Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1/05.2JFLSB.L1-3
Relator: RUI GONÇALVES
Descritores: LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO DE JULGAMENTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
FRAUDE FISCAL
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
PARTICIPAÇÃO CRIMINAL
CO-AUTORIA
DOLO ESPECÍFICO
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
INDEMNIZAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I- A insuficiência para decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados. Na primeira critica-se o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na segunda censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
II- O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa.
III- O eventual erro na apreciação da prova, por regra, nunca emerge como erro notório na apreciação da prova. Quando os recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art.º 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e não agarrar-se ao vício do erro notório.
IV- Quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem aos julgadores do Tribunal a quo. Deste modo, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum.
V- São os Juízes de 1.ª instância quem de forma direta e “imediata” podem observar, as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que se obtêm a partir do que os arguidos e das testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações. É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas.
VI- A congruência dos testemunhos entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objetivamente comprováveis, quer dizer, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a um testemunho que a outro.
VII- Para tal, a convicção do Tribunal tem de ser formada na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra. Não existindo prova legal ou tarifada que se impusesse ao Tribunal, o Tribunal julga a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção que sobre ela forma (art. 127.º do Código de Processo Penal).
VIII- Os factos indiciários, dos quais foi inferida a prova dos factos probandos integradores do tipo objectivo, devem ser enumerados na matéria de facto provada. Não basta apenas identificá-los na motivação da decisão da matéria de facto. O Tribunal primeiro deve identificar e enumerar os factos que deu como provados e depois, com aquela matéria claramente autonomizada, partir para o exame crítico das provas.
IX- O crime de branqueamento previsto nos n.ºs 2 e 3 do art. 368.º-A do Código Penal supõe o desenvolvimento de atividades que, podendo integrar várias fases, visam dar uma aparência de origem legal a bens de origem ilícita, assim encobrindo a sua origem, conduzindo, na maior parte das vezes a “um aumento de valores, que não é comunicado às autoridades legítimas”. Sem um crime precedente como tal previsto à data da transferência do capital, não há crime de branqueamento.
X-A punição do branqueamento visa tutelar a “pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime”, ou mais especificamente, o interesse do aparelho judiciário na deteção e perda das vantagens de certos crimes”.
XI- Quanto mais eficiente e sofisticada for a conduta de branqueamento mais grave e perigoso é o atentado ao bem jurídico protegido com esta incriminação. Porém, mesmo a simples conduta do agente de apenas depositar na sua conta bancária quantias monetárias provenientes do crime precedente por si cometido, pode integrar a prática do crime de branqueamento.
XII- O crime de fraude fiscal pode ser construído ou como um crime de dano contra o património, e logo como uma infração cuja consumação requer a efetiva produção de um prejuízo patrimonial, ou como uma infração que se esgota na violação dos deveres de informação e de verdade que impendem sobre o sujeito passivo da obrigação tributária. Mas os legisladores propendem, não raro, a adotar soluções compromissórias, ensaiando conjugar a proteção das duas ordens de valores: de um lado, o património, do outro a verdade/transparência. Foi essa a solução do legislador português, que preferiu delinear a factualidade típica da infração seguindo as linhas deste compromissório modelo.
XIII- No crime de fraude fiscal, todas as condutas relevam de um mesmo significado material-típico: todas configuram atentados aos valores da verdade e da transparência. Todas representam a violação dos deveres de colaboração com a Administração, assegurando-lhe o cabal e ajustado conhecimento dos factos fiscalmente relevantes, preordenados a assegurar a realização do património necessário ao exercício das funções estaduais.
XIV-As condutas tipificadas no art. 103.º do R.G.I.T. podem assim revestir a forma de acção ou de omissão. A realização da conduta de modo ativo corresponde à alteração de factos ou valores que devam constar da escrita contabilística ou de declarações apresentadas à administração tributária ou ainda através da celebração de contrato simulado. A fraude por omissão tem lugar quando o agente oculta factos ou valores que devam constar da contabilidade ou de declarações tributárias, [alínea a)]; ou ainda quando o agente não declara factos ou valores com relevância tributária [alínea b)].
XV- O elemento do tipo "ocultação" na modalidade estabelecida pela alínea b) do n.º 1 do art. 103.º, pressupõe um crime de omissão pura ou própria, na medida em que o tipo objectivo de ilícito se esgota na não realização da acção imposta pela lei.
XVI-Assim, a violação de uma imposição legal de atuar tem lugar por via da ocultação daqueles factos ou pela não declaração de determinados valores. Por conseguinte, o agente é, por direta imposição legal, garante do cumprimento do dever jurídico de declarar os rendimentos à administração tributária.
XVII- Não pode ser autor do crime de fraude fiscal, previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 103.º do R.G.I.T, aquele sobre quem não impende o dever de declarar, essencial à afirmação da autoria nos crimes de omissão pura como é o caso. Autor do crime de fraude fiscal só pode ser o real e efetivo beneficiário daquela ocultação na medida em que é ele que detém a efetiva disponibilidade e domínio sobre a declaração do valor em falta. Na sua vertente omissiva, é autor da fraude aquele sobre quem recai um dever jurídico de acção (o específico dever de colaborar com a administração fiscal e de pagar os impostos devidos) e que, detendo a possibilidade fáctica de intervenção no acontecimento, não faz uso de tal possibilidade por representar e querer o facto como seu.
XVIII- Não é possível instrumentalizar a vontade de outrem, no caso de autoria mediata, ou determinar dolosamente outrem à prática do crime, na hipótese de instigação-autoria, por via de uma conduta omissiva. Com efeito, aquele sobre quem recai o dever de atuar não pode omitir através da atuação de outra pessoa, instrumentalizando-a ou determinando-a, porque na omissão, pela natureza das coisas, não há exercício de um domínio do facto mas antes exercício de um dever. Por esta razão se mostra difícil, senão impossível, a concretização de uma coautoria na omissão.
XIX-Também só pode ser autor de um crime de fraude fiscal na modalidade de “ocultação” a que se refere a alínea a) do nº 1 do artº 103º do RGIT aquele que é atingido por uma obrigação ou dever especial de declaração.
XX- Cada cidadão tem deveres de colaboração, verdade e transparência na sua relação fiscal com o Estado, apenas e só, no que concerne à sua situação patrimonial, aos seus rendimentos, à sua situação profissional e pessoal, etc., etc. Mas tais deveres já não existem no que respeita à situação patrimonial de terceiros, aos rendimentos de terceiros, à situação profissional e pessoal de terceiros, etc., etc. Assim v.g. se C souber que D não vai declarar, em sede de declaração de I.R.S., todos os rendimentos auferidos durante o respetivo ano, C não tem qualquer dever de verdade e de transparência para com o Estado que o obrigue a denunciar aquele facto, ou, até, de se substituir ao contribuinte na sua declaração e declarar todos os rendimentos auferidos por D.
XXI- Se as “vantagens" tidas como objeto de uma eventual conduta de ocultação provêm de um contrato de trabalho desportivo licitamente acordado e celebrado entre os seus intervenientes, falta o elemento típico e primário do crime de branqueamento: a origem ilícita das vantagens. Ou seja, não faz sentido falar de “lavagem de dinheiro”, pela singela razão, mas decisiva, de não haver dinheiro “sujo”: o dinheiro sobre o qual tenha recaído a acção do arguido era a todos os títulos dinheiro limpo.
XXII- No que concerne aos crimes fiscais, a suspensão da execução da pena é regulada pelos arts. 14.º do R.G.I.T. e pelo art. 50.º e ss. do Código Penal. Uma vez aplicada como condição de suspensão da execução da pena de prisão, a indemnização passa a participar na realização das funções do Direito Penal. E por isso mesmo é que o incumprimento da indemnização (ou de outro dever ou regra de conduta) condicionante da suspensão da execução da pena de prisão não envolve automaticamente a revogação desta. Necessário se torna a comprovação de até que ponto aquele incumprimento frustrou as expectativas de reinserção social do condenado, ou seja, tornou inalcançáveis as finalidades que presidiram à suspensão.
XXIII- O princípio da pessoalidade da pena não só proíbe que a pena seja transmitida a outras pessoas e que a execução da pena esteja dependente da atuação de outros mas impõe que ela seja aplicada de um modo individualizado, tendo em conta a situação pessoal, económica, social, da pessoa visada. Assim, a pessoalidade e individualização da pena é uma consequência do princípio da culpa e vale para qualquer sanção penal, mesmo que se trate de um substitutivo da pena ou, como acontece in casu, de um substitutivo da execução da pena.
XXIV- Não tem suporte legal no art. 14.º do R.G.I.T a suspensão da execução da pena sob condição de pagamento das quantias em causa, quando o arguido não é sujeito passivo do imposto em falta e por isso não havia contraído para com o Erário Público qualquer dívida tributária.
XXV- Traduzindo-se a infração em que os arguidos foram condenados na omissão de declaração de valores que impediram a Administração Fiscal de proceder à liquidação tributária desses mesmos valores, a infração não dependeu de uma liquidação tributária. A verificação do crime não depende da liquidação do I.R.S., pela singela mas decisiva razão de que os factos ocultados à administração fiscal são aqueles que seriam usados para a liquidação. Daí que o prazo de prescrição de quatro anos não seja aplicável ao crime de fraude fiscal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
1.1. No Processo Comum com intervenção de Tribunal Coletivo n.º1/05.2JFLSB da 6.ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 10SET2012, nessa mesma data depositado, foi decidido, no que ao caso releva:
I — DA QUESTÃO CRIMINAL
v Absolver o arguido JVP da prática, entre 06MAR2002 e 11MAR2002, de um crime de branqueamento de capitais;
v Condenar o arguido JVP pela prática, entre julho de 2000 e 14MAR2003, de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do RGIT, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
v Suspender a execução da pena de prisão pelo período da condenação, condicionada ao pagamento da quantia de €169.622,56, acrescida dos juros legais, no prazo da suspensão, nos termos dos arts. 50.º do Código Penal e 14.º, n.º 1, do RGIT (condição já cumprida);

***

v Condenar o arguido AJV pela prática, entre julho de 2000 e 14MAR2003, de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do RGIT, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
v Condenar o arguido AJV pela prática, entre 06MAR2002 e 11MAR2002, de 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punido pelo art. 368.º-A do Código Penal, ex vi do art. 2.º, n.º 4 do Código Penal, e art. 2.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 325/95 de 02DEZ., na redação da Lei n.º 10/02 de 11FEV., na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão;
v Em cúmulo, fixar a pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
v Suspender a execução da pena de prisão pelo período da condenação, condicionada ao pagamento da quantia de €169.622,56 acrescida dos juros legais, em quatro prestações anuais, iguais e sucessivas de €42.405,64, a primeira delas no prazo de 3 (três) meses a contar do trânsito em julgado da presente decisão e as restantes em cada ano subsequente, nos termos dos art. 50.º do Código Penal e 14.º, n.º 1, do RGIT;

***

v Condenar o arguido LVD pela prática, entre julho de 2000 e 14MAR2003, de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do RGIT, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
v Suspender a execução da pena de prisão pelo período de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, condicionada ao pagamento da quantia de €169.622,56 acrescida dos juros legais, em quatro prestações anuais, iguais e sucessivas de €42.405,64, a primeira delas no prazo de três meses a contar do trânsito em julgado da presente decisão e as restantes em cada ano subsequente, nos termos dos art. 50.º do Código Penal e 14.º, n.º 1, do RGIT;

***

v Condenar o arguido RBM pela prática, entre julho de 2000 e 14MAR2003, de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do RGIT, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
v Suspender a execução da pena de prisão pelo período de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, condicionada ao pagamento da quantia de €169.622,56 acrescida dos juros legais, em quatro prestações anuais, iguais e sucessivas de €42.405,64, a primeira delas no prazo de três meses a contar do trânsito em julgado da presente decisão e as restantes em casa ano subsequente, nos termos dos art. 50.º do Código Penal e 14.º, n.º 1, do RGIT;
v Determinar que a quantia que for depositada à ordem dos autos e remanescer à quantia de €678.490,23 e acréscimos legais, seja entregue ao arguido JVP;

***

II — DA QUESTÃO CÍVEL
Ø Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo Estado parcialmente procedente por provado e, em conformidade, condenar o arguido demandado JVP no pagamento da quantia de €508.867,61, acrescida de juros civis, à taxa legal:
— Por referência à quantia de €418.990,23, relativa ao IRS de 2000, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30DEZ2005;
— Por referência à quantia de €209.500, relativa ao IRS de 2001, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30DEZ2005;
— Por referência à quantia de €50.000, relativa ao IRS de 2002, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30DEZ2005;
— Por referência à quantia de €508 867, 61 desde 31DEZ2005 e até integral pagamento.
Ø Declarar a quantia de €508.867,61 que se encontra apreendida à ordem dos presentes autos afeta ao pagamento do pedido de indemnização civil.

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1.2. Inconformado com o assim decidido, em 04OUT2012 recorreu o Ministério Público.
Rematou a sua motivação recursória com as seguintes conclusões (em transcrição):
«1.ª Na condenação sob recurso, o Tribunal manda entregar ao arguido JVP a quantia que remanescer ao valor de 678.490,23€ e acréscimos legais, valor que corresponde à prestação tributária cujo pagamento foi omitido e que deu origem à condenação de todos os arguidos pela prática do crime de fraude fiscal.»
«2ª Ao fazê-lo, o Tribunal interpretou erradamente o disposto no art. 14º, n.º 1 do R.G.I.T. e o disposto nos arts. 483º, n.º 1 e 805º, n.º 2, al. b) do Código Civil.
«3ª O art. 14º, n.º 1 do R.G.I.T. não prevê que o pagamento da dívida tributária e legais acréscimos, como condição da suspensão da execução da pena de prisão, venha a reverter para outro co-arguido,»
«4ª De acordo com os arts. 483º, n.º 1 e 805º, n.º 2, al. b) do Código Civil, deveria o Tribunal ter mandado devolver ao arguido JVP o que vier a remanescer à quantia correspondente à condenação civil (nela se incluindo os juros legais), depois desta condenação estar satisfeita.»
«5ª Noutra parte da condenação sob recurso, o Tribunal suspendeu a execução da pena de prisão aplicada ao arguido JVP, subordinando-a a condição já cumprida,»
«6ª Ao fazê-lo, o Tribunal interpretou erradamente o disposto nos arts. 40º, n.º 1 e 50º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal e o art. 14º, n.º 1 do R.G.I.T.,»
«7ª Quando os deveria ter interpretado no sentido de que, estando paga (a quota-parte) da prestação tributária, a suspensão da execução da pena de prisão deverá ser subordinada ao cumprimento efetivo de outros deveres, a fim de garantir o vigor das normas penais incriminadoras violadas, bem como a reintegração do arguido na sociedade.»
«Termos em que se requer que o presente recurso seja julgado procedente e que, em consequência, a decisão condenatória seja reformulada no âmbito sobredito.» (cf. fls. 4802-4808 — volume 16.º)

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1.3. Igualmente inconformado com o assim decidido, em 09OUT2012 recorreu o arguido:
Ø JVP, filho de ... e de ..., nascido em 19AGO1971, na freguesia de..., concelho do ...,  técnico de futebol, residente em ....
Rematou a sua motivação recursória com as seguintes conclusões (em transcrição):
«1. O acórdão recorrido é nulo, nulidade que assenta na proibição de valoração da prova e na violação do princípio da imediação, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 379º nº 2, do CPP, por referência à previsão contida na norma do art. 379º nº 1 alínea c) in fine, e do art. 355º nºs 1 e 2 do CPP, porquanto ao afirmar a aplicação do RERT "sem necessidade de aprofundar esta matéria, dir-se-á desde já que se verificam objetivamente os pressupostos da aplicação do Regime" (1º paragrafo de fls. 68) e considerar no ultimo paragrafo de fls. 68 (Veio o arguido alegar e fez-se prova que aqueles ativos tiveram origem nos pagamentos recebidos da S SAD a título de prémio de assinatura do contrato de trabalho desportivo celebrado em 2.7.2000), retirando conclusão diversa dos factos provados constantes do item 2.1.128 (Os identificados montantes entraram na conta do BPN, denominado JH Inc., em numerário, em 30.13.2003, os valores de 2 698 100€ e 93 812,45 e, e em 13.11.2003, o montante de 255 170€, somando 3.047.082,45€) e do item 2.1.139 (O seu casamento sofreu uma rutura que ditou o divórcio, que se arrastou desde cerca de 2003 até 2008) o qual se percebe omisso na discussão a fls. 69 quando se traz a colação o teor da norma transcrita do art. 4º nº 2 do RERT excecionando a produção dos efeitos daquele regime em resultado da convicção que não da prova, sustentando que "Sucede que, tal como resulta do complexo fáctico assente, em 5.5.2005, o arguido JVP foi inquirido na qualidade de testemunha à matéria objeto do presente processo", dando como provado um tal facto com base no documento de fls. 61 e 62, que constitui o auto de declarações da testemunha JVP, prestadas em sede de inquérito que não em julgamento, assim valorando prova não produzida em audiência de julgamento, ou dito de outra forma foi valorada prova produzida em sede de inquérito que não em julgamento, em violação do disposto no art. 355º, n° 1, do C. Processo Penal, o que constitui nulidade.
«II. Nos termos do disposto no art. 355º nº 1, do CPP, em obediência ao princípio da imediação, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência.
«III. O Tribunal a quo ao referir no facto provado 2.1.108 Provado apenas que, em 5.5.2005, o arguido foi inquirido na qualidade de testemunha à matéria objeto do presente processo e na fundamentação ao remeter para ao documento de fls. 61 e 62 comprova que conheceu a matéria objeto do depoimento, dita referida à matéria objeto do presente processo, através da sua leitura, e não por simples remissão para a matéria objeto dos autos porquanto como dos mesmos resulta foram autuados tendo por base uma denuncia anónima, sendo certo que, nos autos, após aquela denúncia e até aquele depoimento apenas foi lavrado despacho de autuação como inquérito da 9ª secção por crime de peculato e ou participação económica em negócio.»
«IV. Quer na fundamentação de facto (fls. 48, IX) Factos 2.1.99 a 2.1.108) quer na aplicação do direito (a fls. 69), nos termos supra citados, o Tribunal ilustra expressivamente a fonte decisória em que assenta a exclusão da aplicação da Lei e com que exceciona a produção dos efeitos previstos na norma do art. 4º n.º 2, do RERT: o depoimento prestado pelo arguido na qualidade de testemunha em 5.5.2005.»
«V. Do acórdão, em sede de matéria de facto, resulta assente facto distinto daquele que a prova demonstrou, extraindo-se da mesma conclusão diversa daquela a que chegou a decisão, ou que não chegou, uma vez que não concretizou o caso concerto, sendo disso exemplo o facto constante do item 2.1.116 e 2.1.117, neste com a expressão minimizadora provado apenas, quando é certo da conjugação destes com os factos 2.1.8 e 2.1.9, 2.1.11; 2.1.13; 2.1.14, impunha-se a conclusão do acordo remuneratório líquido, fosse no salário, fosse no premio de assinatura, sendo ainda certo, segundo a prova, que os contratos eram líquidos. E não se diga que os pagamentos de 2005 justificam a conclusão sobre a quantia ilíquida, atentas as concretas circunstancias em que foi efetuado o pagamento, pelo que o simples bom senso e a razoabilidade do homem médio impunha a conclusão sobre o valor liquido do premio de assinatura tal qual o contrato de trabalho.»
«VI. Porquanto se as negociações eram feitas tendo em consideração valores líquidos não pode, concomitantemente, entender o Tribunal que in casu JVP negociou valores líquidos, mas na altura da outorga do Aditamento ao Contrato aceitou que estariam a ser negociados valores ilíquidos, ou ainda considerar para efeitos dessa conclusão a revogação de um aditamento que nunca foi revogado, e desde logo porque é essa a conclusão que exarou em sede de fundamentação “Depoimentos testemunhais com os documentos, e conjugados todos eles com as regras de experiência comum, pode com segurança concluir-se que tal aditamento estava conforme a vontade negocial do arguido LVD, que o assinou e deu a assinar, bem como a do co subscritor, assim não sucedendo com o Arguido JVP, pois foi ele quem, nesse momento, o não assinou. Não fez, como é óbvio, em face das referidas regras da experiência comum, porque entendeu que o mesmo não refletia a sua vontade negocial." pese embora tal não se conclua da acareação de AJV, MRT, LVD e RM.»
«VII. E este concreto erro de avaliação da prova dita as consequências quanto ao erro de julgamento, quanto ao direito, e designadamente na verificação dos elementos do tipo, em concreto do elemento subjetivo.»
«VIII. Dos itens 2.1.67 a 2.1.82 dos factos provados não se retira a conclusão constante do acórdão de que o arguido recebeu todas as quantias designadamente a que consta do item 2.1.40, quando é certo tal quantia não se encontrar referida nos itens 2.1.120 a 2.1.128 e nem mesmo no item 2.1.178 e vir a ser justificada com base numa declaração genérica do arguido que não assentiu quanto àquele valor.»
«IX. O pedido de indemnização civil dito reportado aos prejuízos sofridos pelo Estado nos anos de 2000, 2001 e 2002, é relativo ao IRS, estando por isso em causa, integralmente, o pagamento de impostos, os quais, como o arguido defendeu e a decisão não resolveu em clara omissão de pronúncia (a ela equivalendo a falta de resposta a inadmissibilidade por virtude da extinção do direito por via da caducidade).»
«X. A fls 91, do acórdão consta, Ora, teve-se por assente com a conduta ilícita os arguidos obstaram a que a Fazenda Pública recebesse um total de 678.490,23€, por força do imposto devido pelo arguido JVP relativo aos anos de 2000, 2001 e 2002. O arguido pagou ao abrigo do RERT a quantia de 5% relativa, além do mais, ao montante recebido pelo prémio de assinatura, que se teve por assente ter sido 3 392 451, 17 €, o que perfaz proporcionalmente a quantia de 169 622, 56 €,. Impõe-se, pois, deduzir aos referidos 678 490, 23 €, este montante já pago, computando-se o prejuízo da Fazenda Nacional em 508 867, 61 €. Assim, se objetivamente, como o acórdão refere a fls. 68, 1º paragrafo se verificam os pressupostos de aplicação do Regime não pode ser esta a conclusão que se extrai dessa aplicação, a regularização tributaria impõe que em sede de compensação releve o valor global efetivamente liquidado pelo arguido, sob pena de dupla tributação.»
«XI. Sendo a indemnização o alegado prejuízo que corresponde as liquidações de IRS referentes aos anos de 2000, 2001 e 2002 e tendo o arguido /demandado sido notificado do pedido em 4 de janeiro de 2011, o dito prejuízo que constitui o pedido de indemnização corresponde ao imposto devido e não pago e só é devido o imposto que ainda possa legalmente ser liquidado, e se o direito à liquidação do imposto já caducou, extinguindo-se a obrigação tributária, não pode o tribunal indemnizar um prejuízo já inexistente, sendo certo que o Tribunal a quo não resolveu juridicamente esta questão usando da vertente indemnizatória por decorrência do crime para justificar a subsistência do direito ao pagamento do valor correspondente ao imposto apesar do decurso do tempo.»
«XII. Aplicando-se, objetivamente, o RERT, como o disse o Tribunal a quo, o imposto devido pelo arguido ao abrigo daquele regime era o equivalente ao valor pago e não aquele que a condenação determina, desde logo porque ou a norma tem aplicação ou não tem. O que o acórdão faz é segmentar o âmbito de aplicação da norma, validando-a para efeitos de arrecadação de receita fiscal excluindo os efeitos em sede de responsabilidade penal, por via duma interpretação conveniente da expressão nos termos da lei.»
«XIII. Antes de decidir a questão normativa relativa aos efeitos da norma do art. 4.º do Regime Excecional de Regularização Tributária o acórdão discorre, quanto à qualificação do tipo da fraude fiscal, no pressuposto de que os arguidos utilizaram, para a prática dos factos, uma fatura emitida em nome da G, referente a uma operação inexistente da S SAD com esta sociedade, tendo a mesma sido integrada na contabilidade do S, fatura essa que perde relevância jurídica quando se afirma que o que subjaz de facto, aos pagamentos do prémio de assinatura objeto dos presentes autos, é um acordo dos arguidos a concretizar durante os anos de 2000, 2001 e 2002.»
«XIV. Para logo mais se afirmar que se teve por assente que o arguido JVP agiu de comum acordo com o arguido AJV e, através deste, com os arguidos LVD e RBM, tendo cada um deles praticado os atos necessários para que o primeiro recebesse, através da G, sociedade estranha ao negócio, as quantias relativas ao prémio de assinatura, ocultando o seu recebimento à administração tributária, não pagando o imposto devido, sendo certo que deu como provado que o arguido JVP representou, no decurso das conversações negociais e até ao momento em que teve conhecimento do teor do "aditamento", que o valor correspondente ao "Prémio de Assinatura" era liquido, e em sede de fundamentação refere que (...) tal "Aditamento" estava conforme a vontade negocial do arguido LVD, que o assinou e deu a assinar, bem como com a do co-subscritor, assim não sucedendo com o arguido JVP, pois foi ele quem, nesse momento o não assinou, e que não o fez, como é óbvio em face das referidas regras da experiência comum, porque entendeu que o mesmo não refletia a sua vontade negocial.»
«XV. E a fls 39 no tocante a discussão da responsabilidade penal de todos os arguidos no acordo final formulado, refere que (...) para ultrapassar a questão do imposto do pagamento devido (...) prova do referido documento que os arguidos RBM e AJV entabularam negociações com vista a não onerar o arguido JVP com o aludido pagamento, como era exigência deste, o que o arguido LVD admite em audiência - que o arguido JVP tivesse representado intelectualmente que o valor era liquido, tanto mais que não era seu ónus liquidar a quantia devida a esse titulo.»
«XVI. Pese embora na apreciação da aplicação do RERT (fls. 67 e ss) e designadamente no 1º paragrafo de fls 68 volte a acolher a vertente probatória ao consignar que: Sem necessidade de aprofundar esta matéria, dir-se-á desde já que se verificam objetivamente os pressupostos da aplicação do regime, mas e sem espanto, a fls 69 o acórdão exceciona a aplicação do regime quando discute os efeitos pretendidos pelo arguido.»
«XVII. Ou seja, admite a verificação dos pressupostos da aplicação, admite os efeitos referentemente aos elementos patrimoniais, mas logo de seguida e sem que tal redação da norma invocada o permita exceciona a produção dos efeitos aí previstos por considerar que à data da apresentação da declaração e como resulta do complexo fáctico assente, em 5.5.2005, o arguido JVP foi inquirido na qualidade de testemunha à matéria objeto do presente processo, declarando que este facto se subsume à exceção da produção dos efeitos previstos na norma.»
«XVIII A questão pressuposta na decisão é que basta que o sujeito seja chamado ao processo para que conheça o respetivo objeto, ainda que o objeto não respeite a atos que lhe são imputáveis de que é autor. De facto, não fosse a leitura das declarações (documento de fls. 61 e 62) prestada pela testemunha (o arguido JVP) a convicção do julgador seria seguramente outra que não aquela vertida no acórdão e que infletiu por via dessa concreta prova, atenta a declaração expressa da verificação objetiva dos pressupostos da aplicação do regime que é feita no primeiro parágrafo de fls 68.»
«XIX. Nos termos da lei. No decidido pugna-se por um entendimento que extravasa o campo semântico natural dos conceitos jurídicos utilizados pelo legislador, o que, configuraria uma interpretação “extensiva” e conflituaria com o princípio da legalidade criminal, desde logo porque o subterfúgio justificativo "nos termos da lei" não se compadece, num processo crime baseado numa queixa anónima, já que é com base nesta que é autuado, que a uma testemunha seja dado conhecimento do objeto dos autos, que alguém que aí é ouvido seja considerado por tal notificado nos termos da lei ou melhor dito, que por via disso se considere sujeito processual quem em sede de recolha de indícios essenciais à identificação dos factos e dos respetivos autores seja ouvido na qualidade de testemunha.»
«XX. Em causa está ainda a tipicidade e a legalidade, porque o intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio e os termos interpretados hão de considerar a exigência legal. Assim não podem beneficiar do regime os contribuintes relativamente aos quais, por terem exportados ilicitamente para fora de território português valores típicos, já estejam confrontados com diligência inspetiva protagonizada pelo fisco, ou por similar procedimento, ou relativamente aos quais já tenha sido encetado procedimento criminal ou contraordenacional, e desde logo porque a esfera de proteção da norma pressupõe, face à sua redação, uma relação causal segura entre o dever de entrega da declaração e a existência do processo contra o declarante.»
«XXI. Ao tempo da entrega da declaração não existia processo de natureza tributaria ou criminal contra JVP, pelo que deveria ter-se concluído pela aplicação do regime a que o mesmo oportunamente aderiu, com os devidos efeitos.»
«XXII. O Tribunal a quo não aplicou, no tocante ao crime de fraude fiscal, da mesma forma que o fez para o crime de branqueamento de capitais, o principio in dubio pro reo, que sendo uma regra de valoração da dúvida e não de valoração da prova se aplica em caso de dúvida razoável, assumindo a certeza na demonstração probatória vertida na discussão de facto e no direito.»
«XXIII. Conjugados os fundamentos de facto que ora situam a conduta do arguido para além da dúvida razoável ora a deixam aquém (2.1.116; 2.1.117; 2.2.7) seria forçoso concluir que o Tribunal a quo usou uma presunção de dolo para imputar subjetivamente o crime ao arguido, quando é certo, nos termos do probatório, que o valor a receber era líquido.»
«XXIV. No entendimento do Tribunal Constitucional, (Ac. n.º 180/2007, de 08.03), o tipo subjetivo requer a existência de dolo consubstanciado na intenção de praticar a ocultação ou alteração de factos ou valores com consciência de que tais atos visam omitir o pagamento de imposto, o pagamento de imposto inferior ao devido ou reembolso indevido de imposto, com a consequente diminuição de receitas fiscais.»
«XXV. E, no entendimento de alguma doutrina o ilícito imputado ao arguido é um crime doloso que não exige o dolo específico (à diferença do que ocorria no RJIFNA) mas, de entre alguns entendidos na matéria - Mestre Paulo Dá Mesquita, Nuno Pombo e Francisco Vaz Antunes - surge ainda a interpretação de que o tipo ainda postula dolo específico do agente o qual deve dirigir especial e diretamente a sua vontade à concretização de factos potencialmente aptos a causar danos ao erário público. Isto é, a intenção que preside à comissão de tais ilícitos deve precisamente contemplar essa aptidão. Ora, do probatório não resulta qualquer intenção do arguido em prejudicar o Estado.»
«XXVI. De facto, as regras da experiência comum impunham decisão diversa, porquanto sendo líquido o valor a pagar ao jogador com referência ao montante acordado para a remuneração mensal, não faria sentido que o não fosse o montante igualmente acordado a título de prémio de assinatura e a lógica das coisas e da vida impunha conclusão distinta no caso concreto, porquanto a exigência da quantia líquida ficou aceite no probatório como sendo a normalidade dos contratos celebrados por profissionais do futebol e numa inferência concreta para o caso.»
«XXVII. Em obediência ao estatuído no art. 412º CPP deve a matéria de facto considerar-se fixada no sentido que resulta incluso nas conclusões supra expostas e no enunciado sumário dos erros imputados ao decidido, ou seja, a contradição e erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 410º, nº 2, alíneas b) e c) do CPP, designadamente quanto aos factos 2.1.116, 2.1.117 (2.1.116. Provado apenas que o arguido JVP representou, no decurso das conversações negociais e ate ao momento em que teve conhecimento do teor do 'Aditamento", que o valor correspondente ao "Premio de Assinatura" era liquido - 2.1.117. Provado apenas que, por regra, os contratos eram negociados pelo seu valor liquido ate há cerca de três anos.), que na articulação com os factos provados 2.1.8. e 2.1.9: (2.1.8. O arguido JVP indicou ao arguido AJV que pretendia auferir a quantia de 1.000.000.000$00 (4.987.978,97€) a título de salário pela prestação de trabalho desportivo nessas quatro épocas, acrescido ainda do valor devido a título de imposto sobre o rendimento - 2.1.9. Mais indicou ao arguido AJV que, para além daquela quantia a auferir a título de salário, pretendia receber a quantia de 800.000.000$00 (3.990.383,18€), como prémio de assinatura do contrato o que conjugado com o iter decisório de fls. 36 (parte final) e fls. 37 (in fine) permite a afirmação da Insuficiência para a mesma decisão de facto ao caso concreto, assim como o erro notório quanto aos factos provados 2.1.178 (Em 11.8.00, 19.4.09 e 22.2.02, o demandado JVP recebeu do S a título de rendimentos provenientes do trabalho, as quantias de 1.995.191,59€, de 1.047.500,00€ e de 250.000,00, respetivamente) e 2.1.181 (Tendo o demandado atuado conscientemente, sabendo que com tal conduta lesava os interesses patrimoniais do Estado, acautelados com a arrecadação daquele imposto), espelhado na transviada solução dada à questão designadamente a fls. 56 ao recusar a qualificação da prestação e da respetiva tributação omitindo nessa mesma solução a existência da fatura a que respeitam os factos provados constantes dos itens 2.1.142, 2.1.46, 2.1.47, em desconformidade com o que resulta do facto não provado 2.2.7 o que tudo permite seja invocada a violação do principio in dubio pro reo.»
«Assim, ao referir no facto provado 2.1.108 Provado apenas que, em 5.5.2005, o arguido foi inquirido na qualidade de testemunha à matéria objeto do presente processo e na fundamentação (a fls 48 e factos 2.1.99 a 2.1.108) ao remeter para ao documento de fls. 61 e 62 viola o principio da legalidade da prova, na valoração de depoimento do inquérito não lido em audiência, adquirindo a prova através da sua leitura, sendo que os autos tiveram por base uma denúncia anónima e foram, por despacho, autuados como inquérito da 9ª secção por crime de peculato e ou participação económica em negócio.»
«A insuficiência, resulta ainda da forma como atingiu conclusão diversa da prova, ou antes daquela a que não chegou, uma vez que não concretizou o caso [concreto] - o facto constante do item 2.1.116 e 2.1.117, neste com a expressão minimizadora provado apenas, quando é certo da conjugação destes com os factos 2.1.8 e 2.1.9, 2.1.11; 2.1.12. 2.1.13; 2.1.14, impor-se a conclusão do acordo remuneratório líquido, fosse no salário, fosse no prémio de assinatura, sendo ainda certo, segundo a prova, que todos os contratos de [jogadores] de craveira eram líquidos.»
«Dos itens 2.1.67 a 2.1.82 dos factos provados não pode retirar-se a conclusão constante do acórdão de que o arguido recebeu todas as quantias designadamente a que consta do item 2.1.40, quando é certo tal quantia não se encontrar referida nos itens 2.1.120 a 2.1.128 e nem mesmo no item 2.1.178 e vir a ser justificada com base numa declaração genérica do arguido que não assentiu quanto àquele valor. De facto o referido no item 2.1.40 relativa à ordem de transferência da quantia de 99.759,58€ contraria não apenas a prova documental em que assenta mas ainda a prova pericial junta no decurso do julgamento, admitida pelo Ministério Público e referida no acórdão recorrido, o que de forma conjugada, não permitia que se afirmasse que um tal valor foi integrado nos pagamentos feitos ao jogador e menos ainda, em face do depoimento do arguido, legitima a conclusão de que o arguido admitiu ter recebido todas as quantias conforme se alude na pronúncia.»
«Considerando o erro de julgamento da matéria de facto entende o arguido que o a solução de direito devia ter sido a mesma que foi encontrada para o crime de branqueamento, tanto mais que parece resultar daquele facto não provado 2.2.7 e da fundamentação (fls. 38 ...) que os arguidos RBM e AJV pretenderam desonerar o arguido JVP do pagamento do imposto devido, admitindo LVD que JVP representasse o valor como liquido (fls 39...) em conformidade com as declarações do arguido JVP, no seu entender, não era seu o ónus de liquidar a quantia devida a esse título (fls. 40 ... 2º parágrafo).»
«A que acresce o erro na decisão quanto a aplicação do RERT esta baseada num erro de julgamento, numa prova não efetuada em audiência - a conferência do documento que constitui declarações da testemunha, o ora arguido, em fase de inquérito, e numa errada interpretação sobre a problemática exigência de "nos termos da lei"»
«Concluindo-se pelo mesmo erro quanto à existência do elemento subjetivo do tipo, porquanto o acórdão não contém, conforme alegado, os elementos fácticos essenciais ao dolo específico do agente o qual deve dirigir especial e diretamente a sua vontade à concretização de factos potencialmente aptos a causar danos ao erário público.»
«Assim como deveria conclui-se, na improcedência do pedido de indemnização civil, por inexistência do prejuízo atento o facto de não ser passível de liquidação uma obrigação tributária caducada e sobremaneira regularizada.»
«Como referido o Tribunal a quo sustentou o decidido na prova testemunhal conjugada com os documentos e as regras de experiência comum, concluindo que “(...) tal aditamento estava conforme a vontade negocial do arguido LVD, que o assinou e deu a assinar, bem como a do co-subscritor, assim não sucedendo com o Arguido JVP, pois foi ele quem, nesse momento, o não assinou. Não fez, como é óbvio, em face das referidas regras da experiência comum, porque entendeu que o mesmo não refletia a sua vontade negocial.”; sendo que tal não foi o que resultou da acareação de AJV, MRT, LVD e RBM (ficheiro n.º 20120702101624, pp. 1, 3 e 4).»
«O momento da assinatura do contrato de aditamento não foi, como o decidido o refere, conforme resulta do depoimento da testemunha MRT "Foi assinado, tanto quanto eu me lembro, no próprio dia, mas não simultaneamente com o contrato de trabalho, porque o contrato de trabalho exige reconhecimento presencial, e o reconhecimento presencial é feito obviamente em frente do ajudante de notário. E até era prática, acho que é o mais ou menos comum, que o departamento jurídico tivesse a elaborar os prémios de assinatura e a assinatura conjunta era normalmente limitada ao direito de trabalho...ao contrato de trabalho. Agora não consigo precisar exatamente em que momento e que foi entregue ao departamento financeiro e em que documento... em que momento é que, enfim, foi entregue ao jogador, porque eu não acompanhei o resto, não é das negociações, mas o resto da formalização do contrato. Agora eu nunca vi nenhum contrato de nenhum aditamento com o prémio de assinatura assinado pelo jogador JVP, vi um contrato de trabalho assinado porque tinha reconhecimento presencial, e a assinatura não foi simultânea naquilo que nós chamamos, entre aspas, a cerimónia da assinatura do contrato (...)".»
«E do depoimento do arguido AJV: “No mesmo dia. (...) Alguns minutos, com certeza. Até preparar um ou outro documento, mas foram assinados no mesmo dia. (...) Na mesma manhã. Acho que foi até de manhã.... (...) Depois da conferência de imprensa, foi logo de seguida, e quando o J foi para a conferência de imprensa já tinha os contratos assinados. Nem podia ser de outra forma."»
«A negociação, no âmbito da contratação de futebolistas, em valores líquidos, foi confirmada pela testemunha MS (Pág. 6 Ficheiro n.º 20120517122450) “Eu pessoalmente a minha preocuparão era saber o valor líquido que iria auferir. Como é lógico muitas das vezes vamos para outros países e não sabemos como é a carga fiscal, como é que é a nível de impostos, não é? A minha preocupação era valores líquidos. (...).» «Inquirido diretamente se era sobre verbas líquidas que celebrava os acordos respondeu perentoriamente "Sim.", o mesmo sucedendo com a testemunha APC, agente de futebol, (Págs. 8, 9, 13 e 14 do ficheiro n.° 20120702112910) “(...) Não é com o S é com qualquer clube do mundo, todas as contratações que eu fiz e fiz centenas delas em vários clubes, o jogador quando quer uma verba diz, olhe, eu quero ir ganhar para aquele clube um milhão de euros. É um milhão de euros que ele quer efetivamente receber. Portanto, os contratos são líquidos. Não é no S é em todos os clubes do mundo.” “(...) A elaboração dos documentos formalizantes desses valores acordados, naturalmente com os acréscimo.. (...) O jogador tem uma verba e diz assim, olhe, eu quero ir ganhar tanto... Depois, o resto paga mais dez por cento de imposto, ou vinte ou trinta ou quarenta. Isso, a ele... Depois, o resto paga mais dez por cento de imposto, ou vinte ou trinta ou quarenta. Isso, a ele...'; e confirmado ainda no depoimento de PCG, ficheiro n. °20120517113915 págs. 12 e 13, “(...) para quem anda no futebol como eu, há catorze anos, no mínimo, primeiro como advogado e a trabalhar para, muito ligado à área do direito do desporto, depois como diretor-geral e diretor jurídico da SAD do B até dois mil e seis, e de dois mil e sete até hoje na SAD do Bc, a única coisa que posso dar, com quase noventa por cento dos jogadores; o que quer saber é quanto é que ganha em líquido. Porque não têm conhecimento de matéria de índole fiscal, ou porque são estrangeiros e desconhecem a realidade, de todo, portuguesa, ou porque, e mesmo sendo nacionais, eles não querem saber o que é que vão ganhar bruto. Eles querem saber é o que vão ganhar líquido, não é?", "(...) Esse é, posso-lhe dizer, que é o ponto principal em qualquer negociação, não é? Normalmente, havendo acordo entre os clubes, o ponto principal de uma negociarão com o jogador é saber o que é que o jogador vai ganhar líquido. Ele quer saber o que é que lhe entra na conta, não é o que está no papel.”; “(...) Se eu disser a um jogador que ele ganha cinquenta mil euros, a primeira pergunta que ele me vai fazer a seguir é a seguinte: “mas isso é o líquido? É o que vou receber?". E eu depois tenho que ser verdadeiro com ele, não é?" e ainda que "(...)E dizer, não, é bruto. Olha, sobre esses cinquenta tenho que tirar quarenta e dois por cento para, quarenta por cento para IRS, dois vírgula dois por cento, que é um quinto do, que é da Segurança Social" que eles têm um regime específico, faço a conta e digo, “olhe, quarenta e dois por cento, quarenta e dois ponto dois por cento são impostos, portanto, faz-se a conta simples, aquilo é multiplicar por zero ponto cinco sete oito, e vou-lhe dizer “olha, vais ganhar vinte e seis mil e qualquer coisa líquidos". E ele vai-lhe logo dizer assim "não, eu quero cinquenta líquidos”: Ou vai-lhe dizer quarenta líquidos.”», bem como JES, Presidente do Sindicato dos jogadores (Ficheiro n.º 20120704160250) pág. 3 e 4, que questionado sobre se os valores acordados entre os jogadores profissionais futebolistas e os clubes, são valores líquidos ou ilíquidos respondeu que "(...) Eu diria que no passado recente, nos últimos dois ou três anos, a regra é que são valores ilíquidos. (...) Três anos. (...) Apesar de ainda haver casos em que os contratos são feitos de forma líquida... acordados de forma líquida e formalmente serem depois estabelecidas condições ilíquidas e outras habilidades para, de alguma forma, compensar aquele valor que não é declarado. Para melhor percebermos, eu estive agora recentemente com um caso... eu acho que através dos factos podemos explicar isso. Do Leiria. (...) Ainda nesta época... o que eu estou a querer dizer é que, apesar de já... a prática já ser de definir valor ilíquidos, ainda há clubes que fazem habilidades, transferindo, nomeadamente através de direitos de imagem ou através de offshore... esses valores que deveria ser ilíquida, são pagos de forma... ou melhor, os valores estabelecidos de forma líquida são pagos através destes expedientes. Isso ainda acontece. Infelizmente não conseguimos...";» o mesmo sucedendo com RC, ficheiro n.º 20120711153118 págs. 6, 7 e 8, "(...)Os valores eram sempre líquidos. Tanto eu como, creio, os meus colegas de profissão. Ainda hoje eu faço o papel contrário, sou diretor desportivo e faço os contratos ao contrário. O que importa ao jogador é saber quanto é que leva para casa, como a qualquer trabalhador, portanto, o que importa ao jogador é saber quanto é que é o líquido dele. (...)... o jogador pretende saber qual é o valor líquido da minha proposta, sim. (...) Nem sequer se toca... se toca em brutos. Se eu fizer um contrato de um milhão de euros, eu sei que vou ganhar um milhão de euros. E, portanto, hoje, o jogador pretende o mesmo. Pretende saber quanto é que ganha líquidos, mesmo que eu passa, eventualmente, fazer uma proposta em brutos, a preocupação do jogador não é saber qual é aquela... qual e aquela quantia, quer saber é que quer ganhar x ilíquidos e, portanto, é sobre essas contas que a gente faz o valor. "mais informou que a formalização dos contratos "(...)Isso depois já faz parte … já faz parte da parte jurídica do clube."» e JB, ficheiro n. 20120503121128 pág. 24 “(...) Os jogadores ou net ou não, líquido ou não, se o jogador... nós aí vamos esclarecer, mas praticamente o jogador quer o valor líquido...”» " reafirmado por AJV, ficheiro N° 20120416144845 pág. 11, 37, "(...)Mas é que não há jogador nenhum, e eu ouvi já aqui coisas de realmente bradar ao Céus, não há jogador nenhum que negoceie o contrato ilíquido, todos os jogadores querem saber é líquido. Aliás, a única pessoa que soube explicar aqui, da forma mais correta, foi o doutor PG, pela experiência que ele tem no futebol. Não há nenhum jogador da craveira do JVP que se sente à mesa e que não discuta o contrato líquido, todos os jogadores discutem o contrato líquido. Eu tenho vinte e tal anos de experiência no futebol, dezassete como agente de jogadores, os maiores jogadores do mundo me passaram pelas mãos, e não houve um que discutisse o contrato ilíquido. E depois de assentar à mesa.... E instado pela Meritíssima juiz Presidente sobre o aditamento disse «(...)Aliás, se analisarmos o contrato federativo, negociou-se líquido, e o S acresceu um certo montante em cima o impostos. E aqui o S também acresceu. Porque eu ouvi aqui a discutirem ao longo deste Tribunal pessoas que no fundo são os paladinos da verdade do futebol deste país, que não sabiam dos quarenta mil contos que acresceram, porque é que passou de oitocentos para oitocentos e quarenta. Oitocentos e quarenta são os impostos. Dos cinco e meio por cento ou cinco por cento que tinha que ser pago em Inglaterra. E, eu custa-me a querer que um administrador... (...) E neste caso transferiu para fora o S e o imposto foi imediatamente retirado, por isso é que pagou oitocentos e quarenta, e custa-me a crer que uma empresa cotada em bolsa, como o S, o administrador financeiro venha cá e não saiba para onde é que pagou. Nem ele nem os outros administradores que vieram cá. (...) Senhora doutora, no JVP naquela altura era o astro do futebol português, e, aliás, e o S fez um grande negócio, contratou um grande jogador com um bom preço, o JVP não foi caro pelo valor que ele tinha naquela altura. Agora, não há nenhum jogador, só sendo aquele jogador reles que podem passar e que aceitam tudo, um jogador de primeiro nível, não há nenhum no mundo, não é em Portugal, é no mundo, que negoceie contratos ilíquidos. Não existe. (pág. 37); "(...) Senhora doutora Juíza, todos os jogadores, repito o que disse há pouco, todos os jogadores negoceiam contratos líquidos, e depois os clubes é que encontram a forma de pagar ao jogadores da forma líquida e que paguem menos impostos. " (pág. 67); "(...) Sim. E qualquer pessoa que esteja no meio do futebol, senhor doutor, é impossível um Jogador de alta craveira não se discute ilíquidos, eles não querem saber, eles nem querem fazer contas senhor doutor. Aliás, o doutor Paulo Gonçalves explicou isso. " (pág. 81); "(...)Mas é líquido, eles só querem saber quanto é que recebem."; "(...) Mas é óbvio que foi. Porque se eu negoceio um contrato líquido, você tem que me pagar os impostos à parte. Portanto, se depois arranjo uma forma de pagar lá fora para pagar menos impostos, o jogador, o JVP só queria receber o dele líquido, queria lá saber para onde é que o S pagava, queria era receber o dele líquido, o que é natural. "
«Nos ponto[s] 2.1.99 a 2.1.108 da matéria de facto provada não considerou o Tribunal a quo as declarações do arguido JVP no âmbito da regularização tributária extraordinária ficheiro n.º 20120416144609 págs. 36 e 37, inquirido sobre o motivo que o levou a regularizar os capitais que tinha no estrangeiro disse que «“(...) queria salvaguardar, queria salvaguardar o meu dinheiro sobretudo por causa do do meu processo de divórcio. Até porque eu estava a ter... Eu tive, eu tive percas significativas na conta do Luxemburgo, era uma conta que estava longe e eu não conseguia ter... embora tivesse acesso, era uma coisa que estava longe e não, tinha apenas uma pessoa que falava português, tinha perdido algum dinheiro que tinha investido, ao contrário daquilo que me tinham dito, perdi a confiança no banco e perdi para... e como estava no processo de divórcio, fui aconselhado pelos advogados a fazer, a fazer o tal RERT e o tal pedido ao meau cole ...ao meu compadre, ao HS.”», bem como sobre se as quantias declaradas no RERT tiveram origem no dinheiro que recebeu a título de prémio de assinatura do S "(...) Parte dele era, outra parte eu tinha transferido de Portugal para lá. (...) Parte desse dinheiro eia tinha pago imposto cá em Portugal também.”, ou ainda os esclarecimentos da testemunha AFL, Revisor Oficial de Contas, ficheiro n. o 20120711164347 págs. 20 a 25, "(...) haveria à volta de sete milhões nessa conta. Sete... ( ..) Na conta da J (...) Da J. E eram... não eram originárias... esses valores não eram todos... não eram originários da conta da N... (...) Portanto, naquele... quando houve, digamos, o adiamento para a minha audição e constava, portanto, do processo da Polícia judiciária, em que, efetivamente e com recurso que fez à Autoridade Tributária relativamente às verbas que o JVP tinha obtido do S, acrescida de outras verbas que tinham tido origem, portanto, em contas dele e... mas... com subsequen... subsequentemente para a conta da mãe. Haviam depois sido emitidos cheques em dois mil e quatro, portanto, nos períodos iniciais do ano dois mil e quatro, uma série de verbas que somavam dois milhões seiscentos e setenta e quatro mil para... para esta conta. Havia também um valor de um financiamento que ele tinha pedido em determinada altura de seiscentos e oitenta e oito mil, que constavam lá, e trezentos e doze mil euros que tinham vindo do S em junho de dois mil e cinco... (...) Na regularização final que ele... que foi feita com a dívida que ficou da G relativamente ao S que rondavam sensivelmente oitocentos mil euros. ( ..) Portanto, esses valores, portanto, os valores que estão, que estão referenciados. Portanto, eu penso que no processo da Polícia Judiciária está claramente referido e confirmado e constatado que os valores... uma grande parte desses valores eram valores de rendimentos de trabalho do JVP. Portanto, como digo, seriam dois milhões seiscentos e setenta e quatro mil, sensivelmente, para estes períodos. Havia, de facto, um valor que tinha... portanto, esses valores tinham tido uma sequência de contas dele, portanto, do BCP, de contas da mãe do BCP, e depois das contas da mãe do BCP para... do BCP da mãe, também... ele tinha conta no BCP... a mãe, no BCP, depois do BCP para o BPN e do BPN... BPN, a conta dele... da conta da mãe, depois da conta da mãe do BPN... da conta da mãe para a conta J. " E ainda o que a propósito disse a testemunha HS, ficheiro n.º 20120 704170145 pág. 4, 5,6 e 7 disse que "(...)Mais propriamente no fim de dois mil e cinco, quando todo este processo do divórcio já estava a começar a decorrer, o JVP com advogados, da altura, dele, procurou-me e acabámos por nos encontrar na minha casa e propôs uma situação que iria ser benéfica para ele, na altura, e ele propôs a que ele me ajudasse e eu fiz, nessa altura... (…) Na altura... o governo da altura propôs, no fim daquele ano, ou até ao fim... Dois mil e cinco, sim. (...) Pelo que eu soube, eu também não quis saber muito, somos amigos de longa data e o que me interessava era se estava a ser uma ajuda para ele e se também eu não incorria em grandes problemas. E o que aconteceu na altura, o governo propôs a quem... uma lei que saiu nessa altura, acho que era uma lei, não sei, uma situação que se propôs nessa altura, que quem tivesse dinheiro no estrangeiro podia-o trazer para Portugal sena prejuízo próprio e começar a ter o dinheiro cá era Portugal e o próprio governo... a nação usufruir desses valores também. E por via do divórcio o JVP propôs-me... pronto, através da família iria ser mais complicado, propôs-me que através de mim, esse dinheiro entrasse em Portugal. Através da doação que me fez e depois, posteriormente feita a ele»
«Vícios da decisão recorrida: nulidade - art. 379.º nºs 1 e 2 do CPP, por referência à previsão contida na norma do art. 379º, nº 1, alínea c), in fine e do art. 355º nºs 1 e 2 do CPP; contradição e erro notório na apreciação da prova - arts. 410º nº 2, alíneas b) e c) do CPP, erro de direito por consequência do erro de julgamento - arts. 103º nº 1, al. b) e 104º, n 2, do RGIT
«Normas Jurídicas Violadas: Arts. 355º nº 1 e 379º nº 1, alínea a) do e art. 410º do CPP e arts. 2º, nº 2, alínea b), 4º nº 2 e 5º, nºs 6 e 7 do Regime Excecional da Regularização Tributária (art. 5º da Lei 39-A/2005, de 29.07), art. 103º, nº 1, b) e 104º nº 2 do RGIT
«Princípios jurídicos jurídico-criminais violados: a presunção de inocência do arguido associado ao princípio in dubio pro reo e ao princípio nulla poena sine culpa, princípio da legalidade, princípio da legalidade da prova.»
«Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogar-se o acórdão proferido substituindo-se por outro que em conformidade com o exposto no reconhecimento dos vícios invocados declare a nulidade da decisão, ou se assim se não entender, o que não se concede, deve declarar-se a nulidade que inquina o Acórdão recorrido ordenando-se o reenvio do processo para novo julgamento, ou se assim se não entender, o que não se concede, julgar procedente o recurso e proceder à modificação da matéria de facto, por decorrência do supra alegado, e consequentemente absolver o arguido do ilícito pelo qual foi condenado, com os legais efeitos.»
«Tudo nos termos e com os fundamentos constantes das conclusões supra formuladas, assim fazendo Vossas Excelências meritíssimos juízes Desembargadores A costumada justiça.» (cf. fls. 4869-4885 — volume 17.º)

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1.4. Igualmente desavindo com o assim decidido, em 15OUT2012 recorreu o arguido:
v AJV, filho de ... e de ...., nascido em 23.10.63, na freguesia de..., concelho de..., casado, empresário, residente na Rua ....
Rematou a sua motivação recursória com as seguintes conclusões (em transcrição):
«1. O objeto dos presentes Autos prende-se, unicamente e exclusivamente, com rendimentos auferidos pelo Atleta e Jogador Profissional de Futebol JVP pagos pela S - Futebol SAD.»
«2. Não integra o objeto dos presentes Autos qualquer rendimento (o mesmo será dizer, obrigação tributária) atinente à pessoa do ora Recorrente.»
«3. Verificou-se, relativamente à pessoa do Recorrente, uma clara violação, não apenas do princípio da presunção de inocência (na condução da Audiência de Julgamento), mas também do princípio in dubio pro reo (quer na valoração da prova, quer na solução jurídica alcançada, a condenação do ora Recorrente).»
«4. O direito à liquidação por parte da Administração Tributária caducou, relativamente aos pagamentos realizados no ano de 2000, em 01 de janeiro 2005, relativamente aos pagamentos realizados no ano de 2001, em 01 de Janeiro 2006 e relativamente aos pagamentos realizados no ano de 2002, em 01 de Janeiro 2007.»
«5. A punição por crime de fraude fiscal está dependente de liquidação da prestação tributária, pois trata-se de crime em que a determinação do tipo de infração ou da sanção aplicável depende do valor da prestação e a liquidação é o meio para determinar esse valor.»
«6. Não tendo sido produzida pela Administração Fiscal ou, pelo menos, não tendo a mesma ficado demonstrada nos Autos, fica afastada, com fundamento na referida caducidade, a punibilidade do crime de fraude fiscal.»
«7. O procedimento criminal relativo ao crime de fraude fiscal encontra-se prescrito.»
«8. Todo o Inquérito, toda a Instrução e todo o Julgamento tiveram como pano de fundo um vício cognoscitivo resultante de preconceitos atinentes à pessoa do Recorrente, desvirtuando, por completo, o princípio da presunção de inocência e, a final, do in dubio pro reo.»
«9. O Tribunal a quo não fez uma correta valoração da prova testemunhal produzida pela Acusação, concretamente, dos depoimentos prestados pelos funcionários e administradores da S, SAD, dos quais se serviu para suportar a condenação do ora Recorrente.»
«10. As regras da experiência comum servem como limite negativo à livre apreciação da prova produzida, na medida em que impedem a decisão de julgar determinado facto como provado, apesar de todos ou relevantes meios de prova indicarem nesse sentido, caso o mesmo seja contrário a tais regras, como às da lógica, impondo, portanto e nesses casos, que o fato seja dado como não provado.»
«11. O Acórdão recorrido não respeita esta disciplina, na medida em que sustenta o julgamento da matéria de facto (concretamente aquela que suporta a condenação do ora Recorrente - como sejam, os Factos Provados n.ºs 2.1.23, 2.1.26 a 2.1.33, 2.1.42, 2.1.44, 2.1.48, 2.1.49, 2.1.65 a 2.1.69, 2.1.109 a 2.1.115) nas regras da experiência comum e da lógica...»
«12. Deve ser declarada a inconstitucionalidade material do Art. 127.º, CPP, por violação dos Arts. 20.º, n.º 4 e 32º, n.ºs 1 e 2 da CRP, quando interpretado e aplicado num dos seguintes sentidos:
«a) De que a simples invocação das regras da experiência comum e da razoabilidade ou da livre convicção do julgador, não havendo prova direta dos factos probandos, é suficiente para fundamentar sentença condenatória;
«b) De que o princípio da livre apreciação da prova permite afastar a prova dos factos probandos como condição essencial e necessária à prolação de sentença condenatória; ou ainda
«c) De que o princípio da livre apreciação da prova dispensa a prova efetiva dos factos em discussão, sendo essa prova condição essencial e necessária à prolação da sentença condenatória.»
«13. Devem ser dados como não provados os Factos Provados n.ºs 2.1.23, 2.1.24, 2.1.26 a 2.1.28, 2.1.30 a 2.1.33, 2.1.42, 2.1.44, 2.1.48, 2.1.49, 2.1.51, 2.1.65, 21.67, 2.1.68, 2.1.109 a 2.1.115;»
«14. Devem ser dados como provados os factos descritos e discriminados sob os Pontos 1. a 24 do capítulo III.e).
«15. A prova produzida não é suficiente para sustentar e justificar a condenação do ora Recorrente.»
«16. O conceito de "relacionamento" adotado pelo Acórdão recorrido não é apto a traduzir qualquer instituto jurídico previsto no nosso ordenamento jurídico, pelo que não pode assumir qualquer relevância jurídico-processual, nomeadamente, como fundamento de condenação do Recorrente.»
«17. À época dos factos, inexistiam as normas incriminadoras invocadas no Acórdão recorrido (Art. 103º, n.º 1, b) e 104º, n.º 2, ambos do RGIT) para condenar o ora Recorrente pela prática do crime de fraude fiscal.»
«18. O crime de fraude fiscal é um crime específico, pelo que não assumindo o Recorrente a qualidade de sujeito/parte na relação tributária em causa, nem lhe incumbindo a apresentação da declaração, não pode ao mesmo ser imputada a autoria desse crime.»
«19. O crime de fraude fiscal é um crime de resultado cortado, pelo que a sua imputação obriga à demonstração do dolo específico de não liquidação, de não entrega ou de não pagamento da prestação tributária ou, ainda, de obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, a qual não se verifica.»
«20. No que diz respeito, ao ora Recorrente, inexiste, em absoluto, motivação criminógena, o que sempre deveria ter militado a seu favor, mas que o Tribunal a quo, simplesmente, desconsiderou e não podia.»
«21. Não é possível imputar ao ora Recorrente, mesmo na hipótese de se considerar a fraude  fiscal como crime comum, a prática desse crime.»
«22. Não se verificam, no caso dos Autos e em relação ao Recorrente, os pressupostos para necessários à imputação na forma qualificada do crime de fraude fiscal.»
«23. O crime de branqueamento de capitais não era punível à data da prática dos fatos.»
«24. Não se verificando, in casu, o crime precedente (concretamente, o de fraude fiscal) não pode subsistir à incriminação de branqueamento de capitais.»
«25. Não se verifica o preenchimento do tipo de crime de branqueamento de capitais relativamente à pessoa do Recorrente.»
«26. A distinção e identificação, não só pelo MP, no seu libelo acusatório, ou pelo Juiz de Instrução, no Despacho de Pronúncia, mas também pelo Tribunal a quo, na sua Decisão de Facto, de qual(is) o(s) concreto(s) pagamento(s) (realizado(s) pela S, SAD) e as concretas quantias (recebidas pelo atleta JVP) que diziam respeito aos impostos não pagos - o mesmo é dizer, que tinham origem ilícita - são condição de imputabilidade do crime de branqueamento de capitais (o mesmo é dizer, como condição de viabilidade da condenação).»
«27. Inexistindo tal distinção ou identificação, soçobra, necessariamente, a imputabilidade do crime de branqueamento de capitais.»
«28. O distanciamento no tempo entre o momento da consumação do crime não é, nem pode ser, imputável ao ora Recorrente, que até é titular do direito, constitucionalmente consagrado, a uma Justiça célere (Arts. 20º, n.ºs 4 e 5 e 32º, n.º 2, CRP), pelo que nunca pode ser prejudicado por esse distanciamento.»
«29. O Tribunal a quo (não conseguindo esquecer que o seu Acórdão é hodierno e que, sendo este caso relativamente mediático, a eventual absolvição dos arguidos, culpados ou não, iria ter repercussões negativas na opinião pública, as quais preferiu, claramente, evitar) valorou as condutas que imputa aos Arguidos, incluindo o Recorrente, à luz do atual desvalor social dessas mesmas, violando os referidos comandos constitucionais.»
«30. Se a valoração fosse a correta - afastando, por ora, mas sem conceder, a absolvição -, as penas a aplicar deveriam ser outras.»
«31. Em primeiro lugar, devendo afastar-se a qualificação do crime de fraude fiscal (como se defendeu supra), deveria o Tribunal optar, em homenagem ao Art. 70º, CP (conjugado com o Art. 103º, RGIT), por pena de multa e, mesmo que assim se não entendesse, nunca deveria a pena de prisão ultrapassar, nesse caso, o mínimo legal, a saber um mês (Art. 41º, n.º 1, CP).»
«32. Mantendo-se a qualificação, o que nunca se admitirá, mas que se impõe referir por dever de patrocínio e à cautela, nunca a pena de prisão deveria ultrapassar o mínimo legal (a saber, um ano - Art. 104º, RGIT), tanto mais que os elementos atinentes à pessoa do ora Recorrente, não o impedem, antes aconselham.»
«33. No que ao crime de branqueamento de capitais e aplicando-lhe o raciocínio expendido para o crime de fraude fiscal, a pena de prisão a aplicar nunca deveria ser superior a 2 anos (Art. 368º-A, n.º 2 CP).»
«34. Devendo o cúmulo ser calculado a partir destes mínimos.»
«35. O Acórdão recorrido, substituindo-se ónus de impulso processual do Arguido JVP (no âmbito de um eventual direito de regresso), impõe aos restantes Arguidos, incluindo o ora       Recorrente, com base numa pretensa solidariedade entre os coarguidos, o pagamento de uma indemnização cível que o Estado apenas peticionou contra o Arguido JVP, o que é ilegal, por violação do princípio do pedido.»
«36. O Acórdão recorrido faz coincidir as quantias a pagar a título de condição de suspensão da execução da pena de prisão com o prejuízo causado ao Estado, tanto assim é que considera já paga - ou, melhor, já cumprida -, pelo Arguido JVP, por força da sua condenação no pedido cível e das quantias que já lhe haviam sido apreendidas, tal condição.»
«37. No montante a pagar a título de condição de suspensão da execução da pena de prisão estará sempre incluído o montante da prestação tributária e respectivos juros.»
«38. Por força da satisfação integral do pedido cível (que se verifica), deverá considerar-se já cumprida, para os restantes Arguidos, incluindo o ora Recorrente, a condição de suspensão de execução da pena de prisão - sob pena, não só de enriquecimento sem causa a favor do Estado, como também de violação do princípio de igualdade das partes (coarguidos) e do princípio do pedido.»
«39. Não pode o Tribunal a quo substituir-se ao ónus de impulso processual do Arguido JVP, pois os restantes Arguidos (incluindo o ora Recorrente) não foram demandados em sede de pedido cível (nem pelo Estado, nem pelo Arguido JVP).»
«40. Nem pode o Estado receber duas vezes a prestação tributária.»
«41. Estava o MP obrigado, antes de ouvir novamente o Recorrente ou, no limite, antes de proferir a Acusação Pública, a comunicar-lhe as novas suspeitas da prática de crime de fraude fiscal e branqueamento de capitais (e já não da burla e o abuso de confiança) e dando-lhe oportunidade de se pronunciar sobre as mesmas.»
«42. Ao não o fazer, foram violados, como se disse, os direitos e garantias do Recorrente - Arguido, o que determina a nulidade do Inquérito, por insuficiência - a qual se argui, desde já, e para todos os efeitos legais, nos termos do disposto no Art. 120º, n.ºs 1, 2, alínea d) e 3, alínea c), CPP).»
«43. O que determina, naturalmente, a nulidade da própria Acusação, impondo-se o arquivamento do processo.»
«44. A não constituição da S, SAD como arguida consubstancia omissão proibida por lei, ne medida em que resulta, incontornavelmente, na insuficiência do Inquérito e sua nulidade (Art. 120º, n.ºs 1, 2, alínea d) e 3, alínea c), CPP) e, consequentemente, na nulidade da Acusação Pública e de todo o Julgamento e respectivos atos.»
«Perdoarão V. Ex.as a extensão da presente Motivação, mas a multiplicidade de questões suscitadas pelo Acórdão recorrido (também ele extenso) a tal obrigou. O esforço de concisão esteve presente, porventura, sem sucesso...»
«Em todo o caso, aqui chegados, atrevemo-nos a afirmar junto de V. Ex.as, com propriedade e de forma demonstrada (também daí a extensão da Motivação oferecida pois, por vezes, o grau de dificuldade da tarefa de demonstrar o que é simples pode ser inversamente proporcional a essa simplicidade), que o julgamento do presente Recurso, na sua questão essencial (responsabilidade criminal do ora Recorrente), se afigura tarefa mais simples do que à primeira vista poderia parecer.»
«São a factualidade provada (efetivamente provada) e o Direito aplicável (corretamente interpretado) que permitem dizê-lo.»
«Tomando essa factualidade e Direito aplicável como ponto de partida, apenas os preconceitos atinentes à pessoa do ora Recorrente se interpõem à sua absolvição.»
«Bastará, pois, afastar os preconceitos que vêm obnubilando o iter cognoscitivo para a Justiça do caso concreto e a coragem para o fazer - coragem essa que, sem esforço, nem cortesia, reconhecemos, à nossa Justiça (apesar do Acórdão recorrido), a esse Tribunal e, naturalmente, a V. Exas -, concedendo que ao ora Recorrente não deve ser imputada a prática de nenhum dos crimes pelos quais foi condenado, absolvendo-o!»
«Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, consequentemente, ser o Arguido, ora Recorrente, absolvido dos crimes pelos quais foi condenado, mais sendo declarada a nulidade do Inquérito, por insuficiência, e da própria Acusação Pública, com todas as legais consequências, para que se faça JUSTIÇA» (Cf. fls. 5062-5069 — volume 17.º)

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1.5. Igualmente desavindos com o assim decidido, em 15OUT2012, em motivação conjunta, recorreram os arguidos:
v LVD, filho de .... e de ...., nascido em 19OUT1957, na freguesia de ..., concelho de ..., casado, advogado, residente na Rua...; e
v RBM, filho de ... e de ..., nascido em..., na freguesia de ..., concelho de Lisboa, casado, gestor, residente na Estrada ....
Rematam a motivação conjunta apresentando as seguintes conclusões (em transcrição):
«1.»
«A. Para os efeitos previstos no n.º 5 do artigo 413.º do CPP, os Recorrentes especificam que mantêm interesse na subida, com o presente Recurso (cf. artigo 407.º, n.º 3, do CPP), do Recurso interposto do despacho de fls. 3657 e ss., na parte em que julgou improcedente a invocação pelos ora Recorrentes da prescrição do procedimento criminal.»
«2.»
«B. «O crime previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT é um crime específico, que apenas pode ser praticado pelas pessoas sobre as quais recaiam as qualidades ou relações especiais exigidas pelo tipo.»
«C. Trata-se de um crime que tem como pressuposto (rectius, que tem como elemento objectivo do tipo) a violação de um dever de natureza fiscal, dever esse que recai, exclusivamente, sobre o sujeito passivo da relação tributária, e que, portanto, só por este pode ser violado.»
«D. No presente caso, este crime só poderia ser praticado, a priori, por JVP, por ser ele o sujeito passivo da relação tributária, i.e., a pessoa sobre a qual recaía a obrigação de não ocultar da Administração Tributária o recebimento de determinados valores, nomeadamente, dos cerca de €4M.»
«E. Neste sentido, veja-se o Parecer de Augusto Silva Dias, junto como Doc. n.º 1: «Vimos que os arguidos LVD e RBM não podem ser qualificados como coautores de fraude fiscal. Sendo este um crime específico não pode ser cometido por quem não é sujeito passivo da relação tributária e não está, portanto, obrigado ao preenchimento da declaração anual de rendimentos para efeitos de IRS (e a outras obrigações fiscais)» (cf. p. 53).»
«F. O artigo 28.º, n.º 1, do CP prevê a comunicabilidade daquelas qualidades ou relações especiais ao extraneus. Contudo, exige também, para efeitos de coautoria, que se verifiquem os requisitos previstos no artigo 26.º do CP, nomeadamente que o coautor tenha, ainda que conjuntamente, o domínio do facto.»
«G. No presente caso, mesmo que se entenda que a qualidade de JVP se pode estender a LVD e RBM, para efeitos de aplicação do crime previsto no artigo 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, ainda assim deve entender-se, mesmo com base nos factos dados por provados no Acórdão recorrido, que LVD e RBM não tomaram participação direta na execução do alegado acontecimento criminoso,»
«H. Antes configurando a sua conduta, no máximo, a prática de atos meramente preparatórios, não puníveis à luz do artigo 21.º do CP,»
«I. Razão pela qual deve concluir-se que o Tribunal a quo fez uma interpretação e aplicação erradas, quer da norma prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT, quer dos artigos 21.º, 26.º e 28.º do CP,»
«J. E razão pela qual não podiam LVD e RBM ter sido condenados pela prática de um crime de fraude fiscal, como foram.»
«K. Também neste sentido, Augusto Silva Dias: «Os arguidos mencionados [LVD e RBM] não tiveram, pois, o domínio funcional do engano ou da ocultação de rendimentos em que a fraude fiscal consistiu, não podendo, em rigor, ser tidos no presente caso como coautores» (cf. Doc. n.º 1, p. 54).»
«L. De resto, qualquer interpretação do artigo 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, no sentido de o ilícito criminal aí previsto poder ser praticado por qualquer pessoa ou entidade, e não apenas pelo sujeito passivo da relação tributária, i.e., pela pessoa ou entidade sobre a qual recai o dever fiscal de não ocultar da Administração Tributária determinados factos ou valores, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação, entre o mais, do princípio da legalidade, vertido nos artigos 2.º e 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.»
«3.»
«M. O Acórdão recorrido padece de 3 (três) vícios, a saber:
«N. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e falta de fundamentação, por não conter os factos necessários, bem como as razões de Direito, ao apuramento da existência de uma violação do dever fiscal que integra o crime de fraude fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT
«O. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por não conter os factos necessários ao apuramento do dolo – seja do dolo do tipo, seja do dolo específico, consoante o entendimento adotado nesta matéria – relativamente às condutas de LVD e RBM;»
«P. Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e falta de fundamentação, por o Tribunal a quo ter entendido que o crime previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT configura um crime comum, mas, na fundamentação do seu entendimento, ter afirmado que é um crime que pode ser praticado por qualquer pessoa, «desde que em co-autoria com o contribuinte»,
«Q. E também por LVD e RBM terem sido condenados na qualidade de coautores, sem que fossem analisados os requisitos exigidos pelo artigo 28.º, n.º 1, do CP – este preceito não é sequer mencionado no Acórdão recorrido.»
«R. Os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada reconduzem-se à configuração do fundamento de recurso previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, tal como interpretada pelos nossos Tribunais superiores,»
«S. Os quais tendem a fazer corresponder ao vício de omissão de pronúncia, previsto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, enquanto causa de nulidade da decisão, o fundamento de recurso que se encontra vertido no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código.»
«T. Por sua vez, os vícios de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e, também, de falta de fundamentação, além de poderem acarretar as consequências previstas no artigo 426.º, n.º 1, do CPP, redundam ainda na nulidade do Acórdão (sobretudo o vício de falta de fundamentação), à luz do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
«U. Qualquer interpretação dos artigos 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, e 14.º do CP, no sentido de se entender que age com dolo do tipo ou com dolo específico do crime de fraude fiscal quem atua de forma a permitir que outrem se furte ao cumprimento dos seus deveres fiscais, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação, designadamente, do princípio da legalidade, vertido nos artigos 2.º e 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.»
«V. De um outro prisma, jurídico-processual, qualquer interpretação dos artigos 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, do artigo 14.º do CP e dos artigos 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea a), e 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, no sentido de não ser nulo, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma sentença ou um acórdão que considere suficiente para o preenchimento do dolo específico ou do dolo do tipo do crime de fraude fiscal dar por provado o facto de alguém permitir que outrem se furte ao cumprimento dos seus deveres fiscais, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, vertido nos artigos 2.º e 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.»
«4.»
«W. Os ora Recorrentes impugnam, por serem falsos e por não terem resultado provados, os factos constantes dos pontos 2.1.23., 2.1.33. (na parte em que se refere «que os pagamentos relativos ao prémio de assinatura seriam pagos, não ao jogador, mas sim à sociedade de direito inglês G»), 2.1.34., 2.1.35, 2.1.36., 2.1.109. e 2.1.115. do Acórdão recorrido, os quais devem ser dados por não provados.
«X. E, pelas mesmas razões e fundamentos, e por representarem a versão contrária dos factos provados acima impugnados, os factos não provados constantes dos pontos 2.2.14., 2.2.17., 2.2.18., 2.2.19., 2.2.20. e 2.2.21. do Acórdão recorrido devem ser dados por provados.»
«Y. Os elementos de prova nos quais se funda este pedido de alteração da matéria de facto são os seguintes:
(i) Declarações de LVD e RBM, às quais deverá ser conferida credibilidade, pelas razões supra expostas e por serem corroboradas pelos demais elementos probatórios constantes dos autos, designadamente pelos documentos infra identificados;
(ii) Declarações de JVP e AJV, às quais não deve ser conferida credibilidade, pelas razões supra expostas e por não serem corroboradas pelos demais elementos probatórios constantes dos autos;
(iii) Depoimentos das testemunhas MRT, RCC, FSF, JC e CBR, em especial nos excertos supra identificados; e, por fim,»
(iv) Documentos de fls. 6, 41, 54, 699, 719, 720, 821 e 1803 e ss. dos autos.»
«Z. Esta alteração dos factos provados e não provados resultará, necessariamente, na revogação do Acórdão recorrido e na sua substituição por outro que absolva LVD e RBM, in totum, dos factos pelos quais vêm condenados.»
«5.»
«AA. A circunstância agravante prevista no n.º 2 do artigo 104.º do RGIT não se mostra preenchida, por duas ordens de razão: «Por um lado, a fatura não é recebida nem utilizada fiscalmente pelo sujeito passivo, incluindo-a nas suas contas de imposto. Ela apenas é obtida e utilizada contabilisticamente pela S SAD como comprovativo das transferências bancárias efetuadas para as contas da G dos montantes contratualmente devidos a JVP. Por outro lado, a conduta típica realizada é, segundo o douto Acórdão, a ocultação de valores não declarados e que devam ser revelados à Administração Tributária prevista na al.b) do art.103º do RGIT (v.g., p.65) e nesse âmbito o emprego da fatura revela-se totalmente inútil» (cfr. Doc. n.º 1, com destaque nosso).
«BB. Assim, o Tribunal a quo fez uma interpretação e aplicação erradas da norma prevista no n.º 2 do artigo 104.º do RGIT, não sendo a mesma aplicável ao caso dos presentes autos no que diz respeito às condutas de LVD e RBM.»
«6.»
«CC. LVD e RBM não são sujeitos passivos da relação tributária aqui em causa.»
«DD. Neste sentido, LVD e RBM nada devem à Administração Fiscal.»
«EE. E mesmo na versão dos factos apresentada por JVP, no sentido de ser o S o responsável pelo pagamento do imposto, certo é que LVD e RBM não são o S, e também que o S (já) não figura entre os sujeitos processuais dos presentes autos.»
«FF. Assim, LVD e RBM em nada beneficiaram com a não declaração de rendimento e falta de pagamento do IRS devido (apenas) por JVP.»
«GG. Tudo visto, resulta evidente que os pressupostos de que depende a determinação de condições obrigatórias de suspensão da execução da pena de prisão consagrada no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, não se verificam nos casos de LVD e RBM.»
«HH. Neste sentido, Augusto Silva Dias afirma o seguinte no Parecer junto como Doc. n.º 1: «Não se enxerga como pode a suspensão da execução da pena dos arguidos LVD e RBM, sob condição de pagamento das quantias em causa, ter suporte legal no art.14º do RGIT, uma vez que os arguidos não eram sujeitos passivos do IRS em falta e por isso não haviam contraído para com o Erário Público qualquer dívida tributária. Além do mais, a finalidade de prevenção especial ressocializadora subjacente à suspensão de execução da pena e à condição de pagamento da prestação tributária em dívida, assim como a natureza pessoal desta medida, opõem-se terminantemente a que ela seja cumprida por terceiros» (cf. pp. 49 e 50.).
«II. A esta luz, sendo aplicada a LVD e RBM pena de suspensão de execução de prisão, a eventual imposição de deveres e/ou regras de conduta só poderia ter lugar ao abrigo dos artigos 49.º e 50.º do CP ― nunca, portanto, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT
«JJ. Qualquer interpretação do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, no sentido de a suspensão da execução de uma pena de prisão, aplicada a uma pessoa que não seja o sujeito passivo da relação tributária, poder ser condicionada ao pagamento da prestação tributária, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação, designadamente, dos princípios da legalidade e da pessoalidade, vertidos nos artigos 2.º, 29.º, n.º 1, e 30.º, n.º 3, da Constituição (vide, neste sentido, o Parecer junto como Doc. n.º 1, p. 56).
«KK. Os pagamentos impostos a LVD e RBM destinam-se, a final, a satisfazer a pretensão indemnizatória do Estado, rectius, o direito de regresso de JVP decorrente do pagamento integral dessa pretensão indemnizatória.»
«LL. Esta solução adotada pelo Tribunal a quo, além de não poder ser fundada no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, é ainda juridicamente inadmissível por outras quatro razões essenciais, três de natureza processual, outra de caráter substantivo:
«MM. Do ponto de vista processual, a corresponsabilização de LVD e RBM pelo pagamento da indemnização civil a que o Arguido JVP foi condenado é inadmissível, pela simples razão de nem um nem outro terem sido civilmente demandados nos presentes autos;
«NN. Por outro lado, mas ainda no plano processual, acresce que, caso LVD e RBM fossem efetivamente potenciais “responsáveis civis” e processualmente constituídos enquanto tal, podendo, assim, ser (legitimamente) condenados ao pagamento de uma indemnização civil, então deveria ter-lhes sido concedida a possibilidade de exercer o contraditório relativamente ao pedido formulado pelo Ministério Público,»
«OO. Sendo que qualquer interpretação dos artigos 73.º, 74.º, 78.º e 84.º do CPP no sentido de que alguém, mesmo assumindo a qualidade de arguido, possa ser condenado no pedido de indemnização civil sem lhe ter sido concedida a oportunidade de apresentar contestação quanto a essa matéria, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação direta dos princípios da proibição da indefesa, acesso aos tribunais e igualdade de armas, consagrados no artigo 20.º da Constituição e artigo 6.º, § 1º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, inconstitucionalidade que se deixa também desde já invocada.»
«PP. Acresce que, com esta solução, e ainda no plano processual, o Tribunal a quo violou o princípio do pedido (cf. artigos 3.º, 262.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e artigo 77.º do CPP), que atribui exclusivamente às partes ― in casu, ao Demandante (o Ministério Público) ― a delimitação dos termos e sujeitos do litígio através da causa de pedir e do pedido,»
«QQ. E que determina que é sobre as partes (e apenas sobre elas) que recai o impulso processual inicial, impedindo-se o Tribunal de, oficiosamente, dirimir litígios cuja resolução não lhe tenha sido solicitada pelo(s) interessado(s).»
«RR. Neste sentido, pronunciando-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento e tomando decisões não fundadas nos factos e nas pretensões formuladas pelo Demandante (aqui, o Ministério Público), o Acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, nulidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais.»
«SS. O Acórdão recorrido não contém os factos provados necessários ao apuramento das “culpas” dos vários “condenados civis” e as consequências decorrentes do comportamento de cada um deles, pelo que o Acórdão recorrido enferma, também nesta parte, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o qual corresponde, como vimos já, à configuração do fundamento de recurso previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, e constitui causa de nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.»
«TT. Por fim, e agora no plano substantivo, a decisão do Tribunal a quo a propósito do dever a que ficou condicionada a suspensão da execução da pena aplicada a LVD e RBM é também inaceitável por se traduzir, para além do mais, numa grave violação das finalidades da punição criminal, previstas no artigo 40.º do CP.»
«7.»
«UU. As penas de prisão de 2 (dois) anos em que o Tribunal a quo condenou os Recorrentes LVD e RBM são desproporcionadas e excessivas.»
«VV. O Tribunal a quo não considerou as circunstâncias elencadas nos artigos 71.º, n.º 2, e 72.º, n.º 2, do CP e, nomeadamente, desconsiderou que passaram já mais de 10 (dez) anos sobre a data do crime, o que prejudica as possibilidades de defesa dos Recorrentes, e o que, por si só, atenua a necessidade de punir, para além de que, por não terem os agentes incorrido novamente na prática de qualquer ilícito, são diminutas (ou inexistentes) as exigências de prevenção especial.
«WW. O facto de LVD e RBM não terem tornado a ser indiciados pela prática de qualquer ilícito criminal traduz uma circunstância modificativa atenuante cuja consequência é, nos termos do artigo 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CP, o desagravamento da moldura penal abstrata para um limite mínimo de 1 (um) mês e um limite máximo de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses (e isto pressupondo que se aplica o n.º 2 do artigo 114.º do RGIT, o que apenas a benefício de raciocínio se concede, sendo que, caso não se considere aplicável o referido preceito legal, o limite máximo da pena é de 2 (dois) anos).»
«XX. Face à manifesta diminuição das exigências de prevenção quanto aos ora Recorrentes, a atenuação especial da pena consubstancia um poder-dever do julgador, a que este se encontra vinculado na determinação das consequências jurídicas do crime.»
«YY. Ao que acresce a circunstância geral, também atenuante, da (ausência) de consciência da ilicitude dos agentes que praticassem, à data dos factos, o crime de fraude fiscal, pelo que se diminuta era a consciência da ilicitude, diminuta seria necessariamente a intensidade do dolo, sob pena de contradição manifesta – contradição essa em que incorreu o Tribunal a quo ao afirmar que os ora Recorrentes “têm a seu desfavor a intensidade do dolo”.»
«ZZ. O Tribunal a quo socorreu-se – e não podia – de uma circunstância inominada – o facto de os aqui Recorrentes não terem confessado os factos que lhes são imputados e de não se terem revelado arrependidos – para agravar a medida da pena, o que viola os mais elementares direitos dos arguidos, desde logo, o direito ao silêncio consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, e no artigo 6.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.»
«AAA. Qualquer interpretação do artigo 71.º do CP no sentido de que, no âmbito da determinação da medida da pena, é admissível ao Tribunal valorar, contra o arguido, o facto de este não ter confessado os factos ou mostrado arrependimento, redunda em norma materialmente inconstitucional por violação direta das garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição e, bem assim, no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, e no artigo 6.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o que desde já se invoca, com todas as consequências legais.»
«BBB. LVD e RBM sempre pautaram a sua vida pela fidelidade ao Direito, para efeitos do que dispõe o artigo 71.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.»
«CCC. O contributo material que os ora Recorrentes terão prestado com vista à prática do crime, na economia do Acórdão, é incomparável ao contributo de JVP e AJV, circunscrevendo-se a sua atuação a um pagamento a uma sociedade estrangeira, razão pela qual se tem de concluir que a participação de LVD e RBM revestiu menor culpa que a dos restantes Arguidos. Nos termos do artigo 29.º do CP, cada comparticipante é punido segundo a sua culpa.»
«DDD. Em conclusão, face às circunstâncias gerais e específicas atenuantes existentes e face à inexistência de quaisquer circunstâncias agravantes, a pena aplicada aos aqui Recorrentes foi injusta e desproporcionada.»
«Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente Recurso ser julgado procedente, e, em consequência:
«A) Deve ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido, nos termos e pelos fundamentos supra expostos;»
«B) Em qualquer caso, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que absolva LVD e RBM, in totum, dos crimes pelos quais vêm condenados;»
«C) Caso assim não se entenda, deve o Acórdão recorrido ser revogado na parte em que condenou LVD e RBM pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, alínea b), e 104.º, n.º 2, do RGIT, e ser substituído por outro que condene os mesmos pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT
«D) Caso não sejam julgados procedentes os pedidos referidos em A) e B), e independentemente do pedido referido em C), deve o Acórdão recorrido ser revogado na parte relativa à determinação das penas aplicadas e ser substituído por outro (i) que diminua consideravelmente as penas aplicadas, tendo também em conta os limites impostos pela aplicação do disposto nos artigos 72.º, n.º 2, alínea d), e 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), e (ii) que não condicione a suspensão da execução da pena de prisão – caso seja esta a pena aplicada – ao pagamento de qualquer montante, designadamente a uma parte do montante devido a título de prestação tributária.» (cf. fls. 5073-5254 — Conclusões a fls. 5240- 5273 — volume 18.º)

***
1.5.1. Juntaram os aludidos arguidos/recorrentes LVD e RBM, como documento n.º 1 um Parecer Subscrito pelo Senhor Professor Doutor Augusto Silva Dias, Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, o qual se mostra incorporado nos autos a fls. 5257 (1) a 5313 (57) (volume 18.º), onde apresenta as suas doutas conclusões plasmadas a fls. 5308 (52) a 5313 (57), aqui dadas por integralmente reproduzidas, as quais, no essencial, espelham o entendimento de que:
«(…) [O] procedimento criminal, no que respeita aos arguidos LVD e RBM, prescreveu no dia 14MAR2008.»
«Mas mesmo que não se considere o RJIFNA como lei da acção e se afaste, por isso, a sua aplicação ao caso presente, o resultado prático será idêntico no âmbito do RGIT se se entender, como julgamos, que não se verifica a circunstância qualificante do nº 2 do art. 204º do RGIT e que o prazo de prescrição é o decorrente da fraude fiscal simples: 5 anos.»
«2. Vimos que os arguidos LVD e RBM não podem ser qualificados como coautores de fraude fiscal. Sendo este um crime específico não pode ser cometido por quem não é sujeito passivo da relação jurídica tributária e não está, portanto, obrigado ao preenchimento da declaração anual de rendimentos para efeitos de IRS (e a outras obrigações fiscais). O desenho das condutas típicas das als. a) e b) do nº 1 do art. 103º do RGIT obriga a considerar a qualidade de sujeito passivo como elemento não escrito do tipo de fraude fiscal, aspecto que o emprego do termo "quem" não consegue elidir. Nenhum daqueles arguidos possui essa qualidade típica por isso que nenhum deles deve ser tido como autor.»
«(…) Os arguidos mencionados [LVD e RBM] não tiveram, pois, o domínio funcional do engano ou da ocultação de rendimentos em que a fraude fiscal consistiu, não podendo, em rigor, ser tidos no caso presente como coautores.»
«(…) Inclinamo-nos pois para a qualificar como uma "acção neutra do quotidiano", que está fora da alçada do Direito Penal.»
«(…) [A] fatura não se refere a operação inexistente porque as transferências bancárias que ela documenta existiram efetivamente e porque o depositário e o beneficiário das transferências estão nela declarados.
«(…) a fatura não foi utilizada para levar a cabo a fraude fiscal, isto é, não se verifica a conexão causal que o n°2 exige. O sujeito passivo vinculado à obrigação de declarar os rendimentos em questão não a usou como suporte das suas contas de imposto. Seria aliás estranho que o fizesse porque, consistindo a conduta típica na ocultação de rendimentos ao Fisco, as faturas falsas nenhuma utilidade têm para esse efeito.»
«(…) [A] condenação de LVD e RBM no pagamento ao coarguido JVP de uma quantia correspondente a um terço do valor da indemnização ao Estado que este foi condenado a pagar (…) indemnização equivale ao montante de IRS devido por JVP pelo prémio de assinatura recebido e não declarado ao Fisco. A solução encontrada é, quanto a nós, ilegal e inconstitucional.
«Ilegal, porque ela não é coberta pelo art. 14º nº 1 do RGIT (…) e inconstitucional, porque a solução adotada fere não só o princípio da legalidade pelas razões antes aduzidas, mas também o princípio da pessoalidade das penas. (…)»

***
1.6. O arguido JVP, em 05NOV2012 respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, concluindo no sentido de ser «(…) [I]nfundada a pretensão do recorrente, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente, com os legais efeitos» (cf. fls. 5323-5333 vol. 18).

***
1.7. Em 20NOV2012, o Ministério Público em 1.ª Instância, respondeu a todos os recursos interpostos pelos aludidos arguidos, rematando a sua resposta do seguinte modo: «(…) Em conclusão, negando provimento ao recurso interposto pelos arguidos e dando provimento ao recuso interposto pelo Ministério Público V.Exlªs farão a esperada JUSTIÇA!» (cf. fls. 5334 – 5378 vol. 18.º).

***
1.8. Neste Tribunal, em 09JAN2013 foi apresentado pelo arguido/recorrente AJV, o Parecer subscrito pelo Senhor Professor Doutor Manuel da Costa Andrade Catedrático da Faculdade Coimbra, que se mostra junto a fls. 5395-5446 (19.º Volume) onde apresenta as suas doutas conclusões plasmadas a fls. 5442 (48) a 5446 (52), aqui dadas por integralmente reproduzidas, que no seu “núcleo duro” espelham o entendimento de que «Os factos dados como provados e imputados ao arguido AJV não permitem a sua condenação, a nenhum título, pelo crime de Fraude Fiscal Qualificada (artigos 103.°, n." 1, alínea b), e 104.° do RGIT), menos ainda pelo crime de Branqueamento (artigo 368.º-A do CP). » [cf. fls. 5442 (fls. 48) ponto 19. Alínea a)].

***
1.9. Neste Tribunal o Senhor Procurador-Geral Adjunto (P.G.R.) emitiu o seu Parecer, concluindo do seguinte modo:
«(…) Da procedência do recurso do Ministério Público (fls. 4801);
«Da improcedência do recurso do arguido JVP (fls. 4812);»
«Quanto aos recursos dos arguidos AJV (fls. 4888) e LVD e RBM (fls. 5073):»
«Da improcedência quanto às questões relacionadas com a condenação pelo crime de fraude fiscal qualificado da previsão dos artigos 103.º, n.º 1, al. b), e 104.º, n.º 2, do RGIT
«Da procedência do recurso do arguido AJV quanto ao crime de branqueamento;»
«Da improcedência do recurso intercalar (fls. 3772) da decisão de fls. 3658 ss relativa à prescrição do procedimento criminal.» (cf. fls. 5448-5667 – volume 19.º)

***
1.10. Os arguidos LVD e RBM vieram responder especificadamente à tese argumentativa sustentada no Parecer do Senhor P.G.R., rejeitando-a em toda a linha, porquanto a seu ver, está isolada, e não se mostra ancorada na jurisprudência e na doutrina nacionais, mais representativas; e por fim, reiteram estes recorrentes os demais fundamentos do seu recurso.

***
1.5. Colhidos os vistos legais, procedeu-se à conferência neste Tribunal, a qual veio a decorrer com observância do legal formalismo, cumprindo decidir.

***

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DA QUESTÃO DE FACTO
Comecemos por nos deter sobre os factos provados e não provados e respetiva motivação que constam da decisão impugnada.
*
FACTOS PROVADOS (EM TRANSCRIÇÃO)
«I»
«2.1.1. O arguido LVD, então Presidente do Conselho de Administração da S - Sociedade Desportiva de Futebol, S.A.D. [adiante S], com sede no Estádio J, em Lisboa (atualmente S - Futebol, S.A.D.) propôs, no Verão do ano de 2000, ao arguido JVP, jogador de futebol profissional, através do arguido AJV, a celebração de um contrato tendo por objeto a prestação de trabalho desportivo como jogador de futebol.»
«2.1.2. Ao arguido LVD haviam sido conferidos, em 30.6.00, pelo Conselho de Administração do S, no âmbito da preparação da época desportiva seguinte, poderes para decidir sobre todas as contratações de jogadores e demais movimentos ao nível do plantel da equipa principal de futebol, devendo observar predominantemente a filosofia de recrutar jogadores em fim de contrato e sempre que possível sem dispêndio de verbas compensatórias.»
«2.1.3. O arguido JVP havia cessado, por mútuo acordo, o contrato de trabalho desportivo que mantivera com a SB, S.A.D., na época desportiva anterior.»
«II»
«2.1.4. Provado apenas que as negociações dos termos contratuais foram levadas a cabo, em nome do arguido JVP, pelo arguido AJV, empresário desportivo registado como tal na Federação Portuguesa de Futebol e na F.I.F.A.,»
«2.1.5. nos termos de acordo já estabelecido, após a rescisão contratual de JVP com a SB, S.A.D., entre ambos os arguidos, e segundo o qual o empresário ajudaria o jogador a encontrar um clube de futebol onde pudesse vir a prestar trabalho,»
«2.1.6. e, em nome do S, pelo arguido LVD.»
«III»
«2.1.7. No decurso dessas negociações, os arguidos acordaram na contratação do jogador pelo S pelo período de quatro épocas desportivas, designadamente as que decorreriam nos anos de 2000 a 2004.»
«2.1.8. O arguido JVP indicou ao arguido AJV que pretendia auferir a quantia de 1.000.000.000$00 (4.987.978,97€) a título de salário pela prestação de trabalho desportivo nessas quatro épocas, acrescido ainda do valor devido a título de imposto sobre o rendimento.»
«2.1.9. Mais indicou ao arguido AJV que, para além daquela quantia a auferir a título de salário, pretendia receber a quantia de 800.000.000$00 (3.990.383,18€), como prémio de assinatura do contrato.»
«2.1.10. O arguido AJV transmitiu estas condições ao arguido LVD, que aceitou, quer o pagamento da quantia a título de salário, quer o pagamento da quantia a título de prémio de assinatura, este último parcelado, no entanto, em três anos: 2000, 2001 e 2002.»
«2.1.11. Em 2.7.2000, foi celebrado entre o arguido JVP e o S, representado pelo arguido LVD e pelo Administrador MRT, o contrato de trabalho desportivo, mediante o qual o arguido se obrigou a prestar com regularidade a atividade de futebolista, em representação e sob autoridade do S, com início naquela data e termo no final da época de 2004.»
«2.1.12. Pela prestação de trabalho, o S obrigou-se a pagar ao arguido, durante a vigência do contrato, a remuneração mensal ilíquida de 22.377.000$00 (111.616,01€), e ainda, no início das suas férias e na época de Natal, um subsídio equivalente à sua remuneração base.»
«2.1.13. Assim, o arguido receberia anualmente a quantia de 22.377.000$00 x 14, ou seja, 313.278.000$00 (1.562.624, 08€)»
«2.1.14. e, pelos quatro anos de contrato, 313.278.000$00 x 4, ou seja, 1.253.112.000$00 (6.250.496,30€).»
«2.1.15. Estabeleceu-se ainda que o S poderia pagar ao jogador prémios de jogo ou de classificação.»
«2.1.16. Mediante o contrato, o arguido autorizou o S a explorar comercialmente os seus direitos de imagem, som e voz durante a vigência do contrato.»
«2.1.17. O contrato estipulava ainda que o jogador poderia rescindir unilateralmente o contrato nos períodos compreendidos entre os dias 30 de maio e 15 de Junho de cada época desportiva, devendo para tanto comunicar essa intenção com quinze dias de antecedência e efetuar, com a comunicação, um pagamento ao S no valor de 2.000.000.000$00 (9.975.957,94€).»
«2.1.18. Mais estipulava que, em caso de rescisão unilateral por parte do jogador, fora dos termos contratuais, implicava o pagamento ao S da quantia de 2.000.000.000$00, correspondente ao valor pecuniário dos direitos desportivos que o S passava a deter sobre o jogador por via do contrato (para além do pagamento de indemnização no montante correspondente às remunerações vincendas à data da rescisão).»
«2.1.19. Os serviços jurídicos do S, a mando do arguido LVD, haviam elaborado ainda um Aditamento ao contrato de trabalho desportivo, no qual se consagrava o pagamento do prémio de assinatura no valor de 800.000.000$00 reclamado pelo jogador, a pagar da seguinte forma, de acordo com o aditamento:
«- pagamento de 400.000.000$00 (1.995. 191,59€) na data de 15.7.00,
«- pagamento de 200.000.000$00 (997. 595,79€) na data de 30.1.01,
«- pagamento de 200.000.000$00 na data de 30.1.02.
«2.1.20. Mais se estipulava nesse aditamento que os pagamentos seriam efetuados por transferência bancária para conta a indicar pelo jogador.»
«IV»
«2.1.21. Tal aditamento foi assinado pelo arguido LVD e por MRT e entregue ao arguido JVP.»
«11»
«2.1.22. Provado apenas que o arguido JVP, no momento da celebração do contrato de trabalho acima referido, não assinou o referido Aditamento.»
«2.1.23. Provado apenas que em circunstâncias e momento não concretamente apurado, pelo menos os arguidos AJV e LVD acordaram que formalizariam por outro meio a estipulação do prémio de assinatura e o seu pagamento em três prestações anuais, de 2000 a 2002.»
«2.1.24. Pelo que as partes procederam apenas à formalização do contrato de trabalho desportivo na data de 2.7.2000, mediante a assinatura do mesmo.»
«2.1.25. O contrato de trabalho desportivo foi registado na Federação Portuguesa de Futebol.»
«2.1.26. Provado apenas que o arguido AJV propôs ao arguido JVP que o pagamento do prémio de assinatura fosse efectuado à GCL [adiante G], sociedade sediada na RSH, em Londres, em Inglaterra, registada em Inglaterra e País de Gales com o número ...., submetida às leis e à jurisdição do Reino Unido,»
«2.1.27. Proposta que o arguido JVP acolheu.»
«2.1.28. O arguido AJV encontrava-se relacionado com a G, muito embora não fosse membro dos seus órgãos sociais ou sócio,»
«2.1.29. sociedade esta que era titular de contas no .... Bank, em Inglaterra, e no ... Banque Internationale, no Luxemburgo,»
«2.1.30. contas bancárias de onde se procederia posteriormente à transferência da quantia relativa ao pagamento do prémio de assinatura, para o arguido JVP, por acção do arguido AJV,»
«2.1.31. assim se atingindo o objectivo de que JVP não figurasse como credor das quantias devidas a título de prémio de assinatura, permitindo omitir à Administração Tributária o recebimento de tal rendimento.»
«2.1.32. O arguido AJV propôs ainda ao arguido JVP que abrisse uma conta em seu nome no ... Banque Internationale, no Luxemburgo, a fim de aí receber quantias relativas ao dito prémio, o que este veio a fazer.»
«2.1.33. Provado apenas que o arguido AJV combinou com o arguido LVD que os pagamentos relativos ao prémio de assinatura seriam pagos, não ao jogador, mas sim à sociedade de direito inglês G, através de contas bancárias desta sediadas em Inglaterra e no Luxemburgo, nas três prestações anuais já acordadas,»
«2.1.34. o que foi feito com o conhecimento e aprovação do arguido RBM, Diretor Financeiro do S.»
«2.1.35. Apesar de estarem cientes de que o prémio de assinatura era devido ao arguido JVP, os arguidos LVD e RBM disponibilizaram-se para proceder ao seu pagamento à G,»
«2.1.36. permitindo que o arguido JVP se desonerasse do pagamento devido em sede de Imposto sobre o Rendimento Singular, relativo às quantias a receber em 2000, 2001 e 2002.»
«V»
«2.1.37. No dia 11.8.00, o arguido LVD e JFL, também Administrador da S, SAD, com o conhecimento e aprovação do arguido RBM, emitiram o cheque n.º ...., sacado sobre a conta n.º .... do Banco Internacional de ...., titulada pelo S, no valor de 400.000.000$00 (1.995.191,59€), à ordem da G,»
«2.1.38. tendo o Administrador JFL atuado a pedido do arguido LVD, sem conhecimento dos factos, e por serem necessárias duas assinaturas para regular emissão do cheque.»
«2.1.39. O cheque foi creditado em 14.9.00, na conta n.º 51501656168, titulada pela G, no .... Banque Internationale, sito na ..., no Luxemburgo.»
«2.1.40. No dia 21.9.00, por ordem do arguido RBM emitida em 18.9.00, com as assinaturas do arguido LVD e do Administrador CHC, o Banco Internacional de ... transferiu da conta n.º ...., para a conta n.º ...., titulada pela G, na agência do ... Bank, sita em ...., em Leicester, em Inglaterra, a quantia de 20.000.000$00 (99.759,58€),»
«2.1.41. tendo o administrador CHC atuado a pedido dos arguidos LVD e RBM, sem conhecimento dos factos, e por serem necessárias duas assinaturas para formalização da ordem.»
«2.1.42. Em 17.4.01, quando houve que dar pagamento à 2ª prestação, nos termos acordados, o arguido AJV remeteu ao S uma fatura emitida pela G, datada de 5.8.00, com o n.º AU200835, para pagamento da quantia de 4.190.000,00€, expressamente invocando a transferência do jogador JVP.»
«2.1.43. De acordo com a fatura, o pagamento deveria ser realizado pelo S através de transferência bancária para a conta n.º ..., titulada pela G, na agência do ... Bank, sita em ...., em Leicester, em Inglaterra.»
«2.1.44. Com a referida fatura o arguido AJV procurou estabelecer, documentalmente, os termos de pagamento da quantia já acordada, a título de pagamento do prémio de assinatura.»
«2.1.45. Aquela fatura referenciava pois os seguintes termos de pagamento:
«- pagamento de 2.095.000,00€, contra a emissão da fatura em causa»
«- pagamento de 1.047.500,00€, na data de 31.1.01»
«- pagamento de 1.047.500,00€, na data de 31.1.02.»
«2.1.46. A fatura foi recebida pelo arguido RBM, em 17.4.01.»
«2.1.47. O arguido RBM registou a fatura na contabilidade do S.»
«VI»
«2.1.48. Posteriormente, o arguido AJV ainda remeteu ao S uma minuta de um contrato a celebrar entre a G e o S, mediante o qual este se comprometia a pagar à G a quantia de 4.190.000,00€, pela prestação de serviços de consultoria, no âmbito da contratação de jogadores de futebol, serviços a realizar pelo arguido AJV, quantia que seria paga através de transferência bancária para a conta n.º 78281544, titulada pela G na agência do ... Bank, sita em .... em Leicester, em Inglaterra.»
«2.1.49. Pretendia o arguido AJV que tal contrato servisse de formalização da obrigação de pagamento do prémio de assinatura, devido ao jogador JVP.»
«2.1.50. Uma vez que a minuta nada tinha que ver com o negócio realizado, o arguido RBM recusou aceitá-la.»
«2.1.51. No entanto, em ordem ao cumprimento do já acordado entre os arguidos JVP, AJV, LVD e RBM, quanto ao pagamento do prémio de assinatura,»
«2.1.52. no dia 19.4.01, por ordem do arguido RBM e de MRT, emitida em 10.4.01, o BCP transferiu da conta n.º...., titulada pelo S, para a conta da G indicada na factura n.º AU200835, a quantia de 1.047.500,00€, correspondente à 2ª prestação,»
«2.1.53. tendo o Administrador MRT atuado a pedido do arguido RBM e sem conhecimento dos factos, por serem necessárias duas assinaturas para formalização da ordem;»
«2.1.54. no dia 22.2.02, por ordem de RBM e de outro Administrador, emitida em 20.2.02 , o BCP transferiu da conta n.º 213333362, para a conta da G indicada na factura n.º AU200835, a quantia de 250.000,00€, correspondente a parte da 3ª prestação.»
«2.1.55. Como esta última transferência não respeitasse integralmente o acordado, o arguido JVP ficou credor do S no valor de 800.000,00€.»
«2.1.56. No dia 22.9.00, a quantia de 1.995.142,02€ foi movimentada da conta n.º 51501656168, titulada pela G, no .... Banque Internationale, sito no Luxemburgo, mediante operação de caixa.»
«2.1.57. No dia 26.9.00, foi transferida da conta n.º 78281544, titulada pela G no ... Bank em Inglaterra, a quantia de 99.000,00€, para a conta n.º .... titulada pela T ... Limited [adiante T], no ... Banque Internationale, no Luxemburgo;»
«2.1.58. no dia 29.9.00, a quantia de 98.960,00 € foi movimentada da conta n.º ....titulada pela T, no ... Banque Internationale, no Luxemburgo, mediante operação de caixa, que englobou outros valores ali depositados.»
«2.1.59. No dia 27.4.01, foi transferida da conta n.º ...., titulada pela G no .... Bank em Inglaterra, a quantia de 942.750,00€, para a conta n.º ..... titulada pela T, no .... Internationale, no Luxemburgo;»
«2.1.60. no dia 4.5.01, a quantia de 942.710,00€ foi movimentada da conta n.º.... titulada pela T, no ... Banque Internationale, no Luxemburgo, mediante operação de caixa;»
«2.1.61. no dia 10.5.01, foi creditada na conta n.º ...., titulada por JVP no ... Banque Internationale, no Luxemburgo, aberta em 21.9.00, a quantia de 997.595,79€, proveniente da conta n.º ..., titulada pela SCC Inc. na mesma instituição bancária.»
«2.1.62. No dia 6.3.02, foi transferida da conta n.º ...., titulada pela G no .... Bank em Inglaterra, a quantia de 225.000,00€, para a conta n.º ..... titulada pela T, no ...anque Internationale, no Luxemburgo;»
«2.1.63. no dia 11.3.02, a quantia de 224.950,00€ foi movimentada da conta n.º01288217383 titulada pela T, no ... Banque Internationale, no Luxemburgo, mediante operação de caixa;»
«2.1.64. no mesmo dia 11.3.02, foi creditada na conta n.º ...., titulada por JVP no ...a Banque Internationale, no Luxemburgo, a quantia de 224.950,00.»
«2.1.65. Provado apenas que, à data das transferências acima enunciadas, o arguido AJV se encontrava relacionado com a empresa G e tinha poderes de representação e o domínio da atividade da SSC Inc.,»
«2.1.66. sendo beneficiário económico da conta bancária da SSC acima mencionada.»
«2.1.67. O arguido JVP recebeu, das mãos do arguido AJV ou de alguém a mando deste, a quantia movimentada da conta da G no ... Banque Internationale, no valor de 1.995.142,02€, em momento próximo da sua movimentação.»
«2.1.68. Bem como recebeu, das mãos do arguido AJV ou de alguém a mando deste, a quantia movimentada da conta da T no ... Banque Internationale no valor de 98.960€, em momento próximo da sua movimentação.»
«2.1.69. Assim como recebeu na conta bancária que titulava no ... Banque Internationale a quantia de 997.595,79€, proveniente da conta da T, através da conta da SSC Inc.,»
«2.1.70. e a quantia de 224.950,00€, proveniente da conta da T.»
«VII»
«2.1.71. O arguido entregou a sua declaração de rendimentos em sede de IRS, relativa ao ano de 2000, em 17.10.02,»
«2.1.72. a relativa ao ano de 2001 em 15.3.02,»
«2.1.73. e a relativa ao ano de 2002 em 14.3.03,»
«2.1.74. não tendo declarado, como devia, as quantias recebidas a título de prémio de assinatura do contrato de trabalho desportivo:»
«2.1.75. 1.995.191,59€ e 99.759,58€, no ano de 2000,»
«2.1.76. 1.047.500,00€, no ano de 2001,»
«2.1.77. 250.000,00€, no ano de 2002.»
«2.1.78. Assim impedindo o Estado de liquidar e de arrecadar, por referência às declarações por si apresentadas naqueles anos:
«2.1.79. a quantia de 418.990,23€, relativa ao IRS de 2000»
«2.1.80. a quantia de 209.500,00€, relativa ao IRS de 2001,»
«2.1.81. a quantia de 50.000,00€, relativa ao IRS de 2002.»
«VIII»
«2.1.82. No dia 27.6.05, o arguido JVP reclamou junto do S o pagamento da quantia ainda em dívida relativa ao prémio de assinatura, para tal apresentando o “Aditamento” ao contrato de trabalho desportivo, assinado pelo arguido LVD e por MRT, que estava na sua posse.»
«2.1.83. O S pagara quantias referentes ao prémio de assinatura à G e deparava-se agora com um contrato realizado com o arguido JVP, mediante o qual se obrigara a pagar-lhe a quantia de 800.000.000$00.»
«2.1.84. Assim, os arguidos JVP e RBM acordaram que, para que aquele viesse a receber o remanescente em dívida, havia que revogar o aditamento ao contrato de trabalho desportivo e assinar um novo contrato em sua substituição, do qual figurasse apenas a quantia em dívida.»
«2.1.85. Quantia que era de 800.000,00€.»
«2.1.86. Na sequência das conversações havidas, acordaram os arguidos JVP e RBM que em tal novo contrato não figuraria a totalidade em dívida mas apenas a quantia de 650.000,00€, sendo os 150.000,00€ remanescentes entregues através da sociedade JOD, Lda., cujos sócios eram OAC e DMT, amigos do arguido JVP.»
«2.1.87. Assim, em 27.6.2005, foi elaborado um novo aditamento ao contrato de trabalho desportivo, datado de 14.7.2000, mediante o qual se revogou o aditamento ao contrato de trabalho desportivo celebrado em 2.7.2000.»
«2.1.88. Neste novo aditamento, consagrou-se que o arguido JVP tinha o direito de receber do S a quantia de 130.000.000$00 (cerca de 650.000,00€), assim que completasse cem jogos oficiais ao serviço do clube.»
«2.1.89. Uma vez que à data de 27.6.2005 os Administradores do S já não eram os mesmos de 2.7.2000, este novo aditamento foi apenas assinado pelo arguido JVP.»
«2.1.90. Foi ainda celebrado um acordo, datado de 27.6.2005, mediante o qual o S reconheceu a existência de uma dívida de 650.000,00€ ao arguido JVP pela celebração de cem jogos oficiais ao serviço do clube,»
«2.1.91. declara que reterá a quantia de 250.000,00€ por ter sido judicialmente notificado no âmbito de procedimentos executivos para entregar quantias devidas ao arguido JVP,
«2.1.92. obrigando-se pois a pagar-lhe a quantia ilíquida de 400.000,00€ e líquida, após retenção de IRS, de 312.000,00€.»
«2.1.93. O arguido RBM solicitou aos Administradores do S ADC e PBA que assinassem este acordo, o que eles fizeram, sem conhecimento dos factos;»
«2.1.94. O arguido JVP assinou no mesmo dia 27.6.2005 uma declaração, segundo a qual se responsabilizava pessoalmente pelo pagamento de quantia até 800 mil euros que a G viesse a reclamar do S, com origem no contrato de trabalho celebrado entre o S e o jogador;»
«2.1.95. Esta declaração foi encerrada num envelope e entregue à guarda de MRT, na sua qualidade de Advogado.»
«2.1.96. Assim, no dia 15.7.05, RBM e ADC emitiram cheque, no valor de 178.500,00€, a favor da JOD-, Lda., contra a emissão da fatura n.º 2005000002 desta sociedade, quantia correspondente a 150.000,00€ por serviços prestados, acrescida de 28.500,00€ de IVA.»
«2.1.97. OAC e DMT entregaram quantia não concretamente apurada ao arguido JVP, correspondente à quantia que lhe havia sido entregue pelo S deduzida do valor de impostos que a sociedade haveria de suportar em sede de IRC, pelo seu recebimento.»
«2.1.98. De igual modo, no dia 15.7.2005, o S, através das assinaturas nele apostas do arguido RBM e de ADC, emitiu o cheque n.º .... do Banco...., a favor de JVP, no valor de 312.000,00 €.»
«IX»
«2.1.99. No dia 30.12.2005, o arguido JVP apresentou, no Banco ...., declaração de regularização tributária, para beneficiar do regime excecional de regularização tributária de elementos patrimoniais não encontrados no território português em 31.12.04, aprovado pela Lei n.º 39-A/2005, de 29/7,»
«2.1.100. relativa a ações representativas de 100% do capital social da JH Inc., com sede em ...., na Cidade do Belize, no valor de 823.258,67€,»
«2.1.101. acompanhada do pagamento de 5% daquele ativo, no valor de 41.162,93 €, que o Banco... remeteu ao Banco de Portugal de acordo com os arts. 2º, n.º 2, al. b) e 5º, n.º 6 e n.º 7 daquela Lei.»
«2.1.102. Na mesma altura, o arguido JVP solicitou ao seu amigo HDS que apresentasse declaração de regularização tributária nos mesmos termos, relativa a valores propriedade do arguido JVP, depositados em conta bancária titulada pela JH Inc., no Banco... Cayman, solicitação a que HDS acedeu.»
«2.1.103. Assim, no dia 30.12.2005, HDS apresentou, no Banco ...., declaração de regularização tributária, para beneficiar do regime excecional de regularização tributária de elementos patrimoniais não encontrados no território português em 31.12.04, aprovado pela Lei n.º 39-A/2005, de 29/7,»
«2.1.104. relativa a depósito bancário na conta da JH Inc., no Banco ... Cayman, no valor de 5.036.210,13€,»
«2.1.105. acompanhada do pagamento de 5% daquele ativo, no valor de 251.810,50 €, que o BPN remeteu ao Banco de Portugal de acordo com os arts. 2º, n.º 2, al. b) e 5º, n.º 6 e n.º 7 daquela Lei.»
«2.1.106. Foi o arguido JVP que procedeu ao pagamento do valor de 251.810,50€ e não HDS.»...
«2.1.107. Aqueles ativos tiveram origem nos pagamentos recebidos da S SAD a título de prémio de assinatura do contrato de trabalho desportivo celebrado em 2.7.2000 (facto ainda desconhecido ao tempo da acusação, alegado posteriormente pelo arguido JVP e admitido pelo MP – fls. 3234).»
«2.1.108. Provado apenas que, em 5.5.2005, o arguido foi inquirido na qualidade de testemunha à matéria objeto do presente processo.»
«X»
«2.1.109. O arguido JVP agiu de comum acordo com o arguido AJV e, através deste, com os arguidos LVD e RBM, tendo cada um deles praticado os atos necessários a que o arguido JVP recebesse, através da G, sociedade estranha ao negócio, as quantias relativas ao prémio de assinatura, ocultando o seu recebimento à Administração Tributária, não pagando o imposto devido,»
«2.1.110. acordo firmado para ser executado em três anos, de 2000 a 2002.»
«2.1.111. O arguido AJV praticou ainda os atos necessários a que a quantia transferida pelo S em 22.2.02, viesse a ser depositada em conta do arguido JVP em 11.3.02,»
«2.1.112. através de transferências intermediadas por contas bancárias tituladas pelas sociedades G e T, que nenhuma relação apresentam com o arguido JVP,»
«2.1.113. e após levantamento, mediante operação de caixa que não identifica o beneficiário, da conta da sociedade T,»
«2.1.114. com o fim de dificultar, como dificultou no presente procedimento criminal, a identificação do arguido JVP como verdadeiro destinatário da quantia transferida pelo S e a verdadeira natureza de tais quantias como rendimentos do trabalho.»
«2.1.115. Os arguidos JVP, AJV, LVD e RBM praticaram os atos descritos conhecendo-os, querendo praticá-los e sabendo ser proibida por lei a sua conduta.»
*
«Da contestação do arguido JVP, não constante da acusação e com relevo para a decisão da questão:
«2.1.116. Provado apenas que o arguido JVP representou, no decurso das conversações negociais e até ao momento em que teve conhecimento do teor do “Aditamento”, que o valor correspondente ao “Prémio de Assinatura” era líquido.»
«2.1.117. Provado apenas que, por regra, os contratos eram negociados pelo seu valor líquido até há cerca de três anos.»
«2.1.118. A S SAD manteve com a G relações comerciais e à data do processamento da fatura na contabilidade existia um saldo de 274 379€, valor que foi regularizado em 31 de Janeiro de 2001, pelo montante de 130000 €, e os restantes 144.339€, em 31 de Julho desse mesmo ano.»
«2.1.119. Da parcela liquidada pelo S SAD ao arguido JVP através do cheque de 312 000€ houve retenção na fonte a título de IRS devido à taxa de 22%.»
«2.1.120. Em 14 de setembro de 2000 deu entrada na conta da empresa G, no Banco ..., no Luxemburgo, o montante de 1.995.191,59€ (valor do cheque emitido a favor da G) e saiu em cash para contas do mesmo banco tituladas por VFL, convertidos em 319 900.000$00, numa conta, e 80.000 000$00 noutra e 100 000$00 noutra.»
«2.1.121. Em Agosto de 2002 foi transferido da VFL para a conta do Banco... titulada por .... a quantia de 1.420 500€.»
«2.1.122. Da quantia de 1.047.500€ que deu entrada, em 19.4.2001, na conta titulada pela G no Banco ..., saiu para a conta da T Trading Limited, no Banco ...no Luxemburgo, em 27.4.2001 o montante de 942.750€, tendo saído desta em cash a 4.5.2005.»
«2.1.123. Do valor de 997.595,79 €, proveniente da conta da SSC Inc. no Luxemburgo, que deu entrada na conta de que JVP era titular no mesmo banco ...., no Luxemburgo, foi transferida, posteriormente, a quantia de 1.250.140€.»
«2.1.124. Deram entrada, a 15.3.2002 e 30.8.2002, na conta do ... denominada GF Inc. valores que somam o total de 2 670 500€.»
«2.1.125. Os valores foram levantados em numerário, com data de 9.5.2003, num montante global de 2.794 400€.»
«2.1.126. Em 12.5.2002 foram efetuados, na conta do ..., titulada por NF SA dois depósitos em numerário de 1246 750 € e 1.479.650€, a que acrescem 68 000 € depositados, igualmente em numerário, em 13.5.2003, perfazendo dessa forma o referido valor de 2. 794.400€.»
«2.1.127. Em 7.10.2003 foi realizado um levantamento em numerário, de 2.500 000€ e um último de 255.170€, em 13.11.2003.»
«2.1.128. Os identificados montantes entraram na conta do Banco... denominada JH Inc., em numerário, em 30.10.2003, os valores de 2 698 100€ e 93 812, 45€ e, em 13.11.2003, o montante de 255 170€, somando 3.047.082,45€.»
*
«Da contestação do arguido AJV, não constante da acusação e com relevo para a decisão da questão:
«2.1.129. Inexistiu uma relação contratualizada, quer verbalmente, quer por escrito, entre os arguidos AJV e JVP.»
*
«Da contestação dos arguidos LVD e RBM, não constante da acusação e com relevo para a decisão da questão:
«2.1.130. O arguido LVD integrou a Administração da S SAD até ao mês de Março de 2001.»
«2.1.131. As negociações com vista à contratação pelo S do futebolista, ora arguido, JVP, foram conduzidas pelo arguido LVD e CF, na qualidade de representantes do S,»
«2.1.132. E por parte do arguido JVP, também por JB e JG, colaboradores do arguido AJV.»
*
«Das condições pessoais do arguido JVP:
«2.1.133. O arguido não possui antecedentes criminais.»
«2.1.134. O arguido nasceu e foi educado apenas pela progenitora, em contexto familiar gratificante, uma vez que os pais não tiveram vivência em comum, sendo que esta lhe disponibilizou os recursos materiais básicos necessários.»
«2.1.135. Desde muito cedo que o arguido se sentiu vocacionado para a prática do futebol, evidenciando talento nessa área, o que influenciou determinantemente o seu percurso de vida, tendo abandonado o sistema de ensino aos 16 anos, apenas com o 6º ano de escolaridade concluído.»
«2.1.136. Com esta idade, e assegurado que estava a sua emancipação financeira através de contrato firmado com o B, casou e foi pai, iniciando uma vivência conjugal que perdurou por 16 anos e da qual resultou o nascimento de dois filhos, atualmente com 24 e 21 anos de idade.»
«2.1.137. Foi jogador profissional em vários clubes desportivos, como o AM, B, B (neste tendo permanecido oito anos) o que lhe proporcionou boas condições de vida do ponto de vista económico-financeiro, transformando-se num dos futebolistas melhores remunerados do país.»
«2.1.138. Até ao final da carreira desenvolveu ainda atividade no S, no B e no Br, o que, a par da sua participação na seleção nacional, lhe proporcionou uma carreira de sucesso.»
«2.1.139. O seu casamento sofreu uma rutura que ditou o divórcio, que se arrastou desde cerca de 2003 até 2008.»
«2.1.140. Em 2005 transferiu a sua residência para uma zona residencial privilegiada do concelho de M e passou a coabitar com o atual cônjuge de quem tem atualmente dois filhos, um com 6 e outro com 2 anos de idade.»
«2.1.141. Após o término da sua carreira profissional, aos 37 anos de idade, passou a desenvolver diversas atividades laborais relacionadas com o âmbito desportivo; atualmente desempenha o cargo de .... na Federação Portuguesa de Futebol, assumindo responsabilidades pelo acompanhamento das seleções nacionais de futebol A e sub-21, exerce o cargo de administrador não executivo na empresa G... de Vila Nova de Gaia e é cronista desportivo no jornal “....”, atividades remuneradas que lhe permitem obter uma remuneração mensal de cerca de 6.550€, em associação com o cônjuge, que é proprietário da sociedade de consultadoria e publicidade “....”, criada com o objectivo de gestão e rentabilização dos respectivos direitos de imagem e publicidade.»
«2.1.142. O cônjuge desenvolve a atividade de programas televisivos, que é bem remunerada, mas possui caráter irregular.»
«2.1.143. O arguido é reconhecido pelos seus pares como possuindo características pessoais de pessoa de bem, tendo granjeado respeito social.»
*
«Das condições pessoais do arguido AJV:
«2.1.144. O arguido não possui antecedentes criminais.»
«2.1.145. O arguido AJV iniciou a sua carreira profissional no Luxemburgo, para onde emigrou em criança com os pais e cinco irmãos e onde decorreu o seu processo de socialização.»
«2.1.146. Iniciou a sua atividade laboral como pintor de automóveis, que exerceu até aos 24 anos de idade. Paralelamente, teve contacto com a atividade futebolística através de um clube regional, primeiro como jogador de futebol, depois como Diretor Desportivo.»
«2.1.147. Aos 29 anos regressou a Portugal a convite de um empresário de futebol e, como sócio minoritário, constituiu a empresa “F”, onde se manteve durante um ano.»
«2.1.148. Criou posteriormente a empresa “S”, que manteve até 2004. No âmbito dessa atividade por conta própria, o arguido exerceu funções de empresário de futebol, representando diversos jogadores nacionais e estrangeiros. Adquiriu sucesso económico e projeção profissional, nomeadamente por ter estado ligado à transferência de jogadores de topo a nível mundial.»
«2.1.149. Aceitou em 2004 o convite para trabalhar como diretor desportivo no “SB”, ligação que veio a ser quebrada em 2005, na sequência do presente processo judicial.»
«2.1.150. Desde então refere não ter voltado a exercer qualquer atividade relacionada com o futebol, dedicando-se a prospeções de mercado em diversos países, com vista ao desenvolvimento de outras áreas de negócio, que não especificou, o que o leva a constantes deslocações ao estrangeiro.»
«2.1.151. Não declara rendimentos desde 2006.»
«2.1.152. É casado há 28 anos e tem dois filhos dessa união, uma ainda estudante e outro já integrado no mercado de trabalho.»
«2.1.153. A família de origem regressou também a Portugal e o arguido mantém com ela uma relação de proximidade afetiva.»
*
«Das condições pessoais do arguido LVD:
«2.1.154. O arguido não possui antecedentes criminais.»
«2.1.155. O arguido LVD é licenciado em Direito desde 1981 e iniciou o seu percurso profissional no ano seguinte, após o cumprimento do serviço militar obrigatório, como .....»
«2.1.156. Posteriormente, entre 1983 e 1992, trabalhou como Adjunto do Presidente da Câmara Municipal de .....»
«2.1.157. Ao deixar esse cargo, dedicou-se ao exercício da advocacia e assumiu alguns cargos de administração e gestão em empresas privadas, designadamente no B.. e Grupo C..»
«2.1.158. Em 1999 iniciou funções como Presidente do Conselho de Administração da S SAD, onde se manteve até 2001, como responsável pela área do futebol profissional.»
«2.1.159. Entre 2001 e 2003 foi deputado da Assembleia da República e em 2003 candidatou-se à Presidência da Câmara Municipal de Sintra, onde se mantém como Vereador, assumindo o pelouro do trânsito, desde 2011 em regime de não exclusividade.»
«2.1.160. Paralelamente, desde Abril de 2011, exerce as funções da Administrador da Sociedade Anónima da S SAD, na área da contratação de jogadores de futebol, atividade financeira e acompanhamento das restantes atividades associadas à dinâmica da referida prática desportiva.»
«2.1.161. Contraiu matrimónio aos 24 anos, tendo quatro filhos desta união.
2.1.162. A rutura matrimonial aconteceu quando tinha 40 anos de idade mas devido a problemas de saúde do cônjuge, consumou-se a separação de facto, mas não formalmente o divórcio, continuando a arguido a prestar-lhe apoio financeiro.»
«2.1.163. O arguido reorganizou a sua vida afetiva, encetando um relacionamento que se mantém há cerca de 14 anos com a mãe do filho mais novo, atualmente com 10 anos de idade.»
«2.1.164. Os filhos mais velhos do arguido já se encontram autonomizados e o arguido mantém um contacto próximo com eles bem como com a sua família de origem, composta por oito irmãos.»
«2.1.165. O arguido é considerado socialmente como uma pessoa empenhada e dedicada no cumprimento das suas obrigações profissionais.»
«2.1.166. Do ponto de vista financeiro, e embora com oscilações, possui uma situação confortável.»
«2.1.167. Vive em casa arrendada e suporta de mote próprio a despesas do agregado e outras relativas à ex-mulher, uma vez que a atual companheira não exerce atividade profissional.»
*
«Das condições pessoais do arguido RBM:
«2.1.168. O arguido não possui antecedentes criminais.»
«2.1.169. O arguido licenciou-se em gestão de empresas em 1985 no ISCSP, tendo iniciado o seu percurso profissional ainda enquanto estudante como vendedor de enciclopédias, para ajudar a pagar os estudos.»
«2.1.170. Em 1986 foi admitido na BDO, empresa multinacional de consultoria e auditoria, onde se manteve até 1997, com funções na área de auditoria e consultoria de gestão.»
«2.1.171. Paralelamente, em ...., passou a colaborar na área financeira da S SAD, assumindo funções como Diretor Financeiro a partir de ...., o que o levou a abandonar a BDO por impossibilidade de conciliação das duas atividades. Posteriormente, assumiu a presidência da comissão executiva da SAD, até ..., altura em que cessou as referidas funções.»
«2.1.172. Após alguns meses a trabalhar numa empresa de construção civil, inicialmente como consultor e posteriormente como administrador, aceitou o convite para regressar à BDO, assumindo o cargo de responsável pela administração da empresa em ...., aí fixando residência há cerca de três anos e meio.»
«2.1.173. Contraiu matrimónio aos 26 anos de idade, tendo duas filhas dessa união, uma ainda a estudar e outra já profissionalmente integrada, que se mantêm a residir em Portugal.»
«2.1.174. Vem em média cinco vezes por ano a Portugal, mantendo um contacto próximo com o cônjuge, filhas e família de origem, designadamente com os dois irmãos.»
«2.1.175. O arguido é uma pessoa socialmente considerada.»
«2.1.176. A sua situação económico-financeira é confortável, sobretudo no que respeita ao período que abrange os três últimos anos.»
«2.1.177. O cônjuge é responsável pela área administrativa numa clínica médica, onde a filha mais velha também se encontra integrada profissionalmente.»
*
«Do pedido de indemnização civil:
«2.1.178. Em 11.8.00, 19.4.01 e 22.2.02, o demandado JVP recebeu do S, a título de rendimentos provenientes do trabalho, as quantias de 1.995.191,59€, de 1.047.500,00€ e de 250.000,00€, respetivamente.»
«2.1.179. O demandado não declarou tais rendimentos à Administração Tributária nos anos de 2001, 2002 e 2003, com referência aos anos fiscais de 2000, 2001 e 2002, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.»
«2.1.180. Assim impedindo o Estado de arrecadar aquele imposto, pelo valor de 418.990,23€, de 209.500,00€ e de 50.000,00€, por reporte, respetivamente, aos anos de 2000, 2001 e 2002.»
«2.1.181. Tendo o demandado atuado conscientemente, sabendo que com tal conduta lesava os interesses patrimoniais do Estado, acautelados com a arrecadação daquele imposto.»
*
FACTOS NÃO PROVADOS (EM TRANSCRIÇÃO)
«Da acusação:
«I»
«2.2.1. Que tivesse havido uma proposta inicial por parte do arguido LVD diretamente ao arguido JVP e que este lhe tivesse indicado que as negociações dos termos contratuais seriam levadas a cabo pelo arguido AJV em seu nome.»
«IV»
«2.2.2. Que o arguido JVP tivesse transmitido a decisão de não assinar o contrato de Aditamento ao arguido AJV e que este a tivesse transmitido ao arguido LVD.»
«2.2.3. E que no dia 2.7.00 os arguidos AJV e LVD tivessem estabelecido que o jogador não assinaria o aditamento ao contrato de trabalho desportivo.»
«2.2.4. Que, à data das transferências descritas na matéria assente, o arguido AJV detivesse poderes formais de representação da empresa G e o domínio absoluto da sua atividade.»
«2.2.5. Que o S SAD não tivesse tido (anteriormente à contratação do arguido JVP) nenhuma relação contratual com a G e da qual não tivesse recebido qualquer contrapartida.»
«V»
«2.2.6. Que o cheque emitido pela S SAD à ordem da G, em 11.8.2000, tivesse sido entregue ao arguido AJV.»
«X»
«2.2.7. Que o arguido JVP, de comum acordo com o arguido AJV, tivesse praticado os atos necessários a que a quantia transferida pelo S em 22.2.02, viesse a ser depositada na sua conta em 11.3.02, através de transferências intermediadas por contas bancárias tituladas pelas sociedades G e T, que nenhuma relação apresentam com ele, arguido JVP, e após levantamento, mediante operação de caixa que não identifica o beneficiário, da conta da sociedade T, com o fim de dificultar a sua identificação como verdadeiro destinatário da quantia transferida pelo S e a verdadeira natureza de tal quantia como rendimento do trabalho.»
 *
«Da contestação do arguido JVP:
«2.2.8. Que o contrato efetivamente celebrado entre o arguido JVP e o S fosse uno e no valor de 2.000.000 de contos.»
«2.2.9. Que o arguido JVP não tivesse representado, quanto ao montante devido pelo Aditamento ao Contrato Desportivo, uma imposição de receita fiscal.»
«2.2.10. Que o arguido JVP não tivesse dado a sua anuência à forma de pagamento que veio a ser utilizada.»
«2.2.11. Que tivesse ficado estipulado contratualmente que o imposto devido pelo Aditamento ao Contrato de Trabalho ficasse a cargo da S SAD, cabendo-lhe exclusivamente a respetiva entrega ao Estado.»
«2.2.12. Que tivesse sido no exclusivo interesse da S SAD que foi celebrado o Aditamento ao Contrato de Trabalho, em ordem à justificação do montante da contratação.»
«2.2.13. Que tenha sido o divórcio do casal constituído pelo arguido JVP e CR a causa dos pagamentos, a que se reporta a matéria dos autos, efetuados em conta aberta para o efeito no estrangeiro.»
 *
«Da contestação do arguido LVD e RBM:
«2.2.14. Que os arguidos LVD e RBM ignorassem o esquema fiscal fraudulento descrito na matéria assente.»
«2.2.15. Que o arguido AJV não tivesse intervindo diretamente nas negociações, não tendo existido contactos diretos entre ele e o arguido LVD.»
«2.2.16. Que o arguido JVP tivesse expressamente acordado que o valor do prémio de assinatura fosse em “bruto”, ou seja, em valor ilíquido.»
«2.2.17. Que no encontro que selou o acordo da contratação do arguido JVP, em que foram intervenientes, além do mais, os arguidos LVD e o referido JVP, não tivesse sido discutido qualquer aspecto específico do negócio.»
«2.2.18. Que o arguido JVP tivesse enjeitado assinar o designado prémio de assinatura alegando não ser titular dos seus direitos desportivos,»
«2.2.19. e tendo, então, conjuntamente com o arguido AJV, informado o arguido RBM, na qualidade de Diretor Financeiro do S, de que o titular dos direitos desportivos do jogador, por cedência antes feita por este, fosse a sociedade de direito inglês GL, representada pelo arguido AJV, e que seria esta a emitir a respetiva fatura.»
«2.2.20. Que o facto anteriormente descrito tivesse sido omitido na fase anterior das negociações e apenas revelado após a redação do designado “Prémio de Assinatura”.
«2.2.21. Que o arguido LVD não tivesse intervindo no negócio da contratação após a recusa de o arguido JVP em assinar o “Prémio de Assinatura”.»
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO (EM TRANSCRIÇÃO PARCIAL):
«(…) resultaram fundamentais para a formação da convicção do Tribunal, no que respeita à FACTUALIDADE PROVADA E NÃO PROVADA, as DECLARAÇÕES DOS ARGUIDOS, as PERÍCIAS, todos os DOCUMENTOS JUNTOS AOS AUTOS e os DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS, prova esta que foi concatenada entre si e apreciada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, plasmada no art. 127.º do CPP.»
(…)no que tange às DECLARAÇÕES DOS ARGUIDOS, que, relativamente a alguns factos, as mesmas foram credíveis, mas que nem sempre o foram, designadamente no que respeita ao que ficou acordado quanto ao ónus financeiro relativo ao pagamento de IRS decorrente do designado “prémio de assinatura” no valor de 800.000 000$00, matéria relativamente à qual todos os arguidos se desoneraram, trazendo versões contraditórias. Serve tal esclarecimento inicial para se dar nota por que motivo as declarações dos arguidos irão ser por vezes trazidas à colação, no sentido de fundamentar determinada factualidade, em passos que convergem entre si e com outra prova, não se acolhendo, porém, as mesmas na totalidade, pelos motivos que circunstanciadamente também se irão expondo.»
«(…) [O] Tribunal considerou:
«I) Factos 2.1.1 a 2.1.3
- DOCUMENTOS de fls. 108-116, 147-175, 181-184, 185 e 380-381;
-DECLARAÇÕES DOS ARGUIDOS, que de forma unânime confirmaram esta factualidade;
-DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS de:
• CHC, Administrador da S SAD entre 15.12.1999 a 26.10.2000, que referiu de forma credível que foi o co-arguido LVD quem ficou encarregue de proceder às contratações de jogadores, o que ficou devidamente lavrado em Ata do C.A. Mais disse haver total confiança entre todos os membros do CA e, designadamente, de todos para com o Presidente LVD;
•JS, à data dos factos também membro da S SAD, que no essencial corroborou, de forma clara e objetiva, o depoimento da testemunha anterior relativo às contratações;»
«• CF, à data dos factos assessor do CA da SAD S, que também relatou a existência do interesse do S na contratação do arguido JVP, tendo intervindo diretamente nas negociações, as quais, por parte da S SAD, foram levadas a cabo pelo Presidente LVD; o seu depoimento afigurou-se consentâneo com os demais, objectivo e credível;»
«• JCL, à data dos factos também administrador da S SAD, que depôs de forma séria e credível no sentido de que havia uma total confiança entre os membros da Administração, e designadamente de todos eles para com o respetivo Presidente, a quem incumbia proceder à contratação de jogadores nas condições que entendesse serem as mais interessantes para o Clube;»
II) Factos 2.1.4 a 2.1.6
«- as DECLARAÇÕES DOS ARGUIDOS sobre esta matéria, que se afiguraram credíveis;
«- os DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS de:
«• CF, já acima mencionado, que referiu ter sempre negociado com o arguido AJV e com um seu colaborador, JB, em representação do arguido JVP;»
«• JB, colaborador da empresa S, pertencente ao arguido AJV (vejam-se doc. de fls. 10-11, 13, 14, do Apenso II e 53 a 58 do Apenso III), que corroborou o depoimento anterior no que tange aos intervenientes nas negociações, o que fez de forma credível;
«• CR, ex-mulher de JVP, com ele casada à data dos factos, também depôs no sentido de que o arguido AJV negociou em representação do ex-marido;»
«III) Factos 2.1.7 a 2.1.20
«- DECLARAÇÕES DOS ARGUIDOS, que confirmaram a contratação e os valores envolvidos, plasmados nos documentos que a selaram;»
«- DOCUMENTOS de fls. 186-189 e 699;»
«- DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS de:
«• CF, cujo teor se afigurou credível e em conformidade com o constante da prova documental;»
«• CHC, que de igual jaez relatou os termos negociais acordados, em conformidade com a prova documental junta aos autos, o que fez de forma objetiva e credível;»
«• APC, que também referenciou, de forma clara e objetiva, os valores que se encontram nos documentos relativos a esta matéria;»
«• RC, ao tempo a exercer funções jurídicas na S SAD, que confirmou, de forma objetiva, clara e convincente, a sua responsabilidade pela elaboração do Contrato de Trabalho e Aditamento, tal como se encontram nos autos, relatando que deles consta o que lhe foi dito ter sido acordado;»
«IV) Factos 2.1.21 a 2.1.36»
«- DOCUMENTOS de:
«fls. 6, 35, 36, 37, 41, 42, 44, 45, 64-85, 180-184, 186-189, 248, 380-381, 563-580, 699, 719-720, 778-779, 781, 784-785, 787, 789, 791, 793, 795 e 797, 4046, 4501 a 4503, 4642 e 4657-4658; fls. 91 do Apenso III;
«Da não assinatura do “Aditamento” [fls. 699] por parte do arguido JVP no momento da assinatura do Contrato de Trabalho:
«Nesta matéria, a convicção do Tribunal de que o arguido LVD e MRT assinaram o “Aditamento” e o entregaram ao arguido JVP, que o não assinou nesse mesmo momento, sustenta-se nos DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS de:
«• MRT, que referiu que quando assinou o “Aditamento”, o mesmo ainda não se encontrava assinado pelo arguido JVP e que este não o assinou em simultâneo, desconhecendo mesmo o destino de tal documento, sendo que a S SAD não teve o doc. de fls. 699 assinado pelo jogador, e cujo depoimento se afigurou isento e credível;»
«• RC, advogada da S SAD, que relatou, de forma objetiva e credível, ter elaborado o documento intitulado “Aditamento”, ter ido para férias e, quando regressou, ter sido informada de que o mesmo não servira para chancelar o acordo porquanto o pagamento relativo ao prémio de assinatura, afinal, seria feito a uma empresa;»
«Ora, uma vez que o “Aditamento” surge assinado a fls. 699 já também por JVP, impõe-se concluir que os dois responsáveis pela S SAD o assinaram em momento temporal anterior ao da entrega a este arguido, que só posteriormente o veio a assinar.»
«Ainda sobre a não assinatura do Aditamento por parte de JVP no momento da assinatura do Contrato de Trabalho, dir-se-á o seguinte:
«Concatenados os depoimentos testemunhais com os documentos, e conjugados todos eles com as regras da experiência comum, pode com segurança concluir-se que tal “Aditamento” estava conforme a vontade negocial do arguido LVD, que o assinou e deu a assinar, bem como com a do co-subscritor, assim não sucedendo com o arguido JVP, pois foi ele quem, nesse momento, o não assinou.»
«Não o fez, como é óbvio em face das referidas regras da experiência comum, porque entendeu que o mesmo não refletia a sua vontade negocial. Estivesse ele conforme a sua vontade e teria sido assinado, tanto mais que era ele o credor das quantias aí mencionadas. Com efeito, este arguido, nas suas DECLARAÇÕES, em sede de Julgamento, disse reiteradamente que a sua exigência foi o recebimento, a título de prémio de assinatura, de 800 000 000$00, o que foi corroborado por todos os demais arguidos (facto, pois, que nem se afigura controverso); ora, outra conclusão não se pode retirar se não a de que a alteração/substituição do documento, conforme DEPOIMENTO TESTEMUNHAL de RC, que se afigurou objectivo e credível, se deveu à rejeição do mesmo por parte deste arguido que, desta feita, o não subscreveu no momento em que lhe foi entregue para o efeito.»
«E, outra questão não poderia, então, colocar-se que não fosse a decorrente da redação que o “Aditamento” suscitou, relativa ao pagamento do imposto devido, tanto mais que no Contrato de Trabalho, esse sim assinado por todas as partes, foi aposto expressamente que o valor era ilíquido (fls. 186) e o “Aditamento” era omisso quanto a essa matéria particular. Daí que o arguido JVP tivesse referido nas suas DECLARAÇÕES em sede de Julgamento que “Estávamos a um ou dois dias do fecho… resolvíamos a questão”.»
«Aliás, no que tange à concreta negociação do prémio de assinatura, se pelo valor líquido ou ilíquido, importa referir (sem embargo do que previamente se exarou a propósito do teor inconclusivo das declarações dos arguidos sobre esta matéria), que algumas testemunhas vieram assegurar que, no âmbito da contratação de futebolistas, as negociações se fazem sempre pelo seu valor ilíquido (CF, MRT, RC, corroborando os arguidos LVD e RBM) e outras declararam que tais negociações se efetuam pelo valor líquido (JB, APC, RC e JS, este com o esclarecimento que nos últimos três anos são firmados em valores ilíquidos, corroborando os arguidos JVP e AJV); PG, por seu turno, após ter dito que cerca de 90% dos jogadores pretende saber quanto ganha líquido, esclareceu que ou as negociações se fazem pelo valor líquido e fica consignado no contrato que os encargos fiscais ficam por conta do Clube, ou pelo valor ilíquido, e nada fica consignado. Na realidade, esta divergência relaciona-se com o posicionamento dos contratantes (pagador/recebedor), é coadjuvante da representação intelectual que os arguidos, em face da regra comum, poderão ter feito sobre tal matéria, mas não é determinante, em concreto, do que ficou ajustado entre as partes, uma vez que os depoimentos se reportam à generalidade e não ao contrato dos autos.»
«Acresce que as testemunhas:
«- CHC não esteve diretamente envolvido nas negociações. Daí que a sua referência à passagem do prémio de assinatura a direitos desportivos tivesse sido vaga e pouco consistente, nada sabendo em concreto identificar, inclusivamente fazendo alusão a uma carta recebida pela S SAD que, a existir, seguramente teria sido junta pela Defesa dos arguidos RBM e LVD;»
«- MRT, também não esteve diretamente envolvido nas negociações (declarou que antes da assinatura do contrato nada soube em concreto das negociações); referenciou também de forma pouco sustentada em razão de ciência direta, no que tange à negociações propriamente ditas, que houve um contrato relativo a prémio de assinatura que foi dado sem efeito por ter sido apresentada uma fatura de uma empresa inglesa que era detentora dos direitos de imagem do jogador; mais disse que o arguido RBM bem tentou formalizar um contrato em lugar da fatura, mas que não foi possível chegar a um acordo.»
«Da responsabilidade penal de todos os arguidos no acordo final formulado:
«E é na tentativa de resolução dessa questão que, posteriormente, surge o documento de fls. 719-720, ao qual o Tribunal conferiu credibilidade, conjugando as informações de fls. 4642, 4501 a 4503 e 4657-4658 com a demais prova já mencionada, apreciada sob a égide do princípio da livre apreciação e ancorada nas regras da experiência comum. Ou seja, para ultrapassar a questão do pagamento do imposto devido (recordem-se as declarações do arguido JVP “Estávamos a um ou dois dias do fecho…resolvíamos a questão”), prova o referido documento que
os arguidos RBM e AJV entabularam negociações com vista a não onerar o arguido JVP com o aludido pagamento, como era exigência deste, porventura objeto de equívoco (por não ter sido expressamente acordado) no decurso das negociações.
«Note-se, aliás, que é o próprio arguido LVD que nas suas DECLARAÇÕES, em sede de Julgamento, diz, em mais do que uma sessão, admitir que o arguido JVP tivesse representado intelectualmente que o valor era líquido, mas que ele, LVD, sempre o representou como ilíquido. A questão explodiu, portanto, no momento da tomada de conhecimento do teor do “Aditamento”.»
«Ora, o arguido LVD, que assumidamente negociou o contrato, esteve necessariamente ao corrente dos valores negociados, o que inclui, como é óbvio, os devidos a título de imposto, sendo que, após o fecho das negociações do contrato de trabalho, e enquanto esteve na S SAD – até Março de 2001 [fls. 113], não poderia ter estado alheio à subsequentes negociações do “Aditamento”, até porque tal matéria – a contratação – era da sua exclusiva competência, como resultou das declarações do próprio, da já mencionada Ata de fls. 380-381 e dos DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS de CF, CHC e JS.»
«Não é crível a versão do arguido LVD de que, em momento posterior à assinatura do “Aditamento” por si e por MRT, lhe tenha sido dito pelo co-arguido AJV que, afinal, havia uma sociedade detentora dos direitos do jogador a quem deveria ser feito o pagamento. Por um lado, é inverosímil que só após a assinatura do documento tal tivesse sido comunicado, carecendo de qualquer justificação que no momento da preparação dos documentos tal facto não fosse objeto das conversações; por outro, quando se apreciam os depoimentos testemunhais, é forçoso concluir que a dinâmica dos acontecimentos se conforma com as regras da experiência comum, ou seja, a advogada RC elabora o documento, o mesmo é assinado pelos legais representantes da S SAD, não o é pelo arguido JVP e, se tudo fosse uma questão de substituir a identificação deste arguido pela sociedade G, como a versão do arguido pretende, no limite, fazer crer, nada mais simples do que proceder a essa substituição em documento congénere, mas de cedência dos direitos do jogador, e colher a assinatura do legal representante da empresa. A verdade é que um problema surgiu que obstou à outorga do contrato de “Aditamento” e ele resultou, por banda do arguido JVP, da omissão do valor ilíquido do prémio da assinatura no documento e, por banda dos representantes do S, da indisponibilidade para, então, pagar o referido valor acrescido do imposto devido ao Estado.»
«Trazem-se à colação, ainda, as DECLARAÇÕES DO ARGUIDO JVP, ao dizer que teve consciência de que a abertura da conta no estrangeiro para ali receber o prémio da assinatura visava “fazer um jeito ao S”, que pagaria menos de imposto, já que, no seu entender, não era seu ónus liquidar a quantia devida a esse título.»
«Em suma, a questão do pagamento do imposto foi levantada, discutida e negociada por todos os arguidos, e só uma ingenuidade complacente, que se não adota, poderia arredar tal conclusão.»
«Concorre para tal entendimento, ainda, ter sido negociada uma quantia – 800.000 000$00 [cerca de 4 000 000 €] – e, posteriormente, ter sido enviada ao S a fatura emitida pela G, mas no total de 4 190 000€ [840 019 580$00], a fls. 25. Também nesta matéria, a versão do arguido LVD, de que o diferencial foi exigência adicional e posterior do jogador e que assim o Clube visou “comprar a paz do balneário” não se afigura crível. Por um lado, inexiste nos autos qualquer documento ou foi feita qualquer outra prova, mormente testemunhal, relativa a exigências formuladas a posteriori pelo jogador; por outro, o arguido JVP negou frontalmente e de forma convincente que tivesse solicitado, posteriormente à outorga do contrato de trabalho, qualquer quantia adicional aos termos acordados.»
«Acresce que não é mero acaso o diferencial de 190 000€ entre o inicialmente vertido no “Aditamento” e depois acertado na fatura emitida pela G, correspondente a cerca de 5% do valor acordado, reportando-se tal valor a acréscimos devidos.»
«Da responsabilidade pela abertura da conta titulada por JVP no Dexia e movimentações de fluxos financeiros e da relação do arguido AJV com a G:
«O arguido JVP declarou que foi o arguido AJV quem indicou e tratou da abertura da conta, em seu nome, no Banco Dexia, no Luxemburgo. Sobre esta matéria, CR, esposa do arguido JVP à data dos factos disse que o processo de divórcio só começou em 2003 e que desconhecia por completo a abertura da conta no estrangeiro por parte do ex-marido.»
«E, corroborando, também o arguido AJV, nas suas declarações, admitiu ter contactos no Luxemburgo, país em que residiu, e ter sido ele quem indicou ao coarguido JVP o Banco onde abrir a conta para receber o designado “prémio de assinatura”. Sobre esta “familiaridade” entre o arguido AJV e contas bancárias no Luxemburgo, releva sobremaneira o documento de fls. 778-779, instruído por fls. 781, 784-785, 787, 789, 791, 793, 795 e 797. Destes docs. consta como contacto na Agência Bancária o nome de “Malget Theo”, o mesmo que no documento proveniente da abertura da conta titulada pela G no mesmo Banco Dexia assina, na qualidade de mandatário, a 25.08.2000, os respectivos documentos – fls. 1720-1726, 1740-1741. Também o doc. de fls. 1954 – relativo ao depósito do cheque de 400 000 000$00 emitido pela S SAD a favor da G, é assinado pelo aludido Théo Malget. Acresce que o nome de PM corresponde à gestora da conta de JVP – vide fls. 1752 e 1754 – e coincide com a “funcionária da caixa” identificada no doc. de fls. 1957.»
«E note-se, ainda, a existência da conta descrita a fls. 1720-1736 [doc. proveniente da Carta Rogatória enviada à Justiça do Luxemburgo], também no mesmo Banco Dexia do Luxemburgo, cuja data de abertura se reporta a 25.8.2000.»
«Esclarece-se que a similitude da fatura de fls. 6 com as emitidas pela G ao BV, de fls. 91 do Apenso III, ao S, de fls. 41/4046, e 248, bem como o que resulta de fls. 719-720, doc. a que o Tribunal ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova teve por credível, sustentado que foi pelo exame pericial  os respectivos esclarecimentos de fls. 4657-4658 e informação de fls. 4642, fundamentou de igual jaez a convicção do Tribunal quanto à relação entre o arguido AJV e a G.»
«Note-se, ainda, que a fatura de fls. 41/4046 conjugada com o doc. de fls. 42 coadjuva tal entendimento conclusivo.»
«Não menos importantes se nos afiguraram as ligações entre a G/arguido AJV e alguns jogadores. Recorde-se, neste particular, o testemunho de AT, objectivo e credível, sobre a transferência de MS, e o próprio MS, também testemunha nos presentes autos, que declarou que, quando foi jogador do BV, o seu agente foi AJV, sendo que se apura de fls. 35, 36, 37 que foi efetuado a esse título pagamento à G.»
«Considerou-se também nesta matéria a fatura emitida pela G, da qual consta o nome do arguido AJV, a fls. 44 do Apenso II.»
«Também a fatura de fls. 591, emitida pela S à G, relativa a 245 115€, na qual se menciona que tal quantia é devida pela prestação de serviços /comissão de 5% do valor da transferência do jogador JVP, datada de 20.8.2000, concorre para a formação da convicção do Tribunal quanto à existência da aludida relação.»
«A versão do arguido AJV de que se trata de uma fatura “falsa”, porquanto através dela apenas pretendeu capitalizar a S, não colhe por força da análise conjugada de toda a documentação junta aos autos e acabada de mencionar.»
«Mais se traz à colação o Auto de Notícia levantado pelo Serviço de Inspeção Tributária de fls. 1249 a 1266, em particular o teor de fls. 1251 a 1255, parcialmente reproduzido Relatório com compõe fls. 9 a 29 do Apenso II, em particular fls. 12 a 16, ao qual o Tribunal conferiu credibilidade, e do qual também se extrai a relação entre o arguido AJV e a empresa G.»
«Existe também coincidência entre o mandatário para a abertura da conta titulada pela G – conforme doc. já acima mencionados, fls. 1720-1726 - e o gestor da conta titulada no mesmo Banco Dexia por JVP – fls. 1749 a 1761 (com referência ao já aludido Theo Malget, para o qual deverá ser remetida a correspondência: “ao c/c Sr. Theo Malget”, com endereço em 69, rt d’Esch, portanto a própria morada do Banco).»
«Acresce ao já exposto:
«- a factura emitida pela Superfute ao S, no montante de 935 246€, a fls. 7 do Apenso II e sua correlação com a nota de crédito emitida pela G sobre o S pelo mesmo exato valor, a fls. 8-9 do mesmo Apenso, fatura e correspondência a fls. 20-21-22;»
- correspondência trocada entre a S e a S SAD, a fls. 13/14 do Apenso II, assinada pelo arguido AJV, em que expressamente se invoca anulação de crédito primitivamente efetuado pela G e débito através da S, a fls. 15 e 17 sobre a mesma matéria.»
«Ou seja, existe nos autos prova documental e testemunhal que permite com segurança consistente estabelecer a ligação do arguido AJV à empresa G, caindo por terra a sua versão, em sede de DECLARAÇÕES prestadas em Julgamento, de que nada tinha a ver com a mesma – o que resulta totalmente contraditório com o facto de ter recebido comissões por intermédio da G (cfr. fls. 35, 36 e 37, por reporte a Julho de 2000).»
«V) Factos 2.1.37 a 2.1.47»
«- DECLARAÇÕES do arguido LVD que confirmou ter aposto a sua assinatura nos documentos a fim de realizar dois pagamentos acordados, e de RBM que confirmou ter diligenciado no sentido de serem efetuados os pagamentos a que alude este bloco fáctico;»
«- DOCUMENTOS de fls. 43, 44, 45/53/1185 e 54; e fls. 106 do Apenso IV;»
«- DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS de:
«• JFL, que confirmou ter aposto a sua assinatura no cheque, conforme lhe foi solicitado,»
«• CHC, que confirmou ter aposto a sua assinatura na ordem de transferência, conforme lhe foi solicitado;»
«Em particular, quanto aos factos 2.1.42 e 2.1.44, em que se imputa a autoria do envio da fatura e respetiva finalidade ao arguido AJV, o Tribunal concatenou o que acima se fundamentou quanto à sua ligação à empresa G bem como ao facto de ter sido ele a conduzir as negociações em representação do arguido JVP, para concluir que foi ele (ou um colaborador seu por ele mandatado), quem a elaborou e a fez chegar à S SAD – era ele que sabia os termos do acordo, designadamente montantes e prazo, tendo sido ele quem fechou as negociações. Carece, portanto, de qualquer sentido lógico dedutivo, que pudesse ter sido de outrem a autoria da elaboração e envio da fatura. Note-se que o montante em causa era elevadíssimo e que não poderia ter deixado o acordo de pagamento de ficar consignado em documento, o que era sobremaneira do interesse de JVP, respetivo credor.»
«Ora, não tendo sido outorgado o Aditamento por parte deste arguido, pelas razões também já supra motivadas, a ele interessava diligenciar pelo recebimento da quantia, deixando exarado documentalmente os prazos e montantes do pagamento e só ao seu representante negocial competia tal tarefa.»
«VI) Factos 2.1.48 a 2.1.70»
«- DOCUMENTOS de:
«fls. 49, 50, 51, 52, 590, 719-720, 789, 1443, 1444, 1446, 1861-1823, 2069-2073, 2124- 2130, 2220-2224, 4501 a 4503, 4642 e 4657- 4658; fls. 111-112, 121, 146-147 e 154-155 do Apenso IV, fls. 211, 214-249, 261, 262, 264, 265, 295-298 e 323-326 do Apenso V;»
«- DEPOIMENTO de RF, Inspetor da PJ, que elaborou os Exames de fls. 1801 a 1823, 2124 a 2130 e 2220 a 2224, e esclareceu a dinâmica dos fluxos financeiros aí descritos.»
«Em particular, no que tange ao facto 2.1.48 e 2.1.49, traz-se de novo à colação e dá-se por reproduzido o que acima se exarou sobre a credibilidade que nos mereceu o doc. de fls. 719-720, bem como o que se motivou a propósito dos factos 2.1.42 e 2.1.44.»
«O facto 2.1.50 resulta da ineficácia que o doc. obteve em termos de conclusão contratual e da responsabilidade do arguido RBM, nesta matéria, resultante das suas próprias DECLARAÇÕES.»
«Uma palavra impõe-se quanto ao facto de se ter tido por provado que a transferência efetuada em 21.9.2000 da conta da S SAD para a da G no Barclays teve como destinatário o arguido JVP, uma vez que na ordem de transferência, a fls. 44, não se extrai a ligação com o jogador. O arguido assumiu em audiência de Julgamento ter recebido pagamentos do S decorrentes do “Prémio de assinatura”, permanecendo em dívida a quantia de 800 000 € que foi reclamar em 2005. E na verdade, foi esta a quantia que, nesse ano de 2005, as partes assentiram que era devida, pois como resulta dos autos, o S reteve 250.000 a título de pagamentos a efetuar em sede de procedimentos executivos, efetuou o pagamento de 150.000€ à JOD e pagou ao jogador 400.000€, retendo o imposto devido, pelo que lhe entregou 312.000€. Desta feita, é imperioso concluir que o arguido admitiu ter recebido todas as quantias conforme se alude a pronúncia, por referência à acusação.»
«VII) Factos 2.1.71 a 2.1.81»
«- DOCUMENTOS de fls. 2301-2307;»
«- DECLARAÇÕES do arguido JVP, que confirmou não ter feito constar os valores em causa nas declarações de IRS relativas aos mencionados anos;»
«- DEPOIMENTO de JP, Inspetor Tributário, que descreveu e esclareceu a forma de elaboração do doc. de fls. 2301 a 2307.»
«VIII) Factos 2.1.82 a 2.1.98»
«- DOCUMENTOS de:
«fls. 700-701, 593-596/1358-1362, 818-819, 820-821, 1363, 1364, e 4442 a 4457; fls. 38-39 do Apenso II;»
«- DECLARAÇÕES do arguido JVP, que confirmou ter-se dirigido ao S a fim de reclamar a quantia que ainda lhe era devida relativa ao prémio de assinatura, o que fez num primeiro momento na companhia do dirigente do BV e depois na companhia do então seu advogado, Sr. Dr. JC; mais disse ter então assinado um acordo com a S SAD, nele tendo sido aposta data anterior à do real momento da assinatura; inquirido sobre a razão de ser da assinatura do doc. em que se assumia responsável pelo pagamento de qualquer crédito que a G viesse a invocar junto do S, referiu que o fez por exigência deste Clube e ser a única forma de obter o dinheiro que lhe era devido. Ora, esta versão, carece de sustentação: com efeito, é incongruente vir dizer que, ele, arguido JVP, nada tem a ver com a G, que consubstancia “um meio arranjado” pelo S para ultrapassar o pagamento dos impostos que lhe eram devidos, e num segundo momento vir dizer que assumiu responsabilidade por créditos que a aludida empresa invocasse possuir sobre o Clube apenas para receber o dinheiro em falta, sendo certo que sempre foi assessorado por advogados e tinha na sua posse o “Aditamento”, que era documento idóneo para reclamar a dívida. Logo, forçoso é concluir que JVP bem sabia que os pagamentos lhe haviam sido feitos por intermédio da G e que esta sociedade não estava no domínio fáctico dos representantes da S SAD, pelo que a declaração de assunção da responsabilidade, acautelava a S SAD de pedidos supervenientes (por força da existência da fatura relativa ao prémio de assinatura) e não lhe acarretava a ele qualquer risco;»
«- DECLARAÇÕES do arguido RBM, que confirmou que, em 2005, o arguido JVP veio reclamar o remanescente ainda não pago, acompanhado pelo seu advogado de então, o Sr. Dr. JC, exibindo o “Aditamento”;»
«- DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS:
«• FSF, Presidente da S SAD em 2005, que declarou ter sabido que o arguido JVP foi reclamar valores ao S, mas que nada acompanhou diretamente. Mais disse ter proibido, no decurso do seu mandato, que empresas detivessem direitos desportivos dos jogadores, ainda para mais com sede no estrangeiro, por questões de transparência fiscal; o seu depoimento afigurou-se claro, objectivo e credível;»
«• CF, que em 2005 estava de volta à S SAD, e disse ter conhecimento que o arguido JVP veio reclamar a quantia ainda em falta;
«• PA, Administrador da S SAD em junho - julho de 2005, que reconheceu ter aposto a sua assinatura no acordo então celebrado;»
«• ADC, Presidente do CA da S SAD em 2005, que referiu que lhe foi apresentado um documento para assinar, a fim de resolver o problema com o JVP, o que fez, confirmando a sua assinatura no documento de fls. 593-594 /1358-1361; mais confirmou que as assinaturas apostas nos cheques de fls. 1363 e 38 do Apenso II são as suas;»
«• RC, jurista da S SAD que esteve presente nas negociações de 2005 com o arguido JVP e relatou, de forma credível, a dinâmica dos factos à data; disse que lhe foi comunicado que a G se encontrava em vias de dissolução, o que confirmou pelos seus próprios meios; mais relatou que após propostas goradas de revogação do contrato do “Prémio de assinatura” celebrado entre a S SAD e JVP e assinatura de um outro contrato de cedência de direitos à G, bem como de um de prestação de serviços elaborado pelo representante deste arguido, acabou por ficar acordado entre ela e o Dr. JC que revogar-se-ia o contrato com uma data falsa e elaborar-se-ia outro, conforme se encontram nos autos, e o arguido JVP, para salvaguarda da S SAD assumir-se-ia como responsável pelo pagamento de créditos que viessem a ser invocados pela G, documento que foi por si entregue na Beloura, na residência de MRT, que ficou seu fiel depositário;»
«•JC, à data advogado do arguido JVP, que confirmou a existência de reuniões e negociações para cobrança, por parte do aludido arguido à S SAD da quantia ainda em falta e relativa ao prémio de assinatura, com exibição do designado “Aditamento”;»
«•DT, amigo do arguido JVP, que disse de forma clara e credível que o mencionado arguido o contactou para receber uma verba do S e que lhe fez esse favor, através da sua empresa, emitindo uma fatura com o montante acordado, relativa a uma prestação de serviços que, de facto, não existiu, sendo que após o pagamento dos respectivos encargos fiscais, acertaram contas;»
«IX) Factos 2.1.99 a 2.1.108»
«- DOCUMENTOS de fls. 61-62, 2166-2168, 2177-2179, 2278, 2279, 2280, 3190 a 3206, 4173 a 4178 e 4219 a 4345;»
«- DEPOIMENTO TESTEMUNHAL de:
«• HS, que foi claro e credível, relatando os factos conforme se encontram plasmados na acusação, designadamente que o seu amigo JVP lhe pediu um favor e que, acedendo, aceitou a doação fictícia do dinheiro, pagou o respetivo imposto, e devolveu o remanescente ao seu legítimo dono;»
«• AD, amigo e compadre do arguido JVP e seu gestor bancário no BPN, que veio dizer ter diligenciado no sentido do regresso a contas em Portugal do dinheiro que este arguido tinha no estrangeiro, designadamente o que esteve depositado no Dexia, o que se afigurou conforme à documentação junta aos autos;»
«• FL, ROC, que confirmou, nesta matéria, o que a prova documental já revelara;»
«X) Factos 2.1.109 a 2.1.115»
«Os factos atinentes ao dolo e à consciência da ilicitude resultam, em primeira linha, da concatenação de toda a factualidade provada com as regras do conhecimento da vida e da lógica das coisas. Com efeito, a dinâmica dos factos é indiscutivelmente reveladora de que todos os arguidos sabiam e quiseram omitir ao Estado o rendimento auferido a título de prémio de assinatura pelo arguido JVP.
Se não, vejamos: primeiramente as partes acordam os termos de um negócio que é vertido para o “Aditamento”, no montante global de 800 000 000$00, a pagar em três tranches; seguidamente, colocam de lado o “Aditamento”, porquanto uma das partes outorgantes entende que o ali exarado não foi o contratado, designadamente quanto ao valor a pagar, uma vez que do contrato de trabalho consta que é ilíquido e deste nada consta a esse título, não o assinando; é mister ultrapassar a questão, sendo que a assunção, por parte da S SAD, do valor ilíquido sobre a quantia acordada lhe acarreta um acréscimo significativo ao valor exarado e, por outro lado, como o próprio arguido LVD por diversas vezes disse, importa comprar “a paz do balneário”, satisfazendo a exigência de JVP; o arguido AJV tem ligações à G e sendo os valores pagos a esta empresa sediada no Reino Unido, é possível reduzir sobremaneira o acréscimo a pagar e resolver a questão; todos têm de saber e estar de acordo em processar/receber os pagamentos pela empresa e outra finalidade não pode haver que a descrita de omitir e não pagar ao Estado; do novo acordo, aos 800 000 000$00 inicialmente fixados, passam a acrescer 190 000 €.»
«O dolo específico foi, pois, por parte de todos os intervenientes, o de não ter de pagar ao Estado português o montante devido a título de imposto sobre o rendimento, e todos os arguidos se conluiaram para o efeito, pois sem qualquer um deles a concretização do plano não seria possível. Cada um negociou no seu interesse e o acordo final foi o recebimento do montante pelo seu valor líquido por banda de uma das partes – arguidos JVP/ representante AJV, no interesse daquele -, com um acréscimo que configura um “mal menor” para os arguidos pagadores.»
«Note-se, aliás, que o facto de o arguido JVP ter pedido ao seu amigo HS para apresentar, em nome deste, a declaração de regularização tributária, em Dezembro de 2005, quando já o presente processo havia sido despoletado, é bem sintomático de que o referido arguido, numa fase inicial, não desejava dar a conhecer que os depósitos a regularizar provinham de rendimentos seus, relacionados que estavam com os factos dos autos.»
«Também se nos afigura cristalino que os fluxos financeiros relativos aos pagamentos efetuados pela S SAD a que os autos se reportam, por intermédio das empresas G e T, com as quais o arguido JAV se encontrava relacionado, tiveram este arguido por mentor e executante, pois era ele, e só ele, quem detinha as referidas ligações, como acima sobejamente se motivou.»
«Outro escopo não poderia presidir às transferências e levantamento em cash que não fosse o de “apagar o rasto” da transferência, como deflui da conjugação da factualidade assente com as regras da experiência comum.»
«A matéria tida como assente que se reporta às contestações apresentadas pelos arguidos assenta nos documentos com que foram instruídas, em particular, de fls. 25 do Apenso II e 3034 a 3114 quanto ao arguido JVP, e depoimentos testemunhais, referidos na motivação acima exposta. Relevou, em particular, quanto à existência de negócios anterior aos factos dos autos entre a S SAD e a G, o depoimento de MRT, já anteriormente mencionado, e quanto à explicitação dos fluxos financeiros a testemunha FL, Revisor Oficial de Contas, a que também já se aludiu, e que a pedido deste arguido os analisou.»
«No que respeita às condições pessoais dos arguidos relevaram os CRC’s juntos a fls. 3512, 3513, 3514 e 3515, bem como os Relatórios Sociais oportunamente incorporados nos autos a fls. 4491 a 4495, 4558 a 4561, 4562 a 4566 e 4620 a 4624/4625 a 4629. CL, AD e JS abonaram também sobre as qualidades pessoais do arguido JVP.»
«No que tange à MATÉRIA TIDA POR NÃO ASSENTE, importa referir, ademais, que se não fez prova da sua positividade.»
«Em particular, impõe-se uma palavra quanto à imputação do dolo do crime de branqueamento a JVP.»
«A questão que se coloca é se o referido arguido agiu de comum acordo com o co-arguido AJV, designadamente, se teve conhecimento da circulação do dinheiro, que se traduziu na movimentação pela conta da T, com a finalidade de ocultação, a qual terminou com a respetiva integração na sua conta, com vista a criar a aparência de legalidade - depósito bancário na conta da JH Inc., no Banco... Cayman.»
«JVP veio declarar que abriu a conta no estrangeiro, concretamente no Dexia, no Luxemburgo, por indicação do amigo AJV para receber o dinheiro relativo ao prémio de assinatura, assim fazendo um jeito ao S que pagaria menos imposto.»
«Tinha, pois, o arguido, consciência do acto ilícito subjacente, que era o não pagamento do imposto devido (mesmo acreditando que o respetivo montante fosse obrigação a cumprir pelo Clube). Quis com essa conduta, segundo declarou, auxiliar, obstando ao pagamento do imposto.»
Porém, será que se pode concluir que com a sua conduta – a abertura da referida conta – teve a intenção de auxiliar uma operação de conversão ou de transferência do dinheiro a receber para tentar ocultar ou dissimular a verdadeira natureza das vantagens do ilícito? Relativamente a este elemento intencional (que se afigurou positivo quanto ao arguido AJV, pelos motivos acima expostos, designadamente, o seu relacionamento com as empresas G e T, através das quais o dinheiro transitou) fica-nos, no que respeita ao arguido JVP, uma dúvida inultrapassável que há de reverter a seu favor no sentido de se não ter a factualidade relativa ao dolo como provada. Com efeito, não se tendo feito prova nem se extraindo de um raciocínio lógico-dedutivo que o arguido soubesse a tramitação dos fluxos financeiros entre o depósito na conta da G e o efetuado na sua conta no Banco..., no Luxemburgo, não se teve por provado que tivesse a intenção de auxiliar uma operação de conversão ou de transferência do dinheiro a receber para tentar ocultar ou dissimular a verdadeira natureza das vantagens do ilícito. Teve, isso sim, como acima se deixou exarado, a de obstar ao pagamento do imposto devido, para o que abriu uma conta no estrangeiro, na qual seria depositado o dinheiro, por intermédio da G»

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2.2. DA QUESTÃO DE DIREITO
O objeto do presente recurso delimitado pelas respetivas conclusões prende-se com as seguintes questões:

I — RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
¨ O Tribunal só deveria ter mandado devolver ao arguido JVP o que vier a remanescer à quantia correspondente à condenação civil depois desta condenação estar satisfeita?
¨ Andou mal o Tribunal a quo quando suspendeu a execução da pena de prisão aplicada ao arguido JVP, subordinando-a a condição já cumprida?
¨ A suspensão da execução da pena de prisão deverá ser subordinada ao cumprimento efetivo de outros deveres?
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II — RECURSO DO ARGUIDO JVP
¨ A decisão impugnada é nula: proibição de valoração da prova (foi valorada prova produzida em sede de inquérito que não em julgamento) e na violação do princípio da imediação?
¨ erro de julgamento?
¨ erro notório na apreciação da prova e na avaliação da prova?
¨ Padece a decisão recorrida dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e de contradição insanável?
¨ Terão sido violados os princípios da presunção de inocência e do in dubio por reo?
¨ Deveria ter-se concluindo no sentido da improcedência do pedido de indemnização civil?
¨ Caducidade do direito à liquidação do imposto
¨ Exigência do cometimento do crime com dolo específico

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III — RECURSO DO ARGUIDO AJV
¨ A caducidade do direito de liquidação do imposto;
¨ A prescrição do procedimento criminal;
¨ A errada valoração do alegado "relacionamento" do arguido com a empresa “G”, sem conteúdo preciso e sem integrar qualquer vínculo ou contrato;
¨ Existirá erro de julgamento?
¨ Aquando da intervenção do arguido o regime legal em vigor não era o que foi aplicado pelo Tribunal?
¨ A prova produzida não é suficiente para sustentar e justificar a condenação?
¨ Há erro de direito?
¨ Natureza da pena?
¨ O quantum das penas?
¨ Será ilegal a condição imposta de suspensão da execução da pena de prisão?
¨ A não constituição da “SCP, SAD” como arguida;
¨ Será a acusação nula por o arguido não ter sido informado da totalidade dos factos que lhe foram imputados?

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III — RECURSOS DOS ARGUIDOS LVD E RBM
¨ A natureza específica do crime de fraude fiscal pressupõe que o seu autor seja o sujeito passivo do imposto e não qualquer pessoa;
¨ Padecerá a decisão impugnada dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de falta de fundamentação, e de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão?
¨ Entender que age com dolo do tipo ou com dolo específico do crime de fraude fiscal quem atua de forma a permitir que outrem se furte ao cumprimento dos seus deveres fiscais, redunda em norma materialmente inconstitucional?
¨ erro de julgamento?
¨ erro de direito?
¨ Terá agasalho no art. 14.º do R.G.I.T. a suspensão da execução da pena dos arguidos LVD e RBM (não sujeitos passivos do IRS), sob condição de pagamento das quantias em causa?
¨ O Tribunal a quo violou o princípio do pedido?
¨ A decisão impugnada viola as finalidades da punição criminal, previstas no art. 40.º do CP?
¨ O quantum das penas?
¨ Será caso para atenuação especial da pena?
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RECURSO DO DESPACHO DE FLS. 3657-3661:
¨ Será operante a exceção de prescrição do procedimento criminal?

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Por razão de ordem lógica começaremos pela abordagem da questão de facto e de seguida passaremos para a questão de direito.
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Como é sabido, os fundamentos dos recursos devem ser claros e concretos, pois aos Tribunais não incumbe perscrutar a intenção dos recorrentes, mas sim apreciar as questões submetidas ao seu exame.
As conclusões das motivações não podem limitar-se a mera repetição formal de argumentos. Devem constituir uma resenha clara que proporcione ao Tribunal Superior uma boa compreensão do objeto dos recursos.
Por outro lado, as conclusões devem estar em consonância com a parte expositiva da motivação recursória. Com efeito, só merecem ser consideradas na medida em que traduzem a síntese do que se desenvolveu no texto da alegação.
Na verdade, as conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo da alegação.
Conforme abundante jurisprudência, as conclusões do recurso servem para balizar a decisão. O âmbito do recurso determina-se em face das conclusões das motivações dos recorrentes, só abrangendo as questões aí contidas.
A atuação das faculdades de controlo do Tribunal de Relação sobre o julgamento da questão de facto realizada em 1.ª instância não obedece a um modelo único ou uniforme de recurso, sendo possível identificar o exercício de poderes no âmbito do modelo de reponderação, de reexame, de cassação – plena e limitada – e de substituição.
Nos tempos que correm há que desmotivar impugnações temerárias e infundadas da matéria de facto.
Nos termos do disposto no art. 428.º do Código de Processo Penal, o Tribunal de Relação conhece de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, n.º 3 do mesmo Corpo de Leis. Cabe desde já ter presente que essa dimensão do recurso não constituiu um novo julgamento do objeto do processo, como se a decisão da 1.ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente ([i]).
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Porque tal releva importa desde já deixar claro o seguinte:
É consabido que a chamada revista alargada configura uma impugnação restrita da matéria de facto, mas não é a verdadeira impugnação da matéria de facto conforme o disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Os recorrentes não podem confundir a invocação dos vícios previstos nas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal com os requisitos da impugnação da matéria de facto a que se reporta o n.º 3 e respetivas alíneas e o n.º 4 do art. 412.º do referido Corpo de Leis: trata-se de institutos distintos com natureza e consequências distintas.
Na verdade, os vícios previstos no referido art. 410.º devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência e aí se ficam; a impugnação ampla da decisão da matéria de facto lavra fundo na apreciação da prova.
Ora, se é verdade que a existência de um dos vícios do referido art. 410.º nos espelha algo de errado da decisão da matéria de facto, o facto de se não verificar nenhum daqueles vícios, não garante que a matéria de facto haja sido bem julgada.
Com efeito, pode não existir nenhum dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal e no entanto a prova ter sido mal apreciada, ocorrer um verdadeiro erro de julgamento. Daí que nas motivações recursórias não possa existir confusão nem amálgama entre invocação dos referidos vícios e a impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do art. 412.º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
Podem coexistir a invocação dos vícios do n.º 2 do art. 410.º e a impugnação de acordo com o referido 412.º, n.º 3, e pode existir uma sem a outra. 
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Do vício do art. 410.º, n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal — insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
Quando os recorrentes alegam este vício, partindo necessariamente da análise do texto da decisão, devem especificar os factos que em seu entender eram necessários para a decisão justa que devia ser proferida, que o tribunal a quo devia ter indagado e conhecido e não indagou e consequentemente não conheceu, podendo e devendo fazê-lo. Assim os recorrentes devem procurar convencer o tribunal de recurso que faltam factos, os quais devem identificar, necessários (fundamentando esta necessidade invocando normas jurídicas pertinentes) para a decisão e que não foi levada a cabo indagação a respeito deles (fundamentando).
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Cabe aqui desde já ter presente que a insuficiência para decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados. Na primeira critica-se o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na segunda censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Esta segunda opção tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412.º n.º 3 do Código de Processo Penal, com reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que terão que ser visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas.
Também nada tem a ver com o vício da insuficiência o caso em que a recorrente enumera uma série de factos que foram dados como provados e que na sua ótica deviam ser dados como não provados.
O que verdadeiramente os recorrentes não aceitam é apreciação da prova levada a efeito pelo Tribunal. Claramente, a questão nada tem a ver com o vício do art. 410.º, mas com a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Em face do resumidamente exposto, quando os recorrentes alegam este vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada não podem almejar um outro julgamento de um outro processo, não pode subverter-se o princípio da vinculação temática do Tribunal.
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Do vício do art. 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal — contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão
Quando os recorrentes alegam este vício cabe-lhes especificar, no texto da decisão impugnada a matéria da contradição, isto é, aquilo que está em contradição.
É consabido que a contradição insanável nos termos plasmados neste normativo tanto pode existir na motivação da decisão da matéria de facto como na própria decisão da matéria de facto.
Parece claro que há contradição na fundamentação quando para a decisão de um determinado ponto de facto são invocados meios probatórios inteiramente incompatíveis entre si. Como também parece haver contradição quando a motivação num raciocínio lógico conduz ao contrário do que se decidiu.
São casos flagrantes de contradição na decisão da matéria de facto:
(i) Dar como provados dois factos totalmente incompatíveis entre si;
(ii) Dar como provado e não provado o mesmo facto.
Ora, para que este vício se verifique a contradição tem de ser insanável, isto é não ser ultrapassável pelo Tribunal de recurso com eventual recurso às regras de experiência ou elementos dos autos. Assim, o facto de se verificar uma qualquer contradição no texto da decisão não quer dizer que se esteja logo em presença do vício do art. 410.º, n.º 2 alínea b) do Código de Processo Penal.
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Do vício do art. 410.º, n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal — erro notório na apreciação da prova
Se os recorrentes alegam a existência de erro notório na apreciação da prova devem especificar no texto da decisão, sem recurso a prova documentada, os factos dados como provados ou não provados em que se consubstancia tal erro.
Neste particular cabe ter presente que a apreciação errada da prova não é logo caso de erro notório na apreciação da prova de que cuida a lei, pela singela razão de que aquela errada apreciação pode não se evidenciar no texto da decisão.
Ora, o erro notório é o erro que salta aos olhos e que, por isso, se vê logo da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras de experiência. O eventual erro na apreciação da prova, por regra, nunca emerge como erro notório na apreciação da prova. Assim, quando os recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art.º 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e não agarrar-se ao vício do erro notório.
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Quando os recorrentes impugnam a decisão proferida sobre matéria de facto, os recorrentes no corpo motivador e depois nas conclusões deve especificar, isto é indicar devidamente, os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados (cf. n.º 3 do art. 413.º do Código de Processo Penal). Isto facilmente se compreende pela singela razão de que o Tribunal de recurso não vai rever a causa, mas apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos de facto que os recorrentes consideram incorretamente julgados.
Na verdade, necessário se torna que os recorrentes identifiquem corretamente o ponto de facto que foi dado como provado ou não provado, se é o caso, e não devia tê-lo sido, na sua ótica.
Em segundo lugar, os recorrentes devem especificar as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida.
Os recorrentes, tratando-se de prova testemunhal devem identificar as testemunhas cujos depoimentos, a seu ver, quanto ao concreto ponto de facto em questão, impõem decisão diversa [apontando as concretas passagens dos depoimentos dessas testemunhas em que se funda a impugnação (cf. art. 412.º n.º 4 do Código de Processo Penal)].
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Conforme jurisprudência fixada pelo Ac. do Plenário das Secções Criminais do S.T.J. de 19OUT1995 (Sá Nogueira) ([ii]), é oficioso pelo Tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
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Nos termos do art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos Tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.
O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos arts. 97.º, n.º 4 e 374.º, n.º 2 exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (cf. art. 125.º do Código de Processo Penal).
A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do “realmente acontecido” conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objeto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca derivados da(s) finalidade(s) do processo ([iii]).
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (cf. art. 127.º Código de Processo Penal).
A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito dos julgadores pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica ([iv]).
Daqui resulta, como realça Marques Ferreira, um sistema que obriga a uma correta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objeto do processo, de modo a permitir-se um efetivo controlo da sua motivação ([v]).
Ora, quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem aos julgadores do Tribunal a quo.
Na verdade, a convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos, perícias e outras provas constituídas, também, pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “olhares de súplica” para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos ([vi]).
Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram.
Aliás, segundo pesquisas neurolinguísticas, numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respetivamente, 38% e 55% desse poder ([vii]).
Trata-se de um acervo de informação não verbal, rica, imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Por isso, os juízes devem ter uma atitude crítica de “avaliação da credibilidade do depoimento” não sendo uma mera caixa recetora de tudo o que a testemunha disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso “saber” ([viii]).
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16DEZ1998, escreve-se que a apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, “há de fundar-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros, mas que não poderá deixar de ser enformada por uma convicção pessoal” ([ix]).
Como realça Enrico Altavilla, “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras” ([x]).
Um testemunho não é necessariamente infalível nem necessariamente erróneo como salienta Carrington da Costa, advertindo para que “todo aquele que tem a árdua função de julgar fuja à natural tendência para considerar a concordância dos testemunhos como prova da sua veracidade”. Deve, antes, ter-se bem presente as palavras de Bacon: “os testemunhos não se contam, pesam-se” ([xi]).
Cumpre ainda aqui relembrar o ensino de Paolo Tonini ([xii]): “Il conflitto tra accusa e difesa non può essere risolto in base ad un atto de fede” ([xiii]).
Ora, se bem pensamos, a livre apreciação da prova constitui um poder-dever dos julgadores que axiologicamente emerge do princípio do Estado de Direito Democrático e da Dignidade da Pessoa Humana ([xiv]), o qual significa a faculdade de formar uma convicção pessoal de verdade dos factos, é racional e assenta em regras de lógica e experiência objetiva e só em circunstâncias excecionais que espelhem com meridiana clareza irracionalidade da convicção é que pode a nosso ver ser sindicada em 2.ª instância.
Por sua vez, para ser racional a convicção assenta necessariamente em provas e não na “corazonada” de que fala Enrique Ruiz Vadillo ([xv]).
Como refere Paolo Tonini ([xvi]) provar significa:
“Indurre nel giudice il convincimento che il fatto storico sai avvenuto in un determinato modo. Il fatto storico deve essere “reppresentatto” al giudice mediante altri fatti. La prova è, apunto, quel procedimento lógico in base al quale da un fatto noto se deduce l’ esitenza del fatto storico da provare e le modalità con le quali se è verificato” ([xvii]).
A finalidade da prova é convencer o juiz a respeito da verdade de um facto litigioso. Busca-se a verdade processual, ou seja a verdade atingível ou possível (probable true) do direito anglo-saxónico). A verdade processual emerge durante o processo, podendo corresponder à realidade ou não, embora seja com base nela que os magistrados devem proferir a decisão. O objeto da prova primordialmente são factos que se visam apurar em Juízo.
Ora, valendo-nos:
(i) Da noção de Malatesta ([xviii]) para quem a verdade é a conformidade da noção ideológica com a realidade, enquanto a certeza é a crença nessa conformidade, provocando um estado subjetivo  do espírito ligado ao facto, ainda que essa crença não corresponda à verdade objetiva;
(ii) Do ensino de Carrara ([xix]) “a certeza está em nós; a verdade está nos factos”.
Podemos afirmar que a descoberta da verdade é sempre relativa, pois o que é verdadeiro para uns pode ser falso para outros. A meta do Sujeito Processual e do colaborador na administração da justiça, no processo é convencer o Juiz, através de raciocínio, de que a sua noção de realidade é coerente, isto é, de que os factos se deram no plano real exatamente como foram narrados na acusação/pronúncia/contestação ou no depoimento feito de viva voz perante o Tribunal. Convencendo-se disso, os magistrados, ainda que possam estar equivocados, alcançam a certeza necessária para proferir a decisão. Quando formam a sua convicção ela pode ser verdadeira (correspondente à realidade) ou errónea (não corresponde à realidade), mas jamais falsa, que é um “juízo não verdadeiro”. Sustentar que os juízes  atingiram uma convicção falsa seria o mesmo que dizer que os julgadores atingiram uma “certeza incerta”, o que é claramente um contrassenso. Para haver condenação, exige-se que os magistrados tenham chegado ao estado de certeza, não valendo a mera probabilidade.
Como é sabido a atual redação do n.º 2 do art. 374.º Código de Processo Penal foi introduzida pela reforma operada pela Lei n.º 59/98, de 25AGO., sendo aditada em relação à redação anterior a exigência de exame crítico das provas nos mesmos termos que são exigidos no processo civil – art. 653.º, n.º 2 Código de Processo Civil na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39/95, de 02FEV. – tendo em vista as exigências de fundamentação da sentença e a necessidade de se avaliar a validade da prova.
Face a ela não bastará ao Tribunal fazer a indicação dos concretos meios de prova tidos em conta para formar a sua convicção. É necessário ainda que se expresse o modo como se alcançou essa convicção, descrevendo – sempre de modo conciso – o processo racional seguido e objetivando a análise e ponderação criticamente comparativa das diversas provas produzidas, para que se siga e conheça a motivação que fundamentou a opção por um certo meio de prova em detrimento de outro, ou sobre qual o peso que determinados meios tiveram no processo decisório. Por outras palavras, na esteira de Lopes do Rego ([xx]) podemos afirmar que “deverá fazer-se por indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador”.
Na verdade, a fundamentação é o cerne, a alma ou parte essencial do acórdão. Trata-se da motivação dos juízes para aplicarem o direito ao caso concreto da maneira como o fizeram, acolhendo ou rejeitando a pretensão de punir do Estado. É preciso que conste os motivos de facto (advindos da prova colhida) e os motivos de direito (advindos da lei, interpretada pelo juiz) norteadores do dispositivo (conclusão). É a nosso ver nem mais nem menos que a consagração no processo penal do princípio da persuasão racional ou livre convicção motivada.
Na realidade, se bem vemos, a sentença penal para assegurar o cumprimento de todos os princípios constitucionais, e por atingir no caso de condenação, a dignidade da pessoa humana, necessita de ser clara e os argumentos devem estar contidos nas provas dos autos, não podendo ser interpretados por analogia ou de forma extensiva, como ocorre em muitos outros casos.
Assim, pese embora o disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal a liberdade do julgador aí consagrada mais não é do que a liberdade para a objetividade, para a descoberta da verdade histórica ([xxi]).
A liberdade de apreciação da prova não significa que os magistrados possam fazer a sua opinião pessoal ou vivência acerca de algo integrar o conjunto probatório, tornando-se, pois, prova. O Juiz extrai a sua convicção das provas produzidas legalmente no processo, mas não presta depoimento pessoal, nem expõe as suas ideias como se fossem factos incontroversos. Contudo, revela-se natural que o Julgador possa extrair da sua vivência a experiência e o discernimento necessários para decidir um caso, embora deva estar fundamentado, exclusivamente nas provas constantes dos autos.
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À luz do que dito fica afigura-se-nos que os factos supra descritos resultaram provados e não provados pela convicção que o Tribunal a quo formou da análise e valoração de toda a prova produzida em julgamento tendo em conta os parâmetros plasmados na motivação acima transcrita.
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Ora é consabido que a verdade histórica em Direito é uma convicção prática firmada em dados objetivos que, diretamente ou indiretamente, permitem a formulação de um juízo de facto.
Na verdade, arduamente os julgadores poderão ter a certeza absoluta de que os factos aconteceram tal como eles são por si interiorizados, como são dados como provados.
Contudo, tal não impede que o Tribunal se convença da realidade dos mesmos na medida em que consiga alcançar certeza relativa. Esta traduz-se afinal num estado psicológico que se alicerça em razões objetivas e fundamentáveis não impondo verdade apodíctica conclusiva.
Como referia Carnelutti ([xxii]): “convicção é a palavra que alude a vitória e a luta: a vitória das razões do pró, face às razões do contra”.
Todavia, se bem vemos, necessário se torna que os factos demonstrados pelas provas produzidas na sua globalidade encaminhem para a certeza relativa, isto dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação/pronúncia as define e materializa.
No caso em apreço, os arguidos/recorrentes prestaram declarações em Audiência de Discussão e Julgamento. Contudo, não podemos olvidar que a força probatória da globalidade das suas declarações e da globalidade dos depoimentos das testemunhas MCC; JCS; CRF; JB; RF; JFL; MRT; PLG; APT; MMS; CGL; FSF; CBR; ADC; PBA; DMT; APC; RPC; RCC; ADD; AFL; JGC; e HS é apreciada livremente pelo Tribunal, devendo este julgar segundo a sua convicção, formada sobre a livre apreciação das provas, de modo a chegar a decisão que lhe parecer justa.
Na verdade, estamos num campo em que não é possível criticar com razoabilidade a convicção dos julgadores em 1.ª instância, dada a natural falta de imediação com as provas produzidas em audiência, sendo certo que é o Tribunal a quo que se encontra numa relação de proximidade comunicante com os participantes no processo, de tal modo que é este Tribunal quem obtém uma perceção própria do material probatório que terá como base da sua decisão.
Ora, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum, o que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não ocorre no caso sub judice.
Por isso que este Tribunal ad quem, sem os benefícios que conferem a imediação e a oralidade presentes perante o Tribunal recorrido, não pode desconsiderar depoimentos que foram “pesados” ou considerar declarações que foram, em primeira instância total ou parcialmente desconsideradas, sem razões sustentáveis, que sirvam de suporte, a partir da decisão.
Com efeito, como já acima deixámos expresso existem aspectos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e tem contacto vivo e imediato com os arguidos, maxime a recolha da impressão deixada pela personalidade dos arguidos / recorrentes, quando como aconteceu no caso vertente, optaram por falar em Juízo sobre os factos imputados.
De veras a perceção das declarações dos arguidos que se dispuseram a falar em Audiência de Discussão e Julgamento e dos depoimentos das aludidas testemunhas só é completamente conseguida com a oralidade e a imediação das provas.
Só estes princípios permitem avaliar o mais concretamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes e uma plena audiência destes ([xxiii]).
In casu da análise da decisão recorrida junta fls. 4676-4770 (16.º volume) em confronto com a globalidade das declarações dos arguidos/recorrentes e dos depoimentos das testemunhas acima indicadas que por este Tribunal foram devidamente “pesados”; e da prova documental para os autos carreada não emerge que o Tribunal a quo com a segurança que atrás indicámos tivesse feito uma errada valoração da prova produzida, examinada e valorada em audiência de discussão e julgamento.
Com efeito, cremos que quanto a este quid o acerto da decisão transparece da economia dos seus próprios termos, porquanto dela flui uma análise criteriosa da prova feita de forma a permitir a compreensão da razão pela qual os factos plasmados na decisão recorrida foram dados como provados e não provados.
Na verdade, a decisão recorrida examinada na globalidade, contrariamente ao afirmado pelos arguidos / recorrentes, assenta em premissas que se harmonizam entre si segundo um raciocínio lógico e coerente e também não se vislumbra que afrontem as regras de experiência comum.
Ora, a prova começa onde se perde, subjetivamente a consciência da probabilidade e in casu no que concerne à receção da prova para além do que dito fica cumpre ter presente que o Tribunal a quo em função da oralidade e imediação, não deixou de atender aos níveis de comunicação ou canais de informação:
1.º - O “audível linguístico” veículo de mensagem que tem a cadeia de significantes: é o escutado;
2.º - O “audível-paralinguístico” que respeita ao conteúdo da informação: o entendido;
3.º - O da “Infraverbabilidade” cujos significantes se recrutam no campo da comunicação extralinguística: contactos visuais, olfativos, tácteis-cutâneos, termotácteis e comportamentais: o sentido; e
4.º - O “contextual”, o da afetividade que rodeia a comunicação intra-humana: o ressentido.
Por isso, bem andou o Tribunal a quo ao fixar os factos provados e não provados acima indicados, e afirmamos isto, desde já, sem prejuízo do que acrescentaremos mais abaixo.
Com efeito, é de todos sabido que o nosso ordenamento adjetivo penal adotou, embora com limitações: “salvo quando a lei dispuser diferentemente” –, o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Ora, trazendo à colação o pensamento de Massimo Nobili ([xxiv]) o “principio del convencimento del giudice”, assenta em dois alicerces: na lógica do juiz e na crítica refletida (“crítica ragionata”).
A propósito de tal lógica e razoabilidade realça-se que o convencimento do juiz é livre somente no sentido em que ele será fruto e meta derradeira de individual razoabilidade. Em particular se o critério do livre convencimento equivale a uma ausência de prova legal, isso “não dispensa o juiz da observância daqueles critérios que obedecem às exigências de ordem lógica”, os quais se colocam como um verdadeiro e próprio limite à liberdade do juiz. Deste modo, com maior rigor, numa qualidade razoável não prefixada legalmente, obtida mediante um processo indutivo/dedutivo que se encontra a verdadeira substância do novo método: “de tal modo se alcançará a prova aquelas circunstâncias que de outro modo não são verificáveis (pelo juiz) e é nesta atividade que se consubstancia a essência lógica da sua função” ([xxv]).
Por regras de experiência, ou “massima de esperienza”, entende-se uma regra de comportamento que exprime aquilo que acontece na maior parte dos casos (id quod plerumque accidit); mais precisamente, trata-se de uma regra que é extraída de casos similares ([xxvi]).
Como refere Paolo Tonini ([xxvii]), a diferença entre máximas de experiência e mera conjetura “reside no facto que no primeiro caso o dado já aconteceu (è già stato), ou vem de qualquer maneira submetido a verificação empírica e portanto a máxima pode ser formulada sob a escolta do id plerumque accidit, enquanto no segundo caso tal verificação não está estabelecida, nem pode estar, e fica afiançada a um mero cálculo de possibilidades, de modo que a máxima permanece insuscetível de verificação empírica e portanto de demonstração”.
A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vem afirmando a necessidade de que a máxima de experiência seja uma regra de comportamento humano e não uma “consideração de ordem sócio-cultural”, na medida em que os indícios inseridos numa série causal constituem anéis de cadeia de relações naturais constantemente uniformes do comportamento humano que segundo o id plerumque accidit conduzem a um resultado segundo a lei da psicologia pelo qual, em linha com a máxima, dada (acontecida) uma acção pode-se formular um juízo provável sobre outros que o precederam e que se lhe seguirão.
Na mesma linha de pensamento vai Stein F. ([xxviii]) “As máximas de experiência são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, desligados dos factos concretos que se julgam no processo, procedentes da experiência, mas independentes dos caos particulares de cuja observação se induziram e que, por cima (para além) desses casos, pretendem ter uma validade para outros novos”.
As provas que se produzem em Audiência de Discussão e Julgamento atingem, para além das declarações do arguido, quando este se dispõe a falar em Juízo como aconteceu no caso vertente, o formato de provas testemunhais e documentais.
A valoração da prova tem duas etapas essenciais: a primeira trata de depurar a eficácia probatória de cada meio de prova, até chegar ao convencimento de que um determinado facto é certo, ou não, em vista do que resulta de cada meio probatório; e a segunda centra-se na valoração probatória propriamente dita, comparando cada um dos factos reputados certos com os factos afirmados pelas “partes” ([xxix]). Na depuração dos instrumentos probatórios (controle de legalidade e silogismos probatórios) trata-se, afinal de comprovar a credibilidade das provas aportadas pelas “partes”, e este juízo de credibilidade ocorre integrado em vários silogismos probatórios, o primeiro dos quais está referido à fiabilidade ou confiança que gera cada um dos meios probatórios, estando referido o segundo à determinação da significação que deve outorgar-se aos factos expostos ao julgador por cada um de esses meios de prova e referindo-se o terceiro à verosimilhança ou crença de que são verdadeiros ou falsos os factos aportados ao processo ([xxx]).
Ora, como é sabido, o juiz prima facie está vinculado ao seguimento do material probatório que lhe é trazido pelos sujeitos processuais. Contudo, summo rigore tem o poder-dever de indagar, pela produção de meios de prova não carreados pelos intervenientes processuais, pela verdade histórico-material (cf. art. 340.º do Código de Processo Penal).
Cabe aqui lembrar que o princípio da investigação oficiosa em matéria penal adjetiva tem os seus limites previstos na lei e está desde logo condicionado ao princípio da necessidade, na medida em que só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitar o julgador a uma decisão condenatória ou absolutória devem ser produzidos por determinação do tribunal na fase de julgamento ([xxxi]).
Se bem vemos essa vinculação leva a uma necessidade lógico-dedutiva e indutiva que, alicerçada nas regras ou máximas da experiência comum, autorize o entendimento das razões empírico-racionais que levaram ao resultado probatório adquirido. Nesta linha o juiz está adstrito a esclarecer e precisar, na decisão, as razões e os meios de prova em que se fundou para se atingir à posição de liquidez probatória que firmou a sua convicção.
In casu, salvo o devido respeito por opinião em contrário, cremos que de uma leitura integral da motivação constante da decisão recorrida junta a fls. 4676-4770 (16.º volume) resulta inteiramente percetível a apreciação lógica da prova levada a efeito pelo Tribunal alicerçada em guias ou diretrizes objetivas que conduz a uma consubstanciação histórica dos factos razoavelmente compatível com o acervo probatório produzido e constante dos autos, com respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático e da Dignidade da Pessoa Humana, plasmados nos arts. 1.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa.
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Da motivação recursória dos aludidos arguidos/recorrentes flui que os mesmos invocam que a decisão impugnada padece dos vícios da previsão das alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art 410.º do Código de Processo Penal.
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Desde já afirmamos que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a decisão impugnada pelos recorrentes não padece de qualquer dos vícios da previsão do n.º 2, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Penal art. 410.º.
Vejamos sucintamente o porquê desta afirmação.
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Como vimos, no nosso sistema penal adjetivo vigora o princípio da livre apreciação da prova ou da livre convicção, consagrado no referido art. 127.º do Código de Processo Penal, segundo o qual, à exceção de quando a lei dispõe de forma diferente, a prova produzida em audiência é apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção das entidades judiciárias.
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O vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” encontra-se previsto no art. 410.º n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, sendo de conhecimento oficioso, verifica-se sempre que a matéria de facto dada como provada não permita a decisão de direito proferida.
Este vício acha-se ligado com a aplicação do princípio da livre apreciação da prova ou da livre convicção, na medida em que com a sua invocação (expressa ou implícita) se visa pôr em crise a valoração da prova feita pelo Tribunal a quo.
De uma leitura da decisão ora posta em crise por todos os arguidos/recorrentes, salvo devido respeito por opinião em contrário, facilmente se vislumbra que na mesma existe: motivação, a análise crítica da prova e a aplicação do direito, bem como o respetivo dispositivo, não existindo de modo real e efetivo os erros e vícios indicados pelos referidos recorrentes, sendo certo que a não apreciação de um argumento não constitui omissão de pronúncia apenas, e quando muito, traduz fundamentação deficiente sem representar nulidade. Na verdade, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelos Sujeitos processuais, apenas e tão só cabe pronunciar-se sobre os problemas concretos a decidir e não simples argumentos, opiniões. In casu o Tribunal apreciou todas as questões relevantes à boa decisão da causa. Por isso, desde já aqui se declara que a decisão impugnada não sofre do invocado mas não verificado vício de omissão de pronúncia.
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Na verdade, tendo o Tribunal enumerado as provas que teve ao seu dispor, indicando os aspectos essenciais do seu conteúdo, e por consequência, o modo como formou o juízo de veracidade, cumpriu quantum satis, com o dever de fundamentação contido no art. 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal ([xxxii]) naufragando igualmente o invocado vício de falta de fundamentação.
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Mas será que a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão?
De uma leitura da decisão recorrida facilmente se vislumbra que dos factos dados como provados resultam no entender do Tribunal a quo todos os elementos objetivos e subjetivos que permitem a subsunção da apurada conduta dos arguidos/recorrentes, aos tipos legais de crime de que vinham pronunciados. E dizemos isto sem prejuízo do que mais abaixo acrescentaremos em matéria de subsunção dos factos ao Direito, por ser a sua sede própria.
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O S.T.J. vem uniformemente decidindo sobre esta matéria:
O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa.
O erro notório na apreciação da prova existe quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspecto negativo, que nessas circunstâncias tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental ([xxxiii]).
Há insuficiência da matéria de facto para a decisão, sempre que dela resulte, através da sua leitura, isolada ou conjugadamente com as regras da experiência, uma lacuna ou hiato factuais que não permitam chegar à solução jurídica adequada à situação em causa – a solução justa do caso -, podendo e devendo o tribunal investigar todos os elementos julgados relevantes para essa decisão ([xxxiv]).
A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena ([xxxv]).
O vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objeto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso ([xxxvi]).
A insuficiência a que alude a alínea a) do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal decorre da circunstância do Tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do Código de Processo Penal), que é insindicável em reexame da matéria de direito ([xxxvii]).
Como acima deixámos exposto a insuficiência para decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente, segundo o(s) recorrente(s), foram dados como provados. Assim, enquanto numa se censura o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na outra censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Na verdade, summo rigore, esta segunda opção tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412.º n.º 3 do Código de Processo Penal com reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do mesmo Corpo de Leis que terão que ser visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas.
Ora, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art. 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal de 1987, só existe quando o Tribunal a quo, podendo fazê-lo deixa de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que a matéria de facto apurada não possibilita, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à sua apreciação ([xxxviii]).
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À luz destes entendimentos e tendo em mente a letra do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal, parece-nos que os vícios previstos no n.º 2, cujo conhecimento pelo Tribunal de recurso é oficioso, têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou emparelhada com as regras de experiência comum.
Tal vício configura-se como uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de mérito, isto é, quando se chega à conclusão de que, com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher” ([xxxix]).
O nosso mais Alto Tribunal vem entendendo que: “o vício de insuficiência da matéria de facto só existe quando o tribunal recorrido, não tendo esgotado o thema probandum, mesmo assim decide do fundo da causa” ([xl]).
Daí que, “a ideia de que a prova que se fez em julgamento é insuficiente para dar como provados determinados factos seja coisa diversa da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”. E isto porque, “o Tribunal julga segundo a sua livre convicção assente na prova e aí é inteiramente soberano” ([xli]).
Esta constitui a posição uniformemente tomada pelo S.T.J. em múltiplos acórdãos, de entre os quais, por nos parecer ainda de todo paradigmático e in casu aplicável, citamos:
“Se o recorrente pretende contrapor a convicção que alcançou sobre os factos com aqueloutra que o Coletivo teve sobre os mesmos livremente e segundo as regras da experiência (art. 127.º do Código de Processo Penal) está a confundir insuficiência da matéria de facto fixada com a insuficiência da prova para decidir” ([xlii]).
No caso em apreço, salvo o devido respeito por opinião em contrário, de uma leitura integral do texto da decisão recorrida não se vislumbra carência de factos (nem hiato factuais) que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de Direito, sobre a mesma.
Afigura-se-nos que na decisão recorrida na verdade nada falta para que uma decisão justa do caso, de direito, seja proferida, tendo o Tribunal a quo investigado todos os elementos julgados relevantes e possíveis para essa decisão.
Com efeito, do texto da decisão recorrida e da parcimónia dos seus próprios termos, flui com meridiana clareza que o Tribunal a quo deu como provados e não provados todos os factos relevantes para a decisão justa da causa.
Na verdade, da decisão ora posta em crise pelos recorrentes constam expressamente todos os factos relevantes à prolação de uma decisão justa.
Deste modo, no caso em apreço, do texto da decisão recorrida não resulta o vício da previsão do art. 410.º, 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o que aqui se declara.
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Estaremos perante contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão?
Como se sabe este vício traduz-se numa incompatibilidade não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os factos não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão ([xliii]).
É consabido que a não prova de um facto não prova o contrário, tudo se passando como nem sequer o facto tivesse sido alegado.
Porque assim é, salvo o devido respeito por opinião em contrário, no caso em apreço, inexiste qualquer contradição e muito menos insanável.
Ora, tão-somente surge contradição entre a fundamentação e a decisão, quando aquela esteja em oposição a esta, ou seja quando os fundamentos invocados, devessem, logicamente, levar a uma decisão diversa da que a sentença expressa.
In casu os factos dados por provados e não provados nada têm de contraditório.
Na verdade, “provar” significa, substancialmente, induzir no Juiz ao convencimento de que o facto histórico aconteceu de um determinado modo. O facto histórico deve ser “representado” pelo Juiz por meio de outros factos. A prova é nesse sentido, o procedimento lógico por meio do qual a partir de um facto conhecido se deduz a existência do facto histórico a ser provado e as suas circunstâncias.
Por sua vez, é consabido que a “máxima de experiência” é uma regra que expressa aquilo que acontece na maioria dos casos (id quod plerumque accidit), ou seja é uma regra extraída de casos similares. A experiência pode permitir a formulação de um juízo de relação entre factos: existe uma relação quando se conclui que uma determinada categoria de factos vem acompanhada de uma outra categoria de factos.
Com base nesse princípio emerge o seguinte raciocínio: em casos similares há um idêntico comportamento humano.
Este raciocínio permite apurar um facto histórico quando não há certeza absoluta mas uma grande probabilidade. A máxima da experiência é uma “regra” e, portanto, não pertence ao mundo dos factos; gera um juízo de probabilidade e não certeza.
Cabe aqui ter presente que a prova representativa e o indício se diferenciam não pelo objeto a ser provado, mas pela estrutura do procedimento lógico.
In casu face à materialidade fáctica considerada provada e não provada, bem como da respetiva fundamentação, não resulta que, a decisão ora posta em crise pelos recorrentes, devesse ser inteiramente oposta àquela para a qual apontava a respetiva fundamentação ou que a decisão padece de colisão entre os diversos fundamentos. A decisão impugnada consubstancia o corolário próprio daqueles mesmos factos.
Com efeito, tendo em mente o que já acima deixámos expresso, fazendo um raciocínio lógico não é de concluir que a fundamentação da decisão recorrida leve a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Por outra banda, a decisão posta em crise não reflete real oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada em matéria de facto. Por fim in casu os factos provados e não provados não se contradizem entre si nem se excluem mutuamente, sendo aqui de relembrar que a não prova de um facto não prova o contrário, tudo se passando como se esse facto não existisse, isto é, como nem sequer tivesse sido alegado, ficando pois fora da cidadela jurídica.
Ora só existe o vício da contradição insanável da fundamentação, da previsão do art. 410.º n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal quando, fazendo um raciocínio lógico, seja de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os elementos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; há contradição entre os factos quando os provados e não provados se contradigam entre si ([xliv]).
Como frisam Simas Santos e Leal Henriques “por contradição entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou qualidade. Para os fins do preceito [alínea b) do n.º 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência]” ([xlv]).
A contradição tem que resultar do texto da decisão, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos (n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal).
Ora, é consabido que são realidades diferentes a contradição na fundamentação e a contradição entre factos provados e fundamentação. Esta última é suscetível de poder vir a integrar um erro-vício de julgamento.
No caso em apreço num raciocínio lógico não é de concluir que a fundamentação da decisão recorrida justifica decisão oposta, mostrando-se a decisão ora posta em crise pelos recorrentes fundamentada, seguindo um raciocínio coerente que não levanta qualquer dúvida sobre as razões que levaram a que fossem dados como provados e não provados os factos e assentou em factos ou motivos que se mostram logicamente conciliáveis, daí a sem razão dos recorrentes.
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Face ao anteriormente exposto, facilmente se verifica que inexiste no caso em apreço o vício da previsão do art. 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal, o que aqui se declara.
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Existirá erro notório na apreciação de prova?
Os aludidos arguidos/recorrentes apontam para a sua presença.
Ora como acima vimos este vício tem de resultar do texto da decisão impugnada, por si ou conjugada com as regras de experiência comum. Está, há muito, assente o entendimento de que o vício de erro notório tem de resultar do texto da decisão recorrida sem a utilização de elementos externos à decisão, não sendo por isso admissível recorrer a declarações ou outros elementos que constem do processo ao até da audiência. Assim, para este efeito, não cabe aos recorrentes invocar o teor dos depoimentos ou interpretar meios de obtenção de prova ou documentos para os autos há muito carreados.
Contudo voltaremos a esta questão mais abaixo em sede de análise do invocado erro de julgamento, por ser a sua sede própria.
O S.T.J. vem recente e uniformemente decidindo sobre esta matéria que o erro notório na apreciação da prova existe quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspecto negativo, que nessas circunstâncias, tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental ([xlvi]).
Será que no caso em apreço os factos dados como provados são contraditórios com os restantes factos dados como provados ou não provados? Traduzem falha grosseira e ostensiva na análise da prova? Retirou-se dos factos apurados uma conclusão logicamente inconciliável?
Como já acima deixámos apontado a resposta é de sentido negativo.
Na verdade os recorrentes alegando a existência de erro notório na apreciação da prova deveriam ter especificado no texto da decisão (sem ver nela o que nela não está), sem recurso a prova documentada, os factos dados como provados ou não provados em que se consubstancia tal erro.
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Ora, como vimos, a apreciação errada da prova não é logo caso de erro notório na apreciação da prova de que cuida a lei, pela singela razão de que aquela errada apreciação pode não se evidenciar no texto da decisão.
Como acima já referimos quando os recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e não agarrar-se ao vício do erro notório.
In casu, não se nos afigura ocorrer qualquer erro notório na apreciação da prova [art. 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal] o qual teria de ser óbvio e patente de modo a não passar despercebido ao comum observador e nada do que os recorrentes indicam pelo que já acima deixamos expresso reveste uma tal categoria.
Na verdade, no caso sub judice para o homem médio do texto da decisão recorrida não se vislumbra, por não existir, qualquer falha grosseira e ostensiva na análise da prova, que denuncie que se deram como provados e não provados factos inconciliáveis entre si. Por outras palavras, o que a decisão recorrida teve como provado e não provado não está in casu em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou. Com efeito, por uma banda na decisão posta em crise não se mostram provados factos incompatíveis entre si. Por outra, as conclusões em matéria de facto nesta plasmadas, não se revelam por forma alguma ilógicas ou inaceitáveis ou que o Tribunal a quo tenha na decisão recorrida retirado de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Como acentuam Simas Santos e Leal-Henriques ([xlvii]):
“[…] há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido)”.
Contudo, como dizem Simas Santos e Leal-Henriques ([xlviii]) não podemos incluir no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, de harmonia com o citado art. 127.º do Código de Processo Penal.
No caso em apreço, a nosso ver, na avaliação que o Tribunal de 1.ª instância exerceu da prova por declarações dos arguidos, documental para os autos carreada, da globalidade dos depoimentos das testemunhas acima referidas e do mais que se encontra plasmado na decisão recorrida, não se lobriga a presença de vício algum, nem este efetivamente existe, na medida em que o Tribunal a quo atuou de acordo com o princípio consagrado no art. 127.º do Código de Processo Penal, sem que o mesmo se mostre minimamente beliscado, mostrando-se este preceito harmónico com a Constituição da República Portuguesa que concretiza o direito constitucional da livre apreciação da prova ([xlix]).
Por sua vez, neste campo cabe não olvidar que o erro na apreciação da prova não se desacomoda com o modo como os recorrentes apreciam a prova do seu ponto de vista.
No caso vertente por tudo que já apontámos supra este vício não se verifica, o que aqui se declara.
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Não obstante o que já acima apontado ficou vejamos mais concretamente se assiste razão aos recorrentes.
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Como razão de ordem e a fim de não nos repetirmos pois tal seria maçador e nos alcandoraria ao reino do sofrível passaremos a agrupar as questões colocadas pelos aludidos arguidos/recorrentes na medida em que algumas das questões colocadas são comuns aos vários recorrentes.

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PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
(Recurso de todos os Arguidos)
Os arguidos invocam a questão da prescrição do procedimento criminal dos crimes imputados, questão sobre a qual o Tribunal a quo e o Ministério Público já se pronunciaram por diversas vezes no sentido de que os factos que importam na prática de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, previsto nos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º n.º 2 do R.G.I.T., não se encontram prescritos.
In casu, foi dado como provado que os arguidos LVD e RBM, JVP e AJV realizaram um acordo destinado a ser cumprido de forma parcelada, nos anos de 2000, 2001 e 2002 (cf. factos 2.1.32 a 2.1.36 e 2.1.109 a 2.1.110).
O início do prazo prescricional do crime de fraude fiscal qualificada imputado aos arguidos iniciou-se pois em 14MAR2013 (cf. pontos 2.1.71 a 2.1.81 dos factos provados), data em que terá sido praticado o último “ato de execução do crime”, em conformidade com o plano por todos gizado em 2000 (cfr. art. 119.º, n.º 1 do Código Penal).
Foi nessa data em que o arguido JVP apresentou a sua declaração de rendimentos relativa ao ano de 2002, omitindo a terceira e última prestação dos valores recebidos a título de prémio de assinatura do contrato de trabalho desportivo (cf. art. 50, n.º 1 do R.G.I.T.).
Nessa ocasião encontravam-se em vigor os arts. 103.º, n.º 1, al. b) e 104.º, n.º 2 do R.G.I.T..
O prazo prescricional em causa é de 10 anos, de acordo com o disposto no art. 21.º, n.º 2 do R.G.I.T. e com o art. 118.º, n.º  1, alínea b) do Código Penal, suspendendo-se nos termos do disposto no art. 120.º, n.ºs 1, alínea b) e 2 do mesmo Corpo de Leis, a partir da notificação da acusação por um período até 3 anos e interrompendo-se com a notificação da acusação, começando a correr novo prazo de prescrição. Sendo certo que a prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início ressalvado o tempo de suspensão, tiver ocorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade (in casu o prazo máximo é de 10 anos+5 anos = 15 anos + tempo da suspensão), o qual não ocorreu no caso em apreço.
Assim sendo, o procedimento criminal contra os arguidos não se mostra prescrito, o que aqui se declara.
Naufraga pois este segmento recursório de todos os arguidos.
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No que tange à particular situação do arguido LVD que abandonou o “S” antes da entrada em vigor do R.G.I.T., recorde-se que resultou provado, conforme já referimos que, o arguido, em 2000, acordou na execução da apurada conduta pelos anos de 2000 a 2003. A sua conduta é, pois, punida à luz das normas vigentes em 2003, de harmonia com o disposto no art. 20.º, n.º 1 do Código Penal.
Ora, se bem vemos, só assim não seria, por violação do princípio da culpa, se à data do acordo ou da intervenção material de LVD nos atos em causa, a conduta não fosse prevista e punida como crime, vindo depois a imputar-se-lhe um tipo legal de crime com o qual não poderia ter contado.
Contudo, “o plano por todos gizado” era suscetível de ser visto pelo ordenamento jurídico vigente como desvalioso, nos termos do art. 23.º 1 e n.º 2, alínea b) do R.G.I.F.N.A..
Em face do exposto, improcede a exceção de prescrição do procedimento criminal contra todos os aludidos arguidos.
Improcede também com estes fundamentos sem necessidade de mais considerandos, por despiciendos, o recurso dos arguidos LVD e RBM do despacho de fls. 3657 e ss.

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DA NULIDADE DA ACUSAÇÃO
(Recurso do arguido AJV)
O arguido AJV alega que a acusação é nula uma vez que o mesmo, durante o Inquérito não foi confrontado com a totalidade dos factos que lhe são imputados em tal peça processual, impondo tal nulidade “o arquivamento do processo”.
Compulsados os autos facilmente se enxerga que o arguido AJV já arguiu em diferentes sedes esta questão.
Vejamos se lhe assiste razão.
O arguido AJV foi interrogado judicialmente em 20JUN 2006 e 12ABR2010.
Neste último interrogatório, foram comunicados ao arguido AJV os factos que lhe eram imputados:
Ter recebido parte das quantias pagas pela “S SAD” ao jogador de futebol JVP, a título de prémio de assinatura pelo contrato de trabalho desportivo assinado em 02JUN2000;
— Através da “G” e das contas desta no “Barclays Bank” em Inglaterra e no “Dexia” do Luxemburgo, e ainda das contas da “T Tradding Lda.” e da “Supper Soccer”, ambas no “Dexia” do Luxemburgo, ter permitido ao jogador JVP, o recebimento dessas quantias;
— Documentam os autos que em 11AGO2000 recebeu um cheque no valor de Esc.400.000.000$00, em nome da “G”, que levantou em numerário no dia 25SET2000 na conta desta sociedade no “Dexia” do Luxemburgo;
— Que em 21SET2000 recebeu uma transferência no valor de €99.759,58, na conta da “G” do “Barclays Bank” em Inglaterra, tendo posteriormente transferido €99.000,00 para a conta da “T Tradding” no “Dexia” do Luxemburgo, no dia 28SET2000;
— Que em 02NOV2000 recebeu uma transferência no valor de €125.946,00 na conta da “G” em Inglaterra no “Barcklays Bank”, tendo posteriormente transferido €113.300,00 para a conta da “T Trading” no “Dexia” do Luxemburgo, no dia 14NOV2000;
— Que em 10ABR2001 recebeu uma transferência no valor de €1.047.500,00 na conta da “G” em Inglaterra no Barcklays Bank, tendo posteriormente transferido €942.750,00 para a conta da “T Trading” no “Dexia” do Luxemburgo, no dia 04MAI2001;
— Que em 20FEV2002 recebeu uma transferência no valor de €225.000,00 na conta da “G” em Inglaterra no “Barcklays Bank”, tendo posteriormente transferido €225.000,00 para a conta da “T Trading” no “Dexia” do Luxemburgo, no dia 07MAR2002;
— As quantias relativas a estas transferências foram todas sacadas das respetivas contas em numerário;
— Documentam ainda os autos que a conta do jogador JVP no “Dexia” do Luxemburgo recebeu em 11MAR2002 uma transferência no valor de €225.000,00 e em 10, havia já recebido uma transferência de €997.595,79, sendo esta última proveniente da conta titulada pela “Super Soccer” no “Dexia” Bank do Luxemburgo;
— Indicia-se assim que o arguido AJV terá recebido quantias a título de intermediação da contratação do jogador JVP, as quais não declarou fiscalmente, e que prestou auxílio ao jogador JVP no sentido de este ocultar o recebimento de quantias pagas pelo “S SAD” a título de prémio de assinatura.
Os factos comunicados em 12ABR2010 resumem aqueles que constam da acusação, sendo suscetíveis de integrar a prática de crimes de fraude fiscal qualificada e de branqueamento de capitais.
Assim sendo, salvo o devido respeito por opinião em contrário, consideramos que se mostra integralmente cumprido o disposto nos arts. 141.º, n.º 4, alínea c) e 144.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, não se tendo praticado qualquer nulidade.

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DA NÃO EXISTÊNCIA DE VALORAÇÃO DE PROVA PROIBIDA
(Recurso do arguido JVP)
Aduz o arguido JVP, em resumo, que o Tribunal a quo tomou conhecimento de declarações prestadas durante o inquérito que não foram lidas em audiência de discussão e julgamento, pelo que constituem prova não valorável, nos termos do disposto no art. 355.º do Código de Processo Penal.
Este arguido/recorrente considera que para o Tribunal ter dado como provado o ponto 2.1.108 da matéria de facto, teve de tomar conhecimento do conteúdo de declarações cujo conhecimento lhe estava proibido.
Vejamos se lhe assiste razão.
No caso em apreço o Tribunal a quo neste concreto ponto considerou provado tão-somente que “em 05MAI2005, o arguido foi inquirido na qualidade de testemunha à matéria objeto do presente processo”.
Esta data e auto constam de fls. 61 e 62 dos presentes autos e o Tribunal a quo restringe-se a consignar que nestes autos e nessa data o arguido JVP foi inquirido na qualidade de testemunha.
Verificamos assim que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, o Tribunal a quo não considera o conteúdo de tal inquirição, não utiliza o seu conteúdo para fundamentar qualquer decisão. Na verdade, limita-se a consignar o facto de o arguido JVP ter sido ouvido como testemunha naquela data no âmbito dos presentes autos.
É certo e sabido que está proibido ao Tribunal conhecer o conteúdo das declarações prestadas em inquérito — quando não lidas em audiência nos termos do disposto no art. 356.º do Código de Processo Penal — e não a data em que as mesmas são prestadas, quando tal data, como acontece no caso em apreço, tem importância processual.
Afigura-se-nos pois que no caso em apreço, salvo o devido respeito por opinião em contrário, o arguido/recorrente JVP tira uma conclusão com base em dados reduzidos ou limitados excedendo-se, opinando que para tomar conhecimento da data em que as declarações foram prestadas o Tribunal teve de ter conhecimento do seu conteúdo, situação que, com o devido respeito por opinião em contrário não tem cabimento, pois para tal, não basta opinar ou ter um palpite necessário se torna cumprir o: quod erat demonstrandum, o que não se mostra feito, nem tem, por qualquer forma, tradução na fundamentação da decisão impugnada.
Igualmente não assiste razão a este arguido/recorrente JVP no que tange à alegação de que no momento em que foi inquirido como testemunha não tinha conhecimento dos factos que lhe são imputados uma vez que não o foi como arguido, pois, tal como se afirma na decisão recorrida: “Todavia, não impõe o referido n.º 2 que o interessado tenha sido constituído arguido - exige-se que tenha tido conhecimento do processo nos termos da lei. E esta expressão, a nosso ver, implica uma notificação legal para intervir no processo e desta forma ser informado legalmente que o mesmo corre termos. Não se vislumbra outro entendimento possível à luz da ratio que ditou a exceção. O seu escopo é impedir que o interessado lance mão do processo de regularização com a finalidade de sobrestar a uma possível e provável sanção. E quisera o legislador que, no caso de procedimento penal, o interessado tivesse já sido constituído arguido e tê-lo ia feito constar da norma. Aliás, e em abstrato, mal se compreende que um arguido não possa alcançar os efeitos da aplicação do regime e um sujeito processual em processo com investigação ainda em fase embrionária, que é inquirido e omite factos para não ser constituído arguido, possa beneficiar do regime. Destarte, perfilhamos o entendimento de que, no caso que nos ocupa, opera a exclusão dos efeitos prevista no n.º 2 do art. 4.º da Lei 39-A/2005.”
Duma leitura integral da fundamentação da decisão impugnada facilmente se vislumbra que o Tribunal a quo não pesou por uma só vez que fosse o conteúdo das declarações prestadas por este arguido/recorrente JVP. Porque assim é, sem necessidade de mais considerandos, não ocorreu qualquer nulidade, sendo certo que como acima já dito ficou inexiste qualquer omissão de pronúncia, o que aqui se declara naufragando estes segmentos recursórios do arguido/recorrente JVP.

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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

RECURSO DO ARGUIDO JVP
O arguido/recorrente JVP alega que existe contradição entre os factos provados sob os números 2.1.116 e 2.1.117.
Não obstante ao que acima apontado ficou, quando à inexistência do vício da previsão da alínea b) do n.º 2 do art 410.º do Código de Processo Penal, comecemos por lembrar o teor destes pontos da matéria de facto.
«2.1.116 - Provado apenas que o Arguido JVP representou, no decurso das conversações negocias até ao momento em que teve conhecimento do teor do "Aditamento", que o valor correspondente ao "prémio de assinatura" era líquido.»
«2.1.117 - Provado apenas que, por regra, os contratos eram negociados pelo seu valor líquido até há cerca de três anos».
A decisão impugnada aclarou porque o fez e tornou inteligível porque consignou que, em regra, os contratos eram negociados pelos seus valores líquidos o que não quer dizer que o fossem em todos os casos.
Mais esclareceu, lançando mão às regras de experiência comum a interpretação que fez das declarações de arguidos/recorrentes e testemunhas.
Relembremos nesta sede o que este respeito ficou dito na decisão impugnada:
«Da não assinatura do "Aditamento" [fls.699] por parte do arguido JVP no momento da assinatura do Contrato de Trabalho:
«Nesta matéria, a convicção do Tribunal de que o arguido LVD e MRT assinaram o "Aditamento" e o entregaram ao arguido JVP, que o não assinou nesse mesmo momento, sustenta-se nos DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS de:
• MRT, que referiu que quando assinou o "Aditamento", o mesmo ainda não se encontrava assinado pelo arguido JVP e que este não o assinou em simultâneo, desconhecendo mesmo o destino de tal documento, sendo que a S SAD não teve o doc. de fls. 699 assinado pelo jogador, e cujo depoimento se afigurou isento e credível;
• RC, advogada da S SAD, que relatou, de forma objetiva e credível, ter elaborado o documento intitulado "Aditamento", ter ido para férias e, quando regressou, ter sido informada de que o mesmo não servira para chancelar o acordo porquanto o pagamento relativo ao prémio de assinatura, afinal, seria feito a uma empresa;
«Ora, uma vez que o "Aditamento" surge assinado a fls. 699 já também por JVP, impõe-se concluir que os dois responsáveis pela S SAD o assinaram em momento temporal anterior ao da entrega a este arguido, que só posteriormente o veio a assinar.
«Ainda sobre a não assinatura do Aditamento por parte de JVP no momento da assinatura do Contrato de Trabalho, dir-se-á o seguinte.
«Concatenados os depoimentos testemunhais com os documentos, e conjugados todos eles com as regras da experiência comum, pode com segurança concluir-se que tal "Aditamento" estava conforme a vontade negocial do arguido LVD, que o assinou e deu a assinar, bem como com a do co-subscritor, assim não sucedendo com o arguido JVP, pois foi ele quem, nesse momento, o não assinou.
«Não o fez, como é óbvio em face das referidas regras da experiência comum, porque entendeu que o mesmo não refletia a sua vontade negocial. Estivesse ele conforme a sua vontade e teria sido assinado, tanto mais que era ele o credor das quantias aí mencionadas. Com efeito, este arguido, nas suas DECLARAÇÕES, em sede de Julgamento, disse reiteradamente que a sua exigência foi o recebimento, a título de prémio de assinatura, de 800 000 000$00, o que foi corroborado por todos os demais arguidos (facto, pois, que nem se afigura controverso); ora, outra conclusão não se pode retirar se não a de que a alteração/substituição do documento, conforme DEPOIMENTO TESTEMUNHAL de RC, que se afigurou objectivo e credível, se deveu à rejeição do mesmo por parte deste arguido que, desta feita, o não subscreveu no momento em que lhe foi entregue para o efeito.
«E, outra questão não poderia, então, colocar-se que não fosse a decorrente da redação que o "Aditamento" suscitou, relativa ao pagamento do imposto devido, tanto mais que no Contrato de Trabalho, esse sim assinado por todas as partes, foi aposto expressamente que o valor era ilíquido (fls. 186) e o "Aditamento" era omisso quanto a essa matéria particular. Daí que o arguido JVP tivesse referido nas suas DECLARAÇÕES em sede de Julgamento que "Estávamos a um ou dois dias do fecho... resolvíamos a questão".
«Aliás no que tange à concreta negociação do prémio de assinatura, se pelo valor líquido ou ilíquido importa referir (sem embargo do que previamente se exarou  a propósito do teor inconclusivo das declarações dos arguidos sobre esta matéria), que algumas testemunhas vieram assegurar que no âmbito da contratação de futebolistas as negociações se fazem sempre pelo seu valor ilíquido (CF, MRT, RC corroborando os arguidos LVD e RBM) e outras declararam que tais negociações se efetuam pelo valor líquido (JB, APC, RC e JS, este com o esclarecimento que nos últimos três anos são firmados em valores ilíquidos, corroborando os arguidos JVP e AJV); PG, por seu turno após ter dito que cerca de 90% dos jogadores pretende saber quanto ganha líquido esclareceu que ou as negociações se fazem pelo valor líquido e fica consignado no contrato que os encargos fiscais ficam por conta do Clube, ou pelo valor ilíquido e nada fica consignado. Na realidade esta divergência relaciona-se com o posicionamento dos contratantes (pagador/recebedor), é coadjuvante da representação intelectual que os arguidos em face da regra comum, poderão ter feito sobre tal matéria mas não é determinante em concreto, do que ficou ajustado entre as partes uma vez que os depoimentos se reportam à generalidade e não ao contrato dos autos.
«Acresce que as testemunhas:
«- CHC não esteve diretamente envolvido nas negociações. Daí que a sua referência à passagem do prémio de assinatura a direitos desportivos tivesse sido vaga e pouco consistente, nada sabendo em concreto identificar, inclusivamente fazendo alusão a uma carta recebida pela S SAD que, a existir, seguramente teria sido junta pela Defesa dos arguidos RBM e LVD;
- MRT, também não esteve diretamente envolvido nas negociações (declarou que antes da assinatura do contrato nada soube em concreto das negociações); referenciou também de forma pouco sustentada em razão de ciência direta, no que tange à negociações propriamente ditas, que houve um contrato relativo a prémio de assinatura que foi dado sem efeito por ter sido apresentada uma fatura de uma empresa inglesa que era detentora dos direitos de imagem do jogador; mais disse que o arguido RBM bem tentou formalizar um contrato em lugar da fatura, mas que não foi possível chegar a um acordo.”
Assim sem necessidade de mais considerandos, naufraga este segmento recursório, aqui se declarando inexistir a invocada e não verificada contradição.
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ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Pontos 2.1.99 a 2.1.108 da matéria de facto
Com o devido respeito por opinião em contrário, não vislumbramos qual é o erro na apreciação da matéria de facto, isto pela singela razão, mas decisiva, de que é o próprio arguido / recorrente JVP que admite nas suas declarações, que transcreve na sua motivação recursória que pelo menos algum do dinheiro da regularização tributária tinha a ver com o dinheiro que recebeu como prémio de assinatura.
Na verdade, in casu é próprio arguido JVP que o admite. Assim sendo, como é, com o devido respeito por opinião em contrário, não enxergamos onde possa estar o erro de apreciação de prova quando o Tribunal a quo dá como provado um facto admitido pelo arguido/recorrente JVP.
Por sua vez, o Tribunal a quo explica na decisão impugnada o seu argumento quanto a esta assunto. Realça o depoimento da testemunha CR que referiu que o seu processo de divórcio só começou em 2003 e que desconhecia por completo a abertura de conta no estrangeiro por parte do seu marido, o arguido JVP [fls. 4716 (fls. 41 segundo parágrafo da decisão impugnada)].
Assim sendo, afigura-se-nos que a conclusão retirada pelo Tribunal a quo das próprias declarações do arguido/recorrente JVP não podia ser outra.
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PONTOS 2.1.67 A 2.1.82 E 2.1.120 A 2.1.128
Nos pontos 2.1.37 a 2.1.66 o Tribunal a quo deu como provado o percurso das verbas pagas pelo            “S” ao arguido/recorrente JVP desde que saíram da esfera patrimonial do clube até entrarem na esfera patrimonial deste, enunciando o percurso que tal dinheiro efetuou.
Ancorou-se o Tribunal recorrido nos documentos enunciados a 4718-4719 (fls. 43 -44 da decisão recorrida) e nos depoimentos das testemunhas CHC, JFL e nas próprias declarações do arguido LVD. Socorreu-se, ainda das informações constantes dos Exames de fls. 1801 a 1823, 2124 a 2130 e 2220 a 2224 que foram esclarecidas pelo seu autor, a testemunha RF.
Por sua vez, os montantes recebidos pelo arguido/recorrente JVP foram os que saíram do “S” com essa finalidade nos dias 11AGO2000 (ponto 2.1.37), 19ABR2001 (ponto 2.1.52) e 22FEV2002 (ponto 2.1.54).
A descrição da movimentação das verbas pelas contas tituladas pela “G” e até chegarem à conta do arguido/recorrente JVP no “Dexia Banque Internationale”, sediada no Luxemburgo também são descritas na decisão impugnada e verifica-se que analisando os fluxos financeiros entre a conta onde foram depositadas pelo “S” e as que procederam ao depósito final na conta do arguido, os valores são os mesmos, muito embora sejam repartidos em vários movimentos, tal como a testemunha RF explicou e constam dos documentos acima referidos.
Além disso foi o próprio arguido/recorrente JVP que admitiu ter recebido estas quantias, tal como se afirma na decisão recorrida:
«O arguido assumiu em audiência de Julgamento ter recebido pagamentos do S decorrentes do "Prémio de assinatura", permanecendo em dívida a quantia de 800 000 € que foi reclamar em 2005. E na verdade, foi esta a quantia que, nesse ano de 2005, as partes assentiram que era devida, pois como resulta dos autos, o S reteve 250 000 a título de pagamentos a efetuar em sede de procedimentos executivos, efetuou o pagamento de 150 000€ à JOD e pagou ao jogador 400 000€, retendo o imposto devido, pelo que lhe entregou 312.000€. Desta feita, é imperioso concluir que o arguido admitiu ter recebido todas as quantias conforme se alude a pronúncia, por referência à acusação.» [cf. fls. 4720 (fls.  45 da decisão impugnada)].
Naufraga pois este segmento do recurso.
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RECURSO DOS ARGUIDOS LVD E RBM
Os arguidos/recorrentes LVD e RBM aduzem que os pontos 2.1.23, 2.1.33 a 2.1.36, 2.1.109 e 2.1.115 estão incorretamente julgados, uma vez que o Tribunal deveria ter dado credibilidade aos depoimentos dos arguidos/recorrentes LVD e RBM e não aos dos arguidos AJV e JVP e bem assim aos depoimentos das testemunhas MRT, RC, FSF, JC e CR e ao teor dos documentos enumerados a fls. 173 da motivação.
O Tribunal a quo deu como provado no ponto 2.1.23 que “pelo menos os arguidos AJV e LVD acordaram que formalizariam por outro meio a estipulação do prémio de assinatura e o seu pagamento em três prestações anuais de 2000 a 2002».
Deu-se, ainda como provado que:
«2.1.33 - Provado apenas que o arguido AJV combinou com o arguido LVD que os pagamentos relativos ao prémio de assinatura seriam pagos, não ao jogador, mas sim à sociedade de direito inglês G, através de contas bancárias desta sediadas em Inglaterra e no Luxemburgo, nas três prestações anuais já acordadas,»
«2.1.34 o que foi feito com o conhecimento e aprovação do arguido RBM, Diretor Financeiro do S.»
«2.1.35 Apesar de estarem cientes de que o prémio de assinatura era devido ao arguido JVP, os arguidos LVD e RBM disponibilizaram-se para proceder ao seu pagamento à G,»
«2.1.36 permitindo que o arguido JVP se desonerasse do pagamento devido em sede de Imposto sobre o Rendimento Singular, relativo às quantias a receber em 2000, 2001 e 2002.»
O Tribunal a quo fundamentou porque afastou a versão do arguido LVD e socorrendo-se de outros depoimentos das testemunhas que indica aclara como chega à conclusão de que os meios de pagamento foram do conhecimento e acordo dos arguidos ora recorrentes.
Relembremos aqui, a este respeito, o que se deixou dito na decisão impugnada:
«Não é crível a versão do arguido LVD de que, em momento posterior à assinatura do "Aditamento" por si e por MRT, lhe tenha sido dito pelo co-arguido AJV que, afinal, havia uma sociedade detentora dos direitos do jogador a quem deveria ser feito o pagamento. Por um lado, é inverosímil que só após a assinatura do documento tal tivesse sido comunicado, carecendo de qualquer justificação que no momento da preparação dos documentos tal facto não fosse objeto das conversações; por outro, quando se apreciam os depoimentos testemunhais, é forçoso concluir que a dinâmica dos acontecimentos se conforma com as regras da experiência comum, ou seja, a advogada RC elabora o documento, o mesmo é assinado pelos legais representantes da S SAD, não o é pelo arguido JVP e, se tudo fosse uma questão de substituíra identificação deste arguido pela sociedade G, como a versão do arguido pretende, no limite, fazer crer, nada mais simples do que proceder a essa substituição em documento congénere, mas de cedência dos direitos do jogador, e colher a assinatura do legal representante da empresa. A verdade é que um problema surgiu que obstou à outorga do contrato de "Aditamento" e ele resultou, por banda do arguido JVP, da omissão do valor ilíquido do prémio da assinatura no documento e, por banda dos representantes do S, da indisponibilidade para, então, pagar o referido valor acrescido do imposto devido ao Estado.»
«Trazem-se à colação, ainda, as DECLARAÇÕES DO ARGUIDO JVP, ao dizer que teve consciência de que a abertura da conta no estrangeiro para ali receber o prémio da assinatura visava "fazer um jeito ao S", que pagaria menos de imposto, já que, no seu entender, não era seu ónus liquidar a quantia devida a esse título.»
«Em suma, a questão do pagamento do imposto foi levantada, discutida e negociada por todos os arguidos, e só uma ingenuidade complacente, que se não adota, poderia arredar tal conclusão.»
«Concorre para tal entendimento, ainda, ter sido negociada uma quantia - 800 000 000$00 [cerca de 4 000 000€] - e, posteriormente, ter sido enviada ao S a factura emitida pela G, mas no total de 4 190 000 € (840 019 580$001, a fls. 25. Também nesta matéria, a versão do arguido LVD, de que o diferencial foi exigência adicional e posterior do jogador e que assim o Clube visou "comprar a paz do balneário" não se afigura crível. Por um lado, inexiste nos autos qualquer documento ou foi feita qualquer outra prova, mormente testemunhal, relativa a exigências formuladas a posteriori pelo jogador; por outro, o arguido JVP negou frontalmente e de forma convincente que tivesse solicitado, posteriormente à outorga do contrato de trabalho, qualquer quantia adicional aos termos acordados. Acresce que não é mero acaso o diferencial de 190.000€ entre o inicialmente vertido no "Aditamento" e depois acertado na fatura emitida pela G, correspondente a cerca de 5% do valor acordado, reportando-se tal valor a acréscimos devidos."
Ora, como flui do que já acima adito ficou a reapreciação das provas gravadas pelo Tribunal de Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo Tribunal de 1.ª instância, se se patentear que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está desancorada face às provas recolhidas.
In casu, a versão dos factos que o Tribunal a quo acolheu tem suporte na globalidade dos depoimentos das testemunha acima indicadas e mesmo nas declarações dos arguidos e nos documentos citados. Por sua vez, mostram-se harmónicas com as regras da experiência comum.
Assim sendo, não se mostra a decisão impugnada ferida de qualquer erro de julgamento no segmento impugnado, o que aqui se declara.

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CADUCIDADE DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
(Recurso de todos os arguidos)
Dispõe o art. 21.º, n.º 1 do R.G.I.T. que “O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos
Por sua vez, o n.º 2 deste preceito legal reza assim: «O disposto no n.º 1 não prejudica os prazos estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.»
In casu, o prazo prescricional, previsto no art. 118.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, é de dez anos.
Dispõe o n.º 3 que «O prazo de prescrição é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.»
Contrariamente ao alegado pelos arguidos, a lei não reduz o prazo de prescrição do procedimento criminal ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, a não ser quando a infração dependa da liquidação.
Ora, constituindo-se a infração em que os arguidos foram condenados na omissão de declaração de valores que impediram a Administração Fiscal de proceder à liquidação tributária desses mesmos valores, a infração não dependeu de uma liquidação tributária.
Na verdade, o que aconteceu foi que em face à conduta omissiva do contribuinte JVP, a Administração Fiscal foi impedida de proceder à liquidação, impedimento que é a fonte da incriminação do crime pelo qual os arguidos estão pronunciados.
Ora, no caso em apreço a verificação do crime não depende da liquidação do I.R.S., pela singela mas decisão razão de que os factos ocultados à administração fiscal são aqueles que seriam usados para a liquidação. Daí que o prazo de prescrição de quatro anos não seja aplicável ao crime de fraude fiscal ([l]).
Assim sendo, consideramos que no caso em apreço não ocorre prescrição do procedimento criminal por caducidade do direito à liquidação.
Por sua vez, não ocorre qualquer causa de prescrição do direito à indemnização.
In casu estamos perante uma infração penal, decorrente da omissão de declaração e de entrega duma prestação tributária.
A infração penal é causa de obrigação de indemnizar por facto ilícito extraobrigacional, nos termos do art. 483.º n.º 1 do Código Civil.
Esta obrigação de indemnizar é autónoma da prestação tributária.
Nos termos do disposto no art. 498.º n.º 3 do Código Civil se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável, pelo que é aplicável ao direito à indemnização o prazo de prescrição do procedimento criminal.
Não se mostra pois operante a aludida caducidade, o que aqui se declara.

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Quanto à questão de subsunção dos factos ao Direito aplicável será mais abaixo objeto de análise.

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A POSIÇÃO DO "S"
(Recurso dos arguidos RBM e LVD e igualmente o recorrente AJV)
Ao logo da sua motivação recursória sugerem os aludidos arguidos que o “S” deveria ter sido responsabilizada criminalmente em vez de o terem sido os seus Administradores LVD e RBM.
Referem os arguidos RBM e LVD que atuaram em nome do “S”, que eles não são o “S” (…).
Compulsados os presentes autos facilmente se enxerga que repetidas vezes se perguntou porque não foi o “S” acusado da prática de crime de fraude fiscal, através da atuação dos arguidos LVD e RBM.
A questão parece residir no facto do “S” não ter obtido vantagens fiscais ilícitas com “o esquema financeiro montado”, pela singela razão, mas decisiva de quem as obteve e isso mesmo reconheceu com a sua apurada conduta foi o arguido/recorrente JVP.
Parece certo que o “S” terá pago menos a JVP do que aquilo que pagaria se tivesse acedido à sua pretensão de receber 800 milhões de escudos mais o devido a título de imposto.
Contudo, se bem vemos, tal constitui um benefício comercial para o “S”, não uma vantagem fiscal ilegítima. É certo que tal benefício comercial foi atingido através da criação de uma vantagem fiscal ilegítima, mas tal vantagem operou na esfera jurídica do jogador JVP e não para si.
O que o Tribunal a quo concluiu na decisão impugnada é que os arguidos LVD e RBM foram “coautores” do ilícito fiscal cometido por JVP.
Quanto à bondade de tal conclusão será a mesma objeto de análise infra aquando do tratamento da subsunção dos factos apurados ao Direito.
A atuação do “S”, enquanto entidade empregadora suscetível de cair na previsão da contraordenação prevista no art. 114.º, n.º 4 do R.G.I.T., na medida em que a conduta dolosa de ocultação dos rendimentos de JVP parece-nos ficar esgotada na imputação do crime de fraude fiscal, em “coautoria”, aos intervenientes nessa ocultação.
No que respeita à atuação do “S”,relativa à contraordenação de falta de entrega da prestação tributária, prevista no art. 114.º, n.º 5, alínea f) do R.G.I.T., foi já mandada extrair correspondente certidão para procedimento contra-ordenacional, sendo que esta contraordenação se consubstancia na falta de liquidação e não à falta de entrega de imposto que tenha sido liquidado.
Esta infração é imputada à “S, S.A.D.”, através da atuação dos arguidos LVD e RBM, nos termos dos arts. 6.º e 7.º do R.G.I.T..
No que a este concreto ponto respeita, cabe aqui ter presente que não  estamos aqui perante uma substituição tributária; esta teria ocorrido se o “S” tivesse procedido à retenção na fonte do imposto devido em sede de I.R.S., pelo arguido JVP, o que não aconteceu.
Se bem vemos, esta substituição ter-se-á verificado quanto ao contrato de trabalho desportivo mas não no que tange ao prémio de assinatura: o “S” entregou na íntegra, ao arguido, os Esc.800.000.000$00 por ele reclamados, não tendo procedido a qualquer retenção.
Outrossim, se o tivesse feito, de nada teria valido a interposição da “G”: o arguido JVP já não receberia os 800 mil contos desejados.
Ao eleger, como elegeu, o pagamento através da “G”, o arguido JVP "renunciou" à substituição tributária, porque não era por si querida.
Em resumo, sendo certo e sabido que quem exerce a acção penal é o Ministério Público, quanto a este quid a decisão impugnada não merece reparo, sendo que, como muito bem ensinava o Saudoso Professor Castro Mendes “parte é quem é e não quem podia ter sido”.
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DA QUESTÃO DE FACTO
Não obstante o que dito fica e para melhor compreender a bondade do presente aresto:
VEJAMOS COMO SE APRESENTA A GLOBALIDADE DA PROVA:
FACTOS 2.1.1 A 2.1.3
Ancorou-se o tribunal a quo:
(i) Nos documentos de fls. 108-116, 147-175, 181-184, 185 e 380-381;
(ii) Nas declarações dos arguidos, que de forma harmónica abonaram esta factualidade;
(iii) Na prova testemunhal.
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TESTEMUNHA CHC
Flui da globalidade do depoimento de CHC (economista), Administrador da “S SAD.”:
— Que assevera que entre 15DEZ1999 a 26OUT2000, foi o arguido LVD quem ficou incumbido de proceder às contratações de jogadores, o que ficou lavrado em Ata do C.A.;
— Que havia inteira confiança entre todos os membros do C.A. e, sobretudo, de todos para com o Presidente LVD;
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TESTEMUNHA JCS
À data dos factos também membro da “S SAD”, que no fundamental consolida o depoimento da testemunha CC no que tange às contratações.
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TESTEMUNHA CRF
Aquando dos factos aqui em causa era assessor do C.A. da “S SAD”,
Fui do seu depoimento:
— A descrição do interesse do “S” na contratação do arguido JVP;
— Que teve intervenção direta nas negociações, as quais, por parte da “S SAD”, conduzidas pelo Presidente LVD.
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TESTEMUNHA JFL
Que na data dos factos aqui ajuizados era administrador da “S SAD”, revelou conhecimento da matéria de facto a que depôs respondendo com isenção e de forma convincente aclarando:
— Que havia uma total confiança entre os membros da Administração, e de todos eles para com o respetivo Presidente;
— Que era ao Presidente a quem incumbia proceder à contratação de jogadores nas condições que entendesse serem as melhores para o Clube.
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FACTOS 2.1.4 A 2.1.6
Escorou-se o Tribunal recorrido:
(i) Nas declarações dos arguidos sobre esta matéria;
(ii) Na prova testemunhal
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TESTEMUNHA CRF
Flui do seu depoimento:
— Que sempre negociou com o arguido AJV e com um seu colaborador, Jorge Baidek, em representação do arguido JVP.
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TESTEMUNHA JB
Emerge do seu depoimento:
— Que colaborava com a empresa “S”, pertença do arguido AJV (cf. documentos. de fls. 10-11, 13, 14, do Apenso II e 53 a 58 do Apenso III), que consolida o depoimento de CF no que concerne aos intervenientes nas negociações.
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TESTEMUNHA CBR
É ex-mulher de JVP, com ele casada à data dos factos.
Aclarou:
— Que o arguido AJV negociou em representação do ex-marido.
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FACTOS 2.1.7 A 2.1.20
Estribou-se o tribunal a quo:
(i) Nas declarações dos arguidos;
(ii) Documentos de fls. 186-189 e 699;
(iii) Prova testemunhal.
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Nas suas declarações os arguidos, abonaram a contratação e os valores compreendidos, modelados nos documentos que a franquiaram.
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TESTEMUNHA CRF
Revelou ter conhecimento desta matéria respondendo com isenção e de forma convincente, harmónica com a prova documental para os autos carreada, designadamente, os documentos de fls. 186-189 e 699.
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 TESTEMUNHA CHC
Descreveu os termos negociais acordados de forma harmónica com a prova documental junta aos autos, revelando conhecimento desta matéria a qual esclareceu com isenção e de forma convincente.
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TESTEMUNHA APC
Aclarou de forma objetiva, os valores que se encontram nos documentos relativos a esta concreto quid.
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TESTEMUNHA RPC
Aquando dos factos aqui em causa exercia funções como jurista na “S SAD”, e que aclarou:
— Que é da sua lavra a elaboração do Contrato de Trabalho e Aditamento, tal como se encontram juntos aos autos, narrando que deles consta o que lhe foi dito ter sido acordado.
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FACTOS 2.1.21 A 2.1.36»
Escorou-se o tribunal a quo na:
(i) Prova documental; e
(ii) Prova testemunhal.

PROVA DOCUMENTAL
— Documentos de fls. 6, 35, 36, 37, 41, 42, 44, 45, 64-85, 180-184, 186-189, 248, 380-381, 563-580, 699, 719-720, 778-779, 781, 784-785, 787, 789, 791, 793, 795 e 797, 4046, 4501 a 4503, 4642 e 4657-4658; fls. 91 do Apenso III.
*
NO QUE TANGE À NÃO ASSINATURA DO “ADITAMENTO” (FLS. 699) POR PARTE DO ARGUIDO JVP NO MOMENTO DA ASSINATURA DO CONTRATO DE TRABALHO
— Nesta matéria, a convicção do Tribunal a quo foi a de que o arguido LVD e a testemunha MRT assinaram o “Aditamento” e o entregaram ao arguido JVP, que o não assinou nesse mesmo momento.
***
TESTEMUNHA MRT
— Que asseverou que quando assinou o “Aditamento”, o mesmo ainda não se encontrava assinado pelo arguido JVP e que este não o assinou em simultâneo, desconhecendo mesmo o destino de tal documento, sendo que a “S SAD” não teve o documento de fls. 699 assinado pelo jogador.
***
TESTEMUNHA RPC
Advogada da “S SAD”, que expressou:
— Ter a sua pessoa elaborado o documento intitulado “Aditamento”;
— Que foi de férias e, quando regressou foi informada de que o mesmo não servira para selar o acordo porquanto o pagamento relativo ao prémio de assinatura, afinal, seria feito a uma empresa.
*
In casu, o “Aditamento” de fls. 699 mostra-se também assinado por JVP, daí que se possa inferir que os dois responsáveis pela “S SAD” o assinaram em momento temporal anterior ao da entrega a este arguido, que só posteriormente o veio a assinar.
Quanto a este ponto da não assinatura do Aditamento por parte de JVP no momento da assinatura do Contrato de Trabalho, ponderou o Tribunal a quo:
O Encadeamento dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento com os documentos, e conjugados todos eles com as regras da experiência comum, conclui no sentido de que «tal “Aditamento” estava conforme a vontade negocial do arguido LVD, que o assinou e deu a assinar, bem como com a do co-subscritor, assim não sucedendo com o arguido JVP, pois foi ele quem, nesse momento, o não assinou.»
«Não o fez, como é óbvio em face das referidas regras da experiência comum, porque entendeu que o mesmo não refletia a sua vontade negocial. Estivesse ele conforme a sua vontade e teria sido assinado, tanto mais que era ele o credor das quantias aí mencionadas.»
 Na verdade arguido JVP, nas suas declarações prestadas em sede de Audiência de discussão e Julgamento [apenas prestou declarações a 01JUN2012 sendo-lhe exibidos os documentos de fls. 700-701 e fls. 699 e 86], verbalizou que a sua exigência foi o recebimento, a título de prémio de assinatura, de Esc.800.000.000$00, o que foi corroborado por todos os demais arguidos. Assim, afigura-se possível a conclusão de que a alteração/substituição do documento, conforme depoimento da testemunha RPC, que se deveu à rejeição do mesmo por parte do arguido JVP que, desta feita, o não subscreveu no momento em que lhe foi entregue para o efeito.
*
No que respeita à negociação do prémio de assinatura, se pelo valor líquido ou ilíquido, importa referir, que algumas testemunhas vieram assegurar que, no âmbito da contratação de futebolistas, as negociações se fazem sempre pelo seu valor ilíquido (CRF, MRT, RPC, corroborando os arguidos LVD e RBM) e outras declararam que tais negociações se efetuam pelo valor líquido (JB, APC, RCC e JS, este com o esclarecimento que nos últimos três anos são firmados em valores ilíquidos, corroborando os arguidos JVP e AJV); PLG, por sua vez, após ter asseverado que cerca de 90% dos jogadores pretende saber quanto ganha líquido, esclareceu que ou as negociações se fazem pelo valor líquido e fica consignado no contrato que os encargos fiscais ficam por conta do Clube, ou pelo valor ilíquido, e nada fica consignado. Contudo, na sua verdadeira essência, esta discrepância não é esclarecedora, em concreto, do que aqui releva: o que ficou ajustado entre as partes, na medida em que os depoimentos se reportam à generalidade e não ao verdadeiramente acordado entre as partes e aqui em causa.
Por sua vez há aqui que ter presente o seguinte:
— A testemunha CHC não esteve diretamente envolvido nas negociações. Assim quanto a este concreto ponto nada de relevante aclarou.
— A testemunha MRT, também não esteve diretamente envolvido nas negociações; expressou que houve um contrato relativo a prémio de assinatura que foi dado sem efeito por ter sido apresentada uma fatura de uma empresa inglesa que era detentora dos direitos de imagem do jogador; e que o arguido RBM bem tentou formalizar um contrato em lugar da fatura, mas que não foi possível chegar a um acordo.
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Com o escopo de resolução dessa questão terá surgido o documento de fls. 719-720, ao qual o Tribunal a quo conferiu credibilidade, inexistindo razão para este Tribunal de Relação o não considerar idóneo, conjugando as informações de fls. 4642, 4501 a 4503 e 4657-4658 com a demais prova já acima aludida.
Parece-nos assim que para ultrapassar o quid do pagamento do imposto devido o aludido documento parece apontar para que os arguidos RBM e AJV terão encetado negociações com o objectivo de não sobrecarregar o arguido JVP com o aludido pagamento, como era exigência deste.
Neste particular, é o próprio arguido LVD que nas suas declarações, produzidas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, admite que o arguido JVP tivesse representado intelectualmente que o valor era líquido, mas que ele, LVD, sempre o considerou como ilíquido. A questão terá rebentado, aquando da tomada de conhecimento do teor do dito “Aditamento”.»
In casu, o arguido LVD negociou o contrato, esteve ao corrente dos valores negociados, o que inclui os devidos a título de imposto, sendo que, após o fecho das negociações do contrato de trabalho, e enquanto esteve na “S SAD” – até março de 2001 (cf. fls. 113), ao que tudo indica não poderia ter estado alheio à subsequentes negociações do “Aditamento”, até porque tal matéria – a contratação – era da sua exclusiva competência, como emerge das suas próprias declarações, da já mencionada Ata de fls. 380-381 e dos das testemunhas CF, CHC e JS.
Parece estar em relação inconciliável com a verdade histórica que em momento posterior à assinatura do “Aditamento” por si LVD e por MRT, lhe tenha sido dito pelo co-arguido AJV que, afinal, havia uma sociedade detentora dos direitos do jogador a quem deveria ser feito o pagamento. Com efeito, por uma banda, parece-nos improvável que só após a assinatura do documento tal tivesse sido comunicado, carecendo de qualquer apologia que no momento da preparação dos documentos tal facto não fosse objeto das conversações; por outra, quando se pesam os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, maxime da testemunha RC enxerga-se que esta elabora o documento, o mesmo é assinado pelos legais representantes da “S SAD”, não o é pelo arguido JVP e, se tudo fosse uma questão de substituir a identificação deste arguido pela sociedade “G”, como a versão do arguido almeja fazer crer, nada mais simples do que proceder a essa substituição em documento similar, mas de cedência dos direitos do jogador, e colher a assinatura do legal representante da empresa, como bem se frisa na decisão impugnada.
In casu, ao que tudo indica a problemática que terá obstado à outorga do contrato de “Aditamento” por parte do arguido JVP, terá a sua causa próxima na omissão do valor ilíquido do prémio da assinatura no documento e, por banda dos representantes do S, da indisponibilidade para, então, pagar o referido valor acrescido do imposto devido ao Estado.
Neste particular cabe ter presente as declarações do arguido JVP, quando assevera que teve consciência de que a abertura da conta no estrangeiro para ali receber o prémio da assinatura visava “fazer um jeito ao S”, que pagaria menos de imposto, já que, no seu entender, não era seu ónus liquidar a quantia devida a esse título. Contudo, com o devido respeito por opinião em contrário, isto parece-nos ser só meia verdade. Com efeito neste ponto particular não pode olvidar-se ao tempo o processo de divórcio do arguido JVP com a sua então mulher CBR e a necessidade que este teve de “escudar” no estrangeiro, se possível sem rasto, o quantum considerável de que a sua então mulher ao que tudo indica nada sabia e, por isso mesmo não lhe poderia ser exigida em partilha após divórcio.
Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrário, parece-nos que da globalidade da prova para os autos carreada e produzida e examinada em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, no que tange à questão do pagamento do imposto ao que tudo indica terá a mesma sido levantada, discutida e negociada por todos os arguidos.
Neste particular cabe ter presente que foi negociada uma quantia Esc.800.000.000$00 (cerca de €4.000.000,00) – e, depois, ter sido enviada ao “S” a fatura emitida pela “G”, mas no total de €4.190.000,00 (Esc.840.019.580$00), a fls. 25. Igualmente nesta campo, a versão do arguido LVD, de que o diferencial foi exigência adicional e posterior do jogador e que assim o Clube visou “comprar a paz do balneário”, com o devido respeito por opinião em contrário, não parece estar em relação conciliável com a verdade histórica. Por uma banda, não existe nos autos qualquer documento ou foi feita qualquer outra prova, maxime testemunhal, relativa a exigências formuladas a posteriori pelo jogador JVP; por outra, o arguido JVP negou perentoriamente que, depois da outorga do contrato de trabalho, tivesse pedido qualquer quantia adicional aos termos acordados.
Por sua vez, a discrepância de €190.000,00 entre o inicialmente vertido no “Aditamento” e depois acertado na fatura emitida pela “G”, correspondente a cerca de 5% do valor acordado, reportando-se tal valor a acréscimos devidos.
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No que tange à abertura da conta titulada por JVP no “Dexia” e movimentações de fluxos financeiros e da relação do arguido AJV com a “G” cabe aqui pesar o seguinte:
— O arguido JVP declarou que foi o arguido AJV quem indicou e tratou da abertura da conta, em seu nome, no Banco “Dexia”, no Luxemburgo.
A Testemunha CR, então mulher do arguido JVP à data dos factos verbalizou que o processo de divórcio só começou em 2003 e que desconhecia por completo a abertura da conta no estrangeiro por parte do ex-marido.
O arguido AJV, nas suas declarações, admitiu ter contactos no Luxemburgo, país em que residiu, e ter sido ele quem indicou ao coarguido JVP o Banco onde abrir a conta para receber o designado “prémio de assinatura”.
No que respeita a esta “familiaridade” entre o arguido AJV e contas bancárias no Luxemburgo, há que ter presente o documento de fls. 778-779, instruído por fls. 781, 784-785, 787, 789, 791, 793, 795 e 797. Destes documentos consta como contacto na Agência Bancária o nome de “Malget Theo”, o mesmo que no documento proveniente da abertura da conta titulada pela “G” no mesmo Banco “Dexia” assina, na qualidade de mandatário, em 25AGO2000, os respectivos documentos (cf. fls. 1720-1726, 1740-1741). Também o documento de fls. 1954 – relativo ao depósito do cheque de Esc.400.000.000$00 emitido pela “S SAD” a favor da “G”, é assinado pelo aludido Théo Malget. Por sua vez o nome de PM corresponde à gestora da conta de JVP (cf. fls. 1752 e 1754 – e coincide com a “funcionária da caixa” identificada no doc. de fls. 1957).
Existe ainda a conta descrita a fls. 1720-1736 (documento proveniente da Carta Rogatória enviada à Justiça do Luxemburgo), também no mesmo Banco “Dexia” do Luxemburgo, cuja data de abertura se reporta a 25AGO2000.
Por sua vez, existe semelhança da fatura de fls. 6 com as emitidas pela “G” ao “BV”, de fls. 91 do Apenso III, ao “S”, de fls. 41/4046, e 248, bem como o que resulta de fls. 719-720, documento que se mostra sustentado pelo exame pericial os respectivos esclarecimentos de fls. 4657-4658 e informação de fls. 4642; releva neste ponto ainda a relação entre o arguido AJV e a “G”.
Parece-nos que a fatura de fls. 41/4046 emparelhada com o documento de fls. 42 ajuda a cimentar tal conclusão.
Considerou-se também nesta matéria a fatura emitida pela “G”, da qual consta o nome do arguido AJV, a fls. 44 do Apenso II.
Igualmente a fatura de fls. 591, emitida pela “S” à “G”, relativa a €245.115.00, na qual se menciona que tal quantia é devida pela prestação de serviços /comissão de 5% do valor da transferência do jogador JVP, datada de 20AGO2000, o que converge para a formação da convicção do Tribunal a quo quanto à existência da aludida relação.
Não foi aceite como boa pelo Tribunal a quo a versão trazida a Juízo pelo arguido AJV de que se trataria de uma fatura “falsa”, na medida em que através dela somente visou capitalizar a “Superfute”, isto por força da análise conjugada de toda a documentação junta aos autos e acima referida. Não tem este Tribunal razão para decidir o contrário.
Mais relevou para o Tribunal a quo o Auto de Notícia levantado pelo Serviço de Inspeção Tributária de fls. 1249 a 1266, mais especificamente o teor de fls. 1251-1255, parcialmente reproduzido Relatório com compõe fls. 9 a 29 do Apenso II, em particular fls. 12 a 16, ao qual o Tribunal recorrido conferiu credibilidade, e do qual também se retira a relação entre o arguido AJV e a empresa “G”.
Constata-se também a coincidência entre o mandatário para a abertura da conta titulada pela “G” (cf. os aludidos documentos de fls. 1720-1726 - e o gestor da conta titulada no mesmo Banco “Dexia” por JVP – fls. 1749-1761 (com referência ao já referido Theo Malget, para o qual deverá ser remetida a correspondência: “ao c/c Sr. Theo Malget”, com endereço em 69, rt d’Esch, portanto a própria morada do Banco.»
Há ainda aqui que ter presente:
— Que a fatura emitida pela “SF” ao “S”, no montante de €935 246,00, a fls. 7 do Apenso II e sua correlação com a nota de crédito emitida pela “G” sobre o “S” pelo mesmo exato valor, a fls. 8-9 do mesmo Apenso, fatura e correspondência a fls. 20-22;»
— Correspondência trocada entre a “SF” e a “S SAD”, a fls. 13/14 do Apenso II, assinada pelo arguido AJV, em que expressamente se invoca anulação de crédito primitivamente efetuado pela “G” e débito através da “Superfute”, a fls. 15 e 17 sobre a mesma matéria.»
Parece-nos assim que, na esteira do entendimento do Tribunal a quo existe nos autos prova documental bastante e prova testemunhal que autoriza com a necessária segurança a erigir a ligação do arguido AJV à empresa “G”, parecendo, salvo o devido respeito por opinião em contrário, estar em reação inconciliável com a verdade histórica a versão trazida a Juízo em sede de Audiência de Discussão e Julgamento de que nada tinha a ver com a dita “G”, o que nos parece antagónico com o facto de  este arguido ter recebido comissões por intermédio da “G” (cf. fls. 35, 36 e 37, por referência a julho de 2000).
***
«V) FACTOS 2.1.37 A 2.1.47»
Ancorou-se o tribunal a quo nas:
(i) Declarações dos arguidos;
(ii) Prova documental;
(iii) Prova testemunhal.
*
PROVA POR DECLARAÇÕES DOS ARGUIDOS
— O arguido LVD confirmou ter aposto a sua assinatura nos documentos a fim de realizar dois pagamentos acordados; e do arguido RBM que confirmou ter diligenciado no sentido de serem efetuados os pagamentos a que se reportam estes factos 37-47.
*
PROVA POR DOCUMENTOS
— Documentos de fls. 43, 44, 45, 53/1185 e 54; e fls. 106 do Apenso IV.

PROVA TESTEMUNHAL
TESTEMUNHA JFL
Que afiança ter aposto a sua assinatura no cheque, conforme lhe foi solicitado.
***
TESTEMUNHA CHC
Que garante ter aposto a sua assinatura na ordem de transferência, conforme lhe foi solicitado.
No que tange aos factos 2.1.42 e 2.1.44, em que se imputa a autoria do envio da fatura e respetiva finalidade ao arguido AJV, o Tribunal a quo encarou  a ligação à empresa “G” bem como ao facto de ter sido ele a conduzir as negociações em representação do arguido JVP, para concluir que foi ele (ou um colaborador seu por ele mandatado), quem a elaborou e a fez chegar à “S SAD” – era ele que sabia os termos do acordo, nomeadamente importâncias e prazo, tendo sido ele quem fechou as negociações. Parece assim carecer de sentido que pudesse ter sido de outra pessoa a autoria da elaboração e envio da fatura. Com efeito, parece que face ao monte em causa não poderia ter deixado o acordo de pagamento de ficar consignado em documento, o que era do interesse do credor JVP.
In casu, não tendo sido outorgado o “Aditamento” por parte do arguido JVP, pelas razões que acima indicadas foram, a este interessava esforçar-se pelo recebimento da quantia, deixando consignado documentalmente os prazos e montantes do pagamento e era ao seu representante negocial que cabia tal função.
***
FACTOS 2.1.48 A 2.1.70»
Ancorou-se o tribunal a quo na:
(i) Prova documental; 
(ii) Prova testemunhal.

PROVA DOCUMENTAL
— Documentos de fls. 49, 50, 51, 52, 590, 719-720, 789, 1443, 1444, 1446, 1861-1823, 2069-2073, 2124- 2130, 2220-2224, 4501 a 4503, 4642 e 4657- 4658; fls. 111-112, 121, 146-147 e 154-155 do Apenso IV, fls. 211, 214-249, 261, 262, 264, 265, 295-298 e 323-326 do Apenso V;»

PROVA TESTEMUNHAL

TESTEMUNHA RF
É perito da polícia científica da Polícia Judiciária que elaborou os Exames de fls. 1801 a 1823, 2124 a 2130 e 2220 a 2224, e esclareceu a dinâmica dos fluxos financeiros aí descritos.
No que concerne ao facto 2.1.48 e 2.1.49, dá-se por reproduzido o documento de fls. 719-720.
*
O facto 2.1.50 emerge da ineficácia que o documento obteve em termos de conclusão contratual e da responsabilidade do arguido RBM, nesta matéria, resultante das suas próprias declarações
Quanto ao facto de se ter tido por provado que a transferência efetuada em 21SET2000 da conta da “S SAD” para a da “G” no Barclays teve como destinatário o arguido JVP, uma vez que na ordem de transferência, a fls. 44, não se extrai a ligação com o jogador, explanou o Tribunal a quo:
«O arguido assumiu em audiência de Julgamento ter recebido pagamentos do S decorrentes do “Prémio de assinatura”, permanecendo em dívida a quantia de 800 000 € que foi reclamar em 2005. E na verdade, foi esta a quantia que, nesse ano de 2005, as partes assentiram que era devida, pois como resulta dos autos, o S reteve 250.000 a título de pagamentos a efetuar em sede de procedimentos executivos, efetuou o pagamento de 150.000€ à JOD e pagou ao jogador 400.000€, retendo o imposto devido, pelo que lhe entregou 312.000€. Desta feita, é imperioso concluir que o arguido admitiu ter recebido todas as quantias conforme se alude a pronúncia, por referência à acusação.». Prova não foi produzida que imponha decisão contrária por este Tribunal.
***
FACTOS 2.1.71 A 2.1.81
Ancorou-se o tribunal a quo nas:
(i) Declarações dos arguidos;
(ii) Prova documental;
(iii) Prova testemunhal.

PROVA POR DECLARAÇÕES
Declarações do arguido JVP, que confirmou não ter feito constar os valores em causa nas declarações de IRS relativas aos mencionados anos.
*
PROVA DOCUMENTAL
— Documentos de fls. 2301-2307;

PROVA TESTEMUNHAL
TESTEMUNHA JDP
Inspetor Tributário, que descreveu e esclareceu a forma de elaboração do documento de fls. 2301 a 2307.
***
FACTOS 2.1.82 A 2.1.98»
Baseou-se o tribunal a quo nas:
(i) Declarações dos arguidos;
(ii) Prova documental; e
(iii) Prova testemunhal.

PROVA POR DECLARAÇÕES
ARGUIDO JVP
— O arguido JVP asseverou ter-se dirigido ao “S” a fim de reclamar a quantia que ainda lhe era devida relativa ao prémio de assinatura, o que fez num primeiro momento na companhia do dirigente do “BV” Paulo Gonçalves e depois na companhia do então seu advogado, Sr. Dr. JC;
— Expressou ter então assinado um acordo com a “S SAD”, nele tendo sido aposta data anterior à do real momento da assinatura.
*
Inquirido sobre a razão de ser da assinatura do documento em que se assumia responsável pelo pagamento de qualquer crédito que a “G” viesse a invocar junto do S, referiu que o fez por exigência deste Clube e ser a única forma de obter o dinheiro que lhe era devido.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, parece-nos que esta versão ao que tudo indica estará em relação inconciliável com a verdade histórica. Com efeito, apresenta-se como desapropriado vir o arguido JVP asseverar  que:
(i) Nada tem a ver com a “G”, que traduz “um meio arranjado” pelo “S” para ultrapassar o pagamento dos impostos que lhe eram devidos; e
(ii) Que assumiu responsabilidade por créditos que a aludida empresa invocasse possuir sobre o Clube apenas para receber o dinheiro em falta, sendo certo que sempre foi assessorado por advogados e tinha na sua posse o “Aditamento”, que era documento idóneo para reclamar a dívida.
Neste contexto, há que concluir na esteira do Tribunal a quo que o arguido JVP bem sabia que os pagamentos lhe haviam sido feitos por intermédio da “G” e que esta sociedade não estava no domínio fáctico dos representantes da “S SAD”.
Assim, se bem vemos, a declaração de assunção da responsabilidade, acautelava a “S SAD” de pedidos supervenientes (por força da existência da fatura relativa ao prémio de assinatura) e não lhe acarretava a ele qualquer risco.
*
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO RBM
Que abonou que, em 2005, o arguido JVP veio reclamar o remanescente ainda não pago, acompanhado pelo seu advogado de então, o Sr. Dr. JC, exibindo o “Aditamento”.
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PROVA DOCUMENTAL
— Documentos de fls. 700-701, 593-596/1358-1362, 818-819, 820-821, 1363, 1364, e 4442 a 4457; fls. 38-39 do Apenso II;»

PROVA TESTEMUNHAL
TESTEMUNHA FSF
Presidente da “S SAD” em 2005, que asseverou:
— Que soube que o arguido JVP foi reclamar valores ao “S”, contudo, nada acompanhou diretamente.
— Que no decurso do seu mandato proibiu que empresas detivessem direitos desportivos dos jogadores, ainda para mais com sede no estrangeiro, por questões de transparência fiscal.
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TESTEMUNHA CRF
Que em 2005 estava de volta à “S SAD” flui do seu depoimento:
— Ter conhecimento que o arguido JVP veio reclamar a quantia ainda em falta;
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TESTEMUNHA PBA
Administrador da “S SAD” em junho - julho de 2005, que reconheceu ter aposto a sua assinatura no acordo então celebrado.
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TESTEMUNHA ADC,
Presidente do “C.A.” da “S SAD” em 2005, flui da globalidade do seu depoimento:
— Que lhe foi apresentado um documento para assinar, a fim de resolver o problema com o JVP, o que fez, confirmando a sua assinatura no documento de fls. 593-594 /1358-1361; mais confirmou que as assinaturas apostas nos cheques de fls. 1363 e 38 do Apenso II são as suas.
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TESTEMUNHA RFP
Jurista da “S SAD” que esteve presente nas negociações de 2005 com o arguido JVP.
Aclarou:
— A sequência dos factos à data: que lhe foi comunicado que a “G” se encontrava em vias de dissolução, o que confirmou pelos seus próprios meios;
— Que após propostas goradas de revogação do contrato do “Prémio de assinatura” celebrado entre a “S SAD” e JVP e assinatura de um outro contrato de cedência de direitos à “G”, bem como de um de prestação de serviços elaborado pelo representante deste arguido, acabou por ficar acordado entre ela e o Dr. JC que revogar-se-ia o contrato com uma data falsa e elaborar-se-ia outro, conforme se encontram nos autos, e o arguido JVP, para salvaguarda da “S SAD” assumir-se-ia como responsável pelo pagamento de créditos que viessem a ser invocados pela “G”, documento que foi por si entregue na Beloura, na residência da testemunha  MRT, que ficou seu fiel depositário.
***
TESTEMUNHA JC
À data advogado do arguido JVP, flui da globalidade do seu depoimento:
— A corroboração da existência de reuniões e negociações para cobrança, por parte do arguido JVP à “S SAD” da quantia ainda em falta e relativa ao “prémio de assinatura”, com exibição do designado “Aditamento”.
***
TESTEMUNHA DMT
Amigo do arguido JVP, asseverou:
— Que o arguido JVP o contactou para receber uma verba do “S” e que lhe fez esse favor, através da sua empresa, emitindo uma fatura com o montante acordado, relativa a uma prestação de serviços que, de facto, não existiu, sendo que após o pagamento dos respectivos encargos fiscais, acertaram contas.
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FACTOS 2.1.99 A 2.1.108»
Baseou-se o tribunal a quo na:
(i) Prova documental; e
(ii) Prova testemunhal.

PROVA DOCUMENTAL:
— Documentos de fls. 61-62, 2166-2168, 2177-2179, 2278, 2279, 2280, 3190 a 3206, 4173 a 4178 e 4219 a 4345;»

PROVA TESTEMUNHAL
TESTEMUNHA HS
HS que relatou os factos conforme se encontram plasmados na pronúncia, nomeadamente que o seu amigo JVP lhe pediu um favor e que, acedendo, aceitou a doação fictícia do dinheiro, pagou o respetivo imposto, e devolveu o remanescente ao seu legítimo dono.
*
TESTEMUNHA ADD
Amigo e compadre do arguido JVP e seu gestor bancário no “BPN”, que asseverou:
— Ter diligenciado no sentido do regresso a contas em Portugal do dinheiro que o arguido JVP tinha no estrangeiro, nomeadamente o que esteve depositado no “Dexia”, o que se mostra harmónico com a documentação junta aos autos;»

TESTEMUNHA AFL
Que confirma, nesta matéria, o que a prova documental já mostrara.
***
FACTOS 2.1.109 A 2.1.115
No que concerne ao dolo o tribunal a quo deixou expresso na decisão impugnada:
«Os factos atinentes ao dolo e à consciência da ilicitude resultam, em primeira linha, da concatenação de toda a factualidade provada com as regras do conhecimento da vida e da lógica das coisas. Com efeito, a dinâmica dos factos é indiscutivelmente reveladora de que todos os arguidos sabiam e quiseram omitir ao Estado o rendimento auferido a título de prémio de assinatura pelo arguido JVP.
«Se não, vejamos: primeiramente as partes acordam os termos de um negócio que é vertido para o “Aditamento”, no montante global de 800 000 000$00, a pagar em três tranches; seguidamente, colocam de lado o “Aditamento”, porquanto uma das partes outorgantes entende que o ali exarado não foi o contratado, designadamente quanto ao valor a pagar, uma vez que do contrato de trabalho consta que é ilíquido e deste nada consta a esse título, não o assinando; é mister ultrapassar a questão, sendo que a assunção, por parte da S SAD, do valor ilíquido sobre a quantia acordada lhe acarreta um acréscimo significativo ao valor exarado e, por outro lado, como o próprio arguido LVD por diversas vezes disse, importa comprar “a paz do balneário”, satisfazendo a exigência de JVP; o arguido AJV tem ligações à G e sendo os valores pagos a esta empresa sediada no Reino Unido, é possível reduzir sobremaneira o acréscimo a pagar e resolver a questão; todos têm de saber e estar de acordo em processar/receber os pagamentos pela empresa e outra finalidade não pode haver que a descrita de omitir e não pagar ao Estado; do novo acordo, aos 800 000 000$00 inicialmente fixados, passam a acrescer 190 000 €.»
«O dolo específico foi, pois, por parte de todos os intervenientes, o de não ter de pagar ao Estado português o montante devido a título de imposto sobre o rendimento, e todos os arguidos se conluiaram para o efeito, pois sem qualquer um deles a concretização do plano não seria possível. Cada um negociou no seu interesse e o acordo final foi o recebimento do montante pelo seu valor líquido por banda de uma das partes – arguidos JVP/ representante AJV, no interesse daquele -, com um acréscimo que configura um “mal menor” para os arguidos pagadores.»
«Note-se, aliás, que o facto de o arguido JVP ter pedido ao seu amigo Hélio Sousa para apresentar, em nome deste, a declaração de regularização tributária, em dezembro de 2005, quando já o presente processo havia sido despoletado, é bem sintomático de que o referido arguido, numa fase inicial, não desejava dar a conhecer que os depósitos a regularizar provinham de rendimentos seus, relacionados que estavam com os factos dos autos.»
«Também se nos afigura cristalino que os fluxos financeiros relativos aos pagamentos efetuados pela S SAD a que os autos se reportam, por intermédio das empresas G e T, com as quais o arguido AJV se encontrava relacionado, tiveram este arguido por mentor e executante, pois era ele, e só ele, quem detinha as referidas ligações, como acima sobejamente se motivou.»
«Outro escopo não poderia presidir às transferências e levantamento em cash que não fosse o de “apagar o rasto” da transferência, como deflui da conjugação da factualidade assente com as regras da experiência comum
«A matéria tida como assente que se reporta às contestações apresentadas pelos arguidos assenta nos documentos com que foram instruídas, em particular, de fls. 25 do Apenso II e 3034 a 3114 quanto ao arguido JVP, e depoimentos testemunhais, referidos na motivação acima exposta. Relevou, em particular, quanto à existência de negócios anterior aos factos dos autos entre a S SAD e a G, o depoimento de MRT, já anteriormente mencionado, e quanto à explicitação dos fluxos financeiros a testemunha FL, Revisor Oficial de Contas, a que também já se aludiu, e que a pedido deste arguido os analisou.»
«No que respeita às condições pessoais dos arguidos relevaram os CRC’s juntos a fls. 3512, 3513, 3514 e 3515, bem como os Relatórios Sociais oportunamente incorporados nos autos a fls. 4491 a 4495, 4558 a 4561, 4562 a 4566 e 4620 a 4624/4625 a 4629. CL, AD e JS abonaram também sobre as qualidades pessoais do arguido JVP.»
«No que tange à MATÉRIA TIDA POR NÃO ASSENTE, importa referir, ademais, que se não fez prova da sua positividade.»
«Em particular, impõe-se uma palavra quanto à imputação do dolo do crime de branqueamento a JVP.»
«A questão que se coloca é se o referido arguido agiu de comum acordo com o co-arguido AJV, designadamente, se teve conhecimento da circulação do dinheiro, que se traduziu na movimentação pela conta da T, com a finalidade de ocultação, a qual terminou com a respetiva integração na sua conta, com vista a criar a aparência de legalidade - depósito bancário na conta da JH Inc., no BPN Cayman.»
«JVP veio declarar que abriu a conta no estrangeiro, concretamente no Dexia, no Luxemburgo, por indicação do amigo AJV para receber o dinheiro relativo ao prémio de assinatura, assim fazendo um jeito ao S que pagaria menos imposto.»
«Tinha, pois, o arguido, consciência do ato ilícito subjacente, que era o não pagamento do imposto devido (mesmo acreditando que o respetivo montante fosse obrigação a cumprir pelo Clube). Quis com essa conduta, segundo declarou, auxiliar, obstando ao pagamento do imposto.»
Porém, será que se pode concluir que com a sua conduta – a abertura da referida conta – teve a intenção de auxiliar uma operação de conversão ou de transferência do dinheiro a receber para tentar ocultar ou dissimular a verdadeira natureza das vantagens do ilícito? Relativamente a este elemento intencional (que se afigurou positivo quanto ao arguido AJV, pelos motivos acima expostos, designadamente, o seu relacionamento com as empresas G e T, através das quais o dinheiro transitou) fica-nos, no que respeita ao arguido JVP, uma dúvida inultrapassável que há de reverter a seu favor no sentido de se não ter a factualidade relativa ao dolo como provada. Com efeito, não se tendo feito prova nem se extraindo de um raciocínio lógico-dedutivo que o arguido soubesse a tramitação dos fluxos financeiros entre o depósito na conta da G e o efetuado na sua conta no Dexia, não se teve por provado que tivesse a intenção de auxiliar uma operação de conversão ou de transferência do dinheiro a receber para tentar ocultar ou dissimular a verdadeira natureza das vantagens do ilícito. Teve, isso sim, como acima se deixou exarado, a de obstar ao pagamento do imposto devido, para o que abriu uma conta no estrangeiro, na qual seria depositado o dinheiro, por intermédio da G»
*
No que tange à problemática do dolo e da coautoria será a mesma abordada mais abaixo aquando do tratamento da Questão de Direito.
***
É consabido que com base no princípio do in dubio pro reo, em sede probatória tem de ser sempre valorado o non liquet a favor do(s) arguido(s).
Contudo, isso impõe-se apenas quando esse non liquet existe!
In casu o Tribunal recorrido quanto ao recorrente JVP no que tange à pertinente materialidade fáctica constitutiva do referido tipo legal de crime de fraude fiscal imputado a este arguido/recorrente não chegou a qualquer estado de dúvida que justificasse a intervenção do apontado princípio.
Deste modo, concluímos que as provas não impunham, em juízo de certeza e sem margem para quaisquer dúvidas, outra apreciação e decisão, pelo que a matéria de facto apurada e acima fixada não merece qualquer reparo.
Por outro lado, se bem vemos, a censura feita por este arguido/recorrente (JVP) da decisão da matéria de facto é somente quanto à atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra.
Ora, uma vez que tal análise da prova teve por base a imediação, sendo elaborado um juízo objectivável e racional, inexiste fundamento válido para proceder à sua alteração uma vez que verificado não está que o Tribunal a quo tenha incorrido em erro de julgamento.
O princípio in dubio pro reo, à luz do princípio da investigação apenas deve ser entendido no sentido de que não devem ser julgados provados os factos relevantes para a decisão que, apesar da prova recolhida, não possam ser subtraídos a dúvida razoável.
Tal princípio só é desrespeitado quando o Tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas decidiu em tal situação contra o(s) arguido(s).
Verificamos assim que, a violação do princípio in dubio pro reo pressupõe que num estado de dúvida insanável, o Tribunal opte por decidir de forma desfavorável ao(s) arguido(s).
Como é sabido, este princípio tem aplicação no domínio da apreciação da prova, refletindo-se nos contornos da decisão de facto. Assim, não se descortinando quais das versões apresentadas é verdadeira, chegando uma situação de não prova dos factos, por contradição insanável da prova produzida, cumpre valorar a versão fáctica que mais beneficia o(s) arguido (s).
In casu da leitura integral da decisão recorrida resulta que, na sua fundamentação, o Tribunal a quo quanto ao recorrente JVP no que tange à pertinente materialidade fáctica constitutiva do referido tipo legal de crime de fraude fiscal imputado a este arguido/recorrente não manifesta dúvidas sobre a ocorrência dos factos e de quem foram os seus “coautores.”
A prova produzida corroborou a materialidade fáctica imputada ao arguido/recorrente JVP.
Verificamos, assim, que, quanto ao arguido/recorrente JVP no que à materialidade fáctica constitutiva do aludido crime de fraude fiscal, a dúvida não resultou da prova produzida, nem, razão com força legal bastante existe para ter permanecido no espírito dos julgadores em relação a qualquer facto fundamental, ficando amplamente provada toda a materialidade fáctica tida por relevante relativa a este imputado crime de fraude fiscal.
Ora, mesmo quando tal posição é expressamente tomada, não basta a mera contradição ou negação da factualidade que consubstancia o ilícito para que se recorra ao princípio do in dubio pro reo. Pelo contrário, necessário se torna que exista dúvida insanável e irremovível, o que in casu, no que tange aos factos constitutivos do crime de fraude fiscal, face à prova produzida, não se verificou.
Na verdade, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao referido arguido/recorrente JVP, mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for which reasons can be given).
Por sua vez, cabe expressar com Cruz Bucho, na esteira do que já há muito tempo decidido foi pelo Tribunal Supremo de Espanha, que tal princípio "não estabelece os pressupostos ou condições em que os juízes podem ou devem duvidar mas tão-somente como devem proceder em caso de dúvida insanável" ([li]).
Daí que, não resultando do texto da decisão recorrida que a 1.ª instância tenha no que respeita aos factos constitutivos do crime de fraude fiscal ficado em estado de dúvida quanto à ocorrência de qualquer facto relevante (nomeadamente que integrasse qualquer causa de justificação ou de exclusão da culpa) e que nesse estado de dúvida tenha decidido contra o arguido/recorrente JVP, ou qualquer dos restantes arguidos, nem que face à globalidade da prova produzida devesse ter ficado na dúvida positiva, racional sobre factos relevantes, que ilida a certeza contrária, ou por outras palavras impeça a convicção do Tribunal, naufraga este segmento do recurso do arguido/recorrente JVP.
Ao decidir como decidiu, não se alcança que o Tribunal a quo tenha valorado contra o arguido/recorrente JVP, qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos relativos ao crime de fraude fiscal, do mesmo modo que também não se infere que o Tribunal recorrido, que no que tange à pessoa deste arguido/recorrente quanto ao que aqui releva não teve dúvidas, devesse efetivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo, daí que não se mostre violado este princípio.
*
O arguido/recorrente JVP alega que o Tribunal a quo violou o princípio da presunção da inocência.
In casu o Tribunal a quo considerou provados os factos acima descritos e que por maçador aqui não vamos repetir.
Verificamos assim que o arguido/recorrente JVP foi condenado com base na sua apurada conduta ilícita e culpável que está tipificada na lei como crime, e dizemos isto sem prejuízo do que acrescentaremos mais abaixo por ser a sua sede própria.
Assim sendo, como é, o Tribunal a quo não violou o princípio da presunção da inocência, plasmado no art. 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, no art. 11.º n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10DEZ1948, bem como no art. 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; igualmente flui de tudo que já acima exposto ficou que não mostram violado os princípio da legalidade da prova, o que aqui se declara.
*
In casu face à globalidade prova para os autos carreada e examinada e valorada em Audiência de Discussão e Julgamento, devidamente pesada, salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que todos os arguidos/recorrentes não lograram demonstrar elementos probatórios que imponham que este Tribunal tenha que dar como provados e não provados os factos que indicam nas conclusões das respetivas motivações recursórias.
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Com o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que das declarações prestadas pelos arguidos JVP; AJV; LVD e RBM; e da globalidade do depoimento das testemunhas JDP (inspetor de finanças); CHC (economista); JCS; CRF; JB; RF (perito da polícia científica); JFL (diretor de empresa); MRT (advogado); PLG (advogado); APT; MMS; CGL; FSF (empresário); CBR; ADC (que foi confrontado com os documentos de fls. 593 e 1363); PBA (que foi confrontado com os documentos de fls.  593 e 1363); DMT (que foi confrontado com documento de fls. 38 apenso II); APC; RPC; RC e de AJV); AFL (amigo de JVP); JGC (advogado); e HS e da prova documental acima referidas dúvidas não existem para este Tribunal de que os factos se terão passado como provados ficaram pelo Tribunal a quo.
Na verdade, se bem vemos, a prova apontada pelos recorrentes poderá porventura permitir outro entendimento diverso do seguido pelo Tribunal a quo. Porém, com o devido respeito por opinião em contrário, não impõe entendimento diverso do seguido pelo Tribunal de 1.º instância e plasmado na decisão recorrida no que tange aos factos que este considerou provados e não provados, sendo certo que o Julgamento cabe ao Tribunal.
A prova indicada por todos os arguidos/recorrentes, devidamente pesada por este Tribunal, com o devido respeito por opinião em contrário, não impõe entendimento diverso do adotado pelo Tribunal a quo pelas razões que já acima indicadas foram aquando da análise crítica da prova e pelo que, de forma clara, precisa e concisa se mostra dito na motivação da matéria de facto plasmada na decisão impugnada acima transcrita, sem prejuízo da análise da questão dolo, da coautoria e dos elementos constitutivos dos tipos legais de crime que serão abordados mais abaixo em matéria de Questão de Direito.
Quanto à questão de facto este Tribunal de Relação pesada a globalidade da prova para estes autos carreada e produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento e nomeadamente a globalidade da prova indicada pelos arguidos/recorrente nas respetivas motivações recursórias acima aludidas, sem esquecer que o recurso é um remédio jurídico e não um novo julgamento total agora na 2.ª instância, com o devido respeito por opinião em contrário, a mesma não impõe entendimento diverso do adotado pelo Tribunal a quo.
Na verdade, no que tange aos factos impugnados pelos arguidos / recorrentes, para além do que já acima dito ficou, com o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que os mesmos não merecem qualquer censura por este Tribunal pela singela razão, mas decisiva, de que estão suficientemente ancorados na prova documental para os autos carreada e acima referida, e da globalidade da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, razão pela qual foram considerados provados todos os factos relevantes para a boa decisão da causa, não deixando a decisão de fixar os acima aludidos factos não provados.
Ora, tudo visto e ponderado, os factos dado como provados e não provados não merecem qualquer censura por este Tribunal, fluindo da globalidade da motivação da matéria de facto provada e não provada plasmada na decisão recorrida que os mesmos, como já acima dito ficou foram objeto de uma desvelada análise crítica.
*
Verificamos assim que em face de tudo que já acima dito ficou, prova não foi produzida que imponha decisão contrária à tomada pelo Tribunal a quo.
Assim, salvo o devido respeito por opinião em contrário não assiste razão a todos aos arguidos/recorrentes quanto ao invocado erro de julgamento.
Como vimos, o Tribunal formou a sua convicção fazendo uma análise global da prova para os autos carreada e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, apreciando livremente a prova, segundo critério de razoabilidade.
In casu, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, destacam-se as declarações dos arguidos/recorrentes JVP; AJV; LVD e RBM e os depoimentos das testemunhas JDP; CHC; JCS; CRF; JB; RF; JFL; MRT (advogado);  PLG (advogado); APT; MMS;  CGL; FSF; CBR; ADC; PBA; DMT; APC; RPC; RCC; ADD; AFL; JGC; e HS, bem como a supra indicada prova documental.
Da motivação da matéria de facto acima transcrita e do que acima já dito ficou facilmente se enxerga que o Tribunal a quo apreciou criticamente as provas produzidas, revelando a decisão impugnada que a fundamentação da matéria de facto segue um processo racional e lógico e que, contrariamente ao apontado pelos recorrentes não se mostra passível de censura.
Com efeito, o Tribunal a quo expressou de forma sintética que formou a sua convicção com base nos elementos acima transcritos e apontados discriminadamente na decisão impugnada.
Desta exposição pormenorizada feita pelo Tribunal a quo que se mostra plasmada na decisão impugnada, facilmente se vislumbra por uma banda, que apontados ficaram no que tange à matéria de facto impugnada os fundamentos da convicção e por outra, que pela natureza das provas produzidas e dos meios intelectuais utilizados e inferidos das regras da experiência comum, permite compreender a racionalidade e a não arbitrariedade da convicção sobre os factos apreciados e os meios de prova que suportam a decisão em causa.
In casu face à globalidade da prova produzida que deve ser apreciada e valorada na sua totalidade e não sobre cada uma delas em particular. Isto é apreciando as provas não apenas pelo que isoladamente significam, mas essencialmente pelo valor ou sentido que assumem no complexo articulado de todas elas, devidamente pesadas, vão no sentido dos factos apurados pelo Tribunal a quo.
Ora, são os Senhores Juízes de 1.ª instância quem de forma direta e “imediata” podem observar, as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que se obtêm a partir do que os arguidos JVP; AJV; LVD e RBM, quando como foi o caso se dispuseram a falar, e das testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações.
É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas.
A congruência dos testemunhos entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objetivamente comprováveis, quer dizer, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a um testemunho que a outro.
Na verdade, como já acima deixámos expresso e flui da simples leitura da motivação da matéria de facto o Tribunal a quo na decisão impugnada levou a efeito uma análise crítica da prova produzida, nela plasmando o princípio da livre apreciação da prova, ancorado no art. 127.º do Código de Processo Penal à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida, seguindo a sua livre convicção.
Verificamos assim que, in casu, em face do que já acima exposto ficou, o princípio da livre apreciação da prova expresso no art. 127.º do Código de Processo Penal se mostra inteiramente respeitado.
Pelo que já acima dito ficou não têm razão todos os arguidos/recorrentes, pois nenhuma das provas que indicam impõe decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo.
No caso da simples leitura da decisão impugnada facilmente se enxerga que a mesma não só indica a fonte das provas usadas em julgamento como também o processo lógico da decisão de facto. Com efeito, tendo o Tribunal enumerado as provas que teve ao seu dispor, indicando os aspectos essenciais do seu conteúdo, e por consequência, o modo como formulou o juízo de veracidade, cumpriu quantum satis, com o dever de fundamentação contido no art. 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Por sua vez, a convicção do Tribunal tem de ser formada na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra. Ora, não existindo prova legal ou tarifada que se impusesse ao Tribunal, o Tribunal julga a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção que sobre ela forma (cf. o referido art. 127.º do Código de Processo Penal).
Por sua vez, aqui relembramos que as provas produzidas devem ser apreciadas e valoradas na sua totalidade ou em globo e não sobre cada uma delas em particular. Na verdade, as provas são apreciadas, não apenas pelo que isoladamente significam, mas essencialmente pelo valor ou sentido que assumem no complexo articulado de todas elas.
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In casu, se bem vemos as teses argumentativas expendidas pelos arguidos/recorrentes nas respetivas motivações recursórias espelham na sua essência verdadeira impugnação da convicção adquirida pelo Tribunal a quo, discutindo, em suma o processo lógico usado pelos Senhores Juízes do Tribunal a quo para formar a sua convicção, mas diga-se que na decisão recorrida se mostra perfeitamente compreensível o “porquê” da decisão.
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Pelo que dito fica, da globalidade da prova produzida e examinada em sede de Audiência de Discussão e Julgamento das declarações dos arguidos / recorrentes; e dos depoimentos das testemunhas acima referidas e das provas documentais e periciais igualmente acima aludidas concluímos no sentido de que a decisão impugnada no que tange à questão de facto não padece de qualquer erro de julgamento.
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Cabe aqui deixar expresso que não houve, por parte do Tribunal a quo, qualquer valoração proibida de provas que não tivesse sido possível examinar em audiência. (cf. art. 355.º do Código de Processo Penal).
Ora, como já acima deixámos explícito o ato de julgar é do Tribunal, e tal ato tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção, e a liberdade de convicção aproxima-se da intimidade assente em verdade prático-jurídica, nem tudo sendo suscetível de ser passado para o papel, daí que cumpra aceitar o afirmado pelo tribunal a quo.
Porém, a convicção do Tribunal tem de ser formada na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra.
In casu, de uma leitura da decisão impugnada facilmente se vislumbra que nela se mostra apontada, de forma clara, não só o processo de formação da convicção dos julgadores, como também a razão por que foi atribuída especial credibilidade a determinados meios de prova, em detrimento de outros, assim se mostrando observados os requisitos da sentença a que se reporta o art. 374.º do Código de Processo Penal.
Por sua vez, conjugando o texto da decisão impugnada com as regras da experiência comum, não se deteta qualquer omissão na afinação da matéria de facto essencial para uma decisão de direito, vício esse que, como é sabido, nada tem que ver com a possível insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.
De igual forma, da leitura da decisão impugnada não se deteta nem contradição nem qualquer erro manifesto, de tal modo claro que não passe inobservado ao comum dos ao homem de formação média.
Cabe aqui relembrar que não espelha qualquer erro notório o facto de o Tribunal ter dado credibilidade a determinadas declarações e depoimentos e/ou meios de prova produzidos, em detrimento de outros, tanto mais que aqueles se encontravam harmonicamente suportadas por outros elementos de prova (documental) que, como vimos, foram apontados na fundamentação e brotam dos documentos há muito para os autos carreados e sujeitos ao contraditório (da Audiência de Discussão e Julgamento).
Deste modo, concluímos que as provas não impunham, em juízo de certeza e sem margem para quaisquer dúvidas, outra apreciação e decisão, pelo que a matéria de facto apurada e acima fixada não merece qualquer reparo.
Por outro lado, se bem vemos, e aqui reafirmamos, a censura feita pelos arguidos/recorrentes à decisão da matéria de facto é somente quanto à atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra.
Ora, uma vez que tal análise da prova teve por base a imediação, sendo elaborado um juízo objectivável e racional, inexiste fundamento válido para proceder à sua alteração uma vez que verificado não está que o Tribunal a quo tenha incorrido em erro de julgamento.
Cabe aqui relembrar que as provas são apreciadas não apenas pelo que isoladamente significam, mas essencialmente pelo valor e sentido que assumem no complexo articulado de todas elas.
Ora, como acima expressamos cabe aqui lembrar mais uma vez que não existindo in casu prova legal ou tarifada operante, o Tribunal julga a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção que sobre ela forma (cf. o aludido art. 127.º do Código de Processo Penal), plasmando a decisão impugnada fundamentação crítica e adequada dos meios de prova.
Na verdade, não se deve confundir uma discordância incidente sobre o conteúdo do julgamento de facto com qualquer dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal. A impugnação não poderá incidir sobre a formulação da convicção do Tribunal quando como acontece no caso em apreço é realizada à luz de critérios de razoabilidade, bom senso, experiência comum e factos notórios, sendo a mesma suficientemente clara e precisa nos seus fundamentos.
Assim, por tudo o que apontado fica entendemos que o Tribunal de 1.ª instância não levou a efeito uma errada apreciação da prova produzida em Audiência de Discussão E Julgamento.
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Face ao que dito fica a decisão impugnada quanto à matéria de facto não merece qualquer reparo.
Em suma, da análise da prova produzida, através dos documentos juntos aos autos, já acima esmiuçados e acima referidos, das declarações de todos os aludidos arguidos, da globalidade da prova testemunhal acima referida, tudo confrontado com a motivação da decisão de facto plasmada na decisão recorrida, sem esquecer que o recurso é um remédio e não um segundo julgamento, conclui-se que inexistem quaisquer razões para alterar o juízo probatório constante da decisão recorrida, sendo de manter, em consequência, a matéria de facto dada como provada e não provada.
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Pelo exposto, aqui mantemos na íntegra os factos provados e não provados que o Tribunal a quo fixou na decisão impugnada e acima transcritos.
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A QUESTÃO DE DIREITO
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BREVE INTRODUÇÃO
Como é consabido a fraude fiscal internacional sempre se relacionou com o aproveitamento dos “paraísos fiscais” e com o branqueamento de capitais.
Em Portugal podemos dizer que isto era sabido desde a década de 70 do século passado. Contudo só a partir da alteração do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 325/95, de 02DEZ., efetuada pela Lei n.º 10/2002, de 11FEV., é que o branqueamento de capitais provenientes da fraude fiscal adquiriu dignidade penal no nosso sistema jurídico.
Nos tempos que correm o jurista só pode fazer o caminho de olhar desperto para a realidade. Vale dizer, para o mundo globalizado e sem fronteiras da economia, para o caráter imaterial da riqueza, a circular livremente sobre as fronteiras, e para os tropismos comandados pela força atrativa dos “paraísos fiscais”. Neste campo, para além da análise de fenómenos contabilísticos, económicos e financeiros subjacentes ao crime de fraude fiscal e de branqueamento, a investigação deste tipo de crimes é difícil de fazer, atendendo aos abundantes e sofisticados meios ao dispor de quem idealiza os esquemas apresentados.
Daí que seja vexata quaestio o tema da prova a ser produzida e valorada em sede de Audiência de Discussão e Julgamento. Necessário se torna também a compreensão dos princípios político-criminais, das categorias fundamentais e dos enunciados normativos basilares atinentes ao crime fiscal subjacente e ao ilícito subsequente de aproveitamento ou de ajuda de aproveitamento dos proventos gerados com a fuga às obrigações legais para com o Fisco. Na verdade, ao que parece no nosso direito positivado a lei não exige que o facto precedente seja culposo e punível e, menos ainda, que ele seja efetivamente punido.
Contudo, afigura-se-nos que sem um crime precedente como tal previsto à data da transferência do capital não há crime de branqueamento.
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No caso em apreço, para já, procuremos responder às seguintes questões essenciais:
Os factos apurados permitem a condenação:
— Do arguido JVP pelo crime de fraude fiscal qualificada [arts. 103.º, n.º 1, alínea b), e 104.º, n.º 2  do RGIT]?
— Do arguido AJV, pelo crime de fraude fiscal qualificada (arts. 103.º, n.º 1, alínea b), e 104.º, n.º 2 do R.G.I.T.), e pelo crime de branqueamento (art. 368.º-A do Código Penal)?
— Do arguido LVD, pelo crime de fraude fiscal qualificada [arts. 103.º, n.º 1, alínea b), e 104.º, n.º 2  do RGIT]?
— Do arguido RBM, pelo crime de fraude fiscal qualificada [arts. 103.º, n.º 1, alínea b), e 104.º, n.º 2 do RGIT]?
— Será de excluir a condenação por fraude fiscal qualificada por a apurada conduta dos aludidos arguidos ser atípica?
— Será a conduta dos referidos arguidos subsumível na conduta típica omissiva prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 103.º do RGIT?
— A “ocultação”, enquanto conduta típica estabelecida naquela alínea, corresponde a uma omissão pura ou própria? Só aquele que detém o dever de declarar pode ser autor do crime de fraude fiscal?
— A ausência da prática de uma conduta típica matricial de fraude impede a responsabilidade dos aludidos arguidos AJV; LVD e RBM a título de fraude qualificada?
— No que tange aos arguidos JVP, AJV; LVD e RBM mostra-se preenchido o tipo subjetivo (da fraude Fiscal)?
— É curial a imputação aos aludidos arguidos AJV; LVD e RBM do crime de fraude fiscal na modalidade de coautoria por omissão ou por acção?
— Na ótica do crime omissivo: estava na pessoa dos arguidos AJV; LVD e RBM a titularidade o dever jurídico de acção?
— Será caso de coautoria por acção?
— Na conduta do arguido AJV existem os factos indispensáveis ao preenchimento da factualidade típica (tipo objectivo e do tipo subjetivo) do crime de branqueamento (art. 368.º-A do CP)?
— Há ou não falta da relação tipicamente pressuposta (prioridade cronológica e etiológica) entre o crime precedente e o suposto branqueamento?
— As “vantagens” tidas como objeto de uma eventual conduta de ocultação provêm da celebração de um contrato de trabalho desportivo?
— Os mesmos factos imputados ao referido arguido AJV são, ao mesmo tempo, valorados como preenchimento do crime de fraude fiscal e de branqueamento?

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RELEMBREMOS AS OCORRÊNCIAS PROCESSUAIS RELEVANTES:
(i) Nos presentes autos que correm os seus termos contra os aludidos arguidos foram estes condenados nos termos já acima descritos.
(ii) Na base destas condenações estão os factos acima fixados dos quais aqui destacamos, por relevarem para a apreciação do objeto dos presentes recursos, os seguintes:
— Em 02JUL2000, foi celebrado entre o arguido JVP e o “S”, representado pelo arguido LVD e pelo administrador MRT, um contrato de trabalho desportivo, nos termos do qual o primeiro arguido “se obrigou a prestar com regularidade a atividade de futebolista, em representação e sob a autoridade do “S”, com início naquela data e termo no final da época de 2004 [cf. ponto 2.1.11 — fls. 4684 (fls. 9 da decisão impugnada)].
— A negociação das condições e termos contratuais foi realizada com a intervenção do arguido AJV, empresário desportivo, registado na Federação Portuguesa de Futebol. No decurso da negociação, o arguido AJV transmitiu ao “S” as condições contratuais estabelecidas pelo jogador JVP, que pretendia auferir a título de salário a quantia de Esc. 1.000.000. 000$00 (€4.987.978,97) e, como prémio de assinatura daquele contrato, a quantia de Esc.800.000.000$00 (€3990.383,18). Em representação do “S”, o arguido LVD aceitou quer o pagamento da quantia a título de salário, quer o pagamento a título de prémio de assinatura, este último “parcelado em três anos: 2000,2001 e 2002”. [cf. pontos 2.1.4., 2.1.6., 2.1.7., 2.1.8, 2.1.9 e 2.1.10 — fls. 4683-4684 (fls. 8- 9 da decisão impugnada)].
— Nos termos do contrato assinado, o “S” obrigou-se, assim, a pagar ao arguido JVP, por quatro anos de contrato, uma remuneração ilíquida de Esc.1.253. 112.000$00 (€6.250.496,39). [cf. pontos 2.1.12., 2.1.13., 2.1.14. — fls. 4684 (fls. 9 da decisão impugnada)].
— As condições de pagamento do prémio de assinatura constavam de um aditamento ao contrato de trabalho, elaborado pelos serviços jurídicos do “S” e assinado posteriormente, em data não determinada, pelo arguido JVP [cf. pontos 2.1.19., 2.1.20, 2.1.21,2.1.22. — fls. 4685 (fls. 10 da decisão impugnada)].
— O arguido AJV “propôs ao arguido JVP, e este aceitou, que o pagamento daquele prémio de assinatura fosse efetuado à «G Consulting Limited (»G», sociedade sediada em Londres. Das contas bancárias desta sociedade seriam transferidas as quantias referentes ao pagamento do prémio de assinatura. Para esse fim, o arguido JVP, por proposta do arguido AJV procedeu à abertura de uma conta bancária no “Dexia Banque Internationale, no Luxemburgo. [cf. pontos 2.1.26., 2.1.27, 2.1.28, 2.1.29, 2.1.30  — fls. 4686 (fls. 11 da decisão impugnada)].
— O pagamento do prémio através da sociedade inglesa e de contas bancárias sediadas em Inglaterra e no Luxemburgo permitiu ao arguido JVP desonerar-se do pagamento devido em sede de Imposto sobre o Rendimento Singular, relativo às quantias de €1.995.191,59 e €99.759,58 recebidas em 2000, de €1047.500.00 recebida em 2001, e €250.000,00 recebida em 2002. [cf. pontos 2.1.36  e 2.171 a  2.178— fls. 4687 e fls. 4692 (fls. 12  e 17 da decisão impugnada)].
— Tais quantias foram ocultadas pelo arguido JVP nas declarações de rendimento apresentadas em sede de lRS em 17OUT2002 (referente ao ano 2000), em 15MAR2002 (referente ao ano de 2001) e em 14MAR2003 (referente ao ano 2002). [cf. pontos 2.1.71 – 2.1.81.  — fls. 4691-4692 (fls. 16-17 da decisão impugnada)].
— O arguido AJV “praticou ainda os atos necessários a que a quantia transferida pelo “S” em 22FEV2002 viesse a ser depositada em conta do arguido JVP em 11MAR2002, através de transferências intermediadas por contas bancárias tituladas pelas sociedades “G” e “T” (...) com o fim de dificultar (...) a identificação do arguido JVP como verdadeiro destinatário da quantia transferida pelo S e a verdadeira natureza de tais quantias como rendimentos do trabalho.” [cf. pontos 2.1.111, 2.1.112, 2.1.114. — fls. 4696 – fls. 21 (da decisão impugnada)]
— Os arguidos JVP, AJV, LVD e RBM praticaram os atos descritos conhecendo-os, querendo praticá-los e sabendo ser proibida por lei a sua conduta. [cf. ponto 2.1.115 — fls.  4696 – fls. 21 (da decisão impugnada)]
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O Tribunal a quo considerou na decisão impugnada:
(i) Preenchido por parte do arguido/recorrente JVP:
— De 1 (um) crime de fraude fiscal da previsão do art. 103.º n.º 1, al. b) do RGIT (qualificada através do n.º 2 do art. 104.º deste diploma)
(ii) Pelo arguido AJV:
— De 1 (um) crime do ilícito típico de fraude Fiscal da previsão do art. 103.º n.º 1, al. b) do RGIT (qualificada através do n.º 2 do art. 104.º deste diploma); e
— De 1 (um) crime de branqueamento, da previsão do art 368-A do Código Penal, ex vi do art. 2.º, n.º 4 do Código Penal e art 2.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2  e 3 do Decreto-Lei n.º 325/95, de 02DEZ., na redação dada pela Lei n.º 10/02, de 11FEV.
(iii) pelo arguido LVD:
— De 1 (um) crime de fraude fiscal, da previsão do art. 103.º n.º 1, al. b) do RGIT (qualificada através do n.º 2 do art. 104.º deste diploma)
(iv) Pelo arguido RBM
— De 1 (um) crime de fraude fiscal, da previsão do art. 103.º n.º 1, al. b) do RGIT (qualificada através do n.º 2 do art. 104.º deste diploma)
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Assinala o Tribunal a quo na decisão impugnada:
— Que o momento da consumação do facto típico do aludido crime de fraude fiscal foi o da entrega da declaração pelo contribuinte à Administração Tributária [cf. alínea c) da decisão recorrida constante de fls. 4735-4741 dos autos (fls. 60-66 da decisão impugnada)]. Posto que foram entregues três declarações no período em que o rendimento foi auferido pelo arguido JVP;
— Que a consumação se verificou “na data em que o arguido JVP apresentou a última declaração, dela fazendo constar montante inexato do rendimento obtido, assim conseguindo obstar ao real apuramento do imposto que era devido” [cf. fls. 4738 — fls. 63 da decisão recorrida). Ou seja, no dia 14MAR2003 [cf. fls. 4739 (fls. 64 da decisão recorrida].
Assim sendo, entende o Tribunal a quo, “(...) é aplicável a todos os arguidos o RGIT, que havia entrado em vigor em 05JUL2001” [cf. fls. 4739 — (fls. 64 da decisão impugnada)].
 — A caracterização dos arguidos AJV LVD e RBM como coautores de fraude fiscal qualificada.
Para tal escora-se o Tribunal a quo em dois argumentos complementares:
— Um, de ordem geral, segundo o qual o ilícito típico de fraude fiscal contém um crime comum como sugere o emprego do termo "quem": «desde que em coautoria com o contribuinte, o crime é passível de ser cometido por qualquer pessoa» [cf. fls. 4732 (fls. 57 da decisão recorrida)]; e
— O outro argumento, atinente ao caso concreto, reza assim “[que] todos os arguidos [JVP; AJV; LVD e RBM] cometeram o crime de fraude fiscal em coautoria, uma vez que todos contribuíram de uma forma essencial para a ocultação à administração fiscal da quantia devida pelo co-arguido JVP.” [cf. fls. 4734 (fls.  59 da decisão recorrida – sublinhado nosso)].
Mesmo o arguido LVD que a partir de março de 2001 deixou de ocupar qualquer cargo no “S”, é tratado como coautor pois não só participou no acordo como poderia ter posto fim aos atos sucessivos através dos quais o acordo foi concretizado [cf. fls. 4735 (fls. 60 da decisão recorrida)].
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Face à materialidade fáctica provada e fixada supra estará correta a decisão impugnada que condenou os arguidos JVP (por um crime de fraude fiscal qualificada); AJV (por um crime de fraude fiscal qualificada e por um crime de branqueamento de capitais); LVD (por um crime de fraude fiscal qualificada) e RBM (por um crime de fraude fiscal qualificada e por um crime de branqueamento de capitais).
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BREVE DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES ACIMA ENUNCIADAS
— Os factos dados como provados e imputados ao arguido JVP podem fundamentar a sua responsabilização como autor de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada [art. 103.º, n.º 1, al. b) e 104.º, n.º 2, do RGIT]?
— Os factos dados como provados e imputados ao arguido AJV, podem fundamentar a sua responsabilização como autor de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada [art. 103.º, n.º 1, al. b) e 104.º, n.º 2, do R.G.I.T.]? e,  1 (um) crime de branqueamento de capitais (art. 368.º-A do CP)?
— Os factos dados como provados e imputados ao arguido LVD podem fundamentar a sua responsabilização como autor de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada [art. 103.º, n.º 1, al. b) e 104.º, n.º 2, do R.G.I.T.]?
— Os factos dados como provados e imputados ao arguido RBM podem fundamentar a sua responsabilização como autor de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada [art. 103.º, n.º 1, al. b) e 104.º, n.º 2, do R.G.I.T.]?
Será de afastar a responsabilidade penal dos arguidos; AJV; LVD e RBM por razões atinentes à tipicidade?
E, por vias disso, a instância superior para assegurar a vigência e o respeito pelo imperativo constitucional da legalidade, nullum crimen sine lege (cf. art. 29.º, n.º 1 da CRP)?
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No que tange ao crime de fraude fiscal afigura-se-nos que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, parecem faltar os pressupostos imprescindíveis à qualificação dos arguidos AJV; LVD e RBM como autor da infração, não podendo nesta sede ignorar-se que se trata de uma infração imputada sob a forma omissiva (“ocultação”), prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 103.º do R.G.I.T..
Assim, desde já adiantamos que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a qualificação dos aludidos arguidos como autores está afastada pela singela razão, mas relevante e decisiva, de que sobre eles não impendia o dever (de declarar), essencial à afirmação da autoria nos crimes de omissão pura como aquele que aqui está em causa. 
Por outra banda, salvo o devido respeito por opinião em contrário, parece-nos que não terá agasalho na lei a possibilidade de elevar a conduta dos aludidos arguidos à figura e ao regime da coautoria. Isto tanto da coautoria por omissão como da coautoria por acção. Assim, nesta ordem de ideias sendo de afastar a tipicidade do crime de fraude fiscal na sua forma fundamental, ficará também excluída a possibilidade de imputação do crime na sua forma qualificada.
Por sua vez, com o devido respeito por opinião em contrário, vistas as coisas do lado do tipo subjetivo parece-nos igualmente mostrar-se operante a atipicidade da demonstrada conduta dos aludidos arguidos [AJV; LVD e RBM] no que tange à fraude fiscal.
No que concerne ao branqueamento imputado à pessoa do arguido AJV, a tipicidade parece-nos estar aqui afastada logo pela falta dos três momentos nucleares do tipo objectivo: acção típica, objeto típico e relação típica entre ambos. Por sua vez, não se mostra plasmada em factos concretos e precisos, nem a prova produzida nesta sede relativamente ao tipo legal de crime precedente parece agasalhar a demonstração cabal de factos inteligíveis, idóneos e relevantes a alcançar tal desiderato. Com tal fundamento não se nos afigura existir no caso sub judice insuprível relação típica que tem de mediar entre o crime prevalecente e o branqueamento, traduzido na prioridade cronológica e etiológica do primeiro sobre o segundo.
Ora, no caso em apreço num discurso claro e direto e indo direito ao assunto: a apurada conduta relevante do arguido/recorrente AJV projetou-se sobre dinheiro lícito - e limpo. Na verdade, correspondente nem mais nem menos à contraprestação de um contrato de trabalho com agasalho na lei celebrado entre um futebolista profissional JVP e o “S”.
Sendo assim, como nos parece ser, pergunta-se: onde está plasmado em factos concretos e precisos o dinheiro “sujo” necessitado de “lavagem”?
Dito isto, e antes entrar no núcleo duro da problemática que nestes autos importa resolver, tendo em linha de conta o objeto dos presentes recursos delimitados pelas respetivas conclusões abordaremos de seguida, sinteticamente e para melhor compreensão da decisão a proferir, a caracterização do crime de branqueamento.
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PRIMEIRA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE BRANQUEAMENTO
Quanto ao crime de branqueamento previsto no n.ºs 2 e 3 do art. 368.º-A do Código Penal ([lii]), em termos gerais podemos expressar que o branqueamento supõe o desenvolvimento de atividades que, podendo integrar várias fases, visam dar uma aparência de origem legal a bens de origem ilícita, assim encobrindo a sua origem, conduzindo, na maior parte das vezes a “um aumento de valores, que não é comunicado às autoridades legítimas” ([liii]). 
 O crime de branqueamento é um crime de acção, autónomo em relação ao crime subjacente (ou precedente) que pode ser cometido por qualquer pessoa, inclusive pelo autor do crime subjacente. Embora ainda exista alguma discussão à volta da definição do bem jurídico protegido no crime de branqueamento ([liv]).
Com a devida vénia, sem prejuízo do que acrescentaremos infra desde já adiantamos que acompanhamos nesta parte a tese defendida por Jorge Fernandes Godinho ([lv]) seguida também por Pedro Caeiro ([lvi]) segundo a qual a punição do branqueamento visa tutelar a “pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime”, ou mais especificamente, o interesse do aparelho judiciário na deteção e perda das vantagens de certos crimes”.
Na verdade, considerando a inserção sistemática do crime de branqueamento no Código Penal, não podemos esquecer que as “vantagens”, definidas no n.º 1 do art. 368.º-A do Código Penal, são o objeto da acção deste tipo legal, nas suas diferentes modalidades. Essas “vantagens” tanto abrangem os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos crimes subjacentes do catálogo legal (lenocínio, abuso sexual de crianças ou menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infrações referidas no n.º 1 do art. 1 da Lei nº 36/94 de 29SET.), como de crimes puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos, como abrangem os bens que com eles se obtenham (cf. n.º 1 do art. 368.º-A do Código Penal).
A evolução legislativa a nível da definição do objeto da acção do crime de branqueamento (tipo legal que tem vindo a ser alargado quanto ao catálogo dos crimes subjacentes abrangidos, inicialmente previsto apenas em relação ao crime de tráfico de estupefacientes, no art. 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22JAN., que veio a ser revogado pela citada Lei n.º 11/2004) teve presente a Convenção de Viena de 1988 ([lvii]), a Convenção de Estrasburgo do Conselho da Europa ([lviii]) e a Diretiva 2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 04DEZ. ([lix]), nomeadamente quanto à particular definição do conceito de “bens”.
Assim, o conceito de “bens”, nos termos do art. 1-q) da Convenção de Viena significa “ativos de qualquer natureza, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e todos os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem a propriedade ou outros direitos sobre esses ativos” ([lx])
Portanto, as “vantagens”, definidas no referido n.º 1 do artigo 368.º-A do Código Penal, abrangem o conceito de moeda (dinheiro), que “representa também a riqueza, a qual, quando olhada pelo direito penal, pode ser protegida nos momentos da sua formação, conservação e circulação” ([lxi]).
No branqueamento está incluída a “colocação (placement) – a fase de maior risco, em que o delinquente se procura desembaraçar do numerário, retirando os fundos de qualquer relação direta com o crime, nomeadamente através da sua colocação numa conta bancária; circulação (empilage) – multiplicação das operações, em mais que um país se possível, com movimentos por várias contas, cheques sobre o estrangeiro, tudo com a finalidade de ocultação; investimento (integração) – operações com vista a criar a aparência de legalidade: investimento de curto prazo, em meios de transporte e comunicação; médio prazo, aquisição de companhias de fachada com recurso a empregados qualificados; longo prazo, em atividades «inteiramente» legais ou de influência política (apoios eleitorais), económica ou social ([lxii]).
E, sendo a fase da “colocação” a mais vulnerável (sendo até mais fácil, nessa fase, detetar a tentativa de branqueamento), já as operações seguintes (quer relativas à fase de “circulação”, quer de “investimento”) são em geral mais difíceis de identificar, mormente quando o dinheiro já entrou no sistema bancário, tendo já sido sujeito a uma primeira conversão, reciclagem, que lhe dá a aparência legal ([lxiii]).
De qualquer forma, não é somente por ser mais “elementar” ou menos sofisticado o modo de execução do ato de “branqueamento” praticado pelo agente, que se pode de imediato concluir que então essa conduta não integra o crime de branqueamento. Na verdade, se esse fosse o entendimento a seguir, corria-se o risco de delimitar excessivamente (contra a vontade do legislador) a área de tutela típica desta incriminação, além de se olvidar a indispensável ligação funcional com o conteúdo do bem jurídico que se quis proteger.
O que acima aduzimos não prejudica o ponto de vista de que quanto mais eficiente e sofisticada for a conduta de branqueamento mais grave e perigoso é o atentado ao bem jurídico protegido com esta incriminação. Contudo, afigura-se-nos que mesmo a simples conduta do agente de apenas depositar, na sua conta bancária, quantias monetárias provenientes do crime precedente por si cometido, pode integrar a prática do crime de branqueamento.
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As condutas tipificadas no n.º 2 do art. 368-A do Código Penal, que integram o tipo objectivo desta modalidade específica do crime de branqueamento, “são: (i) a conversão de vantagens; (ii) a transferência de vantagens; (iii) o auxílio de alguma operação de conversão de vantagens; (iv) o auxílio de alguma operação de transferência de vantagens; (V) a facilitação de alguma operação de conversão de vantagens; (vi) a facilitação de alguma operação de transferência de vantagens. Qualquer das operações pode ser realizada de forma direta ou indireta” ([lxiv]).
A operação de «conversão» consiste “na alteração da natureza e configuração dos bens gerados ou adquiridos com a prática do facto ilícito típico subjacente” ([lxv]), enquanto a «transferência» traduz-se “quer na deslocação física dos bens, quer na alteração jurídica ao nível da titularidade ou do domínio.” ([lxvi])
Quanto ao tipo subjetivo, exige o n.º 2 do art. 368.º-A do Código Penal, a intenção de dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal.
Por sua vez, as condutas tipificadas no n.º 3 do mesmo dispositivo legal, que incidem “sobre as vantagens ou os direitos a elas relativos”, desdobram-se, a nível do tipo objectivo desta modalidade da incriminação, “em: (i) ocultar ou dissimular a sua verdadeira natureza; (ii) ocultar ou dissimular a sua verdadeira origem; (iii) ocultar ou dissimular a sua verdadeira localização; (iv) ocultar ou dissimular a sua verdadeira disposição; (v) ocultar ou dissimular a sua verdadeira movimentação; (vi) ocultar ou dissimular a sua verdadeira titularidade.” ([lxvii])
Quanto ao tipo subjetivo, a previsão do n.º 3 do mesmo artigo, contenta-se com o dolo genérico (art. 14.º do Código Penal). Os depósitos em conta bancária de vantagens provenientes do crime precedente, podem constituir uma operação de conversão ([lxviii]), de reciclagem das vantagens (cf. arts. 1206.º e 1144.º ambos do Código Civil), na medida em que “tais fundos irão ser utilizados pelas entidades financeiras junto das quais o agente do crime-base os deposita, sendo direcionados para as mais diversas atividades económicas, gerando rendimentos que o agente do crime-base irá receber, maxime sob a forma de juros, correspondentes à remuneração do respetivo capital, assim aumentando o seu próprio poder económico” ([lxix]).
Porém, a verificação do crime de branqueamento (previsão do nº 2 do art. 368.º-A do Código Penal) não depende apenas do preenchimento do tipo objectivo (v.g. prova de depósitos em conta própria, de vantagens provenientes do crime subjacente, depósitos esses feitos pelo autor desse mesmo crime precedente). Ora, pese embora tal conduta possa ser qualificada de operação de conversão e, como tal, preencher o tipo objectivo do crime de branqueamento, necessário se torna alegar e provar o tipo subjetivo, a saber, a intenção de dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal (art. 368.º-A n.º 2).
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A PROVA DO CRIME PRECEDENTE
Discute-se na doutrina e na jurisprudência a prova do crime precedente, em posições que podem ser escalonadas em ordem de maiores para menores exigências.
Podemos apontar quatro correntes, quanto à prova do crime precedente:
a) É necessária sentença transitada em julgado em processo anterior ([lxx]).
Esta posição é recusada maioritariamente, e de facto significa fazer exigências que nenhuma convenção internacional ou lei nacional levou a efeito. ([lxxi])
b) Exige-se prova direta. Ainda que não se busque a condenação prévia pelo crime precedente, é mister que seja provado este de forma direta, pelo que são insuficientes os indícios ([lxxii]).
c) Basta a prova indiciária para iniciar a ação penal; entretanto, será necessária prova direta para uma sentença condenatória ([lxxiii]);
d) Basta a prova indiciária para a condenação.
É a posição do ordenamento legislativo internacional, de expressiva parte da doutrina internacional e, entre outras, da jurisprudência espanhola.
A Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas, de 1988, em seu art. 3.º, § 3.º determina que "o conhecimento, a intenção ou o propósito como elementos necessários de qualquer delito estabelecido no § 1.º deste Artigo poderão ser inferidos das circunstâncias objetivas de cada caso” ([lxxiv]).
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Há que reconhecer que os métodos tradicionais de investigação e o Direito Penal clássico não oferecem respostas adequadas à criminalidade organizada, a crimes de fraude fiscal e de branqueamento que deitam cada vez mais as suas raízes em jurisdições internacionais.
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Como se sabe, os factos internos, v.g. relativos à intenção criminosa, na normalidade das situações, não resultam provados através de prova direta, mas de prova indiciária ([lxxv]).
É da prova de factos materiais e objetivos (factos indiciários) que não fazendo parte dos concretos factos integradores do tipo de ilícito que o Tribunal, por inferência, no respeito das regras da lógica e da experiência comum, dará ou não como provados os factos integradores do tipo subjetivo de ilícito. Afigura-se-nos que para além dos factos essenciais, também os factos circunstanciais ou instrumentais relevantes para a prova dos factos probandos devem ser objeto de pronúncia por parte do Tribunal. Assim, se v.g. o Tribunal dá como provados os factos probandos integradores do tipo subjetivo recorrendo à prova indiciária parece claro que devem ser dados como provados os factos indiciários dos quais resultou, por inferência, a prova daqueles factos. Do mesmo modo relativamente a factos indiciários para a prova dos factos integradores do tipo objectivo de ilícito. Como se sabe, p. ex. em matéria de criminalidade económica na normalidade das situações, a prova dos factos integradores do tipo objectivo de ilícito não é feita de modo direto. Na verdade, é sabido que uma das características da criminalidade organizada é uma “cultura de supressão da prova” que dificulta de forma extrema a investigação e posterior prova em julgamento, o que conduziu ao fracasso dos instrumentos clássicos do sistema penal na luta contra tal tipo de criminalidade ([lxxvi]).
É da prova de factos que não fazendo parte dos concretos factos integradores do tipo objectivo de ilícito que o Tribunal, por inferência, no respeito das regras da lógica e da experiência, dará ou não como provados os factos integradores do tipo objectivo de ilícito em questão. Ora se foi porque se provaram determinados factos indiciários — uma pluralidade — que por inferência resultaram provados os factos probandos integradores do tipo objectivo, é para nós claro que aqueles factos indiciários devem ser enumerados na matéria de facto provada. Não nos parece procedimento legal e salvo o devido respeito por opinião contrária, apenas identificar os factos indiciários, que se têm como provados, na motivação da decisão da matéria de facto. Na verdade, sendo a motivação um discurso argumentativo no sentido de justificar por que é que determinados factos resultaram provados e outros não, não se podem amalgamar realidades diferentes: factos e provas. Parece-nos acertado que o tribunal primeiro identifique, enumere, os factos que deu como provados e depois, com aquela matéria claramente autonomizada, parta para o exame crítico das provas. Contudo, se os factos indiciários não estão enumerados na matéria de facto e apenas são invocados no discurso argumentativo da motivação há sério risco de perplexidade sobre quais os factos indiciários que verdadeiramente o Tribunal deu como provados, contaminando-se deste modo todo o processo de justificação.
Como se sabe, pressuposto do juízo inferencial é que os factos, indícios estejam provados. De facto, não se constrói nenhum processo dedutivo sobre a incerteza dos factos de que se parte. A motivação deve abranger quer a prova direta quer a prova indiciária. A motivação é mais necessária na prova indiciária do que na prova direta, uma vez que naquela não há uma ligação imediata ao facto. Na verdade, se o facto não resulta de prova direta, o Tribunal, num exercício democrático do poder jurisdicional, está mais obrigado a esclarecer as razões da decisão. Assim o Tribunal está obrigado a expor de forma clara as razões objetivas pelas quais da prova de determinados factos indiciários inferiu a prova do determinado facto probando apelando para as regras da experiência.
Com efeito, a análise destas razões permitirá ao destinatário concluir se se tratou de uma inferência de acordo com as regras da lógica, da razão, da experiência, dos conhecimentos científicos ou técnicos ou, se pelo contrário, se se tratou de uma inferência ilógica, com vícios de raciocínio, resultante de mero preconceito e no desrespeito das regras da experiência. Assim o Tribunal deve proceder do modo seguinte: em primeiro lugar, identifica os factos indiciários provados relevantes (já enumerados na matéria de facto), indicando e fazendo o exame crítico da respetiva prova; depois, deve explicitar as razões objetivas por que é que daqueles factos indiciários inferiu a prova do facto probando. Assim se da prova de determinados factos (instrumentais), por inferência, de acordo com as regras da experiência, foi dado como provado determinado facto probando, deve ser claramente explicitado na motivação que foi através dessa prova indiciária — devidamente identificada e criticamente examinada — que aquele facto (probando) resultou provado. De facto, não é lícito abrigar a prova deste segundo facto na prova dos primeiros, sem mais.
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À luz do que dito fica, cabe entrar no núcleo duro da problemática objeto dos presentes autos.

O CRIME DE FRAUDE FISCAL
A MATERIALIDADE FÁCTICA TÍPICA DO CRIME DE FRAUDE FISCAL
A materialidade fáctica provada e fixada supra — verificados em concreto os elementos constitutivos do tipo — integra no entender do Tribunal a quo a prática pelos arguidos JVP; AJV; LVD e RBM, da factualidade típica do crime de fraude fiscal na modalidade de conduta típica prevista na alínea b) do art. 103.º do RGIT: “ocultação de factos ou de valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária”.
Cumpre-nos assim, começar por analisar os elementos essenciais da factualidade típica deste tipo legal de crime.
Não cabe aqui levar a efeito um estudo escavado e aturado desta incriminação. Procuraremos tão-somente examinar os elementos típicos relevantes para a qualificação dos factos tidos como provados e imputados aos arguidos JVP; AJV; LVD e RBM.
Desta forma, há que analisar a identificação das formas de conduta típica e o respetivo potencial de ofensividade (dano ou perigo), sem descurar igualmente os momentos de natureza subjetiva que integram o pertinente tipo subjetivo.
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Como é sabido, a configuração do ilícito penal fiscal está longe de obedecer a um arquétipo único e rígido, tome-se por critério o direito comparado ou, numa perspetiva mais delimitada e concretizada, o direito português.
Um conciso olhar sobre a história e o direito comparado faz emergir um ilícito de fraude fiscal com âmbitos descoincidentes consoante o momento temporal ou a ordem jurídica em que se implanta. Por esta razão, é possível detetar um número quase incontável de modelos de conformação normativa da fraude fiscal ([lxxvii]). Modelos que se distinguem e contrapõem, tanto no que tange ao bem jurídico típico como no que respeita à correspondente área de tutela típica e, reversamente, à matéria proibida em nome da incriminação.
Na esteira do pensamento de Figueiredo Dias e Costa Andrade ([lxxviii]), podemos afirmar que no estádio atual da experiência Jurídica, é possível reconduzir os distintos e plúrimos modelos de construção da infração a três paradigmas arquetípicos:
(i) Pode construir-se a fraude fiscal como um crime de dano contra o património, concretamente, contra o Património-Fisco. E, logo, como uma infração cuja consumação requer a efetiva produção de um prejuízo patrimonial. Como quer que ele se manifeste ou revele. Não pagamento ou pagamento indevidamente reduzido de tributo, recebimento de reembolso indevido, obtenção de beneficio fiscal indevido, etc.
Neste paradigma de fraude fiscal - correspondente à tradição alemã e hoje positivamente consagrado no § 370 da Abgabenordnung e também abraçado pelo art. 305.º do Código Penal espanhol de 1995 ([lxxix]) não restam dúvidas quanto à definição do bem jurídico típico, nem quanto à compreensão da pertinente danosidade social e do ilícito material. Como Tiedeman aponta, do que aqui se trata é da tutela do património, que de particular tem unicamente a circunstância de ser um património público, encabeçado pelo Estado-Fisco. Nesta linha de pensamento, autores e Tribunais alemães alinham pelo entendimento, já a seu tempo sustentado pelo Tribunal do Império, que definia o bem jurídico como o “interesse público no recebimento completo e tempestivo dos singulares impostos”. Ou ainda a “pretensão do Estado ao produto integral de cada espécie singular de imposto” ([lxxx]). Nestas mesmas águas navega, Augusto Silva Dias ao apontar que este modelo de Fraude fiscal “centra a ilicitude no dano causado ao erário público e, portanto, primacialmente no desvalor de resultado” ([lxxxi]).
(ii) Numa posição antagónica, pode conceber-se e regular-se a fraude fiscal como uma infração que se esgota na violação dos deveres de informação e de verdade que impendem sobre o sujeito passivo da obrigação tributária. Do ponto de vista material-teleológico, nesta compreensão da incriminação sobrelevam os deveres de colaboração com a administração fiscal: deveres de lealdade, verdade e transparência que, na expressiva formulação de Eb. Schmidt, fazem de cada cidadão uma espécie de "órgão auxiliar da administração". Deste lado, só pode figurar como bem jurídico a “pretensão do Estado ao cumprimento dos deveres de revelação dos factos que versem a comunicação de dados às autoridades financeiras, conforme o estabelecido nas singulares leis fiscais” ([lxxxii]).
Como quer que se defina escorado é o entendimento de que o bem jurídico aqui pressuposto releva diretamente dos valores da verdade e transparência, aproximando-se do bem jurídico típico dos crimes de falsificação. Que se pode definir como a “segurança e fiabilidade do tráfico jurídico com documentos” ([lxxxiii]) na área específica da prática fiscal. Uma opção que, por sua vez, condiciona o sentido e o conteúdo do ilícito material e a estrutura típica da infração. Desde logo, a factualidade típica não integra qualquer referência a um qualquer prejuízo ou dano patrimonial para o Estado-Fisco. A danosidade social circunscreve-se e esgota-se no atentado à transparência fiscal. E, como tal, seguramente um valor, um interesse e hoc sensu um bem jurídico “prodrómico e independente da existência do resultado lesivo (exterior à conduta)” ([lxxxiv]).
(iii) Os dois modelos extremadamente contrapostos não esgotam a experiência jurídica, nomeadamente a experiência comparatística. Os legisladores propendem, não raro, a adotar soluções compromissórias, ensaiando conjugar a proteção das duas ordens de valores: de um lado, o património, do outro a verdade/transparência. Um programa político-criminal que se tem tentado prosseguir lançando mão de vários arranjos ou combinações possíveis: já reservando a tutela direta ou primária a um dos bens ou valores e assegurando ao outro uma tutela meramente reflexa, mediata, indireta ou secundária; já erigindo um dos valores ou interesses à categoria de bem jurídico típico, embora projetando a sua tutela como tutela avançada do outro valor ou interesse, aquele que, em última instância, se quer verdadeiramente proteger. Nesta linha de pensamento, é corrente configurar-se a fraude fiscal como um delito de falsidade, só que duma falsidade levada a cabo com o propósito de produzir um prejuízo ou alcançar um benefício. Dano ou prejuízo que, em todo o caso, não têm de ocorrer para se atingir a consumação do crime.
Neste modelo, o dano patrimonial, sendo formalmente estranho ao tipo (objectivo), acaba por ganhar relevância como referente necessário de um específico e típico momento subjetivo. Por outras palavras, a fraude fiscal aparece aqui com um estatuto dogmático ambivalente: ela é tipicamente um crime de falsidade, mas é materialmente um crime contra o património (fiscal). Numa leitura de pendor mais político-criminal e teleológico, neste desenho a Fraude fiscal assegura uma proteção avançada ou antecipada ao património fiscal. Só que o dano patrimonial não tem de acontecer para se dar a consumação, nisto residindo a grande diferença face ao primeiro modelo referenciado: o dano apenas tem de figurar como efetivo e comprovado referente da intenção do agente.
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O legislador português preferiu delinear a factualidade típica da infração seguindo as linhas deste terceiro e compromissório modelo. Fê-lo logo na versão originária do R.J.I.F.N.A. (Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15JAN.), solução que se manteria nas ulteriores e sucessivas mudanças legislativas sofridas por aquele diploma. Como se manteria na nova “codificação” do direito penal tributário operada em 2001 com o R.G.I.T. ([lxxxv]). É o que se nos afigura emergir da leitura que fazemos da norma incriminatória hoje vigente.
Deste modo, a incriminação integra um conjunto diversificado de condutas típicas, ativas ou omissivas: ocultar ou alterar factos ou valores; simular; falsificar, inutilizar ou recusar a entrega de livros, programas ou ficheiros informáticos, etc. Uma extensa e diversificada rede de condutas proibidas com que o legislador terá querido proteger as múltiplas “superfícies do bem jurídico expostas às intempéries” (Binding).
De qualquer modo se bem vemos, afigura-se-nos que todas as condutas relevam de um mesmo significado material-típico: todas configuram atentados aos valores da verdade e da transparência. Todas representam a violação dos deveres de colaboração com a Administração, assegurando-lhe o cabal e ajustado conhecimento dos factos fiscalmente relevantes, preordenados a assegurar a realização do património necessário ao exercício das funções estaduais ([lxxxvi]).
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Ora, o atentado aos interesses protegidos é criminalmente sancionado quando realizado através de condutas, tipificadas na lei, “que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária (...) ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias”, tendo o legislador concretizado positivamente tais comportamentos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. 103.º. do R.G.I.T.
Deste modo, a fraude tem lugar através de ocultação ou alteração de factos ou valores declarados ou que devam ser declarados para efeitos de tributação [alínea a)]; da ocultação de factos ou valores não declarados em violação à lei fiscal [alínea b)]; ou, finalmente, por via da celebração de negócio simulado quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas [alínea c)] ([lxxxvii]).
As condutas tipificadas no art. 103.º do R.G.I.T. podem assim revestir a forma de acção ou de omissão. A realização da conduta de modo ativo corresponde à alteração de factos ou valores que devam constar da escrita contabilística ou de declarações apresentadas à administração tributária ou ainda através da celebração de contrato simulado. A fraude por omissão tem lugar quando o agente oculta factos ou valores que devam constar da contabilidade ou de declarações tributárias, [alínea a)]; ou ainda quando o agente não declara factos ou valores com relevância tributária [alínea b)].
In casu é nesta segunda modalidade de conduta típica omissiva, prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 103.º, do R.G.I.T que o Tribunal a quo subsume os factos imputados ao arguidos JVP; AJV; LVD e RBM.
Porque assim é, esmiucemos, com o escopo de chegarmos à concretização e delimitação do seu âmbito objectivo e subjetivo bem como do círculo de sujeitos abrangidos.
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A "OCULTAÇÃO OU NÃO DECLARAÇÃO DE VALORES" COMO MODALIDADE DE CONDUTA TÍPICA DA FRAUDE FISCAL
Como acima deixámos expresso, as alíneas a) e b) do art. 103.º, do R.G.I.T compreendem como modalidade de conduta típica, a ocultação de factos ou valores em violação do dever fiscal de dar conhecimento à administração tributária. Tal denota que a materialização dos termos em que se impõe o dever de dar conhecimento à administração tributária torna necessário o recurso a legislação extra penal e, especificamente à Legislação fiscal, técnica legislativa comum no domínio do direito penal secundário e em particular do direito penal económico. Onde, as mais das vezes, os deveres pressupostos pela incriminação não se encontram tipificados de forma expressa e acabada no concreto tipo de garantia (norma penal em branco), ganhando concretização em normas extra penais. Em particular, no âmbito da fraude fiscal, só por intermédio das normas de incidência tributária de natureza fiscal se poderão concretizar as situações que o contribuinte deve levar ao conhecimento da administração tributária para efeitos de tributação.
Enquanto conduta típica referida por ambas as alíneas, a ocultação tem pressupostos e contextos distintos e, por conseguinte, um diverso âmbito de aplicação. Do ponto de vista do tipo objectivo, a ocultação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 103.º do R.G.I.T. pressupõe a sua realização através de elementos contabilísticos que são levados ao conhecimento do fisco em ordem à fiscalização, determinação, avaliação ou controlo da matéria coletável sujeita a tributação. Por sua vez, a ocultação tipificada na alínea b) diz respeito, não à mera omissão ou ocultação parcial de determinado facto ou valor de um elemento contabilístico, mas antes à omissão ou ocultação total do concreto facto ou valor a declarar.
Pela sua manifesta relevância para o caso concreto, importa situar e precisar o (diferente) âmbito de aplicação das duas alíneas.
O que fazemos da seguinte forma: a nosso ver a alínea a) pressupõe a apresentação de uma declaração (v.g., em sede de IRS ou de IVA); na alínea b) prevê-se a ausência de qualquer declaração, ou seja, a ocultação total do valor sujeito a tributação.
Por conseguinte, a ocultação pressuposta na alínea a) realiza-se por intermédio da apresentação de um documento incompleto quanto ao valor ou facto sujeito a tributação; a ocultação tipificada na alínea b) concretiza-se numa omissão integral de um facto ou valor que devia ser declarado ([lxxxviii]).
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Analisemos agora o enquadramento jurídico-penal dado aos factos na decisão impugnada, que, desde já adiantamos que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, se nos afigura inadequada e inconsistente.
Vejamos sucintamente o porquê desta afirmação.
Na decisão final recorrida quando se alude à natureza do acréscimo patrimonial previsto no Aditamento ao contrato de trabalho, o Tribunal a quo considera expressamente que “o arguido JVP auferiu um rendimento que era seu ónus declarar à administração fiscal” [cf. fls. 4731 (fls. 56 da decisão impugnada)].
Posteriormente, analisando a globalidade da prova e pesando a prova, pronuncia-se sobre o momento da consumação do crime, referindo que “à luz das considerações supra produzidas e tendo em conta a matéria de facto alegada na acusação (…), esse momento ter-se-á de situar na data em que o arguido JVP apresentou a última declaração, dela fazendo constar montante inexato do rendimento obtido, assim conseguindo obstar ao real apuramento do imposto que era devido». Acrescentando: “situando-se a tónica do tipo objectivo do crime de fraude fiscal, como acima se viu, na violação do dever do cidadão contribuinte de colaboração com a administração fiscal, prestando com verdade e transparência as suas declarações, não se poderá deixar de considerar que o crime imputado aos arguidos se perfectibilizou com a entrega dessas inexatas declarações unificadas pela resolução tomada no ano 2000 e cujo último ato se reporta ao dia 14MAR2003» [cf. 4738-4739 - pp. 63 e 64 da decisão recorrida)]. Para, nas linhas seguintes, avançar, sem mais, a conclusão: "E aqui chegados, é imperioso concluir que a conduta descrita no libelo acusatório, para o qual o Despacho de Pronúncia remete, e, no essencial, constante do complexo fáctico assente, é passível de ser imputada a todos os arguidos e subsume-se ao art. 103.º, n.º 1, al. b) do RGIT” [cf. 4740 – (p. 65 da decisão recorrida )].
Com o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que a aludida conclusão se apresenta como contrária à disposição normativa e não “pesa” a globalidade da materialidade fáctica apurada dirigida a este crime precedente.
Com efeito, uma coisa nos parece certa, em matéria de tipicidade: considera-se que o valor previsto no aditamento do contrato de trabalho celebrado entre o arguido JVP e o “S”, tido como tributável a título de imposto sobre o rendimento do primeiro arguido, foi ocultado das declarações que o arguido apresentou, referentes aos anos de 2000, 2001 e 2002; contudo, não se invoca como esteio da relevância típica desta conduta a título de fraude fiscal a alínea a), do n.º 1 do art. 103.º, do R.G.I.T., na parte em que se refere à “ocultação de valores que devam constar das declarações apresentadas”), mas antes a alínea b) daquele mesmo número e artigo.
Deste modo, não se nos afigura inteligível qual é a conduta típica que concretamente é imputada aos arguidos AJV; LVD e RBM, sobre quem não incidia, sob a forma de obrigação principal ou acessória, qualquer dever de declarar o valor em causa.
Parece-nos, assim, que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a decisão impugnada cai em embaraçosa contradição, que pode encerrar em si potencial perigo para o direito de defesa dos arguidos AJV; LVD e RBM.
Com efeito, estes almejando reagir à imputação de um facto tido como criminalmente relevante, aparentemente parecem ver-se impossibilitados de o fazer pela indeterminação da conduta típica que lhe é imputada.
Contudo, se bem vemos, sem ofensa de qualquer princípio estruturante de processo penal, talvez possamos presumir que o comportamento eventualmente subsumível nas condutas tipificadas no art. 103.º do R.G.I.T. corresponde à ocultação ao fisco de um rendimento pago pelo “S” ao arguido JVP. Isto sem, materialmente, se clarificar a que modalidade de ocultação se reporta a decisão condenatória.
Porém, salvo o devido respeito por opinião em contrário, summo rigore no caso em análise não se mostra possível subsumir a atuação dos arguidos AJV; LVD e RBM em nenhuma das modalidades de ocultação referidas no art. 103.º do R.G.I.T..
Vejamos resumidamente o porquê desta afirmação:
O elemento do tipo "ocultação" na modalidade estabelecida pela alínea b) do n.º 1 do art. 103.º chamada à colação pelo Tribunal a quo, pressupõe um crime de omissão pura ou própria, na medida em que o tipo objectivo de ilícito se esgota na não realização da acção imposta pela lei.
Com efeito, a norma referencia expressamente a omissão (isto é, a ocultação) como forma de realização ou integração típica ([lxxxix]). A norma-texto concretiza os pressupostos fácticos que originam o dever de atuar, transformando, de modo explícito, o titular daquele concreto dever em garante do seu cumprimento.
Assim, a violação de uma imposição legal de atuar tem lugar por via da ocultação daqueles factos ou pela não declaração de determinados valores.
Por conseguinte, o agente é, por direta imposição legal, garante do cumprimento do dever jurídico de declarar os rendimentos à administração tributária.
Como bem refere Germano Marques da Silva "só a pessoa que tenha o dever de proceder à declaração pode ser sujeito ativo de fraude fiscal pela prática da omissão prevista nesta alínea” ([xc]).
Sendo assim, resta concluir pela impossibilidade de responsabilizar os arguidos AJV; LVD e RBM pela ocultação de um facto que não tinham — nem sequer podiam fazê-lo — de declarar. Na verdade, salvo o devido respeito por opinião em contrário, salta aos olhos de qualquer mortal, que os arguidos AJV; LVD e RBM não exercem qualquer domínio sobre a omissão da declaração de um rendimento que não é seu!
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Por sua vez, se bem vemos, chegamos ao mesmo resultado pela via de uma eventual subsunção dos factos na alínea a) do n.º 1 do art. 103.º do R.G.I.T., que prevê como modalidade típica a ocultação de valor da declaração apresentada. Também nesta hipótese se tem como pressuposto típico de realização do crime de fraude fiscal, a entrega ou apresentação de uma declaração da qual se omitiu um determinado valor.
Ora tal declaração só pode ser apresentada por aquele sobre quem recai o dever de o fazer: na certeza de que, no caso do imposto sobre o rendimento, tal dever recai necessariamente sobre o titular do rendimento a declarar. Trata-se, nesta modalidade, de um crime específico ou próprio dependente da verificação de um dever (ou qualidade) que fundamenta a sua responsabilidade criminal. Por conseguinte, só pode ser autor de um crime de fraude fiscal na modalidade de ocultação a que se refere a alínea a) aquele que é atingido por uma obrigação ou dever especial de declaração.
Aqui chegados, resta concluir pela impossibilidade de incluir os arguidos AJV; LVD e RBM, sobre quem não recaia qualquer dever de declaração, no círculo de autoria criminosa. Estando assim excluída a possibilidade de a sua conduta ser qualificada e valorada como conduta típica da incriminação.
Deste modo, mostrando-se in casu ausência de uma conduta típica de fraude Fiscal impede a condenação dos arguidos AJV; LVD e RBM na forma qualificada deste tipo legal de crime, prevista no art. 104.º do RGIT, uma vez que a qualificação se limita a acrescentar ao facto matricial — ocultação ou falta de declaração de determinados valores — elementos suplementares ou caracterizadores, reveladores de uma especial ilicitude.
A ausência de uma conduta típica impede, por ausência de um elemento típico fundamental da infração, a responsabilidade dos arguidos AJV; LVD e RBM a título de fraude fiscal qualificada.
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Do lado do tipo subjetivo da fraude fiscal sobreleva a circunstância de ele não se bastar com o dolo e, mais precisamente, com o chamado dolo-do-tipo: o conhecimento e a vontade de realização do tipo objectivo. Ao dolo-do-tipo acresce um outro, específico e autónomo, momento subjetivo, que, brevitatis causa, podemos significar como a intenção de obter um benefício ilegítimo ou causar um prejuízo ao Estado. Benefício e prejuízo que não integram o tipo objectivo. Por ser assim, este momento subjetivo (intenção) introduz uma situação de assimetria e incongruência no tipo da fraude fiscal.
É que, ao contrário do que sucede com o dolo-do-tipo - que se reporta integral e exclusivamente ao tipo objectivo na plenitude dos seus pressupostos e exigências - a intenção assume uma dimensão que se estende para além do tipo objectivo. É por isso que, não curando por agora da melhor caracterização do ponto de vista da sua danosidade ou ofensividade (crime de dano? crime de perigo concreto/crime de perigo abstracto-concreto), a fraude fiscal consagrada na lei penal tributária portuguesa configura uma expressão paradigmática da categoria de crimes que a doutrina designa por crimes de resultado cortado ou de tendência interna transcendente ([xci]). Crimes que Hans-Heinrich Jescheck define como aqueles em que "o agente almeja um resultado, que há de ter presente para a realização do tipo, mas que não é preciso alcançar” ([xcii]).
Ora, também este é um facto (subjetivo) típico cuja ocorrência no caso concreto baldadamente se procuraria ancorar na matéria de facto tempestivamente dada como provada. É o que um exame detido sobre os factos provados e imputados aos arguidos AJV; LVD e RBM deixa a descoberto.
Daqueles factos não resulta minimamente — menos ainda com aquele grau de "certeza" indisponível a uma condenação em processo penal — que os arguidos AJV; LVD e RBM tenham atuado com a intenção de alcançar o benefício ou de infligir o prejuízo que é reclamada como pressuposto da factualidade típica da fraude fiscal.
Com efeito, da factualidade provada resulta que o arguido AJV procurou executar as suas tarefas de empresário desportivo enquanto representante do arguido JVP e os arguidos LVD e RBM agiram enquanto administradores do “S” e no interesse deste, do que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não pode minimamente concluir-se que estes arguidos AJV; LVD e RBM tenham tido conhecimento e vontade de realização do tipo legal de fraude fiscal. E, menos ainda, que tenham atuado com a intenção de obter uma vantagem patrimonial indevida ou causar um prejuízo ao Estado-Fisco.
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O mesmo já não se pode dizer quanto ao arguido JVP.
Na verdade, por uma banda emerge da globalidade da matéria de facto provada acima fixada a prova de todos elementos constitutivos do tipo legal de crime da previsão dos arts. 103.º, n.º 1 alínea b) e 104.º, n.º 2 do R.G.I.T. ([xciii]), estando aqui perfeitamente demonstrado a atuação dolosa (com dolo específico) do arguido JVP. Visto que este é o sujeito passivo da obrigação tributária de I.R.S. e provado ficou que agiu consciente e voluntariamente, sabendo que ao não declarar os aludidos rendimentos à Administração Tributária impedia o Estado de arrecadar aquele imposto, tendo atuado conscientemente, sabendo que com a sua conduta lesava os interesse patrimoniais do Estado, acautelados com a arrecadação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, agindo com intenção de obter vantagem patrimonial indevida que alcançou sabendo que causava prejuízo ao Estado Português e que tal conduta era proibida.
Na verdade quem emerge como sujeito passivo das obrigações fiscais é sempre e invariavelmente, o arguido JVP.
 Assim o autor do crime de fraude fiscal é o arguido JVP que é o real e efetivo beneficiário daquela ocultação na medida em que é ele que detém a efetiva disponibilidade e domínio sobre a declaração do valor em falta.
Na sua vertente omissiva, é o arguido JVP o autor da fraude aquele sobre quem recai um dever jurídico de acção (o específico dever de colaborar com a administração fiscal e de pagar os impostos devidos).
Assim em conclusão a materialidade fáctica provada e fixada supra — verificados em concreto os elementos constitutivos do “tipo” — integra a prática pelo arguido JVP de 1 (um) crime de fraude fiscal da previsão dos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º2 do R.G.I.T. pelo qual foi pronunciado e condenado pelo Tribunal a quo.

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DA IMPOSSIBILIDADE DE COAUTORIA NA OMISSÃO
Seja à luz da conduta típica de ocultação prevista na alínea a) ou da omissão tipificada na alínea b) (ambas do n.º 1 do artigo 103.º do R.G.I.T.), como já acima referimos, quem emerge como sujeito passivo das obrigações fiscais é sempre e constantemente, o arguido JVP.
Por conseguinte, temos que autor do suposto crime de fraude fiscal só pode ser o real e efetivo beneficiário daquela ocultação na medida em que é ele que detém a efetiva disponibilidade e domínio sobre a declaração do valor em falta. Só ele pode, por isso, figurar como autor do crime de fraude fiscal.
Na sua vertente omissiva, é autor da fraude aquele sobre quem recai um dever jurídico de acção (o específico dever de colaborar com a administração fiscal e de pagar os impostos devidos) e que, detendo a possibilidade fáctica de intervenção no acontecimento, não faz uso de tal possibilidade por representar e querer o facto como seu.
Por tudo isto se nos afigura que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não se mostra possível imputar aos arguidos AJV; LVD e RBM um crime de fraude fiscal na modalidade de coautoria.
A decisão impugnada é omissa quanto à concreta forma de coautoria realizada por estes arguidos:
Trata-se de coautoria por omissão ou por acção? Estão verificados os pressupostos necessários à afirmação desta modalidade de autoria? Quais os elementos factuais que concretizam um tal domínio do facto ([xciv]) (ou da omissão) por parte dos arguidos?
A doutrina maioritária tem entendido que o domínio do facto ([xcv]) enquanto critério de delimitação da autoria criminosa é inaplicável aos crimes de omissão. Aqui considera-se autor aquele que “detinha a possibilidade fáctica de intervenção no (e de domínio do) acontecimento e, apesar de sobre ele recair um dever jurídico de acção (dever de garante), não fez uso de tal possibilidade” ([xcvi]). Outras formas de autoria, distintas da autoria imediata, não são, em princípio, admissíveis ou sequer pensáveis no âmbito da omissão. Basta pensar na dificuldade em figurar, ainda que a benefício de mera ilustração académica, uma situação de autoria mediata por omissão, ou de instigação-autoria ([xcvii]) por omissão.
Não vislumbramos como possa ser possível instrumentalizar a vontade de outrem, no caso de autoria mediata, ou determinar dolosamente outrem à prática do crime, na hipótese de instigação-autoria, por via de uma conduta omissiva. Com efeito, aquele sobre quem recai o dever de atuar não pode omitir através da atuação de outra pessoa, instrumentalizando-a ou determinando-a, porque na omissão, pela natureza das coisas, não há exercício de um domínio do facto mas antes exercício de um dever. Por esta razão se mostra difícil, senão impossível, a concretização de uma coautoria na omissão: a sua afirmação há de pressupor a verificação da imposição legal de atuar relativamente a todos os comparticipantes. Se assim é, a coautoria nada acrescenta à atribuição de uma responsabilidade a título de autor imediato: sobre o agente recai o dever de atuar e, tendo essa possibilidade, nada faz.
Ora, atendendo à conduta, e em particular à conduta omissiva que a decisão condenatória atribui aos arguidos AJV; LVD e RBM, não sobra qualquer fundamento para a sua responsabilização como coautores na omissão: logo porque sobre eles não recaía o dever de declarar à administração tributária o valor previsto no aditamento ao contrato de trabalho celebrado entre os arguidos JVP e o “S”; depois porque menos ainda detinham a possibilidade fáctica de o fazer.
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Afigura-se-nos que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a conclusão não seria outra a pretender levar-se a conduta dos arguidos AJV; LVD e RBM à figura e ao regime da coautoria por acção.
Desde logo porque in casu se nos afigura patente e insuprível a falta dos elementos e pressupostos nucleares e necessários à afirmação daquela forma de comparticipação.
Nos termos da 3.ª alternativa do art. 26.º do Código Penal, é também punido como autor quem "tomar parte direta na execução do facto, por acordo ou conjuntamente com outro ou outros".
Como características e pressupostos principais da coautoria, afirmam-se, por um lado, a existência de uma decisão conjunta e, por outro lado, uma participação ou contribuição do coautor para a realização típica. Só desta forma a atuação de cada coautor corresponderá à realização de uma tarefa, de uma parte de um facto que ele toma na totalidade como seu. É esta representação do facto como seu e a participação direta na sua execução que permitem associar à coautoria um domínio funcional do facto exercido por cada um dos comparticipantes ([xcviii]).
No caso concreto, o facto típico consiste na não declaração de determinado valor à administração tributária.
Sendo este o ato típico - a ocultação de um valor no momento em que se apresenta a declaração de IRS - não se vê como possa identificar-se na atuação dos arguidos AJV; LVD e RBM uma participação direta na não apresentação ou apresentação incompleta da declaração fiscal. Ainda que se admita que com a sua atuação estes arguidos favoreceram a ocultação realizada pelo arguido JVP, tal não constitui, a nenhum título, uma situação de coautoria.
E isto é assim porque sempre teria que se verificar o elemento subjetivo da coautoria: ter-se o facto como próprio, isto é, ter o agente atuado com vontade de autor (animus auctoris). Ora, os arguidos AJV; LVD e RBM nunca quiseram aquele facto como seu.
Ora, não pode assentar-se a punição a título de coautoria de forma exclusiva no maior ou menor contributo objectivo de determinado participante: a ser assim cruzavam-se de forma irremediável as figuras da coautoria e da cumplicidade, fazendo letra morta do elemento subjetivo exigido pelo art. 26.º do Código Penal.
Terá sido precisamente este o vício a que não logrou furtar-se o Tribunal a quo, na parte em que fundamenta a coautoria dos arguidos AJV; LVD e RBM na sua contribuição "essencial para a ocultação à administração fiscal da quantia devida pelo coarguido JVP" [cf. 4734 (fls. 59)].
Contudo, este entendimento, salvo o devido respeito por opinião em contrário, silencia e omite com ofensa do princípio da legalidade/tipicidade, nullum crimen sine lege - o elemento subjetivo da coautoria de cuja existência depende a imputação da totalidade do delito ao agente que realizou apenas uma parte da execução típica.
O acordo prestado pelo agente há de refletir uma decisão conjunta que torna o facto como seu e não como um facto alheio.
Ora, no caso sub judice o que se passou foi precisamente o contrário: a omissão surge para os arguidos AJV; LVD e RBM como um/ato alheio, que não dominam (nem podem dominar) nem querem como seu.

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Não obstante o que dito fica, cabe aqui ter presente o douto Parecer do Senhor P.G.R. junto deste Tribunal e ver o que aí se deixa dito uma vez que o Ministério Público é também aqui recorrente.
O Senhor P.G.R. no seu parecer frisa «Repete-se e sublinha-se que a "conduta tipificada" não é a não declaração de factos ou valores ocultados, caso em que seriam plenamente justificadas e válidas as conclusões extraídas no parecer quanto à impossibilidade legal de o arguido AJV (que seria extensível aos arguidos LVD e RBM, em idêntica posição) ser coautor na omissão» (cf. fls. 8 do parecer).
Quer isto dizer que o mesmo ilustre Magistrado admite de forma clara e sem reservas, que se o crime previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 103.º do R.G.I.T. (crime pelo quais vêm os arguidos/recorrentes AJV; LVD e RBM condenados) — for considerado um crime de omissão, cuja conduta típica consiste na não declaração de factos ou valores que devam ser revelados à administração fiscal — como, efetivamente, deve ser —, então, nesse caso, AJV; LVD e RBM não podiam ter sido condenados pela prática de tal crime.
Contudo, apesar de afirmar que a posição dos arguidos/recorrentes LVD e RBM - sustentada no Parecer do Senhor Professor Doutor Augusto Silva Dias, junto com o respetivo recurso – e do recorrente AJV, ancorada no Parecer do Senhor Professor Manuel da Costa Andrade, estaria correta se estivéssemos perante um crime de omissão, veio apresentar uma tese argumentativa que tenta defender que o tipo legal de crime, da previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 103.º do R.G.I.T. é um crime de acção, e não de omissão.
Mais pugna que a conduta típica do crime sob apreço não se esgota na não declaração de factos ou valores que devam ser revelados à administração fiscal, abrangendo também os atos prévios de (alegada) ocultação desses factos e valores.
Em ordem a sustentar a bondade da sua posição expressa que a não declaração de factos ou valores que devam ser revelados à administração fiscal não é crime se não for acompanhada dos tais atos prévios de ocultação.
Relembremos aqui algumas das passagens do Parecer do Senhor P.G.R. que realçam esta posição:
«O que a lei pune são os atos de ocultação de valores (ou factos) não declarados, visando, isto é, tendo como finalidade a não liquidação, que é a "conduta tipificada". (...)»
«Se é certo que se exige que os valores não sejam declarados pelo sujeito da relação tributária, isto é, que se verifique uma omissão da declaração por parte de quem está legalmente obrigado a apresentá-la, também é certo que a atividade criminosa não se esgota nessa conduta; pelo contrário, a acção típica consiste na prática de atos de ocultação dos valores e factos não declarados com ou sem intervenção de terceiros não participantes na acção de não declaração.»
«A acção típica, sublinha-se, é a acção de ocultação; sem a ocultação não há crime»
«A lei não diz que é crime a não declaração do valor ou do facto ocultado.
«É exatamente o contrário. E isto é crucial»
E, como vimos já, conclui este seu entendimento da seguinte forma: «Repete-se e sublinha-se que a "conduta tipificada" não é a não declaração de factos ou valores ocultados, caso em que seriam plenamente justificadas e válidas as conclusões extraídas no parecer quanto à impossibilidade legal de o arguido AJV (que seria extensível aos arguidos LVD e RBM, em idêntica posição) ser coautor na omissão».
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Salvo o devido respeito por opinião em contrário, que é muito, afigura-se-nos que quanto a este concreto segmento a posição sustentada pelo Senhor P.G.R. parece apontar para outro tipo legal de crime de fraude fiscal que não se encontra positivado: de iure condito. Pois a posição sustentada parece alterar, por completo, as características que rodeiam o crime de fraude fiscal na sua versão atual: a opção de política criminal que lhe esta subjacente; o bem jurídico protegido; as suas condutas típicas; o núcleo do ilícito.
Neste particular, cabe aqui não olvidar que a jurisprudência dos nossos tribunais, uma vez que condenações penais existem de agentes pela prática do crime de fraude fiscal tão-somente por provado ter ficado o facto de estes não terem declarado um valor ou um facto que deveria ser revelado à administração fiscal, ou seja, sem que tivessem cometido (ou mesmo independentemente de terem cometido) os tais atos prévios de ocultação a que a tese do Senhor P.G.R. faz reconduzir o núcleo duro do “novo crime de fraude fiscal”.
Na verdade, é perentório ao afirmar que «sem a ocultação não há crime», «Repet[indo] e sublinha[ndo] que a «conduta tipificada" não é a não declaração de factos ou valores ocultados» (...)
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NA JURISPRUDÊNCIA
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) de 12SET2012 (Jorge Dias), proferido no processo n.º 379/07.3TAI LH.C1, ([xcix]) afirma-se a propósito do crime de fraude fiscal, na modalidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 103.º do R.G.I.T.:
«A fraude fiscal pode ter lugar por uma de três vias:
«- Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável;
«- Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados á administração tributária;
«- Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
Entre as condutas tipificadas passíveis de integrar este crime refere-se a «ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária», situação que nos parece ser a dos autos. Ou seja, a tipificação do crime abarca também a omissão de declaração à administração fiscal de factos ou valores.
«Trata-se de crime de omissão puro.»
Da análise do preceito verifica-se que as condutas tipificadas no artigo 103 do RGIT podem revestir a forma de ação ou omissão.
«Com efeito, a realização da conduta por ação dá-se através da alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas (alínea a), ou através da celebrarão de contrato simulado (alínea c); a conduta por omissão realiza-se quando o agente oculta factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas (alínea a) ou não declara factos ou valores com relevância tributária que devam ser revelados à administração tributária (alínea b)»
Este entendimento já havia sido sufragado pelo mesmo TRC, no Ac. de 05ABR2011 (Jorge Dias), proferido no processo n.º 954/02. 2JFLSB.C1 ([c]) no qual se afirma, além do mais, o seguinte:
«Com efeito, a realização da conduta por acção dá-se através da alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas (alínea a), ou através da celebração de contrato simulado (alínea c); a conduta por omissão realiza-se quando o agente oculta factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas (alínea a) ou não declara factos ou valores com relevância tributária que devam ser revelados à administração tributária (alínea b).» 
Por último, no Ac. do TRC, em 09MAI2007 (Ribeiro Martins), no processo n.º 11/04.7IDCBR.C1 ([ci]) afirma-se o seguinte:
«Entre as condutas tipificadas passiveis de integrar este crime refere-se a «ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária», situação que nos  parece ser a dos autos. Ou seja, a tipificação do crime abarca também a omissão de declaração à administração fiscal de factos ou valores».

NA DOUTRINA PORTUGUESA
Susana Aires de Sousa escreveu a este propósito:
«As condutas tipificadas no artigo 103.º do RGIT podem revestir a forma de acção ou de omissão. A realização da conduta por acção dá-se através da alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas (alínea a)), ou através da celebração de contrato simulado (alínea c)); a conduta por omissão realiza-se quando o agente oculta factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas (alínea a)) ou não declara factos ou valores com relevância tributária que devam ser revelados à administração tributárias.» ([cii])
André Teixeira dos Santos, alinhando pelo mesmo lamiré, expressa o seguinte:
«Uma vez que a fraude fiscal é um crime de mera atividade - o crime fica realizado com a concorrência do próprio comportamento típico, ou seja, o tipo não exige que à conduta acresça um efeito sobre o objeto da acção e desta distinto espácio-temporalmente - quando cometida por omissão constitui um crime de omissão própria ou pura.” ([ciii])
Também no mesmo sentido, Germano Marques da Silva: «Nada no artigo aponta no sentido de a fraude fiscal constituir crime especial ou próprio, salvo no que se refere à conduta omissiva, mas pressupondo o crime uma declaração nos termos da legislação aplicável, só quem tiver esse dever a pode apresentar.»
«A ocultação de factos a que se refere a alínea a) do n. º1 do art. 103.º  não constitui uma conduta omissiva,  mas uma acção. Já a conduta tipificada na alínea b) do n.º 1 constitui uma omissão.»
Para que ocorra omissão é necessário que exista o dever de praticar o facto, no caso, o dever de declarar. Só a pessoa que tenha o dever de proceder à declaração pode ser sujeito ativo de fraude fiscal pela prática da omissão prevista nesta alínea.» ([civ]).
 Por fim, Augusto Silva Dias afirmou já o seguinte, com relevância para a matéria sob apreço:
«Quanto à estrutura do comportamento, as condutas típicas são de duas espécies: a alteração e a celebração de negócio simulado, que representam a realização da conduta fraudulenta por acção e a ocultação, que constitui a sua realização omissiva: através do encobrimento fáctico de dados ou valores (...)» ([cv]).
Como facilmente se enxerga desta súmula exemplificativa, de referências acerca do crime de fraude fiscal, a jurisprudência e a doutrina nacionais afirmam, de forma unissonante, que, na modalidade prevista na alínea b) do art. 103.º do RGIT [e também quanto a algumas das condutas típicas abrangidas pela alínea a)], estamos perante um crime de omissão.
Isto é, a posição sustentada no douto parecer do Senhor P.G.R., no sentido de o crime previsto na alínea b) do art. 103.º do R.G.I.T. - crime pelo qual vêm condenados os Recorrentes - ser um crime de acção, e não de omissão, não encontra qualquer apoio na jurisprudência e doutrina nacionais.
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O mesmo acontece quanto ao entendimento, também defendido segundo o qual a acção típica punida pela alínea b) do n.º 1 do art. 103.º do RGIT não consiste na não-declaração de determinados factos ou valores que devam ser revelados à administração tributária, mas antes (ou principalmente) nos atos de ocultação de tais factos ou valores, prévios a essa não declaração (independentemente de se tratar de uma acção ou omissão).
Segundo esta posição, a mera não declaração de determinados factos ou valores (i.e., quando não acompanhada pelos tais atos prévios de ocultação desses factos ou valores) não configura a acção típica prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 103.º do R.G.I.T., pelo que não configura a prática de um crime: «A acção típica, sublinha-se, é a acção de ocultação; sem a ocultação não há crime» (cf. fls. 5 do parecer).
Ora, também este entendimento se mostra totalmente desarmónico com as posições assumidas na doutrina, sobre o crime de fraude fiscal previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 103.º do R.G.I.T..
Com efeito, os autores que já se pronunciaram sobre o tema são unânimes em considerar que a acção (ou omissão) típica prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º do R.G.I.T. [e também em relação a algumas das condutas abrangidas pela alínea a)] consiste, precisamente, na não-declaração de determinados factos ou valores que devam ser revelados à administração tributária, e, portanto, que tal conduta típica só poderá ser realizada por pessoa sobre a qual recaia o dever de declarar (ou de revelar) tais factos ou valores à administração tributária.
Neste sentido, vai a posição sustentada por Augusto Silva Dias, no Parecer junto aos autos onde bem se expressa no que aqui, com devida vénia, se acompanha  «Decisivos para a realização do facto típico são os deveres tributários de que o Sujeito passivo é destinatário e não a forma ativa ou omissiva como este os incumpre».
E acrescenta este Autor: «(...) O que releva para a autoria da fraude fiscal é saber se a declaração de rendimentos foi preenchida ou não de acordo com os deveres especiais de lealdade e de veracidade que recaem sobre o sujeito passivo»,
Posição semelhante é sustentada no parecer de Manuel da Costa Andrade, junto aos presentes autos e que, com a devida vénia aqui seguimos de perto: «O elemento típico "ocultação" na modalidade estabelecida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º convocada pelo Tribunal Coletivo de Lisboa, pressupõe um crime de omissão pura ou própria, na medida em que o tipo objectivo de ilícito se esgota na não realização da acção imposta pela lei. Com efeito, a norma referencia expressamente a omissão (isto é, a ocultação) como forma de realização ou integração típica. (…) Assim, a violação de uma imposição legal de atuar tem lugar por via da ocultação daqueles factos ou pela não declaração de determinados valores. Por conseguinte, o agente é, por direta imposição legal, garante do cumprimento do dever jurídico de declarar os rendimentos à administração tributária». (cf. fls. 20 do parecer). E acrescenta ainda este Autor que se «chega ao mesmo resultado pela via de uma eventual subsunção dos fados na alínea a) do n.º 1 do artigo 103. o do RGIT, que prevê como modalidade típica a ocultação do valor da declaração apresentada (cf.  fls. 21 do referido Parecer)
Na mesma linha, Susana Aires de Sousa afirma que «a delimitação do círculo de autores se dá apenas na vertente de omissão prevista nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT
«Quando realizada através de uma daquelas condutas a fraude fiscal é um crime específico porque só pode ser seu autor aquele que é atingido por uma obrigação ou dever especial de declaração» ([cvi]).
E, como já vimos, Germano Marques da Silva afirma, a este respeito, que «Para que ocorra omissão é necessário que exista o dever de praticar o facto, no caso, o dever de declarar. Só a pessoa que tenha o dever de proceder à declaração pode ser sujeito ativo de fraude fiscal pela prática da omissão prevista nesta alínea [alínea b) do n.º 1 do artigo 103.° do RGIT]»([cvii]).
Ora, com o devido respeito por opinião em contrário a tese sustentada pelo Senhor P.G.A. junto deste Tribunal, além de não encontrar correspondência na jurisprudência e na doutrina nacionais, também não se mostra harmónica com o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora e com as opções de política criminal que lhe subjazem.
Com efeito, como flui do que já acima apontado ficou, se bem vemos, o legislador português, na configuração que deu ao crime de fraude fiscal previsto no art. 103.º do R.G.I.T., optou por tutelar dois bens jurídicos distintos: por um lado, o património do Estado, e, por outro, os princípios de verdade e transparência na relação dos cidadãos (contribuintes) com o Estado.
Neste sentido, André Teixeira dos Santos afirma que «Da leitura do tipo legal facilmente se infere que os comportamentos típicos traduzem a violação de um deter extra penal, ou seja, de deveres fiscais de colaboração com a Administração fiscal, de lealdade e de informação. Mas como já se referiu, esses devem por si só não são o objeto tutelado pelo tipo de ilícito. Outro aspeto que o legislador considerou consiste no caráter patrimonial da conduta típica. Embora o tipo não exija a efetiva ocorrência de uma vantagem patrimonial ilegítima superior ou igual a €15 000, a conduta ilícita tem de  ser idónea a atingir tal resultado (art. 103. o, n. o 2, do RGIT)» ([cviii]).
Augusto Silva Dias também considera que o legislador português optou por esta tutela penal ambivalente: «O legislador português seguiu um modelo misto, enveredando por uma solução intermédia consubstanciada na proteção do património fiscal do Estado e no reconhecimento de deveres de verdade e de lealdade fiscal» ([cix]).
Como vimos, a posição sustentada no parecer do Senhor P.G.R. junto deste Tribunal define a conduta típica na prática de atos de ocultação prévios à declaração ou à não-declaração de factos ou valores que devam ser revelados à administração tributária.
Ora, por um lado, tais atos prévios de ocultação não são idóneos, por si só, à lesão do património fiscal do Estado. O único facto que, de entre os factos dados por provados na decisão impugnada, é idóneo a tal lesão, é o ato de não-declaração do alegado recebimento dos valores em causa nos presentes autos por parte de JVP.
Não declarando o recebimento de tais valores, o património fiscal do Estado poderá ser posto em causa, na medida em que o imposto alegadamente devido poderá não ser liquidado; declarando o recebimento de tais valores, o património fiscal do Estado não poderá ser lesado, na medida em que o imposto será, em princípio rectius, salvo circunstâncias excecionais estranhas à conduta típica), liquidado.
Por outro lado, os atos de ocultação prévios à não-declaração de factos ou valores que, in casu, são imputados aos Recorrentes AJV; LVD e RBM não são, também, suscetíveis de ofender os deveres de colaboração, verdade, transparência e lealdade dos cidadãos (contribuintes) com o Estado, na medida em que tais deveres se impõem relativamente a cada cidadão na sua relação fiscal com o Estado.
Isto é, cada cidadão tem deveres de colaboração, verdade e transparência na sua relação fiscal com o Estado, apenas e só, no que concerne à sua situação patrimonial, aos seus rendimentos, à sua situação profissional e pessoal, etc., etc.
Mas tais deveres já não existem no que respeita à situação patrimonial de terceiros, aos rendimentos de terceiros, à situação profissional e pessoal de terceiros, etc., etc.
Assim v.g. se C souber que D não vai declarar, em sede de declaração de I.R.S., todos os rendimentos auferidos durante o respetivo ano, C não tem qualquer dever de verdade e de transparência para com o Estado que o obrigue a denunciar aquele facto, ou, até, de se substituir ao contribuinte na sua declaração e declarar todos os rendimentos auferidos por D.
Na mesma senda, se C comprar a D um relógio em segunda mão, e fizer o pagamento em dinheiro, sabendo que D não vai declarar aquele rendimento na sua declaração anual de IRS, C não praticou qualquer crime de fraude fiscal, na medida em que C não tem qualquer dever de verdade e de transparência para com o Estado no que diz respeito à situação fiscal de D, e, no entanto, o pagamento em dinheiro pode ser considerado como um ato de ocultação do recebimento daquele valor, prévio à não-declaração do mesmo.
A solução seria semelhante no caso de o relógio ser pago através de um cheque passado a uma sociedade estrangeira ou de qualquer outra forma que possa ser considerada, ainda que erradamente, como um ato de ocultação prévio à não-declaração.
A obrigação fiscal de declarar os seus rendimentos é de D; apenas D pode ofender os princípios de verdade e de transparência com a administração fiscal no que diz respeito à sua relação contributiva com o Estado; apenas D pode lesar o património fiscal do Estado no que concerne ao imposto devido pelos seus rendimentos; pelo que apenas D pode violar a sua obrigação fiscal de declarar os seus rendimentos e, consequentemente, de incorrer na prática de um crime de fraude fiscal, na modalidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 103.° do RGIT (desde que preenchidos os demais elementos do crime, naturalmente).
A este respeito, André Teixeira dos Santos afirma o seguinte:
«O tipo legal de fraude fiscal apresenta como aspectos particulares o facto de os comportamentos típicos taxativamente elencados nas alíneas do n.º 1 do art. 103.º o do RGIT constituírem a violação de deveres fiscais de colaboração com a Administração fiscal, de lealdade e de informação; o caráter patrimonial da conduta típica; todo o tipo ter subjacente a existência prévia de uma relação jurídico-tributária cujos sujeitos são a Administração fiscal e o sujeito passivo do imposto; e a unidade do tipo ser conferida pela exigência de afetação de uma realidade genuinamente tributária traduzida pela contribuição fiscal que efetivamente cabe ao sujeito passivo» ([cx]).
Posto isto, a esta luz, e olhando para o caso dos autos, AJV; LVD e RBM não tinham qualquer obrigação de revelar à Administração Tributária os valores que foram alegadamente pagos pelo “S” ao então jogador JVP.
Agora, no que concerne às obrigações fiscais de JVP perante a Administração Tributária, designadamente em sede de tributação sobre o rendimento, tais obrigações impendem, apenas e só, sobre JVP.
Apenas ele estava obrigado a revelar à Administração Tributária o alegado recebimento de determinados valores a título de rendimento, pelo que apenas ele poderia incumprir essa mesma obrigação. Seja na própria declaração de rendimentos, seja até, na tese sustentada no parecer pelo senhor P.G.R. quanto aos alegados atos prévios de ocultação desse rendimento.
Em qualquer caso, se JVP tivesse incluído nas suas declarações de rendimentos o recebimento dos valores em causa, a sua obrigação fiscal teria sido cumprida e nenhum crime teria sido praticado, o que demonstra que a conduta ilícita prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 103.º do R.G.I.T. consiste na não-declaração de tais valores, e o que demonstra também a total irrelevância, para efeitos de preenchimento do crime em apreço, dos alegados atos de ocultação praticados em momento anterior à apresentação da declaração.
Não nos parece correto afirmar que o crime se "perfectibiliza” com a não-declaração dos valores em causa; o crime consiste na não-declaração dos valores em causa, sendo os atos praticados em momento anterior — nomeadamente, a forma como os valores em causa foram pagos — irrelevante para a realização da conduta típica, AJV, LVD e RBM não detinham, por isso, em nenhuma medida, o domínio do (alegado) facto criminoso.
Augusto Silva Dias no seu douto parecer, que aqui com a devida vénia se acompanha é absolutamente claro e categórico na defesa deste entendimento: «Significa isto que, por mais essenciais que tenham sido o acordo ou a conjugação de esforços empreendidos no Verão do ano 2000, não podem configurar a coautoria se o agente neles envolvido não tiver intervindo diretamente na execução do facto, ou seja, se não dominar uma parcela da mesma» ([cxi]).
E acrescenta: «No que toca à fraude fiscal o domínio do facto traduz-se no domínio da ocultação de factos ou valores com relevância tributária, isto é, no domínio do engano atrases dos dados introduzidos ou ocultados na declaração de imposto, Só esse domínio corresponde e consubstancia uma intervenção direta na execução no sentido do terceiro inciso do art. 26.º» ([cxii]).
Referindo-se ao caso concreto, Augusto Silva Dias conclui da seguinte forma: «Qualquer das condutas [de LVD e RBM (na qual se insere igualmente a de AJV);] se situa no campo prévio à execução da fraude fiscal. Na verdade, se elas se inscrevessem efetivamente em algum momento do iter criminis da fraude fiscal seria na fase dos atos preparatórios e não na dos atos de execução. Nenhuma das condutas referidas pode significar, seja de que modo for, domínio da ocultação ou do engano materializado na declaração de imposto. Esse domínio só é exercido por quem preenche a declaração de imposto, que será, em princípio, o titular dos rendimentos e sujeito passivo da relação jurídica tributária» ([cxiii]).
André Teixeira dos Santos vai exatamente no mesmo sentido: «A conduta ativa (...) consiste na violação de deveres de colaboração com a Administração Fiscal, de verdade e de transparência. Estes deveres são dirigidos aos sujeitos passivos da relação tributária. É o sujeito obrigado ao cumprimento dos referidos deveres que tem o "domínio" sobre a conduta ilícita. É ele que se encontra na posição fáctica de controle do "se" e do "como"; depende dele a concretização do iter criminis nos moldes em que se encontra descrito no tipo em todos os passos, por um lado, e tem a última palavra no sentido de impedir que o facto ilícito se verifique, por outro» ([cxiv]).
Neste particular, não enxergamos o alcance da afirmação, contida no parecer no sentido de a tese defendida pelo Senhor P.G.R. estar «em perfeita consonância com a regra estabelecida pelo artigo 28.º do Código Penal» ([cxv]).
Com efeito, de acordo com esta tese a acção típica consistira na prática de atos prévios à não-declaração de factos ou valores que devam ser revelados à Administração Tributária, o que, a ser verdade - o que significaria que estaríamos na presença de um crime comum, e não de um crime específico, caso em que não seria necessário convocar o artigo 28.º do CP ...
Mas o Senhor P.G.R. vai ao ponto de sustentar que «Ação típica […] é a acção de ocultação» e que «sem a ocultação não há crime» (cf. p. 5 do parecer).
Ou seja, defende que se, in casu, não tivessem sido praticados os alegados atos prévios de ocultação, e se JVP não tivesse, igualmente, declarado o alegado recebimento dos valores em causa, não teria sido praticado qualquer crime, nomeadamente o crime de fraude fiscal previsto no art. 103.º do R.G.I.T.
Estaríamos, seguramente, com o devido respeito por opinião em contrário, na sua verdadeira essência, perante um crime diverso que não o que se mostra positivado na lei vigente, que, bem vistas as coisas, se assemelharia a um crime de branqueamento, ainda que, também aqui, com características sui generis: o crime subjacente é um elemento do próprio crime (a não-declaração de determinados valores) e os atos de branqueamento precedem cronologicamente os atos do crime subjacente (a não-declaração de determinados valores).
Branqueia-se (i.e., ocultam-se valores, na tese do Senhor P.G.R.) antes de tais valores serem produto de uma conduta ilícita.
Se por acaso o contribuinte optar, mais tarde, por declarar, então afinal não existiria qualquer branqueamento (qualquer ocultação), e, por isso, não teria sido praticado qualquer ato da conduta típica do novo crime de fraude (branqueamento) fiscal.
Se porventura decidir não declarar, então já estaria em causa a prática de atos de branqueamento, ocorridos em momento anterior a essa não-declaração. E aqueles que não tivessem uma única palavra a dizer quanto à declaração ou não-declaração, mas que teriam participado nos atos que podem ser mas também podem não ser de ocultação – dependendo da posterior declaração ou não dos valores em causa, seriam então considerados coautores do novo crime de fraude (branqueamento) fiscal.
Mas, repete-se, de acordo com a tese do parecer do Senhor P.G.R. se o contribuinte se limitar a ocultar, omitir, esconder da declaração o recebimento de determinados valores, não incorre na prática de qualquer crime, nomeadamente do crime previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 103.° do RGIT..
Com o devido respeito, que é muito, a tese sustentada no parecer do Senhor P.G.R. é paradoxal e não tem na leitura que fazemos do direito positivado agasalho na lei ao caso aplicável.
De resto, afigura-se-nos que a interpretação do art. 103.º, n.º 1, alínea b), do R.G.I.T. no sentido de a acção típica consistir na prática de atos, por parte de pessoas que não o sujeito passivo da relação tributária, prévios à não-declaração de determinados valores que devam ser revelados à administração tributária, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação, designadamente, dos princípios da legalidade penal, da tipicidade e da necessidade do Direito Penal, vertidos nos arts. 2.º, 29.º, n.º 1, e 18.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

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O CRIME DE BRANQUEAMENTO
A FACTUALIDADE TÍPICA
Com o exercício de valoração e qualificação jurídico-penal dos factos à luz da incriminação da fraude fiscal esgotaram-se os problemas de natureza penal substantiva que aqueles factos poderiam, com alguma pertinência e plausibilidade, suscitar no que tange à pessoas dos arguidos AJV  LVD e  RBM.
Na verdade, uma vez comprovada a ausência do ilícito criminal típico da fraude fiscal, no que tange ao arguido AJV nada, no caso vertente mais pleonástico do que questionar a relevância jurídico-criminal dos mesmos factos no âmbito do crime de branqueamento (art. 368.º-A do Código Penal).
Contudo, tal asserção cabe aqui fundamentá-la.
(i) Não obstante o que já acima deixámos expresso numa primeira aproximação, para alcançarmos uma ótica adequada à correta equacionação e superação dos problemas, começaremos por pôr em evidência os traços mais marcantes da factualidade típica da infração. Isto tanto no que tange ao seu desenho formal-típico, com vista à definição precisa dos pressupostos e momentos indispensáveis à satisfação das exigências da legalidade/ tipicidade, como no que respeita ao seu horizonte político-criminal e teleológico, com vista à identificação do ilícito material.
(ii) Numa primeira caracterização, o branqueamento reconduz-se, na sua expressão nuclear às ações preordenadas a dissimular ou ocultar a origem criminosa de determinados produtos ou valores e, particularmente, de dinheiro.
Trata-se, noutros termos, de apagar a marca ou o estigma de produto do crime através do qual o dinheiro foi obtido, introduzindo-o nos circuitos normais, como dinheiro normal e licitamente obtido. É o que se procura traduzir com a fórmula “lavagem de dinheiro” - a que anda invariavelmente associada a conotação de “dinheiro sujo” -, correspondente a formulações idênticas com que esta prática é designada na generalidade das línguas.
Recorda-se aqui que temos pela frente uma incriminação relativamente nova, que tem atrás de si menos de duas décadas de existência. Isto, descontada naturalmente a vigência secular de figuras como a recetação, o Encobrimento ou o favorecimento pessoal, figuras clássicas que mantém com o branqueamento irrecusáveis momentos de comunicabilidade material e teleológica. Neste sentido, acompanhamos Faria Costa quando sublinha que o branqueamento de capitais emerge de algum modo como “uma forma particular e específica de recetação” ([cxvi]), Sem prejuízo, a verdade é que o branqueamento constitui uma figura jurídica claramente autónoma e distinta. Que não se confunde com aquelas outras figuras que, muito antes, vinham fazendo curso em nome de valores ou interesses que se cruzam com os valores ou interesses que asseguram a sua específica densidade teleológica.
Com este nome, com este desenho típico e com este programa político-criminal, a incriminação fez o seu aparecimento no direito português em 1993. Tal deu-se concretamente com o art. 23.º (Conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos) da “lei da droga”, mais precisamente o Decreto-Lei n.º15/93, de 22JAN. (Tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas). Iniciava-se assim o caminho da incriminação do branqueamento de capitais. Uma trajetória curta, se medida no tempo puro dos cronómetros; mas comparativamente mais extensa, se medida no tempo “engrandecido” por uma já dificilmente controlável sucessão de vicissitudes, de novações legislativas e de alterações constantes.
O que, a par da inovação, empresta à incriminação a marca de uma relativa instabilidade e dinamismo, na procura de um desenho definitivo que parece procrastinar. Isto tanto no que tange à sua extensão e inserção sistemática, como no que concerne a aspectos parcelares do seu regime.
De forma necessariamente sincopada ([cxvii]) na versão originária de 1993, o branqueamento de capitais surgia exclusivamente associado ao crime de tráfico de droga, só sendo punível a "lavagem" dos lucros resultantes deste crime. Dois anos volvidos, viria o Decreto-Lei n.º325/95, de 02DEZ. (branqueamento de capitais), a erigir a incriminação numa figura geral, associada a um catálogo relativamente amplo de crimes antecedentes ou subjacentes. Um alargamento que seria confirmado e reforçado pela Lei n.º 10/2002, de 11FEV., que estendeu o catálogo a todos os crimes “punidos por lei com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 5 anos”.
A evolução legislativa viria a culminar com a Lei n.º 11/2004, de 27MAR., que, para além de inscrever a incriminação no Código Penal - onde passou a constituir o art. 368.º-A (Branqueamento) —, plasmou novas alterações, todas no sentido do alargamento da matéria proibida. É o que, de forma mais óbvia, permite concluir a alteração que redundou numa nova ampliação do universo de crimes idóneos para fundamentar o branqueamento, operada ao nível da cláusula geral, agora a abranger também os crimes "puníveis com pena de duração mínima superior a 6 meses".
São estes os eventos mais relevantes da história do branqueamento no contexto do direito português. Que, no essencial, tem acompanhado com sincronia os eventos mais significativos da experiência comparatística e internacional e, particularmente, das tomadas de posição, dos documentos e dos impulsos legislativos emanados da União Europeia. Recordam-se, por mais decisivos a Convenção de Viena (Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de narcóticos e de substâncias psicotrópicas, 1988) e a Convenção relativa ao branqueamento, deteção, apreensão e perda dos produtos do crime, adotada em 1990 pelo Conselho da Europa. No que especificamente respeita ao direito comunitário avultam as diretivas n.ºs 91/308/CEE, de 10JUN1991 e 2001/97/CE, de 04DEZ., bem como a Decisão-quadro do Conselho, de 26JUN 2001 ([cxviii]). Que foram transpostas para o direito interno português pelas disposições conjugadas do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22JAN. e do Decreto-Lei n.º 313/93, de 15SET. e pela Lei n.º 11/2004, de 27MAR., que introduziu no Código Penal o art. 368.o-A.
No contexto das instâncias comunitárias vêm prosseguindo os estudos e as discussões com vista a novas tomadas de posição e à preparação de novos documentos legislativos. Um intenso labor de que não cabe dar, nesta sede, uma notícia mais detida. Recorda-se apenas a adoção da Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26OUT2005, que veio revogar e substituir a anterior Diretiva 91/308/CEE, e a Diretiva 2006/70/CE, da Comissão, de 01AGO2006, transpostas para o ordenamento jurídico português pela Lei n.º 25/2008, de 05JUN..
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No que tange ao direito português, cabe assinalar que os sucessivos gestos do legislador foram deixando atrás de si o rasto de numerosas e mais ou menos significativas alterações no enquadramento normativo da infração em análise.
Do que acima exposto fica parece-nos que terão já ficado claras tanto as mudanças que resultaram no aumento da extensão da incriminação, medido pelo universo de crimes que hoje podem figurar como suporte idóneo do branqueamento, como as alterações de plano sistemático.
Neste plano sobressai o facto de o legislador português, que começara por inscrever a infração no direito penal extravagante, ter acabado por inscrevê-la no Código Penal, neste passo seguindo também a lição de outros ordenamentos, como o espanhol, o suíço ou o alemão, que incrimina o facto no § 261 do StGB (Geldwäsche).
Para além disso, as intervenções do legislador foram tocando aspectos parcelares do regime, atingindo mesmo a própria matriz teleológica e político-criminal da infração. Hoje não seria muito coerente continuar a encarar a incriminação apenas como um recurso tático ou estratégico na luta contra os crimes subjacentes, primeiro o tráfico de droga, depois toda a extensa gama de infrações levadas ao catálogo dos crimes idóneos. Porque então, e como Faria Costa observava, à vista dos resultados pouco palpáveis na luta contra o tráfico, tratava-se fundamentalmente de “atacar o problema através da asfixia dos lucros ilicitamente obtidos” ([cxix]).
Se bem vemos, nos dias que correm o quadro é hoje significativamente outro: o branqueamento aparece como uma manifestação autónoma de danosidade social, portador específico de danos e de riscos e, como tal, referente autónomo de política criminal. Tanto na vertente repressiva como na frente preventiva. Pelos volumosos caudais de meios materiais que mobiliza, pelas organizações e estruturas de poder fáctico que detém e domina, o branqueamento ameaça as formas legitimadas de organização social e política. Tudo isto com todo o cortejo de danos e perigos que, sem necessidade de elucubração metafísica, se deixam facilmente adivinhar ([cxx]).
Do que fica assinalado compreende-se que persistam as maiores dúvidas e hesitações quanto à definição do bem jurídico protegido pela incriminação. Não se questionam, naturalmente, os interesses que, em geral, se procuram prosseguir com a incriminação. Mas já resulta sobremaneira difícil identificar o valor a erigir ao estatuto de bem jurídico típico, com toda a soma de implicações dogmáticas, normativas e prático jurídicas. Na formulação de Tröndle/Fischer, a definição de um “bem jurídico autónomo e preciso” para a incriminação do branqueamento é uma tarefa extremamente problemática ([cxxi]). Não devendo, por isso, estranhar-se que o problema conheça praticamente tantas respostas quantas as vozes que na doutrina ou na jurisprudência sobre ele se pronunciaram.
Quanto a este ponto podemos agrupar a generalidade das tomadas de posição em torno de três orientações fundamentais.
(i) De um lado, enfileiram os autores que identificam o bem jurídico do branqueamento com o bem jurídico da pertinente infração subjacente. Assim, ao tempo em que o branqueamento surgia exclusivamente associado ao tráfico de droga, não faltaram vozes a apontar a “"saúde pública" como o bem jurídico direta ou indiretamente tutelado pelo branqueamento” ([cxxii]);
(ii) Noutra direção, apontam outros como bem jurídico a eficácia da justiça penal, particularmente na sua função de neutralização das vantagens dos crimes envolvidos, isolando o crime e o seu agente ([cxxiii]);
(iii) Uma outra corrente ainda vai no sentido de qualificar o branqueamento como uma infração pluri-ofensiva, como tal preordenada à tutela conjugada: por um lado, da eficácia da justiça criminal e, por outro lado, dos bens jurídicos correspondentes aos crimes subjacentes ([cxxiv]). Na linha das teses que apontam para o caráter pluri-ofensivo da infração, Lampe identifica como bem jurídico, a par da eficácia da justiça penal, os próprios “circuitos económicos e financeiros legais”, que devem ser resguardados do contágio dos dinheiros ilícitos” ([cxxv]).
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Apesar de tudo, as mudanças operadas na incriminação do branqueamento de capitais deixaram praticamente e na fundamental intocados os elementos nucleares da factualidade típica, que assistiram inalterados à sucessão de leis. Por isso é que os pressupostos típicos em que se analisa a incriminação são hoje os mesmos da versão originária de 1993. E continuam a apresentar a mesma extensão e a mesma compreensão. E tanto do lado do tipo objectivo, como do lado do tipo subjetivo.
É o que convirá explicitar, privilegiando os momentos típicos que se afiguram de mais direta relevância para resposta aos problemas que aqui importa resolver.
a) Do lado do tipo objectivo do branqueamento sobressai, em primeiro lugar, a exigência incontornável do crime subjacente ou precedente. A punição de alguém pelo crime de branqueamento pressupõe sempre a comprovada ocorrência de dois crimes: crime subjacente e branqueamento. E é assim pela simples razão que a acção típica do crime de branqueamento - acção que é descrita na lei como "converter, transferir, auxiliar, facilitar (...) ocultar ou dissimular a natureza" - tem necessariamente de recair sobre “vantagens provenientes” de um crime básico ou subjacente. Pela natureza das coisas e exigências da lógica e do desenho normativo dos factos, afigura-se-nos que o crime subjacente — também designado de precedente — tem de constituir um precedente lógico, cronológico e etiológico do branqueamento.
b) No que acabamos de se afirmar vai já antecipada uma primeira caracterização de um segundo momento do tipo objectivo: o objeto típico da acção, que se reveste de particulares e estritas exigências. Sinteticamente e de harmonia com o teor verbal da própria lei, há de, em primeiro lugar, tratar-se de uma vantagem. Vantagem é um momento típico que denota alguma flexibilidade e abertura, mas cujo sentido e alcance não será difícil apreender. Por vantagem terá, naturalmente, de se entender qualquer coisa, objeto ou relação com valor patrimonial. Pode tratar-se de uma coisa, móvel ou imóvel; assumir a natureza de um direito ou de uma pretensão. A título meramente exemplificativo, para efeitos da incriminação podem figurar como vantagem, a par do dinheiro líquido, as obras de arte, os terrenos, os títulos de crédito, as joias, os metais preciosos, etc.
c) Para assumir relevância típica, terá de ser uma vantagem "proveniente" do crime subjacente e, como tal, de origem ilícita. À semelhança do que sucede noutros ordenamentos jurídicos — v.g., no direito alemão ([cxxvi]) — também o legislador português voltou a adotar a este propósito uma formulação típica que denota alguma elasticidade e indeterminação ([cxxvii]). Uma circunstância que empresta à lição proveniente do direito comparado uma propriedade acrescida.
Ora, como o mais ligeiro olhar pelo panorama doutrinal e jurisprudencial deixa nitidamente a nu, há dois tópicos que soam consensuais e pacíficos na definição do sentido e da extensão do conceito proveniente. Em primeiro lugar, é pacífico o entendimento de que são provenientes do crime subjacente - e, como tais, objetos idóneos do branqueamento -, para além dos pagamentos ou contraprestações recebidas pela prática do crime, também os produtos que ele propiciou, os producta sceleris, bem como as coisas ou valores que vieram sub rogar-se àquelas contraprestações ou produtos. Isto é, as coisas ou valores que, do ponto de vista económico-patrimonial, vieram substituir as contraprestações ou produtos. Todavia, fica igualmente clara a exigência legal de que as vantagens a branquear têm de preexistir, na sua origem ilícita, à conduta de branqueamento enquanto atividade destinada a dissimular aquela origem criminosa conferindo-lhe a aparência de legalidade. É pois necessário, repita-se, que estas vantagens tenham uma origem ilícita porque proporcionada pela prática de um crime subjacente ou precedente.
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Ora, tendo em mente os limites reclamados pelo princípio de legalidade e tipicidade, os tribunais e os autores convergem, em segundo lugar, na necessidade de demarcar balizas à relevância típica das coisas ou valores que se encontram nesta situação de substituição ou sub-rogação objetiva. Assim e de forma mais ou menos consensual e pacífica, exige-se que, no mínimo, subsista entre o crime (subjacente) e estas coisas uma relação de causalidade. Na certeza de que, se bem que necessário, o nexo de causalidade não é, só por si, suficiente para atribuir às coisas ou valores o estatuto de objeto típico da acção do crime de branqueamento. Para além disso, exige-se mais. Exige-se, concretamente, que as coisas ou valores persistam “envenenadas” pelo crime, isto é, que se encontrem numa relação de conexão económico-patrimonial com os produtos diretos do crime. Nesta linha precisa Barton que, para além dum comprovado nexo de causalidade adequada, se exige que este não seja contrariado ou neutralizado por considerações normativas ([cxxviii]). É na falta desta ligação causal que encontra justificação a alteração, no plano legal, levada a cabo pela atual redação do crime de branqueamento, no art. 368,º-A do Código Penal. Que fez desaparecer a incriminação da simples utilização ou detenção das vantagens prevista na redação anterior, desta forma se evitando também os problemas de dupla punição do autor ([cxxix]).
Para dar satisfação ao mesmo teor de exigências de legalidade e tipicidade, consideram Lackner/Kuhl que as coisas ou valores sub-rogados têm de manter com o produto direto do crime "uma conexão patrimonial identificável, isto é, concretizada numa parte do património que seja possível descrever e contornar, não bastando para o efeito a mera melhoria patrimonial, comprovada a partir do confronto a situação patrimonial do agente antes e depois da afluência (ao seu património)” ([cxxx]).
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O tipo subjetivo constitui outro marcante referente de estabilidade e rigidez do desenho normativo da estrutura típica básica da infração na experiência jurídica portuguesa. Onde, invariavelmente, se circunscreveu a punição do branqueamento ao dolo, com exclusão da punição de qualquer manifestação de negligência.
Esta constitui, é verdade, uma opção político-criminal e legislativa nem sempre seguida por algumas legislações, como a alemã, que prescreve expressamente a punibilidade dos casos em que só por negligência qualificada (leichtfertig), o agente não representa a origem criminosa do dinheiro. Numa apreciação sumária, permitimo-nos deixar registada a nossa fundada convicção de que são manifestas as vantagens duma solução como a consagrada pela lei portuguesa ([cxxxi]). Desde logo, porque a punibilidade da negligência não seria concebível relativamente a outro elemento do tipo objectivo que não fosse o da proveniência criminosa do dinheiro; e depois porque pareceria, de todo o modo, incongruente a punição da negligência num crime cujo bem jurídico possui sempre uma componente ligada à boa administração da justiça. Seja como for quanto a este ponto, o decisivo é que, de jure dato está em causa uma opção terminante do legislador, que o intérprete e o aplicador do direito não estão, por si, legitimados a contrariar.
Por expresso desígnio do legislador, o preenchimento do tipo subjetivo exige que o dolo se estenda a todo o tipo objectivo tanto à acção e ao resultado típicos como ao objeto da acção, isto é, à sua natureza de vantagem proveniente de um crime do catálogo. No que vai coenvolvida a exigência de que o dolo se estenda à relação tipicamente pressuposta entre a acção e o objeto típico ou entre o crime precedente e o branqueamento. É nisto que se traduz a conhecida e consensual relação de congruência ou de cobertura recíproca entre o dolo-do-tipo e o tipo objectivo. Não sendo, no presente contexto relevante tomar posição na querela doutrinária sobre se a incriminação exige que o dolo-do-tipo- como sucede na recetação ([cxxxii]) - seja direto ou necessário, ou se basta o dolo eventual, nomeadamente, no que toca ao conhecimento efetivo de que o dinheiro provém de um facto ilícito-típico.
Na verdade, para além do dolo-do-tipo, o tipo subjetivo da incriminação integra ainda um outro — complementar e autónomo — momento subjetivo, descrito como: "com o fim de dissimular a sua verdadeira origem ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal". Posta entre parênteses a determinação do estatuto dogmático desta autónoma exigência subjetiva — dolo específico, crime de resultado cortado, delito de intenção ([cxxxiii]) — uma coisa é certa: é a exigência da comprovada verificação deste momento subjetivo, sem a qual não pode dar-se por preenchida a factualidade típica da incriminação do branqueamento.

A ATIPICIDADE DOS FACTOS IMPUTADOS AO ARGUIDO AJV
O percurso feito e os resultados alcançados na identificação e clarificação do sentido e alcance de alguns dos momentos nucleares da factualidade típica do crime de branqueamento leva-nos à conclusão segundo a qual não se mostra possível identificar, entre os factos dados como provados e imputados, ao arguido AJV, os momentos objetivos e subjetivos indispensáveis ao preenchimento da factualidade típica daquela incriminação.
Na verdade, não vislumbramos que da globalidade da prova produzida, agasalhe a possibilidade de adicionamento de qualquer facto relevante aos já apurados.
Ora, face à fixação da matéria provada fundamental, para o que aqui releva, que é tão-somente aquela que acima apontada ficou, da mesma não brota algo que possa fundadamente qualificar-se com acção típica, resultado típico, objeto da acção típica, relação típica e dolo. Isto com o sentido e as exigências que estes momentos conhecem no contexto da factualidade típica do branqueamento.
Resumidamente, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não se enxergam no caso vertente vantagens provenientes de crimes do catálogo.
Como expressamente refere a decisão condenatória (cf. p. 71), o que se pretende com a incriminação “é obstar ao branqueamento de capitais, ou seja, a que os agentes ocultem ou disfarcem a origem ilícita (sublinhado nosso) do produto dos seus crimes". E ainda, agora citando uma decisão da Relação de Lisboa, “condição objetiva do tipo de branqueamento é a verificação de um facto ilícito subjacente, de onde provenham vantagens que se dissimulam, sendo certo, todavia, que o crime de branqueamento e a respetiva reação penal são autónomos em relação ao ilícito subjacente”.
Tudo exigências de que os factos aqui em causa se afastam.
Vejamos o porquê desta afirmação.
Por uma banda, as “vantagens" tidas como objeto de uma eventual conduta de ocultação provêm de um contrato de trabalho desportivo licitamente acordado e celebrado entre os seus intervenientes, como resulta de forma clara da materialidade fáctica provada.
O que equivale a afirmar a falta do elemento típico e primário do crime de branqueamento: a origem ilícita das vantagens!
Por outro lado, não faz sentido falar de “lavagem de dinheiro”, pela singela razão, mas decisiva, de não haver dinheiro “sujo”: o dinheiro sobre o qual tenha recaído a acção do arguido AJV — qualquer que ela tenha sido — era a todos os títulos dinheiro limpo. Era um resultado lícito de um contrato de trabalho com agasalho na lei.
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Noutra ótica, não se enxerga o porquê de a matéria de facto imputada ao arguido AJV a título de branqueamento lhe ser igualmente atribuída para fundamentar a sua condenação pelo crime de fraude fiscal subjacente.
Na apreciação do Tribunal a quo, a mesma factualidade é qualificada simultaneamente como forma de execução do crime de fraude (ocultação do rendimento auferido pelo arguido JVP) e como realização do tipo de ilícito do branqueamento (dissimulação do rendimento auferido pelo arguido JVP).
Na sua verdadeira essência a fraude fiscal acaba por valer, ela própria, como branqueamento das vantagens que ela própria permitiria realizar. O que, com o devido respeito por opinião em contrário, não se se nos afigura possível.
Desde logo pela distância inultrapassável - traduzida na anterioridade cronológica e etiológica - que deve separar o crime subjacente ou precedente da conduta típica do branqueamento. Foi isto que, com o devido respeito por opinião em contrário, a decisão impugnada não logrou alcançar.
Em suma, o Tribunal a quo considerou que, ao permitir que o dinheiro pago pelo “S” circulasse pelas empresas «G» e «T»…», o arguido AJV praticou atos necessários à realização de um crime de branqueamento. Elucida, contudo, que, para esse efeito, considera apenas as transferências realizadas a 22JAN2002 porque só estas se concretizaram após a consagração legal da fraude fiscal como crime subjacente através da Lei n.º 10/2002 de 11FEV., entrada em vigor a 16FEV2002.
Com o devido respeito por opinião em contrário, por infundado e insustentável não podemos aceitar o decidido neste segmento.
No entender do Tribunal a quo é no mínimo curioso que os atos de branqueamento venham a ter lugar antes mesmo da consumação do crime de fraude fiscal, que se pretende erigir em crime subjacente. Que, afinal só aconteceu na data em "que o arguido JVP apresentou a última declaração", ou seja a "14MAR2003".
Summo rigore na matéria provada não é possível referenciar nada que possa valer como crime do catálogo e, como tal, suscetível de figurar como crime precedente. Pela simples razão de que, no momento a que a decisão impugnada reporta os factos que qualifica como branqueamento, aquele suposto crime precedente não tinha pura e simplesmente acontecido.
Em definitivo, com o devido respeito por opinião em contrário, a mesma conduta não pode relevar simultaneamente como acção típica da fraude fiscal e do branqueamento em relação ao qual a infração tributária tivesse de figurar como crime subjacente. Neste desenho, o crime de branqueamento só poderia ocorrer sobre as "vantagens provenientes" duma fraude fiscal já consumada. Noutros termos, a ocorrência do branqueamento teria de fazer intervir uma outra conduta, diferente da do crime subjacente. A resposta negativa resulta assim, incontornável, dos princípios elementares da lógica, nomeadamente do princípio da identidade. Pela mesma razão de que ninguém pode estar à janela a ver-se passar na rua.
De igual modo — e por causa disso —, também não é possível adivinhar uma qualquer relação de causalidade adequada entre as supostas (e inexistentes) vantagens ilícitas e os supostos (e inexistentes) crimes subjacentes.
Por seu turno, e porque não houve vantagem proveniente de crime, também não pode, a nenhum título, afirmar-se a verificação da acção típica. Acresce que a dupla valoração a que o entendimento diferente levaria, equivaleria a uma dupla condenação do agente pelo mesmo facto. O que é vedado pelo imperativo constitucional (art. 29.º, n.º 5, da C.R.P.) ne bis in idem.
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Contudo, afigura-se-nos que no caso em apreço, a tipicidade dos factos descritos sempre estaria, de resto, excluída pela falta insuprível do tipo subjetivo. À vista das condutas plasmadas nos factos assentes, não se descortina que o arguido AJV tenha agido com o conhecimento e a vontade de realizar o tipo objectivo do branqueamento. Que, noutros termos, tenha agido com o chamado dolo-do-tipo. E, para além disso, se tenham verificado as demais conotações ou momentos subjetivos reconduzíveis à categoria de momentos subjetivos do tipo sob a forma de intenções e tendências, distintas e autónomas face ao dolo stricto sensu, anteriormente retratadas.
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IMPÕEM-SE ASSIM SEM MAIS DELONGAS A ABSOLVIÇÃO DOS ARGUIDOS AJV, LVD e RBM, o que desde já aqui se decide.
Assim, todas as demais questões suscitadas por estes arguidos mostram-se prejudicadas face à sua absolvição.
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No que tange ao recurso interposto pelo Ministério Público, face à referida decisão absolutória dos arguidos AJV, LVD e RBM, a mesma impõe de per si a alteração da decisão impugnada com a consequente revogação dos segmentos atinentes às condições da suspensão da execução da pena a impor ao arguido/recorrente JVP.
Contudo quanto a este segmento recursório importa aqui resumidamente dizer o seguinte:
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É consabido que no concerne aos crimes fiscais, a suspensão da execução da pena é regulada pelos arts. 14.º do R.G.I.T. e pelo art. 50.º e ss. do Código Penal.
Ora, uma vez aplicada como condição de suspensão da execução da pena de prisão, a indemnização passa a participar na realização das funções do Direito Penal.
Precisamente por isso mesmo é que o incumprimento da indemnização (ou de outro dever ou regra de conduta) condicionante da suspensão da execução da pena de prisão não envolve automaticamente a revogação desta.
Na verdade, necessário se torna a comprovação de até que ponto aquele incumprimento frustrou as expectativas de reinserção social do condenado, ou seja, tornou inalcançáveis as finalidades que presidiram à suspensão. Assim, na medida em que é elemento integrante de um substitutivo da execução da pena de prisão, a indemnização fica igualmente sujeita aos princípios constitucionais estruturantes do nosso Direito Penal, entre os quais campeiam nomeadamente aos princípios da pessoalidade das penas (cf. art. 30.º n.º 3 da C.R.P.) e da proporcionalidade das medidas restritivas de direitos (cf. art. 18.º n.º 2 da CRP).
Na verdade, assim se não entendendo poderiam desvanecer os fins e frustrar-se as funções que por meio da pena de prisão se pretendem atingir.
Por sua vez, é certo e sabido que o princípio da pessoalidade da pena não só proíbe que a pena seja transmitida a outras pessoas e que a execução da pena esteja dependente da atuação de outros mas impõe que ela seja aplicada de um modo individualizado, tendo em conta a situação pessoal, económica, social, da pessoa visada.
Assim, a pessoalidade e individualização da pena é uma consequência do princípio da culpa e vale para qualquer sanção penal, mesmo que se trate de um substitutivo da pena ou, como acontece in casu, de um substitutivo da execução da pena.
Ora, uma das especificidades do regime do referido art. 14.º n.º 1 do R.G.I.T. está na natureza da reparação. Ela deve consistir no pagamento ao Estado "da prestação tributária e acréscimos legais".
Almeja-se que o escopo de reinserção social seja prosseguido com acatamento do princípio da pessoalidade das penas. Assim, ao pagar a dívida tributária que contraiu através da prática de um crime tributário o condenado adota uma atitude reparadora, restabelecendo a expectativa normativa violada e regressando pessoalmente aos valores do Direito.
In casu o Tribunal recorrido na decisão impugnada decidiu-se pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada aos arguidos AJV; LVD e RBM "nos termos dos art. 50° do CP e 14° n°1 do R.G.I.T." [(cf. fls. 4768 (fls. 93 da decisão recorrida)]. Contudo, impôs a cada um dos arguidos, a título de condição da suspensão da pena, o dever de pagar o valor de €169.622,56 (um terço do montante do I.R.S. em dívida - €508.867,61) ao co-arguido JVP e não ao Estado Português titular de um crédito fiscal.
Indo direito ao assunto: não pode a suspensão da execução da pena dos arguidos AJV, LVD e RBM, sob condição de pagamento das quantias em causa, ter suporte legal no aludido art. 14.º do R.G.I.T., pela singela, mas decisiva razão, de que estes arguidos não eram sujeitos passivos do I.R.S. em falta e por isso como salta aos olhos de qualquer mortal não haviam contraído para com o Erário Público qualquer dívida tributária. Por sua vez, como é consabido, a finalidade de prevenção especial ressocializadora subjacente à pena de substituição de suspensão de execução da pena de prisão e à condição de pagamento da prestação tributária em dívida, assim como a natureza pessoal desta medida, opõem-se perentoriamente a que ela seja cumprida por terceiros.
Na verdade, afigura-se-nos que não faz sentido que o pagamento da prestação de I.R.S. em dívida (obrigatório) nos termos do art. 14.° do R.G.I.T., sirva para outros que não o sujeito passivo que a contraiu cometendo fraude fiscal.
In casu, trata-se na sua verdadeira essência de dívida tributária alheia, o que põe em crise não só a pessoalidade das penas mas igualmente a finalidade ressocializadora que preside à suspensão da execução da pena.
Por sua vez, não vislumbramos como tendo as quantias em questão sido imputadas ao dever obrigatório de reparação tributária do referido art. 14.º n.º 1 do R.G.I.T., seja ordenado o seu pagamento a favor de JVP.
Na realidade, no âmbito destes autos JVP é arguido e não é representante do Erário Público defraudado nem é vítima do crime de fraude fiscal.
Não enxergamos a que título e com que fundamento é imposto na decisão impugnada em seu benefício o dever de reparação?
Com o devido respeito por opinião em contrário, a decisão impugnada quanto a este segmento viola claramente o princípio da legalidade, posto que carece de cobertura legal: as quantias impostas aos arguidos AJV, LVD e RBM a título de condição de suspensão da execução da pena de prisão redundam em benefício do coarguido JVP e não do Estado Português, diferindo do estipulado no art. 14.º n.º 1 do R.G.I.T.; sendo certo que, summo rigore, em função do que dito fica, tais quantias não podiam ser impostas a favor do Estado Português pela simples razão de que não correspondem a qualquer dívida tributária contraída por aqueles arguidos/recorrentes.
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A decisão impugnada invoca o regime da responsabilidade civil solidária para regular os termos do pagamento por cada um dos arguidos da quantia de €169.622,56 a favor de JVP. Como ali é dito, na sequência da acentuação do caráter solidário da responsabilidade civil, «(...) o arguido JVP ficará desde já legítimo credor da quantia remanescente ao prejuízo de €678.490,23  e legais acréscimos que venha a ser depositada à ordem dos autos e que resultar do cumprimento da condição de suspensão dos demais arguidos» [cf. fls. 4767 (fls. 92 da decisão recorrida)].
O art. 512.º do Código Civil estabelece que "a obrigação é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (...)" e o art. 519.º n.º 1 daquele corpo de leis confere ao credor "o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado", ficando o devedor que satisfizer integralmente o direito do credor com o direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que lhes compete (art. 524.º do Código Civil).
Assim, a condenação de AJV, LVD e RBM no pagamento das referidas quantias ao coarguido JVP, em regime de responsabilidade solidária, coloca este na posição de credor com direito a exigir de um dos outros três coarguidos a totalidade da prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado. Quer isto dizer que a subsistência ou não da suspensão de execução da pena de prisão e o cumprimento ou não da prisão efetiva pelos coarguidos está dependente dos termos da demanda do credor e da solvência ou insolvência, da possibilidade ou impossibilidade de cumprimento, do arguido condevedor demandado.
Verificamos assim que, na prática, o destino da suspensão de execução da pena de prisão está dependente de fatores que o condenado de todo não domina e pelos quais não pode responder: a decisão e a situação económica de terceiros.
 Ora, com o devido respeito por opinião em contrário, esta situação traduz uma violação do princípio da pessoalidade e da finalidade de reinserção social das penas.
Na verdade, não é por acaso que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem-se oposto e nosso ver bem (a que o dever de indemnização previsto no art. 51.º n.º 1 alínea a) do Código Penal siga a modalidade de responsabilidade solidária.
Na realidade, também nós sempre entendemos que não deve ser solidária a condição do pagamento da indemnização devida ao lesado para a suspensão da execução da pena de prisão.
O cumprimento da condição tão-somente por um dos arguidos tem que aproveitar aos outros, que vê, assim, satisfeita a condição de suspensão da execução da pena em que foi condenado, sem efetivamente a cumprir e, por isso, sem sentir os efeitos da condenação através da reparação das consequências danosas da sua conduta ([cxxxiv]).
Assim sendo, ao desconsiderar este género de efeitos da responsabilidade solidária, mesmo que tivesse subsistido a condenação dos aludidos arguidos AJV, LVD e RBM, a decisão impugnada estaria neste concreto segmento ferida de ilegalidade, pelo que sempre se impunha a sua revogação.
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Segundo a decisão impugnada pelo Ministério Público estariam depositados à ordem dos autos, na data de prolação do acórdão (10SET2012):
- €508.867,61, já apreendidos ao arguido JVP,
- €704.175,30, procedentes do cumprimento das condições de suspensão da pena de prisão.
Sendo a Fazenda Nacional credora de €729.800,96.
Ora, como bem refere o recorrente Ministério Público na sua motivação recursória, caso permanece na íntegra a decisão impugnada, o que como já acima vimos, não acontece, face à absolvição dos arguidos AJV, LVD e RBM, para se evitar que o Estado Português venha a receber menos do que aquilo a que tinha direito, o correto seria mandar entregar ao arguido JVP aquilo que, a final, remanescer ao valor da condenação civil (nela se integrando os devidos juros legais) e não o que remanescer do cumprimento das condições de suspensão da execução de prisão pelos três restantes co-arguidos.
Pelo que, se impõe a revogação da decisão neste segmento.
Pelo que já acima dito ficou não há nenhuma razão, substantiva ou adjetiva, para que ao arguido JVP viessem a ser entregues quantias procedentes do cumprimento de condição de suspensão da execução pena de prisão dos restantes três co-arguidos.
Igualmente é manifesto que a decisão impugnada, na sua verdadeira essência prática, não aplica qualquer condição para a suspensão da execução da pena de prisão ao arguido JVP.
Curiosamente se os arguidos AJV, LVD e RBM cumprissem a condição de suspensão das suas penas de prisão que lhe foi imposta pela decisão impugnada, o arguido JVP pagará ao Estado Português muito menos do que o imposto em dívida e devidos juros legais, sendo certo que foi o arguido JVP quem se locupletou com o benefício.
Pelo que dito fica, o recurso do Ministério Público vai a bom porto, impondo-se a revogação do segmento da decisão que “manda entregar ao arguido JVP a quantia que remanescer ao valor de 678.490,23€ e acréscimos legais, valor que corresponde à prestação tributária cujo pagamento foi omitido e que deu origem à condenação de todos os arguidos pela prática do crime de fraude fiscal.»; pese embora a sua total utilidade prática, como se verá infra estará ferida de inutilidade face à absolvição dos referidos arguidos AJV, LVD e RBM.
Na verdade, aqui se impõe que se encare o pedido cível deduzido pelo Estado Português contra o demandado JVP, uma vez que é quid trazido às conclusões recursórias deste arguido e se impõe a apreciação da condição da suspensão da execução da pena de prisão de suspensão da execução da pena de prisão suscitada pelo recurso do Ministério Público.
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A PENA DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
O tribunal a quo quanto ao quantum da pena aplicada ao arguido/recorrente JVP e à pena de substituição de execução da pena fundamentou do seguinte modo (em transcrição parcial):
«Todos os arguidos [entre eles está o  que ora importa JVP] têm a seu favor a circunstância dos factos terem sido cometidos já há cerca de dez anos sem que, posteriormente à respetiva prática, tenha havido qualquer censura penal a registar nos seus CRC’s.
«O Tribunal não é insensível também ao facto de a censura ético penal no que respeita aos crimes em apreço ser, à data, ainda pouco significativa por reporte ao presente momento, saída que era de um estádio quase embrionário de criminalização.
«Com efeito, o crime de fraude fiscal foi muito tempo um delito com o qual a tecitura social conviveu com parcos escrúpulos ético-penais. (…)»
«Os arguidos são pessoas familiar, social e profissionalmente integradas e consideradas nos meios em que se movem.»
«No que tange em particular ao arguido JVP, releva outrossim ter colocado em mãos de terceiros a negociação relativa ao contrato, ter sido instruído para abrir a conta e não ser ele quem de forma direta organizava a sua contabilidade.»
«Por outro lado, importa considerar que os arguidos têm a seu desfavor a intensidade do dolo, que foi direto; e, bem assim, não terem assumido a sua responsabilidade criminal, não revelando a consciência do desvalor da conduta nem arrependimento.»
«Tudo ponderado, designadamente as circunstâncias que militam a favor e contra os arguidos, bem como critérios de equanimidade, entende o Tribunal adequado situar as penas concretas a aplicar abaixo do seu limiar médio, afigurando-se justa e proporcional a pena:
«- de um ano e seis meses de prisão pelo crime de fraude fiscal qualificada ao arguido JVP; (…)»
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«(…) Da suspensão da execução da pena de prisão»
«Nos termos do disposto no art. 50.º do CP, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma suficiente as finalidades da punição.»
«Como bem escreveram Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, em anotação ao art. 50.º, “o Código traça, confessadamente, um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização, objectivo que a existência da própria prisão parece comprometer”.
«E na esteira de Jescheck acrescentam que “na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que este sentirá a sua advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime”.
«Ora, tendo sido aplicada aos arguidos penas inferiores aos cinco anos de prisão, há que refletir sobre a aplicabilidade do instituto da suspensão aos casos sub judice. Não se olvida nesta sede que à data da prática dos factos o prazo de suspensão a que alude o disposto no art. 50.º do CP era de três anos. Tal alteração, como adiante se referirá, não é irrelevante para todos os arguidos.»
«No caso que nos ocupa, tendemos, sem hesitações, a exercer juízos de prognose favorável relativamente a todos os arguidos, crendo que a mera ameaça da pena de prisão constitui advertência bastante e adequada às necessidades de prevenção que o caso requer. Será, pois, de aplicar o instituto da suspensão da pena de prisão.»
«O referido regime deve, nos termos legais, ser complementado pela imposição de deveres – como seja a obrigação de pagamento de indemnização ou de determinada quantia – tendo em vista reparar o mal do crime, ou por regras de conduta destinadas a promover a reintegração social do agente (arts. 51º n.º 1 e 52º n.º 1, do Cód. Penal).»
«Dito de outra forma e citando o Ac. do STJ de 13.3.2008, Proc. n.º 07P3204, rel. Souto de Moura, in www.dgsi.pt. “na suspensão condicional da pena, o que se pune é o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com apelo à própria vontade do condenado para se reintegrar na sociedade sob a ameaça de execução futura dessa mesma pena.”»
«Em particular, no que aos crimes fiscais concerne, dita o art. 14.º do RGIT que “A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.” (…)»
«Nos presentes autos, apurou-se que a vantagem patrimonial obtida em consequência dos factos delituosos foi no montante de 678 490, 23 €.
«Não se olvida que o arguido JVP, ao abrigo do RERT, pagou ao Estado imposto devido por força dessa regularização, que importará deduzir à mencionada quantia, em sede de pedido de indemnização civil, como adiante melhor se esclarecerá.»
«Assim, a suspensão da execução da pena aplicada a cada um dos arguidos deverá ficar condicionada ao pagamento da quantia de 169 622, 56 € (correspondente à proporção de ¼ do prejuízo causado) e respectivos acréscimos legais.»
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Subscrevemos os pressupostos da suspensão da execução da pena acima enunciados a que se reporta o art 50.º do Código Penal e o art 14.º do R.G.I.T.
Contudo, cabe aqui frisar que na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da medida concreta da pena de prisão –, não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção. Isto significa que não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (art. 71.º do Código Penal) a partir da ideia de que uma finalidade de prevenção – e essa é a da prevenção especial – deve estar na base da escolha da pena pelo tribunal, sendo igualmente uma finalidade de prevenção, agora geral, no seu grau mínimo, a única que pode (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial.
Nos termos do disposto no art. 50.º, nº 1, do Código Penal (na redação de 2007), o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em pena em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.
A pena de suspensão da execução da pena de prisão só pode e deve ser aplicada se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o Tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 50.º, n.º 1, do Código Penal.
O aludido art. 50.º do Código Penal consagra um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos.
Esta é, como observa Maia Gonçalves ([cxxxv]), “(…) uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico (…)”, cujo pressuposto material consiste, no dizer de Paulo Pinto de Albuquerque ([cxxxvi]) na “(…) adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial (…)”, pelo que, prossegue, “(…) não pode o tribunal afastar a suspensão da execução da pena de prisão com base em considerações assentes na culpa grave do arguido”.
Para esse efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição; este juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização (em liberdade) do arguido.
O Tribunal deverá correr um “risco prudente”, uma vez que, como sugestivamente já há muito anotaram Leal-Henriques e Simas Santos ([cxxxvii]) “(…) esperança não é seguramente certeza (…)”, mas, subsistindo dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, então, deverá a prognose ser negativa.
Ora, o Tribunal, só deve optar pela suspensão da execução da pena quando formalmente seja admitido por lei e existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.
Esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjetiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso ([cxxxviii]).
De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não inviabilize propósitos de prevenção especial, e deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado; por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. A suspensão não poderá ser vista pela comunidade como um “perdão judicial”.
A aposta que a opção pela suspensão há de fundar-se num conjunto de indicadores que a própria lei adianta: personalidade do agente, condições da sua vida conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste.
Com efeito, nos termos do disposto no art. 50.º, n.º 1, do Código Penal, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.
Perante o seu comportamento anterior à data da prática dos factos aqui em apreço, temos que concluir como bem fez o Tribunal a quo neste segmento que o arguido/recorrente se mostra merecedor de um juízo de prognose favorável, o qual diga-se em abono da verdade, não põe em crise o recorrente Ministério Público apenas discordando da condição imposta.
E na verdade, no caso em apreço ex vi do art. 14.º do R.G.I.T. a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido JVP de 1 (um) ano e 8 (oito) meses como autor de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do R.G.I.T, é sempre condicionada ao pagamento em prazo a fixar até ao limite dos cinco anos subsequentes à condenação da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios individualmente obtidos.
No que respeita ao arguido JVP é-lhe mais favorável o regime cuja suspensão prevê penas até três anos de prisão, com a possibilidade de suspensão até cinco anos. Afigura-se-nos pois ser de lhe aplicar este regime, uma vez que lhe possibilita alargar o prazo para o pagamento. Assim a sua condenação de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão fica suspensa na sua execução por 4 (quatro) anos, com imposição do pagamento dentro deste período do montante de €508.867.61 acrescida de juros civis, à taxa legal por referências às quantias e datas a discriminar infra.
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DO PEDIDO CÍVEL
O Estado Português, representado pelo Ministério Público, deduziu contra o arguido/demandado JVP pedido de indemnização civil no montante de €678.490,23, acrescido de juros de mora até integral pagamento relativo aos prejuízos sofridos nos anos de 2000, 2001 e 2002.
De harmonia com o disposto no  art. 129.º do Código Penal a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
Assim de acordo com o disposto no art. 483.º, aquele que violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
In casu face à materialidade fáctica provada e acima fixada mostram-se verificados os pressupostos geradores da responsabilidade civil por facto ilícito, a saber: o agente – o arguido demandado -, o facto – omissão da declaração dos rendimentos auferidos -, a culpa – a consciência por parte do agente de estar a ofender o direito do lesado, e o dano, ou seja o prejuízo – o valor ainda não pago, e o nexo de causalidade entre a lesão e o dano – foi por ter omitido as referidas quantias que o demandante sofreu o prejuízo.
Na decisão impugnada a este respeito deixou-se expresso o seguinte (em transcrição parcial):
«a) Da inadmissibilidade do pedido
«Alega o arguido que deveria o Tribunal ter dado cumprimento ao disposto no art. 280.º do CC, ex vi art. 4.º do CPP, comunicando à administração fiscal “o pressuposto tributário da conduta ilícita indiciariamente imputada ao jogador”.
Com o devido respeito, não se vislumbra a bondade de tal argumento. Vejamos porquê.
«Nos termos do art. 71.º do CPP deve o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime ser deduzido no âmbito do processo penal em que se aprecia a responsabilidade criminal emergente da infração cometida.»
«Vejam-se, por todos, o Ac. STJ, de 26.01.2005, Proc. n.º 3025/04 - 3.ª Secção,
rel. Armindo Monteiro, in Sumários ACSTJ: “(…)V - O MP, em representação do Estado, fez o que a lei impõe, de acordo com o princípio da adesão configurado no art. 71.º do CPP, pois, perante o processo crime, interpôs uma acção conexa com a criminal a exigir o pagamento de uma indemnização fundada na prática dos crimes de abuso de confiança fiscal e de fraude fiscal, articulando que com a conduta descrita na acusação os arguidos locupletaram-se ilegitimamente, em prejuízo do Estado, com a quantia total de 868.533,41 €. VI - O tribunal criminal tem competência em razão da matéria para julgar essa acção, a qual nada tem a ver com outro eventual processo que exista ou venha a existir destinado ao apuramento dos impostos em dívida, cuja quantia final poderá ser igual ou diferente da fixada na acção indemnizatória, fazendo-se depois as necessárias compensações.”
«E, no mesmo sentido, o Ac. TRP, 30.9.2009, Francisco Marcolino, “I. Pelos danos causados pelos crimes tributários respondem os agentes do crime, não nos termos da Lei Geral Tributária, mas nos termos da lei civil.”, in www.dgsi.pt.»
«(…) Da prescrição do direito de indemnização
Veio também o arguido alegar que em “razão do princípio da adesão o regime da prescrição do direito de indemnização previsto no art. 498.º do CC seria o aplicável, considerando-se o prazo prescricional de 5 anos – art. 498.º, n.º 3, do CC e art. 21.º do RGIT.
«Também quanto a esta matéria não se pode acompanhar o arguido demandado.»
«Com efeito, dita o disposto no art. 306.º, n.º 1 do CC: “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se porém, o beneficiário só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse prazo se inicia o prazo da prescrição”. Ora, no caso, o direito só pôde ser exercido uma vez terminada a investigação, com a dedução da acusação.»
«Ademais, importa referir que o prazo se interrompe pela citação ou notificação de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertença e ainda que o tribunal seja o incompetente – art. 323.º, n.º 1 do CC. É equiparado à citação ou à notificação, para este efeito, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido, nos termos do n.º 4 do referido normativo legal.»
«A jurisprudência tem decidido sem sobressaltos e de forma, ao que julgamos saber, harmoniosa, que a pendência de processo-crime interrompe a prescrição: enquanto se mantiver pendente, ainda que em sede de inquérito, não pode ocorrer a contagem do prazo prescricional, como que representando uma interrupção contínua ou continuada do prazo de prescrição do direito à indemnização contra o civilmente responsável, quer o pedido civil possa, quer não possa, ser deduzido em separado.»
«“(…) sendo de natureza pública o crime, deve considerar-se, com a sua notícia, imediatamente impedido ex lege o início do prazo de prescrição por estarem franqueadas para o lesado não só o exercício da acção civil em conjunto com a acção penal como ainda a faculdade de exercício da acção cível em separado com o aproveitamento de todas as faculdades consideradas no art. 72.º do CPP, não carecendo o lesado de exprimir, como sucede quando a acção penal depende de queixa, uma intenção do direito à indemnização que não pode deixar de se presumir (art. 323/1 e 350/1 do CC. Deve, por conseguinte, pendente inquérito por crime público (…) aguardar-se o desfecho do inquérito e só então se iniciando (com o arquivamento ou com a acusação) o prazo de prescrição a que alude o artigo 498.º do CC, considerando que só a partir desse momento o lesado tem encerradas ou definitivamente abertas as portas para o exercício da acção civil em conjunto com a acção penal (…). Iniciado o processo crime antes do decurso do prazo de prescrição do mesmo, ficou impedido (306/1 do CC) o início do decurso do prazo de prescrição do direito à indemnização pelos danos decorrentes da prática do crime, prazo que só se inicia com a dedução da acusação, pelo que, no caso, à data da dedução do pedido cível não estava decorrido o prazo de cinco anos de prescrição, pois que a acusação tinha sido pouco antes”. – Ac. STJ 3.12.2009, Proc. 73/99.7TAVIS.C1.S1; Ac. STJ de 16.1.2003 e de 22.1.2004, in www.dgsi.pt. ; Ac. STJ de 27.1.2005 e de 31.1.2007, in CJ STJ, Anos XIII, I, p. 97 e ss, e XV, p. 5, 54 e 55, apud Ac. STJ 27.4.2011, Proc. 712/00.9JF LSB.L1.S1, rel. Pires da Graça.»
«No caso dos autos, o arguido entregou a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2000 em 17.10.2002. O procedimento criminal teve o seu início em 3.1.2005. Ou seja, ainda que se considere o ano de 2001 como o da obrigatoriedade de entrega da declaração relativa ao ano transato de 2000, nos termos e prazos legais, aquando do início do procedimento, que o interrompeu, o prazo de prescrição de cinco anos ainda não tinha decorrido.»
«Da ilegitimidade do demandado
«Alega ainda o arguido que é parte ilegítima no enxerto cível, uma vez que não se encontra nos autos a S SAD que é substituta na obrigação tributária, a qual passou, por essa via, a ser verdadeiramente o sujeito passivo do imposto devido.
«Ora, a "substituição tributária" com a figura do devedor principal e do devedor subsidiário releva apenas no âmbito do direito fiscal. Consiste, para o que ora releva, na obrigação de a entidade patronal entregar à Fazenda Pública o IRS dos trabalhadores dependentes, por força do disposto nos arts 103.º, nº 1 e 21.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, a qual, como substituta, é considerada para todos os efeitos legais como devedora principal do referido imposto, nos termos do preceituado no art. 21.º do citado Código. Portanto, a entidade patronal é a devedora perante o Fisco e o trabalhador só subsidiariamente responde.
«Como já acima se referiu, na esteira do que é a doutrina e jurisprudência comummente aceites, o pedido que ora se cuida decorre de factos ilícitos e não consubstancia, de per se, o pedido de pagamento da obrigação tributária, próprio do processo tributário, embora com ela possa coincidir por consubstanciar o prejuízo que o demandante sofreu.»
«Estamos, repete-se, no âmbito do direito civil. E, nesta sede, o que se verifica é que se alguém paga uma dívida que emerge de um facto tributário relativo a outrem e que deveria ser este a pagar, tal circunstância consequencia que, na esfera das relações internas entre substituto e substituído, os princípios jurídicos aplicáveis são os constantes do direito civil, designadamente um eventual direito de regresso.»
(…)
Veja-se, neste sentido, mutatis mutandis, o Ac. do TRP, Élia São Pedroso, 23.2.2011: “V - Todos os agentes do crime (sociedade e gerentes) são solidariamente responsáveis pelos danos causados [artigo 497.º, do Código Civil, aplicável por força do artigo 129.º, do Código Penal]. V - Não se aplica o regime da responsabilidade subsidiária, a que aludem os artigos 23.º e 24.º, da LGT, uma vez que estamos perante um pedido de indemnização originado na prática de um facto ilícito, culposo e gerador de danos, cujos pressupostos e regime são regulados na lei civil” in www.dgsi.pt.»
«(…) Do enriquecimento ilegítimo do Estado
«Por fim, alega o demandado que o pedido é inadmissível por representar uma autêntica duplicação de coleta sobre distintos sujeitos, com referência a um mesmo devedor – a S SAD que se substituiu ao jogador na obrigação tributária. No mais, invoca não ter cometido qualquer facto ilícito, não sendo, por isso, devida qualquer indemnização.»
«No que tange à alegação da figura da substituição tributária, já acima se deixaram exaradas as razões que ditam que o Tribunal a não colha.»
«A conduta ilícita do arguido ficou plasmada na matéria assente e a sua responsabilidade civil funda-se no facto ilícito praticado.»
«Desta feita, tem de proceder o pedido, não nos exatos termos formulados, mas considerando, a favor do arguido, o que já foi entregue quando lançou mão do RERT para aí, sim, que não haja enriquecimento ilegítimo do Estado.»
«Ora, teve-se por assente com a conduta ilícita os arguidos [do arguido JVP] obstaram a que a Fazenda Pública recebesse um total de 678 490, 23 €, por força do imposto devido pelo arguido JVP relativo aos anos de 2000, 2001 e 2002.»
«O arguido pagou ao abrigo do RERT a quantia de 5% relativa, além do mais, ao montante recebido pelo prémio de assinatura, que se teve por assente ter sido 3.392. 451,17€, o que perfaz proporcionalmente a quantia de 169 622, 56 €. Impõe-se, pois, deduzir aos referidos 678 490, 23 € este montante já pago, computando-se o prejuízo da Fazenda Nacional em 508 867, 61 €.
«O pedido procede neste montante, sendo devidos juros civis, à taxa legal:
- por referência à quantia de 418 990,23€, relativa ao IRS de 2000, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30.12.2005;
- por referência à quantia de 209 500 €, relativa ao IRS de 2001, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30.12.2005;
- por referência à quantia de 50 000 €, relativa ao IRS de 2002, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30.12.2005;
- por referência à quantia de 508 867, 61 € desde 31.12.2005 e até integral pagamento.
«Destarte, a quantia que se encontra apreendida à ordem dos autos será afeta à satisfação do crédito do Estado decorrente do presente pedido de indemnização civil.»

*
Por ancorados na lei subscrevemos os considerandos aqui transcritos apenas aplicáveis à pessoa do único demandado JVP.
Contudo sempre diremos em síntese face ao novamente trazido à colação pelo arguido JVP da problemática do pedido cível, resumidamente, o seguinte:

RELEVÂNCIA DO RERT PARA O QUANTUM DA INDEMNIZAÇÃO
O arguido JVP aduz que a utilização deste mecanismo o libera de quaisquer pagamentos ao Estado.
Com o devido respeito por opinião em contrário não tem razão quanto a este segmento o arguido/recorrente JVP, pelos fundamentos vazados na decisão impugnada e já acima no seu núcleo duro transcritos.
É certo que a utilização deste mecanismo tem importância para a determinação do quantum indemnizatório, a fim de não se entregar ao Estado Português quantia superior à do dano causado.
In casu o arguido JVP apresentou no final do inquérito alguns documentos relativos ao RERT, que foram levados ao texto da pronúncia.
Contudo, dos mesmos não se extrai se os ativos declarados em 30DEZ2005 no âmbito do RERT correspondiam aos pagamentos recebidos a título de prémio de assinatura.
O arguido JVP apresentou novos documentos sobre a mesma matéria durante a instrução, mantendo-se, não obstante, a mesma dúvida.
Contudo, esta dúvida mostra-se solucionada no sentido sempre reclamado pelo arguido/recorrente JVP: os ativos que o arguido JVP declarou no âmbito do RERT continham as quantias recebidas a título do prémio de assinatura.
Assim sendo, os pagamentos levados a efeito no âmbito do RERT, agora que o circuito financeiro do prémio de assinatura se fechou, têm de ser tidos em conta.
Ora, no âmbito do RERT, o arguido regularizou ativos no valor de €5.859. 468,80. E pagou 5% daqueles ativos, nos termos do disposto nos arts. 2.º, n.º 2, alínea b) e 5.º, n.º 6 e n.º 7 da Lei n.º 39-A/05, de 29JUL., o que importou em €292.973,43.
Estando pois contida naqueles ativos a quantia de €3.392.451,17, recebida a título de prémio de assinatura do contrato de trabalho desportivo, concluir que o arguido JVP pese embora através de terceiros, subsistindo a obrigação tributária, não estando excluída a consequente responsabilidade criminal, satisfez 5% do imposto devido ao Estado, relativamente à quantia de €3.392.451,17, ou seja, €.169.622,56
Assim, descontando a quantia de €169.622,56 à quantia com a qual o arguido JVP se locupletou  €678.490,23 - obtém-se o valor de €508.867,67.
Deste modo facilmente se enxerga que apesar de a regularização tributária em causa não extinguir as obrigações tributárias exigíveis e não excluir a respetiva responsabilidade penal do arguido JVP, tal não significa, contudo, que os montantes pagos não sejam imputados à satisfação do crédito tributário do Estado Português.
Assim sendo, como é, €508.867,67 é o valor do dano a ressarcir em sede do pedido de indemnização civil, tal como bem considerou a decisão impugnada.

***
Assim a suspensão da execução da pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses imposta ao arguido JVP, como autor de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos arts. 103.º, n.º 1 alínea b) e 104.º, n.º2 do R.G.I.T. será suspensa pelo período de 4 (quatro) anos, condicionada ao pagamento dentro desse prazo da quantia de €508.867,61, acrescida de juros civis, à taxa legal:
— Por referência à quantia de €418.990,23, relativa ao IRS de 2000, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30DEZ2005;
— Por referência à quantia de €209 500, relativa ao IRS de 2001, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30DEZ2005;
— Por referência à quantia de €50 000,00, relativa ao IRS de 2002, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30DEZ2005;
— Por referência à quantia de €508.867,61 desde 31EZ2005 e até integral pagamento.

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Por tudo que exposto fica, os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelos arguidos AJV, LVD e RBM, vão a bom porto.
Por sua vez, naufraga in totum o recurso do arguido JVP.

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3. DISPOSITIVO

   Perante tudo o que dito fica, acordam os Juízes que compõem a 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
§ Em dar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida no segmento impugnado em que “manda entregar ao arguido JVP a quantia que remanescer ao valor de €678.490,23 e acréscimos legais, valor que corresponde à prestação tributária cujo pagamento foi omitido e que deu origem à condenação de todos os arguidos pela prática do crime de fraude fiscal.»
§ Em julgar providos os recursos dos arguidos AJV; LVD; e RBM e, consequentemente, revoga-se a decisão final impugnada datada de 12SET2012 que se substitui pelo presente Acórdão que decide do seguinte modo:
§ Absolve o arguido AJV da prática entre Julho de 2000 e 14MAR2003, de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do R.G.I.T.;
§ Absolve o arguido AJV da prática entre 06MAR2002 e 11MAR2002 de 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punível pelo art. 368.º-A do Código Penal, aplicável ex vi do art. 2.º, n.º 4 do mesmo Corpo de Leis, e art. 2.º, n.º 1, alínea a) e n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 325/95 de 02DEZ., na redação da Lei n.º 10/02 de 11FEV..
§ Considera prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas por este arguido AJV, na sua motivação recursória.
§ Julga improvido o recurso interposto pelos arguidos LVD; e RBM do despacho de fls. 3657-3661 (volume 14.º). 
§ Absolve o arguido LVD da prática, entre julho de 2000 e 14MAR2003, de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do R.G.I.T.
§ Absolve o arguido RBM da prática, entre julho de 2000 e 14MAR2003, de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do R.G.I.T.
§ Considera prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas por estes arguidos LVD; e RBM, na sua motivação recursória conjunta.
§ Julga totalmente improvido o recurso interposto pelo arguido JVP, e, consequentemente, no seguimento do provimento do recurso interposto pelo Ministério Público acima referido, condena-se o arguido JVP, pela prática, entre Julho de 2000 e 14MAR2003, de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do R.G.I.T, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
§ Substitui-se esta pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses pela pena de suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 4 (quatro) anos, condicionada ao pagamento pelo arguido/demandado JVP dentro desse prazo da quantia de €508.867,61 (quinhentos e oito mil oitocentos e sessenta e sete euros e sessenta e um cêntimos), acrescida de juros civis, à taxa legal:
§ — Por referência à quantia de €418.990,23, relativa ao IRS de 2000, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30DEZ2005;
§ — Por referência à quantia de €209 500, relativa ao IRS de 2001, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30DEZ2005;
§ — Por referência à quantia de €50 000,00, relativa ao IRS de 2002, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30DEZ2005;
§ — Por referência à quantia de €508.867,61 desde 31EZ2005 e até integral pagamento.
§ Julga-se o pedido de indemnização formulado pelo Estado Português parcialmente procedente por provado e, consequentemente, condena-se o demandado JVP no pagamento da quantia de €508.867,61 (quinhentos e oito mil oitocentos e sessenta e sete euros e sessenta e um cêntimos), acrescida de juros civis, à taxa legal:
§ — Por referência à quantia de €418.990,23, relativa ao IRS de 2000, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30DEZ2005;
§ — Por referência à quantia de €209 500, relativa ao IRS de 2001, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30DEZ2005;
§ — Por referência à quantia de €50 000,00, relativa ao IRS de 2002, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respetiva liquidação e até 30DEZ2005;
§ — Por referência à quantia de €508.867,61 desde 31EZ2005 e até integral pagamento.
§ Em quanto ao mais manter a decisão final impugnada datada de 10SET2012 (cf. fls. 4676-4770 – volume 16.º).
§ Em condenar o arguido/recorrente JVP no pagamento de 5 Uc de taxa de justiça e nos encargos a que deu causa (arts. 513.º, n.º 1 e 514.º, ambos do Código de Processo Penal).
§ Em condenar o demandando JVP nas custas do pedido cível na proporção do respetivo decaimento.
*
                                                                                       Lisboa, 18JUL2013

                                                                              Rui Gonçalves
                                                                              Conceição Gonçalves


([i]) Neste sentido, que é jurisprudência uniforme, entre outros, decidiram os Acs. do S.T.J. de 17MAI2007 (Santos Carvalho), Proc. n.º 071397, de 23MAI2007 (Henriques Gaspar), Proc. n.º 07P1498, de 14MAR2007 (Santos Cabral), Proc. 07P21, e de 15MAR2007 (Pereira Madeira), Proc. n.º07P610).
([ii]) Proc. n.º 46580/3.ª, DR, I Série, de 28DEZ, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/892dcf77a366868a8025742f005086d2?OpenDocument.
([iii]) Vide MONTEIRO, Cristina Líbano, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, Coimbra, 1997, p. 13.
([iv]) Cf. GONÇALVES, Manuel Maia, in Código de Processo Penal Anotado, 12.ª ed., 2001, p. 339, com cit. de A. dos Reis, C. de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira.
([v]) In Jornadas de Direito Processual Penal p. 228.
([vi]) Para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal ver por todos: Ricci Bitti/Bruna Zani, A comunicação como processo social, editorial Estampa, Lisboa, 1997.
([vii]) Cf. RIBEIRO, Lair, Comunicação Global, Lisboa, 1998, p. 14.
([viii]) Ver Ac. de 14JAN1994, do 2º Juízo Criminal de Lx.ª, Proc. 363/93, 1ª Sec., in Sub Judice n.º 6-91.
([ix]) In www. Terra vista. pt. Bilene/2850 /00197ti.html.
([x]) In Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3ª ed., p. 12.
([xi]) Psicologia do testemunho", in Scientia Iuridica, p. 337.
([xii]) In La prova penal, 3.ª ed., Cedam, Pádua, p. 9.
([xiii]) La prova penale, 4.ª edizione, Appendice di aggiornamento al settembre 2001, edição da Cedam, em 2001. p. 48.  “O conflito entre acusação e defesa não pode ser solucionado com base num acto de fé”. (tradução do italiano operada pelo Relator). Como aconteceria se se dissesse: o facto é verídico porque, de outro modo, o Ministério Público não teria formulado acusação e o Juiz de Instrução Criminal não teria pronunciado.
([xiv]) Cf. arts. 1.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa.
([xv]) In La actividad probatoria en el proceso penal español, Ectros de Estudios Judiciales – Col. Curos, vol. 12, Ministerio de Justicia, Madrid, 1993, p.101.
([xvi]) In ob. cit. p. 10.
([xvii]) Ob. cit. p. 49. «induzir o juiz ao convencimento de que o fato histórico aconteceu de um determinado modo. O facto histórico deve ser “representado” ao juiz por meio de outros factos. A prova é, nesse sentido, o procedimento lógico por meio do qual a partir de um facto conhecido deduz-se a existência do facto histórico a ser provado e suas circunstâncias». (tradução do italiano pelo Relator).
([xviii]) MALATESTA, Nicola Framarino dei, A lógica das provas em matéria criminal, Trad. Alexandre Augusto Correia, São Paulo: Saraiva, 1960. v. I, p. 22. 
([xix]) CARRARA, Francesco, Programa del curso de derecho criminal, dictado en la Real Universidad de Pisa. Trad. Sebastian Soler. Buenos Aires, Depalma, 1944, v.II, p. 291. 
([xx]) In Comentário ao Código de Processo Civil, p. 434.
([xxi]) Cf. SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, vol. II, pp. 126-127.
([xxii]) In Tratattado de Processo Civile, p. 260.
([xxiii]) Cf. Neste sentido DIAS, J. Figueiredo, in Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-1989, p. 160.
([xxiv]) NOBILI, Massimo, in Il principio del Convincimento del Giudice, Giuffrè Editore, Milano, 1974, p. 284.
([xxv]) Tradução do italiano levada a efeito pelo relator.
([xxvi]) Vide TONINI, Paolo, in La Prova penale, CEDAM, Padova, 2000, p. 35.
([xxvii]) In ob. cit. loc. cit.. 
([xxviii]) In El Convencimiento Privado del Juez, citado por Carlos Climent Durán, en La prueba penal Tomo I, 2ª edición, Tirant lo Blanch, p. 35. 
([xxix]) Vide neste sentido CLIMENT DURÁN, Carlos, in La Prueba Penal, Tomo I, 2ª edición, Tirant lo Blanch, p. 85.
([xxx]) Vide CLIMENT DURÁN, Carlos, ob. cit. p. 86.
([xxxi]) Cf. neste sentido Ac. do S.T.J. de 01JUL1993, Proc. n.º43022/3.ª
([xxxii]) Cf. neste sentido Ac. do S.T.J. de 12OUT2000, Proc. n.º2003/00-5.
([xxxiii]) Cf. Ac. do S.T.J. de 22MAR2006 (Silva Flor)- Proc. n.º 475/06 - 3.ª Secção.
([xxxiv]) Cf. Ac. do S.T.J. de 06ABR2006 (Rodrigues da Costa) - Proc. n.º 362/06 - 5.ª Secção.
([xxxv]) Vide Ac. do S.T.J. de 20ABR2006 (Rodrigues da Costa)- Proc. n.º 363/06 - 5.ª Secção.
([xxxvi]) Cf. Ac. do S.T.J. de 01JUN2006 (Pereira Madeira) - Proc. n.º 1614/06 - 5.ª Secção.
([xxxvii]) Ac. do S.T.J. 08JUN2006 (Simas Santos) - Proc. n.º 1923/06 - 5.ª Secção.
([xxxviii]) Cf. neste sentido o Ac. STJ de 29FEV1996 (Sousa Guedes), Proc. n.º 048391, disponível no site da DGSI.
([xxxix]) Vide neste sentido Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª Ed., 2002, Rei dos Livros, p. 62.
([xl]) Vide Ac. STJ de 15JAN2004 in www.dgsi.pt.
([xli]) Cf. Ac. do STJ de 08FEV1996, Proc. n.º 48015.
([xlii]) Cf. Ac. STJ de 08MAI1996, A.J. n.º 19, Proc. n.º 41824.
([xliii]) Cf. SANTOS, Simas e HENRIQUES, Leal, in Recursos em Processo Penal, 5.ª ed., 2002, Ed. Rei dos Livros, p. 63.
([xliv]) Cf. SANTOS, Simas e HENRIQUES, Leal, Recursos em processo penal, 6.ªed. 2007, Editora Rei dos Livros, pp. 71 e 72.
([xlv]) Cf. SANTOS, Simas e HENRIQUES, Leal, Código de Processo Penal Anotado, 2.º vol., 2000, Ed. Rei dos Livros, p. 739.
([xlvi]) Cf. em matéria Cível REIS, Alberto dos, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5.º, p. 141 e VARELA, Antunes e outros, in Manual de Processo Civil, 1.ª Edição p. 671.
([xlvi]) Cf. Ac. do S.T.J. de 22MAR2006 (Silva Flor) - Proc. n.º 475/06 - 3.ª Secção.
([xlvii]) In ob. cit., pp. 65, 66 e 67.
([xlviii]) In ob. cit. p. 67.
([xlix]) Cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs do 115/1996 e 464/1997, 248/2009.
([l]) Cf. neste sentido Ac. do TRP de 05ABR2006 (Jorge Jacob), proc. n.º 0542276, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/1bcec505c071b0568025715d003be90e?OpenDocument; Ac. do TRC de 25MAR2009 (Jorge Gonçalves), proc. n.º 97/04.4IDCBR.C1, disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/1179cd5cfcdc6fee802575980056176f?OpenDocument.
([li]) Cf. BUCHO, Cruz, Notas Sobre o Princípio "In Dubio Pro Reo ", Centro de Estudos Judiciários, 1998, p.49.
([lii]) Na redação da Lei n.º 11/2004 de 27MAR.,  que por sua vez foi revogada pela Lei n.º 25/2008, de 05 de junho, que não modificou o artigo adicionado ao Código Penal.
([liii]) Ver GODINHO, Jorge Fernandes, Do Crime de “Branqueamento” de Capitais. Introdução e Tipicidade, Almedina, 2001, p. 40, BRANDÃO, Nuno, Branqueamento de Capitais: O Sistema Comunitário de Prevenção, Coimbra Editora, 2002, p. 16, realçando ser o branqueamento de capitais “o lado negro do processo de globalização” e MARTINS, A. G. Lourenço, “Branqueamento de Capitais: Contramedida e nível internacional e Nacional”, in RPCC ano 9.º, fasc. 3.º (Julho-Setembro 1999), p. 451, acrescentando que “o branqueamento seria uma recetação específica em que a finalidade primeira é encobrir ou dissimular a origem ilícita do capital e não a de conseguir um lucro ilegítimo patrimonial característico da recetação”.
([liv]) Na altura em que o crime, então designado de “branqueamento de capitais”, era previsto no art. 23.º do Decreto-Lei n.º15/93 de 22JAN, discutia-se se o bem jurídico protegido era, nomeadamente, o mesmo que o do tráfico de estupefacientes, se era antes o “património”, ou se era a “concorrência”, ou a “circulação de bens” ou a “administração da justiça”. 
([lv]) GODINHO, Jorge Fernandes, ob. cit., p. 143.
([lvi]) CAEIRO, Pedro, “A Decisão-Quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001, e a Relação entre a punição do branqueamento e o facto precedente: necessidade e oportunidade de uma reforma legislativa, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 1086. 
([lvii]) Trata-se da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, assinada em Viena, em 20DEZ1988, aprovada para ratificação por Resolução da Assembleia da República nº 29/91 (publicada no DR I Série de 06SET1991) e ratificada por Decreto do Presidente da República nº 45/91 de 06SET.
([lviii]) Trata-se da Convenção Relativa ao Branqueamento, Deteção, Apreensão e Perda dos Produtos do crime, do Conselho da Europa, assinada em Estrasburgo, em 08NOV1990, aprovada para ratificação por Resolução da Assembleia da República nº 70/97 (publicada no DR I Série de 13DEZ1997) e ratificada por Decreto do Presidente da República nº 73/97 de 13DEZ. 
([lix]) Diretiva 2001/97/CE publicada no JO L 344 de 28DEZ2001, pp. 76-82, que altera a Diretiva 91/308/CEE do Conselho relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais - Declaração da Comissão, publicada no JO L 166 de 28JUN1991, pp. 77-83. Sobre a mesma matéria ver, ainda, Decisão-Quadro do Conselho de 26JUN2001, relativa ao branqueamento de capitais, identificação, deteção, congelamento ou apreensão e perda dos instrumentos e produtos do crime, publicada no JO L 182 de 05JUL2001, p. 1 e Ação Comum 98/699/JAI de 03DEZ1998 adotada pelo Conselho com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa ao branqueamento de capitais, identificação, deteção, congelamento, apreensão e perda dos instrumentos e produtos do crime, publicada no JOCE L 333 de 09DEZ1998, pp. 1-3. Cf., ainda, com interesse, o segundo relatório da Comissão com base no art. 6.º da Decisão-Quadro do Conselho de 26JUN2001, Bruxelas, 21FEV2006, COM (2006) 72 final.
([lx]) Também, segundo o art. 1-b) da Convenção Relativa ao Branqueamento, Deteção, Apreensão e Perda dos Produtos do crime, do Conselho da Europa (1990) a expressão “«Bem» compreende um bem de qualquer natureza, quer seja corpóreo ou incorpóreo, móvel ou imóvel, bem como atos jurídicos ou documentos certificando um título ou um direito sobre o bem”. Igualmente a Diretiva 2001/97/CE define (artigo 1-D) “bens” como “ativos de qualquer espécie, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, bem como documentos legais ou outros instrumentos comprovativos da propriedade desses activos ou dos direitos a eles relativos”. 
([lxi]) Assim, COSTA, José Faria, “O Branqueamento de Capitais (Algumas reflexões à luz do Direito Penal e da Política Criminal)”, in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Vol. II, Coimbra Editora, 1999, p. 303.
([lxii]) MARTINS, A. G. Lourenço, ob. cit., p. 455. Acrescenta o mesmo Autor que a “regra cardeal consiste em aproximar o dinheiro o mais possível das transações legais. E quanto mais o dinheiro sujo penetra no sistema mais difícil se torna identificar a sua origem”.
([lxiii]) Neste sentido, PINHEIRO, Luís Goes, “O branqueamento de capitais e a globalização (facilidades na reciclagem, obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal”, in RPCC ano 12º, fasc. 4º (Outubro-Dezembro 2002), p. 608.
([lxiv]) CANAS, Vitalino, O Crime de Branqueamento: Regime de Prevenção e Repressão, Almedina, 2004, p. 158.
([lxv]) CANAS, Vitalino, ob. cit., p. 159.
([lxvi]) Ibidem.
([lxvii]) CANAS, Vitalino, ob. cit., pp. 159-160.
([lxviii]) DUARTE Jorge Dias, Branqueamento de Capitais, O regime do DL 15/93, de 22JAN., e a normativa internacional, P.U.C., Porto, 2002, p. 130, considera que o conceito de «conversão» “englobará todas as operações de transformação dos bens gerados diretamente pelo crime-base ou adquiridos em resultado da respetiva prática em bens de outra natureza ou tipo. E, mais à frente (ob. cit., p. 131), adianta que a operação de conversão “surge como elemento preponderante nas diversas fases de branqueamento (mas principalmente na sua fase inicial), pois, se bem-sucedida, conduz à «legitimação» do bem convertido, que assim passa a ser ou, pelo menos, a ter a aparência de um bem lícito, desta forma passando mesmo a beneficiar da segurança da tutela legal conferida aos legítimos proprietários de quaisquer bens regularmente adquiridos, podendo ser introduzido no circuito económico e financeiro.”
([lxix]) Neste sentido, também, DUARTE, Jorge Dias, ob. cit., p. 111.
([lxx]) MORENO CANOVES, Antonio y RUIZ MARCO, Francisco. Delitos socioeconómicos, Edijus, Madrid, 1996, p. 380.
([lxxi]) Ao contrário, é rejeitada expressamente conforme art. 2.º, II, da Lei nº 9.613/98 brasileira: "Art. 2.º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei (...) II – independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país;"
([lxxii]) "(...) Assim, no processo penal dominado pelo princípio da presunção da inocência, a atividade probatória deve atender à verificação dos fatos imputados e não aos indícios destes. Traduzindo-se isto para o crime de lavagem, torna-se necessária a verificação do crime antecedente para viabilizar a sentença e não somente os indícios daquele" CALLEGARI, ob. cit., p. 189. 
([lxxiii]) Se se estuda a occasio legis da «lei de lavagem brasileira” verifica-se que, aquando da discussão parlamentar restou consignado na exposição de motivos do PL nº 2.688/96, que deu origem à Lei nº 9.613/98, que se aceitariam os indícios para iniciar a ação penal, conforme texto do artigo 2.º, § 1.º, da Lei, entretanto, para uma condenação parece que seria necessária prova direta. Assim consta na exposição de motivos: 59. Fiel aos princípios processuais garantidos pela Constituição e a legislação ordinária, o projeto não poderia induzir a situações que implicassem a absoluta autonomia entre o crime básico e a lavagem ou ocultação de seu produto. 60. Trata-se de uma relação de causa e efeito que deve ser equacionada por meio de fórmula processual que, viabilizando a eficácia da incriminação do ilícito posterior, exija razoável base de materialidade do ilícito anterior. Segue-se daí a necessidade de a denúncia pelo delito de ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores ser instruída com ‘indícios suficientes da existência do crime antecedente’ (§ 1º do art. 2º). Tais indícios podem restringir-se à materialidade de qualquer dos fatos puníveis referidos pelo caput do art. 1º, sem a necessidade de se apontar, mesmo que indiciariamente, a autoria. Tal ressalva torna-se óbvia face aos progressos técnicos e humanos da criminalidade violenta ou astuciosa, maxime quanto à atomização da autoria em face da descentralização das condutas executivas. 61. Observe-se, no entanto, que a suficiência dos indícios relativos ao crime antecedente está a autorizar tão-somente a denúncia, devendo ser outro o comportamento em relação a eventual juízo condenatório. Repetem tal posicionamento, na doutrina brasileira, PITOMBO, ob. cit., p. 128-132 e SILVEIRA, Eustáquio Nunes. «Crimes de lavagem de bens, direitos e valores: processo e procedimento», CEJ, n. 5, maio-agosto 1998, p. 7.
([lxxiv]) Posição reiterada no art. 2.5 do Regulamento Modelo da CICAD (Comisión Interamericana para el Control del Abuso de Drogas). O Brasil ratificou a Convenção da ONU, conforme Decreto presidencial nº 154, de 26 de junho de 1991.
([lxxv]) Quando aqui nos referimos a factos indiciários, à prova indiciária, não é de meros indícios que cuidamos mas da prova indireta produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento que é coisa substancialmente diferente.           
([lxxvi]) Cf. JOAQUIN DELGADO, Criminalidad Organizada, Barcelona, Bosch, 2001, pp. 25-26 e 30 e ss. 
([lxxvii]) Quanto aos diversos modelos de configuração do ilícito penal fiscal ver, entre outros, na doutrina portuguesa, DIAS, Figueiredo / ANDRADE, Costa, «O crime de fraude fiscal no novo direito penal tributário português», Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Vol. 11, 1999, p. 418 e s.; ANDRADE, Costa, «A fraude fiscal - Dez anos depois, ainda um "crime de resultado cortado"?», Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 135.º (2006), p. 326 e ss.; SOUSA, Susana Aires de, Os Crimes Fiscais. Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra: Coimbra  Editora, 2006, p. 266 e ss., SANTOS, André Teixeira dos, O Crime de Fraude Fiscal. Um Contributo para a Configuração do Tipo Objetivo de Ilícito a partir do Bem Jurídico, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 89, COSTA, Miguel João Almeida «A fraude fiscal como crime de aptidão. Faturas falsas e concurso de infrações», Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Miscelâneas. n.º 6, Almedina, p. 201 e ss.
([lxxviii]) DIAS, Figueiredo/ANDRADE, Costa «O crime de fraude fiscal no novo direito penal tributário português», ob. cit., p. 418 e s., e ANDRADE, Costa, «A fraude fiscal - Dez anos depois, ainda um "crime de resultado cortado"?», Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 135.º (2006), p. 336 e s. E do plasmado no douto Parecer do Ilustre Professor da Escola de Coimbra Costa Andrade junto a estes autos fls. 5395-5446, que aqui, pela sua clareza, quanto a este quid, com a devida vénia, seguimos de perto.
([lxxix]) Neste sentido, para uma primeira síntese, MUÑOZ CONDE, Francisco  Derecho Penal, Parte Especial, Tirant lo blanch, Valência, 2001, pp. 991-1009.
([lxxx]) TIEDEMANN, K., Wirtschaftsstrafrecht und Wirtschaftskriminalität, Besonderer Teil, Hamburg, 1976, p. 118.
([lxxxi]) SILVA DIAS, «O Novo Direito Penal Fiscal não Aduaneiro (Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de janeiro). Considerações Dogmáticas e Político-Criminais», Fisco, julho de 1990, p. 29.
([lxxxii]) KOHLMANN, Steuerstrafrecht, Köln, 1992, § 370, Rn. 9.4. de 421.
([lxxxiii]) HENRIQUES, Leal / SANTOS, Simas, O Código Penal de 1982: Lisboa, Rei dos Livros, 1987, 3.º vol., p. 144. Na anotação ao art 256.º, na 3.ª edição, Lisboa: Reis dos Livros, 2000, p. 1097, referem os mesmo autores à “veracidade do documento, isto é a veracidade intrínseca do documento como tal seja, como meio de prova, merecedor de especial segurança e credibilidade”.
([lxxxiv]) Apud DIAS, Augusto Silva, ob. cit., p. 46.
([lxxxv]) ANDRADE, Costa «A fraude fiscal - Dez anos depois, ainda um "crime de resultado cortado"?», ob. cit., p. 341.
([lxxxvi]) Neste mesmo sentido vai o ensino de  Costa Andrade no seu douto Parecer junto a fls. 5385-5446, maxime fls. 5402-5417.
([lxxxvii]) A tipificação destas condutas, através das quais se realiza a fraude, não constitui novidade do RGIT provindo da redação do art. 23.º do RJIFNA (Regime Jurídico das Infrações Fiscais Aduaneiras) na versão dada ao artigo pelo DL n.º 394/93, de 24 de novembro.
([lxxxviii]) Neste mesmo sentido opina Costa Andrade no seu douto Parecer junto a fls. 5385-5446.
([lxxxix]) DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal, Parte Geral, Coimbra: Coimbra Editora. 2007, p.913
([xc]) SILVA, Germano Marques da, Direito Penal Tributário, Lisboa: U.C.E. 2009,  ponto II  da p. 235. Apontado este Mestre da Universidade Católica Portuguesa: “nada neste artigo [103.º] aponta no sentido de a fraude fiscal constituir crime especial ou próprio, salvo no que se refere á conduta omissiva, mas pressupondo o crime uma declaração nos termos da legislação aplicável, só quem tiver esse dever a pode apresentar”. Contra entendo tratar-se de crime específico: DIAS, Augusto Silva, Os crimes de fraude fiscal e de abuso de confiança fiscal: alguns aspectos dogmáticos e político-criminais, in CTF n.º 394 (1999), p. 50, apontando este Mestre da Escola de Lisboa que há crimes específicos não explícitos nos quais os elementos que delimitam o círculo de autores não estão expressamente referidos no tipo. Tais elementos estão presentes através da descrição da situação de onde resulta o dever especial, como acontece na omissão de auxílio p. no art. 200.º do CP, da descrição do próprio dever especial, como sucede na infidelidade p. no art. 224° do CP, da qualidade de onde emerge o dever especial, como no caso da bigamia p. no art. 247.º do CP, ou ainda da descrição do modo de (in) cumprimento do dever especial, como acontece na fraude fiscal e na generalidade dos crimes tributários. Também na Fraude Fiscal, a utilização do termo "quem" não obnubila que o agente que realiza as ações descritas se encontra numa relação jurídica tributária da qual resultam para ele certos deveres especiais como o de apresentar periodicamente as suas declarações de rendimentos e de as preencher com verdade. Destarte, só o sujeito passivo da relação jurídico-tributária, destinatário dos deveres especiais que dela brotam, pode ser autor de Fraude Fiscal.
([xci]) Sobre a categoria dos crimes de resultado cortado ou de tendência interna transcendente, em geral e, em particular, sobre a pertinência da Fraude fiscal à categoria, DIAS, Jorge de FIGUEIREDO, Direito Penal, ob. cit., p. 380 e ss.
([xcii]) JESCHECK, Tratado de Derecho Penal. Parte General. Granada, 1993, p. 286.
([xciii]) Cf., nomeadamente, os pontos 1.1.71 a 3.1.81, 2.1.115, 2.1.171, 2.1.174, 2.1.179, 2.1.180, 2.1.181.
([xciv]) O critério do "contributo essencial" avançado pelo Tribunal a quo não só não esclarece o sentido do conceito como conduz a resultados inseguros. O domínio do facto é o domínio da execução do ilícito típico, o ter nas mãos o se, o como e o quando da sua realização, o qual, no caso de coautoria, assume a veste de domínio funcional de parcelas ou fases da execução do facto. In casu, na esteira do douto Parecer de Augusto Silva Dias junto aos autos, de harmonia com o disposto no art. 26.º do CP, parece-nos que por mais essenciais que tenham sido o acordo ou a conjugação de esforços empreendidos no Verão do ano 2000, não podem configurar a coautoria se o agente neles envolvido não tiver intervindo diretamente na execução do facto, ou seja, se não dominar uma parcela da mesma. No que toca à fraude fiscal o domínio do facto traduz-se no domínio da ocultação de factos ou valores com relevância tributária isto é, no domínio do engano através dos dados introduzidos ou ocultados na declaração de imposto. Só esse domínio corresponde e consubstancia uma intervenção direta na execução no sentido do terceiro inciso do art. 26.° do CP.
([xcv]) Vide com particular interesse: MORÃO, Helena Marisa Pinheiro da Costa, “Autoria e execução comparticipadas”. Lisboa, FDL., 2012, Tese de Doutoramento ainda não publicada mas disponível na Biblioteca da FDL(ULFD( 2/0) ULSD(3/0).
([xcvi]) DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal, ob . cit., p. 970.
([xcvii]) Sobre esta figura veja-se Dias, Jorge de Figueiredo, Direito Penal, ob. cit., p. 797.
([xcviii]) ROXIN v.Strafrecht II, § 25, n.º 188.
([xcix]) Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/346c6e51cdd34caa80257a87003846d3?OpenDocument.
([c]) Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/234dfd1e62bc9977802579530050e7cf?OpenDocument.
([ci]) Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/aa2ac55194b53fb2802572e2003751eb?OpenDocument&Highlight=0,fraude,fiscal.
([cii]) Os Crimes Fiscais, Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 82.
([ciii]) O Crime de Fraude Fiscal, um contributo para a configuração do tipo objetivo de ilícito a partir do bem jurídico, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 211.
([civ]) Direito Penal Tributário sobre as Responsabilidades das Sociedades e dos seus Administradores conexas com o Crime Tributário, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, p. 235
([cv]) Os Crimes de Fraude Fiscal e de Abuso de Confiança Fiscal: Alguns Aspectos Dogmáticos e Político-Criminais, in Ciência e Técnica Fiscal n.º 394, abril - junho de 1999, Centro de Estudos Fiscais - Boletim da Direção - Geral dos Impostos, pp. 50-68.
([cvi]) Ob. cit. p. 98.
([cvii]) Ob. cit. loc. Cit.
([cviii]) Ob. cit. p. 122.
([cix]) Os Crimes de Fraude Fiscal e de Abuso de Confiança Fiscal…p. 46.
([cx]) Ob. cit. p. 126.
([cxi]) Cf. Parecer de Augusto Silva Dias p. 25.
([cxii]) idem.
([cxiii]) Idem p. 20.
([cxiv]) Ob. cit. p. 260.
([cxv]) Cf. p. 11 do Parecer do Senhor P.G.R..
([cxvi]) COSTA, J. FARIA, «O Branqueamento de Capitais. Algumas Reflexões à Luz do Direito Penal e da Política Criminal», in: Direito Penal Económico e Europeu. Textos Doutrinários, vol. Il, Coimbra, 1999, p. 310.
([cxvii]) Para uma referência mais detida, cf., por todos, BRANDÃO, Nuno, Branqueamento de Capitais. O Sistema Comunitário de Prevenção, Coimbra, 2002; SANTIAGO, Rodrigo. «O Branqueamento de Capitais e Outros Produtos do Crime», in: Direito Penal Económico, p. 363 e ss.
([cxviii]) Ver sobre esta o estudo de CAEIRO, Pedro, «A Decisão-quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001 e a relação entre a punição do branqueamento e o facto precedente: necessidade e oportunidade de uma reforma legislativa», Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, 2003, Coimbra: Coimbra Editora, p. 1067.
([cxix]) COSTA, Faria, ob. cit. p. 309.
([cxx]) Vide neste sentido, desenvolvidamente, BRANDÃO, Nuno, ob. cit., p. 20 e ss.
([cxxi]) H. TRONDLE / FISCHER, Strafgesetzbuch und Nebengesetze, 1999, p. 1418.
([cxxii]) Assim, v.g., entre nós, SANTIAGO, Rodrigo, «o branqueamento» de capitais e outros produtos do crime RPCC, n.º4 de 1994, p. 387.
([cxxiii]) Assim entre nós, na esteira de Günther Artzt, «Geldwäsche und rechtsstaatliche Verfall», Juristenzeitung . 1993, p. 913 e p. 917, GODINHO, Jorge Alexandre Fernandes,  Do Crime de "Branqueamento de Capitais. Introdução e Tipicidade, 2001, Coimbra: Almedina, p. 143, PODVAL, Roberto, Branqueamento de Capitais na Ótica da Administração da Justiça, 2001, p. 44 e ss.· e CAEIRO, Pedro , «A Decisão-quadro do Conselho (...) », ob. cit, pp. 1082 e 1087, que vê aqui o modo de "encontrar o ponto de equilíbrio entre a acessoriedade e a autonomia do branqueamento em cada uma das questões mais controversas do regime"; também, deste último autor, «A consumação do branqueamento pelo facto precedente», Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias (Org. Manuel da Costa Andrade / Maria João Antunes / Susana Aires de Sousa), Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 203.
([cxxiv]) Assim, por todos, Hetzer, «Der Geruch des Geldes- Ziel, lnhalt und Wirkung der Gesetz gegen Geldwäsche», Neue Juristische Wochenschrift, 1993, pp. 3299 ss.
([cxxv]) LAMPE, Juristenzeitung, 1994, p. 125.

([cxxvi]) Sobre a interpretação da fórmula correspondente do direito alemão, cf., por todos, Schönke /Schröder/Stree, Strafgesetzbuch. Kommentar, 2001, p. 2037; Trondle / FISCHER, ob. cit., p.420; Lampe, ob. cit., p. 125 e ss
([cxxvii]) A formulação é intencionalmente diferente da fórmula correspondente adotada na incriminação da Recetação (ar. 231.° do CP) que se reporta a vantagem "obtida mediante facto ilícito típico". Deve, contudo, precisar-se que a diferença resulta significativamente atenuada e esbatida, tendo em conta a norma de extensão consagrada no artigo 233.° do Código Penal (Âmbito do objeto da recetação). Sobre as questões aqui implicadas cf. CAEIRO, Pedro, «A Decisão-quadro do Conselho ... », ob. cit., p. 1102 e ss.  
([cxxviii])BARTON, Neue Zeitschrift für Strafrecht, 1993, p. 161.
([cxxix]) Cf. PEDRO CAEIRO, «A consumação do branqueamento pelo facto precedente», ob. cit., p. 197.
([cxxx]) Apud TRONDLE/FISCHER, ob. cit., p. 1419.
([cxxxi]) Como STRATENWERTH, G., «A luta contra o branqueamento de capitais por meio do Direito Penal», Colóquio da Universidade Lusíada em Honra de Claus Roxin, 2002, p. 2 e, entre nós, CAEIRO, Pedro, «A Decisão-quadro do Conselho... », ob. cit., p. 1110 e s. Diferentemente, numa primeira aproximação ao problema, SANTIAGO, Rodrigo, ob. cit., p. 393
([cxxxii]) CAEIRO, Pedro, Comentário Conimbricense do Código Penal, T. II, p. 494.
([cxxxiii]) Sobre a categorização ou classificação pressuposta, cf., por todos, DIAS. Jorge de Figueiredo, Direito Penal, ob. cit., p. 379 e ss.
([cxxxiv]) Cf. neste sentido, a título meramente exemplificativo, ver Ac. TRC de 06JUL2011 (Paulo Valério), proc. 1069/07.2TALRA.C1, disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/1cf092fc9ffc41ff802578d1005032cb?OpenDocument.
([cxxxv]) Código Penal Português, 18.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 214-215, nota (2).
([cxxxvi]) Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, p. 195.
([cxxxvii]) Código Penal Anotado, 3.ª ed., 1.º vol., Editora Rei dos Livros, Lisboa, 2002, p. 639.
([cxxxviii]) Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal português, As consequências  jurídicas do crime, Aequitas Editorial Notícias, Lisboa, 1993, p. 344.