Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ILÍDIO SACARRÃO MARTINS | ||
Descritores: | CONDUÇÃO SOB A INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL DIREITO DE REGRESSO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/04/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | - Com o artigo 27º nº 1 alínea c) do DL 291/2007, de 21 de Agosto, o direito de regresso basta-se - para além da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil subjectiva e do cumprimento da respectiva obrigação de indemnizar - com uma TAS superior à legalmente permitida, deixando de ser relevante a questão de saber se, no caso concreto, influenciou ou não a condução em termos de constituir a causa remota da actuação culposa do condutor que fez eclodir o acidente. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa. I - RELATÓRIO: A ... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., intentou acção de processo comum contra L ..., pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 40.498,12. Em síntese, alegou que celebrou com o réu um contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo automóvel, titulado pela Apólice nº 7-31-208946, referente ao veículo ligeiro de passageiros de matrícula JS-15-61. No dia 19.05.1996 ocorreu um embate entre aquele veículo, conduzido pelo réu, e o veículo de matrícula RI-81-96. Na descrita ocasião, o réu conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,42g/l e que o acidente se deu por culpa exclusiva do réu, tendo a autora direito de regresso contra este, para reembolso do montante pago a título de indemnização. O réu contestou, invocando, em primeiro lugar, a excepção de prescrição, prevista no artigo 498º nº 2 do Código Civil, por entender que decorreram mais de três anos desde os pagamentos efectuados pela autora. Por outro lado, alega que a TAS apurada não teve em conta o erro máximo admitido para os alcoolímetros e que não só o embate não ocorreu por culpa do réu, mas sim devido à travagem repentina do veículo que seguia imediatamente à sua frente, como essa taxa de álcool não teve qualquer influência na actuação do réu. Impugna os montantes indemnizatórios alegadamente pagos pela autora. Foi proferida SENTENÇA, que julgou parcialmente procedente a acção e condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 20.112,54, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados desde a citação até integral pagamento, tendo absolvido o réu do remanescente do pedido. Não se conformando com a sentença, dela recorreu o réu, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª– O tribunal a quo não poderia ter dado como provado o nexo causal entre a condução sob o efeito de álcool e o acidente por verificação das condições objectivas previstas na alª c) do artigo 19° do Decreto-Lei n° 291/2007, defendendo a desnecessidade da prova de tal nexo por parte da autora, por não se aplicar, à data do acidente, o referido diploma. 2ª– Tendo o acidente ocorrido a 19-05-1996, a verificação do nexo causal exigia a prova, por parte da seguradora, de que a condução sob o efeito de álcool foi causa adequada do acidente, de acordo com o previsto na alª c) do artigo 19° do DL n° 522/85 e Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n° 6/2002 publicado no DR Série I-A, n° 164. 3ª– O tribunal a quo não podia ter concluído pela procedência do direito de regresso por não ter ficado provado que a condução sob o efeito de álcool foi causa adequada do acidente. 4ª– Ao decidir pela verificação do nexo causal, a sentença recorrida viola o disposto na alínea c) do artigo 19° do DL n° 522/85, de 31 de Dezembro. 5ª– Os factos provados não permitem concluir pela culpa do réu na produção do acidente, nem na concorrência de culpas de 2/3 para o réu e de 1/3 para o condutor do RI. 6ª– A culpa na produção do acidente é do condutor do RI, tendo o embate do JS na traseira do RI tido sido causada pela paragem brusca e inusitada do primeiro. 7ª– A não considerar-se o RI único culpado, deveria ter-se fixado a culpa na proporção de 1/2 para cada um dos condutores. 8ª– Ao considerar o réu culpado na proporção de 2/3, a sentença recorrida viola ainda o disposto no artigo 570° do Código Civil. Termina pedindo que seja revogada a sentença. Não houve contra-alegações. Colhidos os vistos, cumpre decidir II - FUNDAMENTAÇÃO. A) Fundamentação de facto. Mostra-se assente a seguinte matéria de facto: 1º-No exercício da sua actividade, a autora celebrou com o réu um contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo automóvel, titulado pela Apólice n.º 7-31-208946, por força do qual assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo JS-15-61. 2º-No dia 19.05.1996, pelas 00h00, ocorreu um embate entre o veículo de matrícula RI-81-96 e o veículo de matrícula JS-15-61, na estrada entre o Montijo e o Pinhal Novo, ao Km 1,150. 3º-O veículo JS era conduzido pelo réu e o veículo RI por M... 4º-O veículo RI, que seguia imediatamente à frente do veículo JS, travou repentinamente, sem qualquer sinalização prévia, atrás de outro veículo. 5º-O veículo RI foi embatido na retaguarda pelo veículo JS. 6º-O réu não logrou imobilizar o seu veículo nem desviá-lo de forma a evitar o embate na traseira do veículo RI-81-96. 7º-Nessa ocasião, submetido ao teste de alcoolemia, o réu acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,42g/l. 8º-O álcool com que o réu circulava influenciava a sua capacidade de atenção, reacção e visão. 9º-Em 26.09.2011, a autora solicitou ao réu, por escrito, o pagamento da quantia despendida por força do acidente ocorrido, no montante de € 40.498,12. 10º-Por força do decidido no Acórdão do T.R.L. transitado em julgado em 06.06.2011, a autora pagou à lesada, a quantia de € 31.057,57, correspondendo € 17.539,05 ao montante de capital e o remanescente aos juros de mora vencidos. 11º-A autora pagou ainda, em 07.04.1998, por força do descrito acidente, ao Hospital do Montijo, a quantia de € 56,26. 12º-A presente acção deu entrada em juízo em 12.09.2013, tendo o réu sido citado em 10.02.2015. B) Fundamentação de direito. A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, consiste em saber se se mostram verificados os pressupostos do direito de regresso invocado pela autora contra o réu, ora apelante. Alega o apelante que a seguradora não provou que a condução sob o efeito do álcool foi causa adequada do acidente. Além disso, a culpa do acidente foi do condutor do veículo RI, tendo o embate do JS na traseira do RI sido causado pela paragem brusca e inusitada do primeiro. A não considerar-se o RI único culpado, deveria ter-se fixado a culpa na proporção de 1/2 para cada um dos condutores. Cumpre decidir. A autora vem exercer o direito de regresso quando intentou a respectiva acção contra o réu em 12-09-2013, estando já em vigor o DL nº 291/2007, de 21-8, cujo artigo 27º nº 1-c) dispõe que, satisfeita a indemnização a empresa de seguros tem direito de regresso contra o condutor, “quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”. No caso dos autos, provou-se que, por força do decidido no Acórdão do T.R.L. transitado em julgado em 06.06.2011, a autora pagou à lesada, a quantia de € 31.057,57, correspondendo € 17.539,05 ao montante de capital e o remanescente aos juros de mora vencidos – (10). A autora pagou ainda, em 07.04.1998, por força do descrito acidente, ao Hospital do Montijo, a quantia de € 56,26- (11º). Sobre o modo como ocorreu o acidente, o mesmo vem descrito nos nºs 2º a 6º da Fundamentação de facto e o réu acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,43 g/l que influenciava a sua capacidade de atenção, reacção e visão. Nos termos da lei anteriormente vigente - artigo 19º-c), do DL 522/85, de 31-12 - satisfeita a indemnização, a seguradora teria direito de regresso contra o condutor, “se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool”. O STJ, no seu acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2002, de 28-05-2002[1] decidiu que “ a alínea c) do artigo 19º do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”. Face à nova lei entendeu o STJ no seu acórdão de 9-10-2014 [2]: “ o requisito da alcoolemia foi com esta última alteração legislativa, enunciado em termos diversos, desconsiderando-se agora a influência (isto é, a relação de causa e efeito) do álcool na condução. Independentemente dessa influência – que o artº 81º nº 2 do Código Estrada presume absolutamente quando igual ou superior a 0,5g/l – o direito de regresso basta-se agora – para além da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil subjectiva e do cumprimento da respectiva obrigação de indemnizar - com uma TAS superior à legalmente permitida. Deixou de relevar para o direito de regresso a questão de saber se in concreto a impregnação de álcool no sangue do condutor medida pela TAS influenciou ou não a condução em termos de constituir a causa remota da actuação culposa do condutor que fez eclodir o acidente: basta que o condutor acuse, no momento do acidente, uma TAS superior à legalmente admitida, para que, se tiver actuado com culpa – e obviamente se se verificarem os demais requisitos da responsabilidade civil subjectiva – possa ser demandado em acção de regresso pela seguradora que satisfez a indemnização ao lesado». Já anteriormente, no seu acórdão de 28-11-2013[3] o STJ concluíra que o “artigo 27º nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, atribui à entidade seguradora o direito de regresso contra o condutor do veículo culpado pela eclosão do sinistro, sempre que a condução se tenha operado com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e sem necessidade de comprovar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”. Ali se especificou que “o direito de regresso da seguradora está dependente, destes dois pormenorizados pressupostos, cumulativamente enunciados: 1.Ser o condutor o culpado pela eclosão do acidente (tenha dado causa ao acidente); e 2.Estar o condutor do veículo etilizado em medida superior ao legalmente permitido (conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida)”. A sentença recorrida entendeu que o réu deu causa ao acidente por infracção das normas previstas nos artigos 18º e 24º do Código da Estrada, seja porque não manteve entre o seu veículo (JS) e o que o precedia (RI) a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, seja porque não regulou a sua velocidade de modo a fazer parar o veículo JS no espaço livre e visível à sua frente. Todavia, ficou provado que o veículo RI, que seguia imediatamente à frente do veículo JS, travou repentinamente, sem qualquer sinalização prévia, atrás de outro veículo, tendo sido embatido na retaguarda pelo veículo JS – nºs 4º e 5º da Fundamentação de facto. Deste modo, entendeu a sentença, que o veículo RI incumpriu o disposto no artigo 24º nº 2 do Código da Estrada, tendo contribuído para a produção dos danos, pois “salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam”. Esta paragem só seria legítima em caso de perigo iminente que exigisse tal paragem ou abrandamento súbito. No entanto, não foi alegado, nem provada qualquer manobra concreta que visasse explicar e justificar as razões de perigo iminente pelas quais o veículo RI ter-se-á visto obrigado a travar de modo repentino e súbito. Assim, concluiu a sentença que não se encontra excluída a culpa do condutor do veículo RI, fixando a culpa na proporção de 1/3 para o condutor do veículo RI e na proporção de 2/3 para o veículo do réu. Pretende agora o apelante que a culpa seja da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo RI ou, quando muito na proporção de metade para cada um. Mas sem razão. Efectivamente, a pretensão do apelante seria demasiado ousada, sobretudo se tivermos em atenção os factos provados e mesmo o benefício que colheu da interpretação benevolente com que lhe foi atribuída a culpa em 2/3. Pelo que a autora tem direito de regresso sobre o réu na forma como consta da sentença, ou seja, deve pagar à autora o montante em que foi condenado na primeira instância. Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações do apelante. SÍNTESE CONCLUSIVA. Com o artigo 27º nº 1 alínea c) do DL 291/2007, de 21 de Agosto, o direito de regresso basta-se – para além da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil subjectiva e do cumprimento da respectiva obrigação de indemnizar - com uma TAS superior à legalmente permitida, deixando de ser relevante a questão de saber se, no caso concreto, influenciou ou não a condução em termos de constituir a causa remota da actuação culposa do condutor que fez eclodir o acidente. III - DECISÃO. Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo apelante. Lisboa, 4/2/2016 Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais Octávia Viegas [1]DR de 18-07-2002 [2]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 582/11.1TBSTB.E1.S1. [3]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 995/10.6TVPRT.P1.S1. Cfr Ac. RL de 22.10.2015, processo 6364-12.6TCLRS.L1–2, in www.dgsi.pt/jtrl. | ||
Decisão Texto Integral: |