Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
344/20.5T8VFX.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
NULIDADES DA DECISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – O meio de impugnação de uma nulidade processual é a reclamação para o tribunal do processo, e só depois de este se ter pronunciado sobre a nulidade pode ser admissível a interposição de recurso para um tribunal superior.
II – A prestação de contas tem por objeto o apuramento e aprovação de receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
III – O proferimento de uma decisão que devia ter sido antecedida de um ato que foi indevidamente omitido implica a nulidade da decisão proferida por excesso de pronúncia.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
BB intentou ação especial de prestação de contas contra AA, pedindo que seja reconhecida a obrigação da ré, prestar contas (forçadas) ao autor, o que deverá fazer na qualidade de mandatária, a quem conferiu duas procurações, em 05-06-2000 e 13-09-2001, e que esta preste informações relativas a todos os atos por si praticados, no âmbito da sua gestão e correspondentes aos dois mandatos/duas procurações, incluindo os atos bancários praticados.
Foi proferida sentença que julgou verificada a obrigação da ré, em prestar contas ao autor, e para, em 20 (vinte) dias, apresentar as Contas relativamente ao identificado período de tempo (i.e., desde Junho de 2000 a Julho de 2019), sob a forma de, conta corrente, nelas se especificando a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respetivo saldo, e sob cominação de não o fazendo, não lhes ser permitido contestar as contas que o autor apresente (cfr. art.ºs 942º, n.º 5 e 944º, n.º 1 ambos do CPC).
Inconformada, veio a ré apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[3]:
A. O presente recurso de apelação tem por objeto a sentença do Tribunal a quo proferida, em primeira instância, no âmbito do processo n.º 344/20.5T8VFX, que corre termos no
Juízo Local Cível de ..... - Juiz .., do Tribunal Judicial da Comarca de ....., que apreciou e julgou procedente a obrigação da Recorrente na prestação de contas ao Recorrido.
B. Em concreto, a Recorrente insurge-se contra a obrigação na prestação de contas
porquanto, por um lado, a Recorrente nunca praticou quaisquer atos com a procuração junta aos autos com a p.i. sob a designação de “doc. 5”, e por outro, já prestou as contas ao Recorrido no que respeita aos atos praticados com a procuração junta com a p.i. sob a designação de “doc. 1”, que utilizou apenas para venda do imóvel 1. Contas essas, atente-se, que foram devidamente aprovadas por aquele.
C. A Recorrente insurge-se ainda conta à forma do processo especial de prestação de contas utlizada pelo Recorrido, uma vez que a versão dos factos vertidos da p.i. não mostra a
necessidade de estabelecer o eventual montante das receitas cobradas e das despesas efetuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar-se a situação de crédito ou de débito, bem como a invocação de quaisquer receitas cobradas e/ou das despesas efetuadas no âmbito dos alegados mandatos.
D. O que leva, inequivocamente, à nulidade do presente processo especial de prestação por erro na forma de processo e, por conseguinte, a sentença ora em crise deverá ser totalmente revogada e, em seu lugar, ser proferida douta decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que declare a inexistência da obrigação da Recorrente em prestar contas ao Recorrido, bem como o erro na forma de processo, com a consequente absolvição da Recorrente.
Senão vejamos:
Da nulidade da sentença ora em crise e da violação do direito ao contraditório da
Recorrente, por preterição da audição da testemunha arrolada na contestação.
E. Como fundamento da improcedência da inexistência de obrigação de prestar contas pela Recorrente, invoca o douto tribunal a quo que “relativamente à questão colocada pela Ré, é fácil antever que, incumbindo a esta, o ónus de provar que foram prestadas as contas, por se tratar de facto extintivo ou impeditivo do direito cuja tutela se pretende alcançar, não o satisfez, alegando o vertido em 24º a 27º da Contestação, sem junção de qualquer prova, comprovando que, sob a Ré impende a obrigação de prestar (judicialmente) essas contas”.
F. Para tal, o doutro Tribunal a quo cita a douta doutrina de Luís Filipe Pires de Sousa, in Ações de Divisão de coisa comum e de Prestação de Contas, Coimbra Ed., pág. 171, a contrario sensu, onde é defendido que “na prestação extrajudicial de contas, tratando-se de relações jurídicas disponíveis, é de considerar prevalecente e válido o acordo dos interessados obtido por forma não escrita, face à inexistência de forma escrita obrigatória prevista por lei para este tipo de prestação de contas. (…) persiste a obrigação de prestar contas em juízo se as contas prestadas extrajudicialmente não forem aprovadas por quem tem direito de as exigir”.
G. Com o devido respeito, que é muito, é evidente a incoerência e a contradição entre os
fundamentos expostos pelo douto Tribunal a quo para alicerce da obrigação da Recorrente na prestação de contas exigida pelo Recorrido.
H. Isto porque, note-se, se o douto Tribunal a quo invoca, por um lado, que a prestação de contas extrajudicial não carece de forma escrita, desde que aprovadas por quem tem direito de as exigir, e por outro, que a Recorrente não provou que as contas já tinham sido prestadas e aprovadas pelo Recorrido, porquanto não juntou qualquer prova que comprovasse essa prestação de contas, é indubitável que o douto Tribunal a quo violou manifestamente o direito ao contraditório da Recorrente, bem como o disposto ínsito no n.º 3, do art.º 942.º, e nos artigos 294.º e 295.º, todos do CPC, por não ter realizado a audiência de julgamento para produção da prova testemunhal arrolada pela Recorrente na contestação apresentada.
I. Porquanto, a prova cabal que a Recorrente tem para provar que contas já foram prestadas extrajudicialmente ao Recorrido e, por sua vez, provar a inexistência da obrigação de prestar contas, é a prova testemunhal que indicou na contestação para ser inquirida em sede de audiência. O que não aconteceu.
J. Destarte, considerando que a prestação de contas extrajudicial não carece de forma
escrita, e que o tribunal a quo não permitiu à Recorrente o exercício do seu direito à produção de prova testemunhal para comprovar a versão dos factos alegada na contestação, designadamente que as contas já tinham sido prestadas verbalmente, é inequívoco que, salvo melhor opinião, a sentença do tribunal a quo padece de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art.º 195.º, do CPC, sob a epígrafe “regras gerais sobre a nulidade dos atos”, que estabelece que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
K. Pois, reiterando, é manifesto que o Tribunal a quo, ao ter suprido a realização da
audiência de julgamento para produção da prova testemunhal indicada pela Recorrente na contestação, violou manifestamente o direito ao contraditório da Recorrente e a formalidade imposta pelo n.º 3, do art.º 942.º, conjugado com os artigos 294.º e 295.º, todos do CPC, ou seja, a imposição de o Tribunal a quo realizar a audiência de julgamento para ouvir o depoimento das testemunhas e para permitir as partes alegar antes de proferir a sua decisão. Tendo, assim, sido omitida uma formalidade que a lei prescreve e que influiu claramente na decisão da causa, geradora da nulidade da sentença em crise com o presente recurso de apelação.
L. Devendo, por isso, a sentença do tribunal a quo ser declarada nula com todas as
consequências legais.
Caso assim não se entenda, o que sem conceder se admite, por mera cautela de
patrocínio:
Do erro na forma do processo ou no meio processual.
M. A especial de prestação de contas prevista no art.º 941.º, do CPC, tem como objeto “o
apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.
N. Em abono da verdade, o Recorrido não necessita de qualquer informação sobre o seu
direito, na medida em que, por um lado, não tem qualquer dúvida fundada acerca da sua existência do seu conteúdo – pois, na sua própria versão dos factos, não se mostra necessário estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efetuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar-se a situação de crédito ou de débito –, e por outro, nunca invocou quaisquer receitas cobradas e/ou das despesas efetuadas no âmbito dos alegados mandatos, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar-se a situação de crédito ou de débito.
O que torna infundada e inadmissível a presente ação especial de prestação de contas.
O. Sobre esta matéria, estabelece o n.º 1, do art.º 193.º, do CPC, sob a epígrafe “erro na
forma do processo ou no meio processual”, que “o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei”.
P. Sucede, porém, in casu, o erro na forma do processo ou no meio processual importa a
anulação do processo, porquanto nenhum dos atos praticados é suscetível de ser aproveitado, por se tratar de uma ação especial (prestação de contas) com uma tramitação particularmente específica.
Q. Assim, nos termos e para os efeitos do n.º 1, do art.º 193.º, conjugado com o n.º 1, do
art.º 196.º, o n.º 1, do art.º 197.º, o n.º 1, do art.º 198.º, o n.º 2, do art.º 200.º, a al. b), do n.º 1, do art.º 278.º, o n.º 1 e o n.º 2, do art.º 576.º e com a al. b), do art.º 577.º, todos do CPC, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser totalmente revogada e, em sua substituição, ser proferida douta decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que declare o erro na forma do processo ou no meio processual com anulação do processo, com todas as consequências legais.
R. Sobre esta matéria, vide a título meramente exemplificativo, o entendimento explanado no ponto I do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 9 de maio de 2019, no âmbito do Processo 406/16.3T8PTL.G1, disponível para consulta no site www.dgsi.pt, onde foi concluído que “o processo especial de prestação de contas não é o adequado ao fim pretendido pelo autor/apelante, quando na sua própria versão dos factos, este não necessita de qualquer informação sobre o seu direito, não tem qualquer dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo, e não se mostra necessário estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efetuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar-se a situação de crédito ou de débito”. (bold e sublinhado nosso)
S. Vide, também a título meramente exemplificativo, o entendimento explanado nos pontos I, II e III do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 24 de outubro de 2019, no âmbito do Processo 287/14.1TVLSB.L1-2, disponível para consulta no site www.dgsi. pt, onde foi concluído que: “I) A ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las (ou por quem tenha o dever de prestá-las) e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. II) Requerida a prestação de contas, o réu poderá negar a sua obrigação de prestar contas (por não existir entre ele e o requerente qualquer relação em virtude da qual as tenha de prestar, porque já as prestou, etc.), bem como suscitar outras questões. Decidido que esteja que o réu tem de prestar contas, seguir-se-á a fase da prestação de contas propriamente dita. III) Declarada a obrigação do réu prestar contas, o processo prossegue com vista ao julgamento das mesmas, e consequente apuramento do saldo, que constituirá, no caso de existir, a condenação daquele que foi obrigado a prestá-las”. (bold nosso)
Caso assim não se entenda, o que sem conceder se admite, por mera cautela de patrocínio:
Da inexistência da obrigação na prestação de contas.
T. Recorrente e o Recorrido são amigos de longa data e sempre pautaram a sua relação de amizade com extrema confiança e boa fé. Por essa razão, o Recorrido e a sua esposa emitiram uma procuração para que a Recorrente pudesse efetuar a compra do imóvel identificado no doc. 5 da p.i., adiante abreviadamente designado por “imóvel 1”.
U. Se não falha a memória à Recorrente, a compra do imóvel 1, e bem assim a outorga da
respetiva escritura pública de compra e venda do mesmo, foram efetuadas/outorgadas pelo Recorrido e não pela Recorrente. Razão pela qual, a Recorrente não chegou a exercer o mandato do Recorrido para a realização do negócio de compra do imóvel 1 e, por conseguinte, não lhe restou outra alternativa senão impugnar veementemente o alegado no art.º 2.º e 3.º da p.i., por não corresponder à verdade.
V. Porém, no que concerne à venda do imóvel 1, o Recorrido solicitou à Recorrente que
promovesse a venda desse imóvel e, por sua vez, que outorgasse, em nome e representação do Recorrido e da sua esposa, a escritura pública de compra e venda do mesmo. Tendo, para tal, emitido em conjunto com a sua esposa da altura, uma outra procuração para esse efeito. Solicitação essa que a Recorrente aceitou e cumpriu quando promoveu a venda do imóvel 1, outorgou, em nome e representação do A. e da sua esposa, a escritura pública de compra e venda desse imóvel, e entregou ao Recorrido a respetiva certidão da escritura pública de compra e venda juntamente com o valor pago pelo comprador, que depositou numa conta bancária titulada e indicada pelo Recorrido.
W. Quanto ao imóvel correspondente ao 3.º andar e sótão direito sito na Rua ……, em ....., doravante designado abreviadamente por “imóvel 2”, a Recorrente nunca outorgou a escritura de compra e venda desse imóvel em nome e representação do Recorrido, porquanto esse imóvel foi adquirido pela Recorrente, e como tal, a Recorrente outorgou a escritura pública e compra e venda do mesmo na qualidade de compradora, e não na qualidade de procuradora do Recorrido.
X. Destarte, face a todo o supra exposto, é manifesto que a Recorrente apenas aceitou e
praticou o mandato conferido para venda do imóvel 1, e que depois de executado o mandato assumido, a Recorrente, como já se disse, entregou ao Recorrido o preço de venda do imóvel 1, prestando, assim, as contas devidas ao Recorrido, que foram aceites por aquele sem qualquer reserva.
Ademais,
Y. No que concerne à conta bancária invocada pelo Recorrido, a Recorrente desconhece que tipo de prestação de contas é que o Recorrido pretende, uma vez que, a ser verdade, trata-se de uma conta bancária aparentemente titulada e movimentada pelo Recorrido. Pelo que, dúvidas não subsistem de que o Recorrido recebeu mensalmente todos os extratos e os restantes documentos bancários inerentes a essa conta bancária, que não podem deixar de considerarem-se suficientes para prestações de contas, nomeadamente para a prestação de contas alusivas ao depósito do preço recebido pela venda do imóvel 1.
Z. Razão pela qual, à data, é manifesto que não existem quaisquer contas a prestar ao
Recorrido.
Da matéria de direito.
AA. Impõe o disposto no n.º 1, do art.º 1157.º, do Código Civil (adiante abreviadamente
designado por CC), que “mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra.
BB. Por sua vez, dispõe a al. d), do art.º 1161.º, do CC, que “o mandatário é obrigado a
prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir”.
CC. Ora, reiterando, depois executado o mandato assumido, a Recorrente prestou de
imediato contas ao Recorrido em cumprimento do disposto na supracitada d), do art.º 1161.º, do CC, e, como tal, à data não existem quaisquer contas a prestar ao Recorrido.
DD. Neste sentido, Vd. a título meramente exemplificativo, o entendimento explanado no
sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 24 de outubro de 2019, no âmbito do Processo 287/14.1TVLSB.L1-2, disponível para consulta no site www.dgsi.pt, onde foi concluído que: I) “A ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las (ou por quem tenha o dever de prestá-las) e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. II) Requerida a prestação de contas, o réu poderá negar a sua obrigação de prestar contas (por não existir entre ele e o requerente qualquer relação em virtude da qual as tenha de prestar, porque já as prestou, etc.), bem como suscitar outras questões. Decidido que esteja que o réu tem de prestar contas, seguir-se-á a fase da prestação de contas propriamente dita. III) Declarada a obrigação do réu prestar contas, o processo prossegue com vista ao julgamento das mesmas, e consequente apuramento do saldo, que constituirá, no caso de existir, a condenação daquele que foi obrigado a prestá-las. IV) Não tendo o réu prestado contas, devolve-se ao autor a possibilidade de as prestar, sem que às mesmas possa ser deduzida contestação e as contas que o autor apresente, nestes termos, são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas, se necessário, as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea para dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor. V) Não inquina a decisão recorrida - antes se insere no âmbito do prudente arbítrio apreciativo do Tribunal – a circunstância de o julgador, por presunção judicial, ter apurado as despesas de todos os interessados, com base nos valores que a autora, ao prestar contas, declarou ter recebido, ainda que tais declarações não coincidam com o declarado por outros interessados”.
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., o presente recurso de apelação deve ser considerado totalmente procedente e por provado e, em consequência, a douta sentença do tribunal a quo deve ser totalmente revogada e, em sua substituição, ser proferido douta decisão que declare:
a) A nulidade da sentença do tribunal a quo, por violação do direito ao contraditório da Recorrente consubstanciado na omissão da audiência de julgamento para produção da prova testemunhal arrolada pela Recorrente na contestação, por se tratar da omissão de uma formalidade que a lei prescreve e que influiu claramente na decisão da causa, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art.º 195.º, do n.º 3, do art.º 942.º, e dos artigos 294.º e 295.º, todos do CPC; ou, caso assim não se entenda,
b) O erro na forma do processo, nos termos e para os efeitos do n.º 1, do art.º 193.º, conjugado com o n.º 1, do art.º 196.º, n.º 1, do art.º 197.º, o n.º 1, do art.º 198.º, o n.º 2, do art.º
200.º, a al. b), do n.º 1, do art.º 278.º, o n.º 1 e o n.º 2, do art.º 576.º e com a al. b), do art.º 577.º, todos do CPC; ou, caso assim não se entenda,
c) A inexistência da obrigação da Recorrente em prestar contas ao Recorrido.
O autor não contra-alegou.
Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[5],[6]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:
1.) Saber se é nula a sentença proferida pelo tribunal a quo por preterição da audição da testemunha arrolada na contestação.
2.) Saber se há erro na forma do processo ou no meio processual.
3.) Saber se a sentença proferida pelo tribunal a quo é nula por excesso de pronúncia.
4.) Saber se inexiste obrigação na prestação de contas.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1. Autor e esposa, outorgaram no dia 5 de junho de 2000, em notário público, no Estado
de …., nos ….., perante duas testemunhas, no escrito junto sob o doc. 1 com a PI, de fls. 49 e ss., cujo teor aqui se dá, por integralmente reproduzido.
2. Neste conferem à Ré e marido, “(…) os necessários poderes para, em conjunto ou separadamente, movimentarem dinheiros, para compra pelo preço cláusulas e demais condições que entenderem a compra de imobiliário, podendo pagar os preços dar quitação outorgar e assinar as competentes escrituras (…). Mais conferem poderes para em qualquer Banco, onde possuam conta poderem movimentar as suas contas bancárias, passar cheques ou (…)”.
3. E outorgaram, no dia 13 de setembro de 2001, em notário público, no Estado de …., nos ….., perante duas testemunhas, no escrito junto sob o doc. 5 com a PI, de fls. 54 e ss., cujo teor aqui se dá, por integralmente reproduzido.
4. Neste conferem à Ré, “(…) poderes para venda da imobiliária, designada pelo lote
…, …º andar …., sito na ....., freguesia da …., …., pelo preço concordado, outorgar e assinar as respetivas escrituras, (…)”.
2.2. O DIREITO
Delimitada a matéria de facto, que não vem impugnada[7], importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[8].          
1.) SABER SE É NULA A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO POR PRETERIÇÃO DA AUDIÇÃO DA TESTEMUNHA ARROLADA NA CONTESTAÇÃO.
A apelante alegou que “considerando que a prestação de contas extrajudicial não carece de forma escrita, o tribunal a quo não permitiu o exercício do seu direito à produção de prova testemunhal para comprovar a versão dos factos alegada na contestação, designadamente que as contas já tinham sido prestadas verbalmente”.
Assim, concluiu que “foi omitida uma formalidade que a lei prescreve e que influiu claramente na decisão da causa, geradora da nulidade da sentença em crise com o presente recurso de apelação, devendo ser declarada nula com todas as consequências legais”.
Vejamos a questão.
Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa – art. 195º, nº 1, do CPCivil.
Das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso – art. 196º, do CPCivil.
A nulidade processual inominada referida no art. 195.º, n.º 1, CPC decorre da prática de um ato não previsto na tramitação ou da omissão de um ato previsto nessa tramitação. Ora, o conhecimento indevido de uma questão numa qualquer decisão nunca pode ser equiparado à prática ou à omissão de um ato[9].
Segundo o estabelecido no art. 196.º CPC, ”das nulidades processuais reclama-se”. Quer dizer: o meio de impugnação de uma nulidade processual é a reclamação para o tribunal do processo. Assim, só depois de este se ter pronunciado sobre a nulidade pode ser admissível a interposição de recurso para um tribunal superior[10].
Importa distinguir as nulidades de procedimento das nulidades de julgamento, uma vez que, nos termos do art. 615.º, n.º 4, quando as nulidades se reportem à sentença e decorram de qualquer dos vícios assinalados nas alíneas b) a e) do n.º 1 [do art. 615 do CPC], a sua invocação deve ser feita em sede de recurso, restringindo-se a reclamação para o próprio tribunal quando se trate de decisão irrecorrível[11].
«Dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se»: a) As nulidades processuais (com regime nos arts. 186 a 202 do CPC) têm de ser arguidas perante o tribunal onde são praticadas – só do despacho que as aprecia poderá ser interposto recurso e, ainda assim, limitadamente, considerando o disposto no art. 630 do CPC; b) Apenas as nulidades da própria sentença (art. 615 do CPC) podem ser objeto de arguição em sede de recurso[12],[13],[14],[15],[16].
A divergência quanto à fundamentação e ou quanto à decisão sobre uma questão suscitada não se confunde nem integra nulidade processual[17].
No caso dos autos, entendendo a apelante que foi omitida uma formalidade que a lei prescreve (formalidade imposta pelo n.º 3, do art.º 942.º), nulidade essa prevista no art. 195.º, n.º 1, CPCivil, então o meio adequado para reagir contra a mesma seria a reclamação perante o tribunal na qual a nulidade foi cometida (como estatuído no art. 196.º, do CPCivil).
Assim sendo, a apelante deveria ter reclamado perante o tribunal que proferiu a decisão, pois este tribunal de recurso não tem competência (funcional) para apreciar a invocada nulidade processual (um tribunal superior só pode vir a ocupar-se de uma nulidade processual através do recurso que para ele venha a ser interposto da decisão do tribunal do processo que tenha apreciado a reclamação apresentada pela parte)[18].
Concluindo, tratando-se de uma nulidade de procedimento, e não uma qualquer das nulidades previstas nas alíneas b) a e), do n.º 1, do art. 615º, do CPCivil, o recurso não é o meio adequado para se reagir contra ela, mas sim a reclamação perante o tribunal que proferiu a decisão.
Destarte, nesta parte, improcedem as conclusões E) a L), do recurso de apelação.
2.) SABER SE HÁ ERRO NA FORMA DO PROCESSO OU NO MEIO PROCESSUAL.
A apelante alegou que “o autor não necessita de qualquer informação sobre o seu direito, na medida em que, por um lado, não tem qualquer dúvida fundada acerca da sua existência do seu conteúdo – pois, na sua própria versão dos factos, não se mostra necessário estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efetuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar-se a situação de crédito ou de débito –, e por outro, nunca invocou quaisquer receitas cobradas e/ou das despesas efetuadas no âmbito dos alegados mandatos, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar-se a situação de crédito ou de débito”.
Assim, concluiu que “torna-se infundada e inadmissível a presente ação especial de prestação de contas, importando a anulação do processo, porquanto nenhum dos atos praticados é suscetível de ser aproveitado, por se tratar de uma ação especial com uma tramitação particularmente específica”.
Vejamos a questão.
A ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se – art. 941º, do CPCivil.
A obrigação de prestar contas é uma obrigação de informação. Esta existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (art. 573º, do CCivil).
Quem esteja em situação de prestar informação sobre a existência ou o conteúdo de um direito está obrigado a prestá-la ao (pretenso) titular que tenha fundadas dúvidas sobre essa existência ou conteúdo[19].
A jurisprudência tem enfatizado que a ação especial de prestação de contas é uma das formas de exercício deste direito de informação[20].
Pode formular-se este princípio geral: Quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses[21].
Umas vezes, essa obrigação resulta da própria lei, outras de negócio jurídico, e outras, até, do princípio geral da boa fé que impõe expressamente tal obrigação.
A prestação de contas tem por objeto o apuramento e aprovação de receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
Essa administração terá necessariamente de ser suscetível de gerar receitas, podendo também impor a realização de despesas; e do apuramento dessas duas realidades, resultará ou não um saldo que o administrador terá de pagar.
Entre os legalmente obrigados à prestação de contas figura o
mandatário.
Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra – art. 1157º, do CCivil.
O mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir – al. d), do art. 1161º, do CCivil.
Quer os atos jurídicos stricto sensu, quer os negócios jurídicos – figuras em que se desdobra o ato jurídico – podem ser objeto de mandato, estando definitivamente afastada a doutrina que circunscrevia os atos jurídicos, objeto do mandato, aos atos negociais[22].
Como decorre da própria definição legal, um dos elementos deste contrato é a atuação do mandatário por conta do mandante.
O autor alegou que “deverá a requerida, como sua procuradora, prestar todas as informações relativas a todos os atos por ela praticados no âmbito da sua gestão e relativos às duas procurações/2 mandatos, incluindo os bancários, prestando as contas da sua gestão e entregando o que recebeu em execução dos dois mandatos ou no exercício destes”.
Assim, face a tal alegação, e tendo a apelante/ré celebrado atos jurídicos para os quais lhe foram, pelas procurações, atribuídos poderes representativos, não deixa de ser mandatária e, como tal, tem obrigação de prestar contas ao mandante, no caso, o autor/apelado.
Temos, pois, face ao alegado pelo autor/mandante, tendo a apelante praticado atos jurídicos em nome e por conta daquele, está obrigada, como mandatária, a prestar a este contas da sua administração.
Conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “Em face da factualidade alegada pelo Autor, explicitando as razões porque pede contas à Ré, e porque entende que sobre a Ré existe uma obrigação de as prestar, não há erro na forma de processo, sendo que o contrato de mandato, é um dos casos legalmente previstos, cfr. art.º 1161º, al. d) do CC, quando cesse o mandato ou durante a sua vigência, a todo o tempo. Esta obrigação de prestação de contas, tem como objeto não só a apresentação da conta (da mandatária), receitas e despesas em que incorreu, mas também, e sobretudo, a demonstração e a justificação da atividade desenvolvida pela Ré, enquanto mandatária do Autor”.
Concluindo, estando a apelante/ré obrigada, como mandatária, a prestar contas ao mandante/autor, como mandante, não há erro na forma de processo utilizada, sendo o processo especial de prestação de contas o meio processual adequado por todo aquele que tenha de prestar contas (sejam contas espontâneas ou contas forçadas).
Destarte, nesta parte, improcedem as conclusões M) a S), do recurso de apelação.
3.) SABER SE A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO É NULA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA.
A apelante alegou que “depois de executado o mandato assumido, entregou o preço de venda do imóvel 1, prestando, assim, as contas devidas, que foram aceites por aquele sem qualquer reserva”.
Mais alegou que “relativamente à conta bancária invocada, o recorrido recebeu mensalmente todos os extratos e os restantes documentos bancários inerentes a essa conta bancária, que não podem deixar de considerarem-se suficientes para prestações de contas, nomeadamente para a prestação de contas alusivas ao depósito do preço recebido pela venda do imóvel 1”.
Assim, concluiu que “depois executado o mandato assumido, prestou de imediato contas ao recorrido em cumprimento do disposto na supracitada d), do art.º 1161.º, do CC, e, como tal, à data não existem quaisquer contas a prestar”.
Vejamos a questão.
Se o réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor pode responder e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º; se, porém, findos os articulados, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa – art. 942º, nº 3, do CPCivil.
Com a resposta ou sem ela, cumpre ao juiz decidir imediatamente a questão posta pelo réu. Podem dar-se duas hipóteses: 1ª - A questão é de puro direito; 2ª - A questão é de direito e de facto[23].
O réu admite a existência da relação jurídica de que o autor se socorre; mas sustenta que de tal relação não emerge para ele a obrigação de prestar contas. Questão exclusivamente de direito[24].
O réu nega a existência da relação jurídica em que o autor se apoia e ao mesmo tempo alega, subsidiariamente, que, se tal relação fosse exata, dela não resultaria a obrigação de prestar contas; ou afirma que já prestou contas ao autor ou ao seu legítimo antecessor[25].
Põem-se então questões de facto; e para as dirimir pode o juiz ter necessidade de mandar proceder a quaisquer averiguações ou diligências. Realizadas elas, segue-se o julgamento da questão prévia[26].
O réu pode contestar a obrigação de prestar contas dizendo que: a) não existiu nem existe qualquer relação jurídica por virtude da qual esteja obrigado a prestar contas ao autor; b) a relação jurídica invocada pelo autor é exata mas dela não deriva a obrigação de prestar contas; c) já prestou as contas a que estava vinculado, estando desonerado de tal obrigação[27].
Na eventualidade referida em c), incumbe ao réu o ónus de provar que foram prestadas as contas, uma vez que se trata de facto extintivo do direito cuja tutela se pretende alcançar. A prestação extrajudicial (prévia) de contas pressupõe que o réu discriminou recebimentos e pagamentos globais e totais, em forma de conta corrente, e que as mesmas foram aprovadas por quem tinha o direito de as exigir, determinado a absolvição do réu do pedido[28].
Após a resposta do autor à contestação do réu (em que negue a existência da obrigação de prestar contas), o juiz deve ponderar se a decisão sobre esta questão prévia, em função da sua complexidade, deverá seguir o modelo dos incidentes da instância ou o modelo do processo comum[29].
Ora, a apelante/ré contestou alegando que “a compra do imóvel 1, e bem assim a outorga da respetiva escritura pública de compra e venda, foram efetuadas/outorgadas pelo autor, e não por si, razão pela qual, não chegou a exercer o mandato para a realização do negócio” (arts. 22º e 23º da contestação); “no que concerne à venda do imóvel 1, o autor solicitou-lhe que promovesse a venda desse imóvel, e por sua vez, que outorgasse, em nome e em sua representação e da sua esposa, a escritura pública de compra e venda do mesmo, tendo, para tal, emitido em conjunto com a sua esposa da altura, uma outra procuração para esse efeito, solicitação essa que aceitou e cumpriu quando promoveu a venda e outorgou, em nome e representação do autor e da sua esposa, a escritura pública de compra e venda desse imóvel, e entregou ao autor a respetiva certidão da escritura pública de compra e venda juntamente com o valor pago pelo comprador, que depositou numa conta bancária titulada e indicada pelo autor (arts. 24º a 27º da contestação), quanto “ao imóvel sito na Rua ....., em ....., outorgou a escritura de compra e venda desse imóvel em nome e representação do autor, porquanto esse imóvel foi por si adquirido, e como tal, outorgou a escritura pública e compra e venda do mesmo na qualidade de compradora, e não na qualidade de procuradora do autor” (arts. 28º e 29º da contestação), tendo “prestado extrajudicialmente as contas devidas” (arts. 31º e 32º da contestação).
Porém, o tribunal a quo entendeu que “relativamente à questão colocada pela Ré, é fácil antever que, incumbindo a esta, o ónus de provar que foram prestadas as contas, por se tratar de facto extintivo ou impeditivo do direito cuja tutela se pretende alcançar, não o satisfez, alegando o vertido em 24º a 27º da Contestação, sem junção de qualquer prova, comprovando que, sob a Ré impende a obrigação de prestar (judicialmente) essas contas”.
Na prestação extrajudicial de contas, tratando-se de relações jurídicas disponíveis, é de considerar prevalecente e válido o acordo dos interessados obtido por forma não escrita, face à inexistência de forma escrita obrigatória prevista na lei para este tipo de prestação de contas[30].
Deste modo, temos como matéria de facto controvertida, v.g., saber: a) se a compra do imóvel 1, e bem assim a outorga da escritura pública de compra e venda do mesmo, foram efetuadas/outorgadas pelo autor e não pela ré; b) se a ré exerceu o mandato do autor para a realização do negócio de compra do imóvel 1; c)  se depois de executado o mandato entregou ao autor o preço de venda do imóvel 1; d) se a ré outorgou a escritura de compra e venda do imóvel 2 em nome e representação do autor ou na qualidade de compradora.
Após a resposta do autor, segue-se a fase de produção de prova e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão, aplicando-se o disposto no art. 295º[31].
Se a contestação do réu for uma das modalidades enunciadas sob a) e c), a questão de facto assim suscitada só deverá ser decidida segundo o modelo de processo comum se o número de factos em apreciação for elevado, se a factualidade a apurar for complexa, exigindo larga indagação[32].
Temos, pois, que havendo questões de facto carecidas de prova, incumbia ao tribunal a quo, no mínimo, mandar proceder a quaisquer averiguações ou diligências, como estatuído pelo art. 942º, nº 3, do CPCivil.
Assim sendo, deveria o tribunal a quo, v.g., inquirir a testemunha indicada (ou, fundamentando porque não o fazia) ou, notificando a parte para juntar prova documental (art. 590º, nº 2, al. c), do CPCivil), para poder, eventualmente, conhecer do mérito da causa.
Existindo matéria de facto controvertida, não poderia o tribunal a quo conhecer da questão prévia suscitada pela ré quanto à inexistência de obrigação de prestação de contas, por alegadamente haverem já sido prestadas extrajudicialmente, e aprovadas pelo autor (acresce que ainda havia sempre prova a produzir quanto à questão de saber se a ré outorgou a escritura de compra e venda do imóvel 2 em nome e representação do autor ou na qualidade de compradora)[33],[34],[35],[36],[37].
Concluindo, quando foi proferida a decisão pelo tribunal a quo o estado do processo ainda não permitia que se conhecesse imediatamente da questão prévia suscitada pela ré, porquanto esta carecia de produção de prova (além de carecer também de prova a produzir saber se a ré outorgou a escritura de compra e venda do imóvel 2 em nome e representação do autor ou na qualidade de compradora).
Estando o conhecimento da questão prévia suscitada dependente de prova a produzir, não podia o tribunal a quo dela conhecer, porquanto o estado do processo não o permitia fazer.
É usual afirmar-se que a verificação de alguma nulidade processual deve ser objeto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir[38].
Sendo esta a solução ajustada à generalidade das nulidades processuais, a mesma revela-se, contudo, inadequada quando nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão, omitiu uma formalidade essencial e prescrita na lei[39].
Em tais circunstâncias, depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve (no caso, produção de prova para decidir da questão suscitada), mas que se comunica à sentença, de modo que a reação da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPCivil[40],[41],[42],[43],[44].
Não obstante o recurso não ser o lugar próprio para se arguir nulidades processuais – destas apenas cabendo reclamação para o juiz –, como, em causa está a omissão da prática de um ato processual, deve entender-se que o meio adequado a reagir à infração verificada é o recurso de tal decisão e não já a reclamação da omissão.
Quando o ato afetado de nulidade se encontra coberto por decisão que se lhe seguiu, tal nulidade pode ser objeto de recurso e pode ser declarada pelo Tribunal da Relação[45].
A omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, no caso, a omissão da produção de prova (arts. 195º, nº 1, ex vi do 942º, nº 3, ambos do CPCivil), configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa.
Não tendo havido produção de prova quanto à matéria controvertida, conheceu-se do mérito da questão prévia suscitada, sem que estivessem reunidas as condições indispensáveis para tal.
A omissão da prática desse ato – produção de prova - condicionou o desfecho da ação, já que foi em razão dessa omissão que determinou o conhecimento imediato da questão prévia suscitada pela apelante/ré.
Assim sendo, a decisão proferida pelo tribunal a quo é nula por ter sido proferida em excesso de pronúncia, por conhecer de questão de que não podia ainda tomar conhecimento (art. 615º, nº 1, alínea d), CPCivil).
Concluindo, a decisão proferida é nula por excesso de pronúncia decorrente da omissão da prática do ato de produção de prova, dado que sem a prática desse ato o tribunal a quo não podia pronunciar-se sobre a questão prévia suscitada pela apelante.
Como a decisão proferida incorporou a omissão da prática do ato, é a própria decisão que é nula por excesso de pronúncia, mais concretamente, por ter sido proferida fora das condições legalmente exigidas para o efeito, devendo, portanto, em princípio, ser declarada a nulidade da referida decisão[46],[47].
Deverá, pois, ser declarada nula a decisão, e os autos prosseguirem desde aí os seus termos normais (no caso, produzindo-se as provas necessárias antes do conhecimento da questão prévia suscitada pela ré, como determinado
pelo art. 942º, nº 3, do CPCivil).
Destarte, procedendo, nesta parte, o recurso, há que declarar nula a decisão proferida pelo tribunal a quo, por excesso de pronuncia (no caso, por conhecer de questão de que ainda não podia tomar conhecimento), a substituir por outra que proceda a quaisquer averiguações ou diligências necessárias para decisão da questão de facto.
O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cujas decisões esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art. 608º, nº 2, ex vi, do art. 663º, nº 2, ambos do CPCivil.
Do princípio de que a sentença deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes excetuam-se aquelas cujas decisões esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, por exemplo, se o tribunal se declara
incompetente para conhecer do pedido, em razão da matéria ou da hierarquia, não faria sentido que na sentença se pronunciasse ainda sobre as questões levantadas pelas partes quanto ao mérito da causa[48].
Sendo nula a decisão proferida pelo tribunal a quo, e todo o processado subsequente à apresentação da contestação, mostra-se prejudicado o conhecimento da questão suscitada pela apelante, no caso, se inexiste obrigação na prestação de contas.

3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de apelação e, consequentemente, por excesso de pronúncia, declarar nula a decisão proferida pelo tribunal a quo, a substituir por outra que determine a produção de prova.
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pelo apelado (na vertente de custas de parte, por outras não haver[49]), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencido (no recurso de apelação, tenha ou não acompanhado o recurso, é o recorrido vencido responsável pelo pagamento das custas[50])[51].
                        
Lisboa, 2021-11-04[52],[53]
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins
_______________________________________________________
 (Voto de vencido parcial)[54],[55]
Voto parcialmente vencido, com a seguinte fundamentação:
*
I\ Do objecto do recurso; II\ da necessidade de ampliação da decisão da matéria de facto para a decisão da questão prévia quanto à prestação de contas relativamente a um dos mandatos; III\ da eventual nulidade da sentença, questão que não é de conhecimento oficioso e que não foi levantada pela ré.
I\
Do objecto do recurso
Aquilo que um tribunal de recurso deve conhecer “são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer “constantes da sentença recorrida” que estejam implicadas “nas decisões desfavoráveis ao recorrente”, com as restrições decorrentes do requerimento de recurso e das conclusões do mesmo (as partes entre aspas são de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. II, 3.ª edição, 2017, Almedina, pág. 737, e Lebre de Freitas e Ribeiro Mendas, CPC anotado, vol. 3.º, tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 41, a conjugação delas é da minha responsabilidade).
Ou seja, um recurso e as respectivas conclusões delimitam aquele objecto apenas na medida em que podem não ter colocado em causa alguma decisão sobre aquelas questões, decisão essa que tenha autonomia destas outras (art. 635/2-4 e 639/1 do CPC).
Assim, não estou de acordo que se possa extrair, sem mais, das conclusões de um recurso as questões a resolver. A querer-se usar uma síntese abstracta do objecto do recurso, que de qualquer modo considero desnecessária, a usada, por exemplo, pelo ac. do STJ de 29/11/2016, proc. 7613/09.3TBCSC.L1.S1, é mais correcta e muito mais abrangente: “o âmbito do recurso, para além dos eventuais casos julgados formados nas instâncias, é confinado pelo objecto (pedido e causa de pedir) da acção, pela parte dispositiva da decisão impugnada desfavorável ao impugnante e pela restrição feita pelo próprio recorrente, quer no requerimento de interposição, quer nas conclusões da alegação (art. 635º do CPC)”, que parece vir de Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, 2.ª edição, páginas 460-461.
Digo isto para justificar a necessidade que tive que sintetizar as posições assumidas pelas partes no processo. É destas que, no essencial, decorre o círculo maior de onde se extrai o objecto posterior do recurso, mais pequeno mas ainda assim muito maior do que aquele que pode parecer decorrer das conclusões de um recurso. Daí que, em geral, se tenha que fazer um relatório com um mínimo de síntese do decurso do processo.
É o que passo a fazer.
O autor pediu que a ré lhe apresentasse contas, alegando, em síntese, que:
No dia 05/06/2000, nos ..... constituiu seus bastantes procuradores, a ré (à data residente em .....) e o seu marido, em conjunto ou separadamente, com os poderes constantes na procuração 1: para a compra do imóvel identificado na procuração 2 (referida abaixo) e de um outro imóvel, outorgando a ré na escritura na qualidade de procuradora, em nome e em representação do autor.
Onze dias depois, o autor, nos ....., abriu uma conta no BES em ..... e a ré, munida da procuração 1, associou-se a essa conta, tendo também alterado a morada da correspondência bancária, para a sua residência, recebendo aí todas as comunicações bancárias e/ou documentos enviadas/os pelo BES e dirigidas/os ao autor, como já havia feito relativamente à situação do domicílio fiscal do autor.
No dia 13/09/2001, nos ..... o autor passou a procuração 2 à ré com poderes para vender o imóvel nela referido.
Por força disto e do disposto no art. 1161 do CC, a ré estava obrigada, a, entre o mais: […] d) A prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir; e) A entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato.
Por a ré nunca o ter feito, o autor, por notificação judicial avulsa apresentada no dia 07/07/2019 e efectivada no dia 24/07/2019, requereu a notificação da ré para, no prazo de 30 dias, dar cumprimento ao disposto no artigo 1161 do CC, nomeadamente prestando ao ora requerente todas as informações relativas a todos os actos por ela praticados no âmbito da sua gestão e correspondentes aos 2 mandatos/2 procurações, incluindo os bancários, prestando as contas da sua gestão e entregando ao ora requerente o que recebeu em execução dos dois mandatos ou no exercício destes, o que a ré não fez até à presente data.
A ré, contestou:
- excepcionou o erro na forma do processo ou no meio processual, porque o autor não necessitaria de qualquer informação sobre o seu direito, na medida em que, por um lado, não tem qualquer dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo, e por outro, não invoca quaisquer receitas cobradas e/ou das despesas efectuadas no âmbito dos alegados mandatos, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar-se a situação de crédito ou de débito.
- impugnou toda a matéria alegada pelo autor na petição inicial que não fosse adiante expressamente confessada ser verdadeira ou desconhecida, bem como toda a prova documental que a sustenta, impugnação de documentos que repete, mais tarde, mesmo depois de o autor ter junto melhor cópia dos documentos que a ré impugnava. Diz não se lembrar, face ao tempo decorrido, das procurações juntas, considerando o decurso do tempo volvido (precisamente 19/20 anos) e por isso não consegue precisar se essas as procurações foram as que o autor emitiu a seu favor, e impugna-as, o que mantém depois de terem sido juntas aos autos, como pediu, melhores cópias delas; diz que se lhe não falha a memória, a compra do imóvel referido na procuração 2, e bem assim a outorga da respectiva escritura pública de compra e venda do mesmo, foram efectuadas/outorgadas pelo autor, e não pela ré, razão pela qual a ré não chegou a exercer o mandato do autor para a realização do negócio de compra desse imóvel; no que se refere ao outro imóvel, diz que é falso que a ré tenha outorgado a escritura de compra e venda desse imóvel em nome e representação do autor, porquanto esse imóvel foi adquirido pela ré e, como tal, a ré outorgou a escritura pública e compra e venda do mesmo na qualidade de compradora, e não na qualidade de procuradora do autor.
- e excepciona [sem dizer que o faz] dizendo: no que concerne à venda do imóvel referido na procuração 2, a ré cumpriu o mandato e entregou ao autor a respectiva certidão da escritura pública de compra e venda [não junta a escritura nem a identifica minimamente…] juntamente com o valor pago pelo comprador, que depositou numa conta bancária titulada e indicada [não junta qualquer documento dessa conta bancária comprovativa do facto], prestando, assim, as contas devidas ao autor.
E acrescenta: sempre prestou ao autor todas as contas relativamente aos actos praticados em seu nome e representação.
E diz ainda, para além do mais: também que não entende porque o autor exige que o tribunal ordene a ré a juntar aos autos as escrituras públicas de compra e venda dos imóveis, quando, como é sabido, tratam-se de documentos públicos que estão ao alcance de qualquer cidadão; assim, caso o autor pretenda aceder a esses documentos, basta deslocar-se ao Cartório Notarial onde as escrituras públicas de compra e venda dos imóveis foram outorgadas e pedir cópias das mesmas.
O autor veio responder a isto, dizendo:
I - Quanto à excepção de erro na forma do processo deve ser julgada totalmente improcedente, por não provada.
II - Nos termos do disposto no artigo 942/3 do CPC, se o réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor, pode responder, o que faz dizendo, entre o mais, que contrariamente ao alegado pela ré, esta também outorgou a escritura de compra e venda, na qualidade de procuradora, em nome e em representação do autor, do imóvel identificado na procuração 2; a ré. nunca entregou ao autor qualquer certidão de escritura pública de compra e venda; a ré nunca prestou contas ao autor. Como é do perfeito conhecimento da ré, os extractos bancários eram remetidos pelo banco para a morada da residência da ré tendo esta ficado com os mesmos, na sua posse e na sua única e inteira disponibilidade, nunca os tendo entregue ao autor. No processo de prestação de contas, a situação em que se encontram o autor e a ré no que concerne á prestação das contas é diferente, pois é sobre a ré que recai a obrigação de as prestar, dispondo ela dos elementos necessários para o fazer ou podendo obtê-los – como é o caso dos autos, já que o autor terá muitas e maiores dificuldades para o fazer. Na verdade, a ré sabe perfeitamente o local e qual ou quais os Cartórios Notariais onde outorgou as respectivas escrituras públicas e onde as procurações se encontram arquivadas e que instruíram essas escrituras públicas. Impugna-se os factos e a versão dos mesmos apresentada pela ré, dando-se aqui por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos o teor da PI.
II\
Posto isto:
O autor invocava a existência de dois mandatos celebrados com a ré, para os quais lhe passou duas procurações e quer que a ré lhe preste contas do exercício desses mandatos.
A ré não recusa ter celebrado os mandatos com o autor, mas diz, em relação ao primeiro mandato, relativo à compra de dois imóveis, que não o executou, pelo que, logicamente, não terá de prestar contas deles: tratava-se da compra de dois imóveis para o autor e a ré diz que um foi comprado pelo autor, directamente, sem intervenção da ré, e o outro foi comprado por ela, mas não como representante do autor.
A ré com isto está a impugnar ter dado execução ao mandato 1 e por isso a obrigação de prestar contas.
O autor insiste na sua versão, da qual decorreria a obrigação de prestar contas: logo, é a ele que cabe provar a execução dos mandatos (art. 342/1 do CC), designadamente através da junção das escrituras das compras dos imóveis. A dificuldade de fazer prova que invoca podia ter sido suprida, previamente, lançando mão do direito à informação previsto no art. 573 do CC, exercitado através de uma acção comum.
A prestação de contas, quanto a este mandato, não podia, pois, ter sido já decidida, por falta de elementos para o efeito; o tribunal recorrido devia ter ordenado a produção das provas necessárias e só depois devia ter decidido a questão (art.942/2 do CPC); é necessária, pois, a ampliação da decisão da matéria de facto, o que pode ser ordenado oficiosamente por este tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 662/2-c e 636/3, ambos do CPC, aplicáveis ao abrigo do art. 549/1 do CPC.
Sendo esta a solução, ela não passa pelo uso da solução da decisão-surpresa; questão que, aliás como se verá a seguir, não foi levantada.
Quanto ao 2.º mandato: A contestação da ré é, por si própria, a confirmação de que não prestou contas. Ou seja, dizer que prestou contas (note-se que isto pressupõe que aceita que executou o mandato e, por aí, logicamente, ficou obrigada a prestar contas) nos termos em que o fez é o mesmo que admitir que não as prestou, pois que, claramente, o que diz ter feito não corresponde a prestar contas. Note-se, por exemplo, que a ré não diz que entregou o preço pelo qual o imóvel foi vendido, que não diz qual foi, mas sim o valor pago pelo comprador, que também não diz qual foi. Por outro lado, não diz que informou ou deu conhecimento ao autor de nada disto. Ora, para ser procedente esta questão prévia, a ré teria de alegar em concreto aquilo de que deu conhecimento ao autor e os valores em concreto que lhe entregou e a aprovação, por este, destas contas assim apresentadas, o que a ré não fez. Esta questão/excepção foi levantada pela ré com o uso de termos técnico jurídicos, em termos genéricos, sem qualquer concretização, sendo nítido que não está na lógica da argumentação da ré que ela tenha prestado contas como elas deviam ter sido prestadas, dizendo ao autor o que tinha gasto e recebido na execução do mandato e depois obtendo a aprovação dessas contas. Pelo que ela não pode ser convidada agora a aperfeiçoar a dedução da excepção, porque tal equivaleria a introduzir a base essencial da excepção e não a completá-la ou concretizá-la.
Assim, quanto ao 2.º mandato, considero que a sentença recorrida tem razão em condenar a ré a prestar contas, sem qualquer necessidade de estar a produzir mais prova, designadamente a testemunhal indicada pela ré.
III\
Importa ainda referir o seguinte:
A prolação de uma sentença antes de se produzir prova é uma nulidade processual (do art. 195 do CPC) e não uma nulidade da sentença (artigo 615 do CPC); mas esta eventual nulidade estaria, no caso, coberta pela sentença porque nela o tribunal expressamente declarou que não considerava necessária a produção de prova (: “Os autos estão em condições de ser proferida decisão sobre esta matéria, sem produção de mais prova, em face do que resulta, desde já, provado por documentos autênticos, e por confissão das partes […]). [sobre tudo isto, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. I, 4.ª edição, Almedina, reimpressão de 2021, págs. 403-405, vol. II, 3.ª edição, Almedina, 2017, págs. 739-740]. Assim a questão podia ser levantada neste recurso (art. 644/3 do CPC).
Isto sem necessidade de se estar a discutir a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, que, como disse, considero que não se verifica e nem de resto foi arguida pela ré e que, por isso, e porque não é de conhecimento oficioso, não podia ser conhecida (art. 615/4 do CPC, a contrario).
De qualquer modo, como disse acima, considero que a questão é antes uma questão de erro de julgamento da necessidade de produzir prova, que devia dar origem, oficiosamente, à solução avançada acima (art. 662/2-c e 636/6 do CPC).
*
Pelo que voto no sentido apenas da parcial procedência do recurso, ou seja, quanto à prestação de contas relativamente ao 1.º mandato (quanto a este considero que se devia determinar a produção de prova de modo a ampliar-se a matéria de facto necessária à demonstração da execução do mandato, com a celebração dos dois contratos de compra dos dois imóveis, questão prévia à decisão da questão da prestação de contas; ou seja, da matéria que a posição maioritária fez vencimento, considero que apenas é relevante a das alíneas a e b [que respeitam à mesma questão dividida artificialmente pela ré] e d, sendo desnecessária/incorrecta a c [até porque a ré, na contestação não falou no preço mas no valor, como já se referiu acima]).
Pedro Martins
_______________________________________________________
[1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[2] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.
[3] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[4] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[5] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.
[6] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[7] Quando não tenha sido impugnada, nem haja lugar a qualquer alteração da matéria de facto, o acórdão limita-se a remeter para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria – art. 663º, nº 6, do CPCivil.
[8] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º, nº 3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.
[9] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Blogue do IPPC, “Por que se teima em qualificar a decisão-surpresa como uma nulidade processual?”, post publicado em 2021-10-11.
[10] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Blogue do IPPC, “Por que se teima em qualificar a decisão-surpresa como uma nulidade processual?”, post publicado em 2021-10-11.
[11] ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 3.ª ed., p. 24.
[12] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2019-06-18, Relatora: HIGINIA CASTELO, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[13] O meio processual próprio para a parte reagir contra uma omissão do tribunal que, no seu entendimento, constitua nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC, é a reclamação para o mesmo tribunal e não o recurso da sentença proferida posteriormente ao momento em que a referida omissão ocorreu – Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2018-09-13, Relator: VÍTOR SEQUINHO, http://www.dgsi.pt/jtre.
[14] Quando na presença de uma nulidade processual, e não se verificando a situação a que alude o nº 3, do artº 199º, do CPC, deve a mesma ser arguida pelo interessado perante o tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, a apresentar em requerimento próprio, no prazo de 10 dias previsto no artigo 149º, n.º 1, do mesmo Código, que não suscitar o referido vício em sede de instância recursória – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2018-05-10, Relator: ANTÓNIO SANTOS, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[15] Na vigência do novo CPC aprovado pela L. 41/2013, não é passível de recurso a decisão proferida sobre nulidades previstas no nº 1 do art. 195º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios - Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2016-09-14, Relatora: MARIA JOÃO ROMBA, http:// www.dgsi.pt/jtrl.
[16] Segundo o estabelecido no art. 196.º CPC, "das nulidades processuais reclama-se". Quer dizer: o meio de impugnação de uma nulidade processual é a reclamação para o tribunal do processo. Assim, só depois de este se ter pronunciado sobre a nulidade pode ser admissível a interposição de recurso para um tribunal superior – TEIXEIRA DE SOUSA, Blogue do IPPC, “Por que se teima em qualificar a decisão-surpresa como uma nulidade processual?, post publicado em 2021-10-12.
[17] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-09-11, Relator: LOPES PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[18] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Blogue do IPPC, “Por que se teima em qualificar a decisão-surpresa como uma nulidade processual?”, post publicado em 2021-10-11.
[19] ANA PRATA, Código Civil Anotado, 2ª edição, volume I, p. 770.
[20] PIRES DE SOUSA, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, p. 119.
[21] ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, vol. I, p. 303.
[22] MANUEL JANUÁRIO GOMES, Contrato de Mandato, p. 15.
[23] ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, vol. I, p. 326.
[24] ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, vol. I, p. 326.
[25] ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, vol. I, p. 326.
[26] ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, vol. I, p. 326.
[27] ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, p. 391.
[28] ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, p. 391.
[29] ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, p. 391.
[30] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 1989-03-30, Relator: PINTO FERREIRA apud PIRES DE SOUSA, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2ª edição, p. 186.
[31] PIRES DE SOUSA, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2ª edição, p. 186.
[32] PIRES DE SOUSA, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2ª edição, pp. 187/88.
[33] O julgamento de mérito ou de fundo só pode ocorrer quando o processo fornece já os elementos suficientes para que o litígio em causa possa ser decidido com segurança, inexistindo prova a produzir quanto a factos essenciais para a decisão da causa – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2018-10-04, Relatora: ONDINA CARMO ALVES, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[34] O juiz só deve conhecer do pedido ou dos pedidos formulados no despacho saneador sempre que não exista matéria controvertida suscetível de justificar a elaboração de temas da prova e a realização da audiência final, não devendo limitar-se aos factos que interessam à sua visão jurídica mas também àqueles factos que interessam a outras vias de solução possível do litígio – Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2019-05-30, Relator: TOMÉ RAMIÃO, http://www.dgsi.pt/jtre.
[35]  O conhecimento do mérito no despacho saneador pressupõe que não existam factos controvertidos indispensáveis para esse conhecimento, ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito. Apesar do juiz se considerar habilitado a conhecer do mérito da causa segundo a solução que julga adequada, com base apenas no núcleo de factos incontroversos, caso existam factos controvertido com relevância para a decisão, segundo outras soluções também plausíveis de direito, deve abster-se de conhecer, na fase de saneamento, do mérito da causa. – Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2019-05-22, Relator: NELSON FERNANDES, http://www. dgsi.pt/jtrp.
[36]  Deve ser anulado, por erro de procedimento (violação da disciplina processual), o despacho saneador onde o julgador conheceu do mérito da causa, se ainda não tinha à sua disposição todos os factos que interessam à resolução das várias questões de direito suscitadas na ação, não permitindo o estado do processo esse conhecimento, sem necessidade de mais provas – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-01-18, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[37] Assim, na fase do despacho saneador, não pode o juiz decidir de acordo com os factos então assentes e que tem por suficientes para a solução jurídica que considera correta, desprezando factos ainda controvertidos e relevantes para uma solução jurídica diversa sustentada por parte da jurisprudência – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-12-18, Relator: SÉRGIO POÇAS, http://www.dgsi. pt/jstj.
[38] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-06-23, Relator: ABRANTES GERALDES, http://www.dgsi.pt/jstj.
[39] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-06-23, Relator: ABRANTES GERALDES, http://www.dgsi.pt/jstj.
[40] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-06-23, Relator: ABRANTES GERALDES, http://www.dgsi.pt/jstj.
[41] A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem atos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão do tribunal, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infração de disposição de lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (…) e não por meio de arguição de nulidade de processo – ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume V, p. 424.
[42] Se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer ato que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se» - MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, p. 183.
[43] Se entretanto, o ato afetado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão – ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, p. 393.
[44] Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está, ainda que indireta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o ato viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respetivo despacho pela interposição do competente  recurso – ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, volume III, p. 134.
[45] Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2015-01-27, Relator: PINTO DOS SANTOS, http://www.dgsi.pt/jtrp.
[46] Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2021-03-25, Relatora: MARGARIDA SOUSA, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[47] Não se tendo assegurado à parte requerente/apelante o exercício efetivo do seu direito ao contraditório quanto ao articulado de oposição, documentos juntos e especialmente quanto à litigância de má-fé que naquele lhe foi imputada, conheceu-se do mérito da impugnação ao arresto decretado sem que estivessem reunidas as condições indispensáveis para tal (excesso de pronúncia) e não se conheceu, como devia ter acontecido uma vez garantido também quanto a ela aquele direito, da questão da litigância de má-fé a pretexto, legalmente inadmissível, de a relegar para ulterior momento (omissão de pronúncia) – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2020-03-19, Relator: JOSÉ AMARAL, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[48] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5º, p. 58.
[49] Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do nº 1 do artigo 529º, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[50] O princípio da causalidade também funciona em sede de recurso, devendo a parte vencida nele ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[51] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.
[52] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.
[53] Acórdão assinado digitalmente.
[54] O acórdão definitivo é lavrado de harmonia com a orientação que tenha prevalecido, devendo o vencido, quanto à decisão ou quanto aos simples fundamentos, assinar em último lugar, com a sucinta menção das razões de discordância – art. 663º, nº 1, do CPCivil.
[55] Funcionando em regime de colegialidade, se algum dos juízes discordar da decisão ou de algum dos seus fundamentos, expressá-lo-á mediante a apresentação de voto de vencido ou de declaração de voto – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.