Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1409/16.3T8AMD.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: SEGURO AUTOMÓVEL
DANOS PRÓPRIOS
PRIVAÇÃO DE USO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – No âmbito de um contrato de seguro automóvel abrangendo os danos próprios (relativos, designadamente, a choque e colisão) à seguradora/R. competirá alegar e provar os factos que constituem as exclusões previstas nas Condições Gerais, por se tratar de factos impeditivos do direito do A. à indemnização, o que a R. não fez, limitando-se a tecer algumas insinuações/sugestões não concretizadas em alegação de factos.
II - Ao A. incumbia-lhe fazer a prova dos factos constitutivos do direito á prestação por parte da R. – desde logo a prova dos factos que, atentas as cláusulas do contrato celebrado com esta, determinariam o pagamento da indemnização, ou seja, a prova do sinistro, dos danos e do nexo de causalidade entre o sinistro e esses danos, o que ele logrou fazer.
III – Uma vez que estamos perante uma situação de sobresseguro a quantia que a R. está obrigada a prestar ao A. para ressarcimento dos danos por ele sofridos referentes aos estragos produzidos no veículo é a correspondente ao valor do mesmo veículo, acrescido do valor dos extras que em concreto foram considerados – e que a R. não demonstrou inexistirem - havendo que descontar o valor dos salvados e da franquia.
IV – No que concerne à indemnização por danos não patrimoniais e a danos decorrentes da privação de uso não resultaram provados os necessários factos atinentes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                               *
I - NF... intentou a presente acção declarativa com processo comum contra a «C..., SA», posteriormente «S..., SA».
Alegou o A., em resumo:
No dia 14-2-2016 o A. circulava com o seu veículo automóvel de matrícula 47-... pela Av. Dom António Ribeiro e ao entrar na Rotunda Carlos Cumbre Tavares, na Damaia, perdeu o controlo da viatura, embatendo no lancil.
A R. é a seguradora do veículo através da apólice nº 00038....
Foi efectuada perícia à viatura sinistrada vindo o A. a receber comunicação da R. no sentido de que o valor estimado para a reparação seria de 20.465,86 €, excessivamente oneroso face ao valor seguro.
O contrato de seguro celebrado com a R. foi realizado com intenção de garantir o valor do veículo em 6-8-2015 que era de 14.500,00 € acrescidos de extras de 1.500,00 €.
Haverá que considerar 500,00 € de franquia e o valor do salvado de 2.100,00 €.
O A. teve prejuízos decorrentes da privação do uso do veículo e que computa em 30,00 € diários e enervou-se com a situação sofrendo danos não patrimoniais que computa em valor não inferior a 5.000,00 €.
Pediu o A. a condenação da R. a pagar-lhe a quantia da 18.800,00€, a título de danos patrimoniais e a quantia de 5.000,00€, a título de danos não patrimoniais.
A R. contestou impugnando factualidade alegada pelo A., designadamente no que concerne às circunstâncias do sinistro, afirmando que o mesmo não aconteceu consoante participado, não se tratando de um “verdadeiro sinistro”, por isso não sendo a R. responsável pelas suas consequências do mesmo. Igualmente pôs em causa a matéria relativa à privação de uso e danos não patrimoniais, bem como referiu que o capital seguro estava substancialmente sobrevalorizado em relação ao valor de mercado do veículo e que o mercado segurador oferecia ao A., na altura da contratação outros seguros em tudo muito semelhantes mas por preços inferiores aos contratados com a R., bem como que relativamente ao mesmo veículo já fora contratada apólice de seguro numa outra seguradora com início de produção de efeitos em 14-5-2016.
Alegou, ainda, que o comportamento do A. revela a sua intenção de obter um proveito económico a que sabe não ter direito, invocando a sua litigância de má-fé.
Concluiu pela improcedência da acção e pela condenação do A. como litigante de má-fé.
O processo prosseguiu vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido, condenando o A. como litigante de má-fé na multa de 3 UC´s.
Da sentença apelou o A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
I. Em acção declarativa de condenação que foi tramitada em acção de processo comum, intentada pelo Recorrente NF... contra a Recorrida C...,SA, requerendo a condenação da Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia de € 18.800,00, a título de danos patrimoniais e a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, em virtude de em 6 de Agosto de 2015 o Recorrente ter celebrado com a Recorrida um contrato de seguro para o seu veículo com matrícula 47-..., pelo valor de € 14.500,00 acrescido o valor de extras de € 1.500,00, tendo ainda uma franquia de € 500,00, sendo que no dia 14 de Fevereiro de 2016, o Recorrente perdeu o controlo do referido veículo e embateu com o mesmo no lancil, tendo sido efectuado avaliação pelos serviços da Recorrida ao veículo e o valor da reparação mostrou-se excessivamente onerosa face ao valor do seguro, nessa sequência a Recorrida recusou-se a indemnizar o Recorrente, devendo ao valor da indemnização ser deduzida a franquia de € 500,00 e o valor do salvado de € 2.100,00, ou seja o valor de € 13.400,00, pelo que o Recorrente aceita como correcto os factos considerados como provados na douta sentença, excepto o 12 e discorda, salvo melhor opinião, que tenham sido dado como não provados os factos 1) a 7) na douta sentença.
II. O Recorrente está privado do uso do veículo, sofrendo um prejuízo diário de € 30,00, que na data de instauração da petição inicial se computava no valor global de € 5.400,00, bem como o Recorrente sofreu danos morais que se cifram no montante não inferior a € 5.000,00.
III. Quanto à determinação do valor do veículo à data da celebração do contrato de seguro, o tribunal convidou a Recorrida através da testemunha desta, Rui Boavida, que juntasse o valor do veículo do Recorrente à data do sinistro de acordo com o programa informático “eurotax”, cujo foi junto documento que indica o valor de mercado dos veículos em segundo mão e que é usado pelas seguradoras para determinar o valor do capital seguro nos contratos que abrangem danos próprios, ora o valor do audi à data da celebração do contrato é de € 11.052,00, mas o audi em causa não era o mesmo modelo do audi do Recorrente e com as mesmas características.
IV. O valor de € 16.000,00 cujo foi explicado pelo mediador de seguros da Recorrida, testemunha VA..., atestou que deu um orçamento ao Recorrente e que não foi o Recorrente que indicou o valor do veículo, mas sim este e com foi com base no programa informático “eurotax”, cujo a Recorrida lhe permite celebrar seguros de danos próprios, sem a prévia autorização, pelo que, com o devido respeito, não ficou por explicar como o valor do capital seguro atingiu os € 16.000,00, sendo € 1.500,00 atribuídos a extras, pelo que o Recorrente limitou-se a aceitar uma proposta efectuada por um mediador da Seguradora, tendo celebrado contrato de seguro de danos próprios e pago o mesmo.
V. Assim, além do seguro de responsabilidade civil automóvel, que é obrigatório, cfr. Art. 4.º do DL 291/07, de 21 de Agosto, pode, ainda, ser contratado o chamado seguro de danos próprios (usual e incorrectamente também chamado de “seguro contra todos os riscos”), que abrange os prejuízos sofridos pelo veículo seguro, ainda que o seu condutor seja responsável pelo evento. Podendo o mesmo incluir várias coberturas, entre elas a colisão, de acordo com opções disponibilizadas pelas seguradoras. Destinando-se o seguro de danos a eliminar prejuízos (contratados) que determinado evento cause no património do segurado.
VI. Fazendo-se, na generalidade dos casos, a determinação do valor seguro, aquando da superveniência do sinistro, pois que a declaração do risco, em que se inclui a descrição e a avaliação do objecto do seguro, é, uma declaração unilateral do segurado que o segurador aceita sem verificação, apenas para efeito de calcular o prémio e estabelecer o valor máximo da indemnização, cfr. Ac. do STJ de 12/12/2013 (deste Colectivo de Juízes), Pº 10485/09.4TBVNG.P1.S1..
VII. Se procurarmos uma justificação para esta realidade normativa (a dos citados arts. 128.º e 132.º) não podemos deixar de ter presente o principio (estruturante da nossa ordem jurídica) segundo o qual o dever de indemnizar visa colocar o lesado na posição que teria se não fosse o dano, significando isto que o quantum indemnizatório deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido – principio geral contido no artigo 562º CC – não podendo nunca constituir um meio de proporcionar um injustificado enriquecimento do lesado, ter um carácter especulativo, ou muito menos constituir um modo fraudulento de enriquecimento patrimonial, sendo oportuno, apesar de constituir principio de valoração omnipresente, lembrar a este propósito que o direito nunca pode ser desagregado de sentido ético nem tão pouco da boa fé que constitui, aliás um principio estruturante da nossa ordem jurídica.
VIII. Foi erradamente dado como não provado o facto 1) – “No dia e hora referido em 1. dos factos provados, o autor conduzindo o veículo aí mencionado, vindo da Avenida Dom António Ribeiro, ao entrar na rotunda que se situa na continuação da Avenida Carlos Cumbre Tavares, na Damaia, perdeu o controlo da viatura, embatendo no lancil aí referido”, pois tem matéria já considerada provada em 1 como facto provado, nomeadamente o facto 1) considera como provado que “ embateu contra o lancil na rotunda que se situa na continuação da Avenida Carlos Cumbre Tavares, na Damaia,(…)”, sendo que não se percebe como em facto 1) é dado como não provado que o veículo ao entrar na rotunda na Avenida Carlos Cumbre Tavares, na Damaia, não tivesse embatido no lancil aí referido, ora ou é um facto provado ou não provado, o que não poderá é ser simultaneamente facto provado e não provado, pelo que tal acarreta nulidade da sentença, nos termos do art. 615.º n.º1 al.c) do CPC., é que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.
IX. Acresce ainda que não se percepciona como é colocado em causa o facto do Recorrente não ter perdido o controlo da viatura, pois o facto de ter as rodas da viatura viradas na direcção da frente e não para o lado jamais poderá ser decisivo para se concluir que o sinistro terá sido voluntário, tal facto não poderá passar de uma mera suposição, pois com o despiste o normal é o condutor tentar controlar a viatura e nesse acto poderá ter segurado o volante de forma a tentar controlar o veículo e as rodas terem ficado virado para a frente, pois , apurou-se apenas que em certo dia e hora o veículo seguro ficou embatido num lancil que apresentava danos, desconhecendo-se, por um lado, se ficou embatido na sequência do risco próprio da condução estradal, independente de acto intencional do segurado (excluído do âmbito da cobertura – cfr. art. 40º, nº1, alínea b), das Condições Gerais da referida apólice.
X. Cabe ao autor a alegação e o ónus da prova da verificação do risco coberto, o que no caso o autor fez com a prova da existência de danos no seu veículo em consequência de um embate, como quer que ele tenha sido provocado e à ré seguradora cabe a alegação e o ónus da prova da verificação de uma situação excluída do risco (como facto impeditivo do direito do autor - art. 342/2 do CC) que no caso é a de os danos terem sido "causados intencionalmente pelo tomador do seguro, segurado, pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis ou às quais tenham confiado a guarda ou utilização do veículo seguro." (art. 36/lb das condições gerais do contrato de seguro)”.
XI. Assim, se a ré tem o ónus de provar que os danos sofridos foram causados intencionalmente pelo tomador do seguro, para se livrar da responsabilidade, e se, por isso, se ela não provar que os danos foram causados intencionalmente pelo tomador do seguro, isto é, se se desconhecer se os danos foram causados intencionalmente pelo tomador do seguro, ela tem de responder pelos danos provados, não se pode dizer que "desconhecendo-se se o veículo ficou embatido na sequência do risco próprio da condução estradai, independente de acto intencional do segurado ", tal corre por conta do autor.
XII. E aqui relembra-se que, a Ré nunca alegou factos que preenchessem a previsão normativa da exclusão do art. 40.º das condições gerais do contrato, apesar da sugestões nesse sentido que foi fazendo e que o autor, mesmo que hipoteticamente se considere que não conseguiu provar a sua versão do embate, conseguiu provar factos suficientes para que se possa dizer preenchida a previsão da cobertura contratada, em suma, por não se provar que se esteja perante uma situação excluída do risco coberto, a Recorrida tem de pagar a contraprestação a que se obrigou.
XIII. Assim sustentando a Seguradora demandada que o Recorrente não demonstrou a ocorrência de um acidente de viação, ou seja, de um acontecimento casual e fortuito, pois que toda a prova apontaria, segundo ela, no sentido de o embate do veículo no lancil e do qual resultaram os estragos cuja reparação foi tida por economicamente inviável haver sido intencional para obter da seguradora o pagamento de indemnização superior ao valor real da viatura, sendo de salientar que está em causa, pois, não a responsabilidade civil extracontratual do segurado (e, por via do contrato de seguro, da seguradora) perante terceiros, mas a responsabilidade civil contratual da seguradora perante o seu segurado, face à obrigação por ela assumida de indemnizar este pelos danos na viatura causados, entre outros, por choque com qualquer corpo fixo.
XIV. Na base de qualquer crédito indemnizatório emergente do contrato de seguro está, como se sabe, o sinistro e este é a realização do risco previsto no contrato de seguro, desencadeador, pela sua própria natureza, da garantia subjacente ao seguro; não coincide necessariamente com o acidente, mas com as consequências deste e por sua vez, o risco é o evento futuro e incerto, cuja ocorrência se antevê meramente provável ou possível (contingente) e que, a concretizar-se, se materializará em danos cuja ressarcibilidade é prevista no contrato.
XV. Reconduzindo-se o risco à possibilidade de um evento futuro danoso, implica a previsão abstracta de certos impactos patrimoniais negativos e a correlativa obrigação de indemnização caso tais hipóteses se verifiquem; o risco é o evento abstracto que pode ou não vir a verificar-se, logo, aleatório, pelo que o risco seguro (abstracto) realiza-se com o facto (ou conjunto de factos) que a ele se subsume, desde que tal facto e as circunstâncias em que ocorreu coincidam com as previstas como riscos (na lei ou na Apólice) ou não coincidam com as previsões de riscos excluídos.
XVI. O contrato de seguro (de danos próprios) estipula-se para que a seguradora indemnize o segurado ou um terceiro – o seguro é um contrato indemnizatório – pelas consequências de um evento danoso e daí que o risco, como possibilidade aleatória de que este evento se venha a verificar, constitua um pressuposto da causa contratual e seja elemento essencial do contrato, dever-se-á então concluir que o risco consiste na previsão abstracta do evento, como possível ou provável e que o sinistro é, por sua vez, a realização e concretização desse evento.
XVII. O acidente só é sinistro se for subsumível ao risco, pelo que o acidente é um acontecimento imprevisto, fortuito, súbito e independente da vontade humana, que desencadeia danos, que deverá também configurar um sinistro juridicamente relevante e para isso, terá que concretizar o risco danoso abstractamente previsto que tanto pode ser uma lesão corporal, um dano em coisas ou num património, provocado por acção súbita, fortuita, imprevista e violenta de uma causa exterior, independente da vontade do segurado, pois o acidente é, pois, o acontecimento que resulta dessa acção.
XVIII. Depois de na Apólice se prever, como objecto das garantias do seguro, a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo automóvel (seguro obrigatório), previu o instrumento o alargamento das coberturas do contrato de seguro a outros riscos ou garantias (coberturas facultativas), de harmonia com as coberturas e exclusões constantes das Condições Especiais que foram contratadas e uma dessas coberturas facultativas abrangidas pelo contrato de seguro foi a da garantia do pagamento das indemnizações, fora do âmbito do seguro obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, devidas por choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros, pelo que do comum o choque e a colisão têm, entre si, a noção de embate, mas enquanto o choque é um embate num objecto ou obstáculo fixo, a colisão é um embate entre objectos em movimento, assim no caso em apreço, estando em causa o embate de um veículo num lancil, trata-se obviamente de um choque.
XIX. Assim todo o acidente de viação constitui, em si mesmo, um fenómeno impar, sempre diferente no seu conjunto, em relação a outros, pelo condicionalismo de que se reveste, pelas consequências a que dá origem, até pelo comportamento diferente das diferentes viaturas que nele intervém; é sobretudo diferente por aquilo que lhe dá origem – situações de culpa, situações de risco e como fenómeno dinâmico, o seu processo causal não é redutível ao esquema de outros acidentes, produzidos embora por viaturas de características precisamente idênticas. Por conseguinte, não é inteiramente tranquilizador querer julgar acidentes de viação por simples aproximação ou paralelismo com outros sobre os quais os tribunais s hajam debruçado já” (cfr. Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed., p. 519).
XX. Estipulada a cobertura facultativa de indemnização dos danos causados em dada viatura causados, entre outros, por choque, o facto constitutivo do direito do segurado à indemnização por tais danos próprios causados pelo embate do veículo com um objecto fixo não é apenas o embate, mas todo o processo dinâmico que termina com os estragos na estrutura do veículo, ora, o Autor alegou esse processo causal ao afirmar que quando conduzia o seu veículo perdeu o controlo da viatura, tendo esta embatido no lancil, sofrendo danos cujo ressarcimento reclama.
XXI. Interpretada assim a matéria de facto, forçoso é concluir que o processo dinâmico que culminou no embate do veículo no lancil com os danos constatados, preencheu os requisitos básicos de um acidente - acontecimento estradal, anormal, fortuito e casual, decorrente da circulação rodoviária de um veículo - para, conjugado com a cobertura facultativa de danos próprios constante da Apólice, criar na esfera jurídica do Autor o crédito indemnizatório contra a Ré Seguradora pelos danos causados com o choque no veículo, porque, como se sabe, o direito do segurado à reparação com base em contrato de seguro que abrange os danos próprios do veículo não depende apenas da prova da existência dos danos sofridos pelo veículo mas também depende da prova de que esses danos foram causados por um dos riscos cobertos pelo seguro.
XXII. É certo que a Recorrida sustenta haver sido demonstrada a natureza fortuita e casual do invocado acidente, onerando com a respectiva prova o segurado, ora a decisão objecto de recurso que também acolhe tal versão, não poderá vingar, pois o art. 40º nº1-b) da Apólice prevê, entre os casos de exclusão da garantia da cobertura facultativa convencionada, o de o dano ser causado intencionalmente pelo tomador do seguro, segurado, pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis ou às quais tenham confiado a guarda ou utilização do veículo seguro.
XXIII. Os casos de exclusão da garantia da cobertura configuram-se como factos impeditivos do direito do segurado à indemnização cujo ónus de alegação e de prova compete a quem deles se pretende aproveitar - in casu, a seguradora – por força do art. 342º nº2 CC., daí que, perante a pretensão indemnizatória, sobre a seguradora a quem tal pretensão é apresentada, recaia o ónus de alegar todos os factos que, a serem demonstrados, impliquem a sua desoneração da obrigação de indemnizar.
XIV. No caso sub judice, se bem atentarmos na contestação da Seguradora, ora recorrido, ela nunca alegou clara e expressamente que o “acidente” foi provocado pelo segurado, quer dizer, a Ré, recorrida, insinuou dúvidas e suspeitas sobre a “veracidade” do acidente invocado pelo seu segurado, mas não alegou, afirmando, que o choque foi intencionalmente provocado para obter dela a indemnização correspondente ao valor da viatura, defraudando-a e era curial que o fizesse se pretendia aproveitar da exoneração da responsabilidade contratualmente prevista e que funcionava como facto impeditivo do direito invocado pelo seu segurado, porque, como decorre dos princípios gerais sobre repartição do ónus de prova consagrados nos art.s 342º e segs CC e 516º CPC – a chamada teoria das normas formulada por Rosenberg, com base na natureza do facto nelas previsto e no benefício que o mesmo tem para a parte que a invoca - tal encargo recai sobre a parte que pretende aproveitar do comando preceituado pela norma que invoca, sendo certo que nenhuma regra pode ser aplicada sem que o juiz se convença da verificação de todos os elementos da respectiva facti species, decidindo-se a dúvida sobre a verificação de todos, ou de qualquer deles, contra a parte que a norma beneficiaria.
XXV. Os factos são, assim, constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito, sendo que o ónus de prova dos constitutivos recai sobre o Autor (ou, nas acções de declaração negativa sobre o Réu) e os impeditivos, modificativos e extintivos, sobre o Réu e no caso em apreço, o Autor estava onerado com a prova do acidente e dos factos geradores do direito à indemnização por perda total do veículo (facto constitutivo); como entendeu a Relação de Lisboa em11-04-2013 (Des. Teresa Prazeres Pais), em acção fundada em contrato de seguro de danos próprios:
“O ónus da prova sobre a ocorrência do sinistro e sobre o nexo de causalidade entre esse sinistro e os danos sofridos pelo veículo compete ao segurado nos termos do artº 342 nº1 do CC”
XXVI. A Ré arca com o encargo da prova da intencionalidade na produção do choque da viatura no pinheiro, visando a criação de condições para reclamar a indemnização e, com isso, o reconhecimento da exclusão da sua responsabilidade (facto impeditivo do direito), sendo certo que o ónus de alegação precede o ónus de prova, mesmo que demonstrados fossem os factos em que baseava as suspeitas - celebração do contrato de seguro com cobertura de danos próprios, por valores alegadamente elevados (que ela aceitou…), acidente numa estrada onde já tinham ocorrido outros, envolvendo pessoas ligadas ao mesmo Stand de Automóveis onde o Autor terá adquirido a viatura, também com perda total e respectiva indemnização.
XXVII. É que, em matéria rodoviária, todo o embate (tal como colisão), salvo prova em contrário, se presume, pela própria natureza das coisas, casual e fortuito e sem qualquer contribuição dolosa do respectivo condutor; como diz o povo, que na sua infinita sabedoria sabe mais que todos os juristas do mundo inteiro juntos, os carros não foram feitos para bater…; quer isto dizer que a natureza fortuita e casual do acidente só deixa de existir se o mesmo for doloso e não também meramente negligente ou decorrente do risco da circulação automóvel e a intencionalidade do embate, como se disse, não foi demonstrada.
XXVIII. Em contrato de seguro automóvel com cobertura facultativa de danos próprios, causados entre outros, por choque, a seguradora responde perante o seu segurado por quaisquer danos causados pelo embate do veículo, em circulação, em qualquer corpo fixo, desde que se não prove qualquer actuação dolosa do segurado (ou depessoas por quem ele responde) na eclosão de tal embate, sendo que a prova da actuação dolosa impeditiva do direito à indemnização compete à Seguradora, porque o ónus de alegação precede o ónus de prova, a Seguradora deve alegar – e depois demonstrar - os factos através dos quais se possa concluir com segurança que o embate foi propositadamente provocado e tal alegação não se basta com a mera insinuação de dúvidas e de suspeitas sobre a causa do acidente ainda que fundadas em factos concretos que nenhuma relação têm com o caso dos autos e que nem sequer constam da matéria de facto fixada como provada.
XXIX. O contrato de seguro é, pela sua própria natureza, um contrato aleatório, na medida em que, se a prestação do segurado é certa (o prémio), já a prestação a que a seguradora se vincula depende de um acontecimento futuro e incerto que concretize o risco coberto pelo seguro, diversamente, a condição é um elemento acidental - logo, não essencial - do negócio jurídico e, por via dela, a produção ou a resolução dos efeitos do negócio ficam dependentes de um acontecimento futuro e incerto de harmonia com a vontade comum das partes (art. 270º CC); a condição é um mais que pode ou não acrescer ao negócio sem o descaracterizar, perspectivando aparentemente o sinistro como uma condição suspensiva do contrato de seguro, a recorrida defende que, porque o mesmo foi provocado, contra as regras da boa-fé, por aquele a quem aproveita deverá considerar-se não verificado (art. 275º nº2 CC), mas esta argumentação não colhe desde logo porque, como decorre das considerações expendidas, nenhuma evidência foi demonstrada de que o choque do veículo contra o lancil fosse intencional. E, pelas mesmas razões, não colhe o argumento fundado no abuso do direito por banda do segurado (art. 334º CC) para ser condenado como litigante de má fé.
XXX. Quanto a ter sido erradamente dado como não provado o facto 2) – “ Naquele dia chovia abundantemente e por isso o autor perdeu o controlo da viatura”, ora as únicas pessoas presentes no referido dia no local que depuseram em sede de audiência de julgamento foi o Recorrente e o motorista do reboque, este segundo de nada se recordava atendendo que o iato temporal decorrido e que diariamente faz vários reboques de viaturas, pelo que não se recordava do caso concreto, enquanto o Recorrente atestou que no referido dia e hora chovia abundantemente e que tal facto o levou a perder o controlo da viatura, o que também é confirmado pelas próprias fotografias juntas ao processo, cujo é visível o solo molhado, ora a sentença que se recorre é totalmente omissa quanto a tal fundamentação do facto meteorológico, pelo que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia (artº 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil – anterior artº 668º nº 1, al. d)).
XXXI. Foi considerado erradamente como não provado o facto 3) – “A viatura segura possuía vários extras, como por exemplo perfil 4BHOft-1014., luzes xénon, sistema PAA-engate de reboque”, ora o Recorrente referiu que o veículo detinha os referidos extras, o perito averiguador da Seguradora referiu que quando efectuou a perícia inexistiam tais extras, ora de tal facto não se poderá concluir que a viatura não detinha os extras no momento do sinistro, quem garante que não foram retirados os extras entre o momento do sinistro e o momento que foi efectuada a peritagem ao veículo.
XXXII. Foi erradamente dado como não provado o facto 4) – “ Em virtude de ter ficado privado do uso do veículo seguro o autor teve de recorrer a boleia, a veículos emprestados e ainda ao uso de transportes públicos para ir trabalhar” e facto 5) – “Em consequência do facto referido em 1. ( do elenco dos não provados) o autor enervou-se e passou a ter insónias”, ora tanto o Recorrente como o seu padrasto atestaram que este ficou privado do uso do veículo, o que lhe causou transtornos, tendo pedido o veículo emprestado ao padrasto, bem como chegou a ter de se deslocar de transportes públicos, pois trabalha como segurança para a ...-Empresa..., SA (facto provado em 8), tem como posto de trabalho o supermercado “B...”, em Benfica ( facto provado em 9) e trabalha por turnos ( facto provado em 10), pelo que face ao teor do contrato de seguro celebrado entre o Autor e a Ré, o ressarcimento dos danos decorrentes, e designadamente, da perda total por furto, está limitado ao “valor seguro” do veículo, como aliás acontece, por via de regra, no tocante aos seguros de coisas, os quais, e na expressão de Francisco Guerra da Mota, “têm por objecto singulares elementos patrimoniais em cuja conservação o segurado tenha interesse”, neles ficando excluídos da garantia os chamados “danos indirectos” derivados da privação do gozo ou uso do bem, Cfr., a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-09-1999, in CJ, Ano VII, tomo III, págs. 37-40; e Moitinho de Almeida, in “O Contrato de Seguro”, pág. 159, referindo o mesmo Autor, todavia, que “…não se podem considerar compreendidos no seguro, salvo convenção em contrário, os danos que não são senão directos e imediatos. Tal problema, porém, não é disjunto da vontade contratual, soberana para delimitar o risco com a individuação do interesse garantido pelo seguro. E uma tal individuação pode ser feita quer positiva e directamente com a indicação do bem, ou do interesse e relativo valor, quer negativa e indirectamente com a expressa exclusão dos danos ulteriores daqueles que consistem na destruição e avaria de bem, em si e de per si considerado”.
XXXIII. A determinação do quantum indemnizatório relativo aos danos próprios, não coincide, destarte, com os termos da operada no âmbito do seguro de responsabilidade civil, como é caracterizado o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, já que os terceiros lesados não se encontram vinculados às regras estabelecidas nas apólices e demandam a seguradora com base em responsabilidade extracontratual, pelo que aqui o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo directamente causado, como os benefícios que o terceiro lesado deixou de obter em consequência da lesão (n.º1 do art. 564º do Código Civil), no caso em apreço, porém, nem o pedido do A. de condenação da Ré no pagamento de indemnização pela privação do uso da viatura objecto do seguro apela ao entendimento daquele como dano incluído no âmbito do contrato de seguro, que, na definição de José Vasques, “vem a consistir na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos.”, pois tal pedido do Recorrente no incumprimento contratual de parte da Ré, traduzido na recusa daquela em pagar-lhe o quantitativo, a título de indemnização pela perda total da viatura.
XXXIV. Pelo que o autor ficou privado da sua viatura, tendo perdido a utilidade de um meio de transporte necessário às suas comodidades tanto pessoais como familiares, o que lhe causou tensão nervosa e aborrecimentos, Como refere José Alves de Brito, In “Lei do Contrato de Seguro, Anotada”, Almedina, 2009, pág. 322, em anotação ao art.º 102º, n.º 3, da Lei do contrato de seguro aprovada pelo já citado Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril – mas com absoluta pertinência, no que ora nos ocupa, para casos, como o presente, não sujeitos à disciplina daquela Lei – e depois de assinalar que se trata “patentemente, de uma disposição com plena aplicação ao seguro de danos”, “a prestação devida pelo segurador pode ser pecuniária ou não pecuniária.
Parece, assim, valer o disposto nos artigos 562º e 566º do CC, podendo a prestação consistir na reconstituição natural ou numa indemnização em dinheiro…”.
XXXV. Foi erradamente dado como não provado o facto 6) – “O autor adquiriu o veículo por € 16.000,00”, pois encontra-se junto ao processo a fls.212, Declaração emitida por VIA-CAR.PT, datada de 9 de Agosto de 2016, que atesta que o Recorrente em 09-08-2017 comprou a viatura de marca Audi modelo A5 Allroad 2.5TDI pelo valor de € 16.000,00, pelo que não se percebe a razão pela qual não foi dado como provado tal facto, pois também nenhuma prova foi efectuada no sentido contrário, ou seja inexistiu qualquer prova carreada no processo que levasse a crer que o Recorrente não pagou € 16.000,00 pela aquisição da viatura, pelo que através da fundamentação da matéria de facto da sentença não é possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.
XXXVI. Foi erradamente dado como não provado o facto 7) – “O autor contratou um crédito pessoal para a aquisição do veículo”, pois o Recorrente fez prova no processo, a fls. 220-223, que contraiu um crédito pessoal para compra da viatura, não o tendo efectuado através do stand, tendo para o efeito junto o contrato de crédito, ora tendo o crédito sido no montante de € 10.552,25, com inicio em 5 de Maio de 2015, sendo que o Recorrente não contraiu empréstimo para o valor global do veículo, porque detinha poupanças na sua posse, e requereu empréstimo para a aquisição da viatura em data anterior à compra da viatura, porque tinha necessidade de comprar uma viatura e por esse motivo pediu o capital primeiro e depois comprou a viatura dentro do valor que dispunha, não se percebendo porque não foi considerado provado que o crédito contraído foi para ser utilizado na compra da viatura em causa.
XXXVII. São assim, elementos constitutivos da responsabilidade civil: o facto, a ilicitude, a culpa (imputação do facto ao lesante), nexo de causalidade entre o facto e o dano e o dano, sendo que o ónus da prova no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, se não houver presunção legal da sua existência, incumbe a quem pretende fazer valer o direito à indemnização (art. 487.º, n.º 1 do Cód.Civil) e o critério legal de apreciação da culpa é abstracto, tendo em conta as concretas circunstâncias da dinâmica do acidente de viação, por referência a um condutor normal (art. 487.º, n.º 2 Cód.Civil), assim, a conclusão sobre a culpa na produção do evento, resultará da análise da dinâmica desenvolvida pelo veículo automóvel e pelo lesado no quadro da realidade estática onde ocorreu.
XXXVIII. No caso vertente, não ficou provado a violação de qualquer dever objectivo de cuidado por parte do Autor, pelo que a situação deverá ser analisada no âmbito da responsabilidade pelo risco, excluindo-se a responsabilidade por facto ilícito determinada no art. 483.º do Cód.Civil.
XXXIX. A questão que se coloca, face à matéria de facto dada como provada, é pois, se o despiste da viatura, independentemente da natureza da causa, constitui um risco inerente ao seu funcionamento, inserindo-se na previsão do art. 503.º,n.º 1 do Cód.Civil, ou constituirá um facto estranho ao funcionamento do veículo, excluindo a responsabilidade pelo risco, nos termos do art. 505.º do Cód.Civil, ora no dizer de Pires de Lima/Antunes Varela, trata-se de “um problema de causalidade: trata-se de saber se os danos verificados no acidente devem ser juridicamente considerados, não como um efeito do risco próprio do veículo, mas sim como uma consequência do facto praticado pela vítima ou por terceiro.”.
XL. Neste sentido, e ainda seguindo de perto a mesma doutrina, “tem-se considerado como facto inerente ao funcionamento do veículo a derrapagem deste, seja como consequência de qualquer defeito mecânico da viatura, seja por virtude do piso defeituoso da via.”, assim, o despiste ou derrapagem, tem sido considerado como ocorrência que “cabe na esfera dos riscos normais dos veículos terrestres, que a lei lança sobre quem tem a direcção efectiva da viatura e a utiliza no seu interesse”, pelo que tendo ficado assente o condutor do veículo segurado na Ré, circulava de manhã, e se despistou e somente poderá ser por causa não imputável à sua vontade, verifica-se se trata de um evento que cabe dentro dos riscos normais de circulação dos veículos terrestes, pois mais nenhuma outra circunstância que pudesse explicar o despiste foi apurada.
XLI. Mais resultou provado que era o proprietário que tinha a direcção efectiva do veículo de circulação terrestre, o qual era utilizado no seu próprio interesse, por conseguinte, o despiste ocorrido compreende-se dentro dos riscos próprios do veículo, respondendo o proprietário pelos danos causados, mostrando-se, desta forma, preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil pelo risco, sendo a Ré, nessa medida, responsável em virtude de ter celebrado com o referido condutor um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel com cobertura de choque, capotamento e colisão, comumente apelidada de seguro de dados próprios.
XLII. A Recorrida está assim obrigada a reconstituir a situação que existiria no património do lesado se não se tivessem verificado o evento que obriga à reparação dos danos indemnizáveis, cuja relevância cumpre apreciar (art. 562.º do Cód.Civil), no caso vertente, a reparação foi considerada materialmente impossível, o que corresponde a uma perda total, nos termos do art. 41.º, n.º 1, alínea b) do Dec.Lei n.º291/2007, de 21 de Agosto, no que significa que se trata de uma situação “(...) na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo”.
XLIII. Nos termos do n.º 3 do supra citado preceito “O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização”, no caso de seguro facultativo de danos próprios, o valor venal do veículo apura-se de forma especial, nos termos das tabelas de desvalorização decorrentes do art. 4.º Dec.Lei n.º 214/97, de 16/08 (inalterado mesmo após a aprovação do Dec.Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril que aprovou o no regime jurídico do contrato de seguro).
XLIV. Deverá ser revogada a sentença proferida em primeira instância e ser alterada por outra decisão que considere o valor venal do veículo de € 14.500,00 euros, acrescido de extras de € 1.500,00, tendo a Ré entregue o salvado, que teria o valor de € 2.100,00 euros, pelo que haverá apenas que deduzir a franquia contratual, no valor de € 500 euros, para que a Recorrida pague ao Recorrente a quantia de € 13.400,00 euros, acrescido de indemnização por privação do uso pelo Recorrente no montante diário de € 30,00 desde a data que o Recorrente ficou privado do uso da sua viatura até à data de instauração da acção no valor de € 5.400,00, bem como danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00.
XLV. Termos em que a apelação deve ser julgada procedente e decidir-se pela improcedência da acção, absolvendo-se a Apelante do pedido, tendo-se decidido com violação do disposto nos arts. 562.º, 505.º, 503º/1, 483.º, 487.º, 566.º, 564º/1, 275 º, 334.º, 342.º, todos do CC, bem como arts. 668.º/1 alínea d), 615.º/1 alíneas c) e d), e 516.º, ambos do CPC, e art. 4.º do Decreto-Lei n.º 214/97 de 16/08 e art. 102.º/3 do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16/04 e arts. 4.º e 41.º ambos do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21/08, por deficiente interpretação, sendo o sentido das normas violadas o atrás referido.
A R. contra alegou nos termos de fls. 280 e seguintes.
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II – 1 - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. No dia 14 de fevereiro, pelas 07h05min, o autor, quando conduzia o veículo de matrícula 47-..., embateu contra o lancil na rotunda que se situa na continuação da avenida Carlos Cumbre Tavares, na Damaia, provocando-lhe os danos infra mencionados, encontrando-se esse lancil na segunda saída dessa rotunda a contar da avenida Dom António Ribeiro.
2. O veículo conduzido pelo autor embateu com a parte da frente no lancil, tendo aí ficado imobilizado.
3. Após o embate e tendo sido efetuada avaliação dos danos na viatura em consequência do embate, o autor recebeu uma missiva da ré, datada de 31 de março de 2016, a informar que no seguimento da vistoria efetuada pelos serviços técnicos à viatura, o valor estimado para a reparação seria de € 20.465,86 (vinte mil quatrocentos e sessenta e cinco euros e oitenta e seis cêntimos), a qual seria excessivamente onerosa face ao valor seguro.
4. A ré comunicou ao autor que o valor do veículo, tendo em conta os danos, era de 2.100,00€.
5. Entre a R., na qualidade de seguradora, e o A., na qualidade de tomador, em 6-8-2015, foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel sobre o veículo de matrícula 47-..., titulado pela Apólice n.º 00038..., que abrangia danos próprios, em caso de choque, colisão ou capotamento.
6. O capital seguro ascendia a € 16.000,00, sendo que nesse valor se incluía a cobertura 1.500,00€ relativamente a extras ao nível do equipamento incorporado no veículo seguro.
7. Ainda nos termos desse contrato, previa-se uma franquia de 500,00€.
8. O autor trabalha como segurança para a “...-Empresa..., SA”.
9. … tem como posto de trabalho o supermercado “B...”, em Benfica.
10. … e trabalha por turnos.
11. Foi contratada uma apólice de seguro junto da seguradora “F...” para o veículo sinistrado, constando tal apólice registada em nome de SC..., com o nº 754..., tendo iniciado a produção dos seus efeitos em 14.05.2016.
12. O valor de mercado do veículo em causa, aquando da celebração do contrato de seguro com a ré, era de 11.052,00€.
13. Nas declarações que prestou ao averiguador do sinistro o autor informou que adquiriu o veículo seguro num stand no Forte da Casa denominado V... pelo valor de € 16.000,00, tendo para o efeito contraído um crédito pessoal.
14. O prémio de seguro contratado com a ré para o veículo em causa era de 1.675,05€.
15. Consta das condições gerais do contrato de seguro celebrado entre o autor e a ré relativamente ao veículo aqui em causa, além do mais, na cláusula 40ª, nº 1, al. b) : “(…) o contrato de seguro não garantirá ao abrigo das coberturas facultativas (…), as seguintes situações: (…) b) danos causados intencionalmente pelo tomador do seguro, segurado (….)”.
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II – 2 - O Tribunal de 1ª instância não considerou provados os seguintes factos:
1. No dia e hora referido em 1. dos factos provados, o autor conduzindo o veículo aí mencionado, vindo da avenida Dom António Ribeiro, ao entrar na rotunda que se situa na continuação da avenida Carlos Cumbre Tavares, na Damaia, perdeu o controlo da viatura, embatendo no lancil aí referido.
2. Naquele dia chovia abundantemente e por isso o autor perdeu o controlo da viatura.
3. A viatura segura possuía vários extras, como por exemplo perfil 4BHOft-1014, luzes xénon, sistema PAA-engate de reboque.
4. Em virtude de ter ficado privado do uso do veículo seguro o autor teve de recorrer a boleia, a veículos emprestados e ainda ao uso de transportes públicos para ir trabalhar.
5. Em consequência do facto referido em 1. (do elenco dos não provados) o autor enervou-se e passou a ter insónias.
6. O autor adquiriu o veículo por 16.000,00€.
7. O autor contratou um crédito pessoal para a aquisição do veículo.
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III – São as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que determinam o âmbito da apelação, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Da leitura das 45 compactas “conclusões” apresentadas pela apelante – sendo que uma parte delas corresponde à transcrição de passagens do acórdão do STJ de 3-10-2013, processo 2212/09.2TBACB.L1.S1 e de outras decisões judiciais - retira-se que as questões que nos são colocadas são as seguintes: se a sentença é nula por os fundamentos estarem em oposição com a decisão e por o juiz ter deixado de pronunciar-se sobre questões que lhe cumpria apreciar; se deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos termos propostos pelo apelante; se face aos factos provados se verificam os factos constitutivos do direito á indemnização decorrente do contrato de seguro celebrado, atentos os danos sofridos pelo veículo a que se reportam os autos; se o A. tem a receber quaisquer quantias a título de indemnização por privação do uso e por danos não patrimoniais; se deverá manter-se a condenação por litigância de má fé ([1]).
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IV – 1 - O apelante imputa à sentença a nulidade prevista no art. 615, nº 1-c) do CPC.
Inclui o art. 615 do CPC entre as causas de nulidade da sentença os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (nº 1-c).
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença ([2]).
Sucede que, no caso, inexiste tal contradição.
Os fundamentos serão, aqui, os fundamentos de facto e de direito em que o tribunal de 1ª instância se alicerçou; a decisão será a de improcedência da acção e absolvição do pedido. Ora, os fundamentos de facto – ou seja, os factos julgados provados - e os fundamentos de direito consignados na sentença conduzem, sem dificuldade lógica, à decisão que foi proferida de improcedência da acção.
O que o apelante equaciona é uma contradição entre factos, ou, mais exactamente, a contradição entre um facto considerado provado e um outro facto considerado não provado. Temos, pois, que o apelante reputa de contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, vício aludido no nº 2-c) do art. 662 do CPC o que não se reconduz à invocada nulidade da sentença. Todavia, também aquele vício se não verifica, como veremos infra.
Do mesmo modo o apelante imputa à sentença a nulidade prevista no art. 615, nº 1-d) do CPC.
Nos termos do nº 1 -d) do art. 615 do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. A nulidade da omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento por parte do julgador daquele dever prescrito no nº 2 do art. 608 do mesmo Código, de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada. Todavia, as mencionadas «questões», enquanto fundamento da nulidade da sentença, não abrangem os argumentos ou as razões jurídicas invocadas.
Não há aqui qualquer omissão de pronúncia – o tribunal conheceu das questões (no sentido acima apontado) que lhe foram propostas.
O apelante parece antes apontar para uma deficiência sobre um concreto ponto da matéria de facto, deficiência aludida na alínea c) do nº 2 do art. 662 do CPC, vício que igualmente se não verifica consoante veremos abaixo.
Pelo que não se verificam as invocadas nulidades da sentença.
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IV – 2 - Nos termos do nº 1 do art. 640 do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Assim, o recorrente deve indicar, desde logo, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões» ([3]).
Sendo o seguinte o sumário do acórdão do STJ de 7-7-2016 ([4]):
«I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC
II- Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre.
III- A imposição daquele ónus ao recorrente não viola o direito de acesso aos tribunais, não impondo a Constituição da República Portuguesa ao legislador ordinário que garanta aos interessados o acesso ao recurso de forma ilimitada».
E constando do sumário do acórdão do STJ de 31-5-2016 ([5]): «Nas conclusões, deve ser incluída a questão atinente à impugnação da matéria de facto, ou seja, aí deve introduzir-se, sinteticamente “os fundamentos por que pede a alteração (ou anulação) da decisão” (art. 639.º, n.º 1), o que servirá para o recorrente afirmar que matéria de facto pretende ver reapreciada, indicando os pontos concretos que considera incorrectamente julgados, face aos meios probatórios que indica nas alegações».
Nas conclusões da sua alegação de recurso o recorrente amálgama a impugnação da decisão de facto com a impugnação da decisão de direito, não facilitando a este tribunal o tratamento (distinto) de uma e de outra.
Resulta, todavia, que o recorrente discorda da decisão do Tribunal de 1ª instância no que concerne aos factos não provados 1) a 7) que, depreende-se, o recorrente considera que deveriam ter sido julgados provados. Bem como discorda do valor do veículo contante do ponto 12) dos factos provados – parecendo-nos que proporá que tal facto seja julgado não provado.
O Tribunal de 1ª instância sustentou a sua convicção quanto aos factos em referência nos seguintes termos:
Quanto ao ponto 12) dos factos provados - «do documento de fls. 215-219, o qual revela o valor de mercado, segundo o programa informático eurotax, sendo a sua credibilidade sustentada no facto de o mesmo servir de referência às seguradoras para fixarem o valor do capital seguro por danos próprios dos veículos em segunda mão, aquando da contratação».
«Quanto aos factos não provados:
1.: Corresponde à descrição feita pelo autor do processo dinâmico que levou ao embate, o qual não se provou, conforme melhor se explicou supra, a propósito da fundamentação de 1. e 2. dos factos provados.
2. : A prova produzida sobre o mesmo foi insuficiente, uma vez que assentou apenas nas declarações do autor, sendo que este não foi credível quanto às circunstâncias que rodearam o alegado acidente.
3.: Assim se considerou por falta de prova e por se constatar, quanto ao engate de reboque precisamente o contrário do alegado pelo autor, verificando-se que o veículo não tinha engate de reboque através das fotografias de fls. 180, conjugadas com as declarações do autor.
4.: Resultando da prova documental produzida que o autor tinha um outro veículo aquando do embate, considerou-se este facto não provado.
5.: Não provou por insuficiência de prova, porquanto a prova produzida a este propósito cingiu-se às declarações do autor, que não se mostrou credível, e ao depoimento do padrasto, o qual mereceu reservas quanto à sua isenção.
6. e 7.: Estes factos não se provaram, conforme acima já se explicou e pelas razões aí mencionadas».
Dizendo a propósito da fundamentação de 1. e 2. dos factos provados:
«- 1. e 2. das fotografias juntas a fls. 194, 196, 198 e 199, conjugadas com o documento junto a fls. 54, relativo ao reboque, conjugado com as declarações do autor. O tribunal convenceu-se que o embate se deu no local onde o autor referiu. Dai que se tenha provado o embate. Mas, não se provou que o embate se tenha dado em consequência do autor ter perdido o controlo da viatura. Não resultou que se tratasse de um evento súbito, aleatório e imprevisto.
A descrição do acidente feita pelo autor não se afigura compatível em si mesma, tendo presente o facto do veículo embater de frente e de as rodas terem ficado também direcionadas em frente e isto conjugado com o local de onde o autor disse que vinha a circular, a aludida perda de controlo do veículo na rotunda e o local da rotunda onde o autor disse que pretendia sair.
Ao contrário da tese sustentada pelo autor, o posicionamento do veículo e a direção das rodas aparenta que o veículo foi intencionalmente direcionado para o local onde embateu.
A isto acresce: o facto do valor do capital seguro estar sobrevalorizado, tendo por referência o valor de mercado do veículo; o facto do autor, ao celebrar o contrato de seguro, declarar extras, que determinaram o aumento do capital seguro, e que não existiam; o facto do embate se ter dado cerca de 6 meses após ser contratado o seguro; e ainda, as incongruências do autor nas declarações que prestou, acima assinaladas.
Tudo conjugado levou a que se provasse o embate naquele local, mas já não se tivesse provado a descrição que o autor fez do processo dinâmico que culminou no embate, designadamente que o autor havia pedido o controlo do veículo, determinado por naquele dia chover abundantemente».
Vejamos.
Quanto ao facto provado 12), relativo ao valor de mercado da viatura à data da contratação do seguro, do documento de fls. 215-219 respeitante à cotação do veículo com base na Eurotax, em 10-8-2015 – referindo expressamente a viatura 47-..., Audi A6 S6 RS6, com matrícula de 26-10-2004 – resulta que o seu valor era de 11.052,00 €.
O apelante afirma que o modelo em causa “não era o mesmo modelo de audi”, mas não justifica porquê, não dizendo qual a diferença, quais as características que divergem. Menciona, ainda, a sua percepção e conclusões que retira do depoimento da testemunha VA..., tecendo seguidamente argumentação diversa, alicerçando-se em disposições legais e acórdãos proferidos pelo STJ.
Estamos, ainda, a debruçarmo-nos sobre a matéria de facto provada, não sendo o momento para nos pronunciarmos sobre a questão de direito.
No âmbito da reapreciação da matéria de facto incumbiria ao apelante, nos termos do nº 2-a) do mesmo art. 640 do CPC, uma vez que se funda em meios de prova de que houve gravação (depoimento da dita testemunha) indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso - e proceder, se assim o entendesse, à transcrição de quaisquer excertos.
Diz-nos, a propósito, Abrantes Geraldes ([6]) que relativamente «a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos». E que a rejeição do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto deve verificar-se, nomeadamente, quando da «falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda» e da «falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação», acrescentando que «as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça».
O apelante limita-se a enunciar a sua percepção e as conclusões por si retiradas do depoimento da testemunha VA..., não dando cumprimento ao disposto na lei.
Deste modo, atento o documento a que o Tribunal de 1ª instância se reportou - junto aos autos na sequência do despacho de fls. 209-v – entende-se ser de manter este ponto 12) dos factos provados.
No que concerne ao ponto 1) dos factos não provados diz o apelante, desde logo, que considerar-se não provado tal facto é contraditório com o que foi julgado no ponto 1) dos factos provados.
Consignou-se do ponto 1) dos factos provados:
1. No dia 14 de fevereiro, pelas 07h05min, o autor, quando conduzia o veículo de matrícula 47-..., embateu contra o lancil na rotunda que se situa na continuação da avenida Carlos Cumbre Tavares, na Damaia, provocando-lhe os danos infra mencionados, encontrando-se esse lancil na segunda saída dessa rotunda a contar da avenida Dom António Ribeiro.
E consta do ponto 1) dos factos não provados:
1. No dia e hora referido em 1. dos factos provados, o autor conduzindo o veículo aí mencionado, vindo da avenida Dom António Ribeiro, ao entrar na rotunda que se situa na continuação da avenida Carlos Cumbre Tavares, na Damaia, perdeu o controlo da viatura, embatendo no lancil aí referido.
Decorre claramente da fundamentação sobre a decisão de facto aduzida pelo Tribunal de 1ª instância que aquilo que o Tribunal de 1ª instância considera não provado constante de 1) dos factos não provados é o que nesse ponto excede o que resulta do ponto 1) dos factos provados. Assim, o Tribunal de 1ª instância mencionou, designadamente: «O tribunal convenceu-se que o embate se deu no local onde o autor referiu. Dai que se tenha provado o embate. Mas, não se provou que o embate se tenha dado em consequência do autor ter perdido o controlo da viatura».
Não se vislumbra aqui qualquer contradição. Por outro lado, o que o Tribunal apurou, nesta parte e em termos de facto não é validamente posto em causa pelo apelante.
Sobre a aplicação das regras do ónus da prova, sobre a quem competia demonstrar determinada matéria e consequências decorrentes de não o ter feito pronunciar-nos-emos posteriormente, em sede de aplicação do direito.
Deste modo, mantém-se o ponto 1) dos factos não provados.
O tribunal de 1ª instância não considerou provado, consoante ponto 2) dos factos não provados que naquele dia chovia abundantemente e por isso o autor perdeu o controlo da viatura. Diz o apelante que a sentença é omissa quanto a tal facto meteorológico – o que não corresponde à realidade pois a sentença considerou o mesmo como não provado.
Não invoca o apelante, em substância, razões que permitam sustentar uma alteração da decisão de facto nesta parte, não chegando para tal a referência às suas próprias declarações em audiência, bem como à circunstância de nas fotografias constantes dos autos o solo se apresentar molhado. Esta circunstância não traduz a abundância da chuva nem permite a inferência de que por isso o A. perdeu o controlo da viatura.
Mantém-se, deste modo o ponto 2) dos factos não provados.
Sobre o ponto 3) dos factos provados, respeitante aos “extras” que o veículo possuiria, o apelante volta a basear-se nas suas declarações em audiência, contrariadas pelo que teria sido dito pelo perito averiguador da seguradora.
Ao contrário do considerado pelo apelante o tribunal de 1ª instância não concluiu que a viatura não tinha os “extras” no momento do sinistro – apenas não julgou provado que os tivesse, o que é coisa diferente. Efectivamente, os meios de prova produzidos e alegados pelo apelante mostram-se insuficientes para produzir uma resposta diversa, pelo que se mantém a resposta ao ponto 3) dos factos não provados.
No que respeita aos pontos 4) e 5) dos factos não provados baseia-se o apelante nas declarações de parte do próprio, prestadas em audiência final, bem como no depoimento produzido naquela audiência pelo seu padrasto.
O apelante não indica em que passagens da gravação se funda, apenas referindo que aquelas pessoas assim disseram, nem concretiza razões que validamente afastem o entendimento assumido pelo tribunal de 1ª instância quando justificou a sua convicção.
Pelo que se mantém a decisão sobre estes concretos pontos da matéria de facto – pontos 4) e 5) dos factos não provados.
O tribunal de 1ª instância não considerou provado que o A. adquiriu o veículo por 16.000,00 €.
Aponta o apelante para o documento que se encontra a fls. 212 dos autos. Corresponde este documento a uma denominada “Declaração” emitida pela «Via-Car.Pt», datada de 9-8-2016, da qual consta que o veículo a que se reportam os autos foi vendido ao A. no dia 9-8-2015, sendo pago em numerário 16.000,00 e não havendo crédito financeiro. Sustenta que não é possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica se formou a convicção do tribunal.
Ora, considerou, a propósito, o Tribunal de 1ª instância:
«Nas declarações prestadas pelo autor ao averiguador do alegado acidente aqui em causa, o autor disse que comprou o veículo por 16.000,00€ e que tinha contraído um crédito pessoal para o efeito (cf. fls. 121). E nas declarações que prestou em audiência o autor confirmou aquelas declarações.
Em audiência de julgamento o tribunal convidou o autor a juntar aos autos o respetivo contrato de concessão de crédito e o recibo relativo à compra do veículo.
Nessa sequência, o autor juntou aos autos uma declaração do vendedor do veículo, na qual este refere que vendeu o veículo ao autor, em 9-8-2015, e que o mesmo foi pago em numerário, pelo valor de 16.000,00€, e não houve recurso ao crédito (cf. fls. 212).
Ainda na sequência daquele convite do tribunal, o autor apresentou um requerimento nos autos em que requer a junção de um contrato de concessão de crédito pessoal.
Nesse requerimento explicou que contraiu um crédito pessoal para compra da viatura, mas não o fez através do stand; e juntou o aludido contrato para comprovar ter contraído esse crédito – cf. fls. 220-223.
Porém, desse contrato consta que o empréstimo foi do montante de 10.552,25€, a ser pago em prestações, vencendo-se a primeira em 5-5-2015.
Ora, comparando a data da compra de veículo com a data do empréstimo referido (tendo por referência a data do pagamento da 1ª prestação que consta do contrato, a data desse contrato deverá ser anterior), afigura-se que aquele empréstimo não terá qualquer relação com a compra do veículo, em 9-8-2015.
Acresce que, não é crível que o autor levantasse o dinheiro no banco que lhe concedeu o alegado empréstimo para pagar em numerário o valor da compra. E ainda não é crível que o valor da compra de um veículo, por 16.000,00€, tivesse sido pago em numerário».
Ao contrário do suscitado pelo apelante, havendo o tribunal de 1ª instância indicado as razões da sua convicção, as mesmas mostram-se admissíveis de acordo com as regras da experiência comum e da lógica. Aliás, o apelante não adiantou argumentação bastante no sentido da alteração do decidido.
Deste modo, mantém-se a decisão sobre o ponto 6) dos factos julgados não provados.
 Sobre o ponto 7) dos factos considerados não provados – haver o A. contratado um crédito pessoal para a aquisição do veículo – funda-se o apelante no documento que juntou aos autos encontrando-se a fls. 220-223.
Desse contrato consta que o empréstimo foi no montante de 10.552,25€, a ser pago em prestações, vencendo-se a primeira em 5-5-2015.
Sucede que o valor do empréstimo é substancialmente inferior ao do preço do veículo apontado pelo A. - o que se admitiria, por o A. deter parte da verba necessária à compra. Todavia, verificamos que a data em que o empréstimo teve lugar é bastante anterior à da aquisição do veículo, de modo que o A. satisfaria a 1ª prestação em 5-5-2015, quando a aquisição ocorreu em 9-8-2015. Em termos genéricos, não se vislumbrando razão para no caso concreto os afastar, afigura-se inabitual que alguém solicite um empréstimo, arcando com as necessárias contrapartidas financeiras, mais de três meses antes de a razão determinante do mesmo (ou seja, a compra) ter lugar.
Pelo que também se mantém o ponto 7) dos factos não provados.
Ou seja, mantêm-se nos seus precisos termos os factos provados e não provados.
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IV – 3 - Provou-se que entre a R. e o A. foi celebrado, em 6-8-2015, um contrato de seguro automóvel sobre o veículo 47-..., titulado pela apólice nº 00038..., abrangendo para além da responsabilidade civil a cobertura de danos próprios, nesta última incluindo, designadamente, choque, colisão e capotamento.
As condições particulares desta apólice encontram-se documentadas a fls. 147-149.
No caso que nos ocupa estamos no âmbito dos estragos sofridos no próprio veículo a que se reporta o contrato de seguro, ou seja no âmbito dos danos próprios (que não no da responsabilidade civil resultante da utilização do mesmo), abrangendo os prejuízos sofridos pelo veículo seguro, ainda que o seu condutor seja responsável pelo evento.
Provou-se, também, que consta das condições gerais do contrato de seguro celebrado entre o autor e a ré relativamente ao veículo aqui em causa, além do mais, na cláusula 40ª, nº 1, al. b) : “(…) o contrato de seguro não garantirá ao abrigo das coberturas facultativas (…), as seguintes situações: (…) b) danos causados intencionalmente pelo tomador do seguro, segurado (….)”.
As Condições Gerais do contrato aqui aludidas são as documentadas a fls. 73 e seguintes.
Nestas é definido como “choque”: «Danos no veículo seguro resultantes do embate contra qualquer corpo fixo ou sofrido por aquele quando imobilizado» (ver fls. 89).
Ora, provou-se que no dia 14 de Fevereiro, pelas 7h e 5m, o A., quando conduzia o veículo de matrícula 47-..., embateu contra o lancil na rotunda que se situa na continuação da avenida Carlos Cumbre Tavares, na Damaia, encontrando-se esse lancil na segunda saída dessa rotunda a contar da avenida Dom António Ribeiro – o veículo conduzido pelo A. embateu com a parte da frente no lancil, tendo aí ficado imobilizado. Bem como que em consequência do embate a viatura sofreu danos ([7]); tendo sido efetuada avaliação dos danos o A. recebeu uma missiva da ré, datada de 31 de Março de 2016, a informar que no seguimento da vistoria efetuada pelos serviços técnicos à viatura, o valor estimado para a reparação seria de € 20.465,86 a qual seria excessivamente onerosa face ao valor seguro (missiva documentada a fls.19).
Entendeu o Tribunal de 1ª instância:
«Não se provou o processo dinâmico que antecedeu o embate alegado pelo autor, com vista a demonstrar a fortuitidade do evento, sendo que a prova produzida aponta no sentido da intencionalidade do evento; bem como, se provaram outros factos que apontam também neste sentido.
Assim e não tendo o autor feito prova do elemento constitutivo do direito invocado – o evento (fortuito, por só este integrar o risco coberto) – fica afastada a responsabilidade da ré na reparação das consequências do embate (…)».
Será assim? Ou competiria antes à R. provar a atinente causa de exclusão (ou seja, que os danos foram causados intencionalmente pelo tomador do seguro)?
Estamos, desde logo, perante uma questão relacionada com o ónus da prova.
Consoante o nº 1 do art. 342 do CC, «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado», decorrendo do nº 2 do mesmo preceito que a «prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita».                               
Há que ter em conta que o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do facto ([8]).
Não nos parece oferecer dúvida que à R., nos termos do nº 2 do art. 342 do CC, competiria alegar e provar os factos que integrariam as «Exclusões» previstas no art. 40 das supra aludidas Condições Gerais, desde logo – e caso assim fosse – que os danos haviam sido causados intencionalmente pelo A., por se tratar de facto impeditivo do direito do A. à indemnização. O que a R. não fez, limitando-se a tecer algumas insinuações/sugestões, não concretizadas em factos, afirmando estar convicta de não estar perante um verdadeiro sinistro e concluindo não estarem os actos dolosos excluídos das coberturas da apólice, mas não dizendo claramente que o acidente fora provocado pelo A.. Não temos, pois, a alegação e sequente prova de factos que integrem a exclusão prevista na cláusula 40ª, nº 1, al. b), não podendo a mesma ser considerada.
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IV – 4 - No que concerne ao A. incumbia-lhe fazer a prova dos factos constitutivos do direito á prestação por parte da R. – desde logo a prova dos factos que, atentas as cláusulas do contrato celebrado com a R., determinariam o pagamento da indemnização, ou seja, a prova do sinistro, dos danos e do nexo de causalidade entre o sinistro e esses danos.
Estando o A. onerado com a prova do “sinistro” será que logrou fazê-lo?
Nos termos da lei (art. 99 da LCS) o sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco prevista no contrato.
Arnaldo Costa Oliveira ([9]) menciona que o art. 99 dá o “sinistro” como a realização do evento assegurado.
Menezes Cordeiro ([10]), depois de referir que face ao art. 99 o sinistro equivale à verificação, total ou parcial, dos factos compreendidos no risco assumido pelo segurador, refere que, em regra, «o sinistro equivalerá precisamente à descrição configurativa que conste do contrato».
Em face da anterior lei José Vasques ([11]) reconduzia o sinistro à «realização do risco previsto no contrato», acrescentando que na generalidade dos contrato de seguro a noção de sinistro apresentada é a seguinte: «evento ou série de eventos resultantes de uma mesma causa susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato».
Em termos próximos é definido “sinistro” pela cláusula 1-f) das Condições Gerais do contrato celebrado entre as partes: «a verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco prevista no contrato».
No acórdão do STJ de 3-10-2013 ([12]) foi entendido: O «sinistro é a realização do risco previsto no contrato de seguro, desencadeador, pela sua própria natureza, da garantia subjacente ao seguro; não coincide necessariamente com o acidente, mas com as consequências deste.
Por sua vez, o risco é o evento futuro e incerto, cuja ocorrência se antevê meramente provável ou possível (contingente) e que, a concretizar-se, se materializará em danos cuja ressarcibilidade é prevista no contrato.
Reconduzindo-se o risco à possibilidade de um evento futuro danoso, implica a previsão abstracta de certos impactos patrimoniais negativos e a correlativa obrigação de indemnização caso tais hipóteses se verifiquem; o risco é o evento abstracto que pode ou não vir a verificar-se, logo, aleatório.
Em síntese, o risco seguro (abstracto) realiza-se com o facto (ou conjunto de factos) que a ele se subsume, desde que tal facto e as circunstâncias em que ocorreu coincidam com as previstas como riscos (na lei ou na Apólice) ou não coincidam com as previsões de riscos excluídos.
O contrato de seguro (de danos próprios) estipula-se para que a seguradora indemnize o segurado ou um terceiro – o seguro é um contrato indemnizatório - pelas consequências de um evento danoso. E daí que o risco, como possibilidade aleatória de que este evento se venha a verificar, constitua um pressuposto da causa contratual e seja elemento essencial do contrato.
Podemos então concluir que o risco consiste na previsão abstracta do evento, como possível ou provável e que o sinistro é, por sua vez, a realização e concretização desse evento».
Ora, o A. provou que quando conduzia o veículo de matrícula 47-... embateu com a parte da frente do mesmo contra o lancil na rotunda que se situa na continuação da avenida Carlos Cumbre Tavares, na Damaia, tendo o veículo ali ficado imobilizado. Foi acordada entre as partes a cobertura facultativa traduzida em “choque”. O “choque” é habitualmente entendido como o embate de um veículo em movimento com outro veículo ou uma coisa inerte – aliás, esse é o sentido da “definição” constante das Condições Gerais do contrato, consoante acima mencionado. Foi isso que sucedeu no caso que nos ocupa - o A. quando conduzia o veículo de matrícula 47-... embateu com a parte da frente do mesmo contra o lancil - verificando-se, atentos os factos provados, o sinistro nos termos previstos no contrato.
Temos, assim, que o A. provou o sinistro, demonstrando a superveniência do evento acautelado no contrato nas condições nele previstas ([13]).
Em caso que tem com o destes autos algumas semelhanças, entendeu o STJ no já aludido acórdão de 3-10-2013 que «em matéria rodoviária, todo o embate (tal como colisão), salvo prova em contrário, se presume, pela própria natureza das coisas, casual e fortuito e sem qualquer contribuição dolosa do respectivo condutor; (…) quer isto dizer que a natureza fortuita e casual do acidente só deixa de existir se o mesmo for doloso e não também meramente negligente ou decorrente do risco da circulação automóvel».
Ali se concluindo:
«Em contrato de seguro automóvel com cobertura facultativa de danos próprios, causados entre outros, por choque, a seguradora responde perante o seu segurado por quaisquer danos causados pelo embate do veículo, em circulação, em qualquer corpo fixo, desde que se não prove qualquer actuação dolosa do segurado (ou de pessoas por quem ele responde) na eclosão de tal embate.
A prova da actuação dolosa impeditiva do direito à indemnização compete à Seguradora.
Porque o ónus de alegação precede o ónus de prova, a Seguradora deve alegar – e depois demonstrar - os factos através dos quais se possa concluir com segurança que o embate foi propositadamente provocado.
Tal alegação não se basta com a mera insinuação de dúvidas e de suspeitas sobre a causa do acidente (…)».
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IV – 5 - Verificado que se encontra o sinistro encontram-se igualmente provados os danos e o nexo de causalidade entre o sinistro e os danos, não se discutindo que em consequência do embate o veículo de matrícula 47-... sofreu estragos.
A questão que seguidamente se coloca refere-se à indemnização que, nos termos contratados com a R., é devida ao A. – questão que o Tribunal de 1ª instância não chegou a abordar, dada a posição por si assumida.
Provou-se, a propósito:
- No contrato de seguro celebrado entre as partes, abrangendo danos próprios, o capital seguro ascendia a € 16.000,00, sendo que nesse valor se incluía a cobertura 1.500,00€ relativamente a extras ao nível do equipamento incorporado no veículo seguro; previa-se, ainda, uma franquia de 500,00€; o prémio de seguro contratado era de 1.675,05€.
- O valor de mercado do veículo em causa, aquando da celebração do contrato de seguro com a R., era de 11.052,00€.
- Após o embate e tendo sido efetuada avaliação dos danos na viatura em consequência do embate, a R. informou o A. de que o valor estimado para a reparação seria de € 20.465,86), a qual seria excessivamente onerosa face ao valor seguro e comunicou-lhe que o valor do veículo, tendo em conta os danos, era de 2.100,00€.
Temos, pois, que se no contrato de seguro o capital seguro ascendia a € 16.000,00, incluindo a cobertura 1.500,00€ relativa a extras, o valor de mercado do veículo era então de 11.052,00€.
Estamos perante uma situação de sobresseguro a qual se verifica «sempre que “ab initio” ou no decurso do contrato o objecto do seguro tenha um valor inferior ao valor declarado ou seja um valor inferior àquele pelo qual se encontra seguro» ([14]).
Ora, dispõe o art. 132 da LCS que se o capital seguro exceder o valor do interesse seguro é aplicável o disposto no artigo 128, podendo as partes pedir a redução do contrato. Sendo que o art. 128 determina que a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro.
Considerou o STJ no seu acórdão de 24-4-2012 ([15]) que «em caso de sobresseguro (originário ou posterior) o contrato deve por força do principio do indemnizatório, na forma em que este se encontra consagrado na legislação sobre seguros, ser considerado ferido de invalidade na parte excedente, ou seja na parte em que o valor exceda o do objecto segurado – artigos 128º e 132 nº 1 do Decreto lei nº 72/2008, de 16 de Abril.
Se procurarmos uma justificação para esta realidade normativa não podemos deixar de ter presente o princípio (estruturante da nossa ordem jurídica) segundo o qual o dever de indemnizar visa colocar o lesado na posição que teria se não fosse o dano, significando isto que o quantum indemnizatório deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido – princípio geral contido no artigo 562º CC – não podendo nunca constituir um meio de proporcionar um injustificado enriquecimento do lesado, ter um carácter especulativo, ou muito menos constituir um modo fraudulento de enriquecimento patrimonial, sendo oportuno, apesar de constituir princípio de valoração omnipresente, lembrar a este propósito que o direito nunca pode ser desagregado de sentido ético nem tão pouco da boa-fé que constitui, aliás um principio estruturante da nossa ordem jurídica.
São precisamente os argumentos acima invocados que conduzem a que as razões da regulamentação dada na nossa ordem jurídica à questão do sobresseguro (ou seguro excedente) devam ser, como são, consideradas verdadeiras razões de ordem pública destinadas à salvaguarda do princípio do indemnizatório daí resultando que se deva considerar ferida de nulidade absoluta toda a parte do valor contratualmente coberto que exceda o valor do objecto segurado».
Do mesmo modo expressou o STJ no seu acórdão de 18-06-2015 ([16]):
«1. No seguro de danos próprios, a indicação pelo tomador de seguro de um valor superior ao valor do bem segurado traduz uma situação de sobresseguro que é resolvida através da aplicação dos arts. 128º e 132º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Dec. Lei nº 72/08.
2. O sobresseguro não exonera a seguradora de responsabilidade, a qual responde em função do princípio indemnizatório até ao valor do dano determinado em função do valor do bem segurado».
Diz-nos Menezes Cordeiro ([17]) que o princípio indemnizatório tem, fundamentalmente, o seguinte alcance: «o seguro de danos visa, apenas e no máximo, suprimir o dano efetivo, sofrido pelo segurado. Ele não deve ir mais além, proporcionando um lucro ao mesmo segurado». Esclarecendo, embora, que aquele princípio deve ser «entendido em termos materiais», havendo que «ponderar e validar o dano concreto, no sentido de precisas desvantagens sofridas pelo lesado».
Saliente-se que se nos afigura, como entendeu o STJ no seu acórdão de 23-1-2014 ([18]) que o «regime imposto pelo Dl 214/1997 de 16 de Agosto, não revogado expressamente por aquele DL 72/2008, que instituiu regras destinadas a assegurar uma maior transparência nos contratos de seguro que incluam coberturas facultativas relativas aos danos próprios sofridos pelo veículo seguro, contendo, com carácter obrigatório, a regra da desvalorização automática do valor seguro e a sanção para o seu incumprimento, em caso de sinistro, não se aplica, sem mais, ao caso de sobresseguro expressamente previsto naquele art 132º».
Afigura-se-nos, pois, que a quantia que a R. está obrigada a prestar ao A. para ressarcimento dos danos por ele sofridos referentes aos estragos produzidos no veículo é a correspondente ao valor do mesmo veículo (saliente-se que a data do acidente é a de 14-2-2016 e a de celebração do contrato 6-8-2015), acrescido do valor dos extras que em concreto foram considerados – e que a R. não demonstrou inexistirem ([19]) - havendo que descontar o valor dos salvados e da franquia.
Consoante perspectivou esta Relação no seu acórdão de 6-4-2017 ([20]) o «que importa é o valor comercial do veículo à data da realização do seguro e este determina-se pelo valor corrente de aquisição para veículos com as mesmas características e uso no mercado em que opere a seguradora».
Temos, assim, o valor de 11.052,00 € (valor de mercado/valor comercial do veículo) acrescido de 1.500,00 € a que se subtraem, respectivamente, 2.100,00 € e 500,00 € - ou seja, resulta o valor de 9.952,00 €.
                                               *
IV – 6 - O A. peticionava uma indemnização por danos não patrimoniais, bem como pelos danos decorrentes da privação do uso do veículo. Todavia, não resultaram provados os necessários factos a tal atinentes.
No que concerne à indemnização por danos não patrimoniais não estão provados o “enervamento” e as insónias do A..
Também não se provou o uso que o A. fazia do veículo – bem como que devido ao acidente tenha recorrido a boleias, a veículos emprestados e outros meios para ir trabalhar. Mais do que isso, não sabemos qual foi, em concreto, o destino subsequente da viatura, uma vez que se apurou que foi contratada uma apólice de seguro junto da seguradora “F...” para o veículo sinistrado, constando tal apólice registada em nome de outrem, SC..., com o nº 754..., tendo iniciado a produção dos seus efeitos em 14-5-2016 - ou seja, três meses após a data do acidente.
No acórdão do STJ de 9-7-2015 ([21]) escreveu-se – citando-se a correspondente jurisprudência - que a tese maioritária naquele Tribunal era a de que «a privação do uso de um veículo automóvel em resultado de danos sofridos na sequência de um acidente de viação constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem com tal fundamento, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava».
Partilhando, embora, deste entendimento, entendemos que no caso dos autos os factos provados não permitem concluir pelo direito a uma indemnização por estes danos.
 Nesta parte o pedido do A. soçobra inteiramente.
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IV – 7 - O Tribunal de 1ª instância condenou o A. como litigante de má-fé fundamentando-se, em concreto, nas seguintes considerações:
«No caso dos autos, provou-se que o autor invocou a existência de extras do veículo que não existiam, mormente o engate de reboque.
O autor também invocou ter ficado privado de veículo para se deslocar, necessitando de recorrer a boleias e a veículos emprestados e ainda ao uso de transportes públicos para trabalhar, omitindo que tinha outro veículo, com seguro em vigor, aquando do acidente – o veículo matrícula CX-78-99. Embora, ao ser confrontado com o documento que demonstrava a existência de seguro em seu nome para esse veículo, pretendesse justificar que aquele era um veículo “de brincar” (sic) que utilizava em concentrações de automóveis, o certo é que omitiu que tinha tal veículo; sendo que, o autor sabia dever revelar a existência desse veículo por isso influenciar o apuramento daquele facto que se prendia com a necessidade do autor encontrar alternativas à privação de uso do veículo seguro que havia embatido.
Verifica-se, assim, que o autor alterou a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a decisão da causa e assim atuou pretendendo obter vantagem que sabia não ter direito – o autor atuou com dolo.
O autor atuou litigou de má-fé».
O apelante limita-se a dizer, no que à má-fé concerne que «não colhe o argumento fundado no abuso de direito por banda do segurado (art. 334º CC) para ser condenado como litigante de má-fé».
Trata-se de argumentação escassa, dificilmente correlacionada com o caso concreto – daí a dúvida sobre se o apelante impugna verdadeiramente a sua condenação como litigante de má-fé.
De acordo com o nº 1 do art. 542 do CPC, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. Esclarece o nº 2 do mesmo artigo que se diz litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
As partes têm o dever da boa-fé processual – art. 8 do CPC. A imposição deste dever implica que possam ser sancionadas pela via da má-fé condutas processuais imputáveis à parte (ou ao seu mandatário) a título de negligência grave e não, apenas, de dolo.
Não se põe em causa que o A. omitiu alguns factos daí decorrendo uma versão incompleta e menos verdadeira do sucedido; bem como que a sua apresentação dos factos não resultou inteiramente demonstrada. Em termos absolutos poderemos, porém, reputar de discutível a real relevância dos factos omitidos, dependendo da “tese” jurídica adoptada. Por outro lado, não está efectivamente demonstrado – não decorrendo com evidência dos factos provados – que o A. alterou a verdade dos factos. Tudo isto com dolo, ou, pelo menos, com negligência grave.
Entende-se, pois, não ser de subsistir a condenação em multa por litigância de má-fé.
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando parcialmente a sentença recorrida, de modo que a R. é condenada a pagar ao A. a quantia de 9.952,00 € (nove mil novecentos e cinquenta e dois euros) e absolvida do mais peticionado, revogando-se, igualmente o decidido naquela sentença quanto à condenação por litigância de má-fé.
Custas por apelante e apelada na proporção do decaimento (quer quanto à acção quer quanto à apelação).
                                               *
Lisboa, 20 de Setembro de 2018

Maria José Mouro

Jorge Vilaça
                                                                      
Vaz Gomes

[1] Com dúvidas sobre esta questão ter sido efectivamente suscitada pelo apelante dada a exiguidade das suas considerações sobre tal.
[2] Lebre de Freitas, «A Acção Declarativa Comum», Coimbra Editora, 3ª edição, pag. 333.
[3] Ver Abrantes Geraldes, «Recursos no Novo Código de Processo Civil», Almedina, 2013, pag. 126.
[4] Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 220/13.8TTBCL.G1.S1.
[5] Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo1572/12.2TBABT.E1.S1.
[6] Obra citada, pags. 126-129.
[7] A R., no artigo 21 da contestação reconhece a existência de danos «na frente baixa do veículo, maioritariamente ao nível do motor e estrutura».
[8] Ver Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», Coimbra Editora, I vol., pag. 304.
[9] Em «Lei do Contrato de Seguro», anotada, Almedina, 3ª edição, pag. 354.
[10] Em «Direito dos Seguros», Almedina, 2013, pag. 697.
[11] Em «Contrato de Seguro», Coimbra Editora, 1999, pag. 285.
[12] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, acórdãos do STJ, proc. 2212/09.2TBACB.L1.S1.
[13] Ver, a propósito, José Vasques, obra citada, pag. 292.
[14] Ver o acórdão do STJ de 24-4-2012, ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, processo 32/10.0T2AVR.C1.S1.
[15] Referido na nota 13).
[16] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, processo 184/12.5TBVFR.P1.S1.
[17] Obra citada, pags. 748-749.
[18] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, processo 703/10.1TBEPS.G1.S1.
[19] Da circunstância de não se haver provado que a viatura possuía determinados extras não decorre automaticamente que não possuía extras considerados quando do contrato.
[20] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, processo 1422/14.5TJLSB.L1-2.
[21] Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 13804/12.2T2SNT.L1.S1.