Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
262/13.3PVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
SENTENÇA CRIMINAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
SANAÇÃO
RECURSO PENAL
TRIBUNAL SUPERIOR
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
ILICITUDE
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Data do Acordão: 06/04/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA (NULIDADE).
Doutrina:
- Anabela Rodrigues, A determinação da Medida de Pena Privativa de Liberdade, pp.120, 369; Em Estudo publicado, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2, p. 182.
- Eduardo Correia, Direito Criminal, II, p. 320 e segs..
- Figueiredo Dias, In «Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, Lisboa, 1993, pp. 293, 331 e ss.; Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), pp.104/111.
- Maria João Antunes, «Consequências Jurídicas do Crime», Coimbra, 2010, p. 44.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 379.º, N.º1, AL. C), N.º2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 41.º, N.ºS 1 E 2, 71.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 18.º, N.º2.
D.L. N.º 401/82, DE 23-09: - ARTIGO 4.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12/02/2004, PUBLICADO NA CJ (STJ), XII, I, 202.
-DE 01/03/2001, PUBLICADO NA CJ (STJ), IX, I, 235.
-DE 14/02/2002 E DE 20/03/2002, PUBLICADOS NA CJ (STJ), X, I, 213 E 243.
-DE 15/11/2007, PROCESSO N.º 3761/07, DA 5.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I  -   O tribunal não está dispensado de considerar, na decisão, a pertinência ou inconveniência da aplicação do regime decorrente do DL 401/82, de 23-09, ainda que o julgue inaplicável, razão pela qual o tribunal a quo estava obrigado a pronunciar-se sobre se aquele regime é de aplicar ou não à arguida (tinha 20 anos à data da prática dos factos). Não tendo o tribunal a quo emitido pronúncia sobre a aplicação ou não daquele regime, a sentença enferma de nulidade, conforme estabelece a al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.

II -  Atenta a circunstância de os autos disporem de todos os elementos necessários à decisão da eventual aplicação do regime penal especial para jovens, pode tal nulidade ser suprida pelo STJ, tanto mais que de acordo com a redacção introduzida pela Lei 20/13, de 21-02, ao n.º 2 do art. 379.º do CPP, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida.

III - No crime de tráfico de estupefacientes o bem jurídico primordialmente protegido é a saúde pública em conjugação com a liberdade do cidadão (aqui se manifestando uma alusão implícita à dependência e aos malefícios que a droga gera), cuja elevada gravidade é patenteada pela sanção aplicável (agravada) de 5 a 15 anos de prisão e cujas necessidades de prevenção são prementes. A arguida cometeu o crime após duas condenações anteriores por factos de natureza idêntica, à data ainda não transitadas em julgado (fortes exigências de prevenção especial). Atenta a gravidade do crime e as necessidades de prevenção é de afastar a aplicação do regime constante do art. 4.º do DL 401/82.

IV - A pena não pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Como finalidade primária da pena temos o «restabelecimento da paz jurídica comunitária» abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração.

V -  Tendo em conta que as necessidades de prevenção relativamente ao tráfico de estupefacientes são prementes e que as exigências de prevenção especial são acrescidas visto que a arguida conquanto muito jovem já cometeu três crimes de tráfico de estupefacientes, sendo que perpetrou o último, o objecto dos presentes autos (tráfico agravado), após condenação, sem trânsito em julgado, pela prática dos outros 2 crimes, não merece censura a pena aplicada de 6 anos de prisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

No processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 262/13.3PVLSB, da 7ª Vara Criminal de Lisboa, AA, como os sinais dos autos, foi condenada como autora material de um crime de tráfico agravado de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 21º, n.º 1 e 24º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 anos de prisão.

A arguida interpôs recurso.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação[1]:

«I - O douto acórdão recorrido condenou a arguida, recorrente, a 6 anos de pena de prisão efectiva.

II - Mas a recorrente tinha 20 anos à data da prática dos factos e o acórdão recorrido admite que "a arguida se apresenta como uma jovem imatura e com fraca capacidade para antever as consequências dos seus actos".

III - Por outro lado, reconhece-lhe "irresponsabilidade social", enquanto "se revela uma jovem cordial e afável ao trato, com capacidades ao nível do relacionamento inter-pessoal e da comunicação…” e que" ... dispõe de apoio estruturado por parte da progenitora…", com quem vive.

IV - Estes são os motivos que justificam plenamente, porém, a aplicação ao caso da recorrente no disposto nos art.ºs 1.° e 4.° do Dec-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.

V - Estas disposições legais remetem para uma atenuação extraordinária da pena, justificada em razões para crer que da atenuação resultam, neste caso concreto, vantagens para a reinserção da jovem condenada.

VI - Precisamente os motivos levados, aqui, insiste a recorrente, à conclusão III, e sublinhados a negrito.

VII - Deste modo, a pena aplicada à recorrente é disfuncional e deve ser graduada, antes, entre 3 e 3 anos e meio de prisão (nunca superior a 5 anos), como pena unitária.

VIII - Com efeito, as duas condenações anteriores da recorrente, em 14 e 15 meses de prisão, suspensas por igual tempo, estão em relação de cúmulo jurídico com a pena que lhe cabe pelos factos provados no douto acórdão recorrido (não há, deste modo, no plano normativo, agravante de mau comportamento anterior).

IX - E na dosimetria da pena unitária pode e deve manter-se a suspensão por igual tempo do cúmulo, por ser manifesto que não se alterou o quadro subjectivo que ditou as suspensões anteriores.

X - Por conseguinte, o douto acórdão recorrido deve ser revogado, por ter infringido as disposições legais citadas nestas conclusões, para ser substituído pelo resultado penal da causa, que a recorrente pede: uma condenação com suspensão da pena, permitindo-lhe uma ressocialização exitosa, com o efectivo apoio da mãe, a quem se acolheu».

Na contra-motivação o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:

«V. Em conclusão, dir-se-á que:

- no caso em apreço, inexistem razões para crer que da atenuação (decorrente da aplicação do regime penal para jovens delinquentes) possam resultar vantagens para a reinserção social da recorrente;

- as penas em que esta foi condenada nos processos 455/12.0PSLSB e 360/10.5PVLSB têm natureza diversa da da pena aplicada neste processo 262/13.3.PVLSB, pelo que esta não é cumulável juridicamente com aquelas;

- a pena de 6 anos de prisão aplicada corresponde a uma correta ponderação dos fatores que, no caso concreto, se impunha considerar para determinar a medida da pena, servindo ajustadamente as suas finalidades.

pelo que se nos afigura que a decisão decorrida deverá manter-se».

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

«1 - Do recurso:

                1.1 – A arguida AA foi condenada em 1.ª Instância, nos termos do Acórdão proferido a fls. 310 e segs. e como autora material de 1 crime de “tráfico agravado de estupefacientes”, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h), do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

            1.2 – Inconformada, veio interpor recurso, que limitou, tanto quanto resulta das conclusões da respectiva motivação, à escolha e medida concreta da pena, que pugna ser de aplicar no quadro do regime penal para jovens, nos termos do disposto nos arts. 1.º e 4.º do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, e, nesse âmbito, de reduzir para medida a fixar entre os 3 e os 3 anos e 6 meses de prisão (ou em todo o caso nunca superior a 5 anos) e de substituir pela suspensão da execução da prisão, nos termos do disposto no art. 50.º do Código Penal. 

1.3 – O Ministério Público junto da 1.ª Instância respondeu, defendendo a confirmação do decidido e, assim, a improcedência do recurso [fls. 360 e segs.].

                1.4 – O recurso, que foi interposto para o Tribunal da Relação, veio a ser correctamente remetido a este STJ uma vez que limitado, como vimos, à medida e escolha da pena e, assim, apenas ao reexame de matéria de direito [art. 432.º, n.º 1/c) do CPP].

                1.5 – A recorrente não requereu a audiência [n.º 5 do art. 411.º do CPP], pelo que deve o recurso ser conhecido em conferência [art. 419.º, n.º 3/c), do CPP].

*

                2 – Emitindo parecer, como nos cumpre, cabe dizer o seguinte:

               

                2.1 – QUESTÃO PRÉVIA: Nulidade da decisão por omissão de pronúncia:

                2.1.1 – A arguida e ora recorrente, que nasceu no dia ..., tinha 20 anos de idade em 31 de Março, data da prática dos factos por que foi condenada.

                Nos termos dos comandos normativo resultantes dos arts. 1.º, n.º 2 e 4.º do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, se for aplicável pena de prisão ao agente da prática com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade, deve o Juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos arts. 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

                Como decorre da fundamentação, entre outros, do Acórdão do STJ de 15-10-1997, publicado na CJ (STJ), Tomo III – 1997, pág. 191, citamos, «1. Ao referir o art. 4.º do DL n.º 401/82, que o Juiz “deve atenuar especialmente a pena se ocorrer o condicionalismo ali referido”, isso significa que tem o dever de, oficiosamente, averiguar se existem pressupostos de facto para a atenuação, sempre que o menor esteja nas condições ali indicadas. 2. Não tendo feito, deve o julgamento ser oficiosamente anulado, nos termos dos arts. 379.º e 374.º, n.º 2 do CPP».

                Ora no caso dos autos, examinada a fundamentação da decisão condenatória proferida, verifica-se que o Tribunal, não obstante tenha consignado no relatório do acórdão proferido que a arguida nasceu em 6-10-1992, omitiu qualquer pronúncia sobre a matéria em causa (aplicação ou não do regime do regime especial dos jovens delinquentes).

                Não ignorando embora a jurisprudência no sentido de que a omissão de pronúncia em causa configura apenas um erro de julgamento (error in judicando), suprível pelo Tribunal do recurso sempre que disponha dos elementos para tanto necessários, continuamos a secundar aquela primeira orientação, no sentido da nulidade por omissão de pronúncia, tanto mais que essa é a solução que, a nosso ver, melhor se harmoniza com o actual modelo, processual e substantivo, de determinação da pena e que melhor se coaduna com o princípio constitucional de garantia do duplo grau de jurisdição.

                2.1.2 – A entender-se, porém, que é de seguir antes o critério firmado, entre outros, n Acórdão do STJ de 22-09-2004, publicado na CJ (STJ), 2004, Tomo III, pág. 159, no sentido de que a omissão de pronúncia sobre esta matéria não conduz necessariamente à nulidade da sentença, se o tribunal superior dispuser de todos os elementos para colmatar essa falta, que corresponde antes a um “error in judicando”, e ponderando que nesta hipótese, também temos por certo que os elementos do aresto impugnado permitem conhecer da questão;

*

                3 - Do mérito do recurso:

                Secundando quer a fundamentação da decisão impugnada, quer as considerações aduzidas, na sua resposta, pelo representante do Ministério Público junto da 1.ª Instância, há desde já que dizer que também a nós se nos afigura que a razão não estará, cremos, do lado da recorrente.

                Senão vejamos:

                3.1 –      Liminarmente, e tendo em conta que, mesmo não sendo objecto de controvérsia, sempre a questão cabe, nesta sede, nos poderes, oficiosos, de cognição deste Tribunal, há que dizer que, nos termos e pelos fundamentos enunciados no ponto “IV- Enquadramento jurídico-penal” do aresto impugnado, nos não merece reparos a qualificação jurídica dos factos operada pela 1.ª Instância, mormente no segmento em que teve por verificada a circunstância agravante qualificativa da alínea h) do art. 24.º DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, como susceptível de evidenciar uma densidade acrescida da ilicitude da conduta da arguida. O que vale por dizer que a factualidade fixada – [no dia 31 de Março de 2013, pela 16H15, e servindo de correio de droga, a arguida deslocou-se ao Estabelecimento Prisional de Lisboa a pretexto de ali visitar o recluso BB, transportando consigo, dissimulado no interior da sua vagina, 73,454 gramas de “haxixe” e 17,525 gramas de “heroína”, produtos que pretendia entregar àquele recluso dentro do referido Estabelecimento] – é de integrar, assim, no crime de tráfico agravado de estupefacientes, da previsão normativa dos supra citados preceitos.

                Esclarecido, pois, este ponto,

           

            3.2 – Da escolha e medida da pena:

                3.2.1 – A graduação da medida concreta da pena deve ser efectuada, como é sabido, em função da culpa do agente[2] e das exigências de prevenção no caso concreto (art. 71.º, n.º 1 do CP), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2).

Nos termos do art. 40.º, n.º 1, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva), sendo certo que, como também se sabe, a referência (legal) aos bens jurídicos conforma uma exigência de proporcionalidade entre a gravidade de pena e a gravidade do facto praticado, a qual, desta forma, integra o conteúdo e o limite da prevenção[3].

Mas, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2 do mesmo art. 71.º), sendo certo que “disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva” (Ac. STJ de 10/4/96, CJ-STJ 96, II, 168).

                Neste quadro, e In casu:  

                - A matéria de facto apurada preenche efectivamente, como vimos, os elementos constitutivos do crime de tráfico de estupefacientes subsumível à previsão dos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h), do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e a que corresponde a moldura penal abstracta de 5 a 15 anos de prisão.

- É elevada a intensidade da culpa e directo o dolo com que agiu a arguida, sendo que esta, que cometeu o crime dos autos, como vimos, no dia 31-03-2013, vinha de ser condenada, por sentenças de 22 de Fevereiro de 2013 e de 12 de Março de 2013, posto que nesse momento ainda não transitadas em julgado, a primeira delas pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes da previsão do art. 21.º do DL n.º 15/93, e a segunda por um crime de trafico de menor gravidade da previsão do art. 25.º do mesmo diploma legal, em ambos os casos em penas de prisão suspensas na respectiva execução.

- Por outro lado, e a seu favor, há que constatar apenas que assumiu a prática dos factos – [confissão que não tem no entanto, no contexto da prova produzida, relevante valor atenuativo] –, e dispõe de apoio estruturado por parte da sua progenitora.

Ora, como repetidamente vem afirmando, na sua jurisprudência, este Supremo Tribunal, nos crimes de tráfico de estupefacientes, as finalidades de prevenção geral impõem-se com particular acuidade, desde logo pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que, em geral, os consubstanciam. São conhecidas as muito graves consequências do consumo de estupefacientes, não só ao nível da saúde dos consumidores, como também no plano da desinserção social e familiar que lhe anda quase sempre associada.

É certo que à medida da tutela dos bens jurídicos não pode deixar alheia a dimensão da ilicitude das diversas modalidades de acção. O que significa que, como é bom de ver, as exigências de prevenção geral não têm a mesma medida em todos os casos.

Mas tendo precisamente em conta, na enunciada perspectiva, os critérios legais ao caso convocáveis e os parâmetros utilizados pela 1.ª instância na graduação da medida concreta da pena aplicada – como vimos, 6 anos de prisão [o que, e numa moldura de 5 a 15 anos, corresponde praticamente ao seu limiar mínimo] –, estamos em crer que não foi excessivamente empolada, pela mesma instância, a dimensão da actividade de tráfico empreendida pela arguida.

                Daí que, e em nosso juízo, se não justifique, nesta sede, qualquer intervenção correctiva da medida da pena aplicada, tanto mais que, como este Supremo Tribunal vem dizendo – no acolhimento aliás dos ensinamentos de Figueiredo Dias [In Direito Penal Português, II – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197] –, em recurso de revista não é de sindicar o quantum exacto das penas, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção manifesta da quantificação efectuada.

 3.2.2 – Mas na hipótese de vir porventura a entender-se, na esteira e pelos fundamentos aduzidos, num caso de contornos em tudo idênticos[4], no Acórdão do STJ de 2-12-2013, proferido no Processo n.º 116/11.8JACBR.S1, da 5.ª Secção[5] que é de alterar a qualificação jurídica dos factos para o crime de tráfico de menor gravidade, do art. 25.º, alínea a) do citado DL n.º 15/93, quadro em que – [tendo em conta a sua moldura abstracta [prisão de 1 a 5 anos] e os critérios legais acima convocados] – a pena não poderia de todo o modo deixar de ser fixada, a nosso ver e tendo sobretudo em conta os antecedentes criminais da arguida[6], em medida inferior a 3 anos de prisão; dir-se-ia então que, sendo tal pena consentânea com a possibilidade de substituição pela pena de suspensão da execução da prisão, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 50.º do C. Penal, não cremos que, ainda assim, essa suspensão possa, ou deva, in casu, ser equacionada.

                De acordo com este novo normativo, com efeito, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. É necessária, pois, a formulação de um juízo de prognose social favorável que permita esperar que essa pena de substituição reintegre o agente na sociedade, mas também proteja os bens jurídicos, afinal os fins visados pelas penas (n.º 1 do art. 40.º do C. Penal).

Como a este propósito decidiu este Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em Acórdão datado de 15-11-07, proferido no âmbito do Processo n.º 3761/07, da 5.ª Secção[7], «para que possa ser suspensa a pena de prisão é necessária a formulação de um juízo de prognose social favorável que permita esperar que essa pena de substituição reintegre o agente na sociedade, mas também proteja os bens jurídicos, os fins visados pelas penas (n.º 1 do art. 40.º do C. Penal […]». E conforme, de resto, ensina também o Prof. Figueiredo Dias[8], a primeira finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, mas não é a única.

O que vale por dizer, pois, que a suspensão da execução da pena de prisão tem de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Se as não realizar, a suspensão não deve ser decretada.

Se os fins de defesa do ordenamento jurídico, cuja prossecução a norma penal demanda, forem postos em causa pela suspensão da execução da pena, ela não deverá ser decretada, ainda que o tribunal conclua por um prognóstico favorável ao arguido no que concerne à eficácia desta pena de substituição para o afastar da prática de novos crimes[9].

Em idêntico sentido se pronunciou também a Prof. Anabela Rodrigues[10], salientando a este propósito que embora como pressuposto e limite da culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, só na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade.

Ora no caso em apreço, e independentemente de quaisquer considerações sobre o maior ou menor relevo das circunstâncias que depõem a favor da ora recorrente ou contra ela (todas elas equacionadas, aliás, na determinação concreta da pena), o certo é que uma tal pena substitutiva poderia pôr gravemente em causa a credibilidade que ainda gozam as normas penais. Estamos, com efeito, perante um facto ilícito típico cuja gravidade no plano das consequências se situa num patamar muito elevado, sendo que o grau de culpa da arguida é também muito acentuado.

O que significa portanto que inquestionáveis exigências de prevenção geral (reforço da consciência jurídica comunitária, no que respeita ao sentimento de segurança face à violação das normas penais), - que não podem, de forma nenhuma, ser descuradas –, impõem, pois, aquele juízo de prognose desfavorável à possibilidade de escolha de uma pena não privativa da liberdade. O mesmo é dizer que, e a nosso ver, não estamos perante um caso em que a simples censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena pudessem ainda realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade (art. 40.º do Código Penal).

**

3.3 – PELO EXPOSTO, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, é o seguinte o nosso parecer:

A – Será de ponderar a declaração de nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 379.º, n.ºs 1/c) e 2 do CPP, caso em que deve ser ordenando o “reenvio” do processo à 1.ª Instância para suprimento do apontado vício;

B – A entender-se que aquela omissão de pronúncia não conduz necessariamente à nulidade da sentença se, como é o caso, o tribunal superior dispuser de todos os elementos para conhecer da questão, sendo neste quadro de conhecer de mérito, é de negar provimento ao recurso e de confirmar, assim, a decisão impugnada;

C – De todo o modo, e na eventual hipótese de vir a decidir-se que é de alterar a qualificação jurídica dos factos para o crime de tráfico de menor gravidade, do art. 25.º, alínea a) do DL n.º 15/93, será então de condenar a arguida, nesse quadro normativo, em pena que propomos não inferior a 3 anos de prisão, sempre efectiva».

A recorrente não respondeu.

Colhidos os visto legais, cumpre agora decidir.

                                          *

Delimitando o objecto do recurso verifica-se que a única questão submetida à apreciação deste Supremo Tribunal é a da medida da pena, pena que a recorrente AA entende dever ser especialmente atenuada, por efeito da aplicação do regime penal especial para jovens, sendo fixada em medida não superior a 5 anos de prisão, preferencialmente entre 3 anos a 3 anos e 6 meses de prisão, com suspensão da sua execução.

É do seguinte teor a decisão de facto proferida (factos provados):

1. No dia 31 de Março de 2013, a arguida AA deslocou-se ao Estabelecimento Prisional de Lisboa, na Rua Marquês da Fronteira, n.º 54, na referida cidade.

2. Fê-lo em visita a BB, seu anterior namorado, recluso n.º 911, desse estabelecimento.

3. Cerca das 16 horas e 15 minutos, a arguida foi submetida a revista na Secção de Visitas do mencionado Estabelecimento Prisional de Lisboa.

4. No decurso de tal revista, foi detectado que a arguida transportava no interior da vagina, num embrulho envolto em plástico (película aderente), 9 (nove) pedaços, vulgo “bolota”, de um produto de cor castanha, suspeito de ser “haxixe”, 2 (dois) sacos de um produto suspeito de ser heroína e 4 (quatro) comprimidos de um produto de cor branca, suspeito de ser “ecstasy”.

5. Estes produtos suspeitos foram sujeitos a teste rápido, reagiram os mesmos como sendo, respectivamente, “haxixe”, com o peso bruto total e aproximado de 79,12 g (setenta e nove vírgula doze gramas), heroína, com o peso bruto total e aproximado de 18,29 g (dezoito vírgula vinte e nove gramas), e produto indeterminado, com o peso líquido total e aproximado de 5,35 g (cinco vírgula trinta e cinco gramas), tendo, nessa sequência, sido apreendidos tais produtos e detida e arguida.

6. Sujeitos, entretanto, esses produtos suspeitos a exame laboratorial, conclui-se serem os mesmos, respectivamente, canabis (resina), vulgo “haxixe”, com o peso bruto total de 79,295 g (setenta e nove vírgula duzentos e noventa e cinco gramas) e o peso líquido total de 73,454 g (setenta e três vírgula quatrocentos e cinquenta e quatro gramas), heroína, com o peso bruto total de 18,165 g (dezoito vírgula cento e sessenta e cinco gramas) e o peso líquido de 17,525 g (dezassete vírgula quinhentos e vinte e cinco gramas), e produto contendo Piperina e Di-Intol-Metano (não se encontrando estas duas últimas substâncias abrangidas pelas tabelas anexas ao Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro).

7. A arguida conhecia a natureza e a substância dos produtos estupefacientes que detinha.

8. Destinando a arguida tais produtos estupefacientes à entrega ao supra referido BB, seu anterior namorado, tinha então aquela perfeito conhecimento de que a introdução daqueles num estabelecimento prisional constitui um facto particularmente grave e, como tal, censurável, ademais, em face das quantidades significativas dos mencionados produtos, bem assim, da circunstância de entre os mesmos se encontrar heroína, sendo este um dos tipos de drogas mais nocivos para a saúde dos consumidores e para a saúde pública.

9. A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente.

10. Bem sabendo a arguida que a sua conduta era proibida e punida por Lei.      

*

Mais resultou provado que:

11. A arguida manifestou o seu arrependimento pela prática dos factos.

12. Do certificado do registo criminal da arguida consta que a mesma foi condenada:

a) no processo com o n.º 455/12.0PSLSB, pela 2ª Secção do 2º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21 do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em 23 de Fevereiro de 2012, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por decisão de 22 de Fevereiro de 2013, transitada em julgado em 02 de Abril de 2013;

b) no processo com o n.º 360/10.5PVLSB, pela 1ª Secção do 6º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 21 e alínea a) do artigo 25 do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em 23 de Maio de 2010, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por decisão de 12 de Março de 2013, transitada em julgado em 02 de Maio de 2013.

13. Do relatório social de fls. 291 a 294 resulta que:

a) a arguida é filha de uma cidadã italiana que emigrou para Portugal quando se encontrava grávida daquela, juntando-se a alguns familiares residentes no nosso país há alguns anos. Não existiu, por isso, praticamente contacto com a figura paterna, a residir em Itália, figura essa que a arguida apenas conheceu aos 17 (dezassete) anos de idade.

b) até aos 12 (doze) anos de idade, a arguida foi educada pelos avós maternos, juntando-se, posteriormente, à mãe, em Lisboa, para onde esta se havia mudado por motivos profissionais, quando a arguida contava apenas com 6 (seis) anos de idade.

c) a arguida cresceu integrada num agregado normativo e funcional, num registo rural e de grande proximidade com a natureza e os animais.

d) o relacionamento entre mãe/filha processou-se num registo afectivo, de confiança, partilha e respeito mútuo pelas opções de cada uma.

e) a arguida, ao nível escolar, registou um percurso regular até ao 6º ano, sendo considerada uma boa aluna, o que se alterou com a sua vinda para Lisboa, para casa da mãe e com o falecimento do avô materno, com quem estabelecia uma relação de grande proximidade afectiva e referencial.

f) a partir dos 14 (catorze) anos, a arguida assumiu uma postura absentista, verificando-se, em simultâneo, uma integração num grupo de pares da escola, em cuja companhia se inicia no consumo de haxixe. Concluiu apenas o 8º ano de escolaridade, tendo deixado o ensino oficial aos 16 (dezasseis) anos, na expectativa de efectuar um curso de fotografia que lhe conferiria equivalência ao 9º ano, que veio a abandonar por excesso de faltas.

g) após haver abandonado a escola, a arguida desempenhou, durante algum tempo, funções administrativa numa empresa de design onde a mãe trabalha como secretária.

h) com cerca de 16 (dezasseis) anos, a arguida iniciou uma relação de namoro com um jovem delinquente, também consumidor de haxixe, relacionamento que se terá processado num registo conturbado e aparentemente violento, que veio a facilitar uma intensificação dos consumos por parte da arguida.

i) a arguida viveu durante 2 (dois) anos com o companheiro BB, até que, em 2012, o mesmo foi preso pela segunda vez.

j) à data dos factos, a arguida residia com a progenitora. O seu ex-companheiro encontrava-se preso, sendo que, apesar da arguida já ter terminado o relacionamento amoroso, continuava a visitá-lo e a apoiá-lo no Estabelecimento Prisional de Lisboa.

k) a arguida mantinha consumos diários de haxixe, os quais não equacionava como problemáticos, por não se considerar dependente dos mesmos, centrando as sociabilidades que estabelecia em torno dos mesmos.

l) a arguida mantinha-se inactiva, realizando apenas algumas horas na empresa onde a sua mãe trabalha há muitos anos, sendo com este rendimento que auxiliava nas despesas do agregado, cuja situação sócio-económica era deficitária.

m) a arguida apresenta-se como uma jovem imatura e com fraca capacidade para antever as consequências dos seus actos, denotando irresponsabilidade social. Revela-se ainda uma jovem cordial e afável ao trato, com capacidades ao nível do relacionamento inter-pessoal e da comunicação.

n) a arguida dispõe de apoio estruturado por parte da progenitora, ainda que esta adopte uma postura desculpabilizante em relação ao percurso criminal da arguida, atribuindo-o à influência do seu ex-companheiro.  

                                        *

Antes de entrarmos na apreciação do objecto do recurso interposto pela arguida AA, cumpre que nos pronunciemos sobre questão prévia suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a qual decorre da circunstância de o tribunal recorrido, pese embora a idade da arguida à data do cometimento dos factos – 20 anos –, não ter equacionado a possibilidade de aplicação do regime penal especial do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, omissão consubstanciadora de nulidade.

Vejamos.

Do exame do acórdão impugnado verifica-se que a arguida AA nasceu no dia ..., sendo que os factos objecto do processo ocorreram no dia 31 de Março de 2013, o que significa que a arguida tinha então 20 anos de idade.

Certo é que a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem-se orientando no sentido de que o tribunal não está dispensado de considerar, na decisão, a pertinência ou inconveniência da aplicação do regime decorrente do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, ainda que o julgue inaplicável[11], razão pela qual o tribunal a quo estava obrigado a pronunciar-se sobre se é de aplicar ou não à arguida AA o regime de favor constante do artigo 4º daquele diploma legal. Não tendo o tribunal a quo emitido pronúncia sobre a aplicação ou não aplicação daquele regime, certo é que deixou de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, o que significa que a sentença impugnada enferma de nulidade, conforme estabelece a alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal[12].

Tal nulidade, porém, atenta a circunstância de os autos disporem de todos os elementos necessários à decisão da eventual aplicação do regime penal especial para jovens pode, no entanto, ser suprida por este Supremo Tribunal, tanto mais que de acordo com a redacção introduzida pela Lei n.º 20/13, de 21 de Fevereiro, ao n.º 2 do artigo 379º do Código de Processo Penal, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida[13].

Deste modo, suprindo a nulidade cometida, com o que simultaneamente se aprecia o recurso interposto na parte em que se pugna pela aplicação do regime penal especial para jovens, dir-se-á.

Estabelece o artigo 4º, do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro:

«Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º, do Código Penal, quando tiver razões sérias para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado» [14].

É evidente que a adequada reinserção social do condenado, ou seja, a sua correcta reintegração na sociedade, depende de considerações de natureza preventiva, particularmente especial, cuja avaliação deve ter presente, designadamente, a gravidade do facto ou factos perpetrados e as suas consequências, o tipo e a intensidade do dolo, os fins que subjazem ao ilícito, o comportamento anterior e posterior e a personalidade do condenado à luz dos factos, isto é, neles manifestada e reflectida.  Se a partir da avaliação feita for de formular um prognóstico favorável à ressocialização do condenado será, em princípio, de considerar positiva a aplicação do regime previsto no artigo 4º, do DL n.º 401/82, sendo pois de atenuar especialmente a pena; caso contrário, isto é, caso o juízo de prognose for desfavorável, obviamente que se terá de excluir a aplicação daquele regime[15].

No caso vertente estamos perante um crime de tráfico de estupefacientes, ilícito em que o bem jurídico primordialmente protegido é a saúde pública em conjugação com a liberdade do cidadão aqui se manifestando uma alusão implícita à dependência e aos malefícios que a droga gera[16], cuja elevada gravidade é patenteada pela sanção aplicável (4 a 12 anos de prisão), no caso dos autos agravada (5 a 15 anos de prisão), e cujas necessidades de prevenção são prementes. Por outro lado, a recorrente AA cometeu o crime após duas condenações anteriores, à data ainda não transitadas em julgado, por factos de natureza idêntica, o que evidencia fortíssimas exigências de prevenção especial.

Deste modo, atenta a gravidade do crime e as necessidades de prevenção geral e especial, há que afastar a aplicação do regime constante do artigo 4º, do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro.

                                         *

Passando à sindicação da medida concreta da pena importa ter presente que a sua determinação faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Criminal, quais seja a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 41º, n.º 1, do Código Penal –, sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – n.º 2 daquele artigo.

Efectivamente, a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995[17].

Também este Supremo Tribunal se orienta em sentido concordante ao assumir que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa[18], elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República, consagra[19].

                                         *

A arguida AA tinha 20 anos de idade à data dos factos.

Até aos 12 anos de idade viveu em Itália, onde foi educada pelos avós maternos, sendo que só conheceu o pai com 17 anos de idade.

Aos 12 anos passou a viver com a mãe, na cidade de Lisboa, tendo abandonado o ensino oficial aos 16 anos, com o 8º ano de escolaridade, na expectativa de tirar um curso de fotografia, com equivalência ao 9º ano, curso que veio a abandonar. Entretanto, aos 14 anos, começou a consumir haxixe, substância que actualmente consome diariamente.

Desempenhou durante algum tempo funções, como administrativa, numa empresa de design onde a mãe trabalha como secretária, sendo que à data dos factos se limitava a laborar algumas horas naquela empresa.

Durante dois anos viveu com antigo namorado, BB, até que o mesmo foi preso.

Agiu tendo perfeito conhecimento da natureza e das características dos produtos estupefacientes que transportou para o interior do estabelecimento prisional onde o antigo namorado se encontra preso, sendo que o fez com intenção de os ceder ao mesmo.

Mostra-se arrependida.

Revela imaturidade e fraca capacidade para antever as consequências dos seus actos, denotando irresponsabilidade social. É cordial e afável, com capacidade ao nível do relacionamento interpessoal e da comunicação.

Em 23 de Fevereiro de 2012 foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, com suspensão da sua execução, condenação que transitou em julgado no dia 2 de Abril de 2013. Em 12 de Março de 2013 foi condenada pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, com suspensão da sua execução, condenação que transitou em julgado no dia 2 de Maio de 2013.

                                         *

Como já se deixou consignado, as necessidades de prevenção relativamente ao tráfico de estupefacientes são prementes [20].

No caso vertente há, porém, acrescidas exigências de prevenção especial, visto que a arguida AA, conquanto muito jovem, já cometeu três crimes de tráfico de estupefacientes, sendo que perpetrou o último, o objecto dos presentes autos, após condenação, sem trânsito em julgado, pela prática dos outros dois.

Ponderando todas estas circunstâncias não nos merece censura a decisão recorrida.                                

                                         *

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, fixando em 5 UC a taxa de justiça.

                                         *

Oliveira Mendes (relator)

       Maia Costa

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[1] - O texto que a seguir se transcreve, bem como os que mais adiante se irão transcrever, correspondem ipsis verbis aos constantes dos autos.
[2] - O vocábulo culpa não é aqui utilizado no sentido estrito de elemento constitutivo da infracção, mas num sentido amplo, abrangente de todos os elementos do crime que nela se perspectivem e que podem ser tomados em conta para graduar a censura que por ela deva ser feita ao agente, aí incluindo a ilicitude, a culpa propriamente dita e a influência da pena sobre o criminoso (cfr., neste sentido Eduardo Correia, Direito Criminal, II, págs. 320 e segs., e Anabela Rodrigues, A determinação da Medida de Pena Privativa de Liberdade, 120).
[3] - Anabela Miranda Rodrigues, obra cit. pág.369.
[4] - Também aí estava em causa a conduta de uma arguida que, servindo de correio de droga, se deslocou a um Estabelecimento Prisional, no caso de Coimbra, a pretexto de ali visitar um recluso, transportando consigo, dissimulado no interior da sua vagina, 43,138 gramas de “haxixe”, que se propunha entregar àquele.
[5] - Relatado pelo Sr. Conselheiro Rodrigues da Costa.
[6] - Sem equacionar aqui a questão de saber se o crime dos autos está numa relação do concurso ou de sucessão com os demais crimes pelos quais a arguida foi antes condenada [como é sabido não é uniforme a orientação da Jurisprudência do STJ, sendo que o Prof. Figueiredo Dias, In «Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, Lisboa, 1993, p. 293, e ANTUNES, Maria João, «Consequências Jurídicas do Crime», Coimbra, 2010, p. 44, entendem que a data que delimita a situação de concurso é a da decisão de condenação e não a do seu trânsito em julgado], a verdade é que as duas condenações anteriores impostas à arguida por crimes idênticos, para mais uma delas cerca de um mês antes e a outra cerca de 15 dias antes da prática do crime dos autos, não podem deixar de agravar significativamente a sua culpa por não terem constituído motivação suficiente para a afastar da senda do crime.
[7] - Relatado pelo Ex.mo Conselheiro Simas Santos e cujo texto está acessível em www.dgsi.pt.
[8] - In  “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 331 e ss.
[9] - Obra citada, pág. 344.
[10] - Em “Estudo” publicado na “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 12, n.º 2, pág. 182.
[11] - Cf. entre muitos outros, os acórdãos de 02.02.14 e de 02.03.20, publicados na CJ (STJ), X, I, 213 e 243.
[12] - É do seguinte teor a alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal:
 «1. É nula a sentença:
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
[13] - É do seguinte teor o n.º 2 do artigo 379º do Código de Processo Penal:
 «2. As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações o disposto no n.º 4 do artigo 414º».
[14] - A referência aos artigos 73º e 74º, do Código Penal, atentas as alterações entretanto operadas, deve ser tida em relação aos artigos 72º e 73º.
[15] - Regime que, de acordo com o próprio preâmbulo do DL 401/82, não deverá ser aplicado quando, em concreto, se mostre necessário defender a comunidade e prevenir a criminalidade, sendo esse o caso de a pena aplicável ser de prisão superior a dois anos (no sentido de a lei aqui se referir a pena aplicável e não a pena aplicada, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 04.02.12, publicado na CJ (STJ), XII, I, 202). Assim, razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão precludir a aplicação daquele regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínima e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico.
[16] - Cf. o acórdão deste Supremo Tribunal de 01.03.01, publicado na CJ (STJ), IX, I, 235.
[17] - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111.
[18] - O mínimo da pena, como já ficou dito, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, ou seja, nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados.
[19] - Cf. Figueiredo Dias, Ibidem, 105/106.
[20] - Com efeito, parte significativa da população prisional cumpre pena, directa ou indirectamente, relacionada com o tráfico e o consumo de estupefacientes, realidade que tem levado este Supremo Tribunal a considerar que na concretização da pena nos crimes de tráfico, deve-se atender a fortes razões de prevenção geral, impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências na comunidade, e às exigências de prevenção especial.