Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7757/18.0T8LSB.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
TRANSPORTE DE PASSAGEIROS
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - No direito processual os factos abrangem as ocorrências concretas da vida real, os eventos materiais e concretos, mas, também, podem ser abrangidos os juízos de valor sobre a matéria de facto cuja emissão de apoia em simples critérios do homem comum, ou mesmo do técnico especializado não ligado ao mundo do direito.
II – O Juiz, no que à matéria de facto concerne, poderá considerar os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da discussão da causa, nos termos previstos no art. 5 do CPC.
III – Não cumpre as exigências do art. 640 do CPC o recorrente que se limita a apresentar uma súmula daquilo que na sua perspectiva a testemunha teria dito.
IV - A causa de pedir numa acção de indemnização corresponde ao facto concreto invocado para obter o efeito pretendido, ou seja, ao facto lesivo, embora desse facto derive um dever de indemnização por várias causas jurídicas; encontram-se equiparados os pressupostos da responsabilidade civil obrigacional e delitual, residindo a diferença essencial no diferente regime do ónus da prova (embora também na responsabilidade extracontratual a lei preveja hipóteses de presunção de culpa).
V – No caso dos autos estão reunidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, incluindo o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
VI - Nas hipótese de responsabilidade civil por facto ilícito (contratual ou extracontratual) o facto não constituirá uma causa do dano se for de todo em todo indiferente à produção daquele, verificando-se o resultado pela intervenção de circunstâncias anómalas ou excepcionais.
VII – Os danos em causa nos autos correspondem à doença sofrida pelo A. (enfarte do miocárdio) na sequência imediata do acidente, com as respectivas consequências; sendo que o “stress agudo” sofrido naquela circunstância desencadeou o enfarte.
VIII – Na compensação por danos não patrimoniais, faz-se apelo a critérios de equidade, tendo em conta a proporção, a adequação às circunstâncias, o equilíbrio; a indemnização deverá ter um alcance significativo e não meramente simbólico.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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IA ..... intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra «Seguradoras Unidas, S.A» e «Companhia de Carris de Ferro de Lisboa, E.M., S.A.».
Alegou o A., em resumo, que quando viajava como passageiro num autocarro da 2ª R. foi vítima de um acidente de viação, uma vez que o condutor daquele veículo parou brusca e inesperadamente e sem motivo justificado, sendo os passageiros, entre os quais o A. projectados, conseguindo este agarrar-se a um varão, mas sendo embatido por diversos outros passageiros que seguiam em pé; que em consequência daquele acidente o A. sofreu um enfarte do miocárdio, suportando danos patrimoniais e não patrimoniais; que o veículo se encontrava seguro na 1ª R..
Invocando o disposto nos arts. 483º, 499º, 503º, 504º e 505º do CC pediu o A. que as RR. sejam «condenadas solidariamente a pagar ao Autor uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do aludido acidente, respetivamente de, pelo menos, 45.000,00 Euros e 15.000,00 Euros, num total de, pelo menos, 60.000,00 Euros (sessenta mil Euros), acrescidos dos respetivos juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento».
As RR. contestaram.
A R. «Carris» invocou a sua ilegitimidade, uma vez que tinha na data do acidente a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, referente àquele autocarro, transferida para a «Companhia de Seguros Açoreana, S.A.», actualmente denominada «Seguradoras Unidas S.A.», mediante contrato de seguro titulado pela apólice 90.03066225 e o pedido efectuado pelo A. se encontra dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório; impugnou, ainda, matéria de facto alegada pelo A..
A R. «Seguradoras Unidas, S.A» arguiu a incompetência absoluta em razão da matéria, impugnando igualmente matéria de facto alegada, defendendo não resultarem «preenchidos os pressupostos essenciais e cumulativos da responsabilidade civil, designadamente: a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade quanto aos danos invocados (v. arts. 483º e segs.; cfr. arts. 798º e segs. do C. Civil)».
O A. respondeu às excepções e veio a desistir da instância quanto à R. «Companhia de Carris de Ferro de Lisboa, E.M., S.A.», desistência que foi julgada válida.
No saneador foi julgada improcedente a excepção da incompetência do Tribunal.
O processo prosseguiu e, a final foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «… julgo a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, decido condenar a Ré Seguras Unidas, S.A. a pagar ao Autor a quantia de € 12.000,00, a título de indemnização, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a presente data até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado».
Apelou a R. concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1.ª Face aos documentos juntos aos autos – documentos de fls. 20 a 34 e 39 dos autos e que foram impugnados pela Recorrente sem qualquer contraprova em contrário –, bem como à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, devem ser dados como não provados os pontos 5 e 6 dos Factos Provados e como provados os factos constantes do ponto 2 dos Factos Não Provados (v. art. 662º do CPC e arts. 444º a 446º do CPC e arts. 368º e 374º do C. Civil), maxime face ao depoimento da seguinte testemunha:
- R ....., Motorista do Autocarro, com depoimento totalmente imparcial, registado no sistema Habilus de registo com 16:12 minutos, em 2018.11.15 (cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento de 2018.11.25).
2.ª O ponto 4 dos factos considerados provados na sentença recorrida, enferma de erro de julgamento, deverá ser eliminado pois, para além de integrar matéria não alegada nos autos pelas partes, integra conceitos conclusivos ou valorativos, conceitos jurídicos ou juízos que constituem matéria de direito e não quaisquer factos materiais simples, insuscetíveis como tal de serem provados (v. art. 662º e 596º do CPC e 342º do C. Civil; cfr. Ac. STJ de 2005.02.03, Proc. 04B4773, www.dgsi.pt; Ac. STJ de 2009.05.28, Proc. 32/06.5TBMTS.S1, in www.dgsi.pt; cfr. Ac. STJ de 1986.12.04, BMJ 362/526 e Ac. STJ de 2006.11.02, Proc. 06B3267, www.dgsi.pt);
3.ª O douto Tribunal “a quo” não pode substituir-se às partes “no cumprimento dos ónus de afirmações da matéria de facto” (v. Ac. STJ de 2005.06.22, Proc. 05B1993, www.dgsi.pt; cfr. art. 264º do CPC), pelo que a referida matéria não alegada e dada como provada e que constituem ainda conceitos conclusivos, valorativos ou jurídicos, nunca poderia ser integrada na matéria de facto considerada provada (v. art. 662º do CPC; cfr. art. 596º do CPC).
4.ª O A. Recorrido não alegou, demonstrou ou provou a existência de qualquer Dano, consistente na “supressão ou diminuição duma situação jurídica favorável que estava protegida pelo Direito” (v. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, Vol. II, AAFDL, p.p. 283; cfr. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, 1944, 80) cobertos pela apólice, sendo que os danos em causa não resultam de condutas e omissões exclusivamente imputáveis ao condutor do veículo seguro na ora Recorrente (v. arts. 483º e segs., 570ª e 798º e segs. do C. Civil; cfr. art. 342º do C. Civil).
5.ª O A. Recorrido não invocou ou demonstrou – como lhe competia (v. art. 342º do C. Civil) –, nem se verificam in casu os pressupostos de que dependeria a responsabilidade da Recorrente pelos pretensos danos e prejuízos invocados (arts. 9º, 342º, 496º, 483º e segs., 562º a 566º, 798º e segs., do C. Civil).
6.ª A douta Sentença recorrida de 2018.12.13 enferma de manifestos erros de julgamento face à matéria de facto dada que deve ser dada como provada, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 9º, 342º, 496º, 483º e segs., 512º e segs., 566º, 570º, 577º, 579º e 798º e segs. do C. Civil).
7.ª Os montantes indemnizatório arbitrados por danos não patrimoniais não foram fixados equitativamente pelo julgador, tendo em atenção, o grau de culpabilidade do lesante, circunstâncias do caso, sãos juízos de equidade e jurisprudência orientadora que devem presidir à sua determinação, sem esquecer a dupla vertente compensatória e indemnizatória, pelo que se afiguram manifestamente ilegais, injustos e excessivos (v. arts. 496º/1 do C. Civil; cfr. art. 494º do C. Civil).
Contra alegou o A. nos termos de fls. 255 e seguintes.
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II – 1 - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. No dia 10 de dezembro de 2015, cerca das 15.30 horas, na Estrada de Benfica, perto da curva do Jardim Zoológico, em Lisboa, circulava o veículo de marca Volvo, de matrícula 19-71-II, autocarro da Carris, nº 746, propriedade da Companhia da Carris de Ferro de Lisboa, E.M., S.A.
2. O referido autocarro, na referida data, encontrava-se seguro, através da Apólice 90.306.6225, na Açoreana Seguros, S.A., objeto de fusão com a Companhia de Seguros Tranquilidade, no início de 2017, passando então a designar-se por Seguradoras Unidas, S.A..
3. O Autor viajava no autocarro acima mencionado, como passageiro, acompanhado por uma amiga, R………, quando o mesmo, que circulava na mencionada Estrada de Benfica, sentido Damaia - Marquês de Pombal, transportando cerca de 85 a 100 passageiros, perto da curva do Jardim Zoológico efetuou uma travagem brusca.
4. O condutor do autocarro, havendo obras de requalificação no local e apresentando-se um veículo à sua direita, confiando que o mesmo ia parar, continuou a marcha. Como o veículo de passageiros não parou, teve necessidade de efetuar a travagem para evitar o embate.
5. Muitos dos passageiros foram projetados no interior do autocarro e caíram, aquando da travagem brusca.
6. O Autor, que se encontrava de pé, foi também projetado mas conseguiu agarrar-se a um varão/poste para não cair, tendo sido embatido por outros passageiros do autocarro que também seguiam em pé e que foram projetados contra si.
7. A sua amiga, que sofre de ataxia, tendo dificuldades de locomoção, sofreu uma fratura tibiotársica, tendo, por isso, sido levada de ambulância para o Hospital de Santa Maria, onde foi operada.
8. O Autor acompanhou a sua amiga na ida para o Hospital e, desde que aí chegou, sentiu uma má disposição, grande mal-estar, muita ansiedade e nervosismo.
9. Ligou à sua filha e foi levado para casa desta, onde começou a sentir também dores fortes no peito, nas costas e no braço.
10. Foi chamado o INEM e o Autor foi transportado em ambulância para o Hospital de Santa Cruz, onde deu entrada no dia 11/12/2015 (às 00h43 m) e onde foi sujeito a uma “angioplastia da oclusão da artéria descendente anterior com implantação de prótese intracoronária (“stent”), tendo ficado internado até ao dia 14 de dezembro de 2015.
11. O Autor sofreu um enfarte do miocárdio, na sequência imediata do acidente, o qual terá sido desencadeado por “stress agudo”.
12. O enfarte do miocárdio que o Autor sofreu foi reconhecido pelos serviços médicos da Companhia Ré como resultante do acidente, tendo-lhe atribuído, a 04/02/2016, uma IPP de 5%.
13. O Autor teve alta hospitalar a 14/12/2015, ficando referenciado a consulta de cardiologia no Hospital de Santa Cruz e medicado, “ad vitem”, com “Carvedilol”, “Ramipril”, “Atorvastatina” e “Esomeprazol”.
14. O Autor foi levado a consultas de psiquiatria por “síndrome depressivo”, “perturbação de ansiedade generalizada com episódios de pânico”.
15. Antes do enfarte, o Autor era uma pessoa ativa, praticando desporto com frequência.
16. Em virtude do enfarte do miocárdio que sofreu, ao Autor foi recomendado fazer “atividade física aeróbica, adaptada às capacidades, pelo menos 3 x por semana, 30 m por dia” e uma “dieta saudável”.
17. O Autor nasceu em 05/03/1959.
18. Trabalhou como impressor gráfico durante cerca de 20 anos, estando desempregado, pelo menos, desde 2012.
19. Recebeu subsídio de desemprego.
20. Fez cursos de formação do Centro de Emprego e efetuava trabalhos “ocasionais”.
21. Desde que sofreu o enfarte deixou de efetuar trabalhos “ocasionais”, vivendo da ajuda de familiares e amigos, designadamente da sua filha.
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II - O Tribunal de 1ª instância não considerou provados os seguintes factos:
a) o Autor não está apto para o trabalho em virtude do acidente;
b) o Autor ficou com 66% de incapacidade permanente global em virtude do acidente;
c) como impressor gráfico, o Autor ganhava uma média de 1.800,00 a 2.000,00 Euros/mês;
d) recebeu subsídio de desemprego durante 38 meses no valor aproximado de 1.240,00 Euros/mês e, durante um ano e meio, o subsídio subsequente no valor aproximado de 350,00 Euros/mês;
e) nos trabalhos “ocasionais” auferia, pelo menos, cerca de € 500,00 por mês;
f) a partir de setembro de 2017, passou a receber o rendimento mínimo de reinserção no valor mensal aproximado de 187,00 Euros;
g) o Autor gastou em medicamentos, consultas médicas e exames, pelo menos, € 1.630,03;
h) o Autor tem dores constantes e tem baixa autoestima pelo facto de em virtude do acidente não poder trabalhar, dependendo economicamente de familiares e amigos, ao fim de uma vida de trabalho.
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III – São as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que determinam o âmbito da apelação, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Assim, atento o teor das conclusões apresentadas, as questões que se colocam são essencialmente as seguintes: se deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto consoante pretendido pela apelante; se estão reunidos os pressupostos determinantes da obrigação de indemnizar, nomeadamente o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano; valor adequado em face das regras legais para a indemnização por danos não patrimoniais.
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IV – 1 - No que à matéria de facto respeita sustenta a apelante que a matéria constante do ponto 4) dos Factos Provados enferma de erro de julgamento, desde logo porque integra «conceitos conclusivos ou valorativos, conceitos jurídicos ou juízos que constituem matéria de direito e não quaisquer factos materiais simples» e, depois, porque integra matéria não alegada nos autos pelas partes, além de que não existem elementos de prova suficientes para dar como provada aquela matéria.
Vejamos.
Por vezes a distinção entre aquilo que conforma matéria de facto e aquilo que corresponde a matéria de direito não é simples, visto a linha divisória não ter carácter fixo, dependendo muito dos termos da causa, bem como da estrutura das normas aplicáveis.
Alberto dos Reis ([1]) explicava: «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior. b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.»
Todavia, se relativamente a certas expressões podemos concluir seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas.
As dificuldades de delimitação verificam-se, também, no que concerne aos juízos de valor que tanto integram normas jurídicas como se poderão, por vezes, situar no plano dos factos.
Antunes Varela ([2]) ensinava que os factos, no campo do direito processual, abrangem, principalmente embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real. Nos juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) haverá que distinguir entre aqueles cuja emissão se há-de apoiar em simples critérios do bom pai de família, do homem comum, e aqueles que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. Enquanto os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto, os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei. Admitindo embora a consideração dos juízos de valor sobre os factos (ou seja, sobre a matéria de facto), visto não se tratar de verdadeira questão de direito.
Entendendo o STJ no seu acórdão de 3-5-2000 ([3]) que os juízos de valor continuam «a ser matéria de facto, quando baseados em critérios do homem comum ou mesmo técnico especializado, (não ligado ao mundo do direito)...».
O ponto 4) da matéria de facto provada tem o seguinte teor: «O condutor do autocarro, havendo obras de requalificação no local e apresentando-se um veículo à sua direita, confiando que o mesmo ia parar, continuou a marcha. Como o veículo de passageiros não parou, teve necessidade de efetuar a travagem para evitar o embate».
Em primeiro lugar não se evidencia onde no referido ponto 4) se encontra a apontada matéria conclusiva ou valorativa, bem como os conceitos jurídicos ou juízos, nem a apelante se dá ao cuidado de o apontar. Havia “obras de requalificação no local” – o que é apreensível por qualquer pessoa comum – e apresentando-se um veículo pela direita do condutor do autocarro este pensou que que aquele iria parar; mas tal não sucedeu e para evitar o embate o condutor do autocarro travou - assim, teve (necessidade) de efectuar a travagem para evitar o embate...
Em segundo lugar, o Tribunal não se substituiu às partes quanto integrou nos factos provados esta matéria.
Na p.i. o A. alegara que o autocarro parara brusca e inesperadamente sem motivo justificado, circulando o condutor do autocarro sem atenção.
No artigo 15 da sua contestação a R. «Carris» afirmou que o acidente se verificou porque «o motorista teve de efectuar uma travagem de emergência, por forma a evitar abalroar um veículo ligeiro».
O Tribunal situou-se neste âmbito quando fixou o ponto 4) dos factos provados, dele não exorbitando.
Refira-se, aliás, que nos termos do art. 5 do CPC às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, sendo, embora, ainda considerados pelo Juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da discussão da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, bem como os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Relativamente aos factos que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam alegado explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ([4]) que se trata sempre de casos em que a causa de pedir ou excepção está individualizada mediante alegação fáctica suficiente para o efeito, mas não completa, por não terem sido alegados todos os factos necessários à integração da previsão normativa.
Como dizem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa ([5]) na sentença, no segmento em que se pronuncia sobre os factos provados e não provados, o juiz deve ponderar, mesmo oficiosamente, os factos complementares (constitutivos do direito ou integrantes da excepção, embora não identificadores dos mesmos) e os factos concretizadores de anteriores afirmações de pendor mais genérico que tenham sido feitas, acautelando substancialmente o exercício do contraditório.
Neste contexto não se vê razão para que o ponto 4) dos factos provados se não mantenha.
Por fim, atentemos à prova, posta em causa pela apelante.
Consta da sentença recorrida que a testemunha R ....., motorista do autocarro, tendo explicado que o autocarro que conduzia (tipo “lagarta”, com 18 metros e capacidade para 150 pessoas) “oscila muito” e estava cheio, com, pelo menos, entre 85/100 pessoas, «descreveu ainda as circunstâncias em que fez a travagem, esclarecendo que havia obras de requalificação no local e estava um carro à sua direita, tendo confiado que o mesmo ia parar o que o fez decidir continuar a sua marcha mas como o carro não parou acabou por ter que fazer a travagem, a qual fez com que muitas pessoas caíssem».
Estas afirmações são complementadas pelo que disse a testemunha Rita ……….(amiga do A. que com ele viajava no autocarro) que mencionou que «o motorista fez uma travagem brusca».
Nos termos do nº 1 do art. 640 do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acresce que dispõe o nº 2-a) do mesmo art. 640 do CPC que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso - e proceder, se assim o entender, à transcrição de quaisquer excertos.
Diz-nos, a propósito, Abrantes Geraldes ([6]) que relativamente «a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos». E que a rejeição do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto deve verificar-se, nomeadamente, quando da «falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda» e da «falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação» e acrescentando que «as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.
Ora, a apelante não procede assim, não delimitando os segmentos da gravação do depoimento daquela testemunha R ..... – em que se baseia - que patentearia o erro na apreciação da prova, antes fazendo um “apontamento” daquilo que, na sua perspectiva, a testemunha teria dito.
Deste modo, não pode proceder a impugnação nesta parte.
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IV – 2 - Entende, igualmente, a apelante que deverão ser julgados não provados os pontos 5) e 6) dos factos provados e como provado o ponto 2) dos factos não provados.
Consta dos pontos 5) e 6) dos Factos provados:
«5. Muitos dos passageiros foram projetados no interior do autocarro e caíram, aquando da travagem brusca.
6. O Autor, que se encontrava de pé, foi também projetado mas conseguiu agarrar-se a um varão/poste para não cair, tendo sido embatido por outros passageiros do autocarro que também seguiam em pé e que foram projetados contra si».
Já o aludido ponto 2) dos factos não provados não existe – os factos não provados estão elencados por alíneas, não se percebendo nem resultando do contexto (considerando embora o corpo da alegação de recurso) qual das alíneas (de a) a h)) a apelante pretenderia impugnar; sendo certo que não será a segunda alínea dos factos não provados (a alínea b)) nos termos da qual o Autor ficou com 66% de incapacidade permanente global em virtude do acidente…
Restando-nos, assim os pontos 5) e 6) dos factos provados, não procede a apelante de modo a que possamos concluir pela existência de erro de julgamento.           Os documentos de fls. 20 a 34 e 39 a que alude são documentos médicos que nada têm a ver com as circunstâncias descritas nos pontos 5) e 6) dos factos provados.
No que concerne à prova testemunhal refere a apelante o depoimento da testemunha R ....., dizendo-nos que o mesmo tem um registo no sistema Habilus com 16:12 minutos em 15-11-2018 e nada mais aduzindo ou concretizando em cumprimento do disposto no nº 2-a) do art. 640 do CPC.
Pelo que nos termos acima consignados nada mais haverá a considerar relativamente a estes pontos da matéria de facto que se mantêm nos seus precisos termos.
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IV – 3 - No que tange à aplicação do direito, o Tribunal de 1ª instância seguiu o seguinte percurso: estamos perante um contrato de transporte de passageiros, impendendo sobre o transportador o dever de zelar pela segurança do passageiro transportado; trata-se de responsabilidade civil contratual, impendendo sobre o lesante uma presunção de culpa que lhe cabe ilidir, estando reconhecida a culpa do condutor na produção do acidente que vitimou o A.; o A. sofreu danos não patrimoniais suficientemente graves para merecerem tutela jurídica, sendo ajustado um montante de 12.000,00 € a título de indemnização dos mesmos.
A apelante não diverge expressamente do enquadramento no âmbito da responsabilidade contratual a que se procedeu a sentença recorrida, embora continue a mencionar, designadamente, o art. 483 do CC, o que parecerá que ela pressupõe a responsabilidade extracontratual, mas também aludindo aos arts.798 e seguintes, situando-se aí no âmbito da responsabilidade contratual.
 A propósito da causa de pedir na acção de indemnização escreveu Vaz Serra ([7]): «Se a causa de pedir é o «facto jurídico de que procede a pretensão deduzida pelo autor (Cód. Proc. Civil, art. 498º, nº 4) … poderá dizer-se que a causa de pedir numa acção de indemnização não é a violação do contrato, ou o acto ilícito, ou a criação do risco, mas sim o facto concreto invocado para obter o efeito pretendido, isto é, o facto lesivo.
Embora desse facto derive um dever de indemnização por várias causas jurídicas (violação do contrato, acto ilícito, criação do risco) é um facto unitário, havendo, por isso, identidade de causa de pedir quando a pretensão de indemnização deduzida nas várias acções procede desse mesmo facto, conquanto numa das acções o autor invoque violação do contrato e, na outra, acto ilícito ou criação do risco».
Nos termos do art. 798 do CC o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Como salienta Menezes Leitão ([8]) desta norma resulta uma clara equiparação dos pressupostos da responsabilidade obrigacional aos pressupostos da responsabilidade civil delitual, sendo reduzidas as diferenças entre uma e outra, residindo a diferença essencial no diferente regime do ónus da prova, dada a presunção de culpa consignada no art. 799 do CC – na responsabilidade extracontratual o lesado tem de fazer prova de todos os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar (o facto do agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima), consoante resulta dos arts. 483, nº 1 e 487, nº 1, do CC. Todavia, também no âmbito da responsabilidade extracontratual a lei prevê hipóteses de presunção de culpa.
Provou-se:
- Que o A. viajava como passageiro num autocarro propriedade da «Companhia da Carris de Ferro de Lisboa» que circulava na Estrada de Benfica, transportando cerca de 85 a 100 passageiros;
- Que perto da curva do Jardim Zoológico pelo condutor daquele autocarro foi efectuada uma travagem brusca - havendo obras de requalificação no local e apresentando-se um veículo à sua direita, o condutor confiou que o mesmo ia parar, continuando a sua marcha, mas como aquele veículo não parou, teve de efectuar a travagem para evitar o embate;
- Muitos dos passageiros foram projetados no interior do autocarro e caíram, aquando da travagem brusca; o A., que se encontrava de pé, foi também projectado mas conseguiu agarrar-se a um varão/poste para não cair, tendo sido embatido por outros passageiros do autocarro que também seguiam em pé e que foram projetados contra si.
Mesmo que nos situemos no âmbito da responsabilidade civil delitual, sempre resultaria desta factualidade a ocorrência de um facto ilícito e culposo. O condutor do veículo omitiu deveres de cuidado na condução dum veículo daquelas dimensões e com o número de passageiros que transportava, pressupondo que um outro veículo que se apresentava pela sua direita pararia para lhe dar passagem – não tendo isso sucedido. Foi esta imprudência – de confiar que o outro veículo que se apresentava pela direita pararia para lhe ceder passagem, havendo continuado com a marcha do autocarro – determinante da travagem brusca que efectuou, levando à projecção de passageiros transportados. Estamos em face de uma condução imprudente – atentos os deveres gerais de diligência exigíveis ao "condutor médio", no caso, aliás, o condutor de um veículo pesado de passageiros – causadora de danos a terceiros; isto mesmo que não seja tida em consideração a norma do nº 3 do art. 503 do CC.
Tratando-se de responsabilidade contratual a questão – quanto ao acto ilícito e à culpa - coloca-se nos termos consignados na sentença recorrida.
As divergências da apelante colocam-se essencialmente – consoante conclusões 4) a 6) no que respeita aos pressupostos “dano” e “nexo de causalidade”.
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IV – 4 - O dano, em termos naturalísticos, corresponde à supressão de uma vantagem de que o sujeito beneficiava ([9]). Numa abordagem jurídica, o dano é a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea ([10]).
Quanto ao nexo de causalidade ente o facto e o dano, o mesmo implica que o comportamento do agente seja causa dos danos sofridos pelo lesado, sendo que de acordo com a teoria da causalidade adequada, subjacente ao art. 563 do CC, não basta que o facto tenha sido em concreto causa do dano, sendo necessário que em abstracto seja também adequado a produzi-lo.
Se a causa será toda a condição sem a qual o efeito se não teria verificado, para impor a alguém a obrigação de reparar o dano sofrido por outrem não basta que o facto tenha sido no caso concreto condição do dano; é necessário, além disso, que em abstracto, ou em geral, o facto seja uma causa adequada do dano ([11]).
Ensinava Antunes Varela ([12]) que para que haja causalidade adequada não é necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, bem como não é necessário que o dano seja previsível para o autor do facto. Considerando que face ao disposto no art. 563 do CC «o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido», entendia que procedendo a lesão de facto ilícito (contratual ou extracontratual) «o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral se mostrar, de todo em todo indiferente (…) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto».
Também Henrique Sousa Antunes ([13]) menciona que nas hipótese de responsabilidade civil por factos ilícitos «o facto só não constitui uma causa do dano se for de todo em todo indiferente à produção daquele, verificando-se o resultado pela intervenção de circunstâncias anómalas ou excepcionais».
No caso que nos ocupa, provou-se:
- Na ocasião da supra descrita travagem, quando em razão da mesma o A. e outros passageiros foram projectados, o A. encontrava-se na companhia de uma sua amiga que sofreu uma fractura tibiotársica, tendo, por isso, sido levada de ambulância para o Hospital de Santa Maria, onde foi operada.
- O A. acompanhou a sua amiga na ida para o Hospital e, desde que aí chegou, sentiu uma má disposição, grande mal-estar, muita ansiedade e nervosismo; sendo levado para casa de sua filha começou a sentir dores fortes no peito, nas costas e no braço.
- Foi chamado o INEM e o A. foi transportado em ambulância para o Hospital de Santa Cruz, onde deu entrada no dia 11-12-2015 (às 00h43 m) sendo sujeito a uma “angioplastia da oclusão da artéria descendente anterior com implantação de prótese intracoronária (“stent”), tendo ficado internado até ao dia 14 de Dezembro de 2015.
- O Autor sofreu um enfarte do miocárdio, na sequência imediata do acidente, o qual terá sido desencadeado por “stress agudo”, e esse enfarte foi reconhecido pelos serviços médicos da Companhia Ré como resultante do acidente, tendo-lhe atribuído, a 4-2-2016, uma IPP de 5%.
- O A. teve alta hospitalar a 14-12-2015 ficando referenciado a consulta de cardiologia no Hospital de Santa Cruz e medicado, “ad vitem”, com “Carvedilol”, “Ramipril”, “Atorvastatina” e “Esomeprazol”.
- O A. foi levado a consultas de psiquiatria por “síndrome depressivo”, “perturbação de ansiedade generalizada com episódios de pânico”.
Os danos aqui em causa correspondem à doença aguda sofrida pelo A. – enfarte do miocárdio, com as respectivas consequências.
 No que concerne ao nexo de causalidade admite-se que não se tratará de uma situação óbvia.
Todavia, provou-se que o enfarte foi sofrido na sequência imediata do acidente e foi desencadeado por “stress agudo” ([14]).
O “stress” pode conformar uma resposta fisiológica e comportamental a algo que aconteceu e faz a pessoa sentir-se ameaçada. Mesmo de curta duração o “stress” pode ter impacto no organismo; assim sucederá com o “stress agudo” derivado de um acidente.
Neste contexto, afigura-se razoável concluir, que a doença do A. foi provocada pela situação correspondente à travagem brusca do autocarro com consequente projecção dos passageiros, entre os quais o próprio A.; o “stress agudo” sofrido nesta circunstância desencadeou o enfarte do miocárdio. Aliás, como vimos, os serviços médicos da apelante reconheceram o enfarte como resultante do acidente ([15]).
Entendemos pois, verificado o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
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IV – 5 – A apelante discorda da quantia fixada pelo Tribunal de 1ª instância a título de indemnização por danos não patrimoniais.
No que concerne aos danos em causa foi consignado na sentença recorrida:
«Por um lado, há que ponderar as dores físicas e o sofrimento vivenciado pelo Autor logo após o acidente e o facto de ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica delicada (que, felizmente, correu bem) e ter ficado internado 4 dias e, por outro lado, a limitação para a sua vida habitual, com a necessidade de medicação até ao fim desta, ainda que a ansiedade e o medo constituam, na verdade, a sua maior limitação.
Todos estes danos são, sem margem para dúvida, suficientemente graves por forma a merecerem tutela jurídica (…)».
O dano não patrimonial corresponde a todo aquele que afecta a personalidade moral nos seus valores específicos – como dor física, angústia, dor moral relacionada com uma alteração estética, com um forçado e prolongado internamento hospitalar ([16]).
Dispõe o art. 496 do CC que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (nº 1), sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494 (nº 3).
O dano não patrimonial não poderá ser avaliado em medida certa; a indemnização corresponde a uma mera compensação. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deverá ser calculado em qualquer caso segundo critérios de equidade, sendo proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida ([17]).
No caso que nos ocupa, os factos a que nos poderemos ater não serão abundantes. Contudo, sabemos que: o A. se sentia mal, ansioso e nervoso e que depois começou a sentir fortes dores no peito, costas e braço; que sofreu um enfarte do miocárdio; que foi sujeito a uma “angioplastia da oclusão da artéria descendente anterior com implantação de prótese intracoronária (“stent”), tendo ficado internado de 11-10-2015 até 14 -12-2015; que ao A. foi atribuída uma IPP de 5%; que depois da alta hospitalar ficou referenciado a consulta de cardiologia; que o A. que nasceu em 5-3-1959, antes do enfarte era uma pessoa activa, praticando desporto com frequência e em virtude do enfarte do miocárdio foi-lhe recomendado fazer “actividade física aeróbica, adaptada às capacidades, pelo menos 3 x por semana, 30 m por dia” e uma “dieta saudável”.
Provou-se, também, que o A. foi levado a consultas de psiquiatria por “síndrome depressivo”, “perturbação de ansiedade generalizada com episódios de pânico”, mas sem que tenha sido estabelecida nos factos provados a correlação destes sintomas com o acidente ou a doença.
Temos, pois, para além dos sintomas que envolveram o enfarte, a intervenção (implantação de “stent”) e o internamento de quatro dias, a situação física sequente – designadamente IPP de 5% e cautelas na actividade física – e a consciência da maior fragilidade dessa situação física e de saúde.
Refere Dario Martins de Almeida ([18]) que quando se faz apelo a critérios de equidade pretende-se encontrar aquilo que no caso concreto pode ser a solução mais justa. «A equidade não equivalerá ao arbítrio; é mesmo a sua negação. A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio». A equidade significará igualdade, mas uma igualdade segundo a desigualdade das circunstâncias. E, mais adiante: «a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza objectiva são as linhas de força da equidade quando opera, com os ditames da lei, na análise e solução e compreensão do caso concreto».
A jurisprudência tem vindo a acentuar que o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, devendo ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, proporcionando os meios económicos capazes de fazer esquecer, ou pelo menos mitigar, o abalo suportado ([19]).
Neste contexto e tratando-se de uma indemnização actualizada, afigura-se ajustado o valor determinado pelo Tribunal de 1ª instância.
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Lisboa, 11 de Julho de 2019
Maria José Mouro
Jorge Vilaça
Vaz Gomes

[1] No «Código de Processo Civil Anotado», Coimbra Editora, vol. III, pags. 206-207
[2] No comentário ao acórdão do STJ de 8-11-84, Rev. Leg. e Jurisp. Ano 122º, pags. 209 e seguintes.
[3] Publicado no BMJ nº 497, pag. 315.
[4] No «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, Coimbra Editora, 2014,pags. 17-18.
[5] No «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, Almedina, 2018, pag. 27.
[6] Obra citada, pags. 126-129.
[7] Em anotação ao acórdão do STJ de 15-10-1971, na RLJ, ano 105 (nº 3479), pag. 223.
[8] «Direito das Obrigações», vol. I, Almedina, 5ª edição, pags, 346-347.
[9] Menezes Leitão, obra citada, pag. 330.
[10] Ver Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral», vol. I, Almedina, 4ª edição, pag. 524.
[11] Antunes Varela, obra citada, pag. 795.
[12] Obra citada, pags. 800 e seguintes e pag. 797.
[13] Em «Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações», Universidade Católica Editora, 2018, pag. 555.
[14] Na declaração médica de cardiologia do Dr. Pedro ……… (fls. 29) refere-se que o acidente teve papel fulcral no desencadear do enfarte (stress agudo).
[15] No artigo 15 da sua contestação a apelante diz-nos expressamente que o A. foi seguido nos serviços médicos da R., os quais reconheceram  lesões emergentes do acidente, encontrando-se a fls. 35-38 o “Boletim de Exame” do Dr. José …… médico e perito avaliador que depôs como testemunha arrolada pela R./apelante  e que ao serviço desta examinou o A..
[16] Ver Dario Martins de Almeida, obra citada, pag. 267.
[17] Ver Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pag. 474.
[18] Obra citada, pags. 103 e seguintes.
[19] Assim, o acórdão do STJ de 29-01-2008, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo nº  JSTJ000. No acórdão de 25-6-2002, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdão do STT, ano X, tomo 2, pag. 128, diz-se ser de ter presente que «a jurisprudência deste Supremo Tribunal em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista».