Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
229/00.1JAFUN-A.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: CONTUMÁCIA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEIÇÃO
Sumário: I- Só após a caducidade da declaração de contumácia se poderá jurisdicionalmente apreciar e decidir sobre um requerimento apresentado por um arguido declarado contumaz, através do qual se requer, a declaração da prescrição do procedimento criminal relativo ao crime que a acusação lhe imputa, pelo que, proferido tal despacho;
II- Os efeitos da declaração de contumácia estão enunciados no n.º 3 do art. 335º do C.P. Penal, e implicam a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do art. 320.º do mesmo diploma legal, quer isto dizer que, verificados os pressupostos que justifiquem a declaração de contumácia, uma vez aplicada ao arguido, já não poderá ele praticar mais quaisquer actos no processo enquanto não for detido ou enquanto se não apresentar;
III- De facto a declaração de contumácia tem como intuito desincentivar a ausência, do arguido, privilegiando um conjunto articulado de medidas drásticas de compressão da capacidade patrimonial e negocial do contumaz, como claramente se extrai das normas relativas a tal instituto e constantes do C.P.P., pois, de outra forma, estar-se-ia claramente a descaracterizar e a desvirtuar o instituto de contumácia e a transtornar o seu regime-base, concedendo-se uma prerrogativa ao arguido que a unidade do nosso sistema jurídico, entenda-se não quererá propiciar;
IV- Nestes termos, não é assim admissível a interposição de recurso do despacho que impugna a decisão que desatendeu a pretensão do arguido contumaz de ver ser declarada a prescrição do procedimento criminal, enquanto o processo estiver suspenso, em virtude da declaração de contumácia, e, ao rejeitar-se o recurso interposto que incide sobre tal decisão, não se está a impedir total e definitivamente o exercício dos direitos de defesa processual e de capacidade civil do arguido, pois está inteiramente na livre disponibilidade deste, fazer caducar a declaração de contumácia e, assim, poder praticar os actos processuais que entender, nomeadamente interpor recursos, bastando para tal apresentar-se em juízo.
(elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal

Nos presentes autos de recurso em separado, proveniente do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo Local Criminal do Funchal-J2, o arguido, declarado contumaz, de seu nome C..., com os demais estado nos autos, foi objecto de um despacho, o qual se pode ler a folhas 17 e 18 ( a requerimento do seu mandatário) que indeferiu a pretensão querida, que constituía exactamente, de que fosse declarado extinto por prescrição o procedimento criminal, pelo qual o arguido se encontra acusado nestes autos .

Inconformado então, com esta decisão proferida nestes autos, veio o arguido através do seu mandatário, interpor recurso do despacho supra referido com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, e apresentando as devidas conclusões, que são em suma dever ser declarado prescrito tal procedimento criminal, por terem já decorrido os prazos legais para o efeito, devendo assim ser revogado o despacho ora recorrido.

               

O recurso foi admitido a fls. 23 v., observando-se todos os termos legais.

O Mº Pº apresentou resposta nos termos legais  ao recurso interposto a folhas  24 até 27, no qual suscita entre o mais e como questão prévia a não admissibilidade deste recurso.

Foi proferido despacho de sustentação a fls. 28 e 29.

Neste Tribunal a Digna Srª Procuradora-Geral Adjunta nele apos o seu, “ visto”.

O processo seguiu os seus termos legais.

                               II.

Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por manifesta improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e e 420.º, n.º 1 do Código de Processo Penal) passando-se a proferir decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal.

A lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas vertentes diversas, admitida que está, no nosso processo penal a cindibilidade do recurso, princípio acolhido nos arts. 403.º nº 1, 410.º n.º 1 e 412.º n.º 2:

1) Rejeição formal que se prende com a insatisfação dos requisitos prescritos no art. 412.º n.º 2;

2) Rejeição substantiva que ocorre quando é manifesta a improcedência do recurso.

A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores, que é patente a sem razão do recorrente.

 A figura da rejeição destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, com vista a obviar ao reconhecido pendor para o abuso de recursos.

A possibilidade de rejeição liminar, em caso de improcedência manifesta, tem em vista moralizar o uso do recurso (…) (Ac. STJ de 16 de Novembro de 2000, proc. n.º 2353-3; SASTJ, n.º 45, 61 e também o Ac. Tribunal Constitucional nº17/2011 , DR, II Série de 16-02-2011, decidiu: Não julga inconstitucional a norma extraída do artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do Código de Processo Penal, quando permite ao juiz relator proferir decisão sumária de indeferimento, em caso de manifesta improcedência do mesmo(…) e Ac. TRE de 3-03-2015 : I. A manifesta improcedência do recurso (conceito que a lei não define) nada tem a ver com a extensão da matéria submetida a apreciação, nem com a sua intrínseca complexidade, nem com a prolixidade da motivação do recurso (na procura de deixar bem claras as razões de discordância com a decisão recorrida).II. O que releva é o bem-fundado, a solidez ou o apoio legal, doutrinário ou jurisprudencial, da argumentação usada para atacar a decisão de que se recorre. III. Existirá manifesta improcedência sempre que seja inequívoco que essa argumentação de modo nenhum pode conduzir ao efeito jurídico pretendido pelo recorrente. in www.dgsi.pt ).

Em caso de rejeição do recurso, a decisão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão - art. 420.º, n.º 2 do C.P.Penal.

As questões suscitadas e a apreciar no presente recurso reconduzem-se à pretensão do recorrente e contida nas conclusões do seu recurso, a qual se resume ao facto de entender que o procedimento criminal se encontrar prescrito, assim se declarando nos autos.

Decidindo diremos concisamente:

Os  efeitos da declaração de contumácia estão enunciados no n.º 3 do art. 335º do C.P. Penal:

- implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do art. 320.º do mesmo diploma legal.

Quer isto dizer que, verificados os pressupostos que justifiquem a declaração de contumácia, uma vez aplicada ao arguido já não poderá ele praticar mais quaisquer actos no processo enquanto não for detido ou enquanto se não apresentar.

A suspensão do processo só excepcionalmente finda quando actos urgentes consignados no art. 320.º do C.P. Penal exijam que, apesar da contumácia decretada, mesmo assim se não pode diferir para ulterior momento a sua especificada tramitação. Actos urgentes são, genericamente, aqueles que contendem com a privação da liberdade das pessoas ou que se possam considerar indispensáveis à garantia da liberdade do vulgar cidadão.

Entende-se que neste particular contexto não está incluído o despacho que vá apreciar prescrição do procedimento criminal referente ao crime que é imputado ao arguido na acusação.

Se assim fosse, porque a contumácia tem como intuito desincentivar da ausência, privilegiando um conjunto articulado de medidas drásticas de compressão da capacidade patrimonial e negocial do contumaz, como claramente se extrai das normas relativas a tal instituto e constantes do CPP, estar-se-ia  claramente a descaracterizar e a desvirtuar o instituto de contumácia e a transtornar o seu regime-base, concedendo-se uma prerrogativa ao arguido que a unidade do nosso sistema jurídico entenda-se não quererá propiciar.

À partida, só após a caducidade da declaração de contumácia se poderá jurisdicionalmente apreciar e decidir sobre um requerimento apresentado por um arguido declarado contumaz, através do qual se requer, a declaração da prescrição do procedimento criminal relativo ao crime que a acusação lhe imputa, não olvidando porém, que, sendo a prescrição também alvo de conhecimento oficioso, esta poderá ser conhecida nos autos de um qualquer arguido declarado contumaz, “ex oficio”, atendendo até a puras questões de observância estrita da lei, bem como, “a latere”, atendendo-se igualmente a razões de pura economia processual, evitando-se a pratica de actos inúteis ou despiciendos face a verificação de tal circunstância que extingue o procedimento criminal.

Deste modo e pelas mesmas ordens de razões supra referidas, neste enquadramento legal entende-se também que não é admissível recurso do despacho que impugna a decisão que desatendeu a pretensão do arguido contumaz enquanto o processo estiver suspenso em virtude da declaração de contumácia.

Mas não só.

Cremos que não se pode afirmar que, ao rejeitar o recurso interposto, está a impedir-se total e definitivamente o exercício dos direitos de defesa processual e de capacidade civil do arguido.

 É que está inteiramente na livre disponibilidade do arguido fazer caducar a declaração de contumácia e, assim, poder praticar os actos processuais (urgentes ou não, legalmente consentidos) que entender, nomeadamente interpor recursos: simplesmente.

Basta que se apresente em juízo.

A suspensão dos termos do processo e outras medidas decorrentes da declaração de contumácia visam desmotivar naturalmente a situação de contumácia.

Ora, se a declaração de contumácia não implicasse restrições (adequadas e proporcionais), frustrar-se-iam, de todo o modo as finalidades ínsitas e que estão na génese do instituto da contumácia, e que são, em primeira “ratio”, fazer com que o arguido se apresente em juízo, pelas formas legalmente estabelecidas na lei, conhecendo-se assim o seu paradeiro.

Ora é exactamente o “desaparecimento” do arguido, que despoleta exactamente essa mesma declaração, que é a incerteza e o completo desconhecimento sobre o lugar onde este se encontra, paralisando assim, e a coberto da sua invisibilidade, a acção da Justiça, neste caso penal.

De facto,

Como bem decidiu o Tribunal Constitucional, “as normas dos nºs 1 e 3 do artº 337º do CPP, que regulam o instituto da contumácia, não violam o direito à capacidade civil consagrado no artº 26º, nº 1 da CRP, pois apenas traduzem restrições a essa capacidade consentidas pelo subsequente nº 3, já que se mostram ajustadas, adequadas e proporcionais, pois com elas visa-se pressionar os arguidos a comparecerem em juízo, a fim de aí serem julgados pelos crimes que lhes são imputados, com integral respeito pelo princípio do contraditório. E as mesmas normas também não violam o direito de propriedade consagrado no artº 62º, nº 1, da CRP, pois as restrições que estabelecem nada têm de despropositado ou desadequado” (Ac. de 7MAI91, in BMJ, 407- 50).

Apreciando diremos:

Preceitua o art.º 335.º, n.º 3, do Cód. de Proc. Penal, que “a declaração de contumácia é da competência do presidente e implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do artigo 320.º”

A circunstância de a declaração de contumácia implicar, dentre o mais, a referida suspensão dos termos ulteriores do processo, como escreveu Carmona da Mota, no voto de vencido do Assento 10/2000, in DR, I Série-A, n.º 260, de Novembro de 2000:

“Tal «suspensão» (dos termos processuais ulteriores) não prejudicava, porém, nem «a realização de actos urgentes» (artigo 335.º, n.º 3) nem, tampouco, as diligências processuais que tivessem em vista a apresentação ou a detenção do arguido em ordem, exactamente, à caducidade da declaração de contumácia e à activação dos «termos ulteriores do processo»:

«A detenção, que é uma das formas de se pôr termo à situação de contumácia, pode ser determinada para aplicação de uma medida de coacção.» — Acórdão da Relação do Porto de 26 de Abril de 1995, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 446, p. 349;

«É admissível a emissão de mandados de comparência ou de detenção contra arguido declarado contumaz com o objectivo de lhe ser notificado o despacho de ‘pronúncia’» — Acórdãos da Relação do Porto de 20 de Novembro de 1996, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, t. V, p. 239, de 8 de Janeiro de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 467, p. 617, de 14 de Maio de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º467, p. 627, de 11 de Junho de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 467, p. 475;

«Durante a situação de contumácia do arguido — e apesar da concomitante ‘suspensão dos ulteriores termos do processo’ —, não só poderá como deverá diligenciar-se — oficiosamente ou a requerimento dos interessados (Ministério Público e assistente) — pela localização do arguido (e, sendo caso disso, pela sua detenção, captura e extradição), com vista à abreviação dessa situação, à apresentação ou detenção do ausente, à caducidade da declaração de contumácia e, enfim, à realização — já na presença do arguido — dos ‘termos ulteriores do processo’.» Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Maio de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 463, p. 635, e Colectânea de Jurisprudência, ano XXII, t. III, p. 136.”

A partir da declaração de contumácia proferida nos autos, o processo ficou legalmente suspenso, situação que apenas poderá conhecer alteração com a sua apresentação voluntária ou compulsiva( vide Ac TRL de 25.10.2016, in www.dgsi.pt).

Também como se refere no acórdão da Relação do Porto de 13/09/2006, in www.gde.mj.pt/jtrp: “A solução poderá ser considerada como algo drástica, mas compreende-se perfeitamente dentro do esquema de actuações de natureza pessoal, patrimonial ou negocial, que caracterizam o instituto, e cuja existência está legalmente assumida como uma condicionante indispensável da sua eficácia.

Como facilmente se aceitará, não poderá o arguido estar ausente para certos actos e “presente”, posto que não alcançável, para outros”, como é convenhamos, exactamente o caso dos autos

Atendendo ao que atrás se exarou, e volvendo ao caso dos autos, onde se pretende recorrer de despacho que inferiu a pretendida declaração de prescrição do procedimento criminal contra o arguido, CONTUMAZ e ora recorrente, só feita a apresentação voluntária deste ou, conseguida a mesma de uma forma compulsiva, se abrirá a possibilidade efectiva de recurso neste particular desiderato.

Nestes termos, o presente recurso não é de conhecer.

                               III.

1. Pelo exposto e com os fundamentos referidos, acorda-se em não conhecer do recurso ora interposto pelo arguido C....

2. Não é devida tributação.

3. Notifique e D.N.

Lisboa, 28 de Setembro 2017 (elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária nos termos do disposto no artº 94º nº 2 do C.P.P.)

                            

Filipa Costa Lourenço