Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5152/19.3T8LRS.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DESPACHO SANEADOR
CONHECIMENTO DE MÉRITO NO SANEADOR
EXCEPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – No âmbito de uma acção declarativa de processo comum, quando o juiz se julgue habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa ou de alguma excepção peremptória, deve convocar a audiência prévia para esse fim, não o podendo fazer sem primeiro facultar a discussão, em audiência, entre as partes, sem prejuízo de, no uso do poder de gestão e adequação processuais prescindir desse acto processual, por decisão fundamentada, desde que as razões de facto e de direito já se mostrem debatidas nos articulados, as partes sejam notificadas dessa intenção e tenham a possibilidade de sobre ela tomarem posição.
2 -O conhecimento do mérito no despacho saneador apenas deve ter lugar se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito, ou seja, não há que antecipar qualquer solução jurídica e desconsiderar factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objecto da acção.
3 - O conhecimento das excepções peremptórias integra-se na apreciação do mérito da causa e só é possível ter lugar no despacho saneador, desde que não exista a esse respeito matéria de facto controvertida.
4 – Fundando-se a causa de pedir da acção na ocorrência de um acidente de viação que originou os danos materiais num dos veículos intervenientes, cuja reparação é visada pela demandante, sendo demandada a seguradora do veículo responsável, a obrigação de indemnizar deriva da responsabilidade civil extracontratual, que, na vigência do contrato de seguro, foi transferida para a seguradora e a que se aplica o prazo prescricional de três anos, previsto no artigo 498º do Código Civil (cf. artigo 145º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, pessoa colectiva número ..., com sede à ..., Azambuja intentou contra B, NIPC ..., com sede em R. …, 39, apartado …, 4002-001 Porto a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando o seguinte pedido:
a) Pagar à autora a quantia de 72 829,03 €, relativa ao valor da reparação do veículo de 1 885,23 €, acrescido de juros de mora desde a data do sinistro até à presente data (calculados à taxa legal em vigor para cada ano), num total de 1 083,00 €, e ainda o valor referente à paralisação do veículo entre a data do sinistro e a data da ordem de reparação (23-05-2013), o que calcula em 69 861,00 € (80,30 €/870 dias), tudo acrescido dos juros de mora vincendos até integral pagamento.
Alega, para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 8366931):
Ø A autora, no âmbito da sua actividade de construção civil, detém diversas viaturas para sua utilização, entre elas, o veículo ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi Canter, matrícula 13-…-64;
- No dia 16 de Dezembro de 2010 deu-se um sinistro com a intervenção deste veículo e a viatura ...-44-08, com a apólice n.º ..., pertencente ao Sr. António ..... e segurado pela aqui ré, B, sendo responsável o condutor desta viatura;
- Efectuada a participação às seguradoras, a peritagem ao veículo da autora veio a ser realizada apenas em 9 de Outubro de 2012, tendo sido classificada como “condicional”, tendo a ordem de reparação do veículo e respectivo pagamento concedidos pela ré à autora a 23 de Maio de 2013, data em que ficou finalizado o processo de instrução e foi por aquela assumida a responsabilidade pela ocorrência;
- A autora procedeu à reparação do veículo por dele necessitar, o que já tinha sucedido quando a ré emitiu ordem de pagamento para a oficina onde inicialmente se encontrava o veículo;
- O autor solicitou o valor da reparação através de diversos contactos, a que a ré respondeu apenas em 5 de Dezembro de 2017, referindo ser sua intenção ressarcir pelo valor de 1 532,71 €;
- Posteriormente, a autora reclamou junto da ré o valor devido pela paralisação do veículo e juros de mora desde a data do sinistro e a data da ordem de reparação, por a esta ser imputável a demora na respectiva execução, o que calcula a uma taxa diária de 80,30 €/dia, num total de 870 dias, o que perfaz 69 861,00 €.
A ré deduziu contestação invocando a excepção de prescrição com fundamento no facto de a autora conhecer o pretenso direito a uma indemnização desde o dia 16 de Dezembro de 2010, pelo que, nos termos do art.º 498º, n.º 1 do Código Civil, o seu direito prescreveu no dia 16 de Dezembro de 2013, não tendo existido qualquer causa de interrupção do prazo de prescrição; ainda que se considere que o prazo se interrompeu com a carta de 23 de Maio de 2013, ainda assim o novo prazo que então teria começado a correr se teria completado em 23 de Maio de 2016, muito antes da interposição da acção, pelo que pugna pela sua absolvição do pedido (cf. Ref. Elect. 8562818).
Quanto ao mais, confirmou a existência do contrato de seguro responsabilidade civil automóvel celebrado com António ....., em 20 de Maio de 2009, titulado pela apólice n.º 004520418952, abrangendo a responsabilidade civil extracontratual por danos causados a terceiros; mais refere que os danos materiais no veículo não determinaram a sua imobilização, nem foi necessário reboque, pelo que se a autora com ele não circulou durante 870 dias foi porque não quis, tendo a ré se proposto pagar indemnização pelos três dias necessários para a reparação; a ré tentou assumir as despesas inerentes à reparação do veículo, por valor que a autora não aceitou; a ré solicitou à seguradora da autora elementos necessários para a emissão de novo recibo de regularização do valor orçamentado e apenas em 2017 a autora enviou parte dessa documentação, não tendo aceitado que a ré pagasse a reparação do veículo, pelo que nunca poderá ser condenada no pagamento de juros de mora.
Conclui pela sua absolvição de todos os pedidos formulados.
Em 29 de Janeiro de 2020 foi proferido despacho convidando a autora a responder, querendo, à matéria da excepção de prescrição (cf. Ref. Elect. 143754546), o que aquela veio fazer, por requerimento de 14 de Fevereiro de 2020 (cf. Ref. Elect. 9367495).
Nesse requerimento refere a autora:
- À data do sinistro não sabia nem podia saber a quem cabia a responsabilidade, se à seguradora ou a si próprio, pelo que não tinha então o conhecimento de qualquer direito:
- Na carta da ré de 23 de Maio de 2013 consta apenas a seguinte informação: “assume a ocorrência”, e a “ordem de pagamento foi emitida à oficina reparadora”, pelo que tal data não releva para o início de contagem do prazo prescricional, pois não contém todos os elementos essenciais para que a autora tomasse conhecimento da existência do seu direito;
- Existiram várias comunicações entre a autora e a ré posteriores a essa data que devem ser entendidos como factores interruptivos desse prazo;
- A ré só reconhece o direito da autora em 5 de Dezembro de 2017, data em que envia uma comunicação a assumir a ocorrência e o valor a pagar pela reparação do veículo sinistrado, pelo que só nessa data a autora teve conhecimento de todos os elementos que permitem concluir pelo seu direito, pelo que a prescrição só ocorreria em 5 de Dezembro de 2020, muito depois da interposição da acção;
- Em 10 de Abril 2018 a ré volta a assumir perante a autora o seu direito ao ressarcimento dos danos, porém com a atribuição de um valor muito inferior ao da reparação do veículo.
Concluiu pela improcedência da excepção de prescrição.
Em 14 de Abril de 2021 foi proferido o seguinte despacho (cf. Ref. Elect. 148067447):
“Audiência Prévia
Nos termos do disposto no art. 591.º do Código de Processo Civil, a Audiência Prévia tem, entre outras finalidades, o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa.
Atendendo a que nos presentes autos, o Tribunal considera encontrar-se habilitado a conhecer da exceção invocada e discutida nos autos, salvaguardando-se a possibilidade de produção de alegações por escrito, não vislumbramos, ao abrigo do dever de gestão e eficiência processuais – art. 6.º, n.º 1, do CPC – qualquer necessidade em designar Audiência Prévia, com vista proferir decisão.
Notifique as partes para, no prazo de dez dias, oferecerem alegações por escrito, querendo e pronunciarem-se, expressamente, quanto à anuência da dispensa da realização de Audiência Prévia.”
Por requerimento de 26 de Abril de 2021 a autora declarou “expressamente anuir à dispensa de realização de audição prévia” e quanto à excepção invocada reiterou o anteriormente exposto no requerimento de resposta, designadamente, que só tomou conhecimento do seu direito em 5 de Dezembro de 2017, sendo esta a data a partir da qual se conta o prazo de três anos previsto no art.º 498º do Código Civil, embora da parte da seguradora tenha existido um incumprimento contratual face às obrigações assumidas no contrato de seguro quanto à regularização do sinistro, pelo que o prazo de prescrição é de vinte anos (cf. Ref. Elect. 10824734).
Por requerimento de 29 de Abril de 2021, a ré declarou não vislumbrar necessidade de realização da audiência prévia e expressamente concordou com a sua dispensa; reiterou a prescrição do direito da autora, por estar em causa uma relação de natureza extracontratual, não tendo por base qualquer contrato, pelo que o prazo prescricional é o previsto no art.º 498º, n.º 1 do Código Civil, sendo que basta para o seu início que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete, o que teve lugar em 16 de Dezembro de 2010, não tendo a carta de 23 de Maio de 2013 a virtude de interromper a prescrição e, ainda que assim não fosse, sempre o novo prazo de prescrição teria findado em 23 de Maio de 2016, pelo que o direito alegado pela autora deve ser julgado prescrito (cf. Ref. Elect. 10837575).
Em 18 de Maio de 2021, em face das alegações de direito produzidas pelas partes e do seu consentimento para efeito de dispensa da realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador-sentença que julgou verificada a excepção de prescrição e absolveu a ré do pedido deduzido pela autora (cf. Ref. Elect. 148516052).
Inconformada, a autora vem interpor o presente recurso cuja motivação concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 148516052):
a) A. e R. celebraram entre si um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, apólice nº 04954264.
b) Decorrente de um sinistro a R. incorreu na responsabilidade de pagamento referente à reparação do veículo sinistrado da A.
c) A A., aqui recorrente, intentou acção declarativa para que fosse reconhecido o incumprimento por parte da R. no pagamento a si devido e correspondente indemnização com base nesse incumprimento.
d) Em sede de contestação a Ré defendeu-se por excepção.
e) Alegou a R. a excepção peremptória de caducidade do direito de acção.
f) O Tribunal a quo decidiu sem realização de audiência prévia.
g) Concluindo que a causa era suficientemente simples e que a verificação da excepção peremptória de caducidade do direito era suficiente para absolver a R. no pedido.
h) Porém, analisou e decidiu o Tribunal a quo a excepção de prescrição com base nas disposições que regem a responsabilidade civil extracontratual, nos termos do art. 498º do CC.
i) Quando na verdade estamos perante uma responsabilidade fundada em contrato celebrado entre as partes, cujo prazo de prescrição não se verificou conforme dispõe o art. 309º CC.
j) Erradamente, impediu o Tribunal a quo a apreciação do direito do A..
k) Assim como impediu a realização de todos os meios de prova para a correta decisão da causa.
l) Truncando, de forma intolerável, o direito da A., que se funda não só no direito de alegar como, também, no direito de realizar a actividade probatória adequada ao direito que pretende ver prevalecer.
m) Violando assim o artigo 2º nº 2, 3º nº 3 ambos do CPC e art. 309º do Código Civil.
Conclui pela procedência da apelação.
A ré/apelada contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação da autora/apelante há que apreciar as seguintes questões:
a) Violação do princípio do contraditório por falta de realização da audiência prévia;
b) Verificação da prescrição do direito que a autora pretende exercer, com ponderação sobre se os autos forneciam os elementos necessários para o conhecimento da excepção.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos, a que este Tribunal introduziu correcção/aditamentos em função dos elementos documentais existentes nos autos, concretamente, nos pontos 1. (quanto à classificação dos veículos intervenientes no acidente e local do evento, conforme participação de acidente de viação junta como documento n.º 1, junto com a petição inicial); 4. (transcreveu-se o conteúdo da missiva, conforme documento n.º 7, junto com a petição inicial); e 5. (transcreveu-se o conteúdo da missiva, conforme documento n.º 16, junto com a petição inicial); e aditamento do ponto 6. (contrato de seguro conforme documento n.º 1 junto com a contestação), considerando que nos termos do art.º 662º, n.º 1 do CPC, a Relação pode/deve corrigir, mesmo a título oficioso, patologias que afectem a decisão da matéria de facto - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos…, pág. 245; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, 2015, pág. 468:
1. O embate entre o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula 13-…-64 e o veículo ligeiro de passageiro, com a matrícula ...-44-08 ocorreu em 16 de Dezembro de 2010, na Rua do Espingardeiro, Azambuja, Lisboa (participação do acidente constante de fls. 7 a 9).
2. Do embate referido em 1., apenas resultaram danos materiais (participação do acidente constante de fls. 7 a 9 e acordo entre as partes).
3. A presente acção foi intentada a 21 de Maio de 2019 (petição inicial junta aos autos).
4. Com data de 23 de Maio de 2013, a ré dirigiu à autora uma carta sob o assunto “Acidente ocorrido em 16-12-2010”, com referência à apólice n.º ..., viatura ...-44-08, com o seguinte teor:
“Finalizada a instrução do nosso processo, informamos que nos encontramos a assumir a presente ocorrência.
Emitimos a Ordem de Pagamento à oficina reparadora. […]” (carta constante de fls. 10).
5. Com data de 5 de Dezembro de 2017, a ré dirigiu à autora uma carta, contendo a emissão de um recibo de indemnização, no valor de 1 532,71 € referente ao acidente ocorrido em 16-12-2010, com menção da apólice n.º ..., valor a receber por ...... Silva, Lda., constando ainda do seu teor:
“Junto enviamos o recibo de indemnização a fim de ser devidamente legalizado nos termos a seguir indicados. Solicita-se a devolução deste documento devidamente assinado para posterior pagamento, acompanhado dos documentos a apresentar […]”
Surgindo a seguir ao recibo a seguinte menção:
“O(s) abaixo assinado(s) declara(m) aceitar da B […], a quantia de 1.532,71€ (mil quinhentos e trinta e dois euros e setenta e um cêntimos), como indemnização por todos os danos sofridos e/ou despesas efectuadas, em consequência do sinistro em referência, garantidos pela apólice supramencionada. Com o recebimento efectivo da quantia referida, o(s) abaixo assinado(s) dá/dão pela e completa quitação, desobrigando a Direct de toda e qualquer responsabilidade respeitante ao referido sinistro, declarando-se completamente ressarcido(s) […]”, não contendo o documento, no espaço destinado a tal, qualquer assinatura (carta constante de fls. 14 verso).
6. Através de contrato de seguro ramo automóvel titulado pela apólice n.º ..., com efeitos a partir de 20 de Maio de 2009, António ..... transferiu para a ré seguradora a responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrente dos riscos de circulação do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ...-44-08.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
O Tribunal recorrido apreciou a excepção de prescrição nos seguintes termos:
“Face aos factos acima demonstrados, estamos no âmbito da responsabilidade extracontratual, pelo que de acordo com o disposto no art. 498.º, n.º 1, do CC, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que “o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.
Não temos dúvidas de que o prazo prescricional a aplicar ao caso em apreço é o de três anos, porquanto, não foi alegado qualquer ilícito criminal. Resta saber quando se iniciou a contagem do prazo referido.
Como resulta do preceito legal citado, o prazo prescricional deverá contar-se a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu - v. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 2ª edição, vol. I, 503.
Assim sendo, é irrelevante, ao contrário do alegado pela Autora, o envio das cartas enviadas pela Ré à Autora para efeito de início de contagem do prazo prescricional, porquanto, estas apenas poderão relevar para efeitos de interrupção do prazo, mas não para efeitos do início da respetiva contagem.
Efetivamente, o que releva não são as nuances relativas à assunção de responsabilidade ou forma de proceder ao arranjo e respetivo pagamento da viatura, mas sim o conhecimento dos factos constitutivos do direito, ou seja, o ato praticado e danos daí advenientes.
Deste modo, não temos quaisquer dúvidas em considerar que o prazo prescricional se iniciou no dia 17/12/2010 (art. 296.º e 279.º, al. b), do CC), sendo que o seu e o terminus ocorreu pelas 24 horas do dia 17/12/2013 (art. 279.º, al. c), do CC).
Acontece que, por carta enviada pela Ré à Autora, datada de 23.05.2013, sob o assunto “Acidente ocorrido em 16-12-2010”, aquela referiu que “Finalizada a instrução do nosso processo, informamos que nos encontramos a assumir a presente ocorrência. Emitimos a ordem de pagamento à oficina reparadora”, donde se retira o reconhecimento, por parte da ora Ré, da obrigação de pagar o valor correspondente à reparação do veículo da Autora. Pelo que, nessa data, ter-se-á por interrompido o prazo prescricional nos termos do disposto no art. 325.º do CC. De qualquer modo, reiniciado o prazo prescricional a 24.05.2013, o mesmo terá decorrido integralmente até 24.05.2016, data em que o direito invocado pela Autora prescreveu, sendo irrelevantes as demais cartas trocadas entre as partes após tal data.
Efetivamente, a Autora aquando da propositura da presente ação em 21.05.2019, há muito se encontrava prescrito o direito invocado.
Estamos perante uma exceção perentória, cuja verificação tem como consequência a absolvição da Ré do pedido – arts. 576.º, n.º 1, e 3, 579.º, do CPC.
Pelo exposto, julgo verificada a exceção de prescrição e, consequentemente, absolvo a Ré do pedido deduzido pela Autora.”
A autora/recorrente insurge-se contra o assim decidido, visando alcançar a anulação do despacho saneador-sentença e a realização de audiência final, com a seguinte ordem de fundamentos:
1) O Tribunal apreciou a excepção de prescrição em sede de despacho-saneador, considerando estar em causa uma questão de responsabilidade civil extracontratual sem que estivessem reunidas as condições para esse conhecimento, pois que em face do que a autora alegou havia que efectuar o enquadramento do litígio no âmbito contratual por incumprimento do pagamento, tendo invocado o incumprimento de obrigações contratuais no âmbito do contrato de seguro;
2) A decisão proferida constitui uma decisão surpresa por violação do princípio do contraditório, nos termos do art.º 3º, n.º 3 do CPC;
3) A questão a decidir não é a prescrição do direito do autor com base na responsabilidade civil extracontratual mas saber se lhe assiste o direito ao pagamento e indemnização com base no incumprimento da relação existente entre a autora e a ré, que é contratual, pelo que a acção deveria ter prosseguido para a audiência de julgamento para apurar do direito da autora com base nesse incumprimento.
Apesar de os pontos enunciados emergirem da motivação do recurso, em sede de conclusões, a recorrente parece inverter o sentido daquela, convocando a falta de realização de audiência prévia (cf. alínea f)), sem que, porém, dela retire alguma ilação, para novamente referir a falta de apreciação da prescrição fundada em contrato celebrado entre as partes e a falta de oportunidade para a produção de todos os meios de prova, numa linha de argumentação manifestamente errática, que dificulta a identificação das questões que aquela pretende ver apreciadas.
Por sua vez, a ré/recorrida afasta os argumentos da recorrente referindo que esta se conformou com a dispensa de audiência prévia e conhecimento da excepção no despacho saneador, pelo que a decisão proferida não constitui uma decisão surpresa; mais refere que foi a própria autora quem, desde a propositura da acção, enquadrou a responsabilidade da ré no âmbito da responsabilidade civil delitual, não tendo, aliás, sido celebrado qualquer contrato de seguro entre a autora e a ré, pelo que a relação entre ambas não pode deixar de ser extracontratual, reiterando que o prazo de prescrição se completou em 16 de Dezembro de 2013 ou, a admitir-se que se interrompeu em 23-05-2013, em 24 de Maio de 2016.
Face à dificuldade decorrente da notória confusão entre institutos jurídicos vertida nas alegações de recurso, proceder-se-á à análise de todas aquelas questões que surgem minimamente invocadas e susceptíveis de interferirem com o direito da autora a obter uma pronúncia efectiva sobre a pretensão que trouxe a juízo.
Da Falta de Realização da Audiência Prévia
Ao longo da sua exposição a recorrente parece convocar quer a falta de reunião das condições para decidir da excepção de prescrição ao momento da prolação do despacho saneador, quer a falta de oportunidade para produzir os seus meios de prova como fundamento da qualificação da decisão como uma decisão surpresa, quando, em rigor, o que decorre de toda a sua argumentação é a sua discordância com o entendimento do Tribunal a quo no sentido de o prazo prescricional aplicável à situação dos autos ser o prazo previsto no art.º 498º, n.º 1 do Código Civil.
Apenas em sede de conclusões a apelante alude à falta de realização da audiência prévia sem, porém, daí retirar qualquer consequência, seja em termos de violação do contraditório ou de omissão de acto processual legalmente exigido por lei.
De todo o modo, sempre se dirá que, tal como se extrai do relatório supra, a autora teve diversas oportunidades para se pronunciar sobre a excepção de prescrição suscitada pela ré na sua contestação, tendo sido convidada, expressamente, a fazê-lo, conforme despacho proferido em 29 de Janeiro de 2020, o que fez, por requerimento de 14 de Fevereiro de 2020, momento em que, aliás, afastou a prescrição por referência ao prazo de três anos, não tendo sequer mencionado a eventual aplicabilidade do prazo geral de vinte anos.
Posteriormente, em 14 de Abril de 2021, a senhora juíza a quo proferiu um despacho dando conta que se considerava habilitada a conhecer da excepção invocada, não vislumbrando utilidade na realização da audiência prévia, pelo que convidou as partes a se pronunciarem expressamente sobre a sua anuência ou não à dispensa de realização de audiência prévia e, bem assim, a produzirem, querendo, alegações por escrito.
Por requerimento de 26 de Abril de 2021 a autora declarou expressamente anuir à dispensa de realização de audição prévia e pronunciou-se novamente sobre a excepção de prescrição, pugnando pela sua improcedência, invocando agora um incumprimento contratual da seguradora a que seria aplicável o prazo de prescrição de vinte anos.
Também a ré seguradora aderiu expressamente à dispensa da realização da audiência prévia.
Assim, esta diligência foi suprimida e foi proferido o despacho-saneador, com conhecimento da excepção peremptória, de que ora recorre a autora.
Ultrapassada a fase da prática de actos destinados à gestão inicial do processo, nos termos prescritos no art. 590º do CPC, estipula o art. 591º deste diploma legal que deve ser “convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;
g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas.”
Por sua vez, o art. 592º, n.º 1 do CPC, enuncia as situações em que a audiência prévia não se realiza:
“a) Nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º;
b) Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.”
O art. 593º do CPC estipula sobre as situações de dispensa da audiência prévia determinando que “nas acções que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º
Da conjugação dos normativos mencionados e, bem assim, do disposto no art. 597º do CPC, retira-se que a tramitação de uma acção declarativa comum de valor superior a metade da alçada da Relação (15 000,00 €) integra, em condições normais, a realização de uma audiência prévia.
Esta regra comporta duas excepções:
1) Quando a lei assim o estabeleça, como sucede nos casos indicados no art. 592º, n.º 1 do CPC;
2) Quando o juiz dispense a realização da audiência, nos termos do art. 593º, n.º 1 do CPC.
Salvo estas situações, a audiência prévia é obrigatória, decorrendo da sua dispensa uma nulidade – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 685.
No que diz respeito às situações em que o juiz pode dispensar a audiência prévia, a doutrina diverge quanto ao entendimento a conferir à expressão “nas acções que hajam de prosseguir” vertida no n.º 1 do art. 593º do CPC.
Tem-se entendido que a dispensa da realização da audiência prévia apenas pode ter lugar quando esta tivesse apenas por objecto as finalidades previstas nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artº. 591º do CPC, ou seja, quando se destinasse a:
i. Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º (alínea d));
ii. Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do art. 6º e art.º 547º do CPC (alínea e));
iii. Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes (alínea f)).
Como referem A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, a possibilidade de dispensa da audiência prévia contemplada no aludido normativo enquadra-se “sempre num cenário em que, seguramente, a acção prosseguirá para além do momento do despacho saneador”, de tal modo que “quando o juiz projecte conhecer do mérito da causa no despacho saneador, seja quanto a algum pedido, seja quanto a alguma excepção perentória, e independentemente do possível sentido da decisão, deverá convocar audiência prévia para os efeitos do art. 591º, n.º 1, al. b)” – cf. op. cit., pág. 691.
O propósito legislativo seria, pois, que as acções declarativas não incluídas na previsão do art. 597º do CPC não possam terminar com decisão de mérito no despacho saneador sem que este seja proferido no contexto da realização de uma audiência prévia.
De igual modo, Rui Pinto parece aderir ao entendimento de que a referência à dispensa de audiência prévia para prolação de despacho saneador se restringe ao saneador com o conteúdo previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 595º (conhecer de excepções dilatórias e nulidades processuais), não abrangendo a alínea b) desse normativo (conhecer do mérito da causa com apreciação do pedido ou de alguma excepção peremptória).
Tal entendimento assenta na consideração de que o art. 593º, n.º 1 do CPC ao remeter para as alíneas d), e) e f) do n.º 1 do art. 591º desse diploma legal, excluindo da remissão a alínea b), em que se prevê a realização da audiência prévia quando haja de conhecer-se de excepções dilatórias ou de mérito, tem de ser interpretado no sentido de a dispensa não poder ocorrer em caso de conhecimento imediato do mérito, pois que neste caso o tribunal deve facultar às partes a discussão de facto e de direito, cumprindo o disposto nesta última norma legal – cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pp. 114 e 122-123.
Em idêntico sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem que quando o juiz se julgue habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa, deve convocar a audiência prévia para esse fim, não o podendo fazer sem primeiro facultar a discussão, em audiência, entre as partes. Assim, “a dispensa pressupõe agora que a audiência prévia se destinasse apenas ao proferimento de despacho saneador […], à adequação formal ou gestão processual […] ou o proferimento do despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova […] Fora desses casos, o juiz não pode dispensar a audiência prévia, nomeadamente quando se verifiquem os requisitos da alínea b) ou da 2ª parte da alínea c) do art. 591-1.” – cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pp. 641 e 650.
Em comentário ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-11-2015, processo n.º 4507/13.1TBMTS-A.P1[2], o Prof. Miguel Teixeira de Sousa refere que “a audiência prévia não podia ser dispensada, simplesmente porque a sua realização é obrigatória sempre que o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador (art. 591.º, n.º 1, al. b), e 593.º, n.º 1 a contrario, CPC).” – cf. Blog do IPPC, Jurisprudência (250) Audiência prévia; dispensa; conhecimento do mérito no despacho saneador; nulidade processual[3].
Não obstante, tem sido objecto de discussão se o juiz pode determinar a não realização da audiência prévia fazendo uso da cláusula geral do princípio da adequação formal vertido nos art.ºs 6º, n.º 1 e 547º do CPC.
Reconhecendo a delicadeza da situação e a necessidade de basta fundamentação para tanto, atenta a irrecorribilidade da decisão (cf. art. 630º, n.º 2 do CPC), Rui Pinto admite essa possibilidade, por exemplo, em situações em que as questões a decidir sejam muito simples e a decisão sobre elas seja pacífica na jurisprudência e na doutrina, ou se o juiz entender que no processo a matéria em causa foi já objecto de suficiente debate nos articulados, com óbvio benefício em sede de celeridade sem prejuízo da adequada composição do litígio – cf. op. cit., pág. 124.
A este propósito discorreu-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-09-2017, processo n.º 136/16.6T8MAI-A.P1, em termos que se subscrevem:
“Pode questionar-se se, não obstante, o juiz pode dispensar a realização da audiência, fazendo uso já não um poder discricionário, como aqui teve lugar de forma ilegal, mas o poder de gestão processual na dimensão do poder de simplificação e agilização processual (artigos 6.º e 547.º).
Temos sérias reservas sobre essa possibilidade. Com efeito, estamos perante uma situação em que o legislador regulou de forma pensada e pormenorizada a tramitação processual, estabelecendo diferenças entre os actos a praticar consoante a situação verificada e sopesando de forma expressa o caso de o passo que se segue ser apenas o do conhecimento do mérito. Acresce que a solução legal de impor a realização da audiência possui, como vimos já, serve o objectivo coerente e justificado de levar às últimas consequências o princípio do contraditório, explorando as virtualidades da discussão oral entre os intervenientes dos argumentos pelos quais a decisão deve ser uma ou outra, sendo difícil de conceber um processo equitativo que prescinda dessa discussão oral sem, ao menos, a substituir pela possibilidade de apresentação de alegações escritas.
Podemos, contudo, aceitar que em casos limite, quando as questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre as mesmas for pacífica na jurisprudência e na doutrina, essa preocupação do legislador possa não fazer sentido e o juiz possa, no uso do seu poder de simplificação e agilização processual e adequação formal proferir a decisão por escrito sem realizar a audiência prévia.
Mesmo nesses casos, entendemos que a decisão de prescindir desse acto processual prescrito na lei deve ser fundamentada e precedida não da manifestação da intenção de o fazer, mas, sobretudo, do convite prévio às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de o fazer e da permissão às partes de alegar por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência se esta tivesse lugar.”
Assim, a jurisprudência tem vindo a admitir a possibilidade de dispensa da audiência prévia, mesmo quando o tribunal se prepara para conhecer do mérito da causa ou de alguma excepção peremptória, ao abrigo da gestão processual e a título de adequação formal (cf. art.ºs 547.º e 6.º n.º 1 do CPC), se o juiz entender que existem ganhos relevantes ao nível da celeridade, sem prejuízo da justa composição do litígio, desde que as razões de facto e de direito já se mostrem debatidas nos articulados, as partes sejam notificadas dessa intenção e tenham a possibilidade de sobre ela tomarem posição.
Significa isto que a opção de dispensa da audiência prévia, pretendendo conhecer-se do mérito da causa, findos os articulados, depende de prévia auscultação das partes, sob pena de compressão do exercício do contraditório, independentemente da avaliação do tribunal quanto à desnecessidade de as ouvir para poder decidir – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-2021, processo n.º 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1, onde se refere que “a dispensa pelo juiz da realização da audiência prévia, nos casos em que é obrigatória, nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, como forma de proporcionar às partes o exercício de faculdades processuais concedidas por lei, está ela própria igualmente sujeita ao contraditório, evitando-se assim decisões surpresa, expressamente vedadas pelo artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil”; acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-06-2021, processo n.º 9796/19.5T8LRS.L1-7; de 10-10-2019, processo n.º 1970/15.0T8CSC-A.L1-2; de 22-03-2018, processo n.º 1920/14.0YYLSB-A.L1-6 e de 18-01-2018, processo n.º 18852/16.0T8LSB.L1-2.
Neste caso, resulta evidente que, não só as partes já tinham discutido nos articulados a excepção de prescrição, como esta incide sobre questão já amplamente debatida na jurisprudência, para além do que a senhora juíza a quo não só anunciou a sua intenção de conhecer, de imediato, de tal excepção, dispensando a audiência prévia, como convidou as partes a se pronunciarem expressamente sobre a sua anuência (ou não) a tal dispensa e, bem assim, a alegarem por escrito o que tivessem por pertinente.
As partes, designadamente a autora/recorrente, deram o seu acordo expresso à dispensa da audiência prévia e pronunciaram-se sobre a matéria da excepção, pelo que não só o contraditório se revela observado, como a decisão proferida que conheceu da excepção de prescrição não pode ser tida como uma decisão surpresa, pois que as partes foram notificadas daquela que era a intenção do tribunal quanto a emitir pronúncia sobre essa matéria, tendo ambas prescindido do primado da oralidade na discussão dos seus últimos argumentos.
Assim, a dispensa da audiência prévia foi cabalmente justificada, com o beneplácito das partes, que puderam esgrimir antecipadamente as razões pelas quais pugnam pela procedência/improcedência da excepção.
Não se apura, assim, qualquer irregularidade susceptível de influir no exame da causa, nem a decisão recorrida se pronunciou sobre matéria que não podia apreciar.
Do conhecimento da excepção peremptória no despacho saneador
Sustenta a autora/apelante que o processo não reunia as condições para que o tribunal conhecesse da excepção de prescrição no despacho saneador, o que fundamenta, ao que se depreende, com a existência de factos controvertidos que careceriam de demonstração e que conduziriam à aplicação do prazo de prescrição de vinte anos, pois que está em causa, segundo refere, um incumprimento contratual da seguradora quanto às obrigações que assumiu por força do contrato de seguro, incumprimento que, como decorre do próprio conteúdo das alegações de recurso, a recorrente apenas veio convocar, com esse enquadramento jurídico, no requerimento de 26 de Abril de 2021, quando aceitou a dispensa de realização da audiência prévia e alegou o que considerou pertinente.
De todo o modo, apesar de afirmar que o prazo prescricional aplicável é o de vinte anos, não identificou a recorrente quais os factos controvertidos e por si alegados que carecem ainda de demonstração para sustentar a tese por si trazida aos autos e, por outro lado, não colocou em crise os factos dados como provados na decisão recorrida.
O art. 595º, n.º 1, b) do CPC possibilita que no despacho saneador se conheça imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permita, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.
O conhecimento do mérito da causa no despacho saneador depende de estarem adquiridas para o processo provas bastantes para tal apreciação e só deve ter lugar quando este contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo presente aquele que é o entendimento do juiz da causa – cf. J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 659.
A antecipação do conhecimento de mérito pressupõe, assim, que, independentemente de estar em causa matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite essa decisão, o que sucederá, designadamente, quando:
a) Toda a matéria de facto relevante esteja provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documento;
b) Quando seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que restam controvertidos (por exemplo, se os factos alegados pelo autor não preenchem as condições de procedência da acção, é indiferente a sua prova);
c) Quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental;
d) Quando os factos alegados pelo autor sejam inábeis ou insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido (inconcludência);
e) Quando todos os factos integradores de uma excepção peremptória se encontrem já provados, com força probatória plena, por confissão, admissão ou documento.
O juiz deve guiar-se, na sua opção entre a prolação de decisão de mérito da causa ou o prosseguimento desta com a realização de audiência final, por um juízo de prognose acerca da relevância ou não dos factos ainda controvertidos – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit.; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, pág. 204.
Neste enquadramento, o conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito, ou seja, não há que antecipar qualquer solução jurídica e desconsiderar factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objecto da acção (a dificuldade será maior face à perspectiva de a questão de direito poder ter mais do que uma solução, caso em que a relevância dos factos alegados, ainda que controvertidos, variará em função desta ou daquela solução jurídica) – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-07-2017, processo n.º 114815/16.8YIPRT.G1.
O conhecimento das excepções peremptórias, como é sabido, integra-se na apreciação do mérito da causa e só é possível ter lugar no despacho saneador, desde que não exista a esse respeito matéria de facto controvertida ou que, sendo necessária apenas prova documental, tenha a parte sido convidada a proceder à sua junção – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 696.
Não se desconhece a divergência de entendimentos quanto à natureza prejudicial ou preclusiva das excepções peremptórias e admissibilidade do seu conhecimento no despacho saneador.
O Prof. Miguel Teixeira de Sousa, admitindo que o tribunal pode conhecer de uma excepção peremptória no despacho saneador sempre que tenha os necessários elementos de facto e de direito para tal, considera que esta afirmação não abrange todas as situações que podem ocorrer.
Assim, questiona o aludido professor:
“O que importa analisar é, por exemplo, se o tribunal pode conhecer da excepção de pagamento antes de ter reconhecido o crédito do autor, da excepção de nulidade antes de ter reconhecido a existência do contrato celebrado entre as partes ou da excepção de caducidade do direito à anulação do contrato antes de ter reconhecido o respectivo fundamento de anulação. […]
No fundo, o que se questiona é se o tribunal pode conhecer de uma excepção peremptória antes de conhecer do direito do autor que essa excepção visa impedir, modificar ou extinguir. Noutros termos: é possível uma decisão de procedência de uma excepção peremptória -- e, portanto, uma decisão de absolvição do pedido (cf. art. 576.º, n.º 3, CPC) -- que deixa em aberto a existência do direito que esta excepção pretende impedir, modificar ou extinguir?”
E responde:
“Por vezes, entende-se que a excepção peremptória é uma questão prejudicial em relação à apreciação do direito invocado pelo autor […]
A concepção da excepção peremptória como uma questão prejudicial não é aceitável. […] a excepção se destina a obstar à procedência da causa apesar do reconhecimento do direito do autor (ou apesar da veracidade dos factos alegados pelo autor). "A E.[xceptio] é [...] uma condição negativa da condenação […] por isso, o tribunal só pode proferir uma decisão condenatória se a excepção não for considerada procedente […]
Ao contrário do que entende a concepção que configura a excepção peremptória como uma questão prejudicial, esta excepção não pode constituir um objecto autónomo na apreciação do mérito da causa. A excepção peremptória é sempre relativa (ou, talvez mesmo, relacional): só há excepção se houver uma situação jurídica a que ela se possa opor […]
É claro que a situação não é problemática quando, no despacho saneador, se pode conhecer em simultâneo da pretensão e da excepção. […]
A situação problemática é aquela em que, no momento da elaboração do despacho saneador, o tribunal já se pode pronunciar sobre a excepção sem ainda se poder pronunciar sobre a pretensão. […]
Afastada que foi a concepção de que a excepção peremptória é uma questão prejudicial da apreciação de outros aspectos atinentes ao mérito da causa, a resposta parece evidente: o tribunal não pode pronunciar-se no despacho saneador sobre a excepção antes de se pronunciar sobre a pretensão, ou seja, não pode considerar a acção improcedente com base na excepção peremptória antes de reconhecer a existência do direito alegado pelo autor. Dito de outra forma: o tribunal não pode justificar o julgamento de procedência da excepção com o argumento de que não interessa analisar a pretensão do autor, porque, ainda que esta viesse a ser reconhecida, a acção sempre haveria de improceder com fundamento na excepção. […]
O que, no fundo, se entende é que o tribunal não pode criar o paradoxo de considerar procedente o pedido assente no facto impeditivo, modificativo ou extintivo antes de julgar procedente o pedido baseado no facto constitutivo a que aquele facto se opõe. […]
Do exposto decorre que o tribunal não pode conhecer de uma excepção peremptória no despacho saneador e absolver o réu do pedido com base nessa excepção antes de reconhecer a pretensão que essa excepção visa impedir, modificar ou extinguir. […]
Resumindo o essencial: a excepção peremptória não é uma questão prejudicial da apreciação do mérito da causa; é antes uma questão prejudicada quando não for reconhecida a pretensão do autor, pois que então não pode operar o seu efeito impeditivo, modificativo ou extintivo.” - Conhecimento de excepções peremptórias no despacho saneador? Depende!..., 22-04-2015, Blog IPPC[4].
No entanto, a admissibilidade do conhecimento da excepção peremptória no saneador, ainda que sem apreciação da pretensão vertida na acção tem sido reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência.
J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem que na apreciação das excepções peremptórias o juiz deve começar pelas que têm natureza preclusiva, ou seja, aquelas que assentam em factos preclusivos cujo efeito é o de precludir toda a indagação sobre a situação jurídica controvertida, dispensando averiguar a sua existência. Integram nesta situação a prescrição e a caducidade, referindo, quanto a esta, que uma vez invocada, o direito a ela sujeito não pode mais ser exercido, o que torna inútil a discussão sobre a sua existência anterior – cf. op. cit., págs. 577 e 659 e 660 – “Na apreciação das exceções perentórias, o juiz deve começar pelas que têm natureza preclusiva […]: a ocorrência da prescrição, da usucapião ou da caducidade dispensa a indagação sobre a existência do direito.”
Independentemente da adesão ou não à tese da inviabilidade do conhecimento da excepção peremptória em sede de despacho saneador quando ainda não é possível conhecer da pretensão deduzida pelo autor, o que se torna relevante é aferir da reunião dos pressupostos para esse conhecimento nesse momento, ou seja, verificar se estavam reunidos os elementos de facto e de direito que permitiam ao tribunal recorrido conhecer, de imediato, da excepção de prescrição, sendo certo que não sobram dúvidas que o despacho saneador se destina também a apreciar, total ou parcialmente, o pedido deduzido ou alguma excepção peremptória.
Veja-se, neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-04-2016, processo n.º 349/14.5T8CLD-A.C1 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-03-2015, processo n.º 1847/08.5TVLSB.L1.S1, onde se refere:
“As exceções perentórias traduzem-se em fundamentos da defesa suscetíveis de delimitar, negativamente, a pretensão deduzida pelo autor.
Conforme o doutrinado por Castro Mendes:
«Causa de pedir e excepções representam delimitações do pleito a decidir. Em todo o caso, há aqui uma diferença: é que a causa de pedir representa uma delimitação externa da matéria a decidir, as excepções uma delimitação interna. A causa de pedir delimita o assunto que o tribunal vai decidir, e ficará coberto pelo caso julgado; as excepções delimitam, dentro do assunto que o tribunal vai decidir, os pontos a ter em conta. E assim, produzido o caso julgado, podem-se fazer valer em nova acção outras causas de pedir não invocadas no pleito, relativas ao mesmo thema decidendum; mas não as excepções não invocadas contra a pretensão do autor.»
Nas palavras do mesmo Autor, “a alegação pelo réu de uma excepção peremptória suscita no processo uma questão fundamental, preliminar em relação ao thema decidendum.” E, tendo o réu “o ónus da fundamentação exaustiva da sua defesa, em caso de rejeição desta, preclude-se a possibilidade de invocar outros meios de defesa (salvo, e em medida limitada, meios supervenientes”. Tal efeito preclusivo “apresenta-se portanto (…) como uma das bases do caso julgado material, e não como um instituto teleologicamente convergente, mas autónomo.”
Nessa linha de pensamento, a procedência de uma exceção perentória determina a consequente decisão de improcedência da ação, sobre a qual se forma o caso julgado material, tendo por alcance objetivo o fundamento de procedência dessa exceção”
A 1ª instância entendeu aplicável à situação sub judice o prazo de prescrição previsto no art.º 498º, n.º 1 do CPC, considerando que o pedido da autora consiste num pedido de indemnização por danos materiais causados em decorrência do acidente de viação em que foi interveniente enquanto conduzia o veículo com a matrícula 13-…-64, ou seja, referindo que se está perante responsabilidade extracontratual, não se configurando qualquer ilícito criminal, pelo que o prazo de prescrição é o de três anos previsto naquele normativo legal.
Adiantando a solução do caso, não se vislumbra como dissentir deste entendimento.
Tal como resulta dos pontos 1. a 4. dos factos provados, a causa de pedir da autora assenta na verificação do evento em 16 de Dezembro de 2010 - embate entre o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula 13-…-64 e o veículo ligeiro de passageiro, com a matrícula ...-44-08 – de que resultaram danos materiais (danos no veículo e eventuais danos decorrentes da sua alegada imobilização), tendo a ré seguradora assumido a responsabilidade de reparação dos danos verificados por força dessa ocorrência (o que significa que o pressuposto da indemnização – o evento danoso e a sua imputação ao condutor segurado na ré – não está em discussão).
O art. 298º do Código Civil estabelece que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
Há, pois, prescrição “quando alguém se pode opor ao exercício dum direito pelo simples facto de este não ter sido exercido durante determinado prazo fixado na lei” - António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, 1988, pág. 155.
O art. 304º, n.º 1 do Código Civil determina que “Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”.
Pese embora, usualmente, se diga que a prescrição provoca a extinção dos direitos que são por ela afectados, na verdade, não é isso que decorre da lei. Com efeito, dela se retira que decorrido o prazo da prescrição, o beneficiário pode recusar o cumprimento da prestação ou opor-se ao exercício do direito prescrito, mas se a prestação for efectuada não pode ser repetida (n.º 2 do art. 304).
Assim, “a prescrição transforma as obrigações nela envolvidas em obrigações naturais”; transforma-as mas sem as extinguir - cf. Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 159.
São, assim, requisitos da prescrição a existência de um direito, o seu não exercício por parte do respectivo titular e o decurso do tempo.
Este instituto justifica-se face à negligência do titular de um direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei, o que permite presumir que tenha querido renunciar ao direito, ou, pelo menos, que essa demora ou negligência afasta a justeza da sua protecção.
Além disso, para além de constituir um estímulo e pressão educativa sobre os titulares dos direitos (no sentido de não descurarem o seu exercício, quando deles não pretendem abdicar), o instituto de prescrição salvaguarda ainda interesses de ordem pública, nomeadamente de certeza e segurança jurídicas. E é assim, porque o titular do direito que, negligentemente, não o exerceu, permitiu a constituição, e o prolongamento por muito tempo, de situações de facto, sobre as quais se criaram expectativas e se organizaram planos de vida, contribuindo ainda para que a prova do alegado devedor que, porventura, já tenha cumprido, se torne muito mais difícil, senão mesmo impossível.
Assim, “pela prescrição atende-se não só à probabilidade séria, baseada na experiência, de que uma pretensão formulada com base num facto alegadamente constitutivo, ocorrido há um lapso de tempo relevante, nunca se tenha verdadeiramente verificado (ou se tenha, entretanto, extinguido), como se atende ainda, quando assim não seja, à negligência do respectivo titular (que só poderá imputar a si próprio o prejuízo resultante da natureza intrinsecamente injusta deste instituto)” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-10-2019, processo n.º 1414/18.5T8CHV.G1.
Em regra, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido – cf. art. 306.º, n.º 1 do Código Civil.
Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr e sendo fixado em anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último ano, a essa data – cf. art.ºs 279º, b) e c) ex vi art. 296º do Código Civil.
Constituindo a prescrição uma excepção peremptória, por se traduzir num facto extintivo do direito do autor (conforme art. 576.º, n.º 1 e n.º 3 do CPC), a sua alegação (dado não ser de conhecimento oficioso – cf. art. 303.º do Código Civil) e prova caberá ao réu, nos termos do art. 342º, n.º 2 do Código Civil. Já a sua eventual suspensão ou interrupção deverá ser alegada e provada pelo autor.
A recorrente sustenta que o pedido não se funda no acidente de viação e na responsabilidade extracontratual ou por facto ilícito daí decorrente, mas antes na responsabilidade contratual da ré emergente do contrato de seguro, afirmando que pretende que se apure se existe o seu direito ao pagamento da indemnização com base na relação contratual existente entre si e a ré, importando apurar se houve a regularização do processo de sinistro e ressarcimento do sinistrado e, em caso negativo, se tem direito a indemnização por esse incumprimento.
Já em sede de conclusões, afirma mesmo a apelante que celebrou com a ré um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, apólice n.º 04954264.
Como é fácil de constatar tal apólice nada tem que ver com a apólice que está referida os presentes autos e que, como resulta do ponto 6. dos factos apurados, tem o n.º ... e corresponde ao contrato de seguro ramo automóvel celebrado entre António … e a aqui ré seguradora, mediante o qual aquele transferiu para esta a responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrente dos riscos de circulação do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ...-44-08.
Não se vislumbra, pois, que relação contratual pretende a apelante convocar perante a ré seguradora ou se pretende, eventualmente, considerar que assume natureza contratual a obrigação que aquele tem perante si, enquanto entidade responsável pela reparação dos danos provocados pelo acidente de viação.
Como decorre da petição inicial, a causa de pedir funda-se no acidente de viação que originou os danos verificados na viatura ED e os alegados prejuízos decorrentes da sua imobilização, visando a demandante alcançar a devida reparação.
Como tal, o direito invocado pela autora baseia-se na obrigação de indemnizar derivada da responsabilidade civil extracontratual ou por actos ilícitos, responsabilidade essa transferida para a ré seguradora, em virtude do invocado contrato de seguro automóvel - celebrado o proprietário do veículo XV interveniente no acidente e não com a autora -, que a assumiu perante o lesado.
Não se trata, assim, de uma questão de um qualquer incumprimento contratual, pois não existe qualquer prévia relação contratual entre os litigantes (não subsistindo, nesse âmbito, quaisquer factos alegados pelas partes que cumpra apurar).
Por essa singela razão, não se pode aplicar o regime da responsabilidade contratual, como pretende a recorrente, por não estarem verificados os respectivos pressupostos legais. Por consequência, não tem aplicação o prazo ordinário da prescrição de vinte anos a que se refere o art. 309º do Código Civil – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-09-2006, processo n.º 01A2492.
Apesar da evidência do que se afirmou, em abono de tal entendimento, sempre se dirá que em face da vigência de um contrato de seguro configuram-se vários tipos de acções que dele são derivadas e outros que não o são, com distintas finalidades e com prazos prescricionais diferentes, do que dá conta José Vasques, in Contrato de Seguro - Notas para uma Teoria Geral, 1999, pp. 367-368, em termos assaz esclarecedores:
“As principais acções derivadas do contrato de seguro, isto é: destinadas a exigir o cumprimento de obrigações derivadas do contrato, são as seguintes:
- pagamento de indemnizações ou capital seguros: prazo de prescrição ordinário de prescrição de vinte anos (artigo 309 do Código Civil);
- pagamento do prémio: aplica-se-lhes a prescrição das prestações periodicamente renováveis [artigo 310, alínea g), do Código Civil];
- incumprimento o cumprimento defeituoso do contrato: prazo de prescrição ordinário;
- nulidade e anulabilidade do contrato: a acção destinada à declaração de nulidade não estão sujeitas a qualquer prazo, enquanto que as tendentes à declaração da anulabilidade só podem ser intentadas no ano subsequente à cessação do vício que lhe sirva de fundamento (artigos 286 e 287 do Código Civil). […]
As principais acções não derivadas do contrato de seguro são as seguintes:
- da vítima contra a seguradora: sujeitam-se ao prazo prescricional de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos (artigo 498, n. 1, do Código Civil);
- da vítima contra o segurado: regime idêntico ao anterior;
- da seguradora sub-rogada: o seu prazo prescricional não resulta do contrato (como sucede com o direito à sub-rogação), mas sim do artigo 498 do Código Civil, na medida em que a seguradora se limita a exercer um direito que pré-existia no segurado-lesado […]”
Actualmente, contudo, face ao Regime Jurídico do Contrato de Seguro[5], aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16 de Abril, esta questão é delimitada pela introdução do art.º 145º daquele Regime, sem correspondência na legislação anterior (excepto prescrições no âmbito de regimes especiais), que estatui: “Aos direitos do lesado contra o segurador aplicam-se os prazos de prescrição regulados no Código Civil.”
O sentido geral da norma é o de remeter para a lei geral a matéria relativa à prescrição dos direitos do lesado contra o segurador.
Embora a norma suscite dúvidas – desde logo, porque, à partida, o lesado não tem direitos contra o segurador, por não ser parte no seguro – certo é que a lei (especial) ou o contrato podem prever a possibilidade de o lesado demandar directamente o segurador, configurando-se assim um direito do lesado contra o segurador.
Disso mesmo dá conta, José Vasques, in Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2016 3ª Edição, Pedro Romano Martinez et al, pág. 461, quando refere:
“Em rigor, o CC não prevê quaisquer prazos de prescrição aplicáveis aos direitos do lesado contra o segurador, pelo que, só existindo direitos do lesado contra o segurador quando o contrato preveja o direito de o lesado demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado (art. 140º, n.º 2), o segurador tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro e se tenham iniciado negociações diretas entre o lesado e o segurador (art. 140º, n.º 3), ou o seguro seja obrigatório (art. 146º, n.º 1), o lesado poderá exercer o direito de acção direta, ficando, então, sujeito ao regime prescricional civil (arts. 306º e segs. e 498º do CC).
Ainda quando o direito de o lesado demandar directamente o segurador resulte do contrato de seguro, a prescrição aplicável será a que estiver associada à fonte da obrigação de que é credor (em geral, art.º 498º do CC).”
Assim, a determinação dos prazos aplicáveis, quanto à prescrição, depende da natureza da responsabilidade envolvida, tal como refere, em sentido idêntico ao acima indicado, António Menezes Cordeiro, in Direito dos Seguros, 2ª Edição (Revista e Atualizada) 2017, pp. 818-819, referindo:
“Tratando-se de uma responsabilidade contratual – o segurado não cumpriu um contrato e a responsabilidade daí adveniente estava coberta por seguro – caímos no prazo geral de 20 anos (309º, do Código Civil), a menos que se trate de obrigação sujeita a prazo mais curto. Estando em causa uma responsabilidade aquiliana, aplica-se o artigo 498º do Código Civil: três anos a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extinção [extensão] integral dos danos e, independentemente de qualquer conhecimento, vinte anos desde o facto danoso.”
Logo, a prescrição dos direitos do lesado contra o segurador não se confunde com a do regime específico da prescrição previsto para o direito do segurador ao prémio ou para outros direitos emergentes do contrato – cf. art.º 121º do RJCS.
Na situação sub judice, estando em causa a responsabilidade civil automóvel, em que se está perante a existência de seguro obrigatório, podendo o lesado, a aqui autora, exigir directamente da seguradora a reparação que ao caso couber – cf. art.º 146º, n.º 1 do RJCS e Regime do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel aprovado pelo Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto –, em que a fonte da obrigação radica, manifestamente, em responsabilidade civil aquiliana ou pelo risco e a causa de pedir consiste na violação ilícita de um direito de outrem - como é, no caso, o direito de propriedade -, é inequívoco que o prazo de prescrição do alegado direito de indemnizar prescreve no prazo previsto no art. 498º, n.º 1 do Código Civil.
E, tal como referido na decisão recorrida, porque não está alegado ou configurado nenhum ilícito criminal, não sobram dúvidas que o prazo prescricional a ter em conta é o prazo de três anos, porquanto o alongamento do prazo de prescrição a que alude o n.º 3 do art.º 498º do Código Civil depende de o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, ou seja, para o efeito é necessário que a factualidade alegada geradora de responsabilidade civil e da respectiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime.
A prescrição começa, em regra, logo que nasce a pretensão accionável.
O prazo prescricional deverá contar-se a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu (cf. art.º 498º, n.º 1 do Código Civil, onde se optou, diversamente do regime geral, pelo sistema subjectivo, isto é, o prazo prescricional só se inicia quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito), não se exigindo a consciência da possibilidade legal de ressarcimento.
Assim, o início da contagem do prazo especial de prescrição de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém – saiba ele ou não do seu carácter ilícito – e dessa prática ou omissão resultaram para si danos – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-04-2002, processo n.º 950/02, CJ 2002, II, 35.
Todas as ocorrências posteriores poderão relevar para outros efeitos, nomeadamente para interrupção ou suspensão do prazo, mas não para o início da respectiva contagem
Cabe ao lesado o ónus da prova do deferimento para momento posterior do conhecimento dos pressupostos condicionadores da responsabilidade, estando sempre o direito à indemnização sujeito ao prazo ordinário da prescrição.
O conhecimento do direito equivale, como se referiu, à consciência da possibilidade legal de ressarcimento dos danos. O lesado não necessita saber o quantum da indemnização a que tem direito; fundamental é que saiba que tem direito a indemnização pelos danos que sofreu.
Assim, a prescrição de três anos depende de dois factores: de o lesado ter conhecimento do dano e de não ter pedido judicialmente o reconhecimento e efectivação da indemnização.
In casu, o momento em que a recorrente tomou conhecimento do seu direito não pode deixar de se situar na data em que o acidente ocorreu.
Na verdade, a autora nada alegou que afastasse esse conhecimento a não ser que na data do sinistro não podia saber a quem caberia a responsabilidade - se a si própria, se à seguradora da outra viatura – e que desconhecia se teria um direito ou uma obrigação; mais referiu que a carta de 23 de Maio de 2013 não tem relevo, pois nessa comunicação não constam todos os elementos essenciais para ter conhecimento do seu direito, afirmando que apenas com a carta de 5 de Dezembro de 2017, quando a seguradora indica o valor que vai pagar pela reparação do veículo, é que teve conhecimento de todos os elementos necessários para concluir pelo seu direito.
Tal argumentação não procede.
Como tem vindo a ser reconhecido pela jurisprudência, o prazo de prescrição não deixa de correr ainda que o lesado não saiba quem é que lhe causou o dano, pois que da interpretação do art. 498º, n.º 1 do Código Civil e sua conjugação com o art. 306º, n.º 1 do mesmo diploma legal, resulta que o lesado, enquanto não souber quem é o responsável pelo dano, não está impedido de fazer valer o direito que considera que lhe assiste, sendo certo que não foi invocada qualquer causa de suspensão da prescrição, nos termos do art.º 321º do Código Civil (suspensão nos últimos três meses do prazo, enquanto o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito por motivo de força maior ou em caso de dolo do obrigado, que o impeça de tal exercício) – cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-01-2013, processo n.º 3654/03.2TBLRA.C1; e do Tribunal da Relação de Évora de 15-01-2015, processo n.º 5901/13.3TBSTB.E1.
Dado que o prazo prescricional se iniciou no dia seguinte ao acidente, ou seja, 17 de Dezembro de 2010, à data em que a acção foi intentada – 21 de Maio de 2019 – estavam manifestamente transcorridos os três anos do prazo em referência, assim como estaria integralmente decorrido o prazo de cinco anos, se fosse aplicável, sendo certo que entre o início da prescrição e a data da propositura da acção não ocorreu a interrupção seja pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito – cf. art. 323º, n.º 1 do Código Civil.
Todavia, estipula o art.º 325º, n.º 1 do Código Civil que “A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.”
O reconhecimento do direito é uma mera declaração de ciência quanto ao conhecimento do direito do titular, e não de vontade, não sendo exigido que o seu autor a emitia com a intenção de interromper a prescrição, pois que ao reconhecer o direito da parte contrária deve aceitar-se que deseja cumprir a obrigação.
Trata-se de um acto jurídico não necessariamente formal, podendo ser um reconhecimento expresso ou tácito, ainda que neste último caso seja necessário que “resulte de factos que inequivocamente o exprimam”.
Citando Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 774-775, refere-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-06-2019, processo n.º 16681/18.6T8LSB.L1-7 que “«para a doutrina dominante o reconhecimento corresponde a uma declaração de ciência e não a uma declaração de vontade. Trata-se de um ato que não é necessariamente formal, podendo ser um reconhecimento expresso ou tácito, ainda que neste último caso seja necessário que “resulte de factos que inequivocamente o exprimam”, o que é mais exigente do que a regra geral sobre declarações tácitas. Assim, o pagamento, mas também atos como o pedido de uma dilação, a constituição de uma garantia, a promessa de cumprir terão esta eficácia interruptiva, se contiverem um reconhecimento inequívoco, mesmo que tácito, da continuada existência da obrigação», devendo a interrupção da prescrição ser provada por quem a alega.”
Na carta de 23 de Maio de 2013 que a ré seguradora dirigiu à autora, relativa ao ao acidente ocorrido no dia 16 de Dezembro de 2010, com a viatura ...-44-08, é por ela referido que findou a instrução do processo, afirmando, de modo expresso, que se encontra “a assumir a presente ocorrência”, o que, no contexto da vigência de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel não pode deixar de ser interpretado no sentido de que a seguradora reconhece que recai sobre si a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos que suportou na sequência de tal evento.
Ora, essa afirmação configura um reconhecimento inequívoco do direito da autora perante a ré, tanto mais que nessa mesma missiva acrescenta ainda que emitiu já uma ordem de pagamento à oficina que deveria proceder à reparação do veículo.
Com efeito, deve entender-se que a comunicação da seguradora, dirigida ao titular do direito, na qual, para além de assumir a responsabilidade, se predispõe a pagar a reparação do veículo sinistrado tem eficácia interruptiva da prescrição, valendo como reconhecimento do direito daquele titular.
Tal reconhecimento interrompe a prescrição, inutilizando para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente e começando a correr novo prazo de três anos a partir do acto interruptivo – cf. art.º 326º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-09-2006, acima mencionado; do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-10-2019, processo n.º 1414/18.5T8CHV.G1; e do Tribunal da Relação do Porto de 24-09-2020, processo n.º 532/19.7T8PVZ-A.P1.
Assim, aquando do envio da carta de 23 de Maio de 2013, em que a ré reconhece o direito da autora a obter a reparação do veículo sinistrado no acidente de 16 de Dezembro de 2010, deu-se a interrupção do prazo de prescrição de três anos que estava em curso.
Interrompida a prescrição por efeito do reconhecimento do direito, iniciou-se então um novo prazo de prescrição de três anos.
Ora, este novo prazo, tal como se refere na decisão recorrida, findou em Maio de 2016, sem que até então tenha ocorrido qualquer outro facto interruptivo (com efeito, apenas em Dezembro de 2017, já depois de findo o prazo de três anos, existe uma nova missiva entre as partes).
Logo, quando a ré foi citada para a presente acção (em 5 de Junho de 2019 – cf. Ref. Elect. 14153479) já se encontrava prescrito o direito invocado pela autora, prescrição que aquela alegou validamente.
Por fim, refira-se que a apreciação da prescrição sob a perspectiva da aplicação do prazo prescricional especial de três anos não configura qualquer decisão surpresa, pois que o sentido da decisão sobre os factos que as partes carrearam para os autos, com o qual a recorrente não concorda ou que não esperava, não integra decisão surpresa.
Na verdade, o princípio do contraditório, que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, implica, nos termos do estipulado pelo artigo 3º, n.º 1 do CPC, que “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, por não lhe ser lícito, tal com expressamente consignado no n.º 3 desse normativo legal, “salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Do princípio do contraditório decorre a regra fundamental da proibição da indefesa, em função da qual nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada, pelo tribunal, sem que, previamente, tenha sido dada às partes ampla e efectiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.
A decisão-surpresa que a lei pretende afastar é aquela que revela uma solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, ou seja, não podem ser confrontadas com decisões com que não poderiam contar, o que não abrange os fundamentos utilizados pelo tribunal para fundamentar decisões que eram previsíveis ou que as partes devessem esperar ou admitir como possíveis
Assim, a decisão-surpresa não se confunde com “a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ter ou tiveram em conta” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2018, processo n.º 177/15.0T8CPV-A.P1.S1.
Tal não coarcta a liberdade substantiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz, que quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito não está sujeito às alegações das partes, ainda que, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito com que aquelas não pudessem contar, deva, antes de decidir, ouvi-las para que possam deduzir as razões que considerem pertinentes.
Na verdade, nos casos como o dos autos, em que a acção é intentada tendo como causa de pedir a violação ilícita de um direito de outrem, como é o direito de propriedade da demandante, imputável a título de culpa ou de risco ao segurado da demandada, ou seja, estando a acção posicionada no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, era previsível para a autora a aplicabilidade do prazo de prescrição previsto no art.º 498º, n.º 1 do Código Civil, o qual a própria convocou, inicialmente, no âmbito da sua resposta à matéria da excepção deduzida pela ré.
Improcede, assim, integralmente a apelação, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A recorrente decai integralmente quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo da apelante.
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Lisboa, 8 de Março de 2022
Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro
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[1] Adiante designado pela sigla CPC.
[2] Acessível na Base de dados Jurídico-Documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[3] Acessível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=audi%C3%AAncia+pr%C3%A9via.
[4] Acessível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=conhecimento+excep%C3%A7%C3%A3o+saneador.
[5] Adiante designado pela sigla RJCS.