubro), nisso se traduzindo essencialmente as razões de prevenção especial (de socialização). Como nota Taipa de Carvalho[6], «a função da ressocialização não significa uma espécie de “lavagem ao cérebro”, … mas, sim e apenas, uma tentativa de interpelação e consequente auto-adesão do delinquente à indispensabilidade social dos valores essenciais (…) para a possibilitação da realização pessoal de todos e cada um dos membros da sociedade. Em síntese, significa uma prevenção da reincidência».

            Entre as razões de prevenção especial não pode, porém, escamotear-se a função de dissuasão ou intimidação do delinquente (prevenção especial negativa) que, segundo o mesmo Autor, em nada é incompatível com a função de ressocialização, porque se trata, não de intimidar por intimidar, mas antes de uma dissuasão, através do sofrimento inerente à pena, «humanamente necessária para reforçar no delinquente o sentimento de necessidade de se auto-ressocializar, ou seja de não reincidir».

            Voltando agora àquele critério especial, diz o Mestre que o conjunto dos factos praticados nos indica a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique; por sua vez, na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso se justificando atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta; que especial relevo na operação terá o juízo sobre o efeito previsível da pena no comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização); que os factores que intervieram na determinação de cada uma das penas parcelares não devem, por regra, ser de novo valorados na medida da pena conjunta, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração, salvo, naturalmente, quando esse factor seja referido, não a um dos crimes singulares, mas ao conjunto deles, porque, então, «não haverá razão para invocar a proibição da dupla valoração».

Este tem sido o caminho que temos seguido, como se pode ver por, entre outros, os Acórdão de 26.02.2014, Pº nº 732/11.8GBSSB.L1.S1, de 10.09.2014, Pº nº 223/10.4SMPRT.P1.S1 e de 17 do corrente, Pº nº 1180/10.2.JAPRT.P1.S1.

Pelo que deixamos referido no início, não temos dúvidas em afirmar que o acórdão recorrido cumpriu satisfatoriamente as exigências de fundamentação, mesmo as de «especial fundamentação», da pena conjunta que aplicou/confirmou.

O problema que agora terá de se colocar é o de saber se os factos e respectivas circunstâncias justificam essa pena ou se, pelo contrário, impõem uma pena mais reduzida, como pretende o Recorrente.

Pois bem.

Seguindo o itinerário antes traçado, começamos por constatar que, como entendeu o Tribunal da 1ª Instância e foi corroborado pelo Tribunal da Relação, as exigências de prevenção geral são, no caso, muito elevadas. O próprio Recorrente, de resto, não o contesta.

Diz, de facto, a primeira daquelas decisões que as necessidades de prevenção geral são muito elevadas, «atendendo ao crescente número de condutas delituosas que vão ocorrendo na nossa comarca, ao enorme alarme social gerado – o qual, in casu, é manifesto, como o tribunal teve oportunidade de confirmar atento o número de pessoas da comunidade que acorreram ao tribunal para assistir ao julgamento nos presentes autos – e também aos resultados danosos (lesões corporais) que muitas vezes se dão em virtude destas condutas» (fls. 730); ou «tendo em consideração as características das vítimas, o meio onde os fatos foram praticados e o alarme social causado no seio da comunidade, [porquanto] as vítimas destes crimes são todas pessoas idosas e sós, e habitam ou habitavam (…) na mesma localidade, caracterizada pela baixa densidade populacional e pela população envelhecida, tendo os factos em apreço causado fortes sentimentos de insegurança na população, verificando-se até situações em que foram colocadas grades em janelas por receio de novos ilícitos» (733).

Aliás, já os relatórios sociais referentes ao Recorrente e ao seu co-Arguido registavam que «no meio de residência e onde correram os factos de que se encontra acusado, existe um sentimento de forte rejeição quanto ao arguido. Contudo, o sentimento de vulnerabilidade da população, sobretudo a mais idosa, mantém-se não obstante a prisão preventiva a que está sujeito o arguido AA, atendendo à presença de outros indivíduos com problema associados a consumos de substâncias estupefacientes, levando à colocação de gradeamentos nas janelas de mais fácil acesso» (cfr. nº 67 da “Fundamentação de Facto”, transcrito no inicio, e fls. 960 do acórdão recorrido) e que «no meio de residência subsiste um sentimento de insegurança perante as ocorrências constantes nos presentes autos… [verificando-se] temor de novos atos delituosos, tendo havido uma precaução com a prevenção, registando-se a colocação de gradeamentos em janelas» (cfr. nº 69 da “Fundamentação de Facto e fls. 962 do acórdão recorrido).

Idêntica opinião expressou o Senhor Procurador-geral Adjunto no seu parecer, quando refere que as «necessidades de prevenção geral positiva - … - impõem uma censura penal com uma dimensão suficiente para reforçar na comunidade a ideia de efectiva vigência da norma violada e, do mesmo passo, pacificar os sentimentos de incompreensão, e até de revolta, que um comportamento como o do arguido, assumido dentro de aglomerados populacionais relativamente pequenos e de índole rural, necessariamente suscita».

Pela nossa parte, ratificamos, no essencial, tais juízos, pois, como temos entendido, a experiência comum mostra que os assaltos a residências, com ofensa da integridade física dos seus habitantes, sejam os cometidos em meios pequenos, sejam os praticados nas grandes metrópoles, são geradores de forte clima de insegurança e de intranquilidade entre a população em geral, residente ou não no local onde foram consumados. Numa época de globalização como a nossa, a notícia de ocorrências deste tipo, mesmo nos locais mais isolados, depressa se espalha à escala nacional (e não só) através dos meios de comunicação social e das redes sociais, especialmente atentos a estes casos (cfr., neste sentido, o acórdão de 17 do corrente, Pº nº 1189/10.2JAPRTR.P1.S1, por nós subscrito e já por diversas vezes aqui citado).

Ora, como acabamos de ver, e sublinham aquelas peças processuais, no caso sub judice foram cinco os idosos atacados em suas casas, muito idosos quatro deles, solitários e indefesos. Por isso que, face às descritas circunstâncias, não hesitamos em confirmar o juízo de que, no caso, a conduta do Recorrente (e do seu companheiro) causou efectivamente tremendo e intolerável alarme social, a impor a graduação deste factor da medida da pena conjunta num plano elevado.

Por sua vez, a culpa, enquanto juízo de censura dirigido ao Recorrente, por a sua conduta criminosa se revelar expressão de uma atitude interna juridicamente desaprovada e pela qual tem de responder perante as exigências do dever-se sócio-económico[7], também se situa num patamar igualmente elevado.

Como nos dizem os factos provados, o Arguido, que agiu com dolo directo, intenso e persistente, conhecia as suas vítimas, escolheu as mais débeis e desprotegidas, em função da avançada idade e do isolamento em que viviam, estudou os seus hábitos, escolheu os meios de actuação que lhe pareceram ser os mais adequados aos seus objectivos e agiu, por vezes, com frieza e insensibilidade altamente reprováveis.

Bem reveladores da censura que merece o comportamento global do Arguido, são, por exemplo, para além dos factos introdutórios dos nºs 1) a 7), os dos nºs 13) – apesar de, quando entrou na casa da vítima, a ter visto «estendida no chão, de barriga para cima, sem qualquer reacção» ignorou-a e prosseguiu na execução do crime –, 21) – apresentou-se como “contador da água” para que a vítima lhe abrisse a porta e entrou com violência – 36 e segs. – estudo da melhor maneira de violar a residência da vítima e persistência na execução do crime –, 52 e segs. – conhecia a vítima; bateu à porta para pedir um copo de água; ela abriu a porta e foi à cozinha para satisfazer o pedido, tendo ele aproveitado para se introduzir na residência; quando a agarrou para lhe tirar os brincos e o fio que trazia, ela «caiu para o chão, ficando estendida no meio do corredor», situação que aproveitou para consumar o crime (não invocamos obviamente o facto do nº 59), isto é, que, quatro dias depois, a Ofendia foi encontrada morta, estendida no corredor da habitação, «em avançado estado de decomposição», como consta do Aditamento ao Auto de Notícia de fls. 76, pois não está estabelecida qualquer relação entre este facto e as circunstâncias do roubo).

Procurando minimizar o grau da sua culpa, o Recorrente alega, como vimos, que os crimes que praticou foram «motivados pelo problema de saúde (toxicodependência) de que padece e que na altura a prática dos crimes resultou das necessidades aditivas, agindo num estado de impulsividade/compulsividade causado pela privação de produto estupefaciente».

A prática de crimes por toxicodependentes, nomeadamente daqueles que possibilitam a apropriação de dinheiro, ou de bens facilmente convertíveis em moeda, com vista à aquisição de droga, é frequentemente apresentada como consequência da pressão que a necessidade de satisfação do vício exerce sobre o agente.

O Supremo Tribunal de Justiça, porém, vem entendendo que a toxicodependência, por regra, não isenta nem sequer atenua acentuadamente a responsabilidade criminal do agente. Aliás, nem de outro modo poderia ser, em vista do que prescreve o artº 88º do CPenal. Isso não invalida, porém, que se deva reconhecer que aquela pressão é susceptível de enfraquecer de algum modo os mecanismos de autocontrolo, com o inerente reflexo no grau de culpa. O que decididamente afastamos é que a toxicodependência possa ter o elevado valor atenuativo que o Recorrente parece querer atribuir-lhe quando, a partir do conjunto desse e de outros factores da medida da pena, reclama uma pena conjunta muito inferir à aplicada pelas Instâncias, tanto mais que não está provado que qualquer dos crimes praticados tenha sido consequência directa e imediata de necessidades aditivas, isto é, que o Arguido tenha agido, em qualquer dos casos, num estado de privação de droga que tivesse criado nele o invocado estado de impulsividade/compulsividade (cfr. o Acórdão de 12.07.07, Pº nº 4098/06-5ª). De facto, ter usado o produto dos roubos ou de parte dele na aquisição de droga não significa necessariamente que tenha agido naquele estado. De resto, o que os factos julgados provados nos dizem é que tendo entrado numa situação de desemprego e tendo-se iniciado no consumo de heroína – note-se que, no caso, não há declaração de toxicodependência, nos termos do artº 52º do DL 15/93, de 22 de Janeiro –, engendrou, com cuidado e prévia avaliação das possibilidades de êxito, aquela forma de obter dinheiro para a adquirir que, depois, executou com grande frieza (nºs 1) a 6) dos “Factos Provados”).

Mas se pode/deve aceitar-se essa mitigação da culpa, ligeira, naturalmente, a conduta marginal do Arguido – o de procurar os meios financeiros necessários à aquisição de drogas na prática de roubos – constitui um factor criminológico muito sério, a demandar acrescidas exigências de prevenção geral e especial de socialização e mesmo de intimidação, tanto mais que, como vem provado, embora tivesse iniciado tratamento médico quando entrou no EP, logo o abandonou escassos dias depois. Exigências de prevenção especial de socialização ainda justificadas face ao processo de degradação pessoal do Arguido, na sequência do «percurso de adição de produtos estupefacientes» iniciado em 2012, depois de ter perdido o pai, a «única perspectiva de apoio que mantinha», e viu a companheira e mãe do seu filho, com quem mantinha um «relacionamento afectivo,… gratificante e emocionalmente compensador», separar-se, em virtude de «à problemática aditiva [ter associado] condutas desviantes [o Arguido sofreu duas condenações anteriores, uma delas por furto praticado em Fevereiro de 2012]», a que acresce a circunstância de «o seu comportamento institucional já [ter sido] alvo de medida disciplinar, por agressão a companheiro».

Mas o relatório social também regista que:

– «apresenta capacidade de ponderação dos valores jurídicos em causa e da censurabilidade dos comportamentos pelos quais se encontra em julgamento»;

– «aparenta ter a noção do interdito e da oportunidade de intervenção da justiça... [e] capacidade de se responsabilizar pelas consequências do seu comportamento»;

– «demonstra capacidade de tecer um juízo autocrítico e de arrependimento face aos factos que lhe são imputados… [e] consegue percepcionar os bens jurídicos que as normas incriminatórias visam proteger»,

                                                                o que, em conjugação com aquelas circunstâncias e comportamentos, auguram apenas «alguma esperança de ressocialização futura» (sublinhado nosso) como o próprio Recorrente alega, porquanto não soube, melhor, não quis, beneficiar da oportunidade que teve de iniciar o tratamento da toxicodependência.

Da «sua postura em julgamento», apenas haverá que atender a que, como refere o acórdão recorrido em sede de “Motivação da matéria de facto”, fls. 965, o Arguido prestou declarações que «na sua esmagadora maioria… admitiram os factos que [lhe] são imputados», o que jurídico-penalmente não significa a «enorme contribuição para a descoberta da verdade material» que invoca e é substancialmente diferente e de valor atenuativo bem inferior ao da confissão os factos.

O «arrependimento sincero», por outro lado, pressupõe uma postura muito mais exigente de não solidariedade com o facto[8] que a simples «capacidade de tecer um juízo crítico e de arrependimento face aos factos…» é insusceptível de comprovar.

            A «juventude» não tem aqui relevante valor atenuativo, quer da culpa quer das exigências de prevenção especial, pois, tendo já completado os 26 anos quando praticou o primeiro dos crimes em julgamento, afasta-o claramente da «fase ainda precoce do seu desenvolvimento adulto».

Quanto à gravidade global da sua conduta, situa-a o Arguido ao nível da «pequena e média criminalidade», atendendo (1) ao «curto período de 7 meses [em que os crimes foram praticados], de forma espaçada, interpolada e descontínua»; (2) a que os crimes «não se revestem apesar de tudo de significativa gravidade objectiva», atendendo «ao seu modus operandi, sem utilização de qualquer arma e nem mesmo qualquer meio de transporte», nunca tendo exercido qualquer violência sobre os ofendidos… ou danos materiais nos seus bens»; (3) a que o valor dos bens e valores subtraídos, excepto os furtados à ofendida BB, são, na sua maioria, de valor diminuto e as jóias foram «todas recuperadas».

Os factos julgados provados, porém, não corroboram esta argumentação.

Se não, vejamos.

Pondo de lado o crime de furto referido no certificado do seu registo criminal, é verdade que os 5 crimes que estão agora em julgamento foram praticados entre 21.12.2013 e 6.08.2014, isto é, no espaço de cerca de 7 meses e meio; e que os dois últimos foram cometidos com o intervalo de 3 dias. Todavia, há que notar que a sua actividade criminosa cessou, não por a ela ter voluntariamente renunciado, mas porque foi detido em 11.08.2014 (fls. 76), escassos 5 dias depois de ter cometido o último daqueles crimes, e se encontra em prisão preventiva desde 13 seguinte – o que retira qualquer valor atenuativo ao «curto período» por que se estendeu a sua conduta.

O ter a mesma conduta sido «espaçada, interpolada e descontínua» confere justamente com o móbil do crime, o de angariar dinheiro para comprar droga. Mas, então, o que releva em termos de atenuação da ilicitude global, perde-se na avaliação das exigências de prevenção pela razão, já apontada, de ter rejeitado o tratamento médico.

Por outro lado, nem as razões que invoca, por si, nem quando conjugadas com o conjunto dos factos provados, autorizam a qualificação da sua conduta criminosa no âmbito da pequena criminalidade.

A violência que exerceu sobre as Vítimas, ao contrário do que alega, foi, como antes anotamos, assinalável, em função da fragilidade de qualquer delas, decorrente da idade muito avançada (à excepção do GG, as Senhoras tinham entre 80, 82 e 90 anos), da circunstância de serem pessoas indefesas, de viverem sozinhas e de se verem agredidas dentro das suas próprias casas. A pessoas dessa idade, retirar-lhes os brincos das orelhas ou o fio do pescoço, naturalmente com movimentos bruscos, «enfiar» um saco na cabeça, firmar as mãos na zona do pescoço e apertar os cordões do saco, são tudo violências físicas e psíquicas graves. E o valor global dos bens de que efectivamente se apropriou sozinho ou com o co-Arguido não é despiciendo, atendendo ao local à condição económica e ao próprio valor global que supera os €5.300,00.

Finalmente, ao contrário do que alega – «… jóias… todas recuperadas… (sublinhado nosso) –, as jóias roubadas à ofendida EE é que foram recuperadas. Porém, não por sua iniciativa, mas porque lhe foram apreendidas, como atesta o nº 27) dos “Factos Provados”. Aliás, relativamente aos brincos e ao fio com crucifixo roubados à ofendida II, foi expressamente julgado não provado que o Assistente (a Ofendida, como vimos, faleceu) os tenha recuperado (alínea F), dos “Factos não Provados”)

O grau da ilicitude global é, assim, «incontestavelmente elevado», como afirma o Senhor Procurador-geral Adjunto, considerando, para além do grau da violação da integridade física e da propriedade dos ofendidos, o especial aproveitamento da sua debilidade, por saber serem pessoas idosas, 3 delas muito idosas, e viverem sozinhas.

Quanto à alegação de que «não se verifica… uma tendência criminosa, mas sim uma pluriocasionalidade que não radica na sua personalidade».

Trata-se, uma vez mais, de alegação contra a evidência dos factos provados.

Verifica-se a mera pluriocasionalidade quando a conduta plural do agente pode encontrar explicação na conjugação de circunstâncias exteriores que se repetiram e facilitaram a sua realização. E não é decididamente essa a realidade espelhada nos autos, pois nada indicia que tenham sido circunstâncias exteriores, estranhas à sua personalidade, que empurraram o Arguido para o crime. Bem pelo contrário. Como tivemos já ocasião de ver, os factos dos nºs 1) a 9) mostram que os crimes foram por si procurados, na execução de um plano que para o efeito congeminou, com vista a obter meios para comprar heroína. Aí está a razão para termos considerado a toxicodependência (também) como factor de agravamento das exigências de prevenção especial de ressocialização e mesmo de intimidação.

Por outro lado, considerando o número de infracções, a repetição, no essencial, da mesma conduta e do modo de a concretizar, o período de tempo por que se manifestou essa actividade e a sua relação com a toxicodependência, entendemos que o conjunto dos factos, nos termos e circunstâncias em que foram praticados, só ganham explicação enquanto reflexo da personalidade do Arguido a quem não repugnou a prática de crimes para atingir certos fins também ilícitos. Não podemos, é verdade, falar de uma “carreira” criminosa, tanto mais que a medida de coacção que sofre desde 13.08.2014 o impediu de continuar na senda do crime. Mas o conjunto evidencia, sem dúvida, com a segurança exigível para a aplicação de uma pena criminal, uma «autoria em série», «uma cadeia» de factos de apreciável gravidade, o que, ainda de acordo com Figueiredo Dias[9], determina a atribuição ao conjunto de crimes de um efeito agravativo dentro da moldura da pena conjunta.

Pois bem.

A moldura penal do concurso é, no caso, a de 4 anos a 14 anos e 3 meses, de prisão.

Assim, atentas as considerações anteriores, enfim, atendendo a que, apesar do elevado grau de ilicitude da conduta global, do efeito agravativo que tem de se atribuir à pluralidade dos factos praticados, das elevadas exigências de prevenção geral decorrentes do grau de insegurança comunitária que acções como as praticadas pelo Arguido inequivocamente provocam, como efectivamente provocaram, e da influência da toxicodependência no percurso marginal do Arguido, aceitamos uma atenuação das exigências de prevenção especial pelas razões aduzidas supra e, do mesmo passo, alguma redução do grau da culpa, o que, sem as comprometer, permite reduzir a pena conjunta um pouco abaixo do limite óptimo reclamado pelas exigências de prevenção geral (situado ligeiramente acima do ponto médio daquela moldura) e, assim, fixá-la em 8 (oito) anos de prisão como propõe o Senhor Procurador-geral Adjunto.

5. Dispositivo

Nos termos expostos, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

5.1. julgar manifestamente improcedente o segmento do recurso em que o Recorrente argui a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia;

5.2. julgar o mesmo recurso parcialmente procedente na parte em que o Recorrente impugna a medida da pena conjunta. E, assim,

5.2.1. Condenar o arguido na pena conjunta de 8 (oito) anos de prisão e, consequentemente revogar, nessa parte, o acórdão recorrido;

5.2.2. Confirmar, no mais, o mesmo acórdão.

Sem custas – artº 513º, nº 1, do CPP.

                                                                                       Lisboa,

Processado e revisto pelo Relator


Lisboa, 30 de Março de 2013

Sousa Fonte (Relator)
Santos Cabral

--------------


[1] Cfr. “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 291.
[2] Cfr. Alberto do Reis, “Código de Processo Civil, anotado”, vol. 5, 140; Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III (1972), 246; Antunes Varela e Outros, “Manual de Processo Civil”, 669 e Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 221,222.
[3] Neste sentido, cfr. Oliveira Mendes no “Código de Processo Penal, Comentado” (2014), 1183/84, como invocou o Senhor Procurador-geral Adjunto no seu parecer.
[4]  Em ob. e loc. cit. na nota 2.

[5] Ob. cit. 232.
[6] Cfr “Direito Penal, Parte Geral – Questões Fundamentais”, 83 e 84.
[7] Figueiredo Dias, “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2ª edição, 274
[8] Cfr. Eduardo Correia, “Direito Criminal”, II ,1968, (Reimpressão), pág. 387.  
[9] Em “… As consequências …”, 292.