Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
142/16.0YUSTR.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: DIREITO DE QUEIXA
DIREITO DE RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/23/2017
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: I. A existência e a disponibilização do livro de reclamações, (que se encontra regulado pelo 156/2005, de 15 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo DL n.º371/2007, de 06/11) constitui um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu. A criação deste livro teve por base a preocupação com um melhor exercício da cidadania através da exigência do respeito dos direitos dos consumidores;

II-Pretendendo um consumidor usar da prerrogativa de usar o livro de reclamações, a disponibilização do mesmo pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços, deve ser, e de forma inequívoca, IMEDIATA, de acordo com o artº 3 nº 1 b) e nº 4, do DL 156/2005;
III- Assim, a exigência feita pelo fornecedor de serviços, após qualquer incidente, de o consumidor ser obrigado a tirar uma nova senha de atendimento, obrigando-o a novo compasso de espera, para, só depois lhe ser facultado o livro de reclamações, tal acção, visa de forma clara, obstaculizar o direito dos consumidores de reagirem imediatamente contra alegadas más praticas comerciais, violando claramente o disposto no artº 3 nº 1 al. b) do DL 156/2005 de 15/09, e praticando concomitantemente aquele uma contraordenação punida com uma coima nos termos dos artigos art.°s 3°nº 1 al. b) e 9° nº 1 a) e nº 2 da Lei 156/2005.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:                      Decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal

                     

                     No processo de recurso de impugnação judicial (de decisão da ANACOM) nº142/16.0YUSTR, do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, 1º Juízo, a arguida “ N... S.A.” com sede em Lisboa, devidamente identificada nos autos, foi condenada por sentença proferida em 27 de Setembro de 2016, vide folhas 862 a 893, pela prática:

iii)condenar a Arguido(a)/Recorrente N..., S.A. (‘’N…”), pela prática, sob a forma negligente, em concurso efectivo, de doze ilícitos previstos e puníveis pelos art.°s 3°/1/a) e 9°/1/a)/2 da Lei 156/2005, em 6 (seis) coimas de € 3.500,00, cada uma;

(...)

Inconformados porém, com esta decisão proferida nestes autos, veio a recorrente já identificada, interpor o presente recurso com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:


1. A N… foi condenada pelo Tribunal a quo no pagamento de uma coima única no valor de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros).
2. O Tribunal a quo entendeu que a Recorrente não cumpriu a obrigação relativa à disponibilização imediata do livro de reclamações, o que, considerou o mencionado Tribunal, se traduziu na prática de 6 (seis) contraordenações previstas e punidas pelos artigos 3.º, n.º 1, b) e 9.º, n.º 1, a) do DL 156/2005.
3. Em concreto, decidiu-se na sentença recorrida que “Na verdade, a menos que o livro de reclamações esteja em uso por qualquer outro utente no momento em que é solicitado por outro consumidor …, não vislumbramos qualquer outra circunstância que possa legitimamente impedir o acesso ao mesmo.”.
4. Ficou cabalmente demonstrado e provado nos autos que “A Arguida presta formação aos funcionários em matéria de livro de reclamações, instruindo-os para não recusarem a disponibilização do livro de reclamações e para informarem os utentes que solicitem a sua disponibilização para retirar uma senha e aguardar pela vez de atendimento dessa senha.” (Cfr., alínea i) do ponto 2 da Fundamentação da Matéria de Facto).
5. De igual forma, ficou cabalmente demonstrado que “A Arguida instrui os funcionários que trabalham nos seus estabelecimentos para nunca recusarem a disponibilização do livro de reclamações.” (Cfr., alínea j) do ponto 3 da Fundamentação da Matéria de Facto).
6. O artigo 3.º, n.º 1, b) do DL 156/2005 estabelece-se que ”O fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a: (…) b) Facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado”.
7. Como é do conhecimento de qualquer utente que se desloque a um estabelecimento comercial ou a um serviço da administração pública, o atendimento é efetuado por ordem de chegada dos utentes, ordem essa que é tipicamente controlada através de um sistema de senhas, sendo este procedimento aceite e compreendido pelos utentes.
8. A única exceção a esta ordem de atendimento consiste na prioridade que é concedida ao atendimento de idosos, doentes, grávidas, pessoas com deficiências ou acompanhadas de crianças de colo e outros casos específicos com necessidades de atendimento prioritário, não estabelecendo o DL 156/2005, em nenhuma das suas disposições, que os clientes que solicitem o livro de reclamações têm prioridade no atendimento ou que devem ser atendidos de forma preferencial.
9. Por sua vez, o referido Decreto-Lei 58/2016, de 29 de agosto, cuja entrada em vigor ocorrerá no prazo de 120 dias a contar da data da sua publicação, estabelece, no n.º 1 do artigo 3.º que “Todas as pessoas, públicas e privadas, singulares e coletivas, no âmbito do atendimento presencial ao público, devem atender com prioridade sobre as demais pessoas: a) Pessoas com deficiência ou incapacidade; b) Pessoas idosas; c) Grávidas; e d) Pessoas acompanhadas de crianças de colo.”, dele não resultando, também, que tal prioridade no atendimento deve ser estendida àqueles que pretendem apresentar uma reclamação no livro de reclamações.
10. O objetivo do legislador – tal como decorre da letra e do espírito da obrigação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do DL 156/2005 – é garantir que o fornecedor de bens ou prestador de serviços não condiciona por qualquer forma a disponibilização do livro de reclamações aos utentes que o pretendam utilizar, em especial através de expedientes que tenham como fim último desincentivar a sua utilização.
11. A obrigação de entrega imediata do livro não pode, em nenhuma circunstância, ser entendida como uma forma de prejudicar todos os utentes que já estejam a ser atendidos ou que já se encontrem à espera para serem atendidos e de, por contraponto, beneficiar todos aqueles que pretendam apresentar uma reclamação sem aguardarem pela sua vez.
12. O legislador teve, caso fosse esse o seu objetivo, oportunidade para consagrar tal entendimento; não tendo tal sucedido, outra conclusão não se pode retirar que não seja aquela que se vem expondo: os clientes que pretendam apresentar uma reclamação no livro de reclamações não beneficiam de um atendimento preferencial.
13. A Recorrente agiu sempre na plena convicção de que o seu comportamento correspondia a um cumprimento integral e absoluto das normas legais aplicáveis e que permitia acautelar e garantir os direitos de todos os seus clientes.
14. Nem a ANACOM, na qualidade de entidade reguladora e fiscalizadora, informou a Recorrente sobre o seu entendimento relativamente a esta matéria, ou seja, na data da prática dos factos a N… ignorava em absoluto, porque tal nunca lhe havia sido transmitido, a posição da ANACOM.
15. O procedimento implementado nas lojas da N… traduz a prática corrente no que se refere ao atendimento ao público, concretiza as exigências de justiça, não discriminação e razoabilidade e, de igual forma, permite compaginar os direitos de todos os clientes, em especial o direito de acesso e utilização imediata do livro de reclamações, tendo os sistemas de gestão de filas de espera como finalidade, como é do conhecimento geral, garantir e assegurar que o atendimento dos utentes é efetuado de forma célere, eficaz e justa, respeitando e conciliando sempre os direitos de cada um deles.
16. Os clientes que pretendam ter acesso ao livro de reclamações deverão aguardar pela sua vez para serem atendidos, sob pena de, caso tal não aconteça, serem colocados em crise os direitos dos restantes clientes, sobretudo daqueles que têm, por natureza, prioridade no seu atendimento.
17. Acresce que, ao receber uma reclamação, o funcionário da loja tem de (a) aguardar pela inscrição da mesma no livro de reclamações, (b) prestar ao cliente quaisquer esclarecimentos que se mostrem necessários quanto ao uso do livro de reclamações e (c) facultar-lhe cópia da reclamação apresentada, decorrendo estes procedimentos e o dever de acompanhamento expressamente do artigo 4.º, n.º 3 do DL 156/2005 e deles resulta imperativamente que os funcionários das lojas não podem, sob pena de violarem o disposto nesta norma do DL 156/2005, atender simultaneamente dois (ou mais) clientes.
18. É evidente, portanto, que a N… nunca poderia, em caso algum, ter equacionado ou representado como possível que a sua atuação configurava uma violação do DL 156/2010, uma vez que todas as circunstâncias acima indicadas, em especial a inexistência de qualquer posição, entendimento ou deliberação da ANACOM sobre este tema concreto, confirmam a legalidade do seu comportamento.
19. Não se percebe em que medida e de que forma o facto de dispor de um sistema de gestão de filas de espera – à semelhança, aliás, do que acontece com a grande maioria dos serviços públicos e privados – constitui um entrave ou uma condição ao livre exercício do direito a utilizar o livro de reclamações.
20. Nas presentes situações, a Recorrente não recorreu a meios ou expedientes para impedir ou obstar à apresentação do livro de reclamações ou para, de forma direta ou indireta, desincentivar o exercício do direito de reclamação dos clientes, tendo apenas referido aos clientes que teriam de aguardar a sua vez para ser atendidos.
21. A Arguida e os seus funcionários agiram sempre na convicção de que estavam a cumprir as obrigações definidas no DL 156/2005, não tendo recusado – em nenhuma altura – a apresentação ou disponibilização do livro de reclamações, e nunca tiveram a vontade ou a intenção de não cumprir tal normativo.
22. A N… não pode ser responsabilizada, seja a que título for, por um comportamento – não disponibilização imediata do livro de reclamações – que (i) nunca praticou e (ii) é totalmente contrário aos seus valores e princípios e a sua conduta permite garantir – e garantiu in casu – não só os direitos de todos os utentes que pretendam utilizar o livro de reclamações, mas também os direitos dos demais clientes que se encontrem nas lojas, assegurando que o direito a serem atendidos na sua vez não é prejudicado por qualquer preferência injustificada atribuída a outros clientes.
23. Nas situações em apreço, não só nenhum direito dos clientes foi prejudicado, como não existiu qualquer violação, por parte da N… ou dos seus funcionários, dos deveres a que estavam obrigados, em especial do dever de facultar o livro de reclamações.
24. Em momento algum a Arguida ou algum dos seus funcionários tiveram consciência que a existência de um sistema de gestão de filas de espera, bem como o respeito pelos direitos dos clientes que já se encontram nos seus estabelecimentos, constitui (ou pode constituir) um facto ilícito.
25. Assim, não se encontra preenchido o elemento objetivo do tipo – não disponibilização imediata do livro de reclamações –, não tendo a N… praticado nenhuma infração ou ilícito contraordenacional.
26. Para o caso de se entender – o que não se admite – que a Arguida praticou os ilícitos contraordenacionais, sempre se dirá que decisão recorrida concretiza a operação de determinação da medida da pena de uma forma errada e inadmissível, não se aceitando a fundamentação associada ao critério da culpa do agente e a medida concretamente aplicada.
27. O Tribunal a quo considerou que “(…) apesar do conhecimento detido pela Arguido(a)/Recorrente quanto às obrigações a que está adstrita respeitantes ao livro de reclamações, estando ciente das preocupações e propósitos do legislador ao impor a obrigação de disponibilização imediata do livro de reclamações, sem que sejam criados quaisquer tipos de entraves ou condicionamentos, pelo que igualmente dúvidas não restam mostrar-se preenchido o elemento subjectivo do tipo de contra-ordenação em causa a título de dolo.” e que  “Também ficou demonstrado que a Recorrente sabia que tais preocupações e propósitos não se compaginam com os designados “sistemas de gestão de filas de espera”, (…) e que, ainda assim, adoptou um procedimento de tratamento dos pedidos de disponibilização do livro de reclamações que implica que este não seja imediatamente fornecido ao utente que o solicita, sempre que estejam presentes no estabelecimento outros utentes e que, consciente da possível ilicitude dessa sua conduta, se conformou com tal resultado.”.
28. O referido “procedimento de tratamento dos pedidos de disponibilização do livro de reclamações”, que mais não traduz do que a instituição de um sistema de gestão de filas de espera, foi definido pela Arguida na plena convicção de que estava a cumprir as obrigações previstas na lei e como resulta da alínea i) do ponto 2 da Fundamentação da Matéria de Facto “A Arguida presta formação aos funcionários em matéria de livro de reclamações, instruindo-os para não recusarem a disponibilização do livro de reclamações e para informarem os utentes que solicitem a sua disponibilização para retirar uma senha e aguardar pela vez de atendimento dessa senha.”.
29. Em momento algum a Arguida ou qualquer um dos seus colaboradores tiveram consciência de que o facto de não ser concedido atendimento prioritário aos clientes que pretendessem utilizar o livro de reclamações constituía a prática de um ilícito de mera ordenação social, uma vez que, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 3.º do DL 156/2005, o livro de reclamações tem de ser facultado “imediata e gratuitamente” sempre que solicitado ao prestador de serviços, não se estabelecendo que esse atendimento deverá ser prioritário ou que os utentes que pretendam utilizar o livro de reclamações dispõem de um direito especial, não conferido pela lei.
30. Por esta razão, a Arguida agiu sempre na plena convicção que, ao disponibilizar “imediata e gratuitamente” o livro de reclamações, sempre que o mesmo é solicitado na vez de atendimento do cliente, estava a cumprir na plenitude o referido diploma, tanto mais que, como já referido, as regras da experiência e do senso comum, atendendo às práticas usuais no que toca à disponibilização de livro de reclamação, não permitiriam concluir de outra forma.
31. A Arguida não só não tinha consciência do carácter ilícito da sua conduta, como na decisão recorrida não se demonstram os factos concretos que revelam a intenção ou a vontade de a Arguida praticar a infração, nem sequer a sua representação como possível, estando manifestamente afastado qualquer comportamento doloso, pelo que a conduta da Arguida, só poderá ser – o que não se admite – punida a título de negligência.
32. A Arguida nunca representou como possível a ilicitude da conduta que adotou, tendo definido um sistema de gestão de filas de espera que sempre julgou conforme à lei, pelo que, a entender-se – o que não se concebe – que a Arguida praticou um ilícito contraordenacional, sempre se dirá que errou sobre a ilicitude dos factos, não podendo tal erro qualificar-se como censurável porquanto (i) o sistema de gestão de filas de espera adotado pela Arguida é idêntico ao instituído e praticado pela generalidade dos estabelecimentos comerciais e dos serviços da administração pública e (ii) a ANACOM nunca, em momento algum, de forma expressa ou implícita, informou a Recorrente sobre o seu entendimento no que toca a esta matéria.
33. Ainda que não se entenda que se verificam os pressupostos do erro sobre a ilicitude, a conduta da Arguida não poderá ser punida a título de dolo, não se podendo concluir – porque nada nos autos, nem nos factos dados como provados, o permite - que a N… assumiu o risco desse comportamento ilícito, o qual, reafirma-se, nem sequer representou como possível, uma vez que não existiam quaisquer circunstâncias que fizessem prever ou supor tal ilicitude.
34. No caso em apreço, não só não se verifica qualquer comportamento doloso da Arguida – que agiu sempre na absoluta convicção de que estava a cumprir plenamente a lei –, como da prova produzida não resultam factos concretos que revelem a conformação da N… com o resultado produzido; pelo contrário, resulta inequivocamente demonstrado nos autos que a Recorrente instruiu os seus colaboradores para nunca recusarem a disponibilização do livro de reclamações.
35. Desta forma, não se poderá deixar de concluir que a Arguida não atuou de forma culposa e que, a existir culpa – o que não se concebe –, estaremos sempre perante negligência simples.
36. Nos termos do artigo 51.º do RGCO, “Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”, sendo que, na presente situação, a atuação da Arguida, a admitir-se a existência de culpa e como resulta dos autos e de tudo o quem vem exposto, não pode deixar de ser considerada de reduzida gravidade, não tendo esta retirado qualquer benefício da prática da contraordenação que lhe é imputada.
37. Não obstante o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a possibilidade de aplicação da sanção de admoestação – como se impunha –, é imperativo concluir que, na situação sub judice, estão verificados os pressupostos de que depende a sua aplicação, pelo que, caso se entenda que a N… deve ser condenada pela prática de ilícitos contraordenacionais – o que não se concebe – impõe-se inelutavelmente a substituição da coima aplicada pela referida admoestação.

Termos em que, tudo visto e ponderado, deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, revogar a decisão sob recurso, substituindo-a por outra que absolva a Recorrente das infrações imputadas ou, caso assim não se entenda, determine a aplicação da sanção de admoestação, pelos motivos melhor explicitados na MOTIVAÇÃO que antecede, assim se fazendo JUSTIÇA!

O recurso foi admitido observando-se todos os termos legais.

 O Digno Magistrado do Ministério Público, junto da primeira instância respondeu concluindo pela improcedência do recurso e solicitando a rectificação da sentença pela forma ali constante que se tem por reproduzida e concluindo pela improcedência do recurso.

A ANACOM apresentou resposta, na qual pugna pela manutenção da decisão recorrida. Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos.

O processo seguiu os seus termos legais.

                      II.

      Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por manifesta improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e e 420.º, n.º 1 do Código de Processo Penal) passando-se a proferir decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal.

      A lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas vertentes diversas, admitida que está, no nosso processo penal a cindibilidade do recurso, princípio acolhido nos arts. 403.º nº 1, 410.º n.º 1 e 412.º n.º 2:

1) Rejeição formal que se prende com a insatisfação dos requisitos prescritos no art. 412.º n.º 2;

2) Rejeição substantiva que ocorre quando é manifesta a improcedência do recurso.

A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores, que é patente a sem razão do recorrente.

 A figura da rejeição destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, com vista a obviar ao reconhecido pendor para o abuso de recursos.

A possibilidade de rejeição liminar, em caso de improcedência manifesta, tem em vista moralizar o uso do recurso (…) (Ac. STJ de 16 de Novembro de 2000, proc. n.º 2353-3; SASTJ, n.º 45, 61 e também o Ac. Tribunal Constitucional nº17/2011 , DR, II Série de 16-02-2011, decidiu: Não julga inconstitucional a norma extraída do artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do Código de Processo Penal, quando permite ao juiz relator proferir decisão sumária de indeferimento, em caso de manifesta improcedência do mesmo, decisão essa passível de reclamação para a conferência, e Ac. TRE de 3-03-2015 : I. A manifesta improcedência do recurso (conceito que a lei não define) nada tem a ver com a extensão da matéria submetida a apreciação, nem com a sua intrínseca complexidade, nem com a prolixidade da motivação do recurso (na procura de deixar bem claras as razões de discordância com a decisão recorrida).
II. O que releva é o bem-fundado, a solidez ou o apoio legal, doutrinário ou jurisprudencial, da argumentação usada para atacar a decisão de que se recorre. III. Existirá manifesta improcedência sempre que seja inequívoco que essa argumentação de modo nenhum pode conduzir ao efeito jurídico pretendido pelo recorrente.  in
www.dgsi.pt ).

Em caso de rejeição do recurso, a decisão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão - art. 420.º, n.º 2 do C.P.Penal.

As questões suscitadas e a apreciar no presente recurso reconduzem-se à pretensão do recorrente e contida no seu recurso:

- O presente Recurso tem por objecto a referida decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, na parte relativa à condenação pela prática, sob a forma dolosa, em concurso efetivo, de 6 (seis) ilícitos previstos e puníveis pelos artigos 3.º, n.º 1, b) e 9.º, n.º 1, a) do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro (“DL 156/2005”), em 6 (seis) coimas de € 3.500,00, cada  uma, e respeita unicamente a matéria de direito, em concreto às seguintes questões:

(i) Inexistência de qualquer ilícito contra-ordenacional, nomeadamente por não existir dolo em qualquer conduta da recorrente;

(ii) Medida da sanção, que julga desproporcionada.

E assim se,

- absolva a Recorrente das infrações imputadas ou, caso assim não se entenda, determine a aplicação da sanção de admoestação.

Decidindo diremos concisamente:

A recorrente insurge-se contra a condenação que foi alvo na alínea iii) da sentença recorrida.

Desde logo, a primeira  questão que emerge do recurso interposto pela recorrente e a decidir no presente recurso, reconduz-se singelamente na arguição de que a arguida não pode de forma alguma ser condenada a titulo de dolo pela pratica das contraordenações impugnadas, como o foi.

Ora basta uma singela leitura da sentença para recorrida para logo constatar que a recorrente parte desde logo de um pressuposto errado.

Ou seja, esta nunca foi condenada pela prática das contra ordenações indicadas a título de dolo, mas sim por negligência, (remetendo-se a recorrente para um renovada leitura da sentença posta em crise) pelo que aqui logo falece a elaborada e intrincada motivação do recurso e plasmada nas suas conclusões apresentadas pela recorrente.

Assim por questões óbvias e também de economia processual, sinceramente, não se nos oferece acrescentar qualquer outra asserção, senão a da falência total deste segmento do recurso por ser, manifestamente improcedente, o que se declara.

No mais, aduz a recorrente de que não praticou os ilícitos contra-ordenacionais, pois nunca (note-se no caso dos autos) impediu o acesso aos consumidores do livro de reclamações, não tendo assim violado por qualquer perspectiva que se tenha, a norma pretensamente violada, pois estes (consumidores) tinham tão só que retirar a senha de atendimento, por ordem de chegada e ficar á espera da sua vez de atendimento, não existindo qualquer norma que exija o atendimento prioritário nestes casos, ou seja quando os consumidores pretendem exercer a sua reclamação mediante a aposição das suas “ queixas” no livro de reclamações disponível no local, neste caso na loja indicada.

De forma simples e escorreita aduziremos o seguinte, e fazendo naturalmente referência á legislação aplicável neste caso o Decreto- Lei 156/2005 de 15 de Setembro, que dispõe, entre o mais, o seguinte, diremos:

Capítulo I

Do objecto e do âmbito de aplicação

  Artigo 1.º

Objecto

1 - O presente diploma visa reforçar os procedimentos de defesa dos direitos dos consumidores e utentes no âmbito do fornecimento de bens e prestação de serviços.

2 - O presente decreto-lei institui a obrigatoriedade de existência e disponibilização do livro de reclamações em todos os estabelecimentos de fornecimento de bens ou prestação de serviços, designadamente os constantes do anexo i ao presente decreto-lei e que dele faz parte integrante.

3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, os fornecedores de bens e os prestadores de serviços podem disponibilizar no seu sítio de Internet instrumentos que permitam aos consumidores reclamarem.

  Artigo 2.º

Âmbito

1 - Para efeitos do presente decreto-lei, a referência a «fornecedor de bens ou prestador de serviços» compreende os estabelecimentos referidos no artigo anterior que:

a) Se encontrem instalados com carácter fixo ou permanente, e neles seja exercida, exclusiva ou principalmente, de modo habitual e profissional, a actividade; e

b) Tenham contacto com o público, designadamente através de serviços de atendimento ao público destinado à oferta de produtos e serviços ou de manutenção das relações de clientela.

2 - O anexo a que se refere o artigo anterior pode ser objecto de aditamentos.

3 - O regime previsto neste diploma não se aplica aos serviços e organismos da Administração Pública a que se refere o artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril.

4 - O livro de reclamações pode ser utilizado por qualquer utente nas situações e nos termos previstos no presente diploma.

5 - Exceptuam-se do disposto no n.º 3 os serviços e organismos da Administração Pública encarregues da prestação dos serviços de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos que passam a estar sujeitos às obrigações constantes deste decreto-lei.

  Contém as alterações dos seguintes diplomas:

   - DL n.º 371/2007, de 06/11

  Consultar versões anteriores deste artigo:

   -1ª versão: DL n.º 156/2005, de 15/09

CAPÍTULO II

Do livro de reclamação e do procedimento

  Artigo 3.º

Obrigações do fornecedor de bens ou prestador de serviços

1 - O fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a:

a) Possuir o livro de reclamações nos estabelecimentos a que respeita a actividade;

b) Facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado;

c) Afixar no seu estabelecimento, em local bem visível e com caracteres facilmente legíveis pelo utente, um letreiro com a seguinte informação: «Este estabelecimento dispõe de livro de reclamações»;

d) Manter, por um período mínimo de três anos, um arquivo organizado dos livros de reclamações que tenha encerrado.

2 - O fornecedor de bens ou prestador de serviços não pode, em caso algum, justificar a falta de livro de reclamações no estabelecimento onde o utente o solicita pelo facto de o mesmo se encontrar disponível noutros estabelecimentos, dependências ou sucursais.

3 - Sem prejuízo da regra relativa ao preenchimento da folha de reclamação a que se refere o artigo 4.º, o fornecedor de bens ou prestador de serviços ou o funcionário do estabelecimento não pode condicionar a apresentação do livro de reclamações, designadamente à necessidade de identificação do utente.

4 - Quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o sector em causa.

Capítulo IV

Das contra-ordenações

  Artigo 9.º

Contra-ordenações

1 - Constituem contra-ordenações puníveis com a aplicação das seguintes coimas:

a) De (euro) 250 a (euro) 3500 e de (euro) 3500 a (euro) 30 000, consoante o infractor seja pessoa singular ou pessoa colectiva, a violação do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 3.º, nos n.os 1, 2 e 4 do artigo 5.º e no artigo 8.º;

b) De (euro) 250 a (euro) 2500 e de (euro) 500 a (euro) 5000, consoante o infractor seja pessoa singular ou pessoa colectiva, a violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º, no n.º 3 do artigo 4.º e no n.º 6 do artigo 5.º

2 - A negligência é punível sendo os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade.

3 - Em caso de violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, acrescida da ocorrência da situação prevista no n.º 4 do mesmo artigo, o montante da coima a aplicar não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista.

4 - A violação do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º dá lugar, para além da aplicação da respectiva coima, à publicidade da condenação por contra-ordenação num jornal de expansão local ou nacional, a expensas do infractor.

  Contém as alterações dos seguintes diplomas:

   - DL n.º 371/2007, de 06/11

  Consultar versões anteriores deste artigo:

   -1ª versão: DL n.º 156/2005, de 15/09

Os argumentos esgrimidos pelo recorrente não fazem qualquer sentido, uma vez que a letra da lei é muito clara neste particular desiderato, bastando para tal atentar no disposto no artº 3º nº 1 b) e nº 4 do citado DL.

Ou seja, pretendendo um consumidor usar da prerrogativa de usar o livro de reclamações, a disponibilização do mesmo, deve ser inequivocamente, IMEDIATA.

Disto não temos duvidas, pois fazendo uma interpretação literal do texto legal/ norma violada (e sem necessidade de se proceder a interpretações restritivas ou extensivas deste normativo), temos por certo que ali aparece referido o termo “DE IMEDIATO”, artº 3 nº 1 b) d cit. DL.

 E mais dizemos, se aquele 1º “ IMEDIATO” não for cumprido, o que acontece?

Claramente a “cominação”, antes de mais contida no nº 4 do artº 3º, predispõe (para além da previsão das coimas aplicáveis e contidas no artº 9):

4 - Quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o sector em causa.

Ou seja o interesse a proteger aqui é tão relevante que até a lei foi clara ao conceder direito ao consumidor de requerer/ chamar a autoridade policial, quando o livro de reclamações não lhe for imediatamente facultado…ou para tomar as diligências necessárias contidas na parte final do nº4.

Antes de mais avancemos, pois entende-se que, de facto, será necessário relembrar o significado da palavra: Imediato.

 Ora no léxico: dicionário de português on line (disponível in https://www.lexico.pt/imediato/), ali se refere:

               IMEDIATO

(Adjectivo)

1. Diz-se do que se segue a seguir, sem qualquer intervalo, numa sequência; posterior, subsequente ou seguinte;

2. Que não apresenta nada no meio; que é direto, sem intermediários;

3. Que age ou procede rapidamente ou no mesmo instante;

4. Diz-se do que ou de quem não aceita demoras ou perdas de tempo; que ocorre sem pausas; súbito ou instantâneo;

(…)

Ora tendo em conta o acima exarado, a argumentação da recorrente, usada no recurso em apreciação, de que não terá cometido os ilícitos em apreço, em suma porque nunca recusou, ou proporcionou o “uso” aos consumidores do livro de reclamações aos consumidores descontentes, bastando para tal estes sujeitarem-se às regras da empresa, que eram simplesmente de os consumidores terem de tirar uma senha e ficar á espera da sua vez, para então poderem usar o livro de reclamações, definitivamente não colhe.

Não colhe primeiro, pelo conteúdo da norma violada que é até bastante assertiva, na exigência de ser facultado imediatamente ao consumidor o livro de reclamações (não se compadecendo assim com nova/ ou primeira “tirada” de senhas para o efeito/ ou até num caso relatado nos autos em que estando o consumidor ao balcão a ser atendido e pedir o livro de reclamações lhe foi exigido que este fosse tirar uma nova senha só para esse efeito…) e segundo porque como claramente decorre do numero 4 do artº 3º do Decreto Lei, que dispõe que quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o sector em causa.

No preâmbulo do DL 156/2005 pode ler-se que,  o livro de reclamações constitui um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu.

      A criação deste livro teve por base a preocupação com um melhor exercício da cidadania através da exigência do respeito dos direitos dos consumidores.

…é necessário incentivar e encorajar a sua utilização introduzindo mecanismos que o tornem mais eficaz enquanto instrumento de defesa dos direitos dos consumidores e utentes…

      Depois, no preâmbulo do DL 371/2007 (diploma que veio alterar o DL 156) reconhece o Legislador que (através da criação do livro de reclamações) o exercício do direito de queixa, enquanto exercício da cidadania, tornou-se, assim, mais acessível aos consumidores e utentes.

O alcance e extensão destas notas preambulares não pode ser entendido se não no sentido da grande importância que o legislador atribui ao livro de reclamações nesta dupla vertente, de meio efectivo de realização do direito de queixa dos consumidores, e, como instrumento de análise do mercado para identificação dos mercados em que os direitos dos consumidores estão menos acautelados, e, por conseguinte a carecer de maior intervenção no sentido da tutela deste bem jurídico fundamental que é os direitos dos consumidores com consagração no artigo 60.º da Constituição – Título III - Direitos e deveres económicos, sociais e culturais e que se refletem na estruturação da Organização económica – cfr. artigos 80.º e 81.º da CRP.

Do mesmo modo, o livro de reclamações, enquanto ferramenta importante de avaliação e conhecimento do mercado, permitiu reconhecer os sectores de actividade em que os direitos dos consumidores e utentes se encontram menos acautelados.

Ora o que decorre é que a agilização dos procedimentos da obtenção pelo utente/ consumidor do livro de reclamações encontra-se contido muito claramente na lei, exigindo-se a imediação na sua obtenção, ou explicitando melhor, este tem que ser imediatamente facultado ao “reclamante”, não estando por isso (sendo até de contra senso) sujeito ao regime de senhas de atendimento, nem tem nada a ver com o regime legal (recentemente alterado) de atendimento prioritário, que nada tem a ver com o caso dos autos e não pode evidentemente ser “colado ao caso”.

A recorrente padeceu no caso dos autos, de forma patente no seu modo de agir, e nos procedimentos de facultar o livro de reclamações aos utentes/ consumidores, denotando alguma “agnosia” e nitidamente “ contra legem”, e assim deverá ser sancionada, como o foi aliás exemplarmente pelo Tribunal “ a quo”, não sendo manifestamente válidos nenhum dos argumentos que utilizou, os quais em rigor até visam de forma clara obstaculizar o direito dos consumidores de reagirem imediatamente contra alegadas más praticas comerciais/ empresariais ou outras, que são confrontados no seu dia a dia, ao terem que utilizar toda uma panóplia de serviços indispensáveis hoje em dia à vida em sociedade, pondo entraves e atrasando de forma patente o exercício que deve ser IMEDIATO, repete-se, do acesso ao livro de reclamações.

Nada mais haverá de relevante de acrescentar ao atrás referido, que por ser tão linear nos eximimos de tecer quaisquer outro tipo de considerações.

Por fim quanto à sanção/ sanções, que a recorrente entende serem exageradas, propondo que lhe seja aplicada uma sanção de admoestação, diremos o seguinte:

Considerando-se as  conclusões de recurso, 26 a 34, torna-se evidente que a recorrente a pretexto de, no seu entendimento, o TCRS ter concretizado a operação de determinação da medida da pena de forma errada, mais não faz do que impugnar de facto, repetindo na conclusão 27 partes da fundamentação da douta sentença, e nas conclusões seguintes, afirmando novamente que agiu na convicção de que cumpria a lei, que agiu e bem assim os seus funcionários sem consciência da ilicitude.

Quanto à pretendida sanção de Admoestação – conclusões 36 e 37 – desde logo se verifica que o TCRS não tinha de a ponderar.

Em primeiro lugar, porque nenhuma norma legal no âmbito do direito das contraordenações impõe que na escolha e determinação da sanção o TCRS tenha de excluir a sanção de Admoestação, para somente depois concluir pela aplicação de coima.

Depois, nos termos do recurso de impugnação judicial, a arguida nunca colocou a questão da Admoestação, logo, embora vigore no processo de contraordenação o princípio de jurisdição plena, tal questão nunca foi submetida ao seu conhecimento, mais, no referido segmento, também a decisão sancionatória não a convocou à discussão.

Prevê o art.° 18°nº1 do RGCO que a determinação da medida da coima se faz em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação

Ora na fundamentação da sentença recorrida, esta explana, em argumentação pela positiva, as razões de facto e de direito que levaram o Tribunal “ a quo” à condenação em determinadas coimas por condutas negligentes, de forma adequada e proporcional ao desvalor social da acção (negligente) e ao grau de culpa da arguida.

Assim a fixação das coimas e depois da coima única, mostra-se equilibrada, justa, proporcional e razoável e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, imitindo ainda um certeiro juízo na prevenção e na segurança dos valores que as normas contraordenacionais visam resguardar a sociedade e que a arguida beliscou com a sua actuação, que resultou provada.

Ora como é por todos consabido, o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso (vide Ac. do TRP de 2.10.2013).

 A intervenção correctiva do tribunal superior no que diz respeito à medida da pena aplicada se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada, e tal no ensinamento de Figueiredo Dias.

 Mas tal não se verifica no caso em apreço e pelos motivos já atrás equacionados, pelo que improcede também este segmento do recurso, pois a determinação em concreto das coimas a aplicar, se mostram justas, equilibradas e fazendo jus, às regras legais conjugadas com os factos atinentes à sua fixação, o que se declara.

Finalizando diremos que a sentença encerra em si lapsos de escrita, assim o ponto iii) do dispositivo, no confronto com a fundamentação de facto e de direito, da douta sentença recorrida, contém dois lapsos de escrita, um, quando menciona a norma do artigo 3º/1/a) quando, claramente, se quer referir à alínea b do n.º 1 do artigo 3.º, uma vez que é nesta alínea b que se estabelece o dever de o prestador de serviços facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado, o outro quando refere doze ilícitos previstos e puníveis pelos artigos 3º/1/a) e 9º/1/a) da Lei 156/2005, associando-lhes a condenação em 6 (seis) coimas, que como tal – meros lapsos de escrita cuja correcção não implica qualquer modificação essencial do sentido da condenação - deverão obter tratamento, conforme o disposto no artigo 380.º/1/b/2/3 do CPP ex vi artigo 41.º/1 do RGCO, tanto mais que a recorrente bem compreendeu qual a norma sancionatória e o número de condutas imputadas como nitidamente resulta do recurso que apresentou.

De facto tal constatação que é patente e decorre da leitura da sentença recorrida, pelo que ao abrigo do disposto no artº 380º nº 1 b) do CPP e 41º nº 1 do RGCO, e por não importar qualquer modificação essencial daquela, determino a correcção da mesma nos termos do parágrafo anterior, devendo esta correcção ser feita após o trânsito em julgado e pelo Tribunal recorrido, no seu devido lugar eliminando-se assim os dois lapsos verificados.

Improcede assim o recurso interposto pelos assistentes.

                      III.

                     1.Pelo exposto rejeita-se em substância o recurso por manifestamente improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

                     2. Nos termos do disposto nos artigos 380 nº 1 al. b), nº 2 do CPP e artº 41º nº 1 do RGCO, determino a correcção da sentença no seu ponto iii) do dispositivo, devendo passar a constar no lugar onde se menciona a norma do artigo 3º/1/a) a alínea b do n.º 1 do artigo 3.º, e onde se refere doze ilícitos, deverá passar a constar  “de 6 (seis) ilícitos” .

                     3. Custas, a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s (3+3 pela rejeição)e demais encargos legais.

                     Lisboa, 23 de Janeiro de 2017 (elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária nos termos do disposto no artº 94º nº 2 do C.P.P.)

Filipa Costa Lourenço