Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EZAGÜY MARTINS | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/22/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue: “I – Não existe perigo da lesão grave a que se refere o artigo 362º, n.º 1, do Código de Processo Civil, se os requerentes da providência cautelar apenas se verão privados dos arrogados direitos, e forçados a abrir mão do estabelecimento e do solo no qual o edifício respetivo está implantado, “sem qualquer indemnização”, se e quando tal lhes for imposto por decisão, seja do tribunal arbitral seja do tribunal judicial. II – É o que ocorre quando associam tal eventual privação à atuação de consequências de hipotética resolução do contrato de trespasse respetivo, previstas em considerandos e cláusulas daquele e de outro contrato de constituição do direito de superfície, celebrado entre o trespassante e outra sociedade, as quais apontam como ilícitas e abusivas e mesmo proibidas devendo “considerar-se excluídas”. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I – SS, Lda., e BL, requereram procedimento cautelar comum contra I, S. A., e Y, S. A., pedindo: Que seja notificada: “a) a demandada I, SA, na pessoa do seu legal representante, de que lhe é vedado exercer o direito de resolução imediata do contrato de constituição do direito de superfície de que é titular, nomeadamente com base no estipulado nas cláusulas sexta e oitava deste contrato, sendo-lhe ainda vedado fazer uso, em qualquer caso, das prerrogativas insertas na cláusula nona do mesmo contrato; e sendo-lhe ainda proibido ceder a sua posição contratual de fundeira a qualquer outra entidade, pessoa singular ou coletiva. b) a sociedade Y, S. A.,, na pessoa do seu legal representante, de que lhe é vedado acionar a cláusula penal prevista no nº 5 da cláusula quinta do contrato de trespasse. em ambos os casos, até que seja exarada douta sentença, na ação com processo comum que os aqui demandantes irão intentar no prazo legal contra todos os intervenientes nos sinalagmas aqui em referência e à qual esta providência será apensada, tudo sem audiência prévia das sociedades ora requeridas, para que se não frustre a finalidade e/ou eficácia desta providência.”.
Alegando, para tanto e em síntese do que expõe ao longo de 173 artigos: Que os Requerentes outorgaram com a 2ª Requerida, em 15-02-2007, um contrato de franquia, sendo aquela Requerida na qualidade de franquiadora, a 1ª Requerente como franquiada e o segundo Requerente como “aderente”. Ora tendo-se tornado impossível aos Requerentes cumprir tal contrato, que qualificam de leonino, recorreram em finais de 2015 a tribunal arbitral peticionando a rescisão daquele por incumprimento exclusivamente imputável à Y, S. A., e indemnizações. Sendo que encontrando-se essa ação pendente, tomaram conhecimento, em 31-03-2016, da existência de um outro contrato – de constituição do direito de superfície – que os Requerentes não outorgaram e que fora celebrado, em 11-09-1998, entre a sociedade comercial “D, Lda.” – a quem o 2º Requerente adquirira em 27-04-2007 o estabelecimento, loja IB, por meio de contrato de trespasse – e a “SU, Lda. ”. Coenvolvendo assim tal contrato de trespasse a “transmissão sub-reptícia” de um direito de superfície a favor da Requerente SS, Lda., absolutamente desconhecido dos Requerentes. Sendo a SU, Lda., posteriormente àquele contrato de constituição do direito de superfície, incorporada por fusão na 1ª Requerida, que é a proprietária do solo sobre o qual foi implantada de raiz a loja IB. Ora a 1ª Requerida integra o grupo “Os …”, sendo detida e controlada pela 2ª requerida, que também integra aquele Grupo. Podendo aquele Grupo, através da 1ª Requerida, acionar uma cláusula (8ª) do contrato do contrato de constituição do direito de superfície, que associando ambos os contratos (de franquia e de constituição do direito de superfície) a legitima a “por mero incumprimento” de qualquer obrigação a cargo do franquiado, por mais insignificante que seja – resolver imediatamente o contrato de constituição do direito de superfície. E a extinção do direito de superfície permite à Fundeira/franquiadora, nos termos da cláusula 9ª do mesmo contrato, apoderar-se da obra construída pelo Superficiário/franquiado, sem qualquer indemnização, ultrapassando “aquilo que habitualmente sucede em pactos leoninos”. Podendo ainda o Grupo “Os…” apropriar-se do estabelecimento comercial dos Requerente por via do contrato de trespasse, acionando a 2ª Requerida a cláusula 5ª daquele – absolutamente abusiva. Assim, concluem, é deveres sério e justificado o receio que os Autores experimentam de perder ingloriamente o seu estabelecimento comercial bem como o imóvel em que o mesmo foi implantado, sem qualquer contrapartida. Tudo se traduzindo no perigo de virem a sofrer lesão grave e dificilmente reparável dos seus direitos de franquiada e de proprietária da Empresa que exploram, com todos os elementos que o integram e o seu "aviamento". Pois, por um lado, a cada dia que passa a ação arbitral em curso (cuja decisão é irrecorrível) aproxima-se do seu termo, e, por outro lado, à Requerida Y, S. A., assiste o absurdo direito de, por exemplo, aceitar a rescisão do contrato de franchising ou de promover facilmente a sua resolução, com o intuito único de fazer despoletar de imediato a apropriação de ambos os imóveis por parte da Ré I, S. A., sociedade que controla.
Por despacho de folhas 250-260, foi liminarmente indeferida a requerida providência.
Inconformados, recorreram os Requerentes, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: “A) Os Recorrentes celebraram oportunamente um contrato de trespasse, através do qual a sociedade SS, S. A., adquiriu o estabelecimento comercial IB. B) Tal contrato envolveu a transmissão, para a Apelante SS, Lda., de um contrato de constituição de direito de superfície temporário (considerando F do doc. 7 da inicial e doc. 4 da inicial). C) O Apelante BL, seu gerente, desconhecia a existência desse contrato e bem assim a limitação temporal que o mesmo impunha. SUCEDE QUE, D) Os Requerentes alegaram, no seu petitório, a existência do direito ou direitos (de propriedade, em especial) que visam defender através da providência cautelar comum, que instauraram, E) Alegaram outrossim o fundado receio de que as Requeridas lhes causem lesão grave desses direitos, resultante da previsível delonga na resolução definitiva do litígio, lesão essa de difícil reparação, F) Demonstraram ainda - mormente através dos contratos oferecidos nos autos - que o prejuízo daí resultante, para as Requeridas, não poderia nunca exceder consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar. G) Pelo que, nunca a presente providência cautelar podia ter sido objeto de indeferimento liminar. H) A providência cautelar comum é a adequada para o litígio em questão.
ASSIM SENDO,
I) Deveria o MMO Juiz de 1ª instância ter admitido, e a final decretado, a providência cautelar instaurada pelo ora Apelantes contra as sociedades I, S. A., e Y, S. A.. J) Todavia, por manifesto erro de interpretação das normas jurídicas aplicáveis ao caso "sub Judice” o Tribunal recorrido decidiu julgar liminarmente improcedente a "providência, por entender não se mostrarem cumpridos os seus pressupostos ... K) Decisão essa que de resto apresenta contradições insanáveis - os fundamentos invocados estão em clara oposição com a decisão, porquanto a. O M.MO Juiz discorre - brilhantemente como se disse - sobre os pressupostos aplicáveis aos procedimentos cautelares, aceitando de algum modo a argumentação utilizada pelos Recorrentes na sua petição inicial. b. Para, a final, indeferir liminarmente o procedimento cautelar, "sugerindo" mesmo aos Recorrentes o recurso a ação judicial definitiva com vista a discutir a validade dos contratos em apreço nos autos. c. Ora, como lapidarmente se diz no parágrafo 3° da página 8 da peça em apreço, "as providências cautelares não se destinam a dar a realização direta e imediata ao direito substantivo, mas antes assegurar a eficácia da ação futura destinada a essa realização." d. Eficácia essa que, como se expendeu supra e no petitório se alega, não será assegurada sem" a tutela provisória" dos direitos dos Recorrentes - cfr. parágrafo 5° da página 8 da douta sentença recorrida. DESTE MODO,
L) A douta sentença recorrida VIOLOU, entre outras, as injunções contidas nos artigos 280° e 334° do C. Civil, bem como nos artigos 2°, n.º 2, 362° e 368° do C. P. Civil. M) Uma sentença assim é NULA, por força do estatuído no artigo 615°/1, aI. c) do C.P. Civil.”
Rematam com a revogação da decisão recorrida, a substituir por Acórdão que “admita a presente providência cautelar comum; e, em consequência, ordene a sua subsequente tramitação até final.”.
Por despacho de folhas 282-283 foi indeferida a arguição de nulidade da decisão recorrida. E ordenada a citação dos Requeridos para os termos do recurso e da causa, nos quadros do artigo 641, n.º 7, do Código de Processo Civil.
Não tendo aqueles apresentado contra-alegações.
II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir. Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do Código de Processo Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se os Recorrentes alegaram, na sua petição – assim lhe chama o novo Código de Processo Civil – factos substanciadores dos requisitos de que a lei de processo faz depender o decretamento das requeridas providências. *** Considerou-se assente, na 1ª instância, sem impugnação a propósito, e nada impondo diversamente, a factualidade seguinte: “1-Com data de 15/02/2007, pelos requerentes e pela 2ª requerida foi outorgado um denominado “Contrato de Franquia”, junto aos autos a fls. 54 e segs., mediante o qual concedeu uma franquia para exploração do estabelecimento comercial, sita no Lugar de…, …, incluindo a designação, nw e serviços. 2- Os requerentes intentaram processo arbitral contra a 2ª requerida, peticionando a resolução do contrato de franchising, bem como no pagamento de uma indemnização no valor de € 1.954.685,20 (fls. 116 e segs.). 3- Por escritura pública outorgada em 16/09/98 no … Cartório Notarial de Lisboa/fls. 160 e segs.), pela SU, Lda.,. foi declarado constituir o direito de superfície a favor de D, Lda.,, sobre o prédio sito no Lugar de …, inscrito na respectiva matriz sob o artº…, descrito na C.R.P. de …, sob o nº … da respectiva freguesia, com vista à construção de uma área comercial, sob a Insígnia “I”. 4- Nos termos da clausula 8ª deste contrato, nos seus nºs 2 e 3, estipulou-se que: “2- O não cumprimento, indistintamente, de qualquer uma dessas obrigações, até oito dias após a notificação feita pela aqui FUNDEIRA, por carta registada, à aqui SUPERFICIÁRIA, para que esta cumpra com o que se obrigou, constitui fundamento suficiente, para resolução imediata do contrato de constituição do direito de superfície. 3- A resolução ou o mero incumprimento do estipulado nos Contrato de Adesão e de Uso e Insígnia outorgado pela aqui SUPERFICIÁRIA, acarretam, igualmente, a resolução imediata do presente contrato de constituição do direito de superfície.” 5- Nos termos da clausula 9ª, no seu ponto 1, estipulou-se que: 1- Extinguindo-se o direito de superfície constituído, por resolução, decurso do prazo ou qualquer outro motivo, a aqui FUNDEIRA tem o direito de fazer sua a obra construída sob o solo do imóvel em causa, e bem assim todas as coisas que sobe o mesmo permanecerem à data da denúncia, resolução ou expirado o prazo de vigência deste contrato.” 6- Por documento escrito denominado “Contrato de Trespasse”, outorgado em 27/04/07, entre a “D, Lda.” e a “SS, Lda. ”, junto a fls. 178 e segs., consignou-se no considerando F) que “a SS… adquiriu nesta data à D, o retrocitado direito de superfície, e por força dessa transmissão obriga-se a assumir todas as obrigações até aqui todas as obrigações até aqui advenientes para a D, do título constitutivo de direito de superfície supramencionado.” 7- Nos termos da cláusula 5ª nº5 deste contrato, “ A SS reconhece e aceita que o não cumprimento, indistintamente, de qualquer uma das obrigações acima acordadas, (…) faz incorrer de imediato a SS, na obrigação de indemnizar o GRUPO “Os…” (…) a título de cláusula penal, no montante do valor do ESTABELECIMENTO…”. *** Vejamos.
1. Sob a epígrafe “Âmbito das providências cautelares não especificadas”, dispõe-se no art.º 362º do novo Código de Processo Civil – que mantém o regime constante do art.º 381º do Código de Processo Civil de 1961 – : “1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.”. Sendo que não é “aplicável” uma tal providência, “quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte”, vd. n.º 3, cit. art.º.
Tendo-se assim, como requisitos gerais dos procedimentos cautelares: a) a probabilidade séria da existência do direito invocado b) o fundado receio de que outrem, antes de a ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito c) adequação da providência à situação de lesão iminente d) Inexistência de providência específica que acautele aquele direito. E podendo, como expressamente se consignou no texto da lei, ser a providência requerida do tipo conservatório, ou do tipo antecipatório.
As providências do primeiro tipo, visam acautelar o efeito útil da ação principal, assegurando a permanência da situação existente quando se despoletou o litígio ou aquando da verificação da situação de periculum in mora. Com as segundas, o tribunal, atenta a urgência da situação carecida de tutela, antecipa a realização do direito que previsivelmente será reconhecido na ação principal e que será objeto de execução.
2. Pelo que aos direitos acautelandos respeita, tratar-se-á do direito de propriedade dos recorrentes sobre o estabelecimento comercial IB e do direito de superfície do solo onde esta implantado o imóvel onde funciona o estabelecimento trespassado adquirido por contrato de trespasse celebrado, em 27-04-2007.
Isto posto, e concedido que seja o direito de propriedade sobre o estabelecimento e de superfície – este, alegadamente “sub-repticiamente” transmitido no contrato de trespasse, nos termos dos considerandos D a F, mas que os Requerentes afinal reconduzem ao núcleo dos direitos acautelandos – temos que, alegaram aqueles “outrossim o fundado receio de que as Requeridas lhes causem lesão grave desses direitos, resultante da previsível delonga na resolução definitiva do litígio, lesão essa de difícil reparação”.
Importando assim verificar se face ao alegado no requerimento inicial é possível equacionar a probabilidade de danos e prejuízos (graves) que a normal demora de decisão definitiva possa causar e a difícil ressarcibilidade daqueles.
Ora, e desde logo, abarcando a proteção cautelar tanto os prejuízos imateriais ou morais, “por natureza irreparáveis ou de difícil reparação”, como “ainda os efeitos que possam repercutir-se na esfera patrimonial do titular”, ponto é que “Quanto aos prejuízos materiais o critério deve ser bem mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva. Apesar disso, não deve excluir-se, como aliás, a lei não exclui, a possibilidade de protecção antecipada do interessado relativamente a prejuízos de tal espécie, embora devam ser ponderadas as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados”.[1] E ao impor a lei o “fundado” do receio, quis significar dever apoiar-se aquele “em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo, não bastando simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados, assentes numa apreciação ligeira da realidade”. Visando-se igualmente, com tal qualificativo, “restringir as medidas cautelares, evitando que a concessão indiscriminada de protecção provisória, eventualmente com efeitos antecipatórios, possa servir para alcançar efeitos inacessíveis ou dificilmente atingíveis num processo judicial pautado pelas garantias do contraditório e da maior ponderação e segurança que devem acompanhar as acções definitivas”. [2] Sendo ainda que como, sobre esta questão do “fundado receio”, expendem José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto,[3] “Dadas a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade perante a acção de que é dependência…” bastará ao Requerente “…fazer prova sumária do direito ameaçado…; mas já não é assim no que respeita ao periculum in mora, que deve revelar-se excessivo: a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer acção; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito”. Tendo esta Relação julgado, em Acórdão de 19-10-2010,[4] que «Por outro lado, (cfr. Manuel Rodrigues, " in Processo Preventivo e Conservatório, pág. 67) a violação receada não será qualquer uma mas aquela que "modificando o estado actual, possa frustrar ou dificultar muito a efectividade do direito de uma parte. Para justificar o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação não basta um acto qualquer, mas sim aquele que é capaz de exercer uma dificuldade notável, importante para o exercício do direito Ou seja, não basta, para o deferimento da providência, que se conclua pela possibilidade de o requerente poder vir a sofrer um qualquer dano. Tal dano tem de revestir uma gravidade assinalável, ser penoso e importante (que se sente e que causa "mossa" ao requerente), de tal forma que a sua reparação posterior seja inviável ou mesmo meramente difícil. Este último requisito há-de aferir-se já não através de um juízo de mera probabilidade (como o da verificação da aparência do direito) mas sim através de um juízo de realidade ou de certeza.».
2. Pois bem, se atentarmos na extensa, elaborada e entretecida narrativa substanciada na petição do procedimento, verificaremos que se reportam os Requerentes à circunstância de – tendo eles próprios recorrido em finais de 2015 a tribunal Arbitral, peticionando a rescisão do celebrado contrato de franquia, por incumprimento exclusivamente imputável à Y, S. A., e indemnizações – o seu eventual ganho de causa se revelar uma vitória de Pirro, posto que, nas suas próprias palavras, “em caso de resolução do contrato de franchising, o Grupo OS …poderá dar-se ao luxo de escolher, entre as sociedades Rés, qual delas utilizará para se apropriar do estabelecimento comercial dos Demandantes: ou a Ré I, S. A.,, acionando as cláusulas 6,8 e 9 do contrato de constituição do direito de superfície, ou então a Ré Y, S. A., acionando a cláusula 5ª do contrato de trespasse...”. Sendo que os mesmos Requerentes/recorrentes, consideram aquela cláusula 9ª, “abusiva e frontalmente contrária à boa-fé, aos bons costumes e ao fim social e económico deste direito, pelo que tem natureza absolutamente contra-legem (cfr. artº 280 do C. Civil).” E ainda “Verdade sendo que as obrigações a cargo da superficiária/franquiada, contidas nas cláusulas sexta e oitava, são igualmente injustas, desequilibradas, ilegais e fortemente lesivas dos direitos dos Impetrantes - como de qualquer outro franquiado.” Para além de as ditas cláusulas 5º, 6ª, 8ª e 9ª deverem “considerar-se excluídas do contrato – por violação flagrante dos deveres de comunicação e de informação – ou ser declarados cláusulas contratuais proibidas, por força do disposto no artigo 15º do D.L. 446/85, por serem manifestamente contrárias a todos os princípios da boa-fé contratual”. Sendo, no tocante à aludida cláusula 5ª, que o Grupo os …impôs “uma cláusula penal tão ilegal quanto cínica”. E de que “A ser exercido, o direito de resolução do contrato de constituição de direito de superfície, com todas as consequências contratuais daí advenientes, configurará uma situação de manifesto abuso de direito, ao menos na modalidade de venire contra factum proprium, nos termos consignados no artigo 334º do Código Civil.”.
Mas, isto posto – e para lá de sempre terem podido os aqui Requerentes/recorrentes, desistir do pedido na ação arbitral respetiva, com o que, nessa parte, afastariam os “receios” das eventuais consequências contratuais decorrentes da resolução do contrato de franquia respetivo – logo temos que, nos termos da cláusula 18ª, do mesmo contrato, expressamente se consignou que: “1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os litígios emergentes do presente contrato serão dirimidos por recurso a arbitragem voluntária. 2. Fica, porém, reservada à competência dos tribunais comuns a apreciação dos litígios decorrentes de incumprimento contratual definitivo que tenha importado a resolução do contrato por qualquer das partes.”.
Em qualquer caso, sempre a atuação das alegadas consequências contratuais da resolução do contrato de trespasse em causa – por iniciativa das Requeridas, desde logo, sendo que, na economia dos contratos respetivos nem tal resolução é vinculada – não dispensaria, posto que não aceite pelos Requerentes, a prévia discussão da validade das concitadas cláusulas, como da verificação do pretendido abuso de direito, no foro próprio. O que logo afasta o justo receio de “lesão grave” – necessariamente ilícita – dos arrogados direitos dos Requerentes. Nada, de resto, vindo substanciado no sentido da probabilidade da iniciativa da resolução do contrato de trespasse, por parte das Requeridas, num horizonte temporal próximo.
E, ainda quando assim não fosse, ponto é que se não substancia minimamente a dificuldade da reparação de tal lesão, na perspetiva da densificação do conceito operada supra. Os Requerentes apenas se verão privados dos arrogados direitos, e forçados a abrir mão do estabelecimento e do solo no qual o edifício respetivo está implantado, “sem qualquer indemnização”, se e quando tal lhes for imposto por decisão de entidade exógena, qual seja o tribunal arbitral – quando não desistam do pedido na noticiada ação arbitral por eles requerida, e se fixe a competência daquele para o efeito – ou o tribunal judicial, em ação intentada com aquele fim – e concluído que seja, face ao convencionado, ser aquele o competente – ou em enxerto declarativo de ação executiva…
Não se alcançando, na ausência de outros circunstancialismos – e sem prejuízo do que se vem de expender – em que medida o ressarcimento do dano decorrente da “perda” do estabelecimento, poderia ser posto seriamente em crise, pela circunstância da demora inerente à tramitação de qualquer processo em que se discutam valores patrimoniais elevados, evidenciando as partes capacidade de litigância. Não colhendo a invocação – no corpo das alegações, sem reflexo nas conclusões respetivas, e, desde logo, também aqui sem prejuízo do considerado supra no tocante ao “quando” do eventual “desapossamento” dos Requerentes – da ausência, por parte dos apelantes, e no decurso do “hiato temporal” decorrente até ser proferida decisão em “ação judicial definitiva”, de “qualquer meio de subsistência (desapossados do seu estabelecimento comercial) que lhes permita aguardar calmamente a prolação de decisão da ação definitiva a instaurara – ou sequer, percute-se, meios de financiar uma ação de tal envergadura, caso se vejam compelidos a cumprir tais cláusulas leoninas.”. Trata-se de circunstância que não foi alegada na petição do procedimento, constituindo assim uma questão nova. Certo que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.[5] São meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.[6] Deles se dizendo, por isso, que são recursos de revisão ou reponderação. Não sendo, assim, admissível, a invocação de questões novas, nas alegações de recurso,[7] sem prejuízo das hipóteses, de que nenhuma aqui se configura, de questões novas de conhecimento oficioso e funcional bem como dos factos notórios, vd. art.º 514º do Cód. Proc. Civil. * Em suma, não são congregáveis, no confronto do alegado na petição do procedimento, todos os requisitos de decretamento da requerida providência, ou de qualquer outra.
Justificando-se pois o proferido indeferimento liminar da providência, por manifesta inconcludência, cfr. artigo 590º, n.º 1, do Código de Processo Civil. * Com improcedência das conclusões dos Recorrentes.
III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes. ***
Lisboa, 2017-06-22 (Ezagüy Martins) (Maria José Mouro) (Maria Teresa Albuquerque) ______________________________________________
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