Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2559/13.3TBMTJ.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: CONDUÇÃO SOB A INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL
DIREITO DE REGRESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Com o artigo 27º nº 1 alínea c) do DL 291/2007, de 21 de Agosto, o direito de regresso basta-se - para além da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil subjectiva e do cumprimento da respectiva obrigação de indemnizar - com uma TAS superior à legalmente permitida, deixando de ser relevante a questão de saber se, no caso concreto, influenciou ou não a condução em termos de constituir a causa remota da actuação culposa do condutor que fez eclodir o acidente.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.



I - RELATÓRIO:



A ... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., intentou acção de processo comum contra L ..., pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 40.498,12.

Em síntese, alegou que celebrou com o réu um contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo automóvel, titulado pela Apólice nº 7-31-208946, referente ao veículo ligeiro de passageiros de matrícula JS-15-61.

No dia 19.05.1996 ocorreu um embate entre aquele veículo, conduzido pelo réu, e o veículo de matrícula RI-81-96. Na descrita ocasião, o réu conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,42g/l e que o acidente se deu por culpa exclusiva do réu, tendo a autora direito de regresso contra este, para reembolso do montante pago a título de indemnização.

O réu contestou, invocando, em primeiro lugar, a excepção de prescrição, prevista no artigo 498º nº 2 do Código Civil, por entender que decorreram mais de três anos desde os pagamentos efectuados pela autora. Por outro lado, alega que a TAS apurada não teve em conta o erro máximo admitido para os alcoolímetros e que não só o embate não ocorreu por culpa do réu, mas sim devido à travagem repentina do veículo que seguia imediatamente à sua frente, como essa taxa de álcool não teve qualquer influência na actuação do réu.

Impugna os montantes indemnizatórios alegadamente pagos pela autora.

Foi proferida SENTENÇA, que julgou parcialmente procedente a acção e condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 20.112,54, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados desde a citação até integral pagamento, tendo absolvido o réu do remanescente do pedido.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu o réu, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª– O tribunal a quo não poderia ter dado como provado o nexo causal entre a condução sob o efeito de álcool e o acidente por verificação das condições objectivas previstas na alª c) do artigo 19° do Decreto-Lei n° 291/2007, defendendo a desnecessidade da prova de tal nexo por parte da autora, por não se aplicar, à data do acidente, o referido diploma.
2ª– Tendo o acidente ocorrido a 19-05-1996, a verificação do nexo causal exigia a prova, por parte da seguradora, de que a condução sob o efeito de álcool foi causa adequada do acidente, de acordo com o previsto na alª c) do artigo 19° do DL n° 522/85 e Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n° 6/2002 publicado no DR Série I-A, n° 164.
3ª– O tribunal a quo não podia ter concluído pela procedência do direito de regresso por não ter ficado provado que a condução sob o efeito de álcool foi causa adequada do acidente.
4ª– Ao decidir pela verificação do nexo causal, a sentença recorrida viola o disposto na alínea c) do artigo 19° do DL n° 522/85, de 31 de Dezembro.
5ª– Os factos provados não permitem concluir pela culpa do réu na produção do acidente, nem na concorrência de culpas de 2/3 para o réu e de 1/3 para o condutor do RI.
6ª– A culpa na produção do acidente é do condutor do RI, tendo o embate do JS na traseira do RI tido sido causada pela paragem brusca e inusitada do primeiro.
7ª– A não considerar-se o RI único culpado, deveria ter-se fixado a culpa na proporção de 1/2 para cada um dos condutores.
8ª– Ao considerar o réu culpado na proporção de 2/3, a sentença recorrida viola ainda o disposto no artigo 570° do Código Civil.
Termina pedindo que seja revogada a sentença.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir

II - FUNDAMENTAÇÃO.

A) Fundamentação de facto.

Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

1º-No exercício da sua actividade, a autora celebrou com o réu um contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo automóvel, titulado pela Apólice n.º 7-31-208946, por força do qual assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo JS-15-61.
2º-No dia 19.05.1996, pelas 00h00, ocorreu um embate entre o veículo de matrícula RI-81-96 e o veículo de matrícula JS-15-61, na estrada entre o Montijo e o Pinhal Novo, ao Km 1,150.
3º-O veículo JS era conduzido pelo réu e o veículo RI por M...
4º-O veículo RI, que seguia imediatamente à frente do veículo JS, travou repentinamente, sem qualquer sinalização prévia, atrás de outro veículo.
5º-O veículo RI foi embatido na retaguarda pelo veículo JS.
6º-O réu não logrou imobilizar o seu veículo nem desviá-lo de forma a evitar o embate na traseira do veículo RI-81-96.
7º-Nessa ocasião, submetido ao teste de alcoolemia, o réu acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,42g/l.
8º-O álcool com que o réu circulava influenciava a sua capacidade de atenção, reacção e visão.
9º-Em 26.09.2011, a autora solicitou ao réu, por escrito, o pagamento da quantia despendida por força do acidente ocorrido, no montante de € 40.498,12.
10º-Por força do decidido no Acórdão do T.R.L. transitado em julgado em 06.06.2011, a autora pagou à lesada, a quantia de € 31.057,57, correspondendo € 17.539,05 ao montante de capital e o remanescente aos juros de mora vencidos.
11º-A autora pagou ainda, em 07.04.1998, por força do descrito acidente, ao Hospital do Montijo, a quantia de € 56,26.
12º-A presente acção deu entrada em juízo em 12.09.2013, tendo o réu sido citado em 10.02.2015.

B) Fundamentação de direito.

A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, consiste em saber se se mostram verificados os pressupostos do direito de regresso invocado pela autora contra o réu, ora apelante.

Alega o apelante que a seguradora não provou que a condução sob o efeito do álcool foi causa adequada do acidente. Além disso, a culpa do acidente foi do condutor do veículo RI, tendo o embate do JS na traseira do RI sido causado pela paragem brusca e inusitada do primeiro. A não considerar-se o RI único culpado, deveria ter-se fixado a culpa na proporção de 1/2 para cada um dos condutores.
 
Cumpre decidir.

A autora vem exercer o direito de regresso quando intentou a respectiva acção contra o réu em 12-09-2013, estando já em vigor o DL nº 291/2007, de 21-8, cujo artigo 27º nº 1-c) dispõe que, satisfeita a indemnização a empresa de seguros tem direito de regresso contra o condutor, “quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”.

No caso dos autos, provou-se que, por força do decidido no Acórdão do T.R.L. transitado em julgado em 06.06.2011, a autora pagou à lesada, a quantia de € 31.057,57, correspondendo € 17.539,05 ao montante de capital e o remanescente aos juros de mora vencidos – (10).

A autora pagou ainda, em 07.04.1998, por força do descrito acidente, ao Hospital do Montijo, a quantia de € 56,26- (11º).

Sobre o modo como ocorreu o acidente, o mesmo vem descrito nos nºs 2º a 6º da Fundamentação de facto e o réu acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,43 g/l que influenciava a sua capacidade de atenção, reacção e visão.

Nos termos da lei anteriormente vigente - artigo 19º-c), do DL 522/85, de 31-12 - satisfeita a indemnização, a seguradora teria direito de regresso contra o condutor, “se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool”.

O STJ, no seu acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2002, de 28-05-2002[1] decidiu que “ a alínea c) do artigo 19º do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.

Face à nova lei entendeu o STJ no seu acórdão de 9-10-2014 [2]: “ o requisito da alcoolemia foi com esta última alteração legislativa, enunciado em termos diversos, desconsiderando-se agora a influência (isto é, a relação de causa e efeito) do álcool na condução.

Independentemente dessa influência – que o artº 81º nº 2 do Código Estrada presume absolutamente quando igual ou superior a 0,5g/l – o direito de regresso basta-se agora – para além da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil subjectiva e do cumprimento da respectiva obrigação de indemnizar - com uma TAS superior à legalmente permitida.

Deixou de relevar para o direito de regresso a questão de saber se in concreto a impregnação de álcool no sangue do condutor medida pela TAS influenciou ou não a condução em termos de constituir a causa remota da actuação culposa do condutor que fez eclodir o acidente: basta que o condutor acuse, no momento do acidente, uma TAS superior à legalmente admitida, para que, se tiver actuado com culpa – e obviamente se se verificarem os demais requisitos da responsabilidade civil subjectiva – possa ser demandado em acção de regresso pela seguradora que satisfez a indemnização ao lesado».

Já anteriormente, no seu acórdão de 28-11-2013[3] o STJ concluíra que o “artigo 27º nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, atribui à entidade seguradora o direito de regresso contra o condutor do veículo culpado pela eclosão do sinistro, sempre que a condução se tenha operado com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e sem necessidade de comprovar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.

Ali se especificou que “o direito de regresso da seguradora está dependente, destes dois pormenorizados pressupostos, cumulativamente enunciados:
1.Ser o condutor o culpado pela eclosão do acidente (tenha dado causa ao acidente); e
2.Estar o condutor do veículo etilizado em medida superior ao legalmente permitido (conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida)”.

A sentença recorrida entendeu que o réu deu causa ao acidente por infracção das normas previstas nos artigos 18º e 24º do Código da Estrada, seja porque não manteve entre o seu veículo (JS) e o que o precedia (RI) a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, seja porque não regulou a sua velocidade de modo a fazer parar o veículo JS no espaço livre e visível à sua frente.

Todavia, ficou provado que o veículo RI, que seguia imediatamente à frente do veículo JS, travou repentinamente, sem qualquer sinalização prévia, atrás de outro veículo, tendo sido embatido na retaguarda pelo veículo JS – nºs 4º e 5º da Fundamentação de facto.

Deste modo, entendeu a sentença, que o veículo RI incumpriu o disposto no artigo 24º nº 2 do Código da Estrada, tendo contribuído para a produção dos danos, pois “salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam”. Esta paragem só seria legítima em caso de perigo iminente que exigisse tal paragem ou abrandamento súbito.

No entanto, não foi alegado, nem provada qualquer manobra concreta que visasse explicar e justificar as razões de perigo iminente pelas quais o veículo RI ter-se-á visto obrigado a travar de modo repentino e súbito.

Assim, concluiu a sentença que não se encontra excluída a culpa do condutor do veículo RI, fixando a culpa na proporção de 1/3 para o condutor do veículo RI e na proporção de 2/3 para o veículo do réu.

Pretende agora o apelante que a culpa seja da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo RI ou, quando muito na proporção de metade para cada um.

Mas sem razão. Efectivamente, a pretensão do apelante seria demasiado ousada, sobretudo se tivermos em atenção os factos provados e mesmo o benefício que colheu da interpretação benevolente com que lhe foi atribuída a culpa em 2/3.

Pelo que a autora tem direito de regresso sobre o réu na forma como consta da sentença, ou seja, deve pagar à autora o montante em que foi condenado na primeira instância.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações do apelante.

SÍNTESE CONCLUSIVA.

Com o artigo 27º nº 1 alínea c) do DL 291/2007, de 21 de Agosto, o direito de regresso basta-se – para além da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil subjectiva e do cumprimento da respectiva obrigação de indemnizar - com uma TAS superior à legalmente permitida, deixando de ser relevante a questão de saber se, no caso concreto, influenciou ou não a condução em termos de constituir a causa remota da actuação culposa do condutor que fez eclodir o acidente.

III - DECISÃO.

Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.


Lisboa, 4/2/2016



Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Octávia Viegas



[1]DR de 18-07-2002
[2]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 582/11.1TBSTB.E1.S1.
[3]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 995/10.6TVPRT.P1.S1. Cfr Ac. RL de 22.10.2015, processo 6364-12.6TCLRS.L1–2, in www.dgsi.pt/jtrl.
Decisão Texto Integral: