Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
115/11.0TAVVC.E1
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
REJEIÇÃO DO RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Sumário: I - A manifesta improcedência do recurso (conceito que a lei não define) nada tem a ver com a extensão da matéria submetida a apreciação, nem com a sua intrínseca complexidade, nem com a prolixidade da motivação do recurso (na procura de deixar bem claras as razões de discordância com a decisão recorrida).
II - O que releva é o bem-fundado, a solidez ou o apoio legal, doutrinário ou jurisprudencial, da argumentação usada para atacar a decisão de que se recorre.
III - Existirá manifesta improcedência sempre que seja inequívoco que essa argumentação de modo nenhum pode conduzir ao efeito jurídico pretendido pelo recorrente.
IV - A decisão sumária não retira ao recorrente a possibilidade de o seu recurso ser apreciado por um coletivo de juízes, pois o recorrente sempre poder vir provocar a sua reapreciação, em coletivo, através da reclamação para a conferência, ao abrigo da faculdade expressamente prevista no artigo 417º, nº 8, do C. P. Penal.
Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Inconformado com o facto de o recurso que havia interposto ter sido rejeitado por manifesta improcedência, veio o arguido, AFTC, reclamar para a conferência.
Antes de entrarmos no conhecimento das questões que veio levantar, vamos começar por reproduzir o teor integral da decisão sumária objecto de reclamação:

(………)

São, no essencial, duas as razões em que vem alicerçada a reclamação e que de seguida vamos apreciar.
A primeira, a insurgência contra o facto de se ter considerado como manifesta a improcedência da pretensão recursiva e a reafirmação desta para que seja reapreciada em colectivo na conferência.
Quanto a este último aspecto, procedemos à reponderação das questões submetidas à nossa apreciação e não vislumbramos razões para alterar o sentido em que foram decididas na decisão objecto de reclamação.
E também no que concerne à questão da manifesta improcedência, entendemos que não lhe assiste razão.
Desde logo porque, tal como a compreendemos, a manifesta improcedência – conceito que a lei não define – nada tem a ver com a extensão da matéria submetida a apreciação, nem com a sua intrínseca complexidade, nem com o maior ou menor gasto de latim na procura de deixar bem claras as razões pelas quais a decisão foi num sentido e não em outro. O que na verdade releva é o bem-fundado, a solidez ou o apoio legal, doutrinário ou jurisprudencial, da argumentação usada para atacar a decisão de que se recorre. Existirá manifesta improcedência sempre que seja inequívoco que essa argumentação de modo nenhum pode conduzir ao efeito jurídico pretendido pelo recorrente.
E é, seguramente, o que se verifica no presente caso, independentemente da concreta extensão e complexidade da factualidade que foi objecto de julgamento e da profusão de prova, cuja reapreciação nos foi requerida e da ( nossa ) dificuldade em, sem prejuízo da exigível clareza, sintetizarmos as razões pelas quais a pretensão do recorrente não podia merecer acolhimento. Dito de outra forma: a factualidade em causa nos autos reveste-se de alguma complexidade, é certo, mas os fundamentos em que o recorrente fez assentar o recurso são frágeis, inconsistentes, e, logo que percebida a questão de facto, desmoronam-se facilmente, resultando à evidência a total falta de viabilidade do recurso. Como decorre do que deixámos escrito no lugar próprio, o recorrente não logrou demonstrar minimamente que existia prova que impusesse decisão diversa ( cfr. al. b) do nº 3 do art. 412º do C.P.P. ), e tão pouco que deviam de ter subsistido dúvidas ou que os factos objectivos não permitiam as inferências que deles foram extraídas, tendo-se limitado a fazer uma apreciação ao seu jeito e conveniência da prova que foi produzida. E é sabido, como repetidamente o vem afirmando a jurisprudência, que não é esse o meio para impugnar eficientemente a decisão da matéria de facto pois, se admissível, traduzir-se-ia na postergação do princípio da livre apreciação da prova.
Acresce que, aquilo que a nosso ver já é flagrante no que toca à impugnação da matéria de facto, é igualmente evidente quanto aos demais fundamentos do recurso, conforme procurámos esclarecer e, pelos vistos, de forma que o recorrente bem entendeu, uma vez que não trouxe para a discussão nesta sede nenhum ponto do que, em substância, dissemos na decisão singular.
O outro fundamento da reclamação reside na pretensa inconstitucionalidade da interpretação dos arts. 417º nº 6 al. b) e 420º nº 1 al. a), ambos do C.P.P., no sentido de se considerar manifesta a improcedência de um recurso “após exaustiva apreciação e fundamentação”, por violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da C.R.P. e das garantias de defesa asseguradas no nº 1 do art. 32º do mesmo diploma, na medida em que retiraria ao reclamante a possibilidade de o seu recurso ser apreciado por um colectivo de juízes desembargadores como normalmente sucede nos recursos.
Ora, a demonstração mais cabal de que a decisão sumária não retira ao recorrente essa possibilidade está no facto de, caso dela discorde, sempre poder vir provocar a sua reapreciação em colectivo através da reclamação para a conferência, ao abrigo da faculdade expressamente prevista no nº 8 do art. 417º do C.P.P. A qual o recorrente accionou no caso presente, obtendo precisamente aquilo que clama ter-lhe sido cerceado, a decisão do recurso em conferência.
Donde que não sejam necessárias mais alongadas considerações para concluirmos que se mostram totalmente infundamentadas as inconstitucionalidades que veio arguir.

Pelo que se deixou exposto, só nos resta indeferir a reclamação do arguido/recorrente que, pelo indeferimento, vai condenado em 3 UCs de taxa de justiça.

Évora, 3 de Março de 2015


Maria Leonor Esteves

António João Latas