Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
555/20.3GAVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: WILLIAM THEMUDO GILMAN
Descritores: PENA DE PRISÃO
MEDIDA DA PENA
CONFISSÃO
AUSÊNCIA
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
EXIGIBILIDADE
INCUMPRIMENTO
CONSEQUÊNCIAS
Nº do Documento: RP20240228555/20.3GAVFR.P1
Data do Acordão: 02/28/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O facto de o arguido não ter confessado os factos, negando a maioria ou apresentando versão diversa da que resultou provada ainda que mentindo segundo se convenceu o tribunal recorrido, constitui circunstância inócua para a medida da pena.
II - Na suspensão da execução da pena de prisão com a condição de desempenhar uma atividade letiva ou laboral não se trata de impor ao arguido um estilo de vida, trata-se tão-só de, por um meio valorizador da sua própria pessoa que não fere a sua dignidade, o ajudar a compreender como se vive com os outros pacificamente e a prosseguir a sua vida no futuro sem cometer crimes.
III - Assim, a suspensão da execução da pena de prisão com a condição de desempenhar uma atividade letiva ou laboral mostra-se adequada, proporcionada e conforme à Constituição da República, pois a integração na vida profissional ou em formação profissional são fatores relevantíssimos de ressocialização para quem como o arguido, desempregado de longa duração e autor nestes autos de crimes contra as pessoas, necessita de aprender a estar com os outros sem violar os direitos mais fundamentais destes.
IV - A fixação de uma condição de suspensão da pena que à partida não demonstra probabilidades sérias de vir a ser cumprida vai contra a finalidade preventiva da suspensão com sujeição a deveres ou condições, pressuposta pelos artigos 51.º e 52.º do Código Penal e contra o princípio geral de direito segundo o qual uma obrigação só tem fundamento para ser imposta ou subsistir se houver a concreta possibilidade de o condenado a cumprir - «ad impossibilita nemo tenetur».
V - Considerando que o arguido vive abaixo do mínimo existencial, afigura-se ser desadequada a sujeição da suspensão da pena ao pagamento de 1.500€ de indemnização, ainda que no prazo de dois anos, na ‘esperança’ de que o arguido venha a ter tal quantia disponível.

(Sumário da responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 555/20.3GAVFR.P1
Sumário (da responsabilidade do relator):
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Relator: William Themudo Gilman
1º Adjunto: Manuel Henrique Ramos Soares
2ª Adjunta: Cláudia Sofia Rodrigues
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 555/20.3GAVFR, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 2, após julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Nos termos expostos, decido:
1). Condenar o arguido AA:
i. pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 143.º, n.º 1, e 132.º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
ii. pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
iii. pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) mês de prisão;
2). Em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de um ano de prisão.
3). Suspender a pena de prisão aplicada, pelo período de dois anos, subordinada a regime de prova e ao cumprimento dos seguintes deveres e regras de conduta:
- desempenhar uma actividade lectiva ou laboral;
- pagar ao assistente a quantia de € 1.500 (mil e quinhentos euros), fixada a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, devendo comprovar documentalmente nos autos o cumprimento desta obrigação até ao final do período da suspensão.
4). Condenar o arguido e demandado civil AA no pagamento, ao demandante BB, da quantia de € 1.500 (mil e quinhentos euros), a título de compensação pelos não patrimoniais, absolvendo-o do demais peticionado.
5). Condenar o arguido e demandado civil AA no pagamento, à demandante CC, da quantia de € 700 (setecentos euros), a título de compensação pelos não patrimoniais, absolvendo-o do demais peticionado.
6). Condenar o arguido demandado AA a pagar ao demandante civil Centro Hospitalar ..., E.P.E. a quantia de € 1.409,17 (mil quatrocentos e nove euros e dezassete cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde o dia 17 de Janeiro de 2022, até efectivo e integral pagamento.
7). Condenar o arguido nas custas criminais do processo, fixando a taxa de justiça no mínimo – artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
8). Condenar demandante e demandado civis nas custas cíveis do processo na proporção do respectivo decaimento (artigos 523.º do Código de Processo Penal e 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo dos concedidos benefícios de apoio judiciário.
* »
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Não se conformando com esta decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte:
«1. O presente Recurso vem interposto da Sentença de 10 de Maio de 2023, que condenou o ora Recorrente (…)
 2. Salvo o devido respeito, não andou bem o Julgador a quo ao julgar da forma como decidiu.
3. Com efeito, o Recorrente não se conforma com a douta decisão, desde logo no que concerne à matéria dada como assente no respeitante à sua actuação, ao extravasamento do princípio da livre apreciação da prova, ao total desrespeito pelo princípio in dubio pro reo e, a final, unicamente à cautela, da determinação do quantum associado à condenação, uma vez que considera, salvo o devido respeito, que o Meritíssimo Tribunal a quo fez uma errada apreciação da matéria de facto e de direito juridicamente aplicável e resultante da prova produzida nos autos.
4. A Sentença recorrida deu como provado, nos pontos 4 a 7, que o Recorrente, no dia 2 de Outubro de 2020, pelas 17h30, se cruzou com o Assistente BB e fez um gesto obsceno, ou seja, esticou o dedo do meio e proferiu a expressão; seu filho da puta”.
5. O Julgador baseou a sua convicção, nas declarações do Assistente, que considerou credíveis e fiáveis.
6. Sucede que, nos termos do artigo 133º do CPP, as declarações do assistente dispõe de uma disciplina legal distinta dos demais meios de prova, e segundo a doutrina e a jurisprudência, exigem especiais cautelas.
7. Isto porque, o valor probatório das declarações do assistente é francamente inferior ao da prova testemunhal, uma vez que este é um sujeito interessado na causa, com factos concretos contra o Arguido.
8. Vigora o princípio da livre apreciação da prova, estatuído no artigo 127º do CPP, no entanto, este é regulado pelo princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32º n.º2 da CRP.
9. Destarte, as declarações do assistente – sem demais produção de prova no mesmo sentido – não são bastantes para fundamentar uma condenação.
10. Pelo que, o Julgador, ao condenar o Arguido pela prática de um crime de injúria com base nas declarações do Assistente, violou o princípio in dubio pro reu.
11. Pelo exposto, os Pontos 2, 4, 5, 6 e 7 da matéria de facto dada como provada, bem como todos aqueles que com estes possam estar conexos, deveriam ter sido dados por não provados e em consequência, ser o Recorrente absolvido da prática do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal pelo qual foi
condenado.
12. A Sentença recorrida deu como provado nos seus pontos 8 a 15 que o Arguido desferiu três pancadas no Assistente, com um guarda chuva e que o agarrou e empurrou contra um automóvel e, depois, contra um muro.
13. Mais, a Sentença deu por provado que depois, ambos caíram ao chão e nesse momento o Arguido pegou numa rolha que tinha um prego colocado na sua extremidade e desferiu, pelo menos, três golpes no corpo do Assistente e depois, pegou num garfo que trazia consigo e desferiu, pelo menos, cinco golpes no corpo deste, sendo que nessa altura, na sequência dos movimentos que fez, o Assistente ficou descalço e o Arguido mordeu-lhe o dedo do pé direito.
14. O Julgador baseou a sua convicção, nomeadamente nas declarações do Assistente, todavia, este, referiu expressamente que houve uma luta e que ambos se envolveram e trocaram agarrões.
15. O seu discurso fez denotar um envolvimento físico entre duas pessoas em situação de paridade e não uma agressão perpetuada de um contra outro.
16. O Assistente referiu expressamente que trocaram agressões e foi nessa sequência que ambos caíram ao chão e não descreveu os concretos actos que consubstanciaram as agressões de que diz ter sido vítima.
17. Mais a mais, a sua descrição das agressões não foi compatível com o resultado das perícias médico-legais efectuadas ao seu corpo.
18. O depoimento da testemunha DD serviu igualmente à convicção condenatória do Julgador, sucede porém que esta disse peremptoriamente que quando se apercebeu da existência de altercações não tinha visibilidade para o local e quando lá chegou, não assistiu a qualquer agressão do Arguido ao Assistente.
19. O depoimento de EE, agente da GNR que acudiu ao local foi igualmente relevante, porém, este limitou-se a referir que apreendeu os objectos utilizados na alegada agressão, um guarda-chuva, uma rolha com um prego e um garfo.
20. O guarda-chuva foi encontrado no meio da vegetação pelo que nada garante que aquele foi instrumento da eventual agressão.»
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O Ministério Público, concluiu as suas alegações de resposta nos seguintes termos:
«1. De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal, o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e o conhecimento dos homens.
2. Não ocorreu qualquer vício na apreciação da prova, porquanto o Tribunal a quo avaliou criteriosa e ponderadamente a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, cotejando-a com a prova pericial e documental.
3. Também não ocorreu qualquer violação do artigo 127º, do CPP, tendo o Tribunal analisado adequadamente a prova produzida, justificando as razões da sua motivação.
4. Ao terem sido dados como provados, de acordo com esse processo lógico, que o arguido, munido de um guarda chuva, desferiu, pelo menos, três pancadas, na zona da cabeça do assistente, e que o agarrou, levantou-o e empurrou-o contra um automóvel e, de seguida, contra um muro, onde o assistente embateu com a cabeça, não pode o mesmo ser absolvido da prática do crime de ofensa à integridade física.
5. A sentença recorrida não violou quaisquer disposições legais.
Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, ser integralmente confirmada a sentença recorrida, mantendo-se a condenação do arguido AA.»
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Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o Recurso interposto pelo Recorrente arguido deve ser julgado improcedente e, consequentemente, deve manter-se integralmente a sentença recorrida.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP.
Colhidos os vistos e indo os autos à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO
2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento-in dubio pro reo.
- Absolvição dos crimes de injúria e ofensa à integridade física.
- Determinação da medida da pena: redução da medida da pena principal; substituição da pena de prisão por multa; alteração das condições da suspensão da execução da pena.
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2.2- A DECISÃO RECORRIDA:
Tendo em conta as questões objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação de facto, que é a seguinte (transcrição):
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FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto provada
Da discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
Das acusações pública e particular:
1). No dia 2 de Outubro de 2020, por volta das 17:30 horas, o assistente BB encontrava-se no interior do seu veículo a aguardar a sua esposa que se encontrava no interior da clínica “A...”, sita na Avenida ..., ....
2). Nessa altura, o arguido passou no local e fez um gesto obsceno, ou seja, esticou o dedo do meio, dirigindo-se ao assistente, ao mesmo tempo que proferiu a seguinte expressão: “Seu filho da puta!”.
3). Perante tal comportamento do arguido, o assistente saiu do seu veículo e perguntou-lhe: “Para quê essa provocação?”.
4). De seguida, o arguido, e sem que nada o fizesse prever continua proferindo a seguinte expressão: “O que é que tu queres seu filho da puta?”.
5). Estas expressões foram proferidas de viva voz.
6). O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era idónea a colocar em causa a honra e consideração do assistente, resultado esse que representou como possível e que queria produzir e produziu.
7). Sabia o arguido que agia de forma proibida e punida por lei.
8). De imediato, o arguido AA, munido de um guarda chuva, dirigiu-se ao ofendido BB e desferiu-lhe, pelo menos, três pancadas, atingindo-o na zona da cabeça.
9). De seguida, o arguido agarrou BB, levantou-o e empurrou-o contra um automóvel e, depois, empurrou-o contra um muro, tendo o ofendido embatido com a sua cabeça no referido muro.
10). Após, o arguido e o ofendido caíram ao chão, ficando o arguido posicionado por cima de BB.
11). Nesse momento, o arguido pegou numa rolha que tinha um prego colocado na sua extremidade e desferiu, pelo menos, três golpes no corpo de BB, atingindo-o no tórax.
12). A certa altura, o BB conseguiu retirar aquele objecto das mãos do arguido.
13). Não obstante, o arguido pegou num garfo que trazia consigo e munido do mesmo desferiu, pelo menos, cinco golpes no corpo BB atingindo-o no tórax.
14). Nessa altura, o ofendido BB tentou libertar-se do arguido e, na sequência dos movimentos que fez para o efeito, acabou por ficar sem a sapatilha do pé direito que trazia calçada.
15). Nesse instante, quando estava debruçado sobre as pernas do ofendido, o arguido mordeu o dedo (hállux) do pé direito do BB.
16). Ao aperceber-se que o seu marido estava a ser agredido, a ofendida CC aproximou-se do arguido e retirou-lhe o garfo das mãos.
17). Nesse instante, o arguido agarrou a CC pelos cabelos e puxou-os.
18). De seguida, o arguido desferiu, pelo menos, um murro na ofendida CC, atingindo-a na zona da face.
19). Com a conduta supra descrita o arguido causou dores no corpo do ofendido BB, bem como as seguintes lesões:
- Crânio: crostas de escoriação irregular na região parietal superior mediana; sufusão hemorrágica do olho direito;
- Tórax: várias crostas de escoriação circular na região anterior do tórax, a maior delas, na região parietal direita com 5 mm e outra escoriação linear na região esternal com 4 cm; pneumotórax laminar à esquerda; enfisema subcutâneo e intermuscular na parede anterior do tórax, bilateralmente; líquido não organizado intermuscular na região peitoral direita, causado por perfuração; enfisema centroacinar difuso associado a algumas bolhas de enfisema parasseptal;
- Membro superior direito: várias crostas de escoriação irregular na face posterior do cotovelo;
- Membro inferior direito: fractura na falange proximal; escoriação na face lateral proximal do hállux, com dor ligeira à mobilização.
20). Lesões que determinaram 15 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional, ainda que o assistente tenha ficado internando nessa noite para vigilância do pneumotórax.
21). Com a conduta supra descrita o arguido causou dores no corpo da ofendida CC, bem como as seguintes lesões:
- Crânio: ferida suturada na região parietal superior mediana, com cerca de 2 cm;
- Face: equimose amarelo-esverdeada na região peri-orbitária direita, na metade externa, com edema associado que se estende para a região zigomática, que determinaram 10 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
22). O arguido agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde dos ofendidos BB e CC, bem sabendo que as suas condutas eram aptas a causarem àqueles as dores e lesões acima mencionadas.
23). O arguido sabia ainda que o garfo e a rolha com um prego colocado na extremidade eram objectos que pelas suas características metálicas, pontiagudas e perfurantes eram particularmente perigosos, por serem susceptíveis de provocar lesões graves quando utilizados para agredir uma pessoa, mas apesar desse conhecimento, quis atingir o corpo do ofendido com esses objectos do modo supra descrito.
24). O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
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Dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelo assistente BB:
25). O arguido proferiu as palavras e expressões indicadas na acusação, com a intenção de ofender, como efectivamente ofendeu, o bom nome, honra, consideração do assistente.
26). O assistente sentiu-se humilhado e magoado com a conduta do arguido.
27). Além das inúmeras dores físicas que sofreu em consequência das lesões contraídas, que demandaram 15 dias de doença, ficou envergonhado e psicologicamente afectado com as agressões de que foi vítima por parte do arguido.
28). O assistente sentiu-se atemorizado, pois as agressões perpetradas pelo arguido contribuíram para a criação e manutenção de um ambiente de medo e tensão, tendo então o assistente receio de sair à rua sozinho, pois temia encontrar o arguido e que mais uma vez ele o agredisse.
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Do pedido de indemnização civil deduzido CC:
29). Além das inúmeras dores físicas que sofreu em consequência das lesões contraídas, que demandaram 10 dias de doença, ficou envergonhada e psicologicamente afectada com as agressões de que foi vítima por parte do arguido.
30). As agressões ocorreram na via pública, mais concretamente junto à referida Clínica.
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Do pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar ..., E.P.E.:
31). A assistência hospitalar prestada ao ofendido BB, na data supra mencionada, no Centro Hospitalar ..., E.P.E., designadamente internamento por dois dias, por “traumatismo respiratório e/ou torácico major”, ascendeu ao valor global de € 1.188,66 (mil cento e oitenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos).
32). A assistência hospitalar prestada à ofendida CC, na data supra mencionada, no Centro Hospitalar ..., E.P.E., designadamente consulta de urgência e exames imagiológicos, ascendeu ao valor global de € 220,51 (duzentos e vinte euros e cinquenta e um cêntimos).
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Mais se provou e com relevância para a determinação da sanção aplicável:
33). À data dos factos o arguido já havia sido julgado e condenado no âmbito do processo comum singular n.º 163/17.6GAVFR, por sentença proferida no dia 14 de Janeiro de 2019, transitada em julgado no dia 21 de Junho de 2019, na pena de noventa dias de multa, à taxa diária de € 8, pela prática, no dia 21 de Junho de 2019, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º do Código Penal.
34). O arguido AA é casado com FF, com quem vive, juntamente com o filho de ambos, actualmente com 23 anos de idade.
35). O núcleo familiar reside no actual endereço há cerca de um ano e meio, após terem sido alvo de despejo do anterior apartamento, em ..., por falta de pagamento das prestações de aquisição do mesmo.
36). O apartamento onde vivem actualmente é arrendado, de tipologia 2 e de pequenas dimensões, mas reunindo condições necessárias, embora o arguido refira desconforto e insatisfação com as condições habitacionais, nomeadamente com a falta de espaço comparativamente com o anterior domicílio.
37). AA tem como habilitações escolares a frequência do 7.º ano de escolaridade e encontra-se desempregado, aproximadamente desde os quarenta e dois anos de idade, há cerca de doze anos.
38). A mulher, de 53 anos de idade, tem tido emprego estável como gaspeadeira numa fábrica de calçado e o filho trabalha na restauração.
39). O arguido refere não conseguir colocação devido à sua idade, não indicando nenhuma incapacidade ou problema de saúde física ou psicológica, atribuindo a factores externos o seu desemprego.
40). O mesmo refere ter tido, no passado, uma situação economicamente confortável, tendo depositado algum do seu rendimento – quantia pouco expressiva, segundo refere – no Banco 1.... No entanto com a dissolução da referida Entidade bancária, passou a fazer parte dos lesados do Banco 1... e, mais concretamente, do grupo de lesados que não aceitou a indemnização parcial proposta pelo Estado.
41). A sua experiência profissional passou, pelo que o próprio refere, por indústrias de cortiça, até conseguir colocação como empregado de escritório, numa indústria metalúrgica, actividade que manteve durante cerca de vinte anos, tendo-se dedicado posteriormente a actividade por conta própria, como comerciante de produtos discográficos e tendo ainda trabalhado curtos períodos em Espanha e França, em actividades de serralharia metalomecânica.
42). Nos últimos anos tem vindo a realizar pontualmente alguns biscates quando solicitado, no sector da cortiça ou outros.
43). Actualmente, o agregado familiar subsiste, fundamentalmente, com o salário da mulher do arguido, no valor de € 700.
44). Contam também com o contributo do filho, de montante não apurado, e com algum rendimento incerto e não especificado auferido pelo arguido nos biscates que efectua.
45). Pagam € 450 de renda de casa e cerca de € 150 mensais de gastos de energia e água.
46). O arguido refere que as dificuldades de subsistência que têm sido minoradas com o apoio dos seus pais, nomeadamente em géneros alimentares.
47). Quando abandonou o anterior domicílio, o arguido solicitou o apoio de entidades públicas, nomeadamente para habitação social e foi apoiado no pagamento da renda de casa, apenas nos primeiros meses, para além de lhe serem proporcionados géneros alimentares enquanto necessitou e solicitou.
48). No processo n.º 163/17.6GAVFR a pena multa em que foi condenado foi substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade.
49). No âmbito do processo n.º 476/14.9PAVFR, beneficiou da aplicação da suspensão provisória do processo por crime de detenção de arma proibida, tendo realizado injunção de prestação de serviços de interesse público.
50). O arguido conta com apoio e solidariedade da sua mulher, a qual refere um bom relacionamento no seio da família e um clima de entreajuda na realização das tarefas familiares.
51). Acerca da imagem negativa e conflituosa que é associada ao arguido no anterior meio de residência, onde alegadamente ocorreram os factos de que se encontra acusado bem como os factos que determinaram a sua anterior condenação, ambos (arguido e cônjuge) refutam essas acusações, considerando que o arguido é vítima de perseguições e de hostilidade por parte de anteriores vizinhos.
52). O arguido encontra-se, assim, em situação de desemprego de longa duração, apresentando escassez de recursos económicos, nomeadamente, ausência de recursos
 financeiros próprios, declarados, demonstrando mal-estar e insatisfação perante as suas actuais condições de vida, não vislumbrando perspectiva de melhoria.
53). Face aos anteriores processos criminais e à condenação sofrida por crime da mesma natureza, apresenta uma atitude de negação/desvalorização dos factos pelos quais foi condenado e, de um modo geral, uma tendência de autovitimização.
54). Como factores positivos, é de realçar o facto de beneficiar de suporte familiar e de apoio e solidariedade por parte do cônjuge, bem como o facto de, aparentemente, apresentar uma inserção pacífica no actual meio de vizinhança.
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Não se provou
Da acusação pública:
a). O arguido atingiu o ofendido em diversas zonas do seu corpo.
b). O arguido atingiu a ofendida com vários murros na zona da cabeça e da face.
c). O garfo e a rolha com um prego colocado eram susceptíveis de provocar lesões mortais.
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Dos pedidos de indemnização civil:
d). As expressões proferidas pelo arguido foram ouvidas por todas as pessoas que se encontravam nas imediações.
e). O assistente sentiu-se abalado emocionalmente.
f). O assistente é pessoa séria e honesta, sendo que, a sua consideração foi gravemente afectada pela atitude do arguido.
g). A Requerente é uma pessoa séria, sensível e goza de boa consideração e reputação no meio social em que vive e onde trabalha.
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Motivação da matéria de facto:
A decisão teve por base a prova produzida em audiência, nomeadamente:
As declarações do assistente BB, quanto a toda a dinâmica em que ocorreram o insulto e as agressões de que foi vítima, o qual, não obstante a sua qualidade de assistente e demandante civil e a notória comoção que os factos lhe causaram e ainda causam, de forma clara, convicta e coerente, descreveu de modo circunstanciado e plausível a totalidade da factualidade por si vivenciada e dada como provada, revelando congruência nos esclarecimentos prestados, demonstrando ter os factos vivos na memória e aparentando espontaneidade no relato (ainda que, naturalmente, não tenha conseguido concretizar alguns pormenores – como, por exemplo e por todos, o número de vezes que foi espetado, dando-se como demonstrado o mínimo de vezes que, com segurança, se podia afirmar –), o que conferiu verosimilhança e consistência à versão por si trazida, sem embargo perpassar ainda a consternação com o sucedido e algum exacerbamento das consequências causadas e do medo sentido em virtude da conduta do arguido (ainda que seja de salientar a gravidade já assinalável das lesões sofridas pelo assistente e, como tal a compreensível consternação sofrida, o que conduz a uma também justificada exacerbação). Descreveu ainda o assistente o modo como a sua mulher veio em seu auxílio e como logo foi também agredida pelo arguido (sendo, neste ponto e quanto a tal factualidade, também essencial o relato do assistente pelos motivos que infra se expenderão). Para além do mais, o assistente aludiu também à fonte do antagonismo do arguido, ou seja, o facto de o seu filho ter sido testemunha no âmbito do processo-crime em que o arguido foi anteriormente condenado (facto confirmado pelo arguido e, de resto, do meu conhecimento funcional por ter sido a subscritora de tal decisão condenatória – processo comum singular n.º 163/17.6GAVFR).
Ora, tais declarações, encontraram, para além do mais, inteiro sustento no teor dos registos clínicos emitidos pelo Centro Hospitalar ..., E.P.E., juntos de folhas 19 (quanto à ofendida CC) e de folhas 20 a 21 e 246 a 247 (quanto ao assistente), e dos relatórios das perícias médico-legais realizadas pelo Gabinete Médico-legal de Santa Maria da Feira do Instituto Nacional de Medicina Legal, juntos de folhas 31 a 33 (quanto ao assistente) e 35 a 36 (quanto à ofendida CC), em especial, quando vista a etiologia e morfologia das lesões então patenteadas, totalmente compatível com o relato do assistente, sendo de destacar que se complementou as lesões descritas na acusação pública com o que constava daqueles registos e relatório pericial, em especial quanto aos directos efeitos da utilização dos descritos objectos perfurantes, ou seja, o pneumotórax e consequente enfisema disseminado.
De igual modo, a conjugação da demais prova testemunhal produzida, sustentou a versão trazida pelo assistente.
Com efeito, a testemunha EE, à data dos factos em funções no Posto territorial de Santa Maria de Lamas da Guarda Nacional Republicana, relatou como foram chamados ao local por denúncia de agressões, tendo encontrado o assistente a ser assistido na ambulância, confirmando ter apreendido os objectos alegadamente utilizados na agressão (cfr. autos de apreensão de folhas 22 e 23 e fotografias juntas de folhas 14 a 15, afirmando que a rolha com o prego lhe foi entregue pela ofendida (já no dia seguinte) e o guarda-chuva tê-lo-iam encontrado num terreno, no meio da vegetação, por indicação de um popular que vira o arguido durante a sua fuga, sendo inquestionável para o depoente que se trataria do guarda-chuva utilizado na agressão (como lhe havia sido transmitido) por ter ainda vestígios de sangue e estar partido (de salientar que o próprio arguido confirmou que levava um guarda-chuva do qual se desfizera por estar partido) já não conseguindo, porém, o depoente confirmar como teriam detectado o garfo, tendo a imprecisa ideia que lhe teria sido igualmente entregue pela ofendida (note-se que o próprio arguido confirmava ter sido utilizado um guarda-chuva e um garfo na contenda, ainda que sustentasse que ambos teriam servido para o agredir e que o garfo teria sido trazido pela ofendida, o que ficou infirmado, se não por tudo que infra se dirá quanto à total inverosimilhança da versão do arguido, mas, desde logo, porque a testemunha DD, sem ligação a qualquer um dos sujeitos processuais, asseverou que a ofendida se encontrava no interior da mencionada clínica quando começou a altercação, pelo que o garfo, inequivocamente utilizado para perpetrar a agressão ao assistente – o único que quedou com lesões compatíveis com a utilização daquele objecto, ao contrário do arguido –, teve de ser trazido pelo arguido). O depoente confirmou também a autoria do auto de notícia de folhas 5 a 6 e dos factos que aí verteu, mormente quanto ao enquadramento espácio-temporal.
Já a testemunha DD, à data dos factos, enfermeira em funções na mencionada clínica onde se encontrava a ofendida a ser atendida quando se iniciou o incidente, de forma credível, porque claramente distanciada de qualquer um dos sujeitos processuais e tendo a notória preocupação de não referir factos que não tinha seguros na memória, relatou como se aperceberam (ela e a ofendida) de um barulho que vinha da rua e que parecia um gato a miar ou uma criança a chorar e que, não obstante, não as fez vir ver o que se passava, tendo acabado de marcar uma consulta para a ofendida que, pouco depois, saiu para o exterior, altura em que a depoente ouve ainda mais barulho do exterior, decidindo ir ver o que se passava, tendo, instantaneamente, visto um homem alto e careca a agarrar a ofendida, a qual se tentava soltar (esbracejava) e um senhor (que depois identificou como o assistente) no chão, encostado à parede, em “mau estado”, precipitando-se a testemunha para a clínica para procurar ajuda (matéria que descreveu com assinalável consistência e coerência, mesmo quanto aos pormenores dos quais não tinha percepção ou memória, explicitando e sustentando tudo o que narrou). Mais descreveu a depoente os sinais claros da agressão ao assistente nos moldes tidos por demonstrados, nomeadamente os furos por toda a sua camisola e as correspondentes lesões no peito.
A testemunha GG, também ele sem qualquer relação com os sujeitos processuais, relatou como, na data em questão, ia a sair de casa na sua viatura automóvel, quando foi abordado pelo arguido, o qual estava ensanguentado e tinha um guarda-chuva partido debaixo do braço, tendo-lhe pedido boleia para o Posto da Guarda Nacional Republicana, pedido a que o depoente não acedeu, mas efectuou a chamada telefónica para o efeito, afirmando não ter certeza se o sangue seria do arguido ou de outra pessoa, não tendo memória de ter percepcionado qualquer lesão no corpo do arguido, afirmando que o mesmo aparentava estar amedrontado e verbalizou que alguém viria atrás dele, tanto que, quando viu outro veículo a aproximar-se, atirou o guarda-chuva para o mato e seguiu. Mais narrou a testemunha que, logo a seguir, ao fundo da rua, encontrou a Guarda Nacional Republicana, transmitindo-lhe o que vira e o local para onde o arguido tinha atirado o guarda-chuva que, assim, foi localizado (o que foi ao encontro do depoimento do supra identificado Militar).
Por seu turno, a demandante civil, CC, apresentou um relato ao qual não foi possível reconhecer credibilidade ou verosimilhança, pontuando a descrição de pormenores e afirmações inusitadas e até estapafúrdias (a título de exemplo e por todos: quando a enfermeira comenta que ouviu algo vindo da rua que parecia um queixume, tendo olhado para o exterior e não tendo avistado o seu marido, nas suas palavras, logo teria pensado que o marido poderia ter ficado debaixo da carrinha onde ambos se tinham feito transportar, não explicando a razão para tal pensamento ter surgido e como cogitou em que dinâmica tal seria possível, ficando, para dizer o menos, a perplexidade perante uma afirmação totalmente descabida), incorrendo em sucessivas e crassas contradições, alterando sucessivamente a sua versão, sobretudo quando confrontada com a sua inverosimilhança intrínseca, não concretizando adequada ou coerentemente a dinâmica em que teriam ocorrido os factos (por exemplo: chegou a aduzir que viu o seu marido com a camisola a cobrir-lhe a cabeça e com a cabeça no colo do arguido!).
Ora, como supra se adiantou, o facto de não poder ser levado em consideração o contributo declarativo da ofendida em nada prejudicou a certeza que foi possível alcançar com base nos demais elementos probatórios já enunciados e que se acabam de analisar.
Na verdade, tendo em atenção a verosimilhança e congruência do relato do assistente, o qual encontrou inteiro sustento, sobretudo, nos registos e perícias clínicos, bem como os demais dados objectivos que foi possível alcançar pela conjugação dos demais depoimentos (nos moldes sobreditos), ficou igualmente afirmada a factualidade atinente à agressão da ofendida, até porque, também quanto a ela são inequívocos os registos clínicos juntos a folhas 19, de onde se extrai que a mesma foi assistida no hospital logo após os factos objectos dos presentes autos (sendo, por isso, manifestamente irrazoável a explicação que o arguido quis avançar que teria sido noutro enquadramento que a demandante civil teria sido agredida – até disse que o teria sido pelo marido, aqui assistente –, sendo de fazer notar que a testemunha DD não detectou qualquer lesão quando antes esteve a conversar com a ofendida), é claro que a morfologia das lesões documentadas no relatório pericial junto de folhas 35 a 36 é inteiramente compatível com a agressão descrita e comprovada (até autorizariam a demonstração de mais factos, sendo, porém, nesta parte, inviável aquela prova, por ser irrelevante o relato da própria, tendo, assim, o sustento do que o assistente pôde percepcionar com segurança – o agarrar nos cabelos e um murro, do qual há a evidente mazela – e o que, parcialmente, foi visto pela testemunha DD) e é inquestionável que foi o arguido o autor, já que não só o mesmo afirmou também ter-se envolvido num confronto com a demandante civil e o assistente – ainda que, naturalmente, numa versão antitética –, mas também pelo que já se disse quanto ao que resultou do depoimento das testemunhas DD e GG, os quais colocam o arguido no local e interveniente naqueles factos participados à Guarda Nacional Republicana no mesmo local.
No que concerne ao elemento subjectivo a convicção do tribunal alicerçou-se, assim, em juízos de experiência comum e do normal acontecer, em conjugação com a globalidade da prova produzida e acabada de analisar.
Foi ainda atendido o teor das facturas emitidas pelo Centro Hospitalar ..., E.P.E., juntas de folhas 244 a 245, em conjugação com os registos clínicos juntos de folhas 245 a 247.
Por seu turno, a versão trazida pelo arguido não se teve como minimamente plausível ou verosímil.
Com efeito, a narrativa trazida pelo arguido afigurou-se manifestamente apócrifa, em especial pela sua inverosimilhança intrínseca, sendo que, por todos e desde logo, o arguido referia que o assistente e a sua família o perseguiam, estando convicto que seria “ódio racial”, certo que, perante a estupefacção causada com tal afirmação, uma vez que arguido e ofendidos são da mesma raça (caucasianos), o arguido rematou que nasceu em Angola, explicação manifestamente caricata, quando sabido que, à data, o arguido nasceu em território português, sendo a sua nacionalidade, certo que, como supra já se consignou, a explicação plausível e fundada que existia como antecedente destes factos, fora o julgamento realizado no mencionado processo-crime, no qual o filho do assistente e demandante civil foi testemunha, circunstancialismo que, vista a personalidade quezilenta e tempestuosa do arguido (personalidade que ficou bem afirmada pela sua postura em julgamento), motivou que o mesmo actuasse como descrito.
Assim, o arguido relatou que, na data em causa, teria sido rasteirado pelo assistente, quando passava junto ao seu veículo automóvel, sem se aperceber da sua presença (certo que, visto o local onde estaria estacionada a viatura do assistente, a versão do arguido tornava-se impossível, pelas mais elementares regras da física e da óptica), tendo caído ao chão, onde foi, de imediato, agredido pelo assistente e pela demandante civil, os quais, em conjugação de esforços, lhe teriam desferido inúmeras (dezenas) pancadas com o seu próprio guarda-chuva na cabeça, incontáveis golpes com um garfo que a ofendida retirara da carteira (nas mãos, nos braços e na barriga), referindo que, tendo-se desviado de uma das investidas, a ofendida, inadvertidamente, teria atingido o seu marido no abdómem (querendo, assim, certamente, o arguido justificar as lesões que o assistente patenteara, olvidando que não foi um golpe, mas vários que ficaram documentados naquelas lesões), inacreditavelmente afirmando que a ofendida estava aparentemente movida por um “ódio patológico” (sic, sendo tais expressões que o arguido usava amiúde evidenciadoras dos traços de personalidade já mencionados), sendo certo que, para além de tudo o mais que já se foi afirmando e já se consignou (desde logo, o facto indubitável de a ofendida não estar com o assistente no momento inicial, já que estava no interior da mencionada clínica, juntamente com a testemunha DD), importa agora salientar que a selvática agressão descrita pelo arguido não tinha a menor correspondência nas lesões documentadas no relatório pericial junto de folhas 38 a 40, localizando-se no dorso das mãos, pelo que, nem sequer defensivas, nem tão pouco perfurações com o dito garfo (como o arguido quis indicar), mas compatíveis, por exemplo, com o atirar o assistente contra o muro, como relatado por aquele, assim como escoriação num joelho compatível com o estar de joelhos no chão, em cima do assistente, como também narrado por aquele, sem sombra ou sinal das pancadas (repita-se, dezenas) na cabeça com um guarda-chuva (apenas uma escoriação com cerca de um centímetro) ou dos inúmeros golpes perfurantes no abdómem, ficando, uma vez mais, inelutavelmente afirmada a inveracidade da versão trazida pelo arguido.
Mais afirmou o arguido que não foi ao hospital, mas sim directo ao Posto da Guarda Nacional Republicana, por ter receio de ser perseguido e agredido pelos queixosos (!), sendo certo que, perante a incredulidade que tal explicação suscitou, o arguido ainda tentou aventar que, afinal, se calhar, também teve receio do Covid e, por fim, tentou explicar que não estaria na posse das suas capacidades, por ter sido agredido na cabeça, oscilação de versões e justificações que, novamente, apontaram para a inverosimilhança das declarações do arguido, apenas se apontando, uma vez mais, que, das pretensas lesões no crânio que lhe toldariam o discernimento, não ficou rasto documentável no já mencionado relatório da perícia médico-legal.
Em suma, em toda a narrativa do arguido perpassaram inúmeras contradições e perplexidades, que inelutavelmente apontaram para a sua irrazoabilidade e inverosimilhança, pelo que, perante a sustentação já referida, ficou afirmada com segurança a factualidade tida por demonstrada.
Por seu turno, a testemunha FF, mulher do arguido, apenas narrou como recebeu um telefonema do marido para lhe pedir auxílio, tendo ido ter com ele, encontrando-o todo ensanguentado, seguindo ambos para o Posto da Guarda Nacional Republicana para apresentar queixa, sendo que, naquele local, compareceu uma ambulância, tendo, nessa decorrência, sido prestada assistência ao arguido, referindo a depoente que o seu marido não quis ir ao hospital por ter receio de ser agredido (certo que, directamente questionada e perante a perplexidade que tinha sido revelada nos esclarecimentos suscitados à testemunha quanto a tal explicação para não irem ao hospital, a testemunha aproveitou a directa indicação trazida na questão colocada para responder afirmativamente que, se calhar, afinal, teria sido o receio do Covid). No mais, a testemunha foi ouvida quanto às condições pessoais do arguido.
As testemunhas HH e II, querendo atestar o elevado perfil moral do arguido, revelaram que não têm qualquer relação de proximidade com o mesmo, não sendo sequer visitas da casa, tendo-se todos conhecido num protesto no Porto dos “lesados do Banco 1...”.
Por fim, não foi também considerado o depoimento da testemunha JJ, desde logo pela nítida parcialidade que perpassou em todo o depoimento, querendo, a custo, ocultar a relação próxima com os queixosos e o forte antagonismo que nutre pelo arguido, por outro lado, também por o testemunho se ter como algo insustentado, para além de decorrer, quase totalmente, daquilo que o assistente lhe teria confidenciado e das suas convicções pessoais.
O arguido foi ouvido relativamente às suas condições pessoais, sendo também considerado o teor do relatório social elaborado pela DGRSP, junto e folhas 282 a 284, e no que tange aos antecedentes criminais o teor do certificado do registo criminal junto de folhas 278 a 280.
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Relativamente aos factos não provados assim o resultaram pela circunstância de em sede de audiência de julgamento não ter sido produzida prova suficientemente consistente e susceptível de fundar a convicção do Tribunal quanto à sua veracidade ou de a ter mesmo infirmado.
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2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
2.3.1- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento-in dubio pro reo.
O recorrente impugna a matéria de facto, entendendo que foi incorretamente julgada, pois que no seu entender a prova carreada para a audiência de discussão e julgamento não foi suficiente para se considerar como provada a matéria constante dos pontos 2, 4, 5, 6 e 7; 8 a 15; 16, 17 e 18; os quais deveriam ser dados como não provados e, como consequência, deve ser absolvido dos crimes de injúria e ofensa à integridade física de que vem acusado.
Relativamente aos factos 2, 4, 5, 6 e 7 (injúrias ao assistente), entende o recorrente que a única prova produzida foram as declarações do assistente, sendo que o mesmo estava de más relações com o arguido pelo que os conflitos anteriores afetam irremediavelmente a sua imparcialidade e credibilidade. Nenhuma das outras testemunhas confirmou as expressões alegadamente proferidas pelo arguido. Transcreveu parte das declarações do assistente e indicou os minutos das mesmas.
Quanto aos factos 8 a 15 (agressão ao assistente), o recorrente transcreveu parte das declarações do assistente e indicou os minutos das mesmas. E conclui que o assistente apenas descreveu uma luta, e que a descrição do assistente não é compatível com os relatórios das perícias médico legais, o que descredibiliza o seu discurso. Referiu ainda o depoimento da testemunha DD, indicando os respetivos minutos, argumentando que sendo a única pessoa que estava no local dos factos, esta referiu que não assistiu a qualquer agressão. Referiu o depoimento da testemunha EE (GNR) que encontrou um guarda-chuva num terreno e que a ofendida lhe entregou a rolha com o prego e um garfo. Referiu ainda o depoimento de GG, sem transcrever ou indicar os minutos, mas remetendo o depoimento destas testemunhas para a motivação da sentença, que referiu que o arguido estava ensanguentado e que lhe pediu para o levar ao posto da GNR. Referiu ainda o depoimento da testemunha FF, sua mulher, mas sem indicar os minutos da gravação e remetendo para a motivação da sentença. Conclui que ambos os intervenientes apresentaram lesões, ninguém, isento, parcial e credível viu o Arguido agredir o Assistente, além de que os objetos alegadamente utilizados na agressão apenas foram confirmados na posse da ofendida, esposa do assistente e que se algo aconteceu, é certo, mas o quê, na verdade não se descortinou.
Finalmente quanto aos factos 16, 17 e 18 (agressão à ofendida), o recorrente refere outra vez que as declarações do assistente não podem ser consideradas prova suficiente para sustentar uma condenação e depois refere as declarações da testemunha DD, das quais transcreve parte e indica os minutos, sendo que esta testemunha não viu ferimentos na ofendida e que o arguido estava a agarrá-la como se de um abraço se tratasse.
Vejamos.
Nos termos do artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431.º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por outro lado, dispõe o artigo 412.º, n.º 3 que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.
E, no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
O recorrente cumpriu com estes ónus da impugnação da matéria de facto, indicando as passagens das gravações relativas às declarações do assistente BB e o depoimento da testemunha DD, tendo remetido as outras testemunhas que indicou para a motivação da matéria de facto.
Posto isto, cabe referir que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso.
Assim, deve concluir-se que o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente.
O nosso Código de Processo Penal consagra no artigo 127.º o princípio da livre apreciação da prova. De acordo com este princípio, o tribunal é livre na formação da sua convicção, mas encontra-se vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que estão subtraídas a essa livre convicção, sendo esta motivada, e estando ainda o tribunal sujeito aos princípios do processo penal, como o da legalidade das provas e in dubio pro reo.
O princípio in dubio pro reo, emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (artigo 32.º, n.º 2 Constituição), constitui um limite do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe nos casos de dúvida fundada sobre os factos que o Tribunal decida a favor do arguido.
Postas estas considerações, cabe concluir que assim e para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é suscetível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objetivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.     
O recorrente argumenta em suma que o Tribunal recorrido fez uma incorreta apreciação da prova e indicou a sua visão de como as provas acima referidas impõem decisão diversa da recorrida.
Apreciemos.
O facto de o recorrente ter opinião diversa da do Tribunal sobre a credibilidade das testemunhas/declarantes não é decisivo, pois é ao julgador que compete tal tarefa de avaliação, a não ser que haja elementos objetivos que imponham um juízo diferente sobre a credibilidade dos depoimentos, e o que verdadeiramente interessa é saber se dos segmentos apontados no recurso e da sua audição,  eventualmente completada pelas demais audições que se entenderam efetuar nesta sede, se impunha que o resultado probatório fosse outro.
Por outro lado, no nosso processo penal vigora o princípio da prova livre e não o antigo da prova tarifada. O princípio unus testis, nullus testis desapareceu há muito do processo penal das nações civilizadas. Nada impede que o tribunal forme a sua convicção no depoimento de uma única testemunha/declarante. Mas não foi bem isso que sucedeu no caso dos autos, contrariamente ao que pretende o recorrente.
Nesta sede, ouviram-se na íntegra os depoimentos/declarações indicados pelo recorrente – assistente e testemunha DD, bem com as declarações do arguido.
Posto isto, avancemos para os factos impugnados pelo recorrente, considerando as concretas provas que em relação aos mesmos foram indicadas pelo recorrente e em que foi cumprido o disposto no artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP, bem como considerando a motivação da matéria de facto da sentença.
O assistente relatou os factos, designadamente a injúria e as agressões de que forma alvo ele a ofendida. Da audição da gravação conseguimos perceber a minúcia e extensão com que foi feito o interrogatório do assistente pela Sra. Juiz, cobrindo os pontos essenciais e circunstanciais relativos aos factos bem como outros que também interessavam para a posterior aferição da credibilidade das declarações em conjunto com a demais prova produzida. Acresce, o que se aplaude, uma vez que isso nem sempre sucede na prática, que a Sra. Juíza cumpriu escrupulosamente com o disposto nos artigos 346º e 345º do CPP, fazendo o interrogatório do sujeito processual e sendo os esclarecimentos feitos por seu intermédio.
O arguido foi interrogado também foi interrogado extensamente, cobrindo-se toda a matéria relevante para a decisão sobre a matéria de facto. O arguido apresentou versão oposta à do assistente, referindo que foi ele o agredido pelo assistente e pela demandante civil. E o tribunal explicou detalhadamente as razões por que não lhe concedeu credibilidade.
A testemunha DD também foi interrogada e contrainterrogada extensamente sobre a matéria relevante para a causa.
O Tribunal recorrido explicou detalhadamente na motivação da decisão de facto as razões porque deu credibilidade às declarações/depoimento do assistente e em que medida o fez. E explicou a conjugação que fez da prova produzida, incluindo a documental e pericial, bem como porque retirou credibilidade ao arguido e explicou o modo como chegou aos factos provados.
Como é evidente, o tribunal analisou a prova toda em conjunto e daí retirou as suas conclusões quanto ao sucedido. Não tem razão o recorrente quando diz que o tribunal devia ter ficado na dúvida por se fiar unicamente nas declarações do assistente, sendo que o mesmo estava de más relações com o arguido pelo que os conflitos anteriores afetam irremediavelmente a sua imparcialidade e credibilidade.
Não é assim, o tribunal não ficou na dúvida e explicou por que deu e em que medida deu credibilidade à versão do assistente. Se o assistente, como resulta da motivação, assumiu um papel central para a prova dos factos, a verdade é que as suas declarações foram corroboradas por outros elementos de prova, como os relatórios periciais que demonstraram os ferimentos sofridos pelo assistente e pela demandante, bem como em parte pelo depoimento da testemunha DD que presenciou parte dos factos, designadamente viu a demandante a ser agarrada por uma pessoa que tinha um guarda-chuva consigo, tentando libertar-se do jugo  a que estava sujeita e pedindo por ajuda. Bem como depois assistiu o ofendido até chegar a ambulância, vendo os buracos na camisola e o estado em que este estava. E na decisão recorrida, com uma fundamentação cuidada tudo se explicou, incluindo o relevo dado a toda e cada uma das provas produzidas.
Por exemplo, relativamente às declarações do assistente explicou-se a razão pela qual tais declarações tiveram sustento no teor dos registos clínicos e dos relatórios das perícias médico-legais realizadas, em especial, quando vista a etiologia e morfologia das lesões então patenteadas, totalmente compatível com o relato do assistente, designadamente quanto aos diretos efeitos da utilização dos descritos objetos perfurantes, ou seja, o pneumotórax e consequente enfisema disseminado. E aqui até referiremos algo surpreendente, nunca nos tendo surgido este modo de agressão, como a mordida no dedo do pé relatada pelo assistente e absolutamente consonante com o relatório médico legal, onde consta uma escoriação na face lateral do hallux com dor ligeira à mobilização. Surpreendente pela novidade, mas completamente compatível e corroborador do ataque relatado pelo assistente, o qual referiu que a dada altura lhe caiu o sapato e que tendo caído o prego com a rolha (instrumento de agressão) ao arguido, este enquanto estava em cima do assistente e procurava o dito objeto viu o dedo do pé do assistente descalço e mordeu-o causando grande dor. Bem como as crostas de escoriação na região parietal, as várias crostas de escoriação circular no tórax e uma escoriação linear, bem como crostas de escoriação no membro superior direito, tudo conforme com a descrição feita pelo assistente quanto ao modo de agressão e aos instrumentos utilizados, a rolha com um prego e um garfo, objetos que foram apreendidos.
Na motivação explica-se também racionalmente a credibilidade e o valor que as testemunhas EE, DD e GG mereceram na corroboração da versão do assistente. Tudo racionalmente explicado e de acordo com as regras da experiência comum, do normal suceder das coisas da vida. Explicada também foi a razão pela qual o tribunal não deu credibilidade às testemunhas cujos depoimentos não foram tidos para a formação da convicção.
Tudo visto, não vemos que a prova produzida, designadamente a indicada pelo recorrente, imponha as alterações à matéria de facto por si propugnadas quanto aos factos que entende deverem ser dados como não provados.
Face à prova ouvida e analisada nesta instância e à motivação da primeira instância, não vemos razão ou regra da experiência que diga que não se deva concluir como concluiu o tribunal recorrido, no sentido de que o ofendido mereceu credibilidade quanto aos factos provados.  
Concluindo, percorrida a matéria de facto impugnada, o Tribunal, na fundamentação da matéria de facto explicou, de modo claro, o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria, a qual corresponde a uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, pelo que não se violou o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código Penal, sendo a decisão sobre a matéria de facto, por isso, inatacável.
Também em relação aos princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo cabe dizer que os mesmos foram respeitados, uma vez que o tribunal, tal como resulta da decisão recorrida, não ficou na dúvida, nem se vislumbra que devesse ter ficado quanto à ocorrência dos factos que resultaram provados.
Não havendo alteração a fazer à matéria de facto, mostra-se a mesma fixada tal como na primeira instância.
2.3.2-Absolvição dos crimes de injúria e ofensa à integridade física.
Mantendo-se inalterada a matéria de facto fixada pela primeira instância e sendo da sua alteração que dependia o sucesso da pretensão do recorrente de absolvição dos crimes de injúria e ofensa à integridade física, a conclusão a retirar é a de que falece esta pretensão.
Com efeito, dos factos provados constam não só os elementos objetivos dos ilícitos em causa (o arguido dirigiu-se ao assistente esticou-lhe o dedo do meio – gesto ofensivo e obsceno vulgarmente conhecido como pirete[1] - e apelidou-o de «filho da puta» e de seguida disse-lhe «O que é que tu queres seu filho da puta?» e, de imediato, agrediu-o com um guarda chuva na cabeça e depois empurrou-o contra um muro, tendo o ofendido batido com a cabeça no muro; após caíram no chão, ficando o arguido por cima e o arguido pegou numa rolha com um prego espetado e desferiu pelo menos três golpes no tórax do assistente; depois agrediu-o com um garfo desferindo pelo menos cinco golpes no tórax; de seguida mordeu-lhe o hallux do pé direito; finalmente, agrediu a ofendida agarrando-a pelos cabelos e desferindo-lhe um murro na zona da face), como também se encontram presentes os elementos subjetivos dos ilícitos em causa na matéria de facto provada, donde resulta o cometimento pelo arguido, tal como se considerou na decisão recorrida, em concurso efetivo de um crime de injúria previsto no artigo 181º, do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física simples previsto no artigo 143º, n.º 1, do Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 143.º, n.º 1, e 132.º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal.
Para que não restem dúvidas quanto à qualificação jurídica da agressão sobre o assistente, limitamo-nos a transcrever, porque com ela concordamos integralmente, a argumentação jurídica feita pela Sra. Juíza na motivação de direito da sentença:
«(…)Simplesmente, trata-se, no caso em presença, não de matar, mas de agredir.
E, assim sendo, dúvidas não teremos em reconhecer em objectos como são o garfo e aquele prego inserido numa rolha (esta, apenas para facilitar o seu manuseamento e utilização como arma) – por ambos terem capacidade perfurante (em especial quando utilizado na concreta zona do corpo atingida) – uma perigosidade que ostensivamente transcende aquela que conaturalmente corresponde aos meios habitualmente utilizados para produzir ofensas corporais, podendo, portanto, surpreender-se no processo executivo escolhido a manifestação do especial desvalor que, quando associado à forma de realização do facto – o arguido atingiu o ofendido no peito –, serve para caracterizar a atitude do agente como especialmente censurável, bastando, para tanto, atentar na já assinalável gravidade das lesões provocadas – pneumotórax laminar à esquerda; enfisema subcutâneo e intermuscular na parede anterior do tórax, bilateralmente; líquido não organizado intermuscular na região peitoral direita, causado por perfuração; enfisema centroacinar difuso associado a algumas bolhas de enfisema parasseptal – as quais podiam ter tido consequências devastadoras na saúde do assistente.
Desencadeado, portanto, o efeito padrão adveniente da especial perigosidade do meio de execução empregue, resta, por último, colocar em evidência a ausência de circunstâncias susceptíveis de atenuar substancialmente o conteúdo de ilicitude ou de culpa e, por aí, capazes de impor a revogação do efeito indício desencadeado pela presença do exemplo padrão.
Confirmado, portanto, o efeito indício, a responsabilidade criminal que se afirma será determinada dentro da moldura agravada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 145.º do Código Penal).»          
2.3.4- Determinação da medida da pena.
Passemos então para a fase de determinação da medida da pena, com a qual o recorrente não concorda em três pontos, pretendendo: a redução da medida da pena principal, a substituição da pena de prisão por multa e a alteração das condições da suspensão da execução da pena.
Relembremos, na decisão recorrida foram aplicadas as seguintes penas:
i. pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 143.º, n.º 1, e 132.º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
ii. pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
iii. pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) mês de prisão;
Em cúmulo jurídico, a pena única de um ano de prisão.
A determinação da pena (em sentido amplo) comporta três operações distintas: a determinação da moldura da pena (pena aplicável); a determinação concreta da pena (pena aplicada); e a escolha da pena, operação eventual que pode ocorrer logo na determinação da pena aplicável no caso de estar prevista no tipo legal de crime a pena de multa alternativa[2] ou posteriormente depois de fixada a pena principal, sendo que até pode ocorrer duas vezes, desde logo na escolha da pena principal (opção pela prisão) e depois na opção pela pena de substituição da principal (opção pela multa de substituição).
Aos crimes praticados pelo arguido correspondem, tal como se referiu na sentença recorrida, as seguintes molduras penais:
- crime de ofensa à integridade física qualificada a pena de 1 mês a 4 anos de prisão (artigos 145.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, do Código Penal)
- crime de ofensa à integridade física simples a pena de 1 mês a 3 anos de prisão ou a pena de 10 a 360 dias de multa (artigos 143.º, n.º 1, 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do Código Penal);
-  ao crime de injúria a moldura penal de 1 mês a 3 meses de prisão ou multa de 10 a 120 dias (artigos 181.º, n.º 1, 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, todos do Código Penal).
Tendo em conta as molduras penais para os crimes do artigo 143º e do artigo 181º, com previsão em alternativa de prisão ou multa, cabe assinalar que, de acordo com o disposto nos artigos 40º e 70º do Código Penal, a escolha da pena a aplicar é determinada pelas necessidades de prevenção – geral positiva e especial de socialização -, sendo que no presente recurso não é colocada em causa a opção tomada pela pena de prisão nos crimes que previam a multa alternativa estes crimes.
2.3.4.1- Redução da pena principal.
Nos termos do art.º 40º, nº 1, do Código Penal as finalidades das sanções penais são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo nunca a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º, nº 2).
Dito de outro modo, a pena visa finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, sendo que, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva (necessidade de manutenção da confiança da comunidade na validade da norma posta em crise pelo cometimento do crime) devem atuar as exigências de prevenção especial (necessidade de preparação do agente para, no futuro, não cometer crimes).
Escolhida a pena a aplicar é altura de fixar, dentro dos limites das molduras aplicáveis a medida concreta da pena de prisão que se apura de acordo com o preceituado no artigo 71º, ou seja:
“... em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”.
Resulta deste preceito que são as exigências de prevenção geral que hão de definir a chamada moldura da prevenção, em que o limite máximo da pena corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar, mas sem nunca ultrapassar a medida da culpa, e o limite inferior será aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar. Dentro dessa moldura da prevenção geral, cabe à prevenção especial determinar a medida concreta.
Essa determinação em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto, etc.) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Vejamos então, face aos factos que resultam da sentença recorrida, pois só estes, além dos factos do conhecimento geral, podem ser considerados.
Na decisão recorrida considerou-se o seguinte:
«Em favor do arguido depõem as seguintes circunstâncias:
- a sua aparente inserção social no meio residencial onde agora vive (ainda que não se olvide que mudou recentemente e que no meio de origem era pessoa reputada como conflituosa);
- a retaguarda familiar de que beneficia;
Em desfavor do arguido depõem as seguintes circunstâncias:
- agiu com dolo directo;
- as concretas agressões perpetradas;
- as consequências físicas para os ofendidos (lesões, dores, dias de doença e sequela);
- o concreto insulto propalado (“Seu filho da puta!”);
- a desinserção profissional, encontrando-se o arguido desempregado há vários anos, sem que revele um esforço sério para inverter tal situação, apresentado um discurso desculpabilizante (a sua idade não é razão bastante para estar há tantos anos sem qualquer actividade profissional);
- à data dos factos já havia sido julgado e condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física;
- a ausência de demonstração de qualquer arrependimento ou de capacidade de autocrítica;
- as elevadas exigências de prevenção geral, traduzidas pelo crescente alarme social que a frequência, gratuitidade e gravidade de agressões físicas perpetradas em contexto residencial, provocam, bem como o sentimento de insegurança que factos desta natureza causam.
Ponderadas tais as circunstâncias entendo por adequado aplicar ao arguido:
- a pena dez meses de prisão, pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada;
- a pena cinco meses de prisão, pela prática do crime de ofensa à integridade física simples;
-- a pena de um mês de prisão, pela prática do crime de injúria.
Do cúmulo jurídico
Resta por fim considerar as regras da punição do concurso plasmadas no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, de acordo com as quais, em primeiro lugar, construir-se-á a moldura do concurso, considerando globalmente o conjunto dos factos e a personalidade do arguido, seguidamente se determinará, dentro dela, a medida concreta da pena única a aplicar.
Posto que a pena aplicável tem como limite máximo o resultado da soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso e como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares aplicadas, a pena única a aplicar oscilará entre os 10 (dez) meses de prisão e 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.
Face, novamente, à ponderação já exposta e sopesando a globalidade dos factos e bem assim o curto hiato temporal durante o qual o arguido praticou os crimes em apreço, considera-se adequada a pena única de um (1) ano de prisão.»

Em primeiro lugar, haverá de se considerar que quanto à conduta posterior ao facto, teve a sentença recorrida em consideração «a ausência de demonstração de qualquer arrependimento ou de capacidade de autocrítica» a qual logicamente e lendo a motivação da sentença na sua totalidade foi retirada do facto de o arguido não ter confessado os factos, antes tendo apresentado uma versão diversa da que resultou provada e que o tribunal recorrido considerou na motivação de facto como «… manifestamente apócrifa, em especial pela sua inverosimilhança intrínseca …,»
Ora, a consideração desta circunstância, mais não é do que ter em conta em seu desfavor o comportamento processual do arguido ao apresentar uma versão que o tribunal teve por não verdadeira e mentirosa.
Se é certo que um dos fatores de medida de pena que podem depor contra o arguido é a sua conduta posterior ao facto criminoso (artigo 72º, n.º 1 e 2 al. e) do CP) e se também não se duvida que o comportamento processual do arguido é uma conduta posterior a tal facto, a verdade é que não se pode nunca esquecer que o processo criminal, nos termos do artigo 32º, n.º 1 da Constituição, assegura todas as garantias de defesa.
Entre as garantias de defesa encontra-se em posição de destaque a liberdade que o arguido tem de escolher o modo como pretende exercer a sua defesa, desde logo através opção de se remeter ao silêncio, sem que por isso possa ser desfavorecido, ou de prestar declarações, confessando ou negando os factos, ou de apresentar versão diversa dos factos imputados, sem que esse modo de defesa que livremente assumiu possa ser censurado.
Não é o modo de defesa escolhido pelo arguido que está a ser julgado, sob pena de se pôr em causa tal liberdade de escolha e ficarem minadas as garantias de defesa do processo penal.
A prestação de declarações, embora não deixe de constituir um meio de prova, constitui na essência um meio de defesa do arguido, pelo que deve ser garantida a liberdade do seu exercício.
Assim, seguindo na esteira do ensinamento de Eduardo Correia, Figueiredo Dias e Maria João Antunes[3], entendemos que o comportamento processual do arguido (o silêncio, a não confissão, a negação dos factos, a apresentação de versão diversa da que resultou provada, etc…) não deve, por princípio, ser valorado contra si, atenta a posição em que se encontra e a necessidade de acautelar o seu direito de defesa, a não ser que seja de imputar à intenção de prejudicar o decurso normal do processo [4] [5], a qual desde já adiantamos não se vislumbra no caso dos autos.
Nas palavras de Eduardo Correia[6]: “A negação do crime corresponde, por seu lado, a um direito do arguido e portanto não pode, necessariamente, considerar-se elemento da agravação da pena. Em processo penal não há, por parte do arguido, um «dever de colaboração com a justiça», nem tão-pouco se poderá falar aqui de dolo ou má fé processual.
E até há quem, como Hans-Heinrich Jescheck, vá mais longe e recuse qualquer tomada de consideração do comportamento processual na individualização da pena porque colide com a máxima processual de que o acusado possui liberdade para articular a sua defesa do modo que deseje[7].
Considerar-se como fator de medida de pena que depõe contra o arguido, nos termos do artigo 71º, n.º 1 e 2, e) do Código Penal, o facto de este se ter remetido ao silêncio, não ter confessado, ter negado os factos ou apresentado versão diversa da que veio a resultar provada, mesmo convencendo-se o tribunal de que mentiu, constitui uma compressão injustificada da liberdade de escolha do modo de defesa e, por aí, uma clara violação do direito de defesa do arguido e do processo justo e equitativo, consagrados nos artigos 61º do Código de Processo Penal e 32º, n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, se qualquer uma destas circunstâncias de facto fosse suscetível de como fator de medida de pena, enquanto conduta posterior ao facto, ser valorada contra o arguido, este poderia ficar não só compelido a falar, como a confessar os factos imputados ou, então, se apresentasse uma versão diferente dos factos imputados, a tentar acertar na versão dos factos que o Tribunal viesse a dar como provada, sempre sob pena de o seu constitucionalmente garantido comportamento processual poder vir a ser valorado contra si em sede de determinação da pena.
Ainda que se considerasse que recai sobre o arguido um dever de verdade, como mero dever moral ou até como verdadeiro dever jurídico, dele não resultariam quaisquer consequências práticas, pois que a lei entende ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade, razão por que renunciou a impô-lo e a mentira do arguido não pode ser valorada contra ele[8]. E a inexigibilidade é um princípio geral de direito[9].
Ora, como refere Germano Marques da Silva, a propósito do direito ao silêncio do arguido e à não punição da mentira, há que ter a humildade de reconhecer que a verdade judiciária não é necessariamente a verdade histórica[10].
Assim, o facto de o arguido não ter confessado os factos, negando a maioria ou apresentando versão diversa da que resultou provada ainda que mentindo segundo se convenceu o tribunal recorrido, constitui circunstância inócua para a medida da pena.
Desconsiderando então o comportamento processual do arguido negando os factos como fator de medida da pena, vejamos da fixação da medida concreta da pena.         
A ilicitude do facto, dentro dos tipos de ilícito cometidos afigura-se: relativamente à injúria mediana, atenta a qualidade e quantidade das expressões utilizadas; relativamente às ofensas sobre a ofendida  como mediana, atento o modo de atuação e as lesões causadas; e relativamente ao assistente afigura-se já algo elevada, atento o modo insistente de agressão, incluindo com o assistente em situação de desvantagem quando caiu ao chão, a variedade dos instrumentos utilizados a que também se acrescentou a não usual mordedura no dedão do pé direito do ofendido, o que tudo junto faz elevar as exigências de prevenção geral.
Acresce, também em termos de prevenção geral a frequência elevada deste tipo desentendimentos e agressões sendo imperiosa a necessidade de com clareza e incisivamente reforçar e assegurar a confiança da generalidade da população nas normas que protegem a integridade física dos cidadãos, especialmente nesses contextos em que são utilizados instrumentos que potenciam um maior perigo para a integridade física das vítimas.
Concluindo, são já elevadas as exigências de prevenção geral.
A culpa do arguido é também muito elevada, dada a agressão repetida, violenta e insistente. Demonstrou nos factos uma personalidade muito desconforme com a que era esperada pelo ordenamento jurídico-penal.
Quanto às exigências de prevenção especial, o arguido tem antecedentes criminais na mesma área e está profissionalmente inativo, embora tenha passado de trabalho e faça biscates. Mas é preciso não esquecer que tem uma personalidade violenta que demonstrou pelo modo de agressão levado a cabo e por circular com um instrumento – rolha com um prego atravessado - que não descortinamos cuja utilização poderá ter além de servir como instrumento de agressão, o que tudo junto faz crer que necessita de uma censura forte para que no futuro não volte a adotar comportamentos da natureza dos relatados nos autos.
Tudo visto não se afiguram excessivas, desproporcionadas por muito elevadas, ou que ultrapassem a medida da culpa, as penas fixadas na primeira instância, quer as parcelares quer a única, tenho esta sido corretamente fixada de acordo com os ditames do artigo 77º do Código Penal, e atendendo todas às exigências de prevenção geral e especial do caso dos autos.  
2.3.4.2- Substituição da pena de prisão por multa.
Face às exigências preventivas acima assinaladas, não se afigura que a substituição da pena de prisão pela pena de multa se afigure suficiente para assegurar as exigências de prevenção que o caso desperta. Com efeito, desde logo em termos de prevenção especial não se afigura que a pena de multa seja suficiente para assegurar que o arguido leve no futuro uma vida sem cometer crimes, bastando pensar logo na personalidade violenta que demonstrou nos factos cometidos e depois na falta de integração laboral, outro fator integrativo que lhe falta. Depois, em termos de reforço da confiança dos cidadãos na validade das normas que protegem a integridade física não se afigura que a pena de multa seja suficiente para atingir tal finalidade dirigida à comunidade em geral.
Por isso é de afastar, nos termos dos artigos 40º e 70º do Código Penal, a pena de multa de substituição, tal como na primeira instância se fez.
2.3.4.3- Alteração das condições da suspensão da execução da pena.
Na sentença a suspensão por dois anos da execução da pena de prisão aplicada ficou subordinada ao cumprimento dos seguintes deveres e regras de conduta:
- desempenhar uma atividade letiva ou laboral;
- pagar ao assistente a quantia de € 1.500 (mil e quinhentos euros), fixada a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, devendo comprovar documentalmente nos autos o cumprimento desta obrigação até ao final do período da suspensão.
Para fundamentar a suspensão e com tais condições considerou o tribunal recorrido o seguinte:
«Por conseguinte, no presente caso concreto, não obstante o que ficou dito, é de acreditar que a simples censura do facto e a ameaça de prisão bastarão para afastar o arguido da prática de novos delitos e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime.
Tal suspensão, numa perspectiva de ressocialização e de reintegração deverá, nos termos do preceituado pelos artigos 51.º e 52.º do Código Penal, ser subordinada e condicionada ao cumprimento dos seguintes deveres e regras de conduta:
- desempenhar uma actividade lectiva ou laboral;
- pagar ao assistente a indemnização que infra se fixará a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, devendo comprovar documentalmente nos autos o cumprimento desta obrigação até ao final do período da suspensão (quantia que, não obstante a deficitária situação económico-financeira do arguido, atenta a dilação temporal durante a qual perdurará a suspensão da execução da pena de prisão, se afigura que o mesmo terá capacidade para liquidar).
Em face do exposto, e de acordo com a previsão do artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal, na sua actual redacção, fixa-se em dois anos o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada.»

Insurge-se o recorrente contra as condições de suspensão da execução da pena fixadas, entendendo que os deveres e regras de conduta impostos ao arguido são injustos, desadequados e desproporcionais.
Relativamente à condição de desempenhar uma atividade letiva ou laboral, argumenta o recorrente em suma que não se vê a correlação entre a manutenção de uma atividade letiva ou laboral e a abstenção da prática dos crimes de ofensa à integridade física ou injúria; acresce que tem quase 55 anos e encontra-se desempregado há vários anos, o que torna difícil senão praticamente impossível a sua ingressão no mercado de trabalho neste momento, que se caracteriza por uma grave crise económica. Por outro lado, a frequência de uma atividade letiva implica custos financeiros e uma disponibilidade mental que não se pode exigir a um cidadão com a idade e o percurso de vida do arguido.
Afigura-se não ter razão o arguido quanto a esta condição, pois como se sabe a integração na vida profissional ou em formação profissional são dois relevantíssimos fatores de ressocialização, de aprender a estar com os outros sem violar os direitos mais fundamentais destes. A criação ou recriação de hábitos de trabalho para quem é desempregado de longa duração, como o arguido, constitui uma possibilidade de ajudar o arguido a entender como é viver com os outros, manter relações interpessoais minimamente, equilibradas o que demonstrou não saber fazer com a prática dos factos dos autos. É claro que todos têm direito à liberdade (artigo 27º da CRP) e o arguido tem a liberdade de cumprir ou não as condições impostas. Não se trata de impor ao arguido um estilo de vida, trata-se tão-só de, por um meio valorizador da sua própria pessoa que não fere a sua dignidade, o ajudar a compreender como se vive com os outros pacificamente e a prosseguir a sua vida no futuro sem cometer crimes. Claro que o arguido só cumprirá a condição imposta se conseguir ou se quiser. Se não quiser, a solução é simples, pois cumprirá a pena de prisão a que foi condenado. Se quiser e não conseguir, posteriormente se verá se envidou o esforço necessário para tal, ou seja, se quis mesmo, p. ex: se recorreu ao IEFP e não conseguiu arranjar nem emprego nem curso de formação profissional ou se, pelo contrário, ficou imobilizado à espera que o tempo da suspensão passasse. Para terminar esta questão é preciso não esquecer que, como é evidente, só o incumprimento culposo das condições pode determinar consequências negativas para o condenado. Assim, a sujeição da suspensão da execução da pena de prisão com a condição de desempenhar uma atividade letiva ou laboral mostra-se adequada, proporcionada e conforme à Constituição da República, pois a integração na vida profissional ou em formação profissional são fatores relevantíssimos de ressocialização para quem como o arguido, desempregado de longa duração e autor nestes autos de crimes contra as pessoas, necessita de aprender a estar com os outros sem violar os direitos mais fundamentais destes.
Quanto ao condicionamento da suspensão ao pagamento da indemnização civil ao lesado, teremos de ter em primeiro lugar as condições económicas e financeiras do arguido e do seu agregado familiar. O arguido é um desempregado de longa duração, sendo que o agregado familiar subsiste, fundamentalmente, com o salário da mulher do arguido, no valor de € 700, com o contributo do filho, de montante não apurado, e com algum rendimento incerto e não especificado auferido pelo arguido nos biscates que efetua, pagando de renda € 450 e cerca de € 150 mensais de gastos de energia e água. Concluindo, do apurado, o arguido e o seu agregado familiar são pobres, vivendo abaixo do mínimo existencial, considerando este como constituído por um mínimo vital (alimentação, vestuário, abrigo, saúde) e por um mínimo de sobrevivência condigna (educação, trabalho, habitação, transporte, lazer, segurança, segurança social, cultura, proteção à maternidade e à infância), que o Estado não pode subtrair aos cidadãos.
Ora, considerando que o arguido vive abaixo do mínimo existencial, afigura-se ser desadequada a sujeição da suspensão da pena ao pagamento de 1.500€ de indemnização, ainda que no prazo de dois anos, na ‘esperança’ de que o arguido venha a ter tal quantia disponível. Essa ‘esperança’ afigura-se infundada, pois que considerando os rendimentos e as despesas fixas do agregado familiar que ficaram provados, a que se devem acrescentar por estimativa os gastos normais do existir na nossa sociedade com um mínimo de dignidade, não se afigura razoável esperar que um desempregado de longa duração e com a idade do arguido consiga obter um emprego que lhe pague muito mais do que o salário mínimo nacional.
Ora, a fixação de uma condição de suspensão da pena que à partida não demonstra probabilidades sérias de vir a ser cumprida vai contra a finalidade preventiva da suspensão com sujeição a deveres ou condições, pressuposta pelos artigos 51.º e 52.º do Código Penal e contra o princípio geral de direito segundo o qual uma obrigação só tem fundamento para ser imposta ou subsistir se houver a concreta possibilidade de o condenado a cumprir - «ad impossibilita nemo tenetur»[11].   Aliás, nos termos do artigo 51º, nº. 2 do Código Penal «Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir
A ameaça da execução da pena não é nem pode ser vista como uma garantia penal do pagamento da indemnização civil, do cumprimento de uma obrigação civil, e, por isso, a fixação como condição de suspensão da pena do pagamento de uma indemnização que à partida não demonstra probabilidades sérias de vir a ser cumprida por incapacidade financeira do condenado não é admissível por violação do princípio geral de direito da inexigibilidade - «ad impossibilita nemo tenetur» - que teve também expressão no disposto no artigo 51º, nº. 2 do Código Penal.
Assim, nesta parte a sentença deverá ser revogada retirando-se a condição imposta de pagar ao assistente a quantia de € 1.500 (mil e quinhentos euros), fixada a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, devendo comprovar documentalmente nos autos o cumprimento desta obrigação até ao final do período da suspensão.
*
3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso, e em consequência, alteram parcialmente a sentença recorrida, revogando-se a condição de suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento ao assistente a quantia de € 1.500 fixada a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, mantendo-se no mais a sentença recorrida.
Sem custas.
Notifique.

Porto, 28 de fevereiro de 2024
William Themudo Gilman
Manuel Soares [«Votei vencido por duas razões:
Em primeiro lugar, no que respeita ao segmento da fundamentação que aponta à sentença recorrida a violação dos direitos de defesa do arguido, ao ter considerado, para a determinação da pena, que houve “ausência de demonstração de qualquer arrependimento ou de capacidade de autocrítica”. Parece-me “forçado” concluir que o tribunal deu esse factor como assente por o arguido não ter confessado os factos ou ter dado deles uma versão diferente daquela que se provou. Lê-se na sentença que o comportamento do arguido em audiência mostrou que ele tem uma personalidade quezilenta e tempestuosa. Por outro lado, não há nota de o arguido ter indemnizado espontaneamente as vítimas, de lhes ter pedido desculpa ou sequer de ter reconhecido que errou quando lhes fez o que ficou provado. Diante disso, é razoável aceitar a conclusão do tribunal de que não houve arrependimento e considerar que o tribunal teve em conta não apenas o que o arguido declarou, que considerou não credível pelas razões que explicou, mas também o comportamento que teve. Ora, a meu ver, decidindo-se o arguido a prestar declarações e podendo fazê-lo como entender, o que disser pode ser valorado como índice de arrependimento ou do seu contrário, sem que haja violação de direitos de defesa. O que a lei proíbe é a valoração contra o arguido do seu silêncio, mas não do que declarar em audiência, seja por palavras, gestos ou atitudes.
Em segundo lugar, quanto à confirmação da validade do condicionamento da suspensão da pena ao arguido trabalhar ou estudar, que considero uma intromissão na liberdade individual, desadequada e excessiva para os fins da pena. Nesta parte, parece-me que seria também de revogar esta condição imposta na sentença recorrida.»]
Cláudia Rodrigues
_________________
[1] Pirete: Gesto ofensivo e obsceno que consiste em esticar o dedo médio da mão, encolhendo os outros, e que pretende simbolizar o órgão sexual masculino, https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/pirete .
[2] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2022, 2ª edição, p.49.
[3] Cfr. sobre esta matéria: Eduardo Correia, Direito Criminal II, 1968, pág. 330; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 255; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Primeiro Volume I, 1981, págs. 448-449; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed. 2022, p. 57; Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 5ª ed.,2023, p. 156; e, ainda, Claus Roxin e Bernd Schunemann, Derecho Procesal Penal, Buenos Aires, 2019, pág. 312.
[4] Cfr., de novo Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 255; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed. 2022, p. 57.
[5] Cfr. neste sentido, na jurisprudência: o Ac. do STJ de 03-11-2022, proc. 19/20.5JBLSB.L1.S1 (António Gama), https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e47f4c807213cd16802588ef003d009d?OpenDocument ;
e os Ac. TRP de 17-06-2020, proc. 203/18.1GBOBR.P1 (William Themudo Gilman),
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ac9d871c7a4cc8f0802585c2004a39dc?OpenDocument
TRP de 13-07-2022, proc. 354/20.2PBVLG.P1 (William Themudo Gilman),
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/12643214afbe251680258886005f0417?OpenDocument ,
TRP de 27-09-2023, proc. 688/21.9GBVFR.P1 (William Themudo Gilman),
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/4d743280a46c7f0880258a59003f8a95?OpenDocument ; e ainda os Ac TRP de 08-06-2022 (Processo n.º 307/21.3PAVNG.P1), TRP de 27-04-2022 (Proc. n.º 1176/20.6T9PNF.P1), TRP de 14-04-2021 (Proc. n.º 301/20.1GBAGD.P1), TRP de 06-05-2020 (Proc. n.º 20/19.1PASJM.P1), TRP de 06-11-2019 (Proc. 842/17.8T9AGD.P1), não publicados em dgsi.pt, mas consultáveis no registo de decisões da plataforma Citius.
[6] Cfr.: Eduardo Correia, Direito Criminal II, 1968, pág. 330.
[7] Cfr. Hans-Heinrich Jeschek e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, Parte General, 5ª ed., Granada, 2002, pág. 964.
[8] Cfr. sobre o direito ao silêncio e à não punição da mentira, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, 1981, págs. 449-452.
[9] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal, 3ª edição, 1987, p. 59 e nota 19.
[10] Cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, 2ª ed. 2017, vol. I pág.317.
[11] Cfr. sobre este princípio, Jorge de Figueiredo Dias, O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal, 3ª edição, 1987, p. 58 , 59 e nota 19.