Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25924/15.7T8LSB-A.L1-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
RESPONSABILIDADE DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – A regra do nº2 do art. 14º do CIRE, tal como a do nº9 do art. 638º do CPC, não significa que aproveite a todos os recorrentes o último prazo a terminar. Para isso teria que ter sido prevista uma regra similar à do nº 2 do art. 569º do CPC, e não foi essa a opção do legislador.
2 - Quando a parte constituiu mandatário, a notificação a partir da qual se deve contar o prazo perentório de interposição de recurso é a que foi efetuada ao mandatário judicial, nos termos do nº1 do art. 247º nº1 do CPC.
3 - As máximas de experiência não são, por si, um meio de prova mas desempenham uma função probatória, intervindo na construção de presunções judiciais – funcionando como a premissa maior do silogismo que se produz ao adotar o facto indiciário como premissa menor; servindo para completar o resultado de outra prova, confirmando-o ou infirmando-o; atuando como elemento auxiliar de análise das provas, na respetiva valoração; servindo de referência ou critério; e podendo mesmo intervir como critério de admissibilidade de prova.
4 - É admissível a prova de factos negativos, devendo os factos negativos definidos ser provados por via presuntiva com base na demonstração de factos secundários ou instrumentais dos quais se possa inferir como provável o facto negativo, e os factos negativos indefinidos mediante a prova facto específico positivo contrário.
5 - São objeto da prova os factos e não as fontes ou os meios de prova; a mera enunciação do teor de um documento, por si, não deve constar de um elenco de factos provados dado que o documento, por regra, não é objeto de prova. A fixação da factualidade assente passa pelo crivo valorativo do juiz e não se confunde com a mera enunciação acrítica do teor integral dos documentos que são juntos ao processo.
6 - Quando o conteúdo do documento é uma declaração de ciência o tema da prova não incidirá sobre a própria declaração, mas antes sobre o objeto da declaração, constituindo o documento uma fonte indireta de prova dos factos que são objeto de declaração.
7 - Um processo concursal puro, em que uma pluralidades de partes processuais se encontra em determinada posição na lide (os credores), com uma contra-parte comum a todas elas (a massa insolvente, representada pelo respetivo administrador de insolvência ou Liquidatário Judicial), é campo fértil para aplicação do princípio da aquisição processual.
8 - Para aplicar o princípio da aquisição processual deve indagar-se se o facto invocado pode ser considerado genérico, se foi devidamente contraditado pela parte contra quem foi alegado, se foi objeto de devida instrução e se está a ser invocado pela parte que dele beneficia.
9 - A classificação dos instrumentos financeiros como complexos ou não complexos depende da obrigação subscrita por cada credor, pelo que só impugnação a impugnação, e relativamente a cada um dos instrumentos em causa, se poderá aferir da possibilidade de utilização dos factos apurados no âmbito de outras impugnações.
10 - Uma vez que a não prova de um facto não implica prova do contrário, por regra não há contradição entre um facto positivo e um facto negativo, dado que o segundo nada representa em termos factuais.
11 - A análise da impugnação da matéria de facto só deve ser efetuada relativamente aos factos que revestem relevância para a decisão do mérito da causa, ponderadas as várias soluções plausíveis de direito.
12 - As normas aplicáveis à atividade de intermediação financeira (centralmente o Código dos Valores Mobiliários, mas não só), são as normas vigentes à data da realização dos investimentos, atento o disposto no art. 12º do Código Civil.
13 - Os acórdãos de uniformização constituem um precedente qualificado, de carácter persuasivo, cujos argumentos merecem especial ponderação na apreciação e decisão de causas às quais tais argumentos possam ser aplicáveis.
14 - Embora uma transferência bancária não envolva mais que uma variação dos saldos das contas (da conta debitada e da conta creditada), insere-se numa teia jurídica, corporiza o meio de pagamento de uma obrigação, tem pressupostos, um dos quais a disponibilidade de fundos na conta origem, e concretiza-se num registo causal, que traduz uma operação real. Não se trata de uma operação abstrata que dê origem a um registo abstrato.
15 - A responsabilidade do intermediário financeiro insere-se, por regra, na responsabilidade obrigacional, dado que a relação de intermediação tem por base um negócio antecedente, designado como negócio de cobertura, que serve de base à subscrição ou transação de valores mobiliários, não havendo, porém, face à letra da lei que afastar a segmentação dos pressupostos de responsabilidade civil.
16 - Os intermediários financeiros são responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, presumindo-se a sua culpa, presunção esta que abrange o juízo de ilicitude quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais.
17 - Ao investidor, putativo lesado, incumbe a prova de que o intermediário financeiro incumpriu com o dever de informação que o onerava; por sua vez, ao intermediário financeiro incumbe o ónus de provar de que cumpriu com tal dever, de acordo com as regras legalmente previstas e com observância dos princípios ético-jurídicos aplicáveis.
18 - Não sendo possível concluir pela prova do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação apurada e o resultado danoso sofrido pelos recorrentes – que, tanto quanto foi possível apurar, teve como causa a rutura financeira da sociedade emitente dos instrumentos financeiros, possivelmente causada por alterações à estrutura do grupo em que se inseria, mas cujo reflexo não era conhecido na data em que os investimentos foram realizados – não é possível concluir pela responsabilidade do intermediário financeiro.
19 - A forma escrita e a redução a escrito das ordens de execução de investimento orais não são formalidades ad substantium, não sendo, assim, aplicável o regime do nº1 do art. 364º do Código Civil.
20 - Não revestem igualmente carater ad probationem: a não sujeição a escrito da ordem por parte do intermediário não contende com a validade da ordem dada, não se lhe aplicando o nº1 do art. 393º do CC, sujeitando-se o intermediário às consequências sancionatórias constantes do art. 397.º, n.º 2, alínea e), do CVM.
21 - Na relação de intermediação financeira a intensidade dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente.
22 - A informação que, sendo prestada antes da tomada de decisão de subscrição, descreveu as caraterísticas do instrumento financeiro, transmitiu a informação disponível ao momento, não suscitou dúvidas no cliente, se adequou ao respetivo perfil de investidor – tratava-se de renovação de subscrições anteriores -, foi efetuada sem influência, ordem ou recomendação de colocação privilegiada, apesar de se tratar de um produto emitido por empresa do mesmo grupo que o intermediário, situação igualmente informada, e sem conteúdo ilícito, preenche os requisitos do art. 7º CVM.
23 - O intermediário financeiro, no âmbito de um contrato de transmissão e execução de ordem, não tem o dever de prestar todas as informações relativas a todos os riscos envolvidos, designadamente o risco de insolvência do emitente, que corre por conta do investidor, desde que imprevisível à data da subscrição.
24 - O respeito pelo procedimento previsto no artigo 317º-B nº5 do CVM, que regula o pedido de tratamento do cliente como investidor qualificado terá que ser preciso e integral, dada a função instrumental da norma em relação à proteção dos investidores – a não comunicação ao cliente, por escrito, do deferimento do seu pedido, implica que este não fica ciente da aplicabilidade, a partir desse momento, das consequências da alteração de estatuto, mesmo quando antecipadamente as tenha declarado conhecer.
25 - Os nºs 2 e 3 do art. 317º-B do CVM estabelecem, para a categorização do cliente como investidor qualificado, a necessidade de uma avaliação qualitativa por parte do intermediário e de uma avaliação quantitativa cuja responsabilidade recai, na maior parte dos casos, sobre o cliente, o único que domina a informação requerida.
26 - Uma vez deferido o estatuto de investidor qualificado, o cliente fica vinculado a deveres de informação em relação a qualquer alteração suscetível de afetar a qualificação atribuída e o intermediário financeiro fica sujeito a deveres de vigilância em relação ao ajustamento da qualificação feita, inexistindo qualquer previsão de periodicidade da revisão.
27 - A violação do dever de observar o procedimento para o tratamento como investidor qualificado, por si, não é suscetível de causar prejuízo. O que poderá eventualmente ser causador de prejuízo ao investidor nesta situação é se for tratado como investidor qualificado – quando dada a irregularidade, nunca deixou de ser um investidor não qualificado – e nessa medida não lhe seja, por exemplo, prestada informação proporcional ou avaliada a adequação dos seus investimentos.
28 - Os produtos financeiros são complexos se tiverem as caraterísticas previstas na lei para o efeito e não porque assim são designados, seja pelo intermediário, seja pelo emitente.
29 - Em matéria de conflitos de interesses, a modulação do dever de informação refletirá a intensidade da situação de conflito de interesses, se existir, ou da potencialidade do mesmo.
30 - O dever de lealdade apresenta uma dimensão positiva (atuação no melhor interesse do cliente) e uma dimensão negativa que se desenvolveu a partir de dois conceitos: o dever de evitar conflitos e a proibição de benefícios ilegítimos, que, como se denota do texto do nº3 do art. 309º, merece especial preocupação relativamente aos grupos de sociedades em que o intermediário esteja inserido.
31 - Em matéria de conflitos de interesses é irrelevante que o serviço esteja a ser prestado a um cliente qualificado, não qualificado ou contraparte elegível – a categorização é aqui indiferente, apenas relevando no cumprimento dos deveres de informação reflexos, não a categoria do cliente, mas sim o seu perfil, tendo o intermediário que garantir a compreensão dos riscos informados.
32 - O risco de conflito de interesses resultante do facto de o intermediário se inserir no mesmo grupo que o emitente varia também em função das concretas posições das sociedades em causa no grupo.
33 - Uma obrigação por prazo certo, com reembolso integral do capital na maturidade e taxa de juro fixa não é um produto financeiro complexo, dado que só depende do decurso do tempo e incorpora apenas os seus riscos próprios.
34 - As advertências previstas nos nºs 2 e 3 do art. 314º do CVM apenas são efetuadas caso não se tenha procedido à avaliação da adequação da operação ao perfil do cliente.
35 - O dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento.
36 - O dever de adequação previsto no art. 314º do CVM é um dever complexo que compreende, entre outros, o dever de conhecimento do cliente e o dever de conhecer os produtos aconselhados ou geridos e que visa a proteção do investidor também de si próprio; além de conhecer a vontade do investidor, o intermediário financeiro terá sempre que recolher mais informação objetiva sobre este.
37 - A diversificação é uma forma de atenuar ou eliminar certos tipos de risco que, em concreto, dependendo das caraterísticas dos investidores e dos ativos, pode estar compreendida na avaliação de adequação prevista no referido art. 314º do CVM.
38 - A avaliação da informação à data em que foi prestada é corolário da regra de que a responsabilidade do intermediário deve ser aferida com referência à data em que ocorreram os factos.
39 - A razão de ser da regra de proibição do conhecimento de questões novas em recurso prende-se com a função própria dos recursos, que não são aptos à discussão de questões que não o foram em 1ª instância. A limitação própria do recurso tornaria esse um exercício iníquo, nomeadamente para as partes, surpreendidas com matéria totalmente desconhecida e para a qual não se prepararam ou estão sequer cientes possa ser discutida.
40 - Num processo concursal, em que existe uma pluralidade de partes processuais (credores) colocadas numa determinada posição na lide, dificilmente se pode qualificar, em relação à contraparte comum a todas elas, a massa insolvente, representada pelo respetivo administrador ou Liquidatário, como questão nova uma questão que foi, efetivamente, discutida e apreciada pelo tribunal a quo, só que a propósito da pretensão de outro credor.
41 - A indagação a fazer é de se o facto invocado pode ser considerado genérico, se foi devidamente contraditado pela parte contra quem foi alegado, se foi objeto de devida instrução e se está a ser invocado pela parte que dele beneficia, ficando, porém, quem o invoca apenas em recurso, limitada pelos termos em que outros a alegaram e pela apreciação feita pelo tribunal a propósito da alegação de outros credores;
42 - A aferição da ilicitude da conduta do intermediário financeiro terá de se fazer tendo por referência a época em que a informação acerca do produto proposto ou solicitado foi ou deveria ter sido prestada.
43 - O dever de organização interna, previsto no art. 305º do CVM é uma das concretizações do princípio da atuação de boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, e que prevê que o intermediário financeiro deve manter a sua organização empresarial equipada com os meios humanos, materiais e técnicos necessários para prestar os seus serviços em condições adequadas de qualidade, profissionalismo e de eficiência.
44 - Outra das concretizações é o dever de execução nas melhores condições (best execution), previsto no art. 330º do CVM que assenta no desenvolvimento de esforços razoáveis, tratando-se de uma obrigação de meios e não necessariamente de resultado.
45 - Num contexto absolutamente invulgar, marcado por condicionantes sem paralelo, não é razoável exigir a uma instituição que aumente a sua estrutura organizativa para dar uma resposta atempada a um número muito elevado e concentrado de ordens cujo cumprimento envolve terceiros.
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório

Por sentença de 29/09/2015, transitada em julgado, foi determinado o prosseguimento da liquidação judicial de Banque Privée Espírito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal nos termos dos arts. 8º e ss. do Regime Especial de Liquidação das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras.
Foi reclamada a verificação e graduação de créditos sobre a devedora, nos termos e prazo estabelecidos para o efeito, tendo, entre outros, sido reclamados créditos por FRF, LCM e BCM, ASC, MLSC, SSC e PSC, EPR, LAC, MSL, SLL S.A., CCN; AFS e MFN, MCN.
O Sr. Liquidatário Judicial apresentou a lista prevista no art. 129º do CIRE, na qual:
- não reconheceu ao credor FRF um crédito reclamado de € 1.733.001,21;
- não reconheceu aos credores LCM e BCM um crédito reclamado de € 300.000,00;
- não reconheceu aos credores ASC, MLSC, SSC e PSC um crédito reclamado de € 295.083,83;
- não reconheceu à credora EPR um crédito reclamado de € 593.276,72;
- reconheceu ao credor LAC um crédito privilegiado não reclamado de € 938,14 e não reconheceu, ao mesmo credor, um crédito reclamado de € 160.000,00;
- reconheceu à credora MSL um crédito privilegiado não reclamado de € 0,68 e não reconheceu, à mesma credora, um crédito reclamado de € 2.338.208,60;
- reconheceu à credora SLL S.A. um crédito privilegiado reclamado de € 185,58 e não reconheceu à mesma credora os seguintes créditos reclamados:
- € 254,35 (privilegiado);
- € 514.659,00;
- € 20.373.877,09;
- € 16.446.885,85;
- € 122.356.731,98;
- € 4.686.999,02; e
- € 314.161,95.
- não reconheceu ao credor CCN um crédito reclamado de € 661.000,00;
- não reconheceu à credora AFS um crédito reclamado de € 254.336,49; e
- não reconheceu aos credores MFN e MCN um crédito reclamado de € 754.000,00.
Impugnaram, nos termos previstos no artigo 130.º n.ºs 1 e 2 do CIRE, o não reconhecimento do crédito por si reclamado:
- FRF e VJF;
- ASC, MLSC, SSC e PSC ;
- LCM e BCM;
- MSL;
- EPR;
- MFN e MCN;
- AFS;
- CCN;
- SLL, SA; e
- LAC.
O Sr. Liquidatário veio responder às impugnações apresentadas, pedindo a respetiva improcedência.
Foi dispensada a realização de tentativa de conciliação e foi proferido despacho saneador que, em conhecimento parcial de mérito julgou não verificados vários créditos, entre os quais, declarando não verificados €143.649.905,48 reclamados por SLL, SA.
Foi identificado o objeto do litígio e indicados, relativamente aos recorrentes, os seguintes temas da prova[1]:
“(…)”
Foi realizada audiência de julgamento e veio a ser proferida em 14/12/2020, sentença nos seguintes termos:
“Considerando os fundamentos de facto e de direito supra expostos o tribunal julga:
A) Verificados os créditos que infra se identificam, reclamados pelos Impugnantes:
15 - EPI, S.A.: um crédito comum (condicional) até ao valor máximo de €460.882,27;
21 - AMB: um crédito comum (condicional) até ao valor máximo de €140.000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data do termo da liquidação do Fundo ExS até efectivo pagamento
27 - MSL: um crédito comum (condicional) até ao valor máximo de €81.733,72, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data do termo da liquidação do Fundo ExS até efectivo pagamento
32 - MMF: um crédito comum (condicional) até ao valor máximo de €213.526,64, acrescido juros de mora, à taxa legal, contabilizados desde a data do termo da liquidação do Fundo ExS até efectivo pagamento;
44 - CSV e ASV: um crédito comum (condicional) até ao valor máximo de €5.656,97;
52 - JRC: um crédito comum (condicional) até ao valor máximo de €69.702,25 e um crédito privilegiado no valor de €927,25.
*
B) Não verificados os créditos reclamados pelos seguintes Impugnantes:
1 - FRF e VJF
2 - LPS e JPS
4 - HB, S.A. (antigo Banco …, S.A.)
5 - ACS, MSC, SSC e PSC
6 - PGA
7 - PNA
8 - LMA
9 - MSN
10 - MCF e RNF
11 - FF Unipessoal, Lda.
12 - FM, Lda.
13 - NF Unipessoal, Lda.
14 - ALO, MGV, AOM e MGO.
16 - G, S.A.
18 - APL
19 - JSV
22 - MBR
23 - ABM e MCC
25 - LCM e BCM
28 - ART
29 - FFR
30 - FV, Lda.
31 - GR, Lda.
33 - JLA
34 - ASA
35 - EPR
36 - FRG, MCR e FJRG
38 - JCG
39 - JMM
40 - ATA
41 - MRG, RRG, ABB e CAB
42 - MQP
45 - LAS
46 - MUF, JUF, RUF e MJUF
47 - AP, Lda.
48 - MFN e MCN
49 - CCN
50 - AFS
51 - JJA
53 - SLL S.A.
54 - MTT
55 - LAC”
E graduou os créditos verificados.
*
Inconformados apelaram:
- FRF e VJF;
- LCM e BCM;
- ASC, MLSC, SSC e PSC;
- EPR;
- LAC;
- MSL;
- SLL S.A.;
- Herdeiros de CCN;
- AFS; e
- MFN e MCN.
*
Foram juntas aos autos certidões de óbito e de habilitação notarial de herdeiros por óbito do reclamante CCN (requerimento ref.ª 37655148 de 08/01/2021 e requerimento ref.ª 41463218 de 28/02/2022).
*
1.1. Recurso interposto por FRF e VJF – impugnação nº1:
Inconformados apelaram FRF e VJF pedindo seja dado provimento ao recurso e revogada a sentença proferida, julgando-se procedente a impugnação apresentada pelos Recorrentes e verificando-se o crédito por estes reclamado, formulando as seguintes conclusões:
“(…).”
O Liquidatário Judicial apresentou contra-alegações, pedindo seja o recurso interposto julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
“(…)”
*
1.2. Recurso interposto por LCM e BCM – Impugnação nº 25:
Igualmente inconformados apelaram LCM e BCM, pedindo a revisão e alteração da matéria de facto assente como provada e não provada, com todas as decorrências legais, designadamente a alteração da decisão recorrida no sentido da verificação do credito peticionado pelos Recorrentes, apresentando as seguintes conclusões:
“(…).”
O Liquidatário Judicial apresentou contra-alegações, pedindo seja o recurso interposto julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
“(…)”
*
1.3. Recurso interposto por ASC, MLSC, SSC e PSC – Impugnação nº5:
Também inconformados apelaram ASC, MLSC, SSC e PSC, pedindo seja concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a impugnação procedente e reconheça aos Impugnantes o valor do crédito reclamado, apresentando as seguintes conclusões:
  “(…).”
O Liquidatário Judicial apresentou contra-alegações, pedindo seja o recurso interposto julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
“(…).”
*
1.4. Recurso interposto por EPR – Impugnação nº 35:
Inconformada apelou EPR, pedindo a procedência do recurso e, em consequência, a revogação da sentença recorrida e substituição que condene a Liquidanda em todas as quantias reclamadas, formulando as seguintes conclusões:
  “(…).”
O Liquidatário Judicial apresentou contra-alegações, pedindo seja o recurso interposto julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
  “(…).”
*
1.5. Recurso interposto por LAC – Impugnação nº 55:
Inconformado apelou LAC, pedindo a procedência do recurso e formulando as seguintes conclusões:
  “(…).”
  O Liquidatário Judicial apresentou contra-alegações, pedindo seja o recurso interposto julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
“(…).”
*
1.6. Recurso interposto por MSL – Impugnação nº 27:
Inconformada apelou MSL, pedindo seja provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a Impugnação apresentada procedente nos seus precisos termos e ser reconhecido e graduado os créditos reclamados pela Impugnante, formulando as seguintes conclusões:
“(…).”
  O Liquidatário Judicial apresentou contra-alegações, pedindo seja o recurso interposto julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
“(…).”
*
1.7. Recurso interposto por SLL S.A. – impugnação nº 53:
Inconformada apelou SLL S.A., pedindo a alteração da decisão sobre matéria de facto e a revogação e substituição da decisão por outra que julgue verificados os créditos reclamados pela ora Recorrente, apresentando as seguintes conclusões:
  “(…).”
  O Liquidatário Judicial apresentou contra-alegações, pedindo seja o recurso interposto julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
  “(…)”
*
1.8. Recurso interposto por MFN, MCN, e CFS, na qualidade de herdeiros do credor CCN – impugnação nº 49:
Inconformados apelaram MFN, MCN, e CFS, na qualidade de herdeiros do credor CCN, juntando certidão de óbito do mesmo, pedindo seja dado provimento ao recurso e, em consequência, seja reconhecido aos herdeiros do credor CCN, o crédito reclamado de € 661.000,00, a título de danos causados, apresentando as seguintes conclusões:
  “(…).”
  O Liquidatário Judicial apresentou contra-alegações, pedindo seja o recurso interposto julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
“(…).”
*
1.9. Recurso interposto por AFS – impugnação nº 50:
Inconformada apelou AFS, pedindo seja dado provimento ao recurso e, em consequência, ser reconhecido a AFS, o crédito reclamado de € 254.336,49, a título de danos causados, apresentando as seguintes conclusões:
“(…).”
  O Liquidatário Judicial apresentou contra-alegações, pedindo seja o recurso interposto julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
“(…).”
*
1.10. Recurso interposto por MFN e MCN– impugnação nº 48:
  Inconformados apelaram MFN e MCN, pedindo seja dado provimento ao recurso e, em consequência, ser-lhes reconhecido o crédito reclamado de € 754.000,00, a título de danos causados, apresentando as seguintes conclusões:
“(…).”
O Liquidatário Judicial apresentou contra-alegações, pedindo seja o recurso interposto julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
“(…).”
*
Os recursos foram admitidos por despacho de 09/07/2021 (ref.ª 407138034).
*
Tendo sido arguida, em contra-alegações e em requerimento autónomo, a intempestividade dos recursos interpostos por AFS, MFN, MCN e CFS, na qualidade de herdeiros do Impugnante CCN e a MFN e MCN, foi proferido pela relatora despacho concedendo prazo para pronúncia quanto à questão aos referidos recorrentes.
Os identificados recorrentes vieram arguir a inadmissibilidade do requerimento apresentado e pugnando pela tempestividade dos recursos por si apresentados, dado que tendo sido notificados da sentença o mandatário e as partes, em datas diferentes, valerá a última data de notificação.
*
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
*
Ir-se-á manter a numeração atribuída às impugnações de crédito ao longo do processo – vide despacho saneador de 28/08/2018 – com o intuito de facilitar a designação, leitura e compreensão da decisão que segue.
Irá, igualmente, seguir-se a sistemática da decisão recorrida, conhecendo, em relação a cada um dos recursos de todas as questões suscitadas, incluindo a impugnação da matéria de facto, sendo inicialmente enunciada a matéria de facto comum, seguida da matéria de facto específica, em relação a cada um dos recursos.
*
2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se oficiosamente e daquela cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes as questões a decidir por ordem lógico-processual:
1 – Como questão prévia a admissibilidade dos recursos referidos em 1.8., 1.9. e 1.10. correspondentes às impugnações 49, 50 e 48, interpostos por MFN, MCN e CFS, na qualidade de herdeiros do Impugnante CCN, por AFS, e por MFN e MCN;
2 – Quanto ao recurso constante de 1.1. interposto por FRF e VJF, correspondente à impugnação nº1:
- determinar se foi impugnada a decisão relativa à matéria de facto.
3 – Quanto aos recursos referidos em 1.2. a 1.10. (e também quanto aos recursos constantes de 1.8., 1.9. e 1.10., caso sejam considerados admissíveis e ao recurso constante de 1.1. se a resposta à questão identificada em “2” for positiva):
- Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
4 - Quanto ao recurso constante de 1.1. interposto por FRF e VJF, correspondente à impugnação nº1:
- determinar se foram alegadas questões novas, insuscetíveis de apreciação em sede recursória;
- determinar se existe responsabilidade da liquidanda pela satisfação do crédito reclamado pelos recorrentes, por ter recebido o reembolso da aplicação efetuada por estes, por transferência bancária, em 20/06/2014, sem o ter creditado a seu favor.
5 – Quanto ao recurso 1.2. interposto por LCM e BCM, correspondente à impugnação nº25:
- aferição de se a aplicação efetuada pelos recorrentes, que não veio a ser reembolsada, foi efetuada no âmbito do contrato de consultoria para investimento celebrado com a liquidanda ou em execução de ordem de investimento destes;
- do conhecimento, por parte da liquidanda, da situação da emitente dos instrumentos financeiros à data da subscrição dos mesmos.
6 – Quanto ao recurso 1.3. interposto por ASC, MLSC, SSC e PSC, correspondente à impugnação nº5:
- aferição da existência e validade de ordem de subscrição de “Rio Forte Investments EMTN SR 217 2014/27.02.2015” efetuada pelos recorrentes;
- violação dos deveres de informação a que a liquidanda estava sujeita enquanto intermediária financeira.
7 – Quanto ao recurso 1.4. interposto por interposto por EPR, correspondente à impugnação nº35:
- subscrição pela recorrente da ordem de execução de investimento relativa aos instrumento financeiro 4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014;
- categorização da recorrente como investidora qualificada e respetiva relevância;
- atualização do perfil de investidora da recorrente;
- classificação dos instrumentos financeiro subscritos pela recorrente como produtos complexos e respetiva relevância;
- aferição da violação dos deveres de informação por parte da liquidanda em matéria de conflito de interesses;
- aferição da violação do dever de adequação pela Liquidanda.
8 – Quanto ao recurso 1.5. interposto por LAC, correspondente à impugnação nº55:
- violação dos deveres de informação a que a liquidanda estava sujeita enquanto intermediária financeira;
- errada a avaliação do perfil de investidor do recorrente, classificação dos instrumentos financeiros subscritos;
9 – Quanto ao recurso 1.6., interposto por MSL correspondente à impugnação nº 27:
- aferir se foram violados os deveres de adequação, de conhecimento do cliente e de informação;
- determinar, se admissível, se a liquidanda violou ordem expressa dada pelo Banco de Portugal;
- determinar se a liquidanda assumiu a obrigação de reembolso à recorrente.
10 – Quanto ao recurso 1.7. interposto por SLL S.A., correspondente à impugnação nº 53:
- violação dos deveres de informação, de agir com elevada diligência e de organização interna por parte da liquidanda, enquanto intermediária financeira;
- âmbito dos prejuízos sofridos pela credora, incluindo valores que deixou de auferir, custos e perdas de clientela no mercado português e respetivos pressupostos de imputação à liquidanda.
11 – Em caso de admissão do recurso 1.8., correspondente à impugnação nº 49, interposto por MFN, MCN e CFS, na qualidade de herdeiros do Impugnante CCN, a verificação da existência dos pressupostos da responsabilidade da sucursal liquidanda pelas perdas sofridas pelo credor, na sua qualidade de cliente da sede.
12 – Em caso de admissão do recurso 1.9., correspondente à impugnação nº 50, interposto por AFS, a verificação da existência dos pressupostos da responsabilidade da sucursal liquidanda pelas perdas sofridas pelo recorrente na sua qualidade de cliente da sede.
13 – Em caso de admissão do recurso 1.10., correspondente à impugnação nº 48, interposto por MFN e MCN, a verificação da existência dos pressupostos da responsabilidade da sucursal liquidanda pelas perdas sofridas pelos recorrentes, na sua qualidade de clientes da sede.
*
3. Fundamentação de facto:
O Tribunal de 1ª instância proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto[2]:
“A) FACTOS PROVADOS[3]
Excluídas as enunciações constantes dos articulados das partes que se reconduzem a meros juízos conclusivos e de direito, a afirmações genéricas, vagas e abstractas ou a alegações jurídicas e os factos exclusivamente relacionados com pedidos já conhecidos nos autos, com relevância para conhecer das impugnações deduzidas, encontram-se provados, os seguintes factos:
I. Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal foi constituída em 12.10.2007, com um capital social de €17.500.000,00.
II. Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal tem como objecto social a exploração de um Banco, principalmente orientado para a gestão de fortuna e direccionada a uma clientela privada e institucional essencialmente estrangeira, em particular europeia e sul americana, e igualmente a uma clientela Suíça.
III. Aquando da constituição foram nomeados como representantes da Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal, JAC e BHG.
IV. Em 28.9.2010 foi registado o aumento de capital de Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal para o montante de €20.000.000,00.
V. A Liquidanda foi um intermediário financeiro registado na C.M.V.M. sob o n.º323 e esteve autorizada a exercer actividades de intermediação financeira no período de 31 de Outubro de 2007 a 21 de Setembro de 2015.
VI. Em 19.9.2014 o Banco de Portugal deliberou aplicar à sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A., as seguintes medidas de intervenção correctiva:
1. Proibição de concessão de crédito e de aplicação de fundos em quaisquer espécies de activos;
2. Proibição de recepção de depósitos.
VII. Por deliberação do Banco de Portugal de 19.9.2014, registada em 4.12.2014, JAC e BHG foram designados administradores provisórios da Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal, nos termos do art.143º do RGICSF.
VIII. Aos administradores provisórios foram atribuídas competências para tomar as medidas adequadas à preservação dos activos da sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e ao cumprimento do disposto no art.54º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).
IX. Por deliberação datada de 21 de Setembro de 2015, o Banco de Portugal revogou a autorização da Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal para o exercício da actividade legalmente permitida às sucursais de instituições de crédito.
X. Em 23 de Setembro de 2015 o Banco de Portugal requereu ao tribunal a liquidação da Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal.
XI. Por decisão datada de 29.9.2015, proferida no processo principal, foi determinado o prosseguimento da liquidação judicial de Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal e nomeado Liquidatário Judicial BHG.
XII. Por AP. 173 de 8.2.2019 mostra-se registada a dissolução e designação de Liquidatário Judicial da Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal, BHG.
XIII. Banque Privée Espirito Santo, S.A., inscrita no registo em 13.1.1977, tem sede na Avenue Général-Guisan 70ª, 1009 Pully.
XIV. Desde a constituição da Banque Privée Espirito Santo, S.A., a sociedade teve registados como administradores:
JESS, Presidente do Conselho de Administração;
JCB Vice-Presidente, Administrador;
EHB, Administrador;
MMA, Administrador;
AMN, Administrador;
MR, Vice-Presidente, Administrador;
AR, Administrador;
JBZ, Administrador;
RESS, Administrador;
THE, Administrador;
CL, Administrador;
FESS, Administrador;
CBA, Administrador;
PF, Administrador;
TMA, Administrador;
XV. O Comité Executivo da Banque Privée Espirito Santo, S.A. era composto por JCA; PAC e SF.
XVI. No registo comercial referente à sociedade Banque Privée Espirito Santo, S.A., BHG está registado como: sub-director; director-adjunto, procurador e director, por inscrições com datas de Fevereiro de 2001, Fevereiro de 2002, Abril de 2003, Março de 2004 e Janeiro de 2005.
XVII. Em assembleia geral extraordinária realizada no dia 22 de Julho de 2014, os accionistas da Banque Privée Espírito Santo, S.A. deliberaram proceder à dissolução e liquidação do Banco.
XVIII. À data de 29.7.2014 mostravam-se registados como Administradores Liquidatários da Banque Privée Espirito Santo, SA:
JESS, Presidente do Conselho de Administração da liquidação;
JCB, Vice-Presidente do Conselho de Administração da liquidação;
THE, Administrador da liquidação;
PF, Administrador da liquidação;
CL, Administrador da liquidação;
TMA, Administrador da liquidação;
AL, Administrador da liquidação;
JBZ, Administrador da liquidação;
XIX. À data de 29.7.2014 mostravam-se registados os seguintes órgãos do Banque Privée Espirito Santo, SA:
Director-Geral: JCA;
Director-Geral Adjunto: PAC
Director-Geral Adjunto: SF
XX. Por deliberação de 17.9.2014, a FINMA (Autoridade Suíça de Supervisão dos Mercados Financeiros) declarou a insolvência da Banque Privée Espírito Santo, S.A., com efeitos a partir de 19 de Setembro de 2014, entrando – e encontrando-se ainda – em processo de liquidação e de reclamação de créditos, tendo sido nomeado como liquidatário a sociedade “CC, SA”.
XXI. Em 30 de Setembro de 2013, a estrutura do Grupo Espírito Santo era a seguinte:
- A Espirito Santo International, S.A. (ESI) era detida em 55,5% pela sociedade denominada Espírito Santo Control;
- A Espirito Santo International, S.A. (ESI) era detentora de 100% do capital da Rio Forte Investments S.A.;
- A Espírito Santo Financial Group (ESFG) era detida em 36,2% pela Espírito Santo International (ESI) e em 10% pela Espírito Santo Irmãos;
- A Espírito Santo Financière, S.A. (ESFIL) era detida a 100% pela ESFG;
- A Banque Privée Espirito Santo, S.A. era detido em 99,3% pela sociedade Espírito Santo Financière (ESFIL) e em 0,7% pela Espírito Santo Finantial Group, S.A. (ESFG);
XXII. Em 31.12.2013 o “Board of Directors” da Espírito Santo Finantial Group (ESFG) era integrado por:
- RESS,
- JPSS,
- ARR,
- MMA,
- MESS,
- JBG,
- PMB,
- PG,
- JSR,
- PBC,
- CAF,
- ARO,
- OB,
- IMM,
- BB,
- MGP,
- JRP,
- LDL,
- RHH,
- JMP.
XXIII. Na mesma data constituíam o Comité Executivo da Espírito Santo Finantial Group (ESFG):
- RHH,
- GLP,
- JCC,
- JCS,
- JMP.
XXIV. Espirito Santo International, S.A. tem estabelecimento principal em 22/24 Boulevard Royal, L-2449 Luxemburgo.
XXV. A administração da ESI foi composta pelos membros seguintes:
(i) EMM, Administrador - membro do Conselho de Administração, nomeado em 24.6.2011, que apresentou demissão das suas funções com efeitos a partir de 7 de Maio de 2014;
(ii) REP, Administrador - membro do Conselho de Administração, nomeado em 24.6.2011, que apresentou demissão das suas funções com efeitos a partir de 5 de Maio de 2014;
(iii) JLSS, Administrador - membro do Conselho de Administração, nomeado em 24.6.2011, que apresentou demissão das suas funções com efeitos a partir de 11 de Abril de 2014;
(iv) FMSS, Administrador - membro do Conselho de Administração, nomeado em 24.6.2011, que apresentou demissão das suas funções com efeitos a partir de 9 de Abril de 2014;
(v) DPC, Administrador - membro do Conselho de Administração, nomeado em 24.6.2011, que apresentou demissão das suas funções com efeitos a partir de 8 de Abril de 2014;
(vi) RESS, Administrador - membro do Conselho de Administração, nomeado em 24.6.2011, que apresentou demissão das suas funções com efeitos a partir de 18 de Março de 2014;
(vii) JSR, Administrador - membro do Conselho de Administração, nomeado em 24.6.2011, que apresentou demissão das suas funções com efeitos a partir de 14 de Março de 2014;
(viii) RESS, Administrador - membro do Conselho de Administração, nomeado em 24.6.2011, que apresentou demissão das suas funções com efeitos a partir de 11 de Março de 2014;
(ix) PMB, Administrador - membro do Conselho de Administração, nomeado em 24.6.2011, que apresentou demissão das suas funções com efeitos a partir de 11 de Dezembro de 2013;
(x) JMESS, Administrador - membro do Conselho de Administração, nomeado em 24.6.2011, que apresentou demissão das suas funções com efeitos a partir de 11 de Abril de 2014;
(xi) PMA, Administrador -membro do Conselho de Administração, nomeado em 7.11.2011.
XXVI. JCC, Director (procurador de gestão diária) da ESI, nomeado em 24.5.2000, apresentou demissão das suas funções com efeitos a partir de 18 de Março de 2014.
XXVII. As contas da ESFIL estavam integradas e eram consolidadas com as da holding – Espírito Santo Financial Group S.A.
XXVIII. As contas da ESFIL (consolidadas com a ESFG) eram auditadas e certificadas pela KPMG.
XXIX. De acordo com as contas anuais a 31.12.2013, a ESFIL apresentava resultados positivos de €36.719.
XXX. Em 31.7.2014, a ESFIL apresentou pedido de gestion contrôlée, pedido que foi negado.
XXXI. Em 10.10.2014, a ESFIL foi declarada insolvente.
XXXII. Rio Forte Investments, S.A., tem sede social em 22/241, Boulevard Royal, L-2449 Luxemburgo.
XXXIII. Entre 2010 e 2013 e por novo período de 3 anos, em conformidade com deliberação da assembleia geral ordinária de 25.6.2013, o Conselho de Administração da Rio Forte foi composto por:
- MESS – Presidente;
- FFM - Vice-Presidente;
- CMR – Administrador não Executivo;
- FA – Administrador não Executivo;
- GDJ III – Administrador não Executivo;
- FMC - Administrador não Executivo; membro da Comissão de Auditoria;
- JCRP - Administrador Executivo - membro da Comissão de Investimentos;
- GGC - Administrador Executivo - membro da Comissão de Investimentos;
- COG - Administrador Executivo - membro da Comissão de Investimentos;
XXXIV. A Rio Forte era dona dos Hotéis Tivoli, da Espírito Santo Saúde, da Herdade da Comporta e da Espírito Santo Viagens.
XXXV. A Rio Forte apresentava no seu portefólio investimentos em Portugal, no Brasil, em Angola, em Moçambique, na República do Congo e no Paraguai, e detinha interesses no turismo, na saúde, no imobiliário, na agricultura e na energia.
XXXVI. Na análise de risco efectuada à Rio Forte, datada de 2.8.2013, o Departamento de Risco Global do Grupo Espírito Santo chegou à conclusão que o risco de crédito da Rio Forte era de “B+”.
XXXVII. No final de Outubro de 2013 foi noticiado que a Rio Forte planeava a realização, em 2014, de um encaixe de aproximadamente mil milhões de euros, mediante a dispersão em bolsa de partes do capital da Espírito Santo Saúde, sua participada, e da própria Rio Forte.
XXXVIII. A Rio Forte Investments, S.A. tinha contas supervisionadas e certificadas, sendo Revisor Oficial de Contas a sociedade E & Y, com sede social no ….
XXXIX. As contas da Rio Forte de 2012 e 2013 eram auditadas, apresentando um EBITDA (resultado antes de encargos financeiros, impostos e amortizações) de €128.359.000,00 em 2013 e de €76.081.000,00 em 2012.
XL. A Rio Forte apresentava um capital próprio positivo de €932.015.000,00 em 2013 e €966.938.000,00 em 2012.
XLI. A Rio Forte era a holding da área não financeira do Grupo Espírito Santo, até à alteração da estrutura do grupo com a aquisição de 49,26% da ESFG, com efeitos a 31.12.2013, após a qual passou a deter a área financeira e a não financeira nos seguintes termos:
XLII. Em data anterior a 31.12.2013 a seguinte a estrutura do Grupo Espírito Santo dividia-se em área financeira e não financeira nos seguintes termos:
XLIII. Por referência à data de 15.5.2014, a Rio Forte detinha 100% da ES Irmãos, esta detinha 49,26% da ESFG, titular de 100% do capital da ESFIL, que era titular de 100% do capital social da Banque Privée Espirito Santo, S.A.
XLIV. Em 24.6.2014 a Rio Forte estava a preparar o aumento de capital, a ser deliberado em início de Julho.
XLV. Em 22.7.2014 a Rio Forte emitiu um comunicado de imprensa no qual informa ter apresentado um pedido de gestão controlada, pedido relacionado com dificuldades substanciais ocorridas na sociedade que detém 100% do seu capital, a Espirito Santo International, S.A. (ESI), a qual apresentou pedido semelhante no dia 18.7.2014, mais informando não ter condições para cumprir com as obrigações decorrentes de determinadas dividas, cuja maturidade ocorreu desde 9.7.2014 e que se venceram após 16.7.2014.
XLVI. Em 22.7.2014, a Rio Forte apresentou pedido de gestion contrôlée, que foi negado.
XLVII. Em 8.12.2014, a Rio Forte foi declarada insolvente.
XLVIII. As holdings do Grupo Espírito Santo, Espirito Santo International, S.A. (ESI) e Espírito Santo Finantial Group (ESFG) foram declaradas insolventes, no segundo semestre de 2014.
XLIX. Em 12 de Dezembro de 2013, o “Wall Street Journal” publicou uma notícia intitulada “Espírito Santo Engages in Financial Gymnastics to Survive Crisis”, com o teor constante de fls. 3241 a 3245 e 14844 a 14846 (tradução), que aqui se dá por integralmente reproduzido.
L. Em 25.3.2014 a Espirito Santo Financial Group (ESFG) emitiu uma informação ao mercado dando conta que a próxima assembleia geral, a realizar no dia 25.4.2014, não iria apreciar as demonstrações financeiras auditadas, individuais e consolidadas relativas ao ano findo em 31.12.2013, sendo a assembleia para esse efeito adiada para data não posterior a 31.5.2014, antecipando que as demonstrações financeiras viessem a incluir uma provisão extraordinária de €700 milhões, referente a potencias riscos associados à exposição às actividades não financeiras do Grupo Espírito Santo.
LI. No dia 25 de Março de 2014 foi publicado um artigo revelando que o Banco de Portugal, na sequência de uma auditoria da KPMG feita à ESI, havia obrigado o ESFG à criação de uma provisão de 700 milhões de euros para garantir pagamento de papel comercial vendido aos balcões do BES.
LII. Em artigos publicados na imprensa datados de 25/3/2014, 26/3/2014, 30/3/2014, 14/4/2014, 28/4/2014, 5/5/2014, 20/5/2014 e 21/5/2015, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, são referidas questões relacionadas com dívida emitida pelo Grupo Espírito Santo, designadamente, pela ESI.
LIII. Em 20 de Maio de 2014, no âmbito do processo de aumento de capital de €1.044.571.587,80, mediante a emissão de 1.607.033.212, 00 novas acções, o Banco Espírito Santo, S.A. emitiu o prospecto da oferta pública de subscrição cuja cópia se mostra a fls. 6409 e ss., dando-se o respectivo teor aqui por integralmente reproduzido.
LIV. Na pág. 57 do prospecto podia ler-se:
“A Espírito Santo International colocou em marcha um programa de reorganização do seu grupo e de desalavancagem, o qual se destina a reequilibrar a sua situação financeira, tendo as respetivas contas vindo a ser objeto de auditorias.
Foram subscritos por clientes do BES – investidores institucionais e não-institucionais – determinados instrumentos de dívida, nomeadamente papel comercial, emitidos pela Espírito Santo International e por algumas das suas subsidiárias.
Em 31 de dezembro de 2013, o montante total destes instrumentos de dívida que se encontravam por reembolsar era de € 3.035 milhões, dos quais € 1.565 milhões se referiam a instrumentos de dívida detidos por investidores não-institucionais e € 1.470 milhões eram relativos a instrumentos de dívida detidos por investidores institucionais. Em 30 de abril de 2014, o valor dos instrumentos de dívida detidos por investidores não-institucionais ascendia a € 516 milhões, enquanto o valor detido por investidores institucionais ascendia a €732 milhões. Em 19 de maio de 2014, o valor dos instrumentos de dívida detidos por investidores não institucionais ascendia a € 395 milhões, enquanto o valor detido por investidores institucionais ascendia a € 564 milhões.
No seu relatório de auditoria às contas consolidadas do Grupo BES no exercício findo em 31 de dezembro de 2013, a KPMG incluiu uma ênfase respeitante à nota 46, que faz referência à colocação, pelo Grupo BES, de determinados instrumentos de dívida emitidos pela Espírito Santo International e algumas das suas subsidiárias.
Em face da situação financeira global da Espírito Santo International e dos desafios associados à capacidade desta para implementar totalmente os seus programas de reorganização e de desalavancagem, a ESFG emitiu, ela própria, uma garantia incondicional e irrevogável destinada a assegurar o cumprimento das obrigações da ESI associados aos instrumentos de dívida por ela emitidos e colocados através do BES junto dos seus clientes não institucionais.”
LV. Na pág. 58 do prospecto constava:
“A Espírito Santo Internacional, S.A. (ESI) foi objeto de uma revisão limitada de finalidade especial, relativamente às demonstrações financeiras consolidadas pró-forma a 30 de setembro de 2013 e 31 de dezembro de 2013, efetuada por um auditor externo, que apurou irregularidades nas suas contas e concluiu que a sociedade apresenta uma situação financeira grave.
A Comissão de Auditoria do ESFG identificou igualmente irregularidades materialmente relevantes nas contas da ESI.”
LVI. Num artigo publicado no jornal “Público”, em 23 de Maio de 2014, pode ler-se:
1. “As irregularidades detetadas nas contas da Espírito Santo International (ESI) traduzem-se na ocultação de 1200 milhões de euros em dívida nas contas de 2012, de acordo com o relatório de auditoria da Espírito Santo Financial Group (ESFG), a que o semanário Expresso teve acesso.
2. Segundo o Expresso, a ESI não registou 1200 milhões de euros de dívidas nas contas de 2012 e “é essa a natureza e o valor das “irregularidades materialmente relevantes” detetadas na auditoria às contas da holding controlada pela família Espírito Santo (…) 3. Essas irregularidades deixavam a holding numa “situação financeira grave”, assumiu o banco liderado por RESS. Uma “situação de falência técnica”, segundo o Expresso, que cita o relatório de 7 de Abril da comissão de auditoria da ESFG, dona do BES (…)
4. Na sequência das conclusões da auditoria, a ESI, a holding que controla a área financeira (BES) e não financeira (Rioforte) do Grupo Espírito Santo (GES), foi obrigada a reescrever as suas contas e, em consequência, viu o passivo agravar-se, passando a capitais próprios negativos de 2500 milhões de Euros.”
LVII. Em 29 de Maio de 2014, a Espírito Santo Financial Group, S.A. divulgou um comunicado, com cópia a fls. 3252 a 3254, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se podia ler o seguinte:
“A ESFG informa que foi concluída, recentemente, a segunda fase do trabalho de revisão limitada de finalidade especial às demonstrações financeiras consolidadas pró-forma da Espírito Santo International, S.A. (“ESI”), sociedade de direito luxemburguês, acionista com participação qualificada indireta de 49,2% na ESFG (“Auditoria Limitada”), efetuada por auditor independente, relativa à situação patrimonial da ESI, com referência à data de 31 de dezembro de 2013.
Em resultado desta Auditoria Limitada, foram identificadas irregularidades materialmente relevantes nas demonstrações financeiras da ESI, pondo em causa a completude e veracidade dos seus registos contabilísticos, e que consistem, designadamente, na não preparação de contas consolidadas, não contabilização de passivos financeiros de elevada dimensão, sobrevalorização de ativos, não reconhecimento de provisões para riscos e contingências diversas, suporte inadequado de registos contabilísticos e transacções cuja forma não corresponde à respectiva substância. (…)”
LVIII. Em Junho de 2014 foi realizado um aumento de capital do BES, no valor de €1.044.571.587,80, mediante a emissão de 1.607.033.212,00 novas acções.
LIX. Num artigo publicado no Novojornal, em 23.10.2014, pode ler-se:
“Já PSG (…) numa alusão a uma passagem da entrevista de RESS, hoje ao Jornal de Negócios, em que este responsabiliza o homem forte da contabilidade de Espírito Santo International (ESI) pelas irregularidades detetadas na auditoria realizada àquela holding do Grupo Espírito Santo (GES) a pedido do Banco de Portugal”(…);
“PSG já tinha tocado no assunto BES/RESS na quarta-feira numa crónica intitulada “Diz-me quem és BES”. Escreveu, então: ”Não é um prospeto, é uma confissão. Por escrito. A confissão de prejuízos, de dívidas, de irregularidades, de falências – técnicas, porque há capitais próprios negativos; morais, porque os atos têm assinatura. E tiveram cérebro. O Grupo Espírito Santo está uma desgraça”(…).
“Depois de falar de outros casos, CL toca também na operação de aumento de capital do BES: “O prospeto da operação avança que a auditoria pedida pelo Banco de Portugal à Espírito Santo International, holding que controla o Grupo, apresenta uma situação financeira grave”.
Gravidade confirmada pela comissão de auditoria do Espírito Santo Finantial Group (braço financeiro do GES) que apurou “irregularidades materialmente graves nas contas da Espírito Santo International.”
LX. No documento do Banco de Portugal, com data de 17 de Novembro de 2014, intitulado “Estratégia de ring-fencing desenvolvida pelo Banco de Portugal”, junto como doc. 70 com a impugnação da SL, SA a fls. 3336 e ss. que aqui se dá por integralmente consta, além do mais:
- A decisão de incluir aquelas entidades aconteceu apesar da ESI não ter sido identificada como um mutuário de risco material no contexto do ETRICC e de uma parte significativa das exposições sobre as empresas não financeiras do Grupo Espírito Santo ter sido objecto de análise no âmbito dos exercícios transversais promovidos pelo Banco de Portugal sem que tenham sido apurados quaisquer desvios de imparidades. Tal significa que as quatro maiores empresas de auditoria, validaram imparidades quase nulas para estas exposições. – Cfr. ponto 4;
- Em 11 de Junho de 2013, o Banco de Portugal determinou que o Espírito Santo Financial Group, S.A. deveria reduzir gradualmente a sua exposição directa e indirecta ao Grupo Espírito Sant. - Cfr. ponto 8;
- Em 26 de Novembro de 2013, o Banco Espírito Santo, S.A. informou o Banco de Portugal de que os passivos financeiros da Espírito Santo International, S.A. ascenderiam, com referência a 30 de Setembro de 2013, a 5,6 mil milhões de euros - Cfr. ponto 5;
- Os passivos financeiros da Espírito Santo International, S.A. ascenderiam a 3,4 mil milhões de euros em 31 de Dezembro de 2012 e a 3,9 mil milhões de euros, em 30 de Junho de 2013 - Cfr. ponto 5;
- Em 29 de Novembro de 2013, o Banco de Portugal solicitou que fossem elaboradas contas consolidadas pró-forma da Espírito Santo International, S.A., com referência a 30 de Setembro de 2013, acompanhadas de parecer do auditor externo, tendo a ESFG seleccionado a KPMG - Cfr. ponto 11;
- Em 3 de Dezembro de 2013, o Banco de Portugal determinou a constituição de uma barreira de protecção (“ring fencing”) face aos riscos emergentes do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo, ordenando que o grupo Espírito Santo Financial Group adoptasse as seguintes medidas:
(i) Eliminação da exposição, resultante quer do financiamento directo ou indirecto, quer da concessão de garantias do grupo Espírito Santo Financial Group, S.A. à Espírito Santo International, S.A. que não estivesse coberta por garantias juridicamente vinculativas e prudentemente avaliadas;
(ii) Constituição de uma conta à ordem (conta escrow) alimentada por recursos alheios ao grupo Espírito Santo Financial Group, S.A., com um montante equivalente à dívida emitida pela Espírito Santo International, S.A. e detida por clientes do Banco Espírito Santo, S.A. na sequência da colocação na respectiva rede de retalho, devendo essa conta ser exclusivamente destinada ao reembolso dessa dívida. - Cfr. ponto 12;
- O Banco de Portugal determinou ainda que o incumprimento das medidas supramencionadas implicaria a necessidade de constituir uma provisão nas contas do grupo Espírito Santo Financial Group para cobertura dos riscos associados à situação financeira da Espírito Santo International, S.A. - Cfr. ponto 13;
- Em 7 de Fevereiro de 2014, a KPMG informou o Banco de Portugal de que o valor da provisão a constituir para cobertura dos riscos associados à situação financeira da Espírito Santo International, S.A. ascendia a 700 milhões de euros. - Cfr. ponto 15;
- A PWC analisou os modelos económico financeiros de suporte aos planos de negócio das entidades que compunham o Grupo Espírito Santo, tendo concluído que, de modo a assegurar um nível de endividamento sustentável das “holdings” não operacionais do Grupo Espírito Santo, deveria ser registada uma imparidade sobre as exposições em balanço destas entidades no valor equivalente a 10%. - Cfr. ponto 16;
- A Espírito Santo Financial Group, S.A. constituiu uma provisão extraordinária de 700 milhões de euros para cobrir os riscos da exposição ao sector não financeiro do Grupo Espírito Santo. – Cfr. ponto 20.
Em 21 Maio de 2014, foi concluída a segunda fase do trabalho de revisão das demonstrações financeiras consolidadas pró-forma da Espírito Santo International, S.A. com referência a 31 de Dezembro de 2013. – Cfr. ponto 21;
- Em 14 de Fevereiro de 2014, o Banco de Portugal determinou que fossem implementadas várias medidas de reforço de governo interno, entre as quais, a proibição de comercialização, directa ou indirecta (designadamente, através de fundos de investimento ou outras instituições financeiras), de dívidas de entidades do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo junto de clientes de retalho. - Cfr. ponto 26;
- Em 26 de Fevereiro de 2014, com o objectivo de assegurar o envolvimento de todos os membros do órgão de administração do Banco Espirito Santo, S.A. e da ESFG nas decisões tomadas em respostas às determinações impostas, o Banco de Portugal determinou que as matérias em causa deveriam ser levadas ao conhecimento de todos os membros dos órgãos de administração da ESFG e do Banco Espirito Santo, S.A. - Cfr. ponto 27;
- No dia 30 de Julho de 2014 o Banco Espirito Santo, S.A anunciou, com referência a 30 de Junho de 2014, que ultrapassaram largamente os valores previsíveis à luz da informação até então disponibilizada, incorporando uma perda adicional na ordem de 1,5 mil milhões de euros. – Cfr. ponto 35;
- Em 28 de Maio de 2014, foi entregue no Banco de Portugal cópia de um relatório elaborado por uma sociedade de advogados luxemburguesa, que concluiu por uma forte suspeita de falsificação das demonstrações financeiras da Espírito Santo International, S.A. - Cfr. ponto 42.
LXI. O relatório da auditoria da KPMG às contas da ESI (com cópia), só foi divulgada ao público pelo Jornal “Expresso” em Dezembro de 2014.
LXII. O Fundo “ExS Cash Plus Segregated Portfolio” foi constituído em 19.2.2007, ocorrendo as primeiras subscrições em 19.6.2007, e tendo atingindo um pico máximo de capital em 2010.
LXIII. A cotação do Fundo “ExS Cash Plus” entre 18.6.2007 e 16.6.2014 é a que se mostra espelhada no doc. de fls. 7187 a 7193, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
LXIV. A rentabilidade/desempenho absoluto do Fundo “ExS Cash Plus Segregated Portfolio” foi de 4,11% no ano de 2008, 4,45% no ano de 2009, 1,62% no ano de 2010, 4,58% no ano de 2011, 4,30% no ano de 2012, 3,95% no ano de 2013 e 1,52% a 31.5.2014.
LXV. O Banco Privée Espírito Santo, S.A. era o Corretor Principal, Depositário e Consultor de Investimentos do Fundo ExS Cash Plus Segregated Portfolio.
LXVI. A gestão do Fundo era efectuada pela S& GFA Ltd., na qualidade de “Agente Administrativo”.
LXVII. As actividades de gestão do Fundo eram geridas pela ECM Limited (antes designada E& P Limited), na qualidade de “Gestora de Investimentos”.
LXVIII. As contas do Fundo eram auditadas pela KMPG C.
LXIX. O Banque Privée Espirito Santo, S.A. foi designado pelo Fundo ExS para proceder ao registo individualizado da totalidade das acções emitidas por este fundo, as quais se encontravam registadas numa única conta aberta pela Banque Privée Espirito Santo, S.A. em nome próprio, mas por conta dos clientes por conta dos quais se realizou o investimento nessas acções.
LXX. O cálculo periódico do valor líquido das acções representativas dos Sub-Fundos era efectuado pela S&GFA Ltd.
LXXI. No que respeita às contas do exercício de 2011, os auditores do Fundo ExS produziram um relatório de auditoria sem quaisquer reservas.
LXXII. O Fundo “ExS Cash Plus Segregated Portfolio” tinha investimento em empresas do Grupo Espirito Santo de, pelo menos, 54,52% em 2010, e 61,56% em 2011.
LXXIII. Em 2010 o Fundo tinha investimentos em obrigações da Espirito Santo International, SA e também em acções preferenciais, sendo este último no valor de €23.286.475 e o investimento em dívida no valor de €72.185.404.
LXXIV. Por referência a 31.12.2011, o Fundo ExS era, designadamente, composto por Obrigações da Espirito Santo International, SA e da Rio Forte, bem como por acções preferenciais da E.S. International Overseas Limited).
LXXV. Por referência a 31.12.2011, o Fundo ExS era, designadamente, composto por acções preferenciais (investimento em capital), no valor de €25.388.503 e Obrigações (investimento em dívida) no valor de €24.128.000.
LXXVI. Por comunicação dirigida aos accionistas pela administradora do Fundo ExS – S&GFA Ltd. datada de 2.7.2014, a mesma informa que “(…) o gestor de investimentos do fundo notificou os seus Administradores que o pagamento de dividendos de uma emissão de acções preferenciais e o reembolso do capital e pagamento de juros na maturidade de uma obrigação de taxa fixa, ambas pertencentes ao portfólio da ExS Cash Plus Portfólio segregado se encontram vencidas e não pagas e que o portfólio do ExS Cash Plus (US Dollar) Portfólio Segregado contém acções preferenciais emitidas pelo mesmo emitente e obrigações emitidas por uma das suas sociedades subsidiárias. Como consequência o valor desses produtos é incerto.
Em resposta os Administradores emitiram uma deliberação em 2 de Julho de 2014, pela qual suspenderam o cálculo do valor líquido do fundo, bem como os resgates e subscrições dos sub-fundos (…)”.
LXXVII. A rentabilidade do Fundo BPI Liquidez era a indicada na informação de fls. 7209/7210, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
LXXVIII. A rentabilidade do Fundo de Investimento Mobiliário Aberto Banif Euro Tesouraria era a indicada na informação de fls. 7212, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
LXXIX. A rentabilidade dos Fundos de Investimento Mobiliário comercializados pelo Montepio era a indicada na informação de fls. 7214/7215, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
LXXX. No período anterior a 1.8.2013 a oferta comercial da Banque Privée Espirito Santo para depósitos a prazo não mobilizáveis antecipadamente a 3 meses era de 2,10% de taxa; a 6 meses era de 2,60%.
LXXXI. Após 1.8.2013 a oferta comercial da Banque Privée Espirito Santo para depósitos a prazo a 3 meses era de 2,10% de taxa; a 6 meses era de 2,35%.
LXXXII. Após 3.1.2014 a oferta comercial da Banque Privée Espirito Santo para depósitos a prazo a 3 meses era de 1,85% de taxa; a 6 meses era de 2,10%.
LXXXIII. No período anterior a 1.8.2013 a oferta comercial da Banque Privée Espirito Santo para produtos ESFIL a 3 meses era de 3,25% de taxa; a 6 meses era de 4%.
LXXXIV. Após 1.8.2013 a oferta comercial para o mesmo produto com prazo a 3 meses era de 3% de taxa; a 6 meses era de 3,50%.
LXXXV. Após 3.1.2014 a oferta comercial da Banque Privée Espirito Santo (BPES) para os mesmos produtos era de 3% de taxa; a 6 meses era de 3,50%.
LXXXVI. No período anterior a 1.8.2013 a oferta comercial da Banque Privée Espirito Santo (BPES) para produtos Rio Forte e Euroamerican EMTN a 3 meses era de 4,25% de taxa; a 6 meses era de 4,75%.
LXXXVII. Após 1.8.2013 a oferta comercial para o mesmo produto com prazo a 3 meses era de 3,75% de taxa; a 6 meses era de 4,25%.
LXXXVIII. Após 3.1.2014 a oferta comercial da Banque Privée Espirito Santo (BPES) para os mesmos produtos era de 4,25% de taxa; a 6 meses era de 4,35%.
LXXXIX. Foram apreendidos para a massa insolvente os seguintes bens:
- Títulos carteira própria Interbolsa no valor de €144.596,00;
- Saldos bancários no valor de €738.458,00+€13.997.170,38;
- Bens móveis melhor descritos a fls. 5 a 8 do apenso F, incluindo 10 Quadros Aguarela do pintor Vasco Bobone; 2 Barcos madeira do escultor Lenine e o valor de €520.259,80 arrestado no P. n.º3354/15.3T8LSB-A do J19 da Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa;
- Prédio Urbano denominado “Lote 5”, composto de terreno para construção, sito no Lugar de Vila Verde, União das Freguesias de Fânzeres e S. Pedro da Cova, concelho de Gondomar, descrito ma Conservatória do Registo Predial de sob o n.º2207 e inscrito na matriz sob o artigo 10983;
- Prédio Urbano denominado “Lote 10”, composto de terreno para construção, sito no Lugar de Vila Verde, União das Freguesias de Fânzeres e S. Pedro da Cova, concelho de Gondomar, descrito ma Conservatória do Registo Predial de sob o n.º2212 e inscrito na matriz sob o artigo 10986;
- Prédio Urbano denominado “Lote 17”, composto de terreno para construção, sito no Lugar de Vila Verde, União das Freguesias de Fânzeres e S. Pedro da Cova, concelho de Gondomar, descrito ma Conservatória do Registo Predial de sob o n.º2219 e inscrito na matriz sob o artigo 10993.”
*
3.1. Matéria de facto provada relativamente à impugnação nº1, correspondente ao Recurso 1.1. interposto por FRF e VJF:
1.1. Os Impugnantes celebraram com a Liquidanda um contrato de abertura de conta, com o clausulado idêntico ao constante a fls. 9461 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, à qual foi atribuído o nº 850601, tendo como gestora da conta de que eram contitulares APR.
1.2. Em Junho de 2011, os Impugnantes celebraram com a Banque Privée Espirito Santo, S.A. um contrato de abertura de conta, passando a ser contitulares da conta bancária nº 802118, sediada na Suíça.
1.3. Os Impugnantes celebraram com a Banque Privée Espirito Santo, S.A. um acordo denominado “mandato para aplicações fiduciárias”, cuja cópia se mostra a fls. 57 dos autos, dando-se o respectivo teor por integralmente reproduzido, nos termos do qual se prevê, além do mais:
“Artigo 1 O cliente mandata o Banco para aplicar, em seu próprio nome, mas por conta e risco do Cliente, os seus fundos disponíveis em conta corrente sob forma de depósitos ou empréstimos a prazo fixo, junto de bancos ou de sociedades associadas ao Grupo Espirito Santo. O Banco actua na qualidade de mandatário nos termos dos artigos 394º e seguintes do Código das obrigações e de acordo com a sua livre apreciação. Todavia o Cliente tem o direito, nos termos do presente mandato, de transmitir instruções especificas ao Banco relativas a esses depósitos.
(…) as aplicações junto de sociedades associadas ao Grupo Espírito Santo podem executar-se, nomeadamente, junto da Espírito Santo Control, S.A., Espírito Santo International S.A., Espírito Santo Resources Limited e Rio Forte Investments, S.A.”
Artigo 3 O montante, o devedor e as condições de aplicação são determinadas para cada operação, no exclusivo critério do Banco, ou pelo cliente, mediante instruções especificas transmitidas para o efeito. (…)
Artigo 4 Os depósitos são constituídos em função das disponibilidades do cliente. A este respeito fica convencionado que o Banco não está autorizado a utilizar os depósitos realizados com origem em facilidades de crédito concedidas ao Cliente para a realização de aplicações financeiras concretizadas de acordo com o seu livre critério. Esta restrição não abrange a liquidez momentaneamente disponível, salvo instruções contrárias do Cliente transmitidas ao Banco.
Artigo 5 O Banco só é obrigado a transferir para o cliente os montantes a título de reembolso de capital e de pagamento dos juros que tenham sido colocados à sua disposição no local da sua sede. O Banco não assume qualquer outra responsabilidade independente da sua natureza, mesmo em caso de insolvência do banco ou da sociedade depositária, excepto quando o Cliente prove ter ocorrido falha grave do Banco na escolha do banco ou sociedade depositária e desde que o Cliente não tenha decidido ou consentido essa escolha. O Cliente fica assim informado que suporta e aceita assumir, o risco do incumprimento do banco ou da sociedade depositária (risco de convenção “del credere”). No caso de aplicações concretizadas junto de uma sucursal do Banco no estrangeiro, o risco de incumprimento engloba igualmente o do próprio Banco.
Artigo 6 No caso de incumprimento, total ou parcial, das obrigações de um Banco ou de uma sociedade depositária estrangeira, por força de regulamentação em matéria de transferência e/ou de câmbio aplicável no seu país ou no país de moeda do depósito, o Banco só tem a obrigação de ceder ao Cliente o crédito que detém sobre a sua conta. O Banco não está vinculado a qualquer outra obrigação.”
1.4. A abertura de conta junto da Banque Privée Espirito Santo, S.A. foi acompanhada da designação de PE, funcionário daquela instituição, como gestor da mesma, passando a acompanhar os Impugnantes na gestão da referida conta e do contrato de mandato, mantendo estes contactos com aquele gestor.
1.5. No que ao dinheiro depositado na conta dos Impugnantes aberta junto da Banque Privée Espirito Santo, S.A. respeita, APR apenas procedia à consulta dos movimentos efectuados, pedia e entregava extractos desta conta, quando tal lhe era solicitado pelos Impugnantes.
1.6. Os Impugnantes autorizaram APR a, em seu nome, solicitar e agilizar a chegada de informação ou documentos referentes à conta aberta na Suíça.
1.7. Nem a referida APR, nem qualquer outro colaborador ou funcionário da Liquidanda, podiam dar instruções ou executar ordens para a realização de aplicações na conta dos Impugnantes, aberta junto da Banque Privée Espirito Santo, S.A.
1.8. As ordens relativas a operações a realizar com a liquidez depositada na conta aberta na Suíça, eram dadas directamente aa Banque Privée Espirito Santo, S.A. pelos Impugnantes.
1.9. Em 21 de Março de 2014, os Impugnantes foram informados, através de carta cuja cópia se mostra a fls.86, que a Banque Privée Espirito Santo, S.A., enquanto mandatário, havia realizado por sua conta, uma aplicação junto da Espirito Santo Internacional (ESI), capital de €1.634.000,00, com prazo de 90 dias, sendo o vencimento em 19 de Junho de 2014.
1.10. A aplicação em causa consistia na compra de “Notes” emitidas pela sociedade ESI, com prazo de 90 dias.
1.11. Na maturidade a aplicação poderia ser renovada ou os Impugnantes poderiam exigir o pagamento das “Notes”, ficando a ESI obrigada a pagar o montante devido aos compradores.
1.12. Os Impugnantes já haviam realizado sucessivas aplicações deste tipo ao abrigo do contrato de mandato.
1.13. A Liquidanda não podia fazer este tipo de aplicações fiduciárias.
1.14. Por carta datada de 11 de Junho de 2014, cuja cópia se mostra a fls.90, foi comunicado pelos Impugnantes ao Banque Privée Espirito Santo, S.A., que não pretendiam a renovação da aplicação supra identificada, pretendendo que em 19 de Junho de 2014, data de vencimento da referida aplicação, fosse saldada a conta n.º 802118 e transferido o montante aplicado para a conta da titularidade dos Impugnantes na sociedade em liquidação.
1.15. No dia 19 de Junho 2014 venceu-se a referida aplicação, com a referência 14257615.
1.16. Em 20 de Junho de 2014, foi emitido o seguinte documento:
(…)
1.17. Nesse documento, o valor total de €1.644.000,00, corresponde a €1.634.000,00 de capital, €13.889,00 de juros, deduzido de €2.042,50 de comissão de gestão do banco e €1.846,50 de despesas de transferência.
1.18. Esse documento foi remetido ao Impugnante VF, via e-mail, pela gestora de conta, APR.
1.19. O documento emitido pela Banque Privée Espirito Santo, S.A. em 20 de Junho de 2014 foi originado no Back Office da Banque Privée Espirito Santo, S.A., na Suíça, onde PP era colaboradora.
1.20. No dia 23 de Junho de 2014, os Impugnantes constataram que o dinheiro não constava na sua conta aberta junto da sociedade em liquidação.
1.21. Em 10 de Setembro de 2014, o Impugnante VF enviou um e-mail a PE, com o seguinte teor:
(…)
1.22. PE respondeu, também por e-mail datado de 12 de Setembro de 2014, nos termos que seguem:
(…)
1.23. As ordens de transferência eram colocadas em sistema por uma assistente do serviço a clientes, de seguida tinham que ser validadas pelo departamento jurídico, após o que eram executadas pelo Back-Office.
1.24. O documento emitido pela Banque Privée Espirito Santo, S.A., em 20 de Junho de 2014, não era uma instrução de um banco para outro para pagamento de fundos.
1.25. Este documento era emitido previamente à transferência dos fundos para confirmação pelo banco emissor da transferência, ao banco em que se encontrava a conta de destino, que os valores estavam correctos e que a conta de destino era a indicada.
1.27.[4] O investimento feito pelos Impugnantes em “Notes” emitidas pela ESI não foi reembolsado para a conta daqueles na Banque Privée Espirito Santo, S.A.
1.28. A transferência do valor investido pelos Impugnantes para a conta aberta na Liquidanda não chegou a realizar-se.
1.29. A Banque Privée Espirito Santo, S.A. emitiu o pré-aviso da transferência solicitada pelos Impugnantes sem saber que a ESI não realizaria o pagamento.
1.30. A Liquidanda não tinha conhecimento de uma ruptura financeira do Grupo Espírito Santo.
1.31. A Liquidanda e a Banque Privée Espirito Santo, S.A. foram surpreendidos com o incumprimento pela ESI.
*
3.2. Matéria de facto provada relativamente à impugnação nº25, correspondente ao recurso 1.2., interposto por LCM e BCM:
25.1. O Impugnante LCM nasceu a 24.10.1948 e é licenciado em Engenharia.
25.2. A Impugnante BCM nasceu a 28.8.1951 e é licenciada em Farmácia.
25.3. Em 26 de Setembro de 2013, os Impugnantes e a Banque Privée Espírito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal celebraram o denominado “Contrato de abertura de conta”, cuja cópia se mostra a fls. 11184 e ss., dando-se o respectivo teor aqui por integralmente reproduzido, passando a ser titulares da conta n.º 850815.
25.4. Em 26 de Setembro de 2013, os Impugnantes celebraram com a Liquidanda um denominado “Contrato de consultoria para investimento”, cuja cópia se mostra a fls. 1335 e ss., dando-se o respectivo teor aqui por integralmente reproduzido.
25.5. No questionário designado “Perfil de Investidor”, cuja cópia se mostra a fls. 1337 a 1339, dando-se o respectivo teor por integralmente reproduzido, a Impugnante BCM assinalou, além do mais:
- Ter mais de 60 anos;
- Ter como habilitações académicas licenciatura ou superior;
- O seu sector de actividade: reformada;
- Moeda de referência: EUR;
- Investir em produtos financeiros há mais de 15 anos;
- Investir em produtos financeiros directamente ou delegando em terceiros;
- Investir em produtos financeiros regularmente (6 a 12 transacções por trimestre);
- Já ter investido no mercado em Portugal e na Europa;
- Avaliar os seus conhecimentos sobre instrumentos, produtos e mercados financeiros como “Médios” (alguma percepção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros);
- Conhecer e ter: depósitos a prazo; obrigações que não incorporem derivados (ex. obrigações do tesouro, obrigações de empresa); instrumentos do mercado monetário (ex. bilhetes do tesouro, papel comercial;
- Conhecer acções negociadas em mercado regulamentado (nacionais ou estrangeiras); fundos de investimento harmonizados; Exchange Trade Funds);
- Desconhecer: acções não negociadas em mercado regulamentado; fundos de investimento não harmonizados; convertíveis; obrigações que incorporem derivados (ex. obrigações com warrants); instrumentos financeiros derivados, incl. futuros, swaps e forwards (sobre acções, divisas, taxas de juro, matérias-primas, etc.);
- Conhecer produtos estruturados, incl. reverse convertibles e credit link notes;
- Valor do património 2 a 5M€;
- Do qual em activos financeiros 50 a 75%;
- Principal razão de investimento nos mercados financeiros: preservar o valor do capital;
- Expectativa de rendimento médio anual: >inflação;
Preocupar-se com a preservação do capital, mas pretender potenciar a valorização e nesse sentido permitir flutuações;
- Do seu património financeiro estaria disposta a investir em activos de risco médio ou elevado, tais como acções e unidades de participação em fundos de investimento de acções até 10%.
25.6. O resultado do questionário corresponde a um perfil “moderado”, a que a instituição bancária atribuiu as seguintes características:
Conhecimentos: O investidor tem elevados conhecimentos económico-financeiros, é capaz de distinguir claramente as diferentes classes de activos e sabe o que está a ocorrer nos mercados financeiros (desenvolvidos ou emergentes). Também conhece os mercados cambiais ou de investimentos alternativos.
Investimentos: obrigações e instrumentos do mercado monetário, com uma exposição considerável a acções e outras classes de activos. Elevada experiência de investimento em mercados financeiros e investimento regular quer em mercados desenvolvidos quer emergentes.
Objectivos: Crescimento do valor do capital. Está disposto a assumir flutuações consideráveis de capital por forma a potenciar e rentabilidade.
Riscos: A tolerância ao risco é média a elevada.
25.7. No questionário designado “Perfil de Investidor”, cuja cópia se mostra a fls. 1340 a 1342, dando-se o respectivo teor por integralmente reproduzido, o Impugnante LCM assinalou, além do mais:
- Ter mais de 60 anos;
- Ter como habilitações académicas licenciatura ou superior;
- O seu sector de actividade: consultoria engenharia;
- Moeda de referência: EUR;
- Investir em produtos financeiros há mais de 15 anos;
- Investir em produtos financeiros directamente ou delegando em terceiros;
- Investir em produtos financeiros regularmente (6 a 12 transacções por trimestre);
- Já ter investido no mercado em Portugal e na Europa;
- Avaliar os seus conhecimentos sobre instrumentos, produtos e mercados financeiros como “Médios” (alguma percepção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros);
- Conhecer e ter: depósitos a prazo; obrigações que não incorporem derivados (ex. obrigações do tesouro, obrigações de empresa); instrumentos do mercado monetário (ex. bilhetes do tesouro, papel comercial;
- Conhecer acções negociadas em mercado regulamentado (nacionais ou estrangeiras); fundos de investimento harmonizados; Exchange Trade Funds);
- Desconhecer: acções não negociadas em mercado regulamentado; fundos de investimento não harmonizados; convertíveis; obrigações que incorporem derivados (ex. obrigações com warrants); instrumentos financeiros derivados, incl. futuros, swaps e forwards (sobre acções, divisas, taxas de juro, matérias-primas, etc.);
- Conhecer produtos estruturados, incl. reverse convertibles e credit link notes;
- Valor do património 2 a 5M€;
- Do qual em activos financeiros 50 a 75%;
- Principal razão de investimento nos mercados financeiros: preservar o valor do capital;
- Expectativa de rendimento médio anual: >inflação;
- Preocupar-se com a preservação do capital, mas pretender potenciar a valorização e nesse sentido permitir flutuações;
- Do seu património financeiro estaria disposta a investir em activos de risco médio ou elevado, tais como acções e unidades de participação em fundos de investimento de acções até 10%.
25.8. O resultado do questionário corresponde a um perfil “moderado”, a que a instituição bancária atribuiu as seguintes características:
Conhecimentos: O investidor tem elevados conhecimentos económico-financeiros, é capaz de distinguir claramente as diferentes classes de activos e sabe o que está a ocorrer nos mercados financeiros (desenvolvidos ou emergentes). Também conhece os mercados cambiais ou de investimentos alternativos.
Investimentos: obrigações e instrumentos do mercado monetário, com uma exposição considerável a acções e outras classes de activos. Elevada experiência de investimento em mercados financeiros e investimento regular quer em mercados desenvolvidos quer emergentes.
Objectivos: Crescimento do valor do capital. Está disposto a assumir flutuações consideráveis de capital por forma a potenciar e rentabilidade.
Riscos: A tolerância ao risco é média a elevada.
25.9. Em 30.9.2013 os Impugnantes subscreveram “Notes” com a designação “4,75% RIO FORTE INVESTMENTS SA, EMTN SR – 173”, no valor de €200.000,00, com vencimento em 1.10.2014.
25.10. Em Janeiro de 2014, os Impugnantes subscreveram obrigações Rio Forte, no valor de €100.000,00, com vencimento em 10.4.2014.
25.11. O capital de €100.000,00, investido em Janeiro de 2014, foi reembolsado e reinvestido no mesmo dia, 10.4.2014, na aplicação “Notes” com a designação “4% RIO FORTE INVESTMENTS SA, EMTN SR – 231”, no valor de €100.000,00, com vencimento em 10.7.2014.
25.12. O pagamento da aquisição das aplicações financeiras foi efectuado pelos fundos depositados na conta n.º 850815, as comissões da intermediação financeira da instituição em liquidação também e os juros e as remunerações das aplicações adquiridas também caíam na mesma conta.
25.13. A Liquidanda executou as ordens de investimento nas obrigações Rio Forte que foram associadas à conta n.º850815.01, conta “Non géré”, titulada pelos Impugnantes.
25.14. Nas obrigações Rio Forte subscritas as datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios já estavam definidas no momento da subscrição e foram transmitidas aos Impugnantes mediante documento.
25.15. As obrigações subscritas venciam juros a uma taxa de juros remuneratórios fixa e determinada no momento da subscrição do produto pelos Impugnantes.
25.16. O investimento em “Notes” Rio Forte não foi o resultado de conselhos prestados pela Liquidanda ao abrigo do contrato de consultoria para investimento celebrado com os Impugnantes.
25.17. A subscrição das “Notes” Rio Forte pelos Impugnantes foi tomada na sequência da colocação (comercialização) desse produto financeiro por parte da Liquidanda.
25.18. A colocação de obrigações da Rio Forte inseriu-se num programa quadro de colocação de obrigações desta sociedade, denominado “Euro Medium Term Note Programme”.
25.19. Na data da subscrição pelos Impugnantes das “Notes” com a designação “4,75% RIO FORTE INVESTMENTS SA, EMTN SR – 173” e “Notes 4% RIO FORTE INVESTMENTS SA, EMTN SR – 231” a Liquidanda tinha conhecimento que as mesmas eram produtos financeiros que comportavam os riscos expressos no verso dos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro”.
25.20. Consta do verso dos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” referentes às subscrições referidas na impugnação “Declaro que fui devidamente informado e esclarecido pela Banque Privée Espirito Santo – Sucursal em Portugal (O BPES), sobre as características dos instrumentos financeiros em causa e que não pretendo ou necessito de qualquer informação adicional.
Também fui informado pelo BPES sobre as consequências que resultam ou podem resultar do investimento que pretendo concretizar em instrumentos financeiros, incluindo as adversas, nomeadamente que: (i) qualquer investimento em instrumentos financeiros está sempre exposto a riscos de natureza diversa, incluindo de mercado, crédito, operacional, legal, solvabilidade da contraparte e outros; (ii) da sujeição ao risco de mercado pode resultar do instrumento financeiro abaixo do seu valor nominal ou do valor de aquisição, estando, nomeadamente sujeito à cotação e à liquidez de cada momento; (iii) da sujeição ao risco de solvabilidade da contraparte pode resultar, sempre e em qualquer circunstância, a perda da totalidade do capital investido e/ou da rentabilidade associada, ainda que as características dos instrumentos financeiros prestem tal garantia; (iv) a existência de uma call (opção de compra) ou de uma put (opção de venda) não assegura a concretização da compra/venda na data indicada e a consequente antecipação da maturidade do investimento, que poderá ser perpétua.
O BPES aconselhou-me a diversificar sempre a minha carteira de investimentos, evitando uma concentração excessiva num mesmo risco ou tipo de risco. Também estou perfeitamente esclarecido sobre a natureza da intervenção do BPES, que se limita a receber ordens sobre instrumentos financeiros, nos termos do contrato de registo e depósito junto do BPES e que o BPES não é o emitente dos instrumentos financeiros que pretendo adquirir, nem tão pouco presta ou prestará qualquer tipo de garantia sobre as suas características ou sobre o cumprimento das obrigações pelos emitentes, ainda que o investimento tenha sido concretizado na sequência de uma sugestão de investimento pelo mesmo apresentada.”
25.21. Os Impugnantes recebiam extractos periódicos da sua conta junto da Liquidanda com informação relativa aos investimentos realizados, com menção à aplicação concreta, e avisos de subscrição
25.22. A Liquidanda nunca integrou produtos financeiros da Rio Forte no âmbito da prestação de serviços de consultoria de investimento (advisory) ou mandatos de gestão discricionária por uma questão de posicionamento da Liquidanda no mercado como private banker, que procurava prestar aos seus clientes um serviço, diferente dos comercializados por uma instituição com um perfil mais generalista, como era o Banco Espirito Santo, SA.
25.23. A Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes outros produtos financeiros que não estavam relacionados com o Grupo Espírito Santo.
25.24. A Liquidanda não recebeu quaisquer instruções, ordens ou recomendações para colocar obrigações da Rio Forte.
25.25. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação aos seus colaboradores para aconselhar a subscrição de obrigações da Rio Forte aos Impugnantes.
25.26. A Liquidanda não recebeu qualquer prémio, incentivo ou remuneração especial pela colocação de obrigações da Rio Forte.
25.27. A Liquidanda não assumiu perante a Rio Forte obrigações de colocação de um mínimo de valores mobiliários ou de subscrição de eventuais valores mobiliários não colocados.
25.28. A Liquidanda tinha acesso à informação pública sobre a Rio Forte, nomeadamente ao relatório e contas da sociedade.
25.29. A gestão corrente da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e a articulação com a sua sucursal em Portugal, era assegurada por um Comité Executivo composto por JCA, PAC e SF.
25.30. Nenhum dos administradores da Banque Privée Espirito Santo, S.A. tinha intervenção no relacionamento directo entre a Liquidanda e os seus clientes.
25.31. A Sucursal Liquidanda dispõe de escrituração contabilística própria específica das operações realizadas em Portugal.
25.32. Os Impugnantes já reclamaram o montante que reclamam nesta liquidação junto da massa insolvente da Rio Forte Investments, S.A.
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3.3. Matéria de facto provada relativamente à impugnação nº5, correspondente ao recurso 1.3., interposto por ASC, MLSC, SSC e PSC:
5.1. Em 15.12.2010, os Impugnantes procederam à abertura de conta de depósito à ordem na Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A., nos termos constantes do contrato cujo clausulado se mostra a fls. 8576 a 8595, que aqui se dá por integralmente reproduzido por questões de economia processual, à qual foi atribuído o n.º850529.
5.2. Os Impugnantes subscreveram obrigações Rio Forte, no valor de USD 300.000,00, em 1.3.2011, 1.3.2012 e 1.3.2013, com duração anual.
5.3. Os Impugnantes foram sucessivamente reembolsados dessas aplicações, obtiveram rendimentos e reinvestiram os valores reembolsados em mais obrigações Rio Forte.
5.4. As ordens de subscrição eram dadas presencial, ou telefonicamente, à Liquidanda e foram sempre assinadas por um só Impugnante, ASC.
5.5. A Liquidanda executou as ordens dadas pelo Impugnante ASC, entre 2011 e 2013, para investimento do valor de USD 300.000,00 em obrigações Rio Forte, com cópia a fls. 8568 a 8572, dando-se o respectivo teor aqui por integralmente reproduzido.
5.6. Consta da 2ª página dos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” referentes às subscrições referidas em 5.5. “Declaro que fui devidamente informado e esclarecido pela Banque Privée Espirito Santo – Sucursal em Portugal (O BPES), sobre as características dos instrumentos financeiros em causa e que não pretendo ou necessito de qualquer informação adicional.
Também fui informado pelo BPES sobre as consequências que resultam ou podem resultar do investimento que pretendo concretizar em instrumentos financeiros, incluindo as adversas, nomeadamente que: (i) qualquer investimento em instrumentos financeiros está sempre exposto a riscos de natureza diversa, incluindo de mercado, crédito, operacional, legal, solvabilidade da contraparte e outros; (ii) da sujeição ao risco de mercado pode resultar do instrumento financeiro abaixo do seu valor nominal ou do valor de aquisição, estando, nomeadamente sujeito à cotação e à liquidez de cada momento; (iii) da sujeição ao risco de solvabilidade da contraparte pode resultar, sempre e em qualquer circunstância, a perda da totalidade do capital investido e/ou da rentabilidade associada, ainda que as características dos instrumentos financeiros prestem tal garantia; (iv) a existência de uma cal (opção de compra) ou de uma put (opção de venda) não assegura a concretização da compra/venda na data indicada e a consequente antecipação da maturidade do investimento, que poderá ser perpétua.
O BPES aconselhou-me a diversificar sempre a minha carteira de investimentos, evitando uma concentração excessiva num mesmo risco ou tipo de risco. Também estou perfeitamente esclarecido sobre a natureza da intervenção do BPES, que se limita a receber ordens sobre instrumentos financeiros, nos termos do contrato de registo e depósito junto do BPES e que o BPES não é o emitente dos instrumentos financeiros que pretendo adquirir, nem tão pouco presta ou prestará qualquer tipo de garantia sobre as suas características ou sobre o cumprimento das obrigações pelos emitentes, ainda que o investimento tenha sido concretizado na sequência de uma sugestão de investimento pelo mesmo apresentada.”
5.7. A Liquidanda informou os Impugnantes, na pessoa de ASC, das características da aplicação que subscreveram.
5.8. A Liquidanda esclareceu os Impugnantes de que a subscrição das obrigações Rio Forte não era um depósito junto da Liquidanda.
5.9. A Liquidanda não assumiu o pagamento das obrigações em caso de incumprimento ou insolvência do emitente.
5.10. Os Impugnantes sabiam, no momento em que foi dada a ordem de subscrição, que na data de vencimento o emitente teria de reembolsar integralmente o capital e pagar os juros na taxa fixada.
5.11. A Liquidanda informou e esclareceu os Impugnantes sobre a entidade emitente da aplicação em causa – a Rio Forte –, nomeadamente sobre o facto de esta entidade integrar o Grupo Espírito Santo, a que pertente a Banque Privée Espirito Santo, S.A.
5.12. Os Impugnantes são titulares de obrigações com a designação “4,25% Rio Forte Investments SA EMTN SR-217 2014/27.02.2015 (23837501)”, subscritas com data-valor de 28.2.2014 e com data de vencimento de 27.2.2015, no valor de USD 300.000,00.
5.13. As obrigações foram subscritas mediante ordem verbal do Impugnante ASC, transmitida via telefone.
5.14. As datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios já estavam definidas no momento da subscrição.
5.15. As datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios foram transmitidas aos Impugnantes verbalmente e também mediante o documento denominado “Execução de Ordem sobre Instrumento financeiro”.
5.16. As obrigações venciam juros a uma taxa de juros remuneratórios fixa e determinada no momento da subscrição do produto pelos Impugnantes.
5.17. Desde a celebração do contrato de abertura de conta, o único investimento realizado pelos Impugnantes foi em obrigações Rio Forte.
5.18. Os Impugnantes recebiam extractos periódicos da sua conta junto da Liquidanda com informação relativa aos investimentos realizados, com menção à aplicação em obrigações Rio Forte.
5.19. No âmbito da relação de confiança existente entre a Liquidanda e os seus clientes, frequentemente, as ordens sobre aplicações em instrumentos financeiros eram dadas pelos clientes à Liquidanda por telefone ou email e, mais tarde, em reunião com o cliente, o gestor de conta levava o documento da execução de ordem para assinatura do cliente, o que chegou a acontecer com os Impugnantes.
5.20. A prática do Banco era obter a instrução do cliente por escrito ou por telefone, mas neste caso tinha a obrigação de, posteriormente, obter a assinatura do cliente.
5.21. Os Impugnantes eram acompanhados por um gestor de conta da Liquidanda, que lhes prestava as informações e os esclarecimentos solicitados.
5.22. A Liquidanda prestou aos Impugnantes informação sobre a sua política de conflito de interesses e de mitigação desses conflitos, nos seguintes termos:
“2.7 Informação sobre política de conflito de interesses
O Banco adoptou uma política em matéria de conflito de interesses, que pode, mediante pedido de qualquer Cliente, ser enviado para o seu endereço electrónico ou morada postal.
O Banco desenvolve diversas actividades de intermediação financeira cuja execução pode propiciar a ocorrência de situação de conflitos de interesse, quer entre os interesses do Banco e dos seus Clientes, quer entre os interesses dos seus diferentes Clientes.
Tal situação é susceptível de pôr em risco a imparcialidade e independência da actuação do Banco, pelo que a criação e manutenção de regras de prevenção e gestão de conflitos, constitui uma prioridade.
O Banco está obrigado a organizar-se de modo a identificar possíveis conflitos de interesse e a actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência. Para o efeito prestará a todos os seus Clientes um tratamento transparente e equitativo.
A política adoptada pelo Banco, com vista à gestão destes conflitos, contem procedimentos destinados a:
a) Assegurar que as áreas envolvidas nas actividades de intermediação serão organizadas e geridas de maneira autónoma, por pessoal afecto a cada uma delas, sem interferência da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
b) Assegurar que a informação obtida em cada área nunca se encontrará, directa ou indirectamente, ao alcance da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
c) Segregação entre as funções de decisão, execução, registo e controle;
d) Notificação ao responsável pelo Cumprimento/”Compliance Officer” das transacções efectuadas por dirigentes colaboradores mais expostos a eventuais conflitos de interesse;
e) Manutenção e monitorização de uma lista de colaboradores considerados como podendo ter acesso a informação privilegiada;
f) Prestação de formação aos colaboradores sobre prevenção e gestão de conflitos de interesses.”
5.23. Em 2013, a Liquidanda solicitou aos Impugnantes ASC, MLSC e SSC que, caso pretendessem, preenchessem um “Questionário de Perfil de Investidor”.
5.24. A Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes tanto produtos financeiros do Grupo Espírito Santo, como outros.
5.25. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação aos seus colaboradores para aconselhar a subscrição de obrigações da Rio Forte aos Impugnantes ou a qualquer outro cliente.
5.26. A colocação de obrigações da Rio Forte inseriu-se num programa quadro de colocação de obrigações desta sociedade, denominado “Euro Medium Term Note Programme”.
5.27. Pela montagem e colocação de obrigações da Rio Forte junto dos seus clientes, a Liquidanda cobrou a comissão de 0,5% por ano, em linha com o que cobrava para a colocação de obrigações de outras empresas.
5.28. A Liquidanda não recebeu qualquer prémio, incentivo ou remuneração especial pela colocação de obrigações da Rio Forte.
5.29. A Liquidanda não tomou firme quaisquer obrigações emitidas pela Rio Forte ou terceiros, nem assumiu perante estes a obrigações de colocação de um mínimo de valores mobiliários de qualquer tipo, ou de subscrição de eventuais valores mobiliários não colocados.
5.30. A Liquidanda nunca integrou produtos financeiros da Rio Forte no âmbito da prestação de serviços de consultoria de investimento (advisory) ou mandatos de gestão discricionária.
5.31. Em 2014, os gerentes da Liquidanda tinham decidido diversificar a carteira dos clientes da Liquidanda e reduzir os investimentos em dívida do Grupo Espírito Santo.
5.32. A Liquidanda só tinha acesso à informação pública sobre a sociedade emitente das obrigações, nomeadamente, o relatório e contas da sociedade.
5.33. Até 2014, a Liquidanda aceitou obrigações Rio Forte como garantia de empréstimos concedidos.
5.34. Pelo menos até Fevereiro de 2014, as obrigações Rio Forte foram reembolsadas no vencimento.
5.35. A gestão corrente da Banque Privée Espirito Santo, S.A., bem como a articulação com a Liquidanda, era assegurada por um Comité Executivo composto por JCA, PAC e SF.
5.36. Nenhum dos administradores da Banque Privée Espirito Santo, S.A. tinha qualquer intervenção no relacionamento entre a Liquidanda e os seus clientes.
5.37. A Liquidanda dispõe de escrituração contabilística própria.
5.38. Por carta datada de 21.9.2015, cuja cópia se mostra a fls. 485 e ss., a Liquidanda remeteu a ASC um extracto bancário no qual informou que o Impugnante era titular de €300.000,00 USD, investidos em obrigações da Rio Forte Investments.
5.39. Os Impugnantes reclamaram o mesmo valor de capital de que aqui pretendem ser ressarcidos no processo de Liquidação da Rio Forte.
5.40. Os Impugnantes dirigiram uma reclamação à C.M.V.M. – DAIC- Departamento de Apoio ao Investidor e Comunicação, que instruiu o respectivo processo de reclamação com o n.º 53952.
5.41. No âmbito desse processo de reclamação, por carta datada de 18.10.2015, a C.M.V.M. remeteu aos Impugnantes a carta cuja cópia se mostra a fls. 481/482, dando-se o respectivo teor por integralmente reproduzido.
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3.4. Matéria de facto provada relativamente à impugnação nº35, correspondente ao recurso 1.4., interposto por EPR:
35.1. A Impugnante é médica e nasceu em 24.11.1941.
35.2. Em 27.7.2009, a Impugnante celebrou um contrato de abertura de conta com a Liquidanda, cuja cópia se mostra a fls.8685 e ss., dando-se o respectivo teor por integralmente reproduzido.
35.3. No questionário designado “Profiling”, com cópia a fls.8791, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Impugnante assinalou, além do mais:
- Ter um património estimado no valor estimado “<10M”;
- A probabilidade de necessitar de parte maior que 25% do património depositado no banco no prazo de 1 ano seria baixa;
- Investir em produtos financeiros há 10 anos;
- O horizonte temporal esperado para o investimento efectuado no banco não importava;
- A expectativa de rendimento médio anual seria “maior que a inflação”;
- Valor da desvalorização anual aceitável “positivo”
- Conhecer e ter depósitos a prazo; obrigações, acções, cotadas ou não, nacionais ou estrangeiras; acções preferenciais;
- Desconhecer fundos de investimento harmonizados ou especiais; opções e warrants; interest rate swaps; futuros, reverse convertibles, credit linked notes; metais preciosos; mercado derivados; icae;
- Investir directamente em mercado nacional;
- Ter carteiras sob gestão discricionária;
- Ter como objectivo especifico para os fundos depositados “herança e compra de activo”.
35.4. O referido questionário designado “Profiling” não foi assinado, nem foi rubricado pela Impugnante e foi rubricado pelo funcionário da Insolvente.
35.5. A Impugnante é titular dos seguintes activos, que se mostram associados à sua conta n.º850264, aberta junto Liquidanda:
- 250.000 - 4% Espírito Santo Financière 2014/09.07.2014 (N.º Isin: XS1015427856);
- 100.000 - 4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014 (N.º Isin: XS1066040376);
- 200.000 - 5% Rio Forte Investments EMTN SR-191 2013/09.03.2015 (N.º Isin: XS1003718399);
35.6. Atingida a data de vencimentos de cada uma das obrigações, a Impugnante não foi reembolsada do capital investido, assim como do valor dos juros à taxa convencionada.
35.7. Em 2 de Maio de 2014, a Impugnante fez uma transferência para a sua conta junto da Liquidanda, no valor de €102.000,00.
35.8. Os documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” em nome da Impugnante, com referência à conta n.º850264.01.100, referentes aos produtos “4% Espírito Santo Financière 2014/09.07.2014” e “5% Rio Forte Investments EMTN SR-191 2013/09.03.2015” mostram-se assinados pela Impugnante no verso.
35.9. A Impugnante deu a ordem de subscrição do produto “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014 (N.º Isin: XS1066040376)” por telefone.
35. 10. Não se mostra assinado pela Impugnante o documento designado “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” relativo à subscrição do produto “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014 (N.º Isin: XS1066040376)”.
35.11. A Liquidanda executou as ordens de investimento nas aplicações Rio Forte e ESFIL, identificadas em 35.5. que foram associadas à conta n.º850264.01, conta “Non géré”.
35.12. Nas obrigações da ESFIL e da Rio Forte subscritas pela Impugnante, as datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios já estavam definidas no momento da subscrição.
35.13. As obrigações venciam juros a uma taxa de juros remuneratórios fixa e determinada no momento da subscrição destes produtos pela Impugnante, não dependente do desempenho de outros activos ou instrumentos financeiros.
35.14. A sede da Liquidanda, na Suíça (o “BPES Suíça”), classificou as aplicações em causa como produtos financeiros complexos.
35.15. Consta do verso dos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” referentes às subscrições referidas na impugnação “Declaro que fui devidamente informado e esclarecido pelo Banque Privée Espirito Santo – Sucursal em Portugal (O BPES), sobre as características dos instrumentos financeiros em causa e que não pretendo ou necessito de qualquer informação adicional.
Também fui informado pelo BPES sobre as consequências que resultam ou podem resultar do investimento que pretendo concretizar em instrumentos financeiros, incluindo as adversas, nomeadamente que: (i) qualquer investimento em instrumentos financeiros está sempre exposto a riscos de natureza diversa, incluindo de mercado, crédito, operacional, legal, solvabilidade da contraparte e outros; (ii) da sujeição ao risco de mercado pode resultar do instrumento financeiro abaixo do seu valor nominal ou do valor de aquisição, estando, nomeadamente sujeito à cotação e à liquidez de cada momento; (iii) da sujeição ao risco de solvabilidade da contraparte pode resultar, sempre e em qualquer circunstância, a perda da totalidade do capital investido e/ou da rentabilidade associada, ainda que as características dos instrumentos financeiros prestem tal garantia; (iv) a existência de uma cal (opção de compra) ou de uma put (opção de venda) não assegura a concretização da compra/venda na data indicada e a consequente antecipação da maturidade do investimento, que poderá ser perpétua.
O BPES aconselhou-me a diversificar sempre a minha carteira de investimentos, evitando uma concentração excessiva num mesmo risco ou tipo de risco. Também estou perfeitamente esclarecido sobre a natureza da intervenção do BPES, que se limita a receber ordens sobre instrumentos financeiros, nos termos do contrato de registo e depósito junto do BPES e que o BPES não é o emitente dos instrumentos financeiros que pretendo adquirir, nem tão pouco presta ou prestará qualquer tipo de garantia sobre as suas características ou sobre o cumprimento das obrigações pelos emitentes, ainda que o investimento tenha sido concretizado na sequência de uma sugestão de investimento pelo mesmo apresentada.”
35.16. A Liquidanda informou e esclareceu a Impugnante sobre as entidades emitentes das aplicações em causa – a Rio Forte e a ESFIL –, nomeadamente sobre o facto de estas entidades integrarem o Grupo Espírito Santo, a que pertencia a Banque Privée Espirito Santo, S.A.
35.17. A Impugnante não prestou funções no sector financeiro durante, pelo menos, um ano, em cargo que exija conhecimento dos serviços ou operações em causa.
35.18. A Impugnante dispunha de uma carteira de instrumentos financeiros que excedia os €500.000,00.
35.19. A Impugnante pediu a sua classificação como investidor qualificado/profissional.
35.20. A Liquidanda informou a Impugnante das consequências resultantes da satisfação da solicitação formulada, explicitando que tal opção importa uma redução da protecção conferida por lei ou regulamento, tendo a Impugnante declarado estar ciente das consequências dessa opção.
35.21. A Liquidanda não informou a Impugnante, por escrito, do deferimento do pedido de tratamento como investidor qualificado.
35.22. A Impugnante subscreveu obrigações de outra empresa do Grupo Espírito Santo, a Euroamerican.
35.23. A Impugnante foi reembolsada e obteve rendimento no investimento realizado na Euroamerican.
35.24. A Impugnante era acompanhada por uma gestora de conta da Liquidanda, que lhe prestava informações e esclarecimentos.
35.25. Era usual que as ordens sobre aplicações em instrumentos financeiros fossem dadas pela Impugnante à Liquidanda por telefone e posteriormente, em reunião com a cliente, a gestora de conta entregaria pessoalmente o documento da execução de ordem para assinatura do cliente.
35.26. A Impugnante recebia extractos periódicos da sua conta junto da Liquidanda com informação relativa aos investimentos realizados.
35.27. Pelo menos até ao final de Junho de 2014, as obrigações Rio Forte e ESFIL foram reembolsadas no vencimento.
35.28. A Liquidanda só tinha acesso à informação pública sobre a Rio Forte e a ESFIL, nomeadamente ao relatório e contas da sociedade.
35.29. A Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes tanto produtos financeiros do Grupo Espírito Santo como outros[5].
35.30. A Liquidanda não recebeu quaisquer instruções, ordens ou recomendações para colocar obrigações da Rio Forte ou ESFIL.
35.31. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação aos seus colaboradores para aconselhar a subscrição de obrigações da Rio Forte ou ESFIL à Impugnante.
35.32. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação aos seus colaboradores para aconselhar a subscrição de obrigações da Rio Forte à Impugnante.
35.33. A colocação de obrigações da Rio Forte inseriu-se num programa quadro de colocação de obrigações desta sociedade, denominado “Euro Medium Term Note Programme”.
35.34. Pela colocação de obrigações da Rio Forte junto dos seus clientes, a Liquidanda cobrou ao emitente a comissão de 0,5% em linha com a que cobrava para a colocação de obrigações de outras empresas e dentro das práticas habituais do mercado bancário.
35.35. A Liquidanda não recebeu qualquer prémio, incentivo ou remuneração especial pela colocação de obrigações da Rio Forte.
35.36. A Liquidanda não assumiu perante a Rio Forte obrigações de colocação de um mínimo de valores mobiliários ou de subscrição de eventuais valores mobiliários não colocados.
35.37. A Liquidanda nunca integrou produtos financeiros da Rio Forte no âmbito da prestação de serviços de consultoria de investimento (advisory) ou mandatos de gestão discricionária por uma questão de posicionamento da Liquidanda no mercado como private banker, que procurava prestar aos seus clientes um serviço, diferente do comercializados por uma instituição com um perfil mais generalista, como era o Banco Espirito Santo, S.A.
35.38. Os gerentes da Liquidanda tinham decidido, em 2014, diversificar a carteira dos clientes da Liquidanda e reduzir os investimentos em dívida do Grupo Espírito Santo que então representavam 15% do portefólio dos clientes da Liquidanda.
35.39. A gestão corrente da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e a articulação com a sua sucursal em Portugal, era assegurada por um Comité Executivo composto por JCA, PAC e SF, que não são da família Espírito Santo.
35.40. A Impugnante já reclamou o montante que reclama nesta liquidação junto das massas insolventes da Rio Forte Investments, S.A. e da ESFIL – Espírito Santo Financière, S.A.
35.41. Em Novembro de 2014 a Impugnante apresentou junto da C.M.V.M. uma reclamação que teve por objecto, entre outros assuntos, o investimento de €100.000[6] no produto designado “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014”.
35.42. A C.M.V.M. remeteu à Liquidanda o documento de fls. 1940 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
35.43. A Liquidanda informou a C.M.V.M. nos termos do documento de fls. 1943/1944 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
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3.5. Matéria de facto provada relativamente à impugnação nº55, correspondente ao recurso 1.5., interposto por LAC:
55.1. Em Fevereiro de 2013, previamente à abertura de conta junto da Liquidanda, o Impugnante foi contactado por uma gestora de conta da Liquidanda, APR, tendo em vista tornar-se cliente daquela.
55.2. O Impugnante já conhecia a mencionada gestora de conta como funcionária bancária de uma outra instituição com a qual trabalhava.
55.3. Na sequência desse contacto e da apresentação da Sucursal Liquidanda, em 28.2.2013 o Impugnante celebrou um contrato de abertura de conta de depósitos à ordem com a Liquidanda, cuja cópia se mostra a fls. 17173 e ss., que aqui se dá por integralmente reproduzida, à qual foi atribuído o n.º 850759.
55.4. Foi elaborado, de acordo com as informações prestadas pelo Impugnante, o documento designado “Questionário de Perfil de Investidor”, cuja cópia se mostra a fls. 17193 e ss., dando-se o respectivo teor por integralmente reproduzido, no qual o Impugnante assinalou, além do mais:
- Ter mais de 60 anos;
- Ter como habilitações académicas licenciatura ou superior;
- O sector de actividade: conversão de energia;
- Moeda de referência: Euro;
- Investir em produtos financeiros raramente (entre 0 e 2 transacções por trimestre), directamente, há mais de 15 anos;
- Já ter investido no mercado português;
- Avaliar os seus conhecimentos sobre instrumentos, produtos e mercados financeiros como baixos (nenhuma percepção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros);
- Conhecer e ter depósitos a prazo; obrigações que não incorporam derivados; instrumentos de mercado monetário;
- Conhecer acções negociadas em mercado regulamentado; fundos de investimento harmonizados; Exchange Traded Funds;
- Conhecer acções não negociadas em mercado regulamentado; fundos de investimento não harmonizados;
- Desconhecer convertíveis; obrigações que incorporam derivados; instrumentos financeiros derivados incl. futuros, opções, swaps e forwards;
- Desconhecer produtos estruturados, incl. reverse convertibles e credit linked notes;
- Ter um património de 2M a 5M, do qual 25% a 50% em activos financeiros;
- A razão do investimento nos mercados financeiros é “preservar o valor do capital”;
- Expectativa do rendimento médio anual: “não perder”;
- Ter como prioridade a preservação do capital, assumindo apenas pequenas flutuações no valor dos investimentos;
- Estar disposto a investir de 10% a 25% em activos de risco médio ou elevado, tais como acções e unidades de participação em fundos de investimento de acções.
55.5. O resultado do “Questionário de Perfil de Investidor” aponta um “perfil conservador”, a que a instituição bancária atribui as seguintes características:
Conhecimentos: O investidor tem alguns conhecimentos económico-financeiros, é capaz de distinguir as diferentes classes de activos e tem alguma percepção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros.
Investimentos: Maioritariamente obrigações e instrumentos do mercado monetário, com uma pequena exposição a acções e outras classes de activos de mercados desenvolvidos (Europa e EUA). Investe esporadicamente em instrumentos financeiros.
Objectivos: Preservação do capital e remuneração regular, mas pretender potenciar a valorização e permite flutuações.
Riscos: A tolerância ao risco é baixa a moderada.
55.6. O Impugnante transferiu para a conta bancária aberta junto da Liquidanda €160.000,00, importância que nela estava disponível.
55.7. Na altura da abertura de conta, a gestora de conta da Liquidanda apresentou ao Impugnante várias possibilidades de investimento, nomeadamente, depósitos a prazo e aplicações em obrigações Rio Forte.
55.8. O Impugnante optou pela subscrição das aplicações Rio Forte, sabendo que se tratava de uma aplicação distinta de um depósito a prazo.
55.9. A Liquidanda executou a ordem de investimento na aplicação “4% RIO FORTE INVESTMENTS SA EMTN SR-231- 2014/10.07.2014, ISIN XS1057725647”, no valor de €164.000,00, com vencimento em 10.07.2014, subscrita pelo Impugnante, que foi associada à conta n.º850785.01, conta “Non géré”, por aquele titulada.
55.10. A instrução para subscrição do mencionado produto foi dada telefonicamente pelo Impugnante.
55.11. Posteriormente à instrução dada por telefone, o Impugnante foi contactado pela gestora de conta para colher a sua assinatura no documento denominado “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro”.
55.12. O Impugnante subscreveu o documento “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro”, cuja cópia se mostra a fls. 6265/6266, que lhe foi apresentado pela sua gestora de conta.
55.13. Ao Impugnante foi dado a assinar o verso do documento designado “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro”, o que o mesmo fez.
55.14. O Impugnante não assinou o rosto do mesmo documento, que tem o teor constante de fls. 6265, que aqui se dá por reproduzido, dele constando, designadamente, a categorização do Impugnante como investidor não profissional.
55.15. Não foram lidas/explicadas ao Impugnante as menções constantes do rosto do documento denominado “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro”, a fls. 6265, relativas a “Avaliação do carácter adequado da operação”.
55.16. Se tivesse sido explicado ao Impugnante que a Sucursal Liquidanda não podia proceder à avaliação do carácter adequado daquele tipo de instrumento financeiro e não considerava adequado à sua situação pessoal o tipo de instrumento financeiro em causa, ele não subscreveria o produto em causa.
55.17. A Liquidanda informou o Impugnante das características da aplicação que subscreveu e das eventuais consequências adversas do investimento, nos termos vertidos na 2ª página (verso) dos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro”.
55.18. Consta da 2ª página (verso) do documento designado “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” referentes à subscrição referida na impugnação “Declaro que fui devidamente informado e esclarecido pela Banque Privée Espirito Santo – Sucursal em Portugal (O BPES), sobre as características dos instrumentos financeiros em causa e que não pretendo ou necessito de qualquer informação adicional.
Também fui informado pelo BPES sobre as consequências que resultam ou podem resultar do investimento que pretendo concretizar em instrumentos financeiros, incluindo as adversas, nomeadamente que: (i) qualquer investimento em instrumentos financeiros está sempre exposto a riscos de natureza diversa, incluindo de mercado, crédito, operacional, legal, solvabilidade da contraparte e outros; (ii) da sujeição ao risco de mercado pode resultar do instrumento financeiro abaixo do seu valor nominal ou do valor de aquisição, estando, nomeadamente sujeito à cotação e à liquidez de cada momento; (iii) da sujeição ao risco de solvabilidade da contraparte pode resultar, sempre e em qualquer circunstância, a perda da totalidade do capital investido e/ou da rentabilidade associada, ainda que as características dos instrumentos financeiros prestem tal garantia; (iv) a existência de uma cal (opção de compra) ou de uma put (opção de venda) não assegura a concretização da compra/venda na data indicada e a consequente antecipação da maturidade do investimento, que poderá ser perpétua.
O BPES aconselhou-me a diversificar sempre a minha carteira de investimentos, evitando uma concentração excessiva num mesmo risco ou tipo de risco. Também estou perfeitamente esclarecido sobre a natureza da intervenção do BPES, que se limita a receber ordens sobre instrumentos financeiros, nos termos do contrato de registo e depósito junto do BPES e que o BPES não é o emitente dos instrumentos financeiros que pretendo adquirir, nem tão pouco presta ou prestará qualquer tipo de garantia sobre as suas características ou sobre o cumprimento das obrigações pelos emitentes, ainda que o investimento tenha sido concretizado na sequência de uma sugestão de investimento pelo mesmo apresentada.”
55.19. A Liquidanda informou e esclareceu o Impugnante sobre a entidade emitente da aplicação em causa – a Rio Forte –, nomeadamente sobre o facto de integrar o Grupo Espírito Santo, a que pertence a Banque Privée Espirito Santo, S.A.
55.20. A Liquidanda prestou ao Impugnante informação sobre a sua política de conflito de interesses e de mitigação desses conflitos, nos seguintes termos:
“2.7 Informação sobre política de conflito de interesses
O Banco adoptou uma política em matéria de conflito de interesses, que pode, mediante pedido de qualquer Cliente, ser enviado para o seu endereço electrónico ou morada postal.
O Banco desenvolve diversas actividades de intermediação financeira cuja execução pode propiciar a ocorrência de situação de conflitos de interesse, quer entre os interesses do Banco e dos seus Clientes, quer entre os interesses dos seus diferentes Clientes.
Tal situação é susceptível de pôr em risco a imparcialidade e independência da actuação do Banco, pelo que a criação e manutenção de regras de prevenção e gestão de conflitos, constitui uma prioridade.
O Banco está obrigado a organizar-se de modo a identificar possíveis conflitos de interesse e a actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência. Para o efeito prestará a todos os seus Clientes um tratamento transparente e equitativo.
A política adoptada pelo Banco, com vista à gestão destes conflitos, contem procedimentos destinados a:
a) Assegurar que as áreas envolvidas nas actividades de intermediação serão organizadas e geridas de maneira autónoma, por pessoal afecto a cada uma delas, sem interferência da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
b) Assegurar que a informação obtida em cada área nunca se encontrará, directa ou indirectamente, ao alcance da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
c) Segregação entre as funções de decisão, execução, registo e controle;
d) Notificação ao responsável pelo Cumprimento/”Compliance Officer” das transacções efectuadas por dirigentes colaboradores mais expostos a eventuais conflitos de interesse;
e) Manutenção e monitorização de uma lista de colaboradores considerados como podendo ter acesso a informação privilegiada;
f) Prestação de formação aos colaboradores sobre prevenção e gestão de conflitos de interesses.”
55.21. A Liquidanda ou os seus colaboradores, não transmitiram ao Impugnante que realizar a subscrição em apreço, ou as que realizou anteriormente na Rio Forte, equivaleria a realizar um depósito a prazo.
55.22. A Liquidanda ou os seus colaboradores, não garantiram ao Impugnante a desmobilização dos montantes aplicados em qualquer altura.
55.23. Além do documento de execução de ordem sobre instrumento financeiro, não foi entregue ao Impugnante, prévia ou posteriormente à subscrição, documento informativo com as características do produto subscrito.
55.24. A gestora de conta entregou ao Impugnante cópias dos documentos que subscreveu.
55.25. Nas “Notes” Rio Forte subscritas, as datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios já estavam definidas no momento da subscrição e foram transmitidas ao Impugnante verbalmente, pela sua gestora de conta, e mediante documento.
55.26. As “Notes” Rio Forte subscritas venciam juros a uma taxa de juros remuneratórios fixa e determinada no momento da subscrição destes produtos.
55.27. A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da Rio Forte, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
55.28. As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
55.29. Nem no vencimento, nem posteriormente, foi pago ao Impugnante quer a importância inicialmente investida de €160.000,00, quer a importância de €164.000,00, da última renovação.
55.30. Antes de efectuar a subscrição do produto que está invocado na impugnação, o Impugnante realizou os seguintes investimentos:
- Em 8.4.2013, em “Notes” com a designação “4,5% Rio Forte Investments SA EMTN 2013/10.07.2013 (22565325)”, pelo montante de €160.000,00;
- Em 10.7.2013, em “Notes” com a designação “4,35% Rio Forte Investments SA EMTN 2013/10.10.2013”, pelo montante de €161.000,00;
- Mediante documento com o n.º13304913, em “Notes” com a designação “4,25% Rio Forte Investments SA EMTN SR-176 2013/10.01.2014”, pelo montante de €162.000,00;
- Mediante documento com o n.º13910602, em “Notes” com a designação “4,25% Rio Forte Investments SA EMTN SR-202 2014/10.04.2014”, pelo montante de €163.000,00.
55.31. O Impugnante foi reembolsado dos anteriores investimentos em produtos Rio Forte, obteve rendimentos e reinvestiu em mais “Notes” Rio Forte.
55.32. O Impugnante era acompanhado por uma gestora de conta da Liquidanda, que lhe prestava as informações e os esclarecimentos solicitados.
55.33. O Impugnante recebia extractos periódicos da sua conta junto da Liquidanda com informação relativa aos investimentos realizados.
55.34. A Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes tanto produtos financeiros do Grupo Espirito Santo, como outros.
55.35. A Liquidanda só tinha acesso à informação pública sobre a Rio Forte, nomeadamente, ao relatório e contas da sociedade.
55.36. Pelo menos até ao final de Junho de 2014, as obrigações Rio Forte foram reembolsadas no vencimento.
55.37. A colocação de obrigações da Rio Forte inseriu-se num programa quadro de colocação de obrigações desta sociedade, denominado “Euro Medium Term Note Programme”.
55.38. Pela organização da emissão de obrigações Rio Forte e sua colocação junto dos seus clientes, a Liquidanda cobrou a comissão de 0,5%, calculada pro rata temporis sobre os valores emitidos, em linha com as que cobra para a colocação de obrigações de outras empresas.
55.39. A Liquidanda não recebeu quaisquer instruções, ordens ou recomendações para colocar obrigações da Rio Forte.
55.40. A Liquidanda não recebeu qualquer prémio, incentivo ou remuneração especial pela colocação de obrigações Rio Forte.
55.41. Em 2014, os investimentos em dívida do Grupo Espírito Santo, representavam cerca de 15% do portefólio dos clientes da Liquidanda.
55.42. A Liquidanda não assumiu perante a Rio Forte obrigações de colocação de um mínimo de valores mobiliários ou de subscrição de eventuais valores mobiliários não colocados.
55.43. A Liquidanda aceitou obrigações Rio Forte como garantia de empréstimos concedidos.
55.44. Em 2014, os gerentes da Liquidanda decidiram diversificar a carteira dos clientes da Liquidanda e reduzir os investimentos em dívida do Grupo Espírito Santo.
55.45. A gestão corrente da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e a articulação com a sua sucursal em Portugal, era assegurada por um Comité Executivo composto por JCA, PAC e SF.
55.46. A Comissão Executiva da Rio Forte era composta por três membros: JP, GC e CG.
55.47. Nenhum dos administradores da Banque Privée Espirito Santo, S.A. tinha qualquer intervenção no relacionamento entre a Liquidanda e os seus clientes.
55.48. A Liquidanda não tinha acesso à informação comercial disponível no sistema da Banque Privée Espirito Santo, S.A.
55.49. O Impugnante apresentou reclamação ao Banco de Portugal, que a endossou para a C.M.V.M., tendo esta pedido à insolvente a reapreciação da reclamação apresentada pelo Impugnante nos termos da comunicação de fls. 6272 a 6274, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
55.50. Em data não concretamente apurada de Julho ou Agosto de 2014, o Impugnante recebeu uma carta da Liquidanda acompanhada do comunicado de imprensa da “Rio Forte Investments, S.A., com o seguinte teor:
55.51. A essa comunicação respondeu o Impugnante por carta de 8.8.2014, nos seguintes termos:
*
3.6. Matéria de facto provada relativamente à impugnação nº27, correspondente ao recurso 1.6., interposto por MSL:
27.1. A Impugnante era titular de uma conta bancária junto do Banco Santander Totta, local onde trabalhava JASque, em meados de 2009, recebeu um convite para assumir o cargo de Director Adjunto da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A.
27.2. JAS entrou em contacto com a Impugnante convidando-a a transferir os valores que detinha junto do Private Banking do Banco Santander Totta, S.A. para a Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal.
27.3. Em 23.10.2009, a Impugnante abriu a conta n.º 850287, junto da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A., mediante a celebração do contrato cuja cópia se mostra a fls.1386 e ss. e aqui se dá por integralmente reproduzido.
27.4. Aquando da abertura de conta não foi solicitada à Impugnante qualquer informação sobre a sua situação financeira, objectivos de investimento, experiência e conhecimentos necessários para conhecer os riscos de determinado instrumento financeiro ou serviço considerado.
27.5. Também não lhe foram solicitadas quaisquer informações sobre o seu nível de habilitações académicas ou profissionais, dos tipos de serviços, operações e instrumentos financeiros com que estaria familiarizada e a natureza, o volume e a frequência de eventuais anteriores operações em instrumentos financeiros que houvesse realizado bem como sobre o período durante o qual foram essas anteriores operações realizadas.
27.6. Na data de abertura da conta junto da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A., a Impugnante informou expressamente o seu gestor de conta que apenas pretendia investir o seu capital em aplicações conservadoras e que lhe garantissem liquidez.
27.7. Em 26.10.2009, a Impugnante entregou a JAS um cheque sacado sobre o Banco Santander Totta, S.A., no valor de €2.610.000,00, valor que foi depositado na conta bancária n.º 850.287.01.100, em nome da Impugnante.
27.8. Com o dinheiro depositado na referida conta, JAS procedeu à constituição de dois depósitos a prazo, com as seguintes denominações e valores:
a) D.P. Crescente a 3 anos, no valor de €2.100.000,00;
b) D.P. Crescente a 1 ano, no valor de €510.000,00.
27.9. No final do ano de 2009, a Impugnante entregou a JAS um segundo cheque, de €100.000,00, valor com o qual, em 12.3.2010, foi constituído um depósito a prazo no valor de €102.000,00.
27.10. Os contactos da Liquidanda com a Impugnante eram efectuados por intermédio de FFB, conselheiro daquela, sendo a intervenção directa da Impugnante apenas na decisão e assinatura de documentos.
27.11. Em 2010, a Impugnante celebrou um “Contrato de Gestão de Carteiras”, com o clausulado de fls.1399 e ss., que aqui se dá por integralmente reproduzido, dando instruções para o investimento do valor de €110.000,00 no perfil “A”.
27.12. Na data em que conferiu mandato de gestão, a Impugnante voltou a informar o seu gestor de conta da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A. que apenas pretendia manter o seu capital investido em aplicações com o mínimo nível de risco.
27.13. O “Contrato de Gestão de Carteiras”, no seu anexo referente a perfis de investimento, definia o perfil “A” do seguinte modo:
1. Perfil: Horizonte de investimento: até 2 anos;
2. Objetivos: Preservação do valor dos activos num cenário desfavorável a médio prazo; Crescimento regular; Benchmark: Euribor 12 meses.
3. Alocação de activos: Tesouraria (liquidez e aplicações a prazo, instrumentos do mercado monetário, certificados de depósito, bilhetes do tesouro, papel comercial ou dívida pública a vencimento – 0% a 100%; fundos de investimento, harmonizados ou não, predominantemente investidos em instrumentos de taxa de juro, na sua maioria taxa de juro flutuante – 0% a 100%; Exposição cambial média – máximo de 10%
4. Risco: Reduzido
27.14. Após a celebração do “Contrato de Gestão de Carteiras”, a Impugnante passou a deter duas sub-contas junto da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A., a que foram atribuídos os números 850287.01 e 850287.02, sendo a segunda abrangida por mandato de gestão.
27.15. O gestor de conta da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A. aconselhou a Impugnante a investir o capital da sub-conta n.º850287.02 num fundo denominado “ExS Cash Plus”, referindo tratar-se de um produto conservador e que garantia total liquidez, tendo em 27.9.2010 sido subscritas 89.99822 UP’s desse fundo, à cotação de €1.128,80, pelo valor total de €101.598,14.
27.16. Desde a celebração do “Contrato de Gestão de Carteiras”, a Impugnante sabia que o activo que estava incluído no mandato para investimentos com o perfil “A” era o Fundo ExS.
27.17. A Impugnante subscreveu este fundo por o gestor de conta lhe haver garantido que tal aplicação tinha um carácter conservador, com total liquidez.
27.18. Desde a data da celebração do “Contrato de Gestão de Carteiras” a Impugnante recebia extractos periódicos da sua conta, de onde resultavam os investimentos realizados, designadamente, ao abrigo do perfil “A”, aplicados num único activo financeiro.
27.19. A Impugnante tinha noção de que o Fundo ExS não era isento de risco.
27.20. Em circunstâncias normais, os pedidos de resgate das unidades de participação eram satisfeitos no prazo máximo de 8 (oito) dias.
27.21. A Impugnante viu satisfeitos os seguintes pedidos de resgate das unidades de participação no Fundo ExS:
- Em 6 de Fevereiro de 2012, 1,2645 UP’s, pelo valor de €1.500,81,
- Em 22 de Outubro de 2012, 7 UP’s, pelo valor de €8.583,75.
27.22. A Banque Privée Espirito Santo, S.A. era o titular formal das acções emitidas pelo Fundo ExS e era a Banque Privée Espirito Santo, S.A. que tinha acesso à informação sobre a situação do fundo.
27.23. Em 6 de Fevereiro de 2015, na sequência de diligências nesse sentido, a Liquidanda conseguiu obter junto da Banque Privée Espirito Santo, S.A. informação actualizada sobre a situação do Fundo ExS, e enviou à Impugnante uma carta em que comunicou a esta a informação que obteve, nomeadamente, que o Fundo ExS entrou em liquidação voluntária.
27.24. O Fundo ExS não era composto apenas por títulos de dívida da ESI, mas também de outras empresas do Grupo Espírito Santo.
27.25. Em 2011, o Fundo ExS era também composto por títulos da Rio Forte.
27.26. A gestão corrente da Banque Privée Espirito Santo, S.A., bem como a articulação com a sua Sucursal em Portugal, era assegurada por um Comité Executivo composto por JCA, PAC e SF.
27.27. Os gerentes da Sucursal reportavam ao Comité Executivo do estabelecimento principal, na Suíça.
27.28. A Banque Privée Espirito Santo, S.A. não tinha intervenção no relacionamento comercial entre a Sucursal e os seus clientes, gozando esta de ampla discricionariedade nas opções de negócio que tomava.
27.29. A Liquidanda não tinha acesso à informação dos clientes disponível no sistema da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e vice-versa.
27.30. A Liquidanda dispunha de escrituração contabilística própria, mantendo toda a contabilidade específica das operações realizadas em Portugal
27.31. A Liquidanda não recebeu instruções, ordens ou recomendações, quer da Banque Privée Espirito Santo, S.A., quer de outra entidade do Grupo Espírito Santo, para aplicar dinheiro dos seus clientes no Fundo ExS.
27.32. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação ao gerente de conta da Impugnante, ou de qualquer outro cliente, para aconselhar a subscrição do Fundo ExS.
27.33. A Liquidanda não assumiu perante a Banque Privée Espirito Santo, S.A. ou empresas do Grupo Espírito Santo, qualquer obrigação de colocação de um mínimo de subscrições do Fundo ExS.
27.34. O gestor da conta da Impugnante, JAS, avaliava o Fundo ExS como um produto financeiro com perfil de risco conservador e com uma remuneração atractiva.
27.35.A Liquidanda prestou à Impugnante informação sobre a sua política de conflito de interesses e de mitigação desses conflitos, nos seguintes termos:
“2.7 Informação sobre política de conflito de interesses
O Banco adoptou uma política em matéria de conflito de interesses, que pode, mediante pedido de qualquer Cliente, ser enviado para o seu endereço electrónico ou morada postal.
O Banco desenvolve diversas actividades de intermediação financeira cuja execução pode propiciar a ocorrência de situação de conflitos de interesse, quer entre os interesses do Banco e dos seus Clientes, quer entre os interesses dos seus diferentes Clientes.
Tal situação é susceptível de pôr em risco a imparcialidade e independência da actuação do Banco, pelo que a criação e manutenção de regras de prevenção e gestão de conflitos, constitui uma prioridade.
O Banco está obrigado a organizar-se de modo a identificar possíveis conflitos de interesse e a actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência. Para o efeito prestará a todos os seus Clientes um tratamento transparente e equitativo.
A política adoptada pelo Banco, com vista à gestão destes conflitos, contem procedimentos destinados a:
a) Assegurar que as áreas envolvidas nas actividades de intermediação serão organizadas e geridas de maneira autónoma, por pessoal afecto a cada uma delas, sem interferência da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
b) Assegurar que a informação obtida em cada área nunca se encontrará, directa ou indirectamente, ao alcance da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
c) Segregação entre as funções de decisão, execução, registo e controle;
d) Notificação ao responsável pelo Cumprimento/”Compliance Officer” das transacções efectuadas por dirigentes colaboradores mais expostos a eventuais conflitos de interesse;
e) Manutenção e monitorização de uma lista de colaboradores considerados como podendo ter acesso a informação privilegiada;
f) Prestação de formação aos colaboradores sobre prevenção e gestão de conflitos de interesses.”
27.36. A Liquidanda apresentou propostas de investimento à Impugnante não abrangidas pelo “Contrato de Gestão de Carteiras”, concretamente, subscrição de obrigações, que a Impugnante veio a aceitar.
27.37. Perante as reservas manifestadas pela Impugnante sobre a aplicação na Rio Forte, o gestor de conta procedeu à entrega à Impugnante da informação escrita que se mostra a fls.1433 a 1435, onde se atestava a subida acentuada do lucro e fortalecimento da situação financeira da Rio Forte.
27.38. A Liquidanda executou as ordens de investimento da Impugnante nas aplicações Rio Forte e ESFIL.
27.39. As datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios já estavam definidas no momento da subscrição.
27.40. As obrigações venciam juros a uma taxa de juros remuneratórios fixa e já determinada no momento da subscrição destes produtos pela Impugnante.
27.41. A Impugnante sabia, no momento em que deu as ordens de subscrição, que na data de vencimento o emitente teria de reembolsar integralmente o capital e pagar os juros na taxa fixada e que, não o fazendo, o emitente entraria em incumprimento perante a Impugnante.
27.42. A informação sobre a subscrição e as características das aplicações foi prestada à Impugnante, por intermédio de FFB.
27.43. A Liquidanda, ou os seus colaboradores, não transmitiram à Impugnante que realizar as subscrições de obrigações equivaleria a realizar um depósito a prazo.
27.44. A Liquidanda não assumiu o pagamento das obrigações em caso de incumprimento ou insolvência de qualquer dos emitentes.
27.45. A Liquidanda esclareceu a Impugnante de que a subscrição das obrigações Rio Forte e ESFIL não eram um depósito junto da Liquidanda e que a Liquidanda não prestava qualquer tipo de garantia sobre o cumprimento das obrigações dos emitentes, “ainda que o investimento tenha sido concretizado na sequência de investimento pelo mesmo [a Liquidanda] apresentada”.
27.46. A Liquidanda informou a Impugnante dos riscos do investimento, nomeadamente, o risco de perda de capital e rendimento associado à falta de solvabilidade, nos termos expressos nos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” com cópia a fls. 8858 a 8860, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
27.47. A Liquidanda forneceu à Impugnante documentação, concretamente, os documentos designados “Ordem de Execução sobre Instrumento Financeiro” e a informação escrita que se mostra a fls.1433 a 1435.
27.48. A Liquidanda informou e esclareceu a Impugnante sobre as entidades emitentes das obrigações em causa – a Rio Forte e a ESFIL –, nomeadamente, sobre o facto de estas entidades integrarem o Grupo Espírito Santo, a que pertence a Banque Privée Espirito Santo, S.A.
27.49. A Impugnante era acompanhada por um gestor de conta da Liquidanda que lhe prestava informações e esclarecimentos.
27.50. O gestor de conta assegurou que os investimentos realizados correspondiam a um perfil conservador e de baixo risco.
27.51. A Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes tanto produtos financeiros do Grupo Espírito Santo como outros.
27.52. A Liquidanda não recebeu instruções, ordens ou recomendações por parte da Banque Privée Espirito Santo, S.A. ou de qualquer entidade do Grupo Espírito Santo, para colocar obrigações da Rio Forte ou ESFIL.
27.53. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação aos seus colaboradores para aconselhar a subscrição de obrigações da Rio Forte ou ESFIL à Impugnante ou a qualquer outro cliente.
27.54. A colocação de obrigações da Rio Forte inseriu-se num programa quadro de colocação de obrigações desta sociedade, denominado “Euro Medium Term Note Programme”.
27.55. A Liquidanda não integrava produtos financeiros da Rio Forte nem da ESFIL no âmbito de mandatos de gestão discricionária, porque faziam parte do mesmo grupo económico da Liquidanda e porque procurava oferecer uma carteira diversificada e diferente do que era comercializado em Portugal, designadamente, pelo Banco Espírito Santo, S.A., onde os produtos do Grupo Espírito Santo eram já comercializados.
27.56. Em 2014, os gerentes da Liquidanda tinham decidido reduzir a exposição dos seus clientes ao Grupo Espírito Santo para maximizar as comissões que aquela recebia e estabelecer uma diferença perante o private banking do Banco Espirito Santo, S.A.
27.57. Pelo menos até ao final de Junho de 2014, as obrigações Rio Forte foram reembolsadas no vencimento.
27.58. Pelo menos até Março de 2014, as obrigações ESFIL foram reembolsadas no vencimento.
27.59. A Liquidanda só tinha acesso à informação pública sobre as sociedades Rio Forte e ESFIL, nomeadamente, o relatório e contas das sociedades.
27.60. Tanto quanto era do conhecimento público e da Liquidanda, a ESFG e a ESFIL tinham resultados positivos.
27.61. Em 2014, a Liquidanda aceitou obrigações Rio Forte como garantia de empréstimos concedidos.
27.62. Em 3.7.2014, em reunião havida com o gestor de conta, a Impugnante pediu o reembolso da totalidade dos investimentos realizados nos seus vencimentos contratuais.
27.63. Em 7.7.2014, através do fax cuja cópia se mostra a fls.1436, a Impugnante pediu a transferência da totalidade do saldo da conta E.S. Tesouraria Activa para outro Banco.
27.64. Por carta que deu entrada na Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A., Balcão de Lisboa, cuja cópia se mostra a fls. 1438, em 11.7.2014, a Impugnante apresentou reclamação pelo facto de ainda não lhe haver sido paga a carteira de obrigações E.S. Financière ECP que se havia vencido no dia 9.7.2014, solicitando com urgência a resolução da situação.
27.65. Na mesma data, a Impugnante entregou no Balcão da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A. uma outra carta, cuja cópia se mostra a fls. 1440/1441, a reclamar o reembolso da aplicação “ExS Cash Plus” de que era titular, que havia subscrito a conselho do seu gestor de conta.
27.66. No dia 11.7.2014, quando a Impugnante procurou resgatar tal aplicação, foi informada que o activo se encontrava congelado.
27.67. Em carta enviada à Impugnante, datada de 7.11.2014, com cópia a fls.1443 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Liquidanda informou que a sua sede na Suíça tinha entrado em falência no dia 19 de Setembro de 2014, (…) o processo de transferência de títulos se encontrava dificultado, dado o avolumar de pedidos e dada a complexidade do processo de transferência, o que fez com que o departamento de títulos da sede do Banco na Suíça tivesse ficado sem capacidade de resposta (…) de modo a acelerar o processo de transferência e libertar o património dos clientes, havia iniciado um processo de transferência da totalidade dos títulos dos clientes depositados na sede na Suíça para um custodiante em Portugal, de modo a garantir que, a partir desse momento, o controlo sobre as transferências transite para a Sucursal em Portugal (…) tal processo de transferência já se encontrava em curso e que esperavam nos dias seguintes satisfazer as instruções de todos os clientes permitindo encerrar esse capítulo.
27.68. A Impugnante, através de uma comunicação datada de 2.12.2014, dirigida à Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A., ao cuidado de JAS, cuja cópia se mostra a fls. 1445, reafirmou a reclamação apresentada em 11.7.2014.
27.69. Em comunicação enviada à Impugnante, datada de 21.9.2015, cuja cópia se mostra a fls. 1450, a Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A. informou que a sua licença bancária fora cancelada por parte do Banco de Portugal no dia 21.9.2015 e que em consequência se encontrava a decorrer o processo de liquidação judicial e o período de reclamação de créditos.
27.70. Do extracto bancário da conta da Impugnante por referência à data de 21.9.2015, consta que a Impugnante é detentora, junto da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A. das seguintes aplicações:
a) Quantidade: 1.000.000,00 ; Descrição “4% Espírito Santo Financière”, com data de vencimento em 9.7.2014;
b) Quantidade: 1.100.000,00; Descrição “4,25% Rio Forte Investments SA, EMTN SR-216-2014”, com data de vencimento em 27.2.2015;
c) Quantidade: 81.733,72; Descrição “ExS Cash Plus Segregated EUR PF”, adquiridas ao valor de €1.128,80.
27.71 A Impugnante já reclamou o montante que reclama nesta liquidação junto das massas insolventes da Rio Forte Investments, S.A e ESFIL – Espírito Santo Financière, S.A.
*
3.7. Matéria de facto provada relativamente à impugnação nº53, correspondente ao recurso 1.7., interposto por SLL S.A.:
53.1. A Impugnante é uma sociedade de responsabilidade limitada, constituída de acordo com a lei do Grão-Ducado do Luxemburgo, autorizada por decreto ministerial de 2 de Maio de 1985 e registada junto do Registo Comercial do Grão-Ducado do Luxemburgo sob o n.º B-22663, cujo objecto social consiste na contratação de seguros de vida.
53.2. No exercício da sua actividade, a Impugnante celebrou um conjunto de contratos de seguro de vida “Life Asset Portfolio” (“LAP”), cujas condições gerais em Portugal eram as descritas a fls. 2748 e ss., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
53.3. Nos termos desses contratos, cada tomador de seguro entregava à Impugnante um prémio (composto por dinheiro ou, no caso dos Fundos Dedicados, por valores mobiliários) que a Impugnante alocava a um ou mais fundos, ficando a Impugnante obrigada a pagar ao(s) beneficiário(s) do seguro, em caso de morte da pessoa segura, o valor calculado a partir da evolução do valor das unidades de participação dos Fundos seleccionados pelo tomador do seguro.
53.4. Nos termos destes contratos de seguro, a Impugnante adquiria a titularidade/propriedade sobre o dinheiro e/ou os valores mobiliários que compunham o prémio pago pelo tomador de seguro.
53.5. Nos termos dos contratos de seguro “Life Asset Portfolio”, a Impugnante tinha direito a cobrar uma comissão trimestral, de gestão do contrato, sobre o valor dos activos do(s) “fundo(s) dedicado(s)” associado(s) a cada contrato.
53.6. O valor dessa comissão, não concretamente apurado situava-se anualmente, em média, entre a 0,30% e 0,35% do valor da carteira.
53.7. Por cada contrato de seguro celebrado, a Impugnante abria uma ou mais contas de depósito individualizadas junto de uma instituição de crédito, onde depositava o prémio pago pelo tomador do seguro.
53.8. Essa conta era gerida pela instituição de crédito depositária ou, nalguns casos, pelo próprio tomador do seguro, mediante mandato ou procuração conferida pela Impugnante e sempre nos termos de uma política de investimento pré-estabelecida e em obediência às regras prudenciais estabelecidas na Carta Circular n.º 08/1 do “Commissariat aux Assurances” do Grão-Ducado do Luxemburgo.
53.9. A Banque Privée Espirito Santo, S.A. e a respectiva Sucursal em Portugal foram instituições de crédito junto das quais a Impugnante abriu este tipo de conta de depósito e a quem confiou a gestão das mesmas.
53.10. As relações entre a Banque Privée Espírito Santo, S.A. e a Impugnante eram reguladas por:
(i) Um contrato de depósito (“convention de dépôt”) celebrado em 26 de Junho de 2011 e aprovado pelo “Commissariat aux Assurances” do Grão-Ducado do Luxemburgo em 26 de Julho de 2011, com cópia a fls. 2774 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
(ii) Um contrato de gestão de activos (“asset management agreement”) celebrado em 19 de Outubro de 2011, com cópia a fls. 2782 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
53.11. Foram celebrados entre a Impugnante e a Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A. os contratos de abertura de conta de depósito que constituem os documentos 57 a 67 juntos com a impugnação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que deram origem às contas:
(1) Conta n.º 850606 – Apólice n.º 4001584001;
(2) Conta n.º 850610 – Apólice n.º 4002053001;
(3) Conta n.º 850684 – Apólice n.º 4002547001;
(4) Conta n.º 850691 – Apólice n.º 4002549002;
(5) Conta n.º 850698 – Apólice n.º 4003408001;
(6) Conta n.º 850769 – Apólice n.º 4004103001;
(7) Conta n.º 850781 – Apólice n.º 4004088001;
(8) Conta n.º 850782 – Apólice n.º 4004160001;
(9) Conta n.º 850786 – Apólice n.º 4004311001;
(10) Conta n.º 850795 – Apólice n.º 4003997001;
(11) Conta n.º 850806 – Apólice n.º 4004504001.
53.12. Na cláusula 15.1. das “Disposições Gerais e Abertura de Conta de Depósito à Ordem” dos Contratos de Abertura de Conta junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal ficou convencionado, além do mais, o seguinte:
“(…) O Banco fornecerá toda a informação que disponha relativamente a produtos ou instrumentos financeiros, a qual corresponderá, pelo menos, à informação mínima considerada pelo Banco como necessária para a tomada de decisões fundamentadas de investimento, numa lógica de avaliação de rentabilidade potencial e riscos inerentes. O Banco exercerá de toda a sua diligência para validar que a informação de terceiros que transmita seja exata e completa, não se garantindo, ainda assim e neste caso, o seu caráter exato, completo nem tempestivo, nem a probabilidade de qualquer tipo de resultados no futuro.”
53.13. Na cláusula 3.2 do capítulo “D. Receção e transmissão de ordens para investimento em Instrumentos Financeiros” dos Contratos de Abertura de Conta junto da Banque Privée – Espírito Santo – Sucursal em Portugal, ficou convencionado o seguinte:
“3.2. Sem prejuízo de outras situações que venham a ser legalmente previstas, o Banco recusará as ordens emitidas pelos Clientes, sempre que:
(…)
3.2.2. Seja evidente que a operação contraria os interesses dos Clientes, salvo se estes confirmarem a ordem por escrito; ...”
53.14. Nas cláusulas 7 e 8 do capítulo “C. Contas Complementares: Contas de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros” dos Contratos de Abertura de Conta junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal foi estipulado o seguinte:
“7. Reforços.
(…)
7.2. Os reforços efetuados por transferência serão comunicados ao Banco com pelo menos dois dias de antecedência.
7.3. No prazo referido no número anterior, os Clientes informarão o Banco dos intermediários financeiros e respetivas contas através das quais serão dadas as ordens de transferência de Instrumentos Financeiros.
8. Levantamentos e transferências
8.1. Os clientes poderão solicitar o levantamento ou a transferência de Instrumentos Financeiros das contas, aplicando-se, com as devidas adaptações, as regras previstas em 7.2. e 7.3.
8.2. Os levantamentos referidos no número anterior deverão ser solicitados ao Banco com 5 (cinco) dias úteis de antecedência, e apenas poderão ser efetuados se existirem fundos nas contas dos Clientes que permitam a satisfação integral das importâncias correspondentes a comissões, taxas, impostos e demais despesas devidas.”
53.15. Na cláusula 24.1. das “Disposições Gerais e Abertura de Conta de Depósito à Ordem” dos Contratos de Abertura de Conta junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A.– Sucursal em Portugal ficou convencionado que “o presente contrato rege-se pela lei portuguesa”.
53.16. Foram celebrados entre a Impugnante e a Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A. quatro “Contratos de Gestão de Carteiras”, que constituem os documentos 1 a 4 juntos com a resposta à impugnação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, associados às contas n.ºs 850786, 850782, 850781 e 850698.
53.17. No âmbito dos “Contratos de Gestão de Carteiras” referidos em 53.16. foram dadas instruções para investimento nos três perfis infra indicados, com as características descritas a fls. 12128, que aqui se dão por integralmente reproduzidas:
- Perfil “B”, risco moderado: €800.000,00+211.000,00+€4.200.000,00+ €3.500.000,00
- Perfil “C”, risco elevado: €250.000,00+€900.000,00
- Perfil “D”, risco muito elevado: €900.000,00
53.18. Alguns dos investimentos realizados ao abrigo dos contratos celebrados entre Impugnante e Liquidanda tinham exposição a empresas do Grupo Espírito Santo.
53.19. A Impugnante tinha conhecimento que os investimentos realizados não eram isentos de risco e que esse risco corria por sua conta.
53.20. A Impugnante era acompanhada por um gestor de conta da Liquidanda, designadamente, nas contas associadas a contratos de seguro celebrados com clientes da Sucursal Liquidanda.
53.21. A Impugnante recebia mensalmente, desde a data da celebração dos contratos, os respectivos extractos de conta, de onde constavam com clareza todos os seus investimentos.
53.22. A Liquidanda prestou à Impugnante informação sobre a sua política de conflito de interesses e de mitigação desses conflitos, nos seguintes termos:
“2.7 Informação sobre política de conflito de interesses
O Banco adoptou uma política em matéria de conflito de interesses, que pode, mediante pedido de qualquer Cliente, ser enviado para o seu endereço electrónico ou morada postal.
O Banco desenvolve diversas actividades de intermediação financeira cuja execução pode propiciar a ocorrência de situação de conflitos de interesse, quer entre os interesses do Banco e dos seus Clientes, quer entre os interesses dos seus diferentes Clientes.
Tal situação é susceptível de pôr em risco a imparcialidade e independência da actuação do Banco, pelo que a criação e manutenção de regras de prevenção e gestão de conflitos, constitui uma prioridade.
O Banco está obrigado a organizar-se de modo a identificar possíveis conflitos de interesse e a actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência. Para o efeito prestará a todos os seus Clientes um tratamento transparente e equitativo.
A política adoptada pelo Banco, com vista à gestão destes conflitos, contem procedimentos destinados a:
m) Assegurar que as áreas envolvidas nas actividades de intermediação serão organizadas e geridas de maneira autónoma, por pessoal afecto a cada uma delas, sem interferência da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
n) Assegurar que a informação obtida em cada área nunca se encontrará, directa ou indirectamente, ao alcance da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
o) Segregação entre as funções de decisão, execução, registo e controle;
p) Notificação ao responsável pelo Cumprimento/”Compliance Officer” das transacções efectuadas por dirigentes colaboradores mais expostos a eventuais conflitos de interesse;
q) Manutenção e monitorização de uma lista de colaboradores considerados como podendo ter acesso a informação privilegiada;
r) Prestação de formação aos colaboradores sobre prevenção e gestão de conflitos de interesses.”
53.23. Por referência à data de 30 de Junho de 2014, os Portfolios que infra se indicam eram integrados por activos que totalizavam:
· n.º850606.01: €10.381.534,02
· n.º850610.01: €2.880.301,54
· n.º850684.01: €7.705.439,01
· n.º850691.01: €2.986.411,39
· n.º850698.01: €53,93
· n.º850698.02: €2.672.797,32
· n.º850698.03: €1.168.379,79
· n.º850698.04: €256.610,57
· n.º850769.01: €13.956.196,79
· n.º850781.01: €4.244.601,93
· n.º850782.01: €1,96
· n.º850782.02: €783.491,48
· n.º850782.03: €271.908,52
· n.º850786.01: €52,28
· n.º850786.02: €1.110.838,08
· n.º850786.03: €138.452,33
· n.º850795.01: €1.567.974,60
· n.º850806.01: €3.675.271,10
53.24. Em 30 de Junho de 2014, a Impugnante detinha, nas contas abertas junto da Banque Privée Espírito Santo – Sucursal em Portugal, valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos pelo Grupo Espírito Santo, no valor aproximado de €19.000.000,00.
53.25. Em 30.6.2014, os Fundos “Espírito Santo Trading”, “Espirito Santo Rendimento PLUS FEI”, “Espirito Santo Global Bond – A- EUR-H1” e “Espirito Santo Opportunity-R-DIST” estavam cotados.
53.26. Em 30.6.2014, as obrigações “4,75 Banco Espirito Santo EMTN-2013/15.01.2018” estavam cotadas.
53.27. Em 30.6.2014, as obrigações “Espirito Santo Finantial Group – (SUB) 2009/21.10.2019” estavam cotadas.
53.28. Em 18.6.2014 o produto “5% Espirito Santo Investments PLC EMTN-2013/20.12.2018” estava cotado.
53.29. Em 30.6.2014, os valores mobiliários depositados nas contas da Impugnante abertas junto da Liquidanda, emitidos por sociedades do Grupo Espírito Santo que entraram em liquidação - ESI, ESGF, Banco Espirito Santo, S.A. e Rio Forte - teriam o valor total de aquisição de, aproximadamente, €8.759.297,96.
53.30. Em 30.6.2014, as obrigações Rio Forte depositados nas contas da Impugnante abertas junto da Liquidanda, totalizavam cerca de €7.739.500,00, valor calculado ao preço de aquisição.
53.31. Por cartas expedidas, designadamente, em 17 e 24 de Julho de 2014, a Impugnante instruiu a Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal no sentido de proceder ao encerramento das contas infra indicadas e à transferência dos activos para outros depositários:
- n.º 850606 – Apólice n.º 4001584001;
- n.º 850610 – Apólice n.º 4002053001;
- n.º 850684 – Apólice n.º 4002547001;
- n.º 850691 – Apólice n.º 4002549002;
- n.º 850698 – Apólice n.º 4003408001;
- n.º 850769 – Apólice n.º 4004103001;
- n.º 850781 – Apólice n.º 4004088001;
- n.º 850782 – Apólice n.º 4004160001;
- n.º 850786 – Apólice n.º 4004311001;
- n.º 850795 – Apólice n.º 4003997001;
- n.º850806 – Apólice n.º 4004504001.
53.32. A Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A. não procedeu ao encerramento imediato das contas e à transferência dos activos para os novos depositários indicados pela Impugnante.
53.33. O procedimento de transferência de valores mobiliários implica a intervenção das entidades bancárias transmitente, custodiante e transmissária.
53.34. No caso concreto, o pedido de transferência dos títulos foi enviado pela Impugnante à Liquidanda.
53.35. De seguida, a Liquidanda enviou o pedido à Banque Privée Espírito Santo, S.A., custodiante dos títulos.
53.36. A partir de Julho de 2014 a Liquidanda e os Bancos depositários das transferências identificados pela Impugnante receberam inúmeros pedidos de transferência de títulos.
53.37. O processo de liquidação de títulos/ transferência de liquidez subsequente ao termo de um dos contratos celebrados entre a Impugnante e a Liquidanda era habitualmente e em média, concluído no prazo de 4 semanas.
53.38. No caso em apreço, o processo de transferência de títulos foi mais moroso do que era habitual, tanto do lado da Banque Privée Espírito Santo, S.A. como dos bancos depositários identificados pela Impugnante.
53.39. A partir de 16 de Julho de 2014, a Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A. foi procedendo à restituição do dinheiro e valores mobiliários referidos em 53.29.
53.40. A transferência dos valores depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal, com inicio em Julho de 2014, não estava concluída em 31 de Maio de 2015.
53.41. À data de 31 de Maio de 2015, ainda se encontravam depositados em contas abertas junto da Sucursal Liquidanda as quantias e valores mobiliários infra indicados:
53.42. Durante o lapso temporal em que decorreu a transferência dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal para outras instituições bancárias, a Impugnante não dispôs dos mesmos.
53.43. Durante o lapso temporal em que decorreu a transferência dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal e até 21 de Setembro de 2015, a Impugnante poderia ter pedido o resgate dos investimentos ou dado ordem de venda dos valores mobiliários depositados em contas abertas ou sob gestão da Liquidanda.
53.44. Caso não estivesse a aguardar pela transferência dos títulos/liquidez, no exercício da sua actividade, a Impugnante teria investido a liquidez ou realizado operações envolvendo os activos depositados junto da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A., com o intuito de obter lucro.
53.45. Em virtude da entrada em incumprimento e liquidação das sociedades do Grupo Espírito Santo, os valores investidos pela Impugnante em instrumentos financeiros e valores mobiliários emitidos por essas sociedades e depositados em contas das quais a Banque Privée Espírito Santo – Sucursal em Portugal era a entidade gestora ou depositária, não foram reembolsados no final do prazo, nem foram pagos juros ou qualquer valorização decorrente desses investimentos.
53.46 A Impugnante é uma companhia de seguros de referência a nível internacional no sector onde exerce a sua actividade, sendo procurada por particulares e empresas que visam precaver-se contra os riscos e as incertezas.
53.47. A reputação da Impugnante foi negativamente afectada em virtude da não recuperação, pelo menos até 8.2.2016, dos investimentos realizados em valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos por sociedades do Grupo Espírito Santo.
53.48. A reputação da Impugnante foi negativamente afectada em virtude do tempo que demorou a transferência dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. e Sucursal em Portugal.
53.49. A falta de recuperação dos investimentos realizados em valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos por sociedades do Grupo Espírito Santo, que se verificava em 8.2.2016 e o lapso temporal que demorou a transferência dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. e Sucursal, contribuíram para a diminuição da procura por novos contratos de seguro “Life Asset Portfolio”, concretamente, no mercado português.
53.50. A Impugnante mobilizou os seus recursos humanos para acompanhar a situação da Banque Privée Espirito Santo, responder aos seus clientes e diligenciar no sentido da recuperação dos activos depositados junto da Liquidanda.
53.51. Em 31.5.2015 encontravam-se em contas da Impugnante, abertas junto da Liquidanda, obrigações Rio Forte cuja aquisição importou em €3.439.000,00.
53.52. Os activos referidos em 53.51. encontram-se nas contas da Impugnante na Liquidanda porque os títulos estão bloqueados na Euroclear, por efeito da declaração de insolvência da Rio Forte e da reclamação dos respectivos créditos.
53.53. Por efeito do processo de liquidação das sociedades Rio Forte Investments, S.A., Espirito Santo International, S.A. e Espirito Santo Financial Group e reclamação de créditos nos respectivos processos, os valores mobiliários por elas emitidos foram bloqueados.
53.54. Durante o período em que durou o procedimento de transferência, os valores mobiliários em causa geraram o respectivo rendimento, tendo esse rendimento sido pago à Impugnante.
53.55. As unidades de participação do “Fundo Picket – Short-term Money market € P” e do “Fundo Espírito Santo Reconversão Urbana” foram transferidas para as contas indicada pela Impugnante.
53.56. A gestão corrente da Banque Privée Espírito Santo, S.A., bem como a articulação com a sua sucursal em Portugal, era assegurada por um Comité Executivo composto por JCA, PAC e SF.
53.57. Os gerentes da Liquidanda eram responsáveis pela definição, implementação, execução e acompanhamento da actividade corrente e estratégica da Sucursal, sem prejuízo do dever de reporte a um Comité Executivo do estabelecimento principal na Suíça.
53.58. A Banque Privée Espírito Santo, S.A. não tinha intervenção no relacionamento entre a Sucursal e os seus clientes, gozando esta de liberdade nas opções de negócio que tomava.
53.59. A Liquidanda não recebeu instruções, ordens ou recomendações, para aplicar dinheiro dos seus clientes em activos com exposição ao Grupo Espírito Santo, incluindo obrigações da Rio Forte ou outras empresas do mesmo grupo.
53.60. A Liquidanda não tinha acesso à informação disponível no sistema da Banque Privée Espírito Santo, S.A. e vice-versa no que à área comercial/de clientes.
53.61. A Liquidanda dispunha de escrituração contabilística própria, mantendo toda a contabilidade específica das operações realizadas em Portugal.
53.62. Pelo menos até ao final de Junho de 2014, as obrigações Rio Forte foram reembolsadas no vencimento.
53.63. A Liquidanda só tinha acesso à informação pública sobre a Rio Forte, a ESFIL e a ESI, concretamente, ao relatório e contas das sociedades.
53.64. Só em 2014, com efeito retroactivo a 31.12.2013, é que foi realizada a venda à Rio Forte da participação da ESI na Espirito Santo Finantial Group.
53.65. A Liquidanda angariou clientes para a Impugnante.
53.66. A Banque Privée Espírito Santo, S.A. era o custodiante dos títulos.
53.67. Por carta de 22 de Agosto de 2014, a Banque Privée Espírito Santo, S.A. informou a Impugnante de que “tinha assinado um acordo com a CBH – Compagnie Bancaire Hélvétique, S.A. por intermédio do qual grande parte da sua actividade de «private wealth management» será transferida para a CBH” e que “poderia ter sido contactada ou vir a sê-lo em breve com uma oferta para transferir os seus ativos e obrigações para a CBH”.
53.68. A Impugnante rejeitou a oferta de transferência para a CBH e reiterou o pedido de transferência dos activos depositados nas contas n.ºs 802284, 802719, 802826, 802855, 803086, 803100, 803257, 803349 e 803383 para os depositários que havia indicado anteriormente.
53.69. Em 7 de Novembro de 2014, a Impugnante reclamou, junto do liquidatário suíço, créditos sobre a insolvência da Banque Privée Espírito Santo, S.A.
*
3.8. Matéria de facto provada relativamente à impugnação nº49, correspondente ao recurso 1.8., interposto por Herdeiros de CCN:
49.1. CCN trabalha na restauração, explorando um restaurante no Brasil[7].
49.2. CCN é titular da conta n.º802128, aberta na Banque Privée Espirito Santo, S.A.
49.3. CCN subscreveu obrigações Rio Forte e Espirito Santo Internacional que foram associadas à conta n.º801128.01, por si titulada.
49.4. Na sequência da sua apresentação pelo Dr. BHG, o Impugnante efectuou os seguintes investimentos:
i) em obrigações da Rio Forte Investments, S.A., no valor de €508.000,00, com data de vencimento aos 24.10.2014;
ii) em obrigações da Espirito Santo Internacional, S.A. no valor de €153.000,00, com data de vencimento aos 23.01.2015.
49.5. As obrigações em causa foram apresentadas ao Impugnante como opções de investimento com baixa volatilidade, rendimento fixo pré-determinado e com capital e rendimento garantido.
49.6. Todos os contactos do Impugnante e todo o processo negocial decorreram nas instalações da Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal.
49.7. O Impugnante nunca teve qualquer contacto com os gestores da Banque Privée Espirito Santo, S.A., da Suíça, nem se deslocou àquele país.
49.8. Nos extractos das contas abertas na Liquidanda consta no topo de todas as páginas a identificação da Liquidanda – “Banque Privée Espírito Santo - Sucursal em Portugal”.
49.9. No rodapé da página de rosto dos extractos das contas abertas na Liquidanda pode ler-se “Banque Privée Espírito Santo S.A. - Sucursal em Portugal NIPC 980377870 Av. da Liberdade, 131 – 4º 1250-140 Lisboa”.
49.10. Os números das contas na Liquidanda começam sempre com os algarismos “850”.
49.11. Os gerentes da Liquidanda desenhavam, implementavam, executavam e acompanhavam a actividade corrente e estratégica da Liquidanda, previamente consensualizada com o Comité Executivo da Banque Privée Espírito Santo, S.A.
49.12. A Liquidanda dispõe de escrituração contabilística própria.
*
3.9. Matéria de facto provada relativamente à impugnação nº50, correspondente ao recurso 1.9., interposto por AFS:
50.1. A Impugnante é titular de uma conta sediada na Suíça, aberta junto da Banque Privée Espirito Santo, S.A., à qual foi atribuído o n.º224909.
50.2. A Impugnante AFS subscreveu participações no “ExS Cash Plus Segregated”, no valor de €254.336,49, junto da Banque Privée Espirito Santo, S.A., produto apresentado pelo Dr. BHG, enquanto colaborador dessa instituição bancária.
50.3. Nos extractos das contas abertas na Liquidanda consta no topo de todas as páginas a identificação da Liquidanda – “Banque Privée Espírito Santo - Sucursal em Portugal”.
50.4. No rodapé da página de rosto dos extractos das contas abertas na Liquidanda pode ler-se “Banque Privée Espírito Santo S.A. - Sucursal em Portugal NIPC 980377870 Av. da Liberdade, 131 – 4º 1250-140 Lisboa”.
50.5. Os números das contas na Liquidanda começam sempre com os algarismos “850”.
50.6. Os gerentes da Liquidanda desenhavam, implementavam, executavam e acompanhavam a actividade corrente e estratégica da Liquidanda, previamente consensualizada com o Comité Executivo da Banque Privée Espirito Santo, S.A.
50.7. A Liquidanda dispõe de escrituração contabilística própria.
*
3.10. Matéria de facto provada relativamente à impugnação nº48, correspondente ao recurso 1.10., interposto por MFN e MCN:
48.1. MFN sempre trabalhou na restauração e actualmente explora um restaurante no Brasil.
48.2. MFN e MCN são titulares da conta n.º801791, aberta na Banque Privée Espirito Santo, S.A.
48.3. MFN e MCN subscreveram obrigações Rio Forte e Espirito Santo Internacional que foram associadas à conta n.º801791, por eles titulada.
48.4. Na sequência da sua apresentação pelo Dr. BHG, os Impugnantes efectuaram os seguintes investimentos:
i) em obrigações da Espirito Santo Internacional, S.A., no valor de €115.000,00, com data de vencimento aos 21.11.2014;
ii) em obrigações da Espirito Santo Internacional, S.A., no valor de €290.000,00, com data de vencimento aos 23.01.2015;
iii) em obrigações da Rio Forte Investments, S.A., no valor de €349.000,00, com data de vencimento aos 21.11.2014.
48.5. As obrigações em causa foram apresentadas aos Impugnantes como opções de investimento com baixa volatilidade, rendimento fixo pré-determinado e com capital e rendimento garantido.
48.6. Todos os contactos dos Impugnantes e todo o processo negocial decorreram nas instalações da Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal.
48.7. Os Impugnantes nunca tiveram qualquer contacto com os gestores do Banco Privée Espirito Santo, S.A., da Suíça, nem se deslocaram àquele país.
48.8. Nos extractos das contas abertas junto da Liquidanda consta no topo de todas as páginas a identificação da Liquidanda – “Banque Privée Espírito Santo - Sucursal em Portugal”.
48.9. No rodapé da página de rosto dos extractos das contas abertas na Liquidanda pode ler-se “Banque Privée Espírito Santo S.A. - Sucursal em Portugal NIPC 980377870 Av. da Liberdade, 131 – 4º 1250-140 Lisboa”.
48.10. Os números das contas abertas junto da Liquidanda começam sempre com os algarismos “850”.
48.11. Os gerentes da Liquidanda desenhavam, implementavam, executavam e acompanhavam a actividade corrente e estratégica da Liquidanda, previamente consensualizada com o Comité Executivo da Banque Privée Espírito Santo S.A.
48.12. A Liquidanda dispõe de escrituração contabilística própria.
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B) FACTOS NÃO PROVADOS
Retirando os factos conclusivos, as alegações jurídicas e os factos relacionados exclusivamente com pedidos já conhecidos nos autos, dos relevantes para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos:
I a) Anualmente, os auditores do Fundo ExS produziam o seu relatório de auditoria, sendo que desses relatórios não constavam quaisquer reservas.
I b) Só em Março de 2014, embora com efeito retroactivo a 31.12.2013, é que a estrutura do Grupo Espírito Santo foi alterada e a Rio Forte passou a deter uma participação indirecta na Espírito Santo Financial Group.
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3.1.1. Matéria de facto não provada relativamente à impugnação nº1, correspondente ao Recurso 1.1. interposto por FRF e VJF:
1 a) No dia 20 de Junho de 2014, ao final do dia, a gestora APR (gerente da conta dos Reclamantes na sociedade em liquidação), transmitiu aos Impugnantes, que poderiam estar descansados, na medida em que a transferência estava executada e, no dia 23 de Junho de 2014 (segunda-feira), estaria disponível, para movimentação, na conta titulada pelos Impugnantes, junto da sociedade em liquidação.
1 b) O documento emitido pela Banque Privée Espirito Santo, S.A., em 20 de Junho de 2014, com data-valor de 20 de Junho de 2014 constitui o último passo de validação de crédito na conta de destino.
1 c) Este documento constitui a confirmação de entrada de dinheiro, emitida após o vencimento da aplicação e a sua liquidação financeira.
1 d) Quando, no dia 20 de Junho de 2014, a Banque Privée Espirito Santo, S.A. emitiu o documento denominado “Entrada de fundos”, o dinheiro estava disponível.
1 e) “Pré-avis de fonds”, traduzido para português, significa “aviso de entrada de fundos”.
1 f) No dia 23 de Junho de 2014, os Impugnantes deslocaram-se à sociedade em liquidação, no Porto, onde comunicaram à Dra. APR, o seu desagrado com o que se estava a passar, tendo a mesma acabado por ligar ao Liquidatário Judicial que, à data, desempenhava funções de gerente, tendo este transmitido ao Impugnante FRF: «não se admite o que estão a fazer, pode dormir descansado que em 24 horas o dinheiro está na sua conta”.
1 g) Em 24 de Julho de 2014 saiu um comunicado de imprensa, por parte da ESI, a informar da sua candidatura ao regime de gestão controlada.
1 h) Entre final de Junho e início de Julho, a ESFIL continuava a preparar emissões.
1 i) A Euroamerican pagou em Dezembro de 2014, data posterior à insolvência da ESI.
1 j) Os Impugnantes reclamaram os seus créditos junto da Banque Privée Espirito Santo, S.A., no respectivo processo de liquidação que corre termos naquele país.
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3.1.2. Matéria de facto não provada relativamente à impugnação nº25, correspondente ao recurso 1.2., interposto por LCM e BCM:
25 a) Nas várias aplicações Rio Forte realizadas, a Liquidanda transmitiu sempre aos Impugnantes informação sobre a Rio Forte e o facto de esta entidade integrar o Grupo Espírito Santo, a que pertence a Banque Privée Espirito Santo, S.A.
25 b) Os Impugnantes eram acompanhados por um gestor de conta da Liquidanda, que lhes prestava as informações e os esclarecimentos solicitados.
25 c) Pela colocação de obrigações da Rio Forte junto dos seus clientes, a Liquidanda cobrou ao emitente a comissão máxima de 0,5%, em linha com a que cobrava para a colocação de obrigações de outras empresas e dentro das práticas habituais do mercado bancário.
25 d) Na data da subscrição das “Notes” Rio Forte referidas a Liquidanda tinha conhecimento da instabilidade económica da Rio Forte.
25 e) A Liquidanda tinha conhecimento privilegiado sobre as outras instituições do mesmo Grupo Financeiro.
25 f) A Rio Forte colapsou economicamente em Junho/Julho de 2014.
25 g) Em 2014, os gerentes da Liquidanda tinham decidido diversificar a carteira dos clientes da Liquidanda e reduzir os investimentos em dívida do Grupo Espírito Santo, que então representavam 15% do portefólio dos clientes da Liquidanda.
25 h) Em meados de 2014, a Liquidanda aceitou obrigações Rio Forte como garantia de empréstimos concedidos.
25 i) A Liquidanda operava num sistema informático separado do utilizado pela Banque Privée Espirito Santo, S.A.
25 j) A Liquidanda não tinha acesso à informação disponível no sistema da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e vice-versa.
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3.1.3. Matéria de facto não provada relativamente à impugnação nº5, correspondente ao recurso 1.3., interposto por ASC, MLSC, SSC e PSC:
5 a) Após a abertura de conta, cada um dos Impugnantes procedeu ao depósito individual da importância de USD 75.000,00.
5 b) Pelos funcionários da Liquidanda foi transmitido ao 1º Impugnante que a subscrição do papel comercial Rio Forte Investments tinha capital garantido e sem riscos, sendo que, a qualquer momento, poderia ser resgatado pelos Impugnantes, cuja importância ficaria disponível em 2 a 3 dias úteis.
5 c) A Insolvente sempre transmitiu a ausência de risco do instrumento financeiro Rio Forte, designando de “capital garantido”, como se um depósito a prazo se tratasse.
5 d) O 1º Impugnante, desconhecendo o risco inerente ao papel comercial Rio Forte Investments, em 2011 efectuou a subscrição até 2013.
5 e) Quando os Impugnantes aplicaram o dinheiro em Rio Forte sempre o fizeram no pressuposto de a Insolvente garantir o reembolso do capital.
5 f) Os Impugnantes apenas autorizaram a aplicação de USD 300.000,00 no instrumento financeiro Rio Forte até 2013, com vencimento em Fevereiro de 2014.
5 g) O 1º Impugnante apenas teve uma conversa telefónica com um funcionário da Insolvente, na qual lhe foi transmitida a possibilidade de manutenção do capital garantido e sem risco, sendo uma conversa sobre as condições de subscrição.
5 h) Os Impugnantes são titulares de “Notes” da Rio Forte subscritas em 27.2.2014.
5 i) O instrumento financeiro “Rio Forte Investments EMTN SR-217 2014/27/02/2015” não tinha autorização do Banco de Portugal e C.M.V.M. para a sua comercialização.
5 j) Antes da subscrição das obrigações Rio Forte a Liquidanda recolheu informação dos Impugnantes sobre os conhecimentos e experiência, situação financeira e objectivos de investimento dos Impugnantes.
5 k) A carta datada de 21.9.2015 apenas foi recepcionada pelo 1º Impugnante AT no início de Novembro.
5 l) A sede da Liquidanda, na Suíça, (a Banque Privée Espirito Santo, S.A.), classificou as aplicações em causa, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
5 m) As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
5 n) A Liquidanda nunca integrou produtos financeiros da Rio Forte no âmbito da prestação de serviços de consultoria de investimento (advisory) ou mandatos de gestão discricionária por duas razões:
(i) porque fazia parte do mesmo grupo económico da Liquidanda;
(ii) por uma questão de posicionamento da Liquidanda no mercado como private banker, que procurava prestar aos seus clientes um serviço de aconselhamento e gestão de excelência e altamente personalizado. A Liquidanda tinha conhecimento de que muitos dos seus clientes eram também clientes do Banco Espírito Santo, onde os produtos do Grupo Espírito Santo eram já comercializados, pelo que evitava oferecer produtos que fossem também comercializados por uma instituição com um perfil mais generalista, bastante distinto do da Liquidanda.
5 o) Foi na análise de risco, bem como nas contas da Rio Forte existentes à data, que a Liquidanda se baseou para colocar as obrigações desta empresa.
5 p) A Liquidanda operava num sistema informático separado do utilizado pela Banque Privée Espirito Santo, S.A.
5 q) A Liquidanda não tinha acesso à informação disponível no sistema da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e vice-versa.
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3.1.4. Matéria de facto não provada relativamente à impugnação nº35, correspondente ao recurso 1.4., interposto por EPR:
35 a) Quando a Impugnante procedeu à abertura de conta junto da Insolvente foi-lhe atribuída a classificação de “investidor qualificado”, isto é, “profissional”.
35 b) O “Questionário de Perfil de Investidor” foi preenchido pelo funcionário da Insolvente.
35 c) A Impugnante não declarou por escrito, em documento autónomo, estar ciente das consequências de pedido tratamento como investidor qualificado.
35 d) A Impugnante não efectuou, com uma frequência média de 10 operações por trimestre, durante os 4 trimestres que antecederam a atribuição da qualificação de “investidor qualificado”, um número de operações com volume significativo no mercado relevante.
35 e) A Impugnante não deu à Insolvente ordem de realização do investimento de €100.000 no produto designado “4% RIO FORTE INVESTMENTS EMTN SR-258 2014/11.08.2014”.
35 f) A Liquidanda não entregou, em momento anterior à subscrição do investimento de €100.000,00 no produto designado “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014” um documento informativo reflectindo a informação transmitida.
35 g) A Liquidanda não prestou de informação relativamente aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas.
35 h) A Liquidanda não prestou informação relativamente aos riscos de “perda da totalidade do investimento”, “de liquidez, de crédito e de mercado” relativamente aos produtos “5% Rio Forte Investments EMTN SR-191 2013/09.03.2015 Isin: XS1003718399” e “4% Espírito Santo Financière 2014/09.07.2014” Isin: XS1015427856”.
35 i) A Impugnante não foi informada da possibilidade de existir um conflito de interesses.
35 j) Não foram prestados esclarecimentos à Impugnante sobre a política de prevenção e mitigação desses conflitos tendo em conta a estrutura do próprio Grupo Espírito Santo e o papel de agente pagador da Insolvente nas emissões comercializadas.
35 k) A Impugnante é titular de obrigações Rio Forte subscritas em 6.5.2014 e 09.12.2013 e de obrigações ESFIL subscritas em 10.1.2014.
35 l) Desde a abertura de conta a Impugnante realizou, por sua iniciativa e instruções específicas, investimentos em diversos tipos de produtos.
35 m) A Impugnante foi reembolsada do investimento na Euroamerican no final de 2014 e reinvestiu o montante aplicado em obrigações da Euroamerican em outras aplicações do mesmo Grupo.
35 n) A Liquidanda aceitou obrigações Rio Forte como garantia de empréstimos concedidos.
35 o) A Liquidanda opera num sistema informático separado do utilizado pela Banque Privée Espirito Santo, S.A.
35 p) A Liquidanda não tem acesso à informação disponível no sistema da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e vice-versa.
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3.1.5. Matéria de facto não provada relativamente à impugnação nº55, correspondente ao recurso 1.5., interposto por LAC:
55 a) A gestora de conta propôs ao Impugnante aplicar €160.000,00 num produto financeiro.
55 b) A gestora de conta referiu sumariamente ao Impugnante o produto proposto pela insolvente como equivalendo a um depósito a prazo, com retorno de capital investido garantido e sem riscos.
55 c) O Impugnante foi contactado pelo telefone tendo em vista a aceitação da subscrição do mencionado produto.
55 d) O Impugnante subscreveu o documento “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” cuja cópia se mostra a fls. 6265/6266, no pressuposto que o produto equivalia a um depósito a prazo, com retorno de capital investido garantido e sem riscos.
55 e) O Impugnante subscreveu o documento “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro”, cuja cópia se mostra a fls. 6265/6266, sem ter a percepção/compreensão do produto financeiro em causa.
55 f) Ao Impugnante foi dado a assinar, apenas no seu verso, o documento “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” sem qualquer outra explicação para além de respeitar a um produto equivalente a um depósito a prazo, com retorno de capital investido garantido e sem riscos.
55 g) O Impugnante era desconhecedor das características do produto que subscreveu.
55 h) O Impugnante desconhecia o que seria a “Rio Forte Investments”.
55 i) O Impugnante não ficou com cópia dos documentos que subscreveu, que ficaram todas em poder da mencionada gestora de conta, tendo tais cópias sido entregues por esta àquele apenas quando pelo mesmo solicitadas.
55 j) A gestora de conta referira ao Impugnante que o seu dinheiro estava subtraído a todo e qualquer risco de perda.
55 k) Na “ficha técnica resumida” a Liquidanda definira que a comercialização do produto aludido na impugnação se destinava exclusivamente a investidores qualificados.       
55 l) A insolvente não prestou ao Impugnante informação relativamente “aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas explicitando os riscos de perda da totalidade do investimento, de liquidez, de crédito e de mercado”.
55 m) A Liquidanda não informou o Impugnante da possibilidade de existir um conflito de interesses entre a insolvente e a sociedade emitente dos instrumentos financeiros.
55 n) A Liquidanda não esclareceu o Impugnante sobre a sua política de prevenção e mitigação de conflito de interesses.
55 o) A insolvente tinha o papel de agente pagador nas emissões em causa.
55 p) A Liquidanda nunca integrou produtos financeiros da Rio Forte no âmbito da prestação de serviços de consultoria de investimento (advisory) ou de mandatos de gestão discricionária porque:
(i) faziam parte do mesmo grupo económico da Liquidanda;
(ii), por uma questão de posicionamento da Liquidanda no mercado como private banker, que procurava prestar aos seus clientes um serviço de aconselhamento e gestão de excelência e altamente personalizado.
55 q) Foi na análise de risco elaborada pelo Departamento de Risco Global do Grupo Espírito Santo, bem como nas contas da Rio Forte existentes à data, que a Liquidanda se baseou para colocar as obrigações desta empresa.
55 r) A Liquidanda operava num sistema informático separado do utilizado pela Banque Privée Espirito Santo, S.A.
55 s) A Banque Privée Espirito Santo, S.A. não tinha acesso à informação disponível no sistema da Liquidanda.
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3.1.6. Matéria de facto não provada relativamente à impugnação nº27, correspondente ao recurso 1.6., interposto por MSL:
27 a) Na data de abertura da conta junto da Sucursal Liquidanda a Impugnante informou expressamente o seu gestor de conta que apenas pretendia investir o seu capital em aplicações sem risco.
27 b) O gestor de conta da Impugnante na Sucursal Liquidanda investiu o capital constante da primeira carteira (850287.01), que não possuía mandato de gestão, no montante de €1.000.000,00, em obrigações da Espírito Santo Financière, S.A., com data de vencimento a 9 de Julho de 2014 e o montante de €1.100.000,00 em obrigações da Rio Forte S.A., com data de vencimento a 27 de Fevereiro de 2015.
27 c) Na altura da renovação das aplicações realizadas a Impugnante manifestou, mais uma vez, a sua intenção de apenas pretender empregar os seus capitais em aplicações com o mínimo nível de risco.
27 d) Em nenhum momento o gestor da Sucursal Liquidanda informou a Impugnante sobre quaisquer riscos associados aos instrumentos de dívida do Grupo Espírito Santo.
27 e) Em nenhum momento o gestor do da Sucursal Liquidanda informou a Impugnante sobre a qualidade creditícia das empresas do Grupo Espírito Santo, nomeadamente, da Rio Forte e da ESFIL.
27 f) O gestor da Liquidanda garantiu à Impugnante que as obrigações que estava a subscrever tinham total liquidez.
27 g) A Liquidanda conhecia a situação de alto risco das aplicações que estava a comercializar, dado que as entidades emissoras pertenciam ao seu universo.
27 h) A Impugnante é titular de obrigações Rio Forte subscritas em 25.2.2014 e de “Notes” ESFIL subscritas em 8.1.2014.
27 i) Desde a abertura de conta, a Impugnante subscreveu obrigações de empresas do Grupo Espírito Santo.
27 j) A Impugnante foi reembolsada e obteve rendimentos nos investimentos realizados nas empresas do Grupo Espírito Santo, tendo reinvestido o montante em outras aplicações do mesmo Grupo.
27 k) A Liquidanda solicitou informação à Impugnante mediante o preenchimento do questionário designado “Profiling”.
27 l) A colocação de obrigações ESFIL inseriu-se num programa quadro de colocação de obrigações desta sociedade.
27 m) Pela colocação de obrigações da Rio Forte e da ESFIL junto dos seus clientes, a Liquidanda cobrou única e a comissão de 0,5%, calculada pro rata temporis sobre os valores emitidos, em linha com as que cobra para a colocação de obrigações de outras empresas e que está dentro das práticas habituais do mercado bancário.
27 n) A Liquidanda não recebeu qualquer prémio, incentivo ou remuneração especial pela colocação de obrigações da Rio Forte e da ESFIL.
27 o) A Liquidanda não tomou firme obrigações emitidas pela Rio Forte, a ESFIL ou terceiros, nem assumiu perante estes a obrigação de colocação de um mínimo de valores mobiliários de qualquer tipo, ou de subscrição de eventuais valores mobiliários não colocados.
27 p) Foi na análise de risco, bem como nas contas da Rio Forte e ESFIL existentes à data, que a Liquidanda, se baseou para colocar as obrigações desta empresa.
27 q) A Impugnante celebrou o “Contrato de Gestão de Carteiras” por ser esta a forma de poder vir a investir no fundo ExS.
27 r) O fundo ExS não era vendido directamente “ao balcão”, mas apenas através de um contrato de gestão de carteiras.
27 s) Foi no critério da (baixa) volatilidade do preço, aferida pelo histórico da variabilidade do preço ou cotação, que se fundou a decisão de investimento por conta da Impugnante no fundo ExS.
27 t) A primeira situação de não pagamento da ESI ocorreu em Junho de 2014.
27 u) O primeiro não pagamento da ESI teve como consequência a suspensão da cotação do fundo ExS por parte da entidade independente responsável pelo cálculo semanal desta cotação e a impossibilidade de transaccionar.
27 v) O fundo ExS tinha uma participação na Euroamerican que reembolsou.
27 w) A Liquidanda operava num sistema informático diferente do usado pela Banque Privée Espirito Santo, S.A.
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3.1.7. Matéria de facto não provada relativamente à impugnação nº53, correspondente ao recurso 1.7., interposto por SLL S.A.:
53 a) A Impugnante confiou à Banque Privée Espírito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal, a gestão de activos da gestão da conta / fundo dedicado n.º 850691.
53 b) Por cartas expedidas entre 16 e 17 de Julho de 2014, a Impugnante instruiu a Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal no sentido de proceder ao encerramento das contas n.º 850606 – Apólice n.º 4001584001; n.º 850610 – Apólice n.º 4002053001; n.º 850684 – Apólice n.º 4002547001; n.º 850691 – Apólice n.º 4002549002; n.º 850698 – Apólice n.º 4003408001; n.º 850769 – Apólice n.º 4004103001; n.º 850781 – Apólice n.º 4004088001; n.º 850782 – Apólice n.º 4004160001; n.º 850786 – Apólice n.º 4004311001; n.º 850795 – Apólice n.º 4003997001; n.º850806 – Apólice n.º 4004504001 e à transferência dos activos para outros depositários, devidamente identificados em cada carta.
53 c) Em 16 de Julho de 2014, a Impugnante tinha depositados junto da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A. dinheiro e valores mobiliários no valor global de €53.821.535,26.
53 d) A transferência dos valores depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal, com inicio em Julho de 2014, não estava concluída em 16 de Julho de 2015.
53 e) Em virtude do colapso do Grupo Espírito Santo, o valor de mercado actual dos instrumentos financeiros e valores mobiliários emitidos pelo Grupo Espírito Santo depositados em contas das quais a Banque Privée Espírito Santo – Sucursal em Portugal era a entidade gestora ou depositária é de €0,00.
53 f) Em virtude da depreciação total dos activos referidos em 53 e), a Impugnante ficou impedida de reinvesti-los e de obter o respectivo retorno.
53 g) No exercício da sua actividade, os activos da Impugnante depositados junto da Sucursal em Portugal do Banque Privée Espírito Santo, S.A. teriam sido investidos ou reinvestidos de forma lucrativa.
53 h) Em virtude do atraso na transferência dos valores depositados junto da Banque Privée Espírito Santo - Sucursal em Portugal, a Impugnante ficou impedida, durante cerca de um ano, de reinvestir esses mesmos valores e de obter o desejado retorno.
53 i) Num perfil de investimento muito conservador, 80% da carteira é constituída por obrigações e 20% por acções.
53 j) Entre 16 de Julho de 2014 e 16 de Julho de 2015, o índice accionista PSI20 sofreu uma desvalorização de 5%, passando de 6.299,5 para 5.984,11.
53 k) Entre 16 de Julho de 2014 e 16 de Julho de 2015, o índice “Euro Corporate Bond” (EUCF) valorizou 2,359%, passando de 103,440 para 105,880.
53 l) Em 30 de Junho de 2014, a Impugnante tinha depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal, dinheiro, instrumentos financeiros e valores mobiliários emitidos por entidades não-relacionadas com o Grupo Espírito Santo no valor global de €34.570.703,51.
53 m) Em 30 de Junho de 2014, a Impugnante detinha, nas contas abertas junto do Banco Privée Espírito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal, valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos pelo Grupo Espírito Santo no valor de €19.250.831,75, dos quais €4.547.822,20 correspondiam a valores mobiliários e instrumentos financeiros depositados em contas das quais a Sucursal era a entidade gestora e €14.703.009,55 correspondiam a valores mobiliários e instrumentos financeiros depositados em contas das quais a Sucursal era meramente depositária.
53 n) Em consequência da perda dos investimentos realizados em valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos por sociedades do Grupo Espírito Santo e do atraso na recuperação dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, a Impugnante registou uma diminuição da procura por novos contratos de seguro “Life Asset Portfolio”, sobretudo no mercado português.
53 o) O valor global dos activos não-tóxicos depositados junto da Sucursal em Portugal era de €34.570.703,51, dos quais 20% seriam investidos em acções (€6.914.140,70) e 80% seriam investidos em obrigações (€27.656.562,81).
53 p) Os €6.914.140,70 investidos em acções sofreriam uma depreciação de 5%, gerando uma menos-valia de €345.707,04.
53 q) Os €652.418,32 investidos em obrigações sofreriam uma valorização de 2,359%, gerando uma mais valia de €652.418,32.
53 r) A Impugnante perdeu a possibilidade de realizar uma mais-valia de €306.711,28 graças ao reinvestimento dos activos depositados na Sucursal em Portugal no período entre 16 de Julho de 2014 e 16 de Julho de 2015.
53 s) O valor dos activos “tóxicos” depositados junto da Sucursal em Portugal, em contas geridas pela mesma Sucursal, era de €4.547.822,20, dos quais 20% seriam investidos em acções (€ 909.564,44) e 80% seriam investidos em obrigações (€3.638.257,76).
53 t) Os €909.564,44 investidos em acções sofreriam uma depreciação de 5%, gerando uma menos-valia de €45.478,22.
53 u) Os €3.638.257,76 investidos em obrigações sofreriam uma valorização de 2,359%, gerando uma mais-valia de € 85.826,50.
53 v) O saldo destes investimentos seria de 40.348,28 (= €85.826,50 – €45.478,22).
53 w) A Impugnante perdeu a possibilidade de realizar uma mais valia de €40.348,28 com o reinvestimento dos valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos pelo Grupo Espírito Santo e depositados junto da Sucursal em Portugal, em contas geridas pela Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A.
53 x) A Impugnante perdeu a possibilidade de realizar uma mais valia de €130.445,10 com o reinvestimento dos valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos pelo Grupo Espírito Santo e depositados junto da Sucursal em Portugal, em contas das quais a Banque Privée Espírito Santo, S.A. era mera depositária.
53 y) O valor da comissão de gestão trimestral sobre o valor dos activos dos “fundos dedicados” associados a cada contrato ascendia, em média, a 0,35% por ano.
53 z) A partir do 3º trimestre de 2014 (inclusive), a generalidade dos activos relacionados com o Grupo Espírito Santo perdeu todo o seu valor, pelo que a Impugnante deixou de poder cobrar comissões sobre esses mesmos activos.
53 aa) A Impugnante deixou de cobrar:
(i) €19.896,72 de comissões sobre valores e instrumentos financeiros depositados na Sucursal em Portugal, em contas geridas pela dita Sucursal em Portugal;
(ii) €64.325,67 de comissões sobre valores e instrumentos financeiros depositados na Sucursal em Portugal, em contas das quais a dita Sucursal era mera depositária.
53 ab) No 1º trimestre de 2012, o volume de negócios da Impugnante em Portugal foi de €25.073.730,51.
53 ac) No 1º trimestre de 2013, o volume de negócios da Impugnante em Portugal foi de €166.283.056,64.
53 ad) No 1º trimestre de 2014, o volume de negócios da Impugnante em Portugal foi de €58.986.703,74.
53 ae) No 1º trimestre de 2015, o volume de negócios da Impugnante em Portugal foi de apenas €16.777.359,28.
53 af) A Impugnante cobrou em Portugal os seguintes valores de comissões:
1º trimestre de 2012 – €83.709,72;
1º trimestre 2013 – €521.447,91;
1º trimestre de 2014 – €263.562,02.
53 ag) No 1º trimestre de 2015 em diante, o valor das comissões foi de €74.721,66.
53 ah) Fora do mercado português, a Impugnante registou uma diminuição do volume de negócios e diminuição das comissões cobradas de, pelo menos, €1.166.752,00.
53 ai) Nos três anos subsequentes à insolvência da Banque Privée Espírito Santo, S.A., 75% dos tomadores de seguro afectados pela situação optaram por resgatar o contrato de seguro.
53 aj) Em virtude do facto referido em 53 ii), as comissões cobradas pela Impugnante tiveram uma redução de, pelo menos, €1.368.022,00.
53 ak) A partir de Julho de 2014, foram despendidas:
(i) 530 horas de trabalho pelo departamento de contabilidade da Impugnante;
(ii) 1584 horas de trabalho pelo departamento de operações;
(iii) 678 horas pelo departamento jurídico e de compliance;
(iv) 432 horas pela administração.
53 al) Foram dedicadas 645 horas de trabalho aos activos depositados junto da Sucursal em Portugal.
53 am) No Luxemburgo, o salário bruto médio de um trabalhador qualificado é de €62,50 por hora.
53 an) A Impugnante suportou custos globais de €201.500,00 com os recursos humanos que teve de mobilizar para recuperar os seus activos e lidar com toda a situação da Banque Privée Espirito Santo.
53 ao) A Impugnante suportou €30.500,00 de honorários de advogados portugueses contratados para acompanhar a recuperação de valores depositados junto da Banque Privée Espírito Santo – Sucursal em Portugal.
53 ap) A Impugnante recebeu diversas queixas dos seus clientes, ameaçando instaurar acções de responsabilidade contra a companhia.
53 aq) Em data anterior a 20 de Maio de 2014, a Liquidanda sabia das graves dificuldades financeiras que o Grupo Espírito Santo atravessava.
53 ar) A Liquidanda sabia que, entre 2011 e 2013, o Grupo Espírito Santo teve de colocar dívida junto dos seus próprios fundos de investimento para se conseguir financiar.
53 as) A Liquidanda sabia que o principal activo da Espírito Santo International, S.A., a participação na Espirito Santo Financial Group, S.A., estava avaliado em 1,55 mil milhões de euros nas contas de 2012, mas que o seu valor de mercado era de apenas 365 milhões de euros.
53 at) A Liquidanda sabia que se a participação no Espírito Santo Financial Group, S.A. fosse avaliada a valores de mercado, o valor do activo da Espírito Santo International, S.A. seria inferior ao passivo, o que colocava a sociedade numa situação de insolvência.
53 au) A Liquidanda sabia que, em 30 de Setembro de 2013, o passivo da Espírito Santo International, S.A. ascendia a 5,6 mil milhões de euros.
53 av) A Liquidanda sabia que, desde Junho de 2013, o Banco de Portugal tinha determinado que a Espírito Santo Financial Group, S.A. deveria reduzir a sua exposição directa e indirecta (através de clientes) às sociedades do Grupo Espírito Santo.
53 aw) A Liquidanda sabia que, em 14 de Fevereiro de 2014, o Banco de Portugal tinha proibido a comercialização de dívida do Grupo Espírito Santo junto de clientes de retalho do Banco Espírito Santo.
53 ax) A Liquidanda sabia que, em Março de 2014, a PWC tinha concluído que, para a dívida do Grupo Espírito Santo ser sustentável em face dos planos de negócio das respectivas empresas, deveria ser registada uma imparidade de 10% sobre o valor da dívida.
53 ay) A Liquidanda sabia que, entre Dezembro de 2013 e Maio de 2014, o Grupo Espírito Santo estava a reembolsar em massa os clientes do Banco Espírito Santo, S.A. que tinham investido em instrumentos de dívida emitidos pelas sociedades do Grupo.
53 az) A Liquidanda prestou à Impugnante informação sobre as entidades emitentes das aplicações em causa – incluindo a Rio Forte –, nomeadamente sobre o facto de estas entidades integrarem o Grupo Espírito Santo, a que pertence o Banque Privée Espirito Santo, S.A.
53 ba) Desde a abertura das contas junto da Liquidanda, a Impugnante investiu em activos com exposição a empresas do Grupo Espírito Santo, foi reembolsada e obteve avultados rendimentos.
53 bb) A Liquidanda executou as ordens da Impugnante para investimento em activos com exposição ao Grupo Espírito Santo, incluindo em obrigações da Rio Forte.
53 bc) A Liquidanda informou a Impugnante das características das aplicações que subscreveu e das eventuais consequências adversas do investimento, tendo também fornecido presencialmente toda a documentação necessária.
53 bd) A Liquidanda prestou à Impugnante todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada sobre os produtos financeiros subscritos pela Impugnante e os seus riscos, nomeadamente o risco de perda de capital e rendimento associado à falta de solvabilidade.
53 be) A Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes produtos financeiros do Grupo Espírito Santo e outros.
53 bf) Os diferentes investimentos, incluindo em Rio Forte, foram sugeridos à Impugnante por se tratar de produtos financeiros adequados ao perfil da Impugnante e com uma remuneração atractiva
53 bg) A Impugnante celebrou um “Contrato de Gestão de Carteiras”, tendo sido acordada a gestão de uma carteira com o perfil “A”, risco reduzido.
53 bh) O valor de €254,35 em dinheiro que se encontravam na conta n.º850698 já foi transferido.
53 bi) Em 30.6.2014, os valores mobiliários depositados nas contas da Impugnante na Liquidanda, emitidos por sociedades do Grupo Espírito Santo que estão em liquidação, teriam o valor total de aproximadamente 9 milhões de euros.
53 bj) Dos €9.000.000 referidos, €7.500.000 correspondiam a obrigações Rio Forte.
53 bk) Do montante referido em 53.30. já só se encontram aproximadamente €3.500.000 nas contas da Impugnante na Liquidanda.
53 bl) A Liquidanda só teve conhecimento da auditoria da KPMG às contas da ESI quando divulgada ao público pelo Jornal “Expresso” em Dezembro de 2014.
53 bm) Em meados de 2014, a Liquidanda aceitou obrigações Rio Forte como garantia de empréstimos concedidos.
53 bn) Entre final de Junho e início de Julho de 2014, a ESFIL continuava a preparar emissões de obrigações.
53 bo) Devido ao colapso do Grupo Espírito Santo e ao contexto de alarme no sistema financeiro, tanto a Liquidanda como os bancos depositários das transferências identificados pela Impugnante estavam a receber centenas de pedidos de transferência de títulos, bem como pedidos de resgate, compra e venda de títulos.
53 bp) Pedida a transferência dos títulos, a Banque Privée Espírito Santo, S.A., custodiante tinha de verificar se as instruções estão correctas.
53 bq) Estando correctas, a Banque Privée Espírito Santo, S.A. contactava o banco indicado pela Impugnante como depositário, que tinha de responder se aceitava os títulos em causa, normalmente por meio de fax ou carta.
53 br) Só após a recepção desta resposta é que a Banque Privée Espírito Santo, S.A. procedia à transferência dos títulos para a conta da Impugnante no banco depositário.
53 bs) O banco depositário poderia não aceitar a custódia dos títulos em causa, o que levaria a que o procedimento volteasse ao início, tendo a Impugnante de dar novas instruções, situação que sucedeu em alguns casos.
53 bt) A única operação do processo de transferência que era da responsabilidade da Liquidanda era o envio do pedido de transferência para a Banque Privée Espirito Santo, S.A.
53 bu) A Liquidanda fazia o envio do pedido de transferência para a Banque Privée Espírito Santo, S.A. imediatamente após receber tal pedido da Impugnante.
53 bv) À data da apresentação da resposta à impugnação - Fevereiro de 2016 - os produtos Espírito Santo Trading e Espírito Santo Resources, continuavam transaccionáveis e valorizados, sem problemas de liquidez.
53 bx) A Liquidanda não cobrou qualquer comissão à Impugnante pelos clientes da Impugnante que angariou.
53 by) Os clientes angariados pela Liquidanda foram os que mais contribuíram para o volume de negócios da Impugnante em Portugal, nos anos de 2012 a 2014.
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3.1.8. Matéria de facto não provada relativamente à impugnação nº49, correspondente ao recurso 1.8., interposto por Herdeiros de CCN:
49 a) O Impugnante colocou na mão dos gestores do Banco a responsabilidade da escolha dos activos, bem como a boa gestão dos mesmos.
49 b) Pelo gestor de conta do Impugnante foi assegurado que se tratava de investimentos seguros, de baixa volatilidade, com capital garantido e com uma excelente rentabilidade.
49 c) O Impugnante apenas investiu nas obrigações referidas uma vez que aqueles produtos lhes foram apresentados como um investimento com uma excelente rentabilidade e um “produto de retorno absoluto".
49 d) Conforme sugerido pelo gestor da Banque Privée, em 23 de Dezembro de 2013, o Impugnante efectuou os seguintes investimentos:
i) Em obrigações da Rio Forte Investments, S.A., no valor de €508.000,00, com data de vencimento aos 24.10.2014;
ii) Em obrigações da Espirito Santo Internacional, S.A., no valor de €153.000,00, com data de vencimento aos 23.01.2015.
49 e) A apresentação dos produtos financeiros foi levada a cabo pela Sucursal Liquidanda.
49 f) Todos os contactos do Impugnante eram efectuados com a Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal.
49 g) O Impugnante não estava disposto a correr quaisquer riscos nos seus investimentos.
49 h) O Impugnante reclamou os seus créditos junto da Banque Privée Espirito Santo, S.A., na Suíça, no respectivo processo de liquidação que corre termos naquele país.
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3.1.9. Matéria de facto não provada relativamente à impugnação nº50, correspondente ao recurso 1.9., interposto por AFS:
50 a) A Impugnante colocou na mão dos gestores do Banco a responsabilidade da escolha dos activos que deveriam integrar o património do fundo, bem como a boa gestão desses activos e ainda quais as obrigações a serem investidas.
50 b) Pelo gestor de conta da Impugnante foi assegurado que se tratava de um investimento seguro, de baixa volatilidade, com capital garantido e com uma excelente rentabilidade.
50 c) As participações no Fundo ExS foram apresentadas à Impugnante como um fundo de tesouraria, de muito baixo risco.
50 d) O produto foi classificado como "produto de retorno absoluto".
50 e) A apresentação dos produtos financeiros foi levada a cabo pela Sucursal Liquidanda.
50 f) Todos os contactos da Impugnante eram efectuados com a Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal.
50 g) A Impugnante nunca teve qualquer contacto com os gestores da Banque Privée da Suíça, ou se deslocou àquele país.
50 h) A Impugnante não estava disposta a correr quaisquer riscos nos seus investimentos.
50 i) A Impugnante, reclamou os seus créditos junto da Banque Privée Espirito Santo, S.A., no respectivo processo de liquidação que corre termos naquele país.
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3.1.10. Matéria de facto não provada relativamente à impugnação nº48, correspondente ao recurso 1.10., interposto por MFN e MCN:
48 a) Os Impugnantes colocaram na mão dos gestores do Banco a responsabilidade da escolha dos activos, bem como a boa gestão dos mesmos.
48 b) Pelo gestor da conta dos Impugnantes foi assegurado que se tratava de um investimento seguro, de baixa volatilidade, com capital garantido e com uma excelente rentabilidade.
48 c) Os Impugnantes apenas investiram nas obrigações referidas uma vez que aqueles produtos lhes foram apresentados como um investimento com uma excelente rentabilidade e um “produto de retorno absoluto".
48 d) Conforme sugerido pelo gestor do Banco Privée, os Impugnantes efectuaram os seguintes investimentos:
i) aos 21.05.2013 os Impugnantes investiram em obrigações da Espirito Santo Internacional, S.A., no valor de €115.000,00, com data de vencimento aos 21.11.2014;
ii) aos 23.12.2013 os Impugnantes investiram em obrigações da Espirito Santo Internacional, S.A., no valor de €290.000,00, com data de vencimento aos 23.01.2015;
iii) aos 21.05.2014 os Impugnantes investiram em obrigações da Rio Forte Investments S.A., no valor de €349.000,00, com data de vencimento aos 21.11.2014.
48 e) A apresentação dos produtos financeiros foi levada a cabo pela Sucursal Liquidanda.
48 f) Todos os contactos dos Impugnantes eram efectuados com a Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal.
48 g) Os Impugnantes não estavam dispostos a correr quaisquer riscos nos seus investimentos.
48 h) Os Impugnantes reclamaram os seus créditos junto da Banque Privée Espírito Santo S.A., no respectivo processo de liquidação que corre termos naquele país.
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4. Questão prévia – admissibilidade dos recursos interpostos por MFN, MCN (correspondente ao recurso 1.10 e impugnação nº 48), AFS (correspondente ao recurso 1.9 e impugnação nº 50) e Herdeiros de CCN (correspondente ao recurso 1.8 e impugnação nº 49):
O recorrido arguiu a intempestividade dos três recursos interpostos por estes credores desde logo na resposta aos respetivos recursos, nos seguintes (e idênticos) termos:
- os recorrentes foram notificados da sentença recorrida por transmissão electrónica de dados elaborada a 15.12.2020 na pessoa do seu mandatário judicial (como determina o n.º 1 do artigo 247.º do Código de Processo Civil), pelo que se consideram notificados a 18.12.2020 (cf. artigo 248.º do mesmo diploma, ex vi o n.º 1 do artigo 17.º do CIRE).
- apesar de haver vários recorrentes, o prazo para recorrer corre autonomamente para cada um, conforme se encontra expresso no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.7.2012, proferido no processo 2135/09.5TJVNF.P1.S1;
- considerando a prorrogação do prazo para a interposição de recurso por 15 dias conferida pelo tribunal a quo por despacho de 30.12.2020, e tendo em conta que o recurso inclui a impugnação da matéria de facto com reapreciação da prova gravada, o respetivo prazo era de 40 dias, tendo terminado no dia 27.1.2021, ou até 3 dias úteis depois, isto é, 1.2.2021, mediante o pagamento de multa (cf. n.º 7 do artigo 638.º do Código de Processo Civil).
- os recursos foram apresentados no dia 2.2.2021;
- nos termos do n.º 1 e do n.º 6 do artigo 638.º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 641.º do Código de Processo Civil, os recursos devem ser indeferidos por intempestivos.
Já depois da subida dos autos a este Tribunal, o Liquidatário veio apresentar um requerimento anómalo (no sentido de não previsto), aparentemente reagindo ao facto de o tribunal a quo ter admitido os recursos interpostos e chamando a atenção a este tribunal de que a questão se mantinha, reiterando a alegação de intempestividade quanto aos três recursos. Alegou, porém, que, tendo os recorrentes sido também posterior e pessoalmente notificados da sentença, tal facto é irrelevante, dado que as notificações às partes são feitas nas pessoas dos seus mandatários, exceto quando se destinem a chamar a parte para a prática de ato pessoal, não sendo o caso – cfr. arts. 247º nºs 1 e 2 e 249º do CPC.
Pese embora a irregularidade e desnecessidade da apresentação do requerimento, porque nele se frisava expressamente a questão da ocorrência de duas notificações da sentença em datas diversas, facto resultante dos autos, tendo o tribunal identificado essa questão como relevante para a decisão sobre a tempestividade dos recursos ao abrigo do seu poder de gestão processual[8] entendeu ordenar o cumprimento do contraditório abrangendo o referido requerimento e a matéria nele expressamente alegada.
Os recorrentes responderam, pugnando pela não rejeição do recurso e alegando que o requerimento a que respondiam era extemporâneo e deveria ser desentranhado e, quanto à questão da tempestividade dos recursos por si interpostos, que as notificações ocorreram em 15 e 16 de dezembro de 2020 pelo que foram apresentados em 02/02/2021, ou seja, no 1º dia útil posterior ao termo do prazo.
Defendem que, dispondo o art.º 247.º, n.º 1 do CPC que havendo processos pendentes, as notificações são feitas no mandatário judicial, a lei exige igualmente, a notificação da parte quando a mesma se destine a permitir à parte, a prática de ato processual (art.º 247.º, n.º 2 e art.º 220.º, n.º 2, ambos do CPC), o que aconteceu nos presentes autos.
Mais alegam que prevê o art.º 14.º, n.º 2 do CIRE, norma esta especial face ao CPC que, o prazo para apresentação de alegações é um para todos os Recorrentes, deste modo, terá de ser considerada a data de expedição de notificação ao mandatário (15/12/2020) e a remetida para a parte (16/12/2020).
O prazo para recurso, iniciado a 22/12/2020 (15 dias acrescido de 15 dias de prorrogação e de 10 dias relativos à impugnação da matéria de facto) terminou em 01/02/2022 pelo que, nos termos do nº5 do art. 139º do CPC, poderiam ter sido apresentados até 04/02/2021, mediante o pagamento de multa, sendo, assim, os recursos apresentados tempestivos.
*
Com relevância para a decisão da questão resultam dos termos dos autos os seguintes factos:
1- A sentença recorrida foi proferida em 14/12/2020 (ref.ª 401321276).
2 - Foi notificada aos Ilustres Mandatários das partes, por via eletrónica, no dia 15/12/2020, entre os quais ao Dr. RRR que representava MFN, MCN, AFS e CCN (ref.ª 401357453), em notificação com o seguinte teor:
“Assunto: Sentença
Fica V. Ex.ª notificado, na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, da sentença de que se junta cópia.
O prazo corre em férias (artº 9º, nº 1 do CIRE)”
3 -  Foi notificada às partes, por correio registado, no dia 16/12/2020, entre as quais aos credores MFN (ref,ª 401380434), MCN (ref.ª 401380437),  AFS (ref.ª 401380439) e CCN (ref.ª 401380443), em notificação com o seguinte teor:
“Assunto: Sentença
Fica V. Ex.ª notificado, na qualidade de Credor, relativamente ao processo supra identificado, da sentença de que se junta cópia.
O prazo corre em férias (artº 9º, nº 1 do CIRE)”
4 - Por despacho de 30/12/2020, foi prorrogado o prazo para apresentação de recurso por 15 dias, aplicável a todos os recorrentes e recorridos (ref.ª 401640878).
5 - Os recursos interpostos por MFN e MCN, por AFS e Herdeiros de CCN foram interpostos no dia 2 de fevereiro de 2021 (ref.ªs nºs 37915513, 37915296 e 37914996), juntando comprovativo do pagamento de taxa de justiça e de € 51,00, de multa nos termos do art. 139º do CPC.
6 - Os recursos interpostos por MFN e MCN, por AFS e Herdeiros de CCN contêm impugnação da matéria de facto, sendo pedida a reapreciação da prova gravada.
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Apreciando:
Atento o disposto no art. 652º, nº1, al. b) do CPC, sem prejuízo da anterior pronúncia do juiz a quo e do devido contraditório, o juiz relator pode intervir sempre que verifique a existência de circunstâncias que obstem à apreciação do mérito do recurso, no todo ou em parte.
Designadamente, cabe-lhe apreciar os pressupostos processuais, gerais e específicos da instância recursiva.
Nos termos do disposto no art. 641º nº2, al. a) do CPC, aplicável ex vi arts. 17º nº1 do CIRE e 8º nº1 do Decreto-Lei n.º 199/2006 de 25/10, na sua versão aplicável aos autos[9], o requerimento de recurso é indeferido quando «Se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora do prazo ou que o recorrente não tem as condições necessárias para recorrer.»
O prazo de interposição de recurso é, nos termos deste preceito, um prazo perentório, ou seja, cujo decurso extingue o direito de praticar o ato – cfr. art. 139º nºs 1 e 3 do CPC.
No caso concreto, tratando-se de um processo urgente, nos termos do disposto no art. 9º nº1 do CIRE, aplicável ex vi art. 8º nº1 do Decreto-Lei n.º 199/2006, o prazo de interposição de recurso é de 15 dias, nos termos do disposto no art. 638º nº1 do CPC, acrescendo 10 dias quando o recurso tenha por objeto a reapreciação da prova gravada, nos termos do nº7 do mesmo preceito.
Em concreto, tendo sido concedido a todos os recorrentes uma prorrogação de 15 dias – despacho de 30/12/2020 referido em “4” dos pontos de facto acima enumerados – o prazo para recurso fixou-se, para todos os recorrentes que pediram a reapreciação da prova gravada, em 40 dias.
Neste ponto, há um argumento a que quer recorrentes, quer recorrido, aludem, embora de perspetivas diversas.
O recorrido refere, nas suas alegações, que mesmo existindo vários recorrentes, o prazo para recorrer corre autonomamente para cada um, citando o acórdão STJ de 10.7.2012.
Os recorrentes referem, no respetivo exercício do contraditório, que o art.º 14.º, n.º 2 do CIRE, é uma norma especial face ao CPC sendo o prazo para apresentação de alegações um para todos os Recorrentes (e daqui extraindo que tem que se considerar sempre a última notificação efetuada).
Começando pela relação entre o art. 14º nº2 do CIRE e o disposto no nº9 do art. 638º do CPC, resulta claro que não existe a alegada relação de especialidade.
A fonte do nº2 (bem como dos nºs 3 e 4 do mesmo artigo) do art. 14º do CIRE foi a regra do art. 230º do CPEREF que, até à redação dada às normas do CPC pelos Decretos-Lei nºs 329-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/09 era, efetivamente, uma regra especial válida para os recursos em processos de falência. Na reforma de 95 foi adotada como regra geral para os recursos em processo civil esta mesma regra, que permaneceu na reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24/08 e que hoje se encontra consagrada no nº9 do art. 638º do CPC[10], preceito no qual se estabelece que «Havendo vários recorrentes ou vários recorridos, ainda que representados por advogados diferentes, o prazo das respetivas alegações é único (…)»
Como explica Rui Pinto[11] “na ausência de norma especial (também inexistente no CIRE) – decorre que sendo vários os interessados o prazo para recorrer, deverá recorrer autonomamente para cada um deles. Dito de outra forma, cada recurso deve ser visto por si mesmo; por ex., o recorrente que impugna prova gravada beneficia do prazo adicional que está vedado aos restantes que apenas impugnem matéria de direito.”
A regra do nº2 do art. 14º do CIRE, tal como a do nº9 do art. 638º do CPC não significa que aproveite a todos os recorrentes o último prazo a terminar. Para isso teria que ter sido prevista uma regra similar à do nº 2 do art. 569º do CPC[12], e não foi essa a opção do legislador.
Assim, tal como não aproveitam ao recorrente que não tenha impugnado a matéria de facto envolvendo reapreciação da prova gravada, os 10 dias adicionais previstos pelo nº7 do art. 638º do CPC, também não aproveita aos demais recorrentes o termo do prazo do recorrente que, por exemplo, ilida a presunção de recebimento da notificação ao 3º dia útil ou o prazo do recorrente notificado em último lugar quando as notificações não tenham sido efetuadas todas ao mesmo tempo. O prazo é único, o mesmo para todos (no caso os 30 dias, compreendendo a prorrogação) e correndo em simultâneo, o que não implica que seja comum.
Há aqui que frisar que a não simultaneidade de todas as notificações é de ocorrência regular em processo de insolvência, dada a existência de processos com grande número de intervenientes[13] que impõem, de facto, a notificação gradual dos credores, realidade que, de resto, justificou a introdução dos nºs 4 e 5 do art. 247º do CPC pelo Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de julho.
Posto isto, o detalhe de intervenientes do processo eletrónio confirma a existência de credores com e sem mandatário[14], pelo que sempre coexistiriam – como de resto sucedeu – notificações nos termos do nº1 do art. 247º e do art. 249º, ambos do CPC, eventualmente efetuadas em dias diferentes, mas que não aproveitariam aos demais recorrentes.
Como resulta dos pontos de facto apurados, a questão essencial a resolver é a do termo inicial deste prazo, já que a sentença da qual vêm a ser interpostos os recursos foi notificada aos Ilustres Mandatários dos credores reclamantes, incluindo os credores cujos recursos estão agora a ser apreciados, mas foi também notificada aos próprios credores reclamantes, mesmo representados por Mandatário nos autos, em data diferente:
- todos os Mandatários constituídos nos autos foram notificados por via eletrónica em 15/12/2020;
- todos os Credores reclamantes, com e sem mandatário constituído, foram notificados por correio registado em 16/12/2020.
Tendo em conta que, sendo um recurso em processo urgente, os prazos não se suspendem em período de férias judiciais (138º nº1 do CPC):
i) contado o prazo de recurso da primeira notificação expedida, a de 15/12/2020, a notificação considera-se efetuada em 18/12/2020, nos termos do nº1 do art. 248º do CPC, o prazo de recurso prorrogado terminou em 17/01/2021 e, com os dez dias previsto no 638º nº7 do CPC, terminou em 27/01/21, sendo os três dias úteis subsequentes 28/01/21, 29/01/21 e 01/02/21;
ii) contando o prazo da segunda notificação, expedida, a de 16/12/2020, a notificação considera-se efetuada em 20/12/2020, nos termos do nº1 do art. 249º do CPC, o prazo de recurso prorrogado terminou em 20/01/2021 e, com os dez dias previsto no 638º nº7 do CPC, terminou em 01/02/01, sendo os três dias úteis subsequentes 02/02/21, 03/02/21 e 04/02/21.
Ou seja, se o prazo para interposição de recurso for contado da notificação efetuada na pessoa do Mandatário, os recursos interpostos em 02/02/2021, com pagamento de multa, são extemporâneos, devendo ser julgados findos por não haver que conhecer do seu objeto, nos termos do disposto no art. 652º nº 1, al. h), 2ª parte, do CPC).           Se o prazo for contado da notificação aos próprios credores, então os recursos foram interpostos no 1º dia útil subsequente ao termo do prazo, com o pagamento simultâneo da multa processual devida, devendo ser apreciados.
O tribunal recorrido, claramente, contou o prazo da última notificação expedida, como resulta do despacho de não admissão de um dos recursos interpostos[15] onde assinalou como termo do prazo para interposição de recurso sem os 10 dias previstos no nº7 do art. 638º do CPC, 20/01/2021.
Esse entendimento não vincula este tribunal, havendo que averiguar a forma de notificação da sentença efetuada nos autos e determinar qual a notificação corretamente efetuada, se a segunda se a primeira, e quais as concretas consequências de terem sido efetuadas duas notificações sucessivas nos termos em que o foram.
A matéria está regulada nos arts. 219º e ss. do CPC, relevando em especial os arts. 247º e ss. do CPC.
Na subsecção dedicada às regras comuns às citações e notificações, depois de, no nº1 do art. 219º do CPC, definir citação como o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação, ato também empregue para chamar ao processo, pela primeira vez, qualquer pessoa interessada na causa, a lei, por delimitação negativa estabelece que a «notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.»
As normas dos arts. 220º e 221º do mesmo diploma estabelecem quem faz e como são feitas as notificações, regulando entre a secretaria e os mandatários, sendo nos arts. 247º e ss., que se regula como são feitas as notificações pela secretaria.
A regra base está estabelecida no nº1 do art. 247º do CPC: «As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.», seguindo-se, no nº2 a previsão de que, quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário judicial, é também notificada a própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência.
O nº2 abrange apenas as notificações que visam a comparência da parte para ato a praticar pessoalmente[16], designadamente, após a renúncia do mandatário, para ratificação do processado, para ratificação da confissão, desistência ou transação, para prestar depoimento de parte ou comparecer na tentativa de conciliação[17].
Tendo em conta as funções cumpridas pela notificação da sentença – o ato processual eventual cujo prazo se inicia com esta notificação será a reação à sentença, mediante recurso e/ou o disposto nos arts. 614º e ss. do CPC – não estamos, claramente, no campo de aplicação do nº2 do art. 247º do CPC, aplicando-se a regra do nº1: esta sentença não tinha que ser notificada, no caso dos recorrentes, ao seu mandatário e também aos recorrentes/reclamantes, ficando a notificação perfeita e efetivamente completa com a primeira notificação, ao mandatário judicial.
Recorde-se que a regra do art. 249º nº5 do CPC[18] apenas se aplica às notificações às partes que não tenham constituído mandatários, que, como vimos, é a situação de outros credores abrangidos pela sentença proferida.
Argumentam os recorrentes que a lei exige igualmente, a notificação da parte quando a mesma se destine a permitir à parte, a prática de ato processual (art.º 247.º, n.º 2 e art.º 220.º, n.º 2, ambos do CPC), o que aconteceu nos presentes autos.
Não é, porém, assim. O art. 220º nº2 do CPC apenas define quem deve fazer a notificação quando a mesma se destine a permitir à parte a prática de ato processual (como é o caso da interposição de recurso), ou seja, a secretaria. O preceito que regula a quem se faz a notificação é o art. 247º que já analisámos, cujo nº2 não remete nem se refere ao nº2 do art. 220º do mesmo preceito. Note-se que, se a interpretação proposta pelos recorrentes estivesse correta, o nº1 do art. 247º do CPC seria uma regra inútil, dado que teria sempre que se notificar pessoalmente as partes, quer para a prática de atos pessoais (hipótese prevista na lei), quer para a prática de outros atos processuais (hipótese não prevista na lei).
Como nos refere Rui Pinto[19] “O prazo (de recurso) conta-se da data da notificação, publicação ou conhecimento da decisão, nos termos do regime de contagem dos artigos 138º e 638º.
a. A regra é de que o prazo se conta “a partir da notificação da decisão à parte principal ou acessória , nos termos do nº1 do artigo 638º. Se a parte constituiu mandatário, a notificação – feita na pessoa do mandatário judicial – tem-se como efetuada no terceiro dia posterior ao da data certificada no sistema informático como data da elaboração da notificação, nos termos dos artigos 247º nºs 1 e 3 e 248º.” (entre parêntesis e sublinhado nossos).
Ou seja, e em resumo, a notificação correta, aquela de que se deve contar o prazo, perentório, de interposição de recurso é a que foi efetuada ao mandatário judicial, nos termos do nº1 do art. 247º nº1 do CPC.
Aqui chegados cumpre perguntar se o facto de a secretaria ter feito uma notificação em excesso, notificando às partes a sentença que também havia notificado ao respetivo mandatário, justifica a contagem do prazo a partir da última notificação recebida, que se revela ser a notificação excessiva.
Estabelece o nº6 do art. 157º do CPC que «os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.»
Como se escreveu no Ac. STJ de 30/11/17 (Raúl Borges), esta norma “constitui emanação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança e do princípio da transparência e da lealdade processuais, indissociáveis de um processo justo e equitativo.”
Tratava-se, ali, de um caso em que, precisamente, foi reconhecido à parte o direito à prática de um ato após decorrido o respetivo prazo legal, dada a errada indicação expressa da secretaria.
Referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[20], em anotação ao aludido artigo 157.º: “O n.º 6 estabelece a regra de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial. Esta regra implica, por exemplo, que o ato da parte não pode “em qualquer caso” ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido (veja-se, designadamente, o art.º 191.º - 3).”
No nosso caso concreto, claramente, o preceito não tem aplicação. A notificação efetuada não incluiu qualquer menção expressa de início ou fim de contagem de prazo, apenas a menção da urgência e sua consequência nos termos do nº1 do art. 9º do CIRE.
O ato a praticar – e que foi praticado – a interposição de recurso, é um ato que exige a constituição obrigatória de advogado (cfr. art. 40º, nº1, al. c) do CPC). É um ato a praticar por advogado, afinal o primeiro e corretamente notificado, o profissional do foro, conhecedor das respetivas regras.
Assim, a receção da segunda notificação pelas partes constituindo a prática pela secretaria de um ato não previsto por lei (a secretaria notificou corretamente e depois, em excesso, repetiu a notificação) em nada alterou o cômputo do prazo que já se havia iniciado com a primeira notificação. Da forma como foi feita a notificação, não induziu as partes em erro por não conter nenhuma menção contrária ao regime legal que acabámos de enunciar.
Tal como foi decidido no Ac. TRE de 08/02/2018[21] (Albertina Pedroso) num caso em que se discutia o termo inicial do prazo de dedução de oposição à penhora “I - Tendo a executada constituído mandatário no processo de execução, de acordo com o artigo 247.º, n.º 1, do CPC, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
II - A notificação à parte não pode ter a virtualidade de postergar «as regras procedimentais de interesse e ordem pública» que regem sobre a forma da notificação, isto porque as mesmas visam acautelar que, com certeza e segurança jurídicas, se fixe no processo o termo inicial da contagem dos prazos para a prática de determinados actos cujo decurso tem consequências preclusivas.”
Conclui-se, assim que, tal como arguido em sede de contra-alegações pelo recorrido, os recursos interpostos por MFN, MCN(correspondente ao recurso 1.10 e impugnação nº 48), AFS (correspondente ao recurso 1.9 e impugnação nº 50) e Herdeiros de CCN (correspondente ao recurso 1.8 e impugnação nº 49) foram interpostos após o decurso integral dos três dias úteis subsequentes ao termo do respetivo prazo de interposição, pelo que são intempestivos.
Assim, nos termos do nº 1 do art. 638º do CPC, há que julgar findos os recursos interpostos por MFN e MCN (correspondente ao recurso 1.10 e impugnação nº 48), AFS (correspondente ao recurso 1.9 e impugnação nº 50) e Herdeiros de CCN (correspondente ao recurso 1.8 e impugnação nº 49), por não haver que conhecer do seu objeto, nos termos do disposto no art. 652º nº 1, al. h), 2ª parte, do CPC), por extemporaneidade dos mesmos.          Tal determina que fica prejudicado o conhecimento dos pontos 11, 12 e 13 identificados em 2. Objeto do processo, bem como o conhecimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto deduzida nos referidos recursos 1.8., 1.9. e 1.10.
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5. Fundamentação
5.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto – pressupostos gerais:
O atual CPC introduziu o duplo grau de jurisdição também quanto à matéria de facto havendo que aferir, relativamente a cada uma das impugnações deduzidas se estão preenchidos todos os requisitos enunciados nos n.ºs 1 e 2, alínea a) do art.º 640.º do CPC.
Na reapreciação da decisão de facto cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do CPC, devendo formar a sua própria convicção, para o que lhe cumpre avaliar todas as provas carreadas para os autos, sem ter que estar sujeita às indicações dadas pelo recorrente e pelo recorrido.
Nos termos do disposto no art.º 341.º do Código Civil (doravante CC) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Não se podendo exigir que esta demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que sempre seria impossível de atingir), quem tem o ónus da prova de um facto terá de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”. 
Há que atentar não apenas nas regras sobre o ónus da prova que constam dos art.ºs 342º a 346.º do CC mas também no disposto no art.º 414.º do CPC, que estabelece que na dúvida acerca da realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova, tal dúvida se resolve contra a parte à qual o facto aproveita.
Importa recordar que o apenso de verificação e graduação de créditos em insolvência não se encontra abrangido pelo disposto no art. 11º do CIRE, ou seja, não vigora o princípio do inquisitório, aplicando-se, sim, nos termos do disposto no nº1 do art. 17º do CIRE a regra geral do CPC, ou seja, rege o princípio do dispositivo quanto aos factos e o princípio do inquisitório quanto às provas – cfr. art. 5º do CPC[22].
Assim, os factos essenciais terão que ter sido alegados pela parte para que se possam considerar, podendo o tribunal considerar ainda (art. 5º nº2 do CPC):
- os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
- os factos complementares ou concretizadores dos que as partes tenham alegado que resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; e
- os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Há a notar que, num apenso de processo de insolvência, mesmo num apenso em que não seja aplicável o disposto no art. 11º do CIRE, como o presente, assumem grande relevância os factos de que o tribunal tem conhecimento devido ao respetivo exercício de funções e o princípio da aquisição processual (cfr. 412º e 413º do CPC), mas que tal não pode ser confundido com a aplicabilidade do princípio do inquisitório previsto no CIRE apenas para alguns dos apensos onde se discutem essencialmente interesses gerais e comuns aos credores.
Na verdade, ao chegar ao momento da prolação da sentença no apenso de verificação e graduação de créditos, o tribunal já processou a fase declarativa da insolvência[23], já decidiu a abertura de qualificação da mesma, já tem bens apreendidos e, eventualmente liquidados, ou seja, já sabe muitos factos sobre a insolvente e sobre as pessoas que à volta dela gravitavam. E se esses factos forem relevantes para a decisão da verificação e graduação, pode e deve usá-los, independentemente da respetiva proveniência, desde que observadas as demais regras aplicáveis.
É neste enquadramento que devem ser analisadas as impugnações da decisão relativas à matéria de facto.
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5.1.1. Recurso 1.1. interposto por FRF e VJF, correspondente à impugnação nº1 – determinação da existência de impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Os recorrentes alegam, em síntese, continuando a traduzir préavis de fond por “entrada de fundos” que a emissão daquele documento confirma a existência do reembolso da ESI ao Banque Privée Espírito Santo, SA (doravante BPES Suíça), não resultando da prova produzida que o BPES Suíça tenha avisado de qualquer problema com a aplicação. Argumentam com o conceito de “data valor” constante do documento que o tribunal não teve em consideração, assim como não considerou o facto de, embora tal conste do elenco de factos provados, o valor indicado ser líquido (capital+juros-comissão de gestão e custos de transferência).
Alegam e concluem (pgs. 7 e 8 e cls. 13) que o tribunal errou ao dar como não provados os factos 1 a) a 1 e), bem como ao dar como não provado que o montante “tenha sido transferido, e dado efectiva entrada, na conta dos impugnantes aberta junto da sucursal liquidanda:”[24]
Atenta a noção de transferência bancária, que é efetuada mediante um jogo duplo de inscrições, a crédito e a débito, sem movimentação de numerário, acarretando meras alterações dos saldos bancários e sendo, para o banco, patrimonialmente neutra, a transferência ocorreu, apenas tendo falhado (não sido efetuada ou bloqueada) a inscrição a crédito, o que não prejudica que o montante tenha entrado no património do beneficiário, no caso os recorrentes, antes mesmo da inscrição do crédito.
Alegaram, finalmente, sem levar tal matéria às conclusões, que o tribunal deu como erradamente provados os factos nºs 1.24., 1.25., 1.27., 1.28., 1.29. e 1.31., porque não atendeu ao real impacto do préavis.
Na resposta ao recurso, o Sr. Liquidatário, representando a Liquidanda, aponta que os recorrentes não incluíram nas conclusões quaisquer pontos da matéria de facto a alterar, nem indicaram qualquer sentido para a alteração da mesma, tampouco tendo indicado quaisquer meios probatórios que refutem a decisão proferida, concluindo não ter sido impugnada a decisão relativa à matéria de facto, atento o disposto nos arts. 637º nº2, 639º nº1 e 640º nºs 1 e 2 do CPC.
À cautela, defendeu que parte das questões suscitadas são questões novas, que não podem ser conhecidas nesta sede, as quais identifica como sendo: a argumentação de que o préavis deu origem a determinadas operações que a liquidanda impediu, por ser alegado que deu origem à transferência e que a liquidanda impediu a inscrição a crédito; a argumentação de que, tendo ocorrido a transferência os recorrentes adquiriram o direito a receber o reembolso da aplicação, o que, defende, é coisa diferente de sustentar que o préavis confirma a entrada dos fundos na conta de que são titulares junto da liquidanda mas que estes não lhe foram disponibilizados. Também indica como questão nova, embora reconhecendo a respetiva irrelevância, a linha de argumentos consistente na afirmação de que, se o reembolso pela ESI não houvesse ocorrido, o BPES Suíça teria que ter tomado as providências necessárias à cobrança coerciva imediata do crédito e deveria ter avisado os recorrentes.
Sem prejuízo, alega que, não tendo ocorrido o pagamento e a transferência bancária alegados, é irrelevante discutir a interpretação do documento préavis ou os conceitos teóricos de data-valor e de transferência bancária.
Como referido em 2, a primeira questão a decidir é, face às alegações de recurso apresentadas pelos recorrentes, se o mesmo contém impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Nos termos do disposto no nº1 do art. 640º do CPC, quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do nº2, al. a), do referido preceito legal, no caso previsto na alínea b), deve também o recorrente, quando os meios probatórios tenham sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de transcrição dos excertos considerados importantes, sob pena de imediata rejeição.
Nos termos da alínea b) do mesmo nº2, cabe ao recorrido desenvolver a mesma indicação em sentido inverso, ou seja, indicar as concretas passagens que infirmam as conclusões do recorrente, e querendo proceder à sua transcrição, sem prejuízo, porém, dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Como refere Abrantes Geraldes[25] a verificação das exigências previstas neste preceito deve ser feita à luz de um critério de rigor, já que decorre do princípio da autorresponsabilidade das partes e apenas assim se impede que este tipo de impugnação resvale no mero inconformismo. Importa, porém, não exponenciar os requisitos formais em violação do princípio da proporcionalidade, denegando a reapreciação da matéria de facto “…com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.”
É, pois, um exercício de equilíbrio que se pede, sendo necessário rigor ancorado no texto da lei, mas sem excessivo formalismo, garantindo o efetivo conhecimento em impugnação de matéria de facto, sempre que as partes cumpram, efetivamente o seu ónus.
Tal como se refere no Ac. STJ de 17/12/19[26] é “…orientação consolidada da jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido da atenuação do excessivo formalismo no cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC, designadamente em todos aqueles casos em que o teor do recurso de apelação se mostre funcionalmente apto à cabal identificação da impugnação da matéria de facto e ao respectivo conhecimento sem esforço excessivo. Cfr., a este respeito, entre muitos, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 08-02-2018 (proc. n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1), de 15-02-2018 (proc. n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1), consultáveis em www.dsgi.pt, e os acórdãos de 17-04-2018 (proc. n.º 1676/10.6TBSTR.E2.S1) e de 24-04-2018 (proc. n.º 3438/13.0TBPRD.P1.S1), cujos sumários se encontram disponíveis em www.stj.pt.”
Recorde-se que, relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o art. 640º já citado, tem como solução para o seu incumprimento (diversamente da previsão do art. 639º nº3) a rejeição do recurso, total ou parcialmente, não existindo possibilidade de despacho de aperfeiçoamento - cfr. arts. 635º nº4, 640º nº2, al. a) e 641º nº1, al. b), ambos do CPC.
Analisando a alegação dos recorrente à luz das exigências do artigo 640º do CPC e mantendo presente que a menção à impugnação da matéria de facto e a identificação dos concretos pontos de facto erradamente julgados devem constar das conclusões [cfr. 635º nº4, 641º, nº2, al. b) e 640º nº1, al. a), todos do CPC] e que a especificação dos meios probatórios, a indicação das passagens da gravação e a posição expressa sobre o resultado pretendido devem constar da motivação[27], constatamos que:
- os recorrentes identificam, na motivação, como erradamente julgados, os factos dados como não provados sob 1 a) a 1 e) – cfr. págs. 6 e 7 da motivação; e os factos dados como provados sob os nºs 1.24., 1.25., 1.27., 1.28., 1.29. e 1.31. – cfr. pg. 9 da motivação;
- nas conclusões, porém, apenas referem (cfr. cls. 13) que “Mal andou o Tribunal a quo ao considerar não provado o reembolso feito pela ESI do investimento dos Recorrentes, por não ter expendido o raciocínio supra, decorrente do facto de não ter compreendido o alcance do préavis, do conceito-legal de data-valor e do conceito legal de transferência bancária.”;
- não indicam, nem na motivação, nem nas conclusões, qual a decisão que no seu entender deve ser proferida;
- não indicam, nem na motivação, nem nas conclusões, os concretos meios probatórios que impunham diversa decisão, limitando-se a interpretar de forma diversa (e discordante) do tribunal recorrido, o documento referido em 1.16. a 1.19. da matéria de facto provada.
Assim, não há, verdadeiramente, menção à pretensão de impugnação da matéria de facto nas conclusões, delas não constando a identificação dos concretos pontos de facto erradamente julgados.
Por outro lado, as demais menções exigidas na motivação, estão completamente omissas, não sendo indicada, em qualquer local da motivação ou das conclusões, a decisão a proferir ou os meios probatórios que impunham decisão diversa.
A conclusão a retirar é de que os recorrentes não impugnaram a decisão relativa à matéria de facto, expressando, inconsequentemente na motivação a mera discordância dos pontos identificados como incorretamente julgados, ou assim não se entendendo, não cumpriram o ónus para si previsto nos arts. 639º e 640º do CPC, no tocante ao globo da impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, omitindo por completo esta impugnação das conclusões.
Nos termos do disposto no art. 639.º nº1 do CPC «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão.»
Este é um ónus do recorrente e o seu cumprimento permite ao tribunal superior apreender, com clareza, os fundamentos do recurso. A importância e papel das conclusões retiram-se com clareza desta norma, da previsão de rejeição dos recursos em que não sejam formuladas conclusões (art. 641º nº2, al. b) do CPC) e da previsão de aperfeiçoamento nos casos de deficiência, obscuridade, complexidade ou incompletude (nº3 do referido art. 639.º).
Mas relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o art. 640º do CPC já citado, tem uma solução diversa daquela: o incumprimento do nº1 dá lugar à rejeição do recurso, total ou parcialmente, não existindo possibilidade de despacho de aperfeiçoamento[28]  - cfr. arts. 635º nº4 e 641º nº1, al. b), ambos do CPC.
Como decidido no Ac. STJ de 09/06/2021 (Ricardo Costa)[29]:
“I - Os ónus processuais de alegação recursiva previstos no art. 640º, 1 e 2, do CPC, relativos à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, conjugam-se com o ónus de formulação de conclusões, cominado, em caso de incumprimento, com o indeferimento do recurso.
II- A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se quando (i) falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto (arts. 635º, 2 e 4, 639º, 1, 641º, 2, b), CPC); (ii) quando falte nas conclusões, pelo menos, a menção aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorrectamente julgados (art. 640º, 1, a)), sendo de admitir que as restantes exigências das als. b) e c) do art. 640º, 1, em articulação com o respectivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações.
III- Se as conclusões recursivas são totalmente omissas quanto à matéria da impugnação da decisão da matéria de facto, verifica-se o manifesto incumprimento da diligência processual mínima do recorrente, resultante da relação intersistemática do art. 640º com os arts. 635º, 2 a 4, e 639º, 1 e 2, espoletando a sanção cominada, em coordenação, pelo corpo do art. 640º, 1, e pelo art. 641º, 2, b), do CPC – a rejeição do recurso (neste caso, da revista normal interposta a título principal).”
Os apelantes omitiram assim, por completo a referência à impugnação da matéria de facto nas conclusões, bem como as menções exigidas nas alíneas b) e c) do nº1 do art. 640º do CPC.
Como já referimos é possível a interpretação[30] de que, na verdade, pesem embora as menções aos factos erradamente julgados na motivação, os recorrentes não impugnaram  decisão relativa à matéria de facto.
Isso explicaria a total ausência das menções obrigatórias nas conclusões, bem como a ausência das demais menções exigíveis na motivação. Também o facto de ter sido usado o prazo simples de recurso (acrescido da prorrogação concedida pelo tribunal) leva a essa conclusão.
Ainda assim, mesmo se entendesse que foi impugnada a matéria de facto, por incumprimento dos ónus a cargo dos recorrentes, tal impugnação sempre seria de rejeitar, nos termos já explicitados.
Assim, mostra-se assente a matéria de facto relativa aos recorrentes FRF e VJF.
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5.1.2. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto relativamente à impugnação nº25, correspondente ao recurso 1.2., interposto por LCM e BCM:
Os recorrentes alegam como fundamentos do seu recurso a incorreta apreciação da matéria de facto assente como provada e não provada pelo Tribunal a quo; e a violação pelo Tribunal a quo dos princípios da livre apreciação da prova (art. 607º n.º 5 do CPC) e convicção pelas regras de experiência comum bem como o princípio do ónus da prova (art. 342º do CC).
Apontam como incorretamente julgados os pontos 25.16., 25.17., 25.22., 25.23., 25.24., 25.25., 25.26., 25.27, e 25.30. da matéria de facto provada, os quais entendem deveriam ter sido valorados como não provados; e os pontos 25 d), 25 e), 25 f) da matéria de facto não provada, os quais entendem deveriam ter sido valorados como provados – cfr. conclusão vii.
O tribunal deu como provada, sob os nºs apontados como incorretamente julgados, a seguinte matéria de facto provada:
25.16. O investimento em “Notes” Rio Forte não foi o resultado de conselhos prestados pela Liquidanda ao abrigo do contrato de consultoria para investimento celebrado com os Impugnantes.
25.17. A subscrição das “Notes” Rio Forte pelos Impugnantes foi tomada na sequência da colocação (comercialização) desse produto financeiro por parte da Liquidanda.
25.22. A Liquidanda nunca integrou produtos financeiros da Rio Forte no âmbito da prestação de serviços de consultoria de investimento (advisory) ou mandatos de gestão discricionária por uma questão de posicionamento da Liquidanda no mercado como private banker, que procurava prestar aos seus clientes um serviço, diferente dos comercializados por uma instituição com um perfil mais generalista, como era o Banco Espirito Santo, SA.
25.23. A Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes outros produtos financeiros que não estavam relacionados com o Grupo Espírito Santo.
25.24. A Liquidanda não recebeu quaisquer instruções, ordens ou recomendações para colocar obrigações da Rio Forte.
25.25. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação aos seus colaboradores para aconselhar a subscrição de obrigações da Rio Forte aos Impugnantes.
25.26. A Liquidanda não recebeu qualquer prémio, incentivo ou remuneração especial pela colocação de obrigações da Rio Forte.
25.27. A Liquidanda não assumiu perante a Rio Forte obrigações de colocação de um mínimo de valores mobiliários ou de subscrição de eventuais valores mobiliários não colocados.
25.30. Nenhum dos administradores da Banque Privée Espirito Santo, S.A. tinha intervenção no relacionamento directo entre a Liquidanda e os seus clientes.
E a seguinte matéria de facto como não provada:
25 d) Na data da subscrição das “Notes” Rio Forte referidas a Liquidanda tinha conhecimento da instabilidade económica da Rio Forte.
25 e) A Liquidanda tinha conhecimento privilegiado sobre as outras instituições do mesmo Grupo Financeiro.
25 f) A Rio Forte colapsou economicamente em Junho/Julho de 2014.
São os seguintes os argumentos dos recorrentes:
Quanto ao ponto 25.16 da matéria de facto provada:
- o tribunal baseou a sua convicção no depoimento da testemunha RJH, que foi elemento da equipa de aconselhamento financeiro/investimento da liquidanda entre julho de 2013 e abril de 2016;
- a motivação do tribunal está em contradição com os factos dados como provados sob os pontos I e II dos Factos provados (matéria de facto com interesse para a generalidade das impugnações) e com os factos dados como provados nos pontos 25.3, 25.4, 25.9, 25.10 a 25.13 e respetiva fundamentação;
- tal contradição é evidente e contraria as regras da experiência comum: dedicando-se a liquidanda à exploração bancária orientada para a gestão de fortunas e tendo os recorrentes aberto uma conta na liquidanda e celebrado com esta um contrato de consultoria não podia o tribunal dar como provado o ponto 25.16, ou seja que a execução da ordem de investimento dos recorrentes de subscrição de obrigações Rio Forte não ocorreu nos termos do contrato de consultoria – sendo a conta aberta na liquidanda e celebrado um contrato que obriga a liquidanda a oferecer aconselhamento e orientação financeira aos recorrentes, sendo a liquidanda que executa a ordem de investimento financeiro e recebe o seu pagamento e gere as subscrições pela conta aberta pelos recorrentes, este investimento está abrangido por aquele contrato;
- acresce que o tribunal retira das declarações da testemunha, cujo depoimento deve ser valorado com reservas por ser ex-funcionário da liquidanda e ter falado genericamente e sem conhecimento direto sobre os factos, conclusões erradas que não se mostram confirmadas por qualquer elemento documental – o facto de a liquidanda não recomendar instrumentos que não fossem cotados em Bolsa e que existiam e eram praticados modelos de consultoria diferentes.
- o contrário resulta demonstrado do teor dos contratos de abertura de conta e de consultoria para investimento (docs. 3 e 4 juntos com a impugnação) e extratos e ordens de subscrição.
- tratou-se de facto invocado pela liquidanda na resposta à impugnação, cujo ónus lhe cabia, não tendo esta produzido prova que abale a evidência dos documentos referidos;
- os mesmos argumentos valem para o ponto 25.17., alegando que é evidente a contradição e a contrariedade às regras de experiência comum quando o tribunal considera razoável que o produto em causa não fosse incluído nas carteiras de contratos para consultoria de investimento mas que colocava à disposição dos seus clientes todos os produtos do mercado, incluindo estes;
- quanto aos pontos 25.22 e 25.23 apontam que a convicção do tribunal assentou nas declarações da testemunha RJH e do Liquidatário, BHG, causando estranheza a total ausência de documentação demonstrativa daquelas declarações, e a confiança que o tribunal depositou nas declarações de um funcionário e do Liquidatário da Sucursal Liquidanda;
- estes pontos são igualmente contrariados pelos mesmos documentos e, quanto ao ponto 25.23, a requerida não documentou ou demonstrou qualquer carteira de produtos que permita concluir pela prova do facto;
- quanto aos pontos 25.24., 25.25., 25.26. e 25.27. argumentam que a motivação do tribunal assentou no depoimento da testemunha RJHe nas declarações do Liquidatário BHG, os quais devem ser enquadrados nas funções e interesses que desempenhavam na liquidanda e que não cessaram necessariamente com a liquidação.
A testemunha era um elemento da equipa de aconselhamento/consultoria de investimento, sem contacto com os clientes, pelo que não ficou demonstrado que o que declarou fosse do conhecimento dos recorrentes.
O Liquidatário judicial era um alto quadro da liquidanda, que tem todo o interesse em fundamentar a conduta da liquidanda como isenta de erros, de negligência ou de condutas dolosas.
Não tendo sido apresentados documentos ou elementos adicionais, estas declarações não são suficiente meio de prova.
Acresce que o ponto 25.26. é incongruente com a prova de execução da ordem de subscrição e cobrança aos recorrentes das respetivas comissões.
O ponto 25.27. não ficou provado e é irrelevante.
- no tocante ao ponto 25.30. as declarações produzidas (as mesmas), não são suficientes para a sua demonstração desacompanhadas de qualquer elemento adicional – a interferência mútua de empresas em grupo é de experiência comum e, não fora a promiscuidade e interdependência, a queda de uma delas não teria causado a queda das outras.
O ónus da prova dos pontos 25.16., 25.17., 25.22. a 25.27. e 25.30., pertencia à liquidanda, que o não cumpriu.
Afirma, ainda que há outras contradições relevantes na sentença – no ponto 25.19. deu-se como provado que a liquidanda conhecia os riscos das obrigações Rio Forte, o que contraria o que a testemunha RJH declarou (que o produto não comportava riscos), o que deita por terra os factos provados 25.16. e 25.17., defendendo que, não fora o contrato de consultoria e a liquidanda não teria necessidade de apor na subscrição o termo de conhecimento e de informação, pelo que a aposição do termo demonstra que esta subscrição decorre do contrato de consultoria.
Sem prejuízo, alegam que o documento não prova efetivo conhecimento dos riscos pelos recorrentes, provando apenas mau aconselhamento financeiro pela liquidanda.
Resulta do facto 25.28. – que a liquidanda tinha acesso à informação pública sobre a Rio Forte – e dos factos genericamente provados de pgs. 136 a 153 da sentença resulta terem surgido informações do domínio público que não poderiam ter sido ignoradas pelos especialistas, que não agiram, assim, com boa-fé, diligência e zelo.
No tocante à não prova do ponto 25 d) alegam que o facto não foi dado como provado indicando o tribunal que por falta de prova e depoimento em contrário de RJH. Existe contradição de raciocínio, já que provado o esquema complexo de empresas do Grupo Espírito Santo contraria qualquer possível desconhecimento por parte da liquidanda sobre a situação da Rio Forte, conforme factos provados em 136 a 153 da sentença e tendo em conta o facto provado 25.28. A motivação assenta na valoração do depoimento de um funcionário da liquidanda.
Relativamente ao ponto dado como não provado sob 25 e), consideram que a sua motivação (ausência de prova), contraria as regras da experiência comum: tendo ficado assentes factos relativos ao esquema empresarial em que as empresas do grupo se vão detendo entre si e nas quais os administradores de uma vão interferindo na política interna das outras, não podia o tribunal concluir que as empresas não tivessem conhecimento privilegiado das outras empresas do mesmo grupo.
O ponto dado como não provado sob 25 f) evidencia, alegam, a falta de lógica e visão simplista do tribunal, sendo facto notório e bem publicitado o colapso económico da Rio Forte e a consequente e desastrosa queda de todo o grupo. O incumprimento e a queda de uma empresa não ocorrem de um dia para o outro, muito pelo contrário, a situação vai avançando num período de tempo e tal é largamente sustentado nos factos genéricos dados como provados a fls. 136 a 153 da sentença. Se o esquema do GES não fosse promíscuo, a queda de uma empresa não teria implicado a queda das restantes em tão curto espaço de tempo – cfr. a falência da liquidanda em 2015. Muito antes de junho ou julho de 2014 já havia indícios de instabilidade económica e atuações com vista à recuperação que infelizmente não veio a suceder. É assim contraditória a qualificação de não provado.
Após, as alegações prosseguem no apontar de “remanescentes contradições na sentença”[31], parecendo impugnar também a não prova do facto dado como não provado sob 25 a)[32], ao alegar “Se deu como provado que a Liquidanda tinha conhecimento do risco das subscrições e que tais riscos foram informados aos Recorrentes – pontos 25.19 e 25.20 dos factos provados, paginas 288 e 289 da sentença de fls. dos autos – não se compreende como pode dar como não provado que a Liquidanda tenha transmitido aos Recorrentes a informação referente à Rio Forte e o facto daquela integrar também (como a Liquidanda) o GES (Grupo Espirito Santo).
Convenhamos, não faz sentido o raciocínio produzido pelo Tribunal a quo contrariando o principio da livre valoração da prova, a regra da experiencia comum e o ónus da prova.”
O Liquidatário contra-alegou e alinhou os seguintes argumentos:
- quanto à matéria de facto aponta que não foram impugnados os factos dados como provados sob 25.13 e 25.9 a 25.12, dos quais resulta a associação do investimento a uma conta non gerée ou seja, não associada a um contrato de consultoria;
- quanto aos factos 25.16., 25.17., 25.22. e 25.23., alega que o facto de se ter provado que foi celebrado entre as partes um contrato de consultoria não significa que todas as aplicações tenham sido realizadas no âmbito do mesmo, tratando-se, a execução de ordens e a consultoria de investimento de atividades diferentes entre si, nos termos do art. 290º do CVM; defende que não basta dar como não provados estes factos para que se pudesse considerar que o investimento foi feito ao abrigo do contrato de consultoria;
- o julgamento do tribunal não merece qualquer censura, tendo a testemunha RJHdemonstrado conhecimento direto dos factos sobre que depôs e em coerência com a demais prova produzida;
- ainda que se tivesse apurado que a subscrição das notes Rio Forte tinha ocorrido ao abrigo do contrato de consultoria para investimento, não houve incumprimento do referido contrato, já que a informação prestada foi adequada ao perfil dos recorrentes, e, como resulta dos factos 25.1, 25.2 e 25.5 a 25.8, não impugnados, eles já haviam investido nos mesmos produtos (25.9 a 25.12) e conheciam as caraterísticas e riscos da aplicação, informação que lhes foi prestada conforme factos provados e não impugnados 25.19. e 25.20;
- não há qualquer contradição entre os documentos de subscrição da aplicação e o depoimento da testemunha RJH;
- quanto aos factos 25.24 a 25.27, a impugnação é irrelevante, dado que os recorrentes não retiram daqui qualquer consequência; não é indicado qualquer fundamento que ponha em causa o teor do depoimento da testemunha RJH e as declarações do Liquidatário, tendo apenas sem fundamento tentado abalar a sua credibilidade;
- os recorrentes tentam confundir as comissões cobradas pela liquidanda na sua normal atividade bancária com a existência de um prémio, incentivo ou remuneração especial pela colocação de obrigações, sendo as primeiras que estavam em causa no facto 25.26. e não as segundas, demonstradas inexistentes;
- no tocante aos factos dados como não provados – 25 e) a 25 f ) – e facto dado como provado sob 25.30, os recorrentes insistem, sem qualquer concretização ou fundamentação, em basear o conhecimento da liquidanda sobre a situação económica da Rio Forte no facto de ambas integrarem o Grupo Espírito Santo.
Apreciando:
Começaremos pelo ponto final apontado pelos recorrentes (contradições quanto ao facto 25 a):
Pese embora, como se referiu terem sido apontadas contradições entre o facto dado como não provado sob 25 a) e os pontos dados como provados (e não impugnados) 25.19. e 25.20, o que poderia levar à conclusão de que também tal matéria havia sido impugnada, verifica-se que não foi levada às conclusões, não tendo sido igualmente indicado qual o sentido da decisão a proferir. Da leitura da motivação parece-nos evidente que não se pretendeu impugnar este segmento da matéria de facto, já que, além da omissão já apontada (e que implica o incumprimento do ónus previsto no art. 640º do CPC) logo de seguida os recorrentes indicam quais os factos que, a seu ver, deveriam ser dados como não provados, indicando como tal o facto 25 a), na exata formulação que consta da decisão recorrida.
Assim, consideramos não ter sido deduzida impugnação da matéria de facto quanto à alínea a) da matéria de facto dada como não provada.
Quanto aos pontos 25.16. e 25.17:
O tribunal a quo fundou a sua convicção, quanto a estes dois pontos, ou seja, quanto à matéria relativa às ordens de execução de subscrição das aplicações de notes Rio Forte não terem sido executadas no âmbito do contrato de consultoria para investimento (advisory), nos seguintes termos:
“25.16. Foi explicado pela testemunha RJH, elemento da equipa de aconselhamento financeiro/consultoria de investimentos da Liquidanda, entre Julho de 2013 e Abril de 2016 (aproximadamente), dizendo que ao abrigo da consultoria para investimento, o Banco não recomendava instrumentos que não tivessem mercado secundário, ou seja, que não pudessem estar cotados em bolsa, como era o caso das obrigações Rio Forte.
Mais disse que, da análise do extracto patrimonial dos Impugnantes, resulta a existência de apenas uma conta, o que indicia que os investimentos foram realizados na única conta existente (à ordem) sendo que o procedimento normal era criar tantas sub-contas quantos os modelos de investimento (gestão discricionária, execução, gestão não discricionária ou consultadoria de investimento).
No caso, se os Impugnantes tivessem investimentos efectuados ao abrigo do contrato de gestão discricionária o extracto patrimonial conteria separadamente os investimentos efectuados e afectos a uma sub-conta criada para espelhar esses investimentos.
25.17. e 25.18. Factos entendem-se demonstrados tendo em consideração o depoimento da testemunha RJH, que explicou que estes produtos não eram incluídos nas carteiras elaboradas ao abrigo de contratos de gestão discricionário, nem no âmbito de contratos de consultoria para investimento. Explicou também que a Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes todos os produtos constantes do mercado, sendo que, neste caso em concreto, o fez no âmbito de um EMTN, também referido pela testemunha.
Finalmente, a emissão de “Notes” pela Rio Forte ao abrigo do EMTN resulta clara do teor do prospecto cuja cópia se mostra a fls. 16390 e ss. e do acordo celebrado entre a Sucursal liquidanda e a emitente em que a primeira figura como “dealer” – fls. 16431 e ss.”
A recorrente começa por apontar contradição de raciocínio quanto ao facto 25.16, expondo que dados os factos genéricos provados I e II[33]  e dado que foi dada como provada a celebração dos contratos de abertura de conta e de consultoria para o investimento (pontos 25.3. e 25.4.), a subscrição das notes Rio Forte, o pagamento através da conta dos recorrentes e a execução das ordens de investimento (25.9 a 25.13).
Defendem, sinteticamente, que se foi celebrado um contrato que obriga a liquidanda a oferecer aconselhamento, o investimento terá que ter sido feito na sequência desse aconselhamento, tanto mais que as execuções de ordens contêm a declaração de conhecimento das informações prestadas pela liquidanda.
Alegam que o depoimento de RJH não evidencia conhecimento direto e tem que ser valorado com reservas por se tratar de um ex-funcionário da liquidanda e que os documentos (contratos de abertura de conta, de consultoria e ordens de subscrição) o contrariam.
Consideram ainda que contraria as regras de experiência comum ter por boas declarações no sentido de que a liquidanda não incluía estes produtos nas suas carteiras para investimento, mas sim porque assim contratou com a emitente, quando se provou que comercializava todos os produtos do mercado (fundamentação do ponto 25.17).
O tribunal, na fundamentação explicitou as razões pelas quais o depoimento de RJH[34] lhe mereceu credibilidade: tendo sido funcionário da Liquidanda entre Julho de 2013 e Abril de 2016, na área de Consultoria de Investimentos, a “testemunha depôs de forma concisa e esclarecida, denotando estar a par dos procedimentos adoptados pela Liquidanda.
Atenta a sua experiência profissional, o seu depoimento foi relevado no que respeita ao funcionamento interno do banco, prestando explicações sobre as áreas de consultoria para investimento e mandatos de gestão.
Foi ainda inquirido sobre a sociedade Rio Forte, emitente das obrigações subscritas, cujas características e procedimentos associados à subscrição explicou.”
Ouvido o depoimento, concordamos com a descrição sintética feita pelo tribunal. A esta matéria, ou seja, de como internamente se dividiam as três áreas da liquidanda (gestão, discricionária e não discricionária, execução de ordens e consultoria para investimento) e o que era incluído em cada uma delas, nomeadamente que tipo de produtos, a testemunha revelou conhecimento direto, tanto mais que foi contratado, precisamente, para reorganizar a área de consultoria de investimento. O depoimento foi sereno e não demonstrou qualquer parcialidade.
Depois, o teor dos documentos, nomeadamente dos contratos e das ordens de subscrição, não contraria o teor das declarações prestadas: o facto de haver um contrato de consultoria de investimento celebrado e em vigor entre as partes não implica, só por si, que todos os investimentos efetuados o sejam em resultado de aconselhamento ao abrigo desse contrato. Como a testemunha declarou, os clientes podem sempre fazer os investimentos que entenderem (até na vigência de contratos de gestão discricionária, como explicou a testemunha), o que aliás gerou a necessidade de, internamente, se discriminarem os investimentos, com o sistema de sub-contas.
Faz todo o sentido que quem presta os serviços, até para perceber os respetivos resultados, distinga entre os investimentos efetuados ao abrigo de contrato de consultoria e não efetuados na sequencia de aconselhamento nesses termos. O extrato, só com uma conta, terminada em “01”, e a designação non gerée, confirmam estas declarações.
As ordens de subscrição, neste particular, nada confirmam ou desmentem: no fim do dia, com exceção das contas de gestão discricionária, em que é o banco que coloca as ordens na execução de um mandato, todas as decisões de investimento se concretizam numa ordem dada pelo cliente, com a configuração das ordens dos autos, assinadas pela recorrente.
O contrato de consultoria para investimento prevê mesmo, nas suas cláusulas, esta exata possibilidade de coexistência de decisões de investimento baseadas em aconselhamento do banco e não baseadas neste (sublinhados nossos):
- cláusula 1. Objecto
O Banco presta ao Cliente, a seu pedido ou iniciativa do Banco, com a frequência e pelos meios a acordar entre as partes, serviços de consultoria para investimento, nomeadamente sob a forma de informações sobre os mercados financeiros, simulações de carteira ou propostas de investimento.
(…)
- cláusula 2. Âmbito
“Entende-se por consultoria para investimento a prestação de um aconselhamento personalizado a um cliente, na sua qualidade de Investidor efectivo ou potencial, quer a pedido deste quer por iniciativa do Banco relativamente a transações respeitantes a valores mobiliários ou a outros instrumentos financeiros:
(…)
As decisões de investimento serão sempre tomadas pelo Cliente quer as mesmas sejam ou não, baseadas nas informações prestadas pelo Banco.
A informação a prestar pelo Banco será constituída por modelos de alocação de activos baseados nas características específicas do Cliente, no seu património, perfil de risco e objectivos de investimento.
- cláusula 3. Serviço de Consultoria
(…)
O Banco, no seu livre arbítrio, pode recomendar investimentos emitidos ou distribuídos pelo próprio Banco ou por outras entidades que façam parte do Grupo Espírito Santo.
- cláusula 6. Comissões
(…)
Caso o Cliente decida aceitar tais conselhos e proceda à subscrição de ordens de investimento, são aplicáveis os custos normais relativos a transações de instrumentos financeiros previstos no preçário do Banco em vigor, disponível emwww.espiritosanto.pt.
O Banco, na sua qualidade de intermediário financeiro na colocação de produtos financeiros, poderá vir a receber comissões ou outras remunerações por parte de terceiros, designadamente dos emitentes dos instrumentos a distribuir. Na ocorrência de tal situação, o Cliente será informado em conformidade.
- cláusula 7. Outras disposições
O presente Contrato é celebrado em complemento do clausulado das Condições Gerais de Abertura de Conta, designadamente no Registo e Depósito de Valores Mobiliários e/ou Recepção e Transmissão de Ordens para Investimento em Valores Mobiliários, em vigor no Banco, os quais são aplicáveis em tudo o que não se mostre contrário às cláusulas e condições aqui expressas.
Ou seja, do texto do contrato de consultoria para investimento não resulta que dele estejam excluídas propostas de investimento com as caraterísticas das notes Rio Forte – o que se verificou ser a prática do banco – mas também dele não resulta que, a partir do momento da sua celebração, todos os produtos apresentados o sejam em exercício de consultoria para investimento – cfr. nossos sublinhados das cláusulas 2 e 7.
E no Contrato de Abertura de Conta, realça-se o clausulado dos anexos designados C. Contas complementares: Contas de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros e D. Recepção e transmissão de ordens para investimentos em Instrumentos Financeiros, resultando que ao contrato de abertura de conta foi associada uma conta de instrumentos financeiros, o que aliás corresponde a uma prática frequente, como nos dá nota A. Barreto Menezes Cordeiro[35] “Na vida prática, a emergência da relação de clientela surge associada a um número indeterminado de contratos, por regra: (i) contratos de abertura de conta – que por vezes preveem uma conta de ifs, associada à conta de depósito à ordem”.
O facto de a informação de advertência para os riscos constar do formulário das ordens de subscrição não traz qualquer indício no sentido de que aquelas ordens de subscrição foram dadas na sequencia de aconselhamento ao abrigo do contrato de consultoria: na verdade, enquanto intermediária financeira, mesmo na “simples” execução de ordens, a liquidanda estava obrigada por lei a prestar aos seus clientes a informação necessária a uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nos termos dos arts. 312º e ss. do CVM.
Não tendo sido especificamente alegado, sempre se dirá que as declarações quer da testemunha RJH, quer do Liquidatário de que, quando era recebida uma ordem de um cliente, não questionavam essa ordem e não prestavam informações se não fossem pedidas, se referiram, em primeiro lugar, em geral a toda a atividade de intermediação financeira e, em segundo lugar, foram resposta a uma pergunta muito específica (colocada pela Sra. Juiz a quo) sobre o cumprimento do dever de informar quando o cliente, por si, avançava uma ordem específica, de um investimento concreto – ambos tendo referido serem sempre de cumprir as ordens dos clientes que assumiam, dadas as ordens, como informados. Ou seja, também neste ponto não há contradição.
Na verdade, adiantemos, não vemos no concreto diferenças substanciais entre a obrigação de informar que impende sobre o intermediário financeiro no âmbito de um e outro instrumento contratual. Mas esse é ponto a desenvolver na fundamentação jurídica.
O facto de se ter transcrito na fundamentação do ponto 25.17 as declarações da testemunha de que, nos modelos de carteiras que eram elaborados para a atividade de consultoria “todos os produtos do mercado” tem que ser completado – e foi, na fundamentação – com a especificação que a testemunha efetuou de que apenas integravam nessas carteiras produtos que estivessem no mercado secundário. Ou seja, todo o tipo de produtos que estivessem no mercado secundário.
As notes Rio Forte eram um instrumento de dívida, produto que oferecia um rendimento fixo (pagava um cupão fixo), com maturidade fixa, sem complexidade e que não era nem transacionável, nem resgatável durante o período – sem mercado secundário, portanto.
Não se surpreende, assim, aqui, igualmente qualquer contradição ou ilogicidade.
A testemunha fez várias vezes a referência a que os produtos Rio Forte eram muito conhecidos dos clientes, e que eles mesmos pediam para ser avisados quando houvesse uma emissão (não lidava diretamente senão com um pequeno número de clientes, mas partilhava um espaço físico com comerciais/gestores de conta, ouvindo as conversas telefónicas parcialmente). Mas também referiu a apresentação destes produtos.
No caso concreto não se apurou se estas subscrições foram apresentadas aos recorrentes ou solicitadas por estes.
Mas podemos compreender que, se os produtos tiverem sido apresentados aos recorrentes pela mesma e exata pessoa que lhes apresentaria uma carteira modelo, nos termos do contrato de consultoria (a testemunha também referiu que a equipa de consultoria só intervinha junto dos clientes a pedido do comercial, se necessário), os recorrentes tenham “assumido” que se tratava de um conselho de investimento no âmbito daquele. Se ninguém tiver explicado com algum detalhe o tipo de produtos objeto de consultoria, não explicando igualmente a desagregação em sub-contas, compreende-se que a perceção dos recorrentes fosse diversa da realidade objetiva.
Mas a compreensão dessa perceção num eventual cenário, não demonstrado nem infirmado não invalida a prova produzida que, no caso foi corretamente avaliada pelo tribunal, não se justificando a respetiva alteração.
Quanto aos pontos 25.22 e 25.23:
Os recorrentes defendem, no essencial que o tribunal não deveria ter dado estes factos como provados valorando apenas as declarações prestadas, contra o que resulta dos documentos juntos (contratos e ordens de subscrição), sem qualquer evidência documental da variedade de oferta, que seria de fácil realização pela liquidanda.
O tribunal indicou que o facto 25.22 foi confirmado pela testemunha RJH e pelo Sr. Liquidatário e o facto 25.23 foi confirmado por aquela testemunha.
Como já elaborámos na fundamentação dos pontos anteriores, os documentos referidos não contrariam as declarações, credíveis, da testemunha RJH no exato sentido dado por provado em 25.22.
Quer do depoimento de RJH, quer das declarações de BHG resultaram, de forma lógica e com razões que fazem sentido, a não preferência pela colocação deste tipo de produtos nos seus clientes: este tipo de papel comercial era colocado fortemente pelo private banking do BES, com o qual não desejavam concorrer – pretendiam uma posição de mercado diferenciada em relação a este; era um tipo de produto que, economicamente, lhes trazia poucos proveitos – como eram obrigações, instrumentos financeiros de mercado primário não cobravam qualquer comissão pela subscrição, não havia comissão de corretagem e (a testemunha RJH não tinha a certeza mas BHG disse-o assertivamente) não cobravam qualquer comissão no resgate, auferindo apenas uma comissão de 0,1% pelos juros auferidos. Ou seja, comparados com outros produtos, não eram interessantes do ponto de vista do banco.
Por outro lado, se fossem solicitados pelos clientes, porque eram produtos que estavam no mercado, eles eram subscritos.
Dos depoimentos, em especial do depoimento do Liquidatário, resultou que a liquidanda não tinha a postura de oferecer com destaque os produtos do universo GES, nomeadamente este tipo de produtos, como as notes Rio Forte, obrigações, o que não quer dizer que os não oferecesse, apresentando-os, mesmo não solicitado pelos clientes. Mas resultou muito claro que não era, de forma alguma uma prioridade e que tinham a sua atividade mais direcionada para outro tipo de produtos.
É certo que nem RJH nem o Liquidatário nomearam nenhum instrumento financeiro diverso, que integrasse as carteiras modelo ou outras – mas na verdade, tal não lhes foi perguntado rigorosamente por ninguém, nem pela Ilustre Mandatária dos recorrentes, pelo que não pode ser valorado como negativo ou descredibilizador, já que o cenário de, se perguntados, terem nomeado vários outros instrumentos é de verificação equivalente ao cenário contrário.
Não procede, assim, pelas razões expostas a específica impugnação da decisão relativa à matéria de facto nestes pontos.
No tocante aos factos dados como provados sob 25.24. a 25.27.:
Os recorrentes, e dado que a motivação do tribunal assentou, no depoimento de RJHe nas declarações do Liquidatário, referem que as declarações destes devem ser enquadradas nas funções e interesses que desempenharam na liquidanda e que não cessaram, necessariamente com a liquidação.
Quanto a RJH, alegam que a liquidanda não demonstrou que as suas declarações fossem do conhecimento dos recorrentes.
Quanto ao Liquidatário, referem ter sido alto quadro da Liquidanda e, sendo Liquidatário, tem todo o interesse em fundamentar a atuação daquela como isenta de erro, negligência, conduta ou intenção dolosa.
Já acima transcrevemos a apreciação sucinta do tribunal quanto ao depoimento prestado por RJH e concordámos com a mesma, depois de ouvir a globalidade do depoimento.
Os factos agora em causa – a liquidanda não recebeu instruções para colocar obrigações Rio Forte, nenhum dos gerentes deu qualquer ordem ou instrução nesse sentido, a liquidanda não recebeu qualquer prémio, incentivo ou remuneração por colocar obrigações Rio Forte e a liquidanda não assumiu compromisso de colocação, perante a emitente, de um valor mínimo de valores mobiliários – são todos factos internos da liquidanda, pelo que carece de sentido a afirmação de que não foi demonstrado que tal fosse do conhecimento dos recorrentes.
O liquidatário foi gerente da liquidanda e confirmou expressamente não ter dado tais instruções, a testemunha foi funcionário da liquidanda, lidando de perto com a equipa comercial e confirmou nunca ter recebido tais instruções. O Liquidatário explicou com detalhe a remuneração recebida pela liquidanda neste tipo de operações e a forma e razão porque intervinham na colocação (explicando também o serviço que prestavam na emissão, quando solicitados pela emitente, o que sucedeu mais de uma vez) dos instrumentos.
RJH depôs de forma isenta, declarando muito assertivamente os temas em relação aos quais não tinha conhecimento. O facto de ser ex-funcionário da liquidanda não tem em si qualquer desvalor negativo quanto à sua credibilidade. Aliás, numa carreira longa (iniciada em 1997), trabalhou menos de três anos (julho de 2013 a abril de 2016) para a liquidanda, incluindo já um período decorrido em liquidação. Assim, e face ao concreto depoimento prestado, não tendo sido invocado qualquer motivo concreto que abale a credibilidade da testemunha, não é a sua qualidade de ex-funcionário que o faz.
Relativamente ao depoimento do Sr. Liquidatário, o tribunal fundamentou de forma bastante completa as razões pelas quais as suas declarações lhe mereceram credibilidade[36]:
“Identicamente, também o Sr. Liquidatário Judicial prestou esclarecimentos inúmeras vezes.
Desde a primeira sessão de julgamento em que tal questão se suscitou, o tribunal entendeu ser mais conforme com as finalidades do processo que os esclarecimentos a prestar pelo Sr. Liquidatário Judicial pudessem versar sobre todos os factos de que o mesmo tivesse conhecimento directo (uma vez que foi representante da Banque Privée Espírito Santo S.A. – Sucursal em Portugal entre 2007 e 19 de Setembro de 2014 e entre 20 de Setembro de 2014 até 20 de Setembro de 2015, gerente provisório), ao invés de os restringir aos factos que tivessem advindo ao seu conhecimento apenas após a sua nomeação para essas funções.
Para esta decisão pesou o facto de o próprio Banco de Portugal ter considerado que o mesmo era a pessoa certa para assumir as funções de Liquidatário Judicial no processo de liquidação da instituição de que foi gerente, o que pressupõe, necessariamente, uma avaliação de isenção e integridade.
Assumida esta opção, sempre o Sr. Liquidatário prestou os seus esclarecimentos de forma tranquila, com um discurso escorreito e coerente, revelando profundo conhecimento das matérias sobre as quais depôs, essencialmente, relacionadas com a actividade e os procedimentos seguidos pela Liquidanda, a sua oferta, os moldes em que operava no mercado bancário ao lado dos demais concorrentes, o funcionamento interno e a relação com a Banque Privée Espirito Santo, S.A. e as demais sociedades do Grupo Espírito Santo.
Anotamos a firmeza, convicção e segurança que sempre deixou transparecer nas suas respostas, devidamente enquadradas, prestando os esclarecimentos que lhe foram solicitados com respeito pelos interlocutores e pelos Impugnantes, sempre que a eles se referiu.
Pelas razões agora expressas, e sem olvidar as funções anterior e actualmente desempenhadas que, necessariamente, determinam um envolvimento pessoal e um interesse funcional na decisão da causa, também os esclarecimentos por ele prestados foram considerados pelo tribunal, firmando a respectiva convicção, sempre que se nos afiguraram verosímeis e não foram contrariados por prova suficiente para abalar a respectiva credibilidade.”
Na verdade, convém recordar aqui o regime jurídico da nomeação de liquidatários em processo especial de liquidação judicial de instituições de crédito (regime que o tribunal teve por pano de fundo ao motivar a sua convicção).
Recordando que, nos termos do art. 8º nº1 do Decreto-Lei n.º 199/2006 de 25/10, na sua versão aplicável aos autos, a liquidação de instituições de crédito se faz nos termos deste diploma e, em tudo o que não esteja regulado, pelo CIRE, verificamos que a nomeação de liquidatário é uma das matérias regulada pelo diploma:
« Artigo 10.º
Liquidatário ou comissão liquidatária
1 - O juiz, sob proposta do Banco de Portugal, nomeia um liquidatário judicial ou uma comissão liquidatária composta por três membros, consoante a complexidade e dificuldade da liquidação, aos quais compete o exercício das funções cometidas ao administrador da insolvência pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
2 - O Banco de Portugal pode propor ao juiz a destituição e substituição do liquidatário judicial ou dos membros da comissão liquidatária, no todo ou em parte, bem como a substituição da comissão liquidatária por um único liquidatário judicial ou deste por uma comissão.
3 - A remuneração do liquidatário judicial ou dos membros da comissão liquidatária é fixada anualmente pelo juiz, sob proposta do Banco de Portugal.
4 - O liquidatário judicial ou os membros da comissão liquidatária são propostos pelo Banco de Portugal, tendo em conta critérios de idoneidade e experiência de exercício de funções no sector financeiro.»
Ou seja, e tal como refere a Sra. Juíza a quo, é o próprio Banco de Portugal que indica o Liquidatário Judicial para esta função, absolutamente ciente de que foi gerente da liquidanda e seu gerente provisório (já nomeado pelo BdP), pressupondo que avaliou a sua isenção e integridade.
É um fundamento genérico, sabemos, mas que anula o único fundamento também genérico invocado – ter sido alto quadro (mais precisamente gerente) da sucursal liquidanda. Não é invocado um único fundamento concreto para essa suspeição imputada que não as funções desempenhadas. Mais uma vez, também o depoimento prestado a não permite confirmar.
Também não faz grande sentido, de acordo com as regras de experiência comum, exigir prova documental de que não foi dada uma ordem ou instrução, de que não foram recebidos prémios ou remunerações ou de que não se assumiu determinada obrigação. É suficiente que um dos (não) emitentes confirme não o ter dito e que dois (não) recetores confirmem não ter recebido[37].
Dos documentos juntos aos autos – extratos patrimoniais e aviso de subscrição de 30/09/2013 não resulta a cobrança de qualquer comissão pela liquidanda pela subscrição das notes, pelo que não se alcança, verdadeiramente, o argumento dos recorrentes de que é incongruente a prova de que a liquidanda não recebeu qualquer prémio, incentivo ou remuneração especial pela colocação de obrigações Rio Forte com a prova da execução das ordens de subscrição dadas pelos recorrentes. Também não temos qualquer evidência da cobrança de comissões por consultoria de investimento, aos recorrentes, o que, aliás, condiz com as declarações de RJH de que, em 2013, não estavam a cobrar pela consultoria.
Mas ainda que assim não fosse, uma coisa é a cobrança dos serviços prestados pela liquidanda aos seus clientes e outra diferente uma remuneração adicional como incentivo à colocação de determinado produto.
Refira-se finalmente que não resultou por forma alguma provado que a liquidanda tenha contratualizado com a Rio Forte a colocação do seu produto no mercado. A emissão de notes é feita e fica disponível para subscrição. Os intermediários financeiros, de acordo com as decisões dos seus Clientes, executam ordens de subscrição da emissão. Não há nesta operação, nem neste tipo de operações, qualquer vínculo contratual entre o emitente e o intermediário financeiro. Essa é uma caraterística do produto e da atividade e que nenhum elemento de prova contrariou.
O que foi mencionado, quer pela testemunha, quer pelo Liquidatário é que, por vezes, a liquidanda prestava à Rio Forte (como prestou a outras entidades, pelo menos uma totalmente desligada do Grupo Espírito Santo) o serviço de organizar a emissão de dívida, o que, isso sim, pressupunha uma ligação contratual entre a emitente e a prestadora do serviço, no caso a liquidanda. Por esse serviço cobravam à emitente (a quem prestavam o serviço) uma comissão de 0,5% essa era uma relação contratual completamente desligada da colocação das obrigações. Organizada a emissão o mercado (primário) subscrevia as mesmas, não havendo qualquer reserva ou incentivo à subscrição através da liquidanda.
Em conclusão, também quanto aos factos 25.24. a 25.27. improcede a impugnação.
Quanto ao facto dado como provado em 25.30., ou seja, que nenhum dos administradores BPES Suíça tinha intervenção no relacionamento direto entre a Liquidanda e os seus clientes, argumentam os recorrentes com a desvalorização das declarações prestadas pelo Sr. Liquidatário e defendem ser contrário às regras de experiência comum que não haja interferência do órgão de administração de uma empresa noutra, ainda que sem participações diretas, e que foi devido à promiscuidade do grupo que a queda de uma das empresas determinou a queda das demais.
Também aqui temos alguma dificuldade em acompanhar os argumentos dos recorrentes: o facto refere-se à intervenção do BPES Suíça na sua sucursal em Portugal, a liquidanda. Neste caso não há qualquer dúvida sobre a titularidade do capital da liquidanda, que era uma sucursal. Assim, os argumentos relativos à promiscuidade do Grupo GES são aqui deslocados. O que o tribunal deu como provado corresponde ao que foi declarado pelo Liquidatário, longamente e exaustivamente interrogado a este respeito pela Sra. Juiz, de que, na sede (BPES Suíça) existia, de acordo com as regras suíças, um conselho de administração e uma comissão executiva. A liquidanda reunia com a comissão executiva apenas (declarou que esteve uns minutos, uma vez, no início de uma reunião do conselho de administração por a mesma se ter realizado nas instalações da sucursal, saindo logo no início) à qual propunha a estratégia a longo prazo e depois fazia com esta as reuniões de acompanhamento da estratégia definida. Declarou que era esta a única interação entre a sucursal e a sede e que nunca foram sequer abordadas questões relativas à relação entre a liquidanda e os seus clientes.
A questão, com todo o respeito, coloca-se a jusante da relação de grupo. Estamos no estrito âmbito da relação sucursal-sede e as declarações prestadas foram perfeitamente esclarecedoras e credíveis, para além de baterem certo com o regime jurídico aplicável -  arts. 54º a 58º do RGICSF[38].
Não há, assim, razão para alteração do facto dado como provado sob o nº 25.30.
Passando aos pontos 25 d), 25 e) e 25 f) da matéria de facto não provada:
Os recorrentes argumentam, quanto ao conhecimento, pela liquidanda, da situação da Rio Forte, ser o raciocínio do tribunal contraditório com a prova da teia de participações das empresas do Grupo Espírito Santo, que num juízo de experiência comum contraria qualquer hipótese de desconhecimento e que, tendo sido dado como provado que a liquidanda tinha acesso à informação pública sobre a Rio Forte (ponto 25.28) não se pode dar como provado o não conhecimento da instabilidade da mesma no momento das subscrições atentos os factos provados a fls. 136 a 153 da sentença, que contêm um conjunto de artigos, investigações e intervenções financeiras publicadas em 2013 e 2014.
Quanto à ausência de prova referida como fundamento para dar como não provado o facto 25 e), consideram os recorrentes que contraia as regras da experiência comum: assente o esquema empresarial em que as empresas do grupo se vão detendo entre si e os administradores de umas vão interferindo nas outras, não se pode concluir que as empresas do grupo não tivessem conhecimento privilegiado umas das outras.
Entendem, finalmente, ser ilógico e simplista o raciocínio do tribunal ao dar como não provado o facto 25 f), sendo o colapso económico da Rio Forte facto notório, o incumprimento não ocorre de um dia para o outro, avançando ao longo do tempo, sendo tal devidamente suportado nos factos dados como provados pelo tribunal a fls. 136 a 153 da sentença proferida, já existindo sinais de instabilidade muito antes de julho de 2014.
O recorrido argumenta que os recorrentes se baseiam unicamente na existência do grupo, o que é claramente insuficiente.
Os recorrentes mencionam várias vezes as regras de experiência comum, mas nestes pontos dão-lhe especial relevo, como podemos verificar.
Nos termos do nº4 do artigo 607º do CPC: «4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.»
Como se escreveu no Ac. TRC de 26/10/2020[39] (Manuel Capelo) “As regras de experiência comum de que o julgador se pode socorrer para formar a sua convicção são aquelas que, segundo a maneira como a realidade se repete, de forma constante e regular, fazem concluir, com toda a segurança com que a lógica confirma aquela repetição, que a um determinado facto/causa corresponde um facto/ocorrência ou uma interpretação consequente, a qual só não se verificará se, entretanto, intervier um outro facto/causa, esse sim, de tal maneira imprevisto, por raro, inabitual e improvável e que para poder ser tomado em consideração exige uma prova evidente.”
Barbosa Moreira[40] nota que, “seria absurdo que o juiz, no exercício da judicatura, se despojasse das noções que apreendeu como homem, no seio da sociedade e cultura em que vive. Disso resultam as chamadas regras da experiência, que não são acontecimentos, mas “(...) noções que reflectem o reiterado perpassar de uma série de acontecimentos semelhantes, autorizando, mediante raciocínio indutivo, a convicção de que se assim costumam apresentar-se as coisas, também assim devem elas, em igualdade de circunstâncias, apresentar-se no futuro.”
Com Luís Filipe Pereira de Sousa[41] concordamos também com a noção de máximas de experiência adotada: “as máximas de experiência são noções extralegais e extrajudiciais a que o juiz recorre, as quais são colhidas nos conhecimentos científicos, sociais e práticos, dos mais aperfeiçoados aos mais rudimentares. Tais conhecimentos não representam a íntima convicção do juiz, mas fatores que surgem da vivência (experiência) coletiva e são apreensíveis pelo homem médio, adquirindo autoridade precisamente porque trazem consigo essa imagem do consenso geral.”
Continuando a seguir este autor, conforme origem ou fonte de conhecimento, as máximas de experiência podem classificar-se em:
1. Máximas de experiência comum;
2. Máximas de experiência técnica;
3. Máximas de experiência axiológica.
As regras de experiência comum são extraídas do que ordinariamente acontece na vida em sociedade, constituindo noções culturais do homem médio que constituem património comum da coletividade. A fonte de tais regras assenta na reiteração de factos que ocorrem todos os dias, permitindo-se extrair dos mesmos uma regra que pode ser aplicada quando aparecerem idênticas circunstâncias de facto. Estas máximas possuem um valor objetivo “(...) que permite extrair uma regra com base em elementos empíricos, tornando possível extrair juízos de repetição para casos futuros ainda não observados”.
As regras de experiência técnica, por sua vez, correspondem aos conhecimentos científicos que estão ao alcance do homem médio, independentemente de maiores aprofundamentos, estando difundidos no meio cultural. Trata-se de conhecimentos não especializados, profundos, mas do domínio comum.
“As regras de experiência axiológica são os juízos de valor que, a par dos outros conhecimentos já referidos, integram o património cultural da comunidade e são acessíveis ao homem médio. São integradas por “(...) um conjunto de valores comungados pelos membros da sociedade que, não obstante a sua heterogeneidade e multidimensionalidade, possuem (ou devem possuir) valores comuns que direccionam as relações entre os sujeitos e se tornam referencial não só de conduta, mas também de um programa político para aquela comunidade, direcionando ações e seu destino”.
O que torna esses valores comuns é o facto de serem referências axiológicas para a vida em sociedade, quer no quotidiano das relações sociais quer na tarefa de determinar o paradigma dessa sociedade que se expressa na lei.”
As máximas da experiência são “instrumentos metodológicos e processuais de realização do Direito, constituindo critérios objetivos que o juiz utiliza como orientação para aplicar o Direito no caso concreto.”[42]
De entre as funções processuais das máximas de experiência destaca-se a função probatória[43], que “respeita à utilização das máximas da experiência no apuramento dos factos e na formação da convicção do juiz.”
Assim, intervêm na construção de presunções judiciais – funcionando como a premissa maior do silogismo que se produz ao adotar o facto indiciário como premissa menor[44]; servem para completar o resultado de outra prova, confirmando-o ou infirmando-o; atuam como elemento auxiliar de análise das provas, na respetiva valoração; podem servir de referência ou critério (se da prova resulta algo contrário às regras de experiência comum, elevam o nível de exigência da respetiva confirmação; e podem mesmo intervir como critério de admissibilidade de prova.
O que as máximas de experiência não são é, em si, um meio de prova. Intervêm sempre em conjunto com, na apreciação, na valoração, etc., de outros meios de prova. Expressamente a lei alude, como vimos, apenas às presunções impostas por regras de experiência, sendo as demais funções enunciadas complementares e constatáveis na prática.
Munidos destes conceitos regressemos à impugnação deduzida.
Foi a seguinte a motivação do tribunal recorrido:
“25 d) Este facto não foi corroborado por qualquer prova, antes foi contrariado pelo testemunho de RJH que explicou que a sociedade Rio Forte tinha participação em várias áreas de actividade, designadamente, turismo e saúde, e em diferentes geografias.
Por outro lado, as contas de 2013 (demonstrações financeiras e balanço) evidenciavam um activo de cerca de €3.000.000.000,00.
Finalmente, o relatório do auditor externo não continha qualquer reserva às contas.
Com base nestes elementos a testemunha concluiu que o incumprimento da Rio Forte foi totalmente inesperado.
25 e) Facto não demonstrado por qualquer meio probatório.
25 f) O tribunal entende não poder considerar esta alegação demonstrada porquanto dos autos apenas resulta um incumprimento da Rio Forte ocorrido em Julho de 2014, bem como que em 22.7.2014, a Rio Forte apresentou pedido de gestion contrôlée, pedido que foi negado.
Portanto, apenas poderíamos concluir que em Julho de 2014 a sociedade apresentava problemas no cumprimento das suas obrigações (cuja concreta dimensão se desconhece), mas ainda considerava possível a sua recuperação, mas já não que “colapsou” economicamente nesse mês, tão pouco em Junho de mesmo ano.”
No fundo os recorrentes propõem, quanto a 26 d) e e), que o tribunal deveria ter feito o seguinte silogismo: nos grupos de empresas, todas têm conhecimento integral dos factos relevantes das demais/ A liquidanda e a Rio Forte pertencem ao mesmo grupo de empresas/logo, a liquidanda conhecia a situação da Rio Forte.
O problema neste silogismo é que a premissa maior não é uma máxima de experiência comum. O máximo que conseguimos tomar como premissa maior é que nos grupos de empresas há uma grande circulação de informação entre os membros do grupo.
Este grupo era um grupo extremamente complexo[45], com área financeira e não financeira, o que certamente gera inércias e falhas de informação (e aqui estamos a usar uma máxima de experiência comum, como auxiliar de valoração). Depois, diz-nos também a experiência que a circulação da informação, por regra, não tem duas vias, e que funciona em sentido ascendente (num grupo com uma estrutura tendencialmente vertical, pelo menos), ou seja, as empresas “mãe”, por regra dominam a informação das empresas cujas participações detêm, pelo menos de forma maioritária, mas as empresas detidas não dispõem do mesmo tipo de informação sobre as empresas “mãe”. Mas para complicar este cenário, uma das empresas intermédia (no sentido de detida por empresa, por sua vez detida por…,) era um banco, dizendo-nos, mais uma vez a experiência, que o poder de decisão está, normalmente, onde está o dinheiro, e onde está o poder de decisão está um maior poder de recolha de informação.
Assim, como referimos, mais a mais, num grupo bastante complexo, sabemos que num grupo de empresas circula mais informação do que entre empresas sem qualquer ligação, mas não podemos afirmar que todas as empresas sabem tudo sobre as demais.
No caso concreto, as regras de experiência comum dizem-nos que dificilmente a liquidanda (a sucursal portuguesa de um banco de private banking) dificilmente teria acesso a informação privilegiada quanto a uma sub-holding do grupo dois graus acima da sua sede.
Cremos que, efetivamente, bem andou o tribunal ao não usar este tipo de premissa maior, indemonstrada, o que significa desde já a improcedência dos argumentos quanto ao facto dado como não provado em 25 e) e parte dos argumentos quanto a 25 d).
Depois os recorrentes apontam, de forma correta, que o tribunal deu como provado que a liquidanda tinha acesso a informação pública sobre a Rio Forte (facto 25.28. A Liquidanda tinha acesso à informação pública sobre a Rio Forte, nomeadamente ao relatório e contas da sociedade.), e referem que assim sendo, o facto dado como não provado é contrariado pelas informações públicas enumeradas na matéria de facto genericamente dada como provada.
Não podemos aqui deixar de sublinhar a conduta dos recorrentes que, apontando a contradição, se limitam a remeter para dezassete páginas de matéria de facto provada, onde constam 89 factos provados, sem especificar a que factos se referem.
Ficando, desta forma, e por opção dos recorrentes, tal indagação a cargo deste tribunal, será feita com os critérios que se nos afiguram corretos em função das questões de facto e respetivas soluções de direito a decidir.
E desde logo o primeiro critério é temporal – buscamos informação pública anterior ou contemporânea da subscrição das notes pelos recorrentes, ou seja, disponível entre 30/09/2013 e 10/04/2014 (nºs 25.9 e 25.11 da matéria de facto provada).
Tal deixa de fora todos os factos que, mesmo referindo-se ou mencionando acontecimentos anteriores, só foram divulgados posteriormente, de que é exemplo claro a informação descrita em LX, ou seja, as decisões tomadas pelo BdP, incluindo o ring fencing, que apenas foram divulgadas em 17/11/2014 ou o prospeto relativo ao aumento de capital do BES, emitido apenas em 20/05/2014 (factos LIII e LIV).
Assim, relevam temporalmente os seguintes factos:
I a V – factos institucionais relativos à liquidanda;
XIII a XVI – factos institucionais relativos ao BPES Suíça;
XXI – estrutura do grupo em 30/09/2013;
XXII e XXIII – administração e comité executivo da ESFG a 31/12/2013;
XXIV a XXVI – factos relativos à ESI;
XXVIII – revisão de contas da ESFIL;
XXIX – resultados (positivos, de € 36.719), da ESFIL a 31/12/2013;
XXXII a XXXIII – factos institucionais da Rio Forte;
XXXIV e XXXV – atividade da Rio Forte;
XXXVI – análise do risco da Rio Forte de 02/08/2013 (B+);
XXXVII – noticias de outubro de 2013 de previsão de encaixe de cerca de mil milhões de euros em 2014, com a dispersão em bolsa de partes do capital da Espírito Santo Saúde;
XXXVIII – revisão de contas da Rio Forte;
XXXIX – EBITDA da Rio Forte em 2012 (€ 76.081.000,00) e em 2013 (€ 128.359.000,00);
XL – capital próprio (positivo) da Rio Forte em 2012 (€ 966.938.000,00) e em 2013 (€ 932.015.000,00);
XLI e XLII – estrutura do grupo antes e depois de 31/12/2013;
XLIX – Notícia do Wall Street Journal de 12/12/2013;
Compulsada a notícia e respetiva tradução (fls. 3241 a 3245 e 14844 a 14846 do processo em papel) verifica-se que respeita ao Grupo Espírito Santo e, sob o título “Espírito Santo engages in financial gymnastics to survive crisis[46]” dá conta da estratégia de financiamento do grupo que passou por, “ao longo de 21 meses, vendeu mais de 6 mil milhões de euros (8,27 mil milhões de dólares) em dívida a um dos seus próprios fundos de investimento, aumentando bastante o risco para os investidores”.
Refere-se que a operação é legal mas que na opinião de peritos (citam EPS, professor na London School of Economics e AS, professor de contabilidade no ISEG) é muito questionável expor os investidores a esse risco de dívida, risco aumentado por, acreditam, o maior ativo da ESI, a participação no BES, ter sido avaliada em exagero, quatro vezes acima do valor de mercado, sendo a avaliação questionada pelo Professor AS, mas defendida pela ESI como aceitável e recomendada de acordo com as regras aplicáveis.
É também referido que “As participações da Espírito Santo International incluem um extenso portfólio imobiliário, uma cadeia de hotéis, um operador hospitalar em Portugal e diversos negócios no exterior. É proprietária de um terço do espírito santo Financial Group, a holding do Banco Espírito Santo, SA, que controla o ES Liquidez. O banco, com ativos de mais de 80 mil milhões de euros, é o segundo maior banco de Portugal.”
L – Comunicado da ESFG de 25/03/2014 informando do adiamento da assembleia anual, antecipando que as demonstrações financeiras viessem a incluir uma provisão extraordinária de €700 milhões, referente a potenciais riscos associados à exposição às atividades não financeiras do Grupo Espírito Santo;
LI – artigo de 25/03/2014 noticiando a criação de provisão de 700 milhões de euros na ESFG;
Compulsado o artigo, constante de fls. 892 a 893 dos autos, resulta que é referido que a constituição da provisão decorre da emissão de papel comercial da Espírito santo Internacional e que o montante aprovisionado corresponde aproximadamente ao valor que falta reembolsar. É também referido que a provisão foi constituída pela ESFG e que, não sendo uma imparidade, pode forçar a aumentos de capital nas holdings que controlam o BES.
LII – artigos publicados em 25/3/2014, 26/3/2014, 30/3/2014, 14/4/2014, 28/4/2014, 5/5/2014, 20/5/2014 e 21/5/2015, referindo questões relacionadas com dívida emitida pelo Grupo Espírito Santo, designadamente, pela ESI;
Destes artigos (constantes de fls. 899 a 926 dos autos) relevam apenas os artigos publicados em 25/3/2014, 26/3/2014 e 30/3/2014, nos termos já explicitados.
O artigo de 25/03/2014 (Público – CF) refere-se, novamente á constituição da provisão de 700 milhões e ao adiamento da assembleia geral da ESFG, referindo-se que os pagamentos do GES aos subscritores de papel comercial de curto prazo já foram pagos (mil milhões) e que os demais credores irão ser pagos á medida dos vencimentos. Dá igualmente nota de que está a ser elaborado um programa da parte não bancária do GES e que irão ser adotadas medidas ao nível da governação.
O artigo de 26/03/2014 (Público – CF) replica, em grande medida o de 25/03/2014, acrescentando que PQP apresentou queixas no BdP e na CMVM, no Verão de 2013 depois de um braço de ferro com RESS e “depois de, em Agosto de 2013, dois fundos de investimento (com aplicações de curto prazo idênticas a depósitos à ordem) geridas pela ESAF – o ES Liquidez e o ES Rendimento – terem canalizado, via holdings dominantes, para a Espírito Santo Internacional e a ES Irmãos, mais de 2,2 milhões de euros para empresas da Rio Forte (…) (que agrega os interesses não financeiros do GES e, por não ser cotada, não está sujeita a escrutínio).”
O artigo de 30/03/2014 (Público – CF) é um resumo online do artigo de 26/03/2014.
O que retiramos destes factos públicos: – uma exposição indevida, diagnosticada e cuja correção foi ordenada pelo BdP e cumprida, a constituição de uma provisão de 700 milhões pela ESFG, até 31/12/2013, uma empresa “irmã” da Rio Forte, ambas detidas pela ESI (e que depois de 31/12/2013 a Rio Forte vem a deter parcialmente), resultados positivos na Rio Forte e o património da Rio Forte. Um grupo económico a enfrentar dificuldades na sequência da crise do sub-prime, mas nenhum sinal alarmante.
É fácil dizer agora, depois de sabermos o que se veio a passar, que os sinais já estavam todos presentes. Mas ao tempo esse não era um exercício evidente para o público em geral – basta ver que logo a seguir a estes primeiros sinais (factos LIII a LV) o próprio BES realizou um aumento de capital social que veio a ser totalmente subscrito.
Sendo estes os factos públicos relevantes, há ainda a notar que, no seu depoimento, RJH referiu expressamente só ter visto as contas da Rio Forte de 2013, com resultados positivos, revistas, sem qualquer reserva (referiu que havia um enfâse) e que, no seu trabalho, apenas recorria a informação fidedigna – referiu a informação da Bloomberg. Sendo o seu depoimento credível, como já se explicitou, não há naqueles factos qualquer motivo para as pôr em causa.
Assim sendo também o facto dado como não provado sob 25 d) não pode ser dado como provado, improcedendo a impugnação nesta parte.
Quanto ao facto 25 f), verificamos que o tribunal valorou os factos dados como provados sob XLV e XLVI – foi em 22 de julho de 2014 que a Rio Forte comunicou o incumprimento das dívidas vencidas a partir de 16/07/2014 e, na mesma data, fez um pedido de gestão controlada[47] que foi indeferido.
Ora o que foi alegado não foi o incumprimento, mas sim o colapso económico da Rio Forte. O tribunal recorrido, tal como este, está evidentemente ciente dessa máxima de experiência comum: (pelo menos antes da crise sanitária) a situação de insolvência (cremos que será a tradução técnica do alegado “colapso económico”) não surge de um dia para o outro. A crise vai-se instalando e os primeiros incumprimentos são um sinal ou de situação económica difícil, ou de insolvência iminente.
Ora os primeiros incumprimentos surgem apurados em julho de 2014 o que não permite concluir que, logo então, a Rio Forte estava em situação de insolvência atual, ou, para usar a linguagem alegada, tinha colapsado economicamente. Não se trata de simplismo nem de falta de lógica, trata-se de uma constatação feita por um julgador cuja vida profissional é maioritariamente fazer esse tipo de avaliações.
Não tendo sido produzido qualquer outro elemento de prova – e neste particular, tendo os recorrentes voltado a fazer a mesma remissão para 17 páginas de factos provados e 89 factos provados sem sequer tentar especificar quais aqueles que permitiam concluir que, em julho de 2014 o colapso se deu, refira-se que este tribunal também os não logrou encontrar.
Acresce que o facto em si, mesmo provado, não tem qualquer relevância para a decisão desta específica reclamação de créditos, já que as obrigações em cujo não reembolso os recorrentes fundam o seu pedido foram subscritas entre 30/09/2013 e 10/04/2014 (nºs 25.9 e 25.11 da matéria de facto provada).
Improcede, assim, igualmente a impugnação da não prova do facto dado como não provado sob 25 f).
*
Improcede, assim, globalmente, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto peticionada no recurso 1.2. (correspondente à impugnação nº 25).
*
5.1.3. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto relativamente à impugnação nº5, correspondente ao recurso 1.3., interposto por ASC, MLSC, SSC e PSC:
Os recorrentes alegam como fundamentos do seu recurso a incorreta apreciação da matéria de facto provada, na qual foi incluída matéria conclusiva e contraditada por declarações dos recorrentes e por prova testemunhal e documental produzida e ainda que foram considerados não provados factos que deveriam ter sido considerados total ou parcialmente provados.
Entendem que devem ser eliminados os pontos 5.3., 5.7, 5.8, 5.9, 5.11, 5.12, 5.13, 5.14, 5.15, 5.23, 5.24, 5.25, pelo caracter conclusivo dos pontos, pela inexistência da alegação de facto e pela ausência de prova.
Quanto aos factos 5.18, 5.19, 5.20, 5.21, 5.22, 5.39 não deveriam ter sido dados como provados ou deveriam tê-lo sido parcialmente.
Deveriam ter sido considerados provados os factos alegados nos arts.  13º, 15º, 17º, 20º, 29º da impugnação, por não terem sido impugnados, pelas declarações dos 1º e 4º impugnantes e mediante prova documental.
O recorrido defendeu a total improcedência da impugnação da matéria de facto.
O tribunal deu como provada, sob os nºs apontados como incorretamente julgados, a seguinte matéria:
5.3. Os Impugnantes foram sucessivamente reembolsados dessas aplicações, obtiveram rendimentos e reinvestiram os valores reembolsados em mais obrigações Rio Forte.
5.7. A Liquidanda informou os Impugnantes, na pessoa de ASC, das características da aplicação que subscreveram.
5.8. A Liquidanda esclareceu os Impugnantes de que a subscrição das obrigações Rio Forte não era um depósito junto da Liquidanda.
5.9. A Liquidanda não assumiu o pagamento das obrigações em caso de incumprimento ou insolvência do emitente.
5.11. A Liquidanda informou e esclareceu os Impugnantes sobre a entidade emitente da aplicação em causa – a Rio Forte –, nomeadamente sobre o facto de esta entidade integrar o Grupo Espírito Santo, a que pertence a Banque Privée Espirito Santo, S.A.
5.12. Os Impugnantes são titulares de obrigações com a designação “4,25% Rio Forte Investments SA EMTN SR-217 2014/27.02.2015 (23837501)”, subscritas com data-valor de 28.2.2014 e com data de vencimento de 27.2.2015, no valor de USD 300.000,00.
5.13. As obrigações foram subscritas mediante ordem verbal do Impugnante ASC, transmitida via telefone.
5.14. As datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios já estavam definidas no momento da subscrição.
5.15. As datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios foram transmitidas aos Impugnantes verbalmente e também mediante o documento denominado “Execução de Ordem sobre Instrumento financeiro”.
5.18. Os Impugnantes recebiam extractos periódicos da sua conta junto da Liquidanda com informação relativa aos investimentos realizados, com menção à aplicação em obrigações Rio Forte.
5.19. No âmbito da relação de confiança existente entre a Liquidanda e os seus clientes, frequentemente, as ordens sobre aplicações em instrumentos financeiros eram dadas pelos clientes à Liquidanda por telefone ou email e, mais tarde, em reunião com o cliente, o gestor de conta levava o documento da execução de ordem para assinatura do cliente, o que chegou a acontecer com os Impugnantes.
5.20. A prática do Banco era obter a instrução do cliente por escrito ou por telefone, mas neste caso tinha a obrigação de, posteriormente, obter a assinatura do cliente.
5.21. Os Impugnantes eram acompanhados por um gestor de conta da Liquidanda, que lhes prestava as informações e os esclarecimentos solicitados.
5.22. A Liquidanda prestou aos Impugnantes informação sobre a sua política de conflito de interesses e de mitigação desses conflitos, nos seguintes termos:
“2.7 Informação sobre política de conflito de interesses
O Banco adoptou uma política em matéria de conflito de interesses, que pode, mediante pedido de qualquer Cliente, ser enviado para o seu endereço electrónico ou morada postal.
O Banco desenvolve diversas actividades de intermediação financeira cuja execução pode propiciar a ocorrência de situação de conflitos de interesse, quer entre os interesses do Banco e dos seus Clientes, quer entre os interesses dos seus diferentes Clientes.
Tal situação é susceptível de pôr em risco a imparcialidade e independência da actuação do Banco, pelo que a criação e manutenção de regras de prevenção e gestão de conflitos, constitui uma prioridade.
O Banco está obrigado a organizar-se de modo a identificar possíveis conflitos de interesse e a actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência. Para o efeito prestará a todos os seus Clientes um tratamento transparente e equitativo.
A política adoptada pelo Banco, com vista à gestão destes conflitos, contem procedimentos destinados a:
a) Assegurar que as áreas envolvidas nas actividades de intermediação serão organizadas e geridas de maneira autónoma, por pessoal afecto a cada uma delas, sem interferência da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
b) Assegurar que a informação obtida em cada área nunca se encontrará, directa ou indirectamente, ao alcance da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
c) Segregação entre as funções de decisão, execução, registo e controle;
d) Notificação ao responsável pelo Cumprimento/”Compliance Officer” das transacções efectuadas por dirigentes colaboradores mais expostos a eventuais conflitos de interesse;
e) Manutenção e monitorização de uma lista de colaboradores considerados como podendo ter acesso a informação privilegiada;
f) Prestação de formação aos colaboradores sobre prevenção e gestão de conflitos de interesses.”
5.23. Em 2013, a Liquidanda solicitou aos Impugnantes ASC, MLSC e SSC que, caso pretendessem, preenchessem um “Questionário de Perfil de Investidor”.
5.24. A Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes tanto produtos financeiros do Grupo Espírito Santo, como outros.
5.25. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação aos seus colaboradores para aconselhar a subscrição de obrigações da Rio Forte aos Impugnantes ou a qualquer outro cliente.
5.39. Os Impugnantes reclamaram o mesmo valor de capital de que aqui pretendem ser ressarcidos no processo de Liquidação da Rio Forte.
Quanto à matéria de facto não provada, pese embora os recorrentes não tenham indicado as alíneas da mesma que consideravam incorretamente julgadas nas conclusões, fizeram-no na motivação e transcreveram os factos (tal como alegados na impugnação) nas conclusões, permitindo, assim, ao tribunal o seu cruzamento com os pontos de facto não provados enumerados na sentença e, consequentemente, a respetiva impugnação[48].
Foram os seguintes os factos dados como não provados pelo tribunal cuja correspondência se logrou apurar:
5 b) Pelos funcionários da Liquidanda foi transmitido ao 1º Impugnante que a subscrição do papel comercial Rio Forte Investments tinha capital garantido e sem riscos, sendo que, a qualquer momento, poderia ser resgatado pelos Impugnantes, cuja importância ficaria disponível em 2 a 3 dias úteis – correspondente a 13º da Impugnação (“Pelos funcionários da Liquidanda foi transmitido ao 1º Impugnante que a subscrição do papel comercial Rio Forte Investiments tinha capital garantido e sem riscos, sendo que, a qualquer momento, poderia ser resgatado pelos Impugnantes”);
5 c) A Insolvente sempre transmitiu a ausência de risco do instrumento financeiro Rio Forte, designando de “capital garantido”, como se um depósito a prazo se tratasse – correspondente a 29º da Impugnação (“A Insolvente sempre transmitiu a ausência de risco do instrumento financeiro Rio Forte, referindo que se tratava de capital garantido.”);
5 d) O 1º Impugnante, desconhecendo o risco inerente ao papel comercial Rio Forte Investments, em 2011 efectuou a subscrição até 2013 – correspondente a 15º da Impugnação (“O 1º Impugnante, desconhecendo o risco inerente ao papel comercial Rio Forte Investiments, subscreveu este instrumento financeiro, com a data de vencimento de um ano.”);
5 f) Os Impugnantes apenas autorizaram a aplicação de USD 300.000,00 no instrumento financeiro Rio Forte até 2013, com vencimento em Fevereiro de 2014 – correspondente a 20º da impugnação (“Os Impugnantes apenas autorizaram a aplicação de USD 300.000,00 no instrumento financeiro Rio Forte até 2013, com vencimento em Fevereiro de 2014);
E ainda, sem correspondência na matéria de facto dada como não provada, o facto alegado em 17º da Impugnação - “Não obstante insistências por parte dos Impugnantes, a Insolvente impediu o levantamento da importância depositada”.
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Apreciando:
Alegam os recorrentes que a matéria dada como provada sob o ponto 5.3. é conclusiva e não pode ser dada como provada em decorrência lógica de 5.2., dado que os factos têm que ser suportados e meios de prova concretos e não em intuição ou dedução. Ora, uma vez que o ponto 5.2. apenas alude ás subscrições, deve ser eliminado, por inexistência da aludida decorrência lógica.
O recorrido respondeu apontando que os recorrentes não impugnaram nenhum dos pontos 5.2. e 5.17. e que o tribunal acrescentou outros fundamentos à motivação deste ponto, além da decorrência lógica. Aponta ainda que os factos sempre resultariam dos documentos de fls. 486 a 509 e 8605 a 8608 dos autos e que o próprio 1º recorrente assumiu o reembolso e os juros no seu depoimento transcrito a fls. 86 das alegações.
Foi a seguinte a motivação do tribunal recorrido no tocante a este facto (transcreve-se, para melhor compreensão, também a motivação de 5.2.):
“5.2. Expressamente aceites em audiência de julgamento as subscrições e o montante do investimento.
5.3. Este facto resulta assente como decorrência lógica do anterior (5.2.).
Ademais, no que respeita ao reembolso e rendimento associados, o Tribunal considera-os demonstrados na medida em que tais aplicações pressupunham o pagamento do juro acordado na data de vencimento e se assim não tivesse ocorrido não faria sentido que os Impugnantes continuassem a subscrever o mesmo produto.”
Como resulta da fundamentação transcrita, o tribunal não motivou a prova do ponto 5.3. apenas com a menção de decorrência lógica. Indicou que não fazia sentido que, se os produtos não fossem reembolsados, os recorrentes continuassem a investir nos mesmos produtos.
Como alegam os recorrentes, o juiz não pode socorrer-se da intuição para fundamentar a sua convicção quanto à matéria de facto. Mas na verdade pode, efetivamente, socorrer-se da dedução.
Nos termos do nº4 do artigo 607º do CPC: «4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.»
Como se escreveu no Ac. TRC de 26/10/2020  (Manuel Capelo), que já se citou ao conhecer a impugnação da matéria de facto quanto ao recurso 1.2., para cuja fundamentação, neste particular, se remete, “As regras de experiência comum de que o julgador se pode socorrer para formar a sua convicção são aquelas que, segundo a maneira como a realidade se repete, de forma constante e regular, fazem concluir, com toda a segurança com que a lógica confirma aquela repetição, que a um determinado facto/causa corresponde um facto/ocorrência ou uma interpretação consequente, a qual só não se verificará se, entretanto, intervier um outro facto/causa, esse sim, de tal maneira imprevisto, por raro, inabitual e improvável e que para poder ser tomado em consideração exige uma prova evidente.”
Como também já se referiu, de entre as funções processuais das máximas de experiência destaca-se a função probatória[49], que “respeita à utilização das máximas da experiência no apuramento dos factos e na formação da convicção do juiz.”
Assim, intervêm na construção de presunções judiciais – funcionando como a premissa maior do silogismo que se produz ao adotar o facto indiciário como premissa menor[50]; servem para completar o resultado de outra prova, confirmando-o ou infirmando-o; atuam como elemento auxiliar de análise das provas, na respetiva valoração; podem servir de referência ou critério (se da prova resulta algo contrário às regras de experiência comum, elevam o nível de exigência da respetiva confirmação) e podem mesmo intervir como critério de admissibilidade de prova.
Ora bem, precisamente, neste caso, a Sra. Juiz a quo partiu de um facto conhecido – a subscrição sucessiva de notes Rio Forte pelos recorrentes (ponto 5.2. da matéria de facto provada) – para, com a ajuda de uma máxima de experiência comum, que enunciou sinteticamente na fundamentação (quem não recebe o que espera de um investimento não faz o mesmo e exato investimento), para chegar ao facto desconhecido – os recorrentes receberam o reembolso e rendimento esperado das subscrições que fizeram em 2011, 2012 e 2013.
E, esclareça-se, o sucessivo reembolso e rendimento das aplicações subscritas é pura matéria de facto: ou os recorrentes as receberam ou não receberam. Não se trata de uma conclusão a extrair de factos, mas de um facto, ou melhor, de um acervo de factos.
Na verdade, e tal como refere o recorrido, o recorrente/impugnante ASC, no seu depoimento admitiu expressamente o recebimento dos juros no período 2011 – 2013 (o declarante, referindo não ter a certeza, situou a primeira subscrição em 2010, engano que surge como natural dado que a conta foi aberta em 2010, conforme documento de fls. 473 a 470 dos autos, com cópia mais legível e completa a fls. 8576 a 8595 dos mesmos, o tempo decorrido e os acontecimentos posteriores), até tendo explicado que transferia os juros, que venciam aos seis meses e no fim da aplicação, ao ano, para a sua conta no Banco Espírito Santo, tendo-se sempre renovado a aplicação até 2013 (e tendo, confrontado com as ordens de subscrição, reconhecido ter assinado as mesmas). Ora, se renovava a aplicação, fazia-o com o capital reembolsado, pois nunca declarou ter investido mais que a soma inicial. Este depoimento foi confirmado pelo de PSC, que, pese embora não tenha revelado conhecimento direto de muitos dos factos, disse, de forma assertiva, em resposta à pergunta de se os juros (do investimento) eram também aplicados que não, que apenas o capital “continuava”. Também o afirmou de forma expressa quando perguntado como se passou o investimento até 2014.
Compulsados os extratos constantes de fls. 486 a 509 (extrato tendo como data de referência 21/09/2015, relatório de performance de investimentos de 31/12/2011, de 31/12/2012 e de 31/12/2013), e 8605 a 8608 (extrato patrimonial de 30/06/2014) confirmam o que já resultava do depoimento dos recorrentes – o dinheiro dos juros, o rendimento, foi sendo levantado (transferido) e o capital de 300.000 dólares foi sendo reembolsado nas datas previstas e reinvestido na aplicação seguinte.
No caso concreto aos elementos já enunciados soma-se a circunstância de no art.  20º da impugnação da lista de credores não reconhecidos, que apresentaram (e correspondente ao art. 10º da reclamação de créditos), os recorrentes terem alegado:
“20º Sucede que, os Impugnantes apenas autorizaram a aplicação da referida importância no instrumento financeiro RIO FORTE, até 2013 (cfr. docs. 9 a 12), sendo que a última aplicação formalmente autorizada venceu-se a Fevereiro de 2014, data a partir do qual a Insolvente não poderia ter novamente aplicado, como fez, nas obrigações da RIO FORTE, ou seja em Fevereiro de 2014, a Insolvente tinha a obrigação de transferir a importância em causa para conta de depósito à ordem dos Impugnantes.”
Não tendo os recorrentes reclamado outros créditos, não tendo alegado terem feito outros depósitos para investir e reconhecendo os investimentos sucessivos (por acordo, resultando na prova do facto 5.2) e pelo uso do vocábulo “novamente”, na alegação ora transcrita, admitem ter recebido (e reinvestido) o reembolso das aplicações feitas em 2011, 2012 e 2013.
A presente impugnação, vista nesta perspetiva, roça as raias da litigância de má-fé, e só não ultrapassa as respetivas fronteiras porque os recorrentes nunca alegam não ter recebido os reembolsos e rendimentos, apenas que inexistem meios de prova que o confirmem.
Não há, assim, qualquer razão para a eliminação do ponto 5.3. da matéria de facto dada como provada, improcedendo, nesta parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
*
No tocante aos factos dados como provados sob 5.7., 5.8 e 5.9, os recorrentes defendem, quanto ao primeiro, que se trata também de matéria conclusiva e de afirmação que não se encontra suportada em nenhuma descrição factual, não são descritas as características da aplicação transmitidas aos recorrentes e que não é situada, no tempo ou no espaço de tal afirmação, quanto ao segundo que toda a prova produzida aponta em sentido contrário e quanto a 5.9., que deve ser dado por não provado e que, sendo um facto negativo, não é processualmente admissível, devendo o tribunal abster-se de emitir pronuncia probatória que seja uma formulação negativa de um, devendo antes optar pela formulação positiva.
Defendem, assim, que os factos 5.7, 5.8. e 5.9. devem ser eliminados do elenco de factos provados.
Sem conceder, entendem não ter sido produzido qualquer elemento de prova que permita concluir pela subscrição em 2014, dado que dos documentos juntos a fls. 8568 a 8572 dos autos apenas resulta a subscrição em 2011, 2012 e 2013, e uma vez que sempre foi transmitido ao recorrente ASC que se tratava de um investimento de capital garantido e sem risco, cujo levantamento pediu em 2014.
Os documentos de fls. 8568 a 8572 do processo em papel apenas se encontram subscritos pelo recorrente ASC, ao qual só foi transmitido que se tratava de investimento de capital garantido e sem risco como resulta do depoimento por este prestado, do qual resulta igualmente que anteriormente só lidara com depósitos à ordem e que não deu a ordem para a subscrição, nem em 2013, nem em 2014. O mesmo foi confirmado pelo depoimento do 4º recorrente PSC, a quem nunca foram explicadas as caraterísticas do investimento, tendo-lhe sido transmitido pelo seu pai que era um produto de capital garantido.
Por outro lado, a testemunha CBS depôs de forma parcial, subjetiva e incoerente, sendo que tem interesse direto na presente demanda, na medida em que se discute se cumpriu com o dever de informação que a Liquidanda impunha que prestasse prestar na subscrição das obrigações.
Esta testemunha contradisse-se:
- quando afirmou conhecer os recorrentes desde antes de 2011 e depois não soube precisar os perfis dos 2º, 3º e 4º recorrentes;
- quando referiu ter explicado as caraterísticas do investimento mas não se recordando se o fez em 2012 e 2013;
- por ter afirmado que, em geral, a ordem de subscrição tinha que ser sempre assinada por telefone, e se a ordem fosse dada por telefone teria que se obter a assinatura posteriormente, não sabendo porém precisar, quanto às ordens assinadas, cujas datas são anteriores à subscrição, se assim sucedeu ou não; consideram tratar-se de uma incoerência que, sendo a ordem assinada com data anterior à subscrição, seja necessário que se trate de uma confirmação de ordem telefónica, e apontando que a testemunha não soube precisar se as ordens teriam sido assinadas em data posterior à que nelas consta;
- por ter afirmado que a ordem de subscrição foi dada pelo 1º recorrente numa conversa telefónica pelo telefone do banco, que eram gravadas e que era exigida a confirmação por escrito das ordens de subscrição dadas em conversas não gravadas;
- por afirmar que quando as ordens eram dadas por telefonemas não gravados essa ordem constava sempre de documentos internos do banco, como segurança, o que não faz sentido com o facto de terem sido recolhidas as assinaturas relativas às subscrições de 2011, 2012 e 2013;
- quanto à ordem de subscrição Rio Forte em 2014, a testemunha, em relação à alegada ordem verbal pelo 1º recorrente, começou por declarar não se recordar se tinha sido dada por telefone fixo ou por telemóvel, depois declarando ter falado “do banco”, voltando seguidamente a não conseguir recordar-se se por telemóvel ou rede fixa, referindo depois que primeiro deu a ordem e depois falou com o 1º recorrente, agora já se recordando que por telemóvel e depois referindo que falou com ele em dois momentos diferentes e antes de dar a ordem de subscrição;
- a testemunha confessou que o 1º recorrente lhe ligou a pedir o reembolso depois da insolvência da Rio Forte e admitiu que já tinha feito o mesmo pedido antes, o que demonstra que o 1º recorrente desconhecia as caraterísticas da aplicação e desconhecia a aplicação efetuada em 2014;
No mais os recorrentes alegam que o tribunal não podia ter presumido a existência de um documento de subscrição das obrigações Rio Forte em 2014, como fez, sendo tal documento uma formalidade ad substantium e, logo, insubstituível por qualquer outro meio de prova. O Tribunal reconheceu que o documento não foi trazido aos autos pelo que não pode dar tal matéria como provada recorrendo “às regras da experiência”.
O recorrido defende a improcedência da impugnação deduzida, apontando que os recorrentes não colocam em causa ter dado as ordens de subscrição de 2011 a 2013 e defendendo que a matéria do ponto 5.7. não é conclusiva, bem como que a inadmissibilidade processual da prova de factos negativos não tem base legal e que o facto positivo correspondente ao facto negativo 5.9. se encontra dado como não provado sob a alínea 5 e) dos factos não provados, que não foi impugnado e se encontra definitivamente fixado.
Refere que das declarações dos próprios recorrentes resulta que os Recorrentes tinham conhecimento de que se tratava de uma aplicação num produto de uma sociedade do Grupo Espírito Santo; que sabiam que a aplicação em obrigações Rio Forte não era um depósito a prazo e o gestor de conta nunca disse que era como um depósito a prazo e que o depósito a prazo nem lhes interessava e teria uma taxa de juro menor (e efetivamente tinha, como está provado nos factos, não impugnados, LXXX a LXXXII e LXXXVI a LXXXVIII).
Alega ainda que no depoimento da testemunha CSB não existiram contradições, sendo irrelevante que a testemunha não tenha traçado o perfil dos 2º a 4º recorrentes, já que quem recebia a informação, subscrevia os investimentos e transmitia a informação aos demais era o 1º recorrente.
A decisão do tribunal está devidamente fundamentada e suportada na prova documental e na conjugação dos depoimentos de CSB e de JAC.
Apreciando:
O tribunal a quo fundamentou conjuntamente os factos 5.7., 5.8. e 5.9., nos seguintes termos:
“5.7., 5.8. e 5.9. Estes factos consideram-se provados mediante a conjugação do depoimento da testemunha CSB, que declarou ter explicado ao Impugnante ASC que a subscrição das obrigações envolvia “risco do emitente”, com o teor dos próprios documentos que titulam as subscrições anteriores, a fls. 8568 a 8572, em tudo semelhantes à que está em causa nos autos, nos quais essas mesmas explicações estão inscritas.
Efectivamente, nestes documentos é expresso que a Liquidanda é o receptor das ordens de subscrição e não o emitente e que não assume qualquer garantia do cumprimento das obrigações.
Ora, se é certo que não foi trazido ao tribunal o documento que deveria titular a subscrição em causa nos autos, a verdade é que, em face do procedimento adoptado desde 2011, no que à subscrição deste activo respeita (o qual foi claramente exposto pelo gestor de conta), e porque o mesmo referiu que, na subscrição em apreço nenhuma alteração ocorreu, salvo, eventualmente, no que à taxa de juro se refere, as regras da experiência levam-nos a concluir que, também no que respeita a esta última subscrição, a Liquidanda não assumiu, como antes nunca tinha feito, o pagamento das obrigações em causa.
No que se refere às explicações previamente prestadas sobre o produto em causa, o próprio Impugnante admitiu que o gestor de conta lhe telefonou dando conta da existência de uma nova emissão e das suas características, designadamente, explicando que a taxa de juro era inferior à praticada até então.
Também o gestor de conta declarou que, em Fevereiro de 2014, houve 1 nova emissão Rio Forte a 1 ano. Disse que telefonou com antecedência ao Impugnante a explicar o que havia, qual a taxa e o emitente – Rio Forte.
Conjugando estes elementos de prova somos levados a concluir que, também neste caso, tudo se passou como nas subscrições anteriores.”
O primeiro fundamento avançado para a incorreção do julgamento de facto quanto a estes específicos números é a alegação de que o ponto 5.7. é matéria conclusiva.
Saber se a liquidanda transmitiu ou não aos impugnantes as caraterísticas da concreta aplicação que subscreveram é, uma questão de facto. Ou a liquidanda transmitiu, ou não transmitiu. A questão de facto não se dirige às concretas caraterísticas das aplicações subscritas, mas sim à transmissão das mesmas ao 1º recorrente.
No tocante ao ponto 5.9., os recorrentes começam por alegar a inadmissibilidade processual da prova de factos negativos, referindo que o tribunal apenas haveria de dar por provado (ou não provado) o facto positivo e não assim o facto negativo.
O recorrido apontou a falta de fundamento legal da alegação e referiu que o facto positivo foi dado como não provado, sem que tenha sido objeto de impugnação.
A inadmissibilidade a que aludem os recorrentes, terá, porventura, por base o brocardo latino negativa non sunt probanda, que, porém, não tem o significado e alcance que lhe está a ser atribuído.
Como refere Luís Filipe Pereira de Sousa[51], “Com efeito, o brocardo negativa non sunt probanda tem como campo de aplicação as proposições negativas indefinidas, no sentido de que um facto ocorreu num determinado período de tempo longo, v.g. prova de não se ter assumido uma obrigação. E por esta ordem de razões que, numa ação de cumprimento, o credor não tem de provar que não recebeu a prestação (facto negativo indefinido), cabendo ao devedor demonstrar mais facilmente a execução (facto positivo). Sendo impossível provar diretamente proposição negativa indefinida, o objeto da prova transfere-se para prova de facto positivo contrário ou mediante presunções judiciais dos quais seja deduzível o facto negativo. De modo mais concreto, os factos negativos definidos devem ser provados por via presuntiva com base na demonstração de factos secundários/instrumentais dos quais se possa inferir como provável a veracidade do enunciado fáctico negativo. Por sua vez, os factos negativos indefinidos podem ser provados mediante a prova facto específico positivo contrário.”
Ou, e como refere em nota histórica Joana Maria Moreira Beirão[52] “O conceito de facto negativo não é linguisticamente impensável. Não é o facto em si, mas apenas o juízo sobre o facto que é negativo. Assim, deveria falar-se de juízo negativo sobre facto, e não sobre facto negativo Cfr. Handbuch des Beweislast, traduzido para português, pp.348-349. Curiosamente, refira-se que no direito romano sustentava-se que apenas era possível a prova de factos positivos (Negativentheorie). Quem alegasse um facto negativo não teria que prová-lo. Hoje, a prova de factos negativos é reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência. Atendendo à dificuldade da sua apreciação, o legislador evitou atribuir-lhes efeitos constitutivos do direito.”
Trata-se também de jurisprudência pacífica (nacional e internacional, aliás) como resulta, entre muitos outros dos Acs. STJ de 07/02/2008 (Urbano Dias), 22/01/2004[53] (Lucas Coelho) e Ac. Plenário do STA de 17/10/2012[54] (João António Valente Torrão).
A matéria constante de 5.9., pese embora, efetivamente, tenha sido dado como não provado um facto positivo alegado pelos recorrentes[55] aparentemente de sinal inverso a este, é útil à decisão da causa tal como configurada pelas partes, nomeadamente pelos recorrentes na sua reclamação e  na sua impugnação, por duas razões:
- o facto dado como não provado sob 5 e) dirige-se ao animus dos recorrentes ao fazer a aplicação e não às garantias de reembolso que tenham sido dadas pela liquidanda. A informação nem sempre flui de forma imediata e direta, e a forma como é percecionada pelos seus destinatários pode ser diversa ou distanciada da transmitida pelo emissor. Ou seja, o que o tribunal deu como não provado não foi que a liquidanda tivesse transmitido que garantia o reembolso do capital, mas sim que os recorrentes tivessem investido com base nesse pressuposto, verdadeiro ou falso; por sua vez o que é dado como provado em 5.9. é que o banco não deu tal garantia: não assumiu o pagamento das obrigações em caso de incumprimento ou insolvência do emitente;
- o facto dirige-se a um dos pontos que tem sido apontado pela jurisprudência nacional como um dos casos claros de responsabilidade do intermediário financeiro para com o cliente – quando o intermediário financeiro, no relacionamento contratual com o seu cliente, assume o reembolso do capital investido – Ver, entre outros, os Acs. STJ de 10/01/2013 (Tavares de Paiva); de 06/02/2014 (Granja da Fonseca); de 17/03/2016 (Maria Clara Sottomayor); e o Ac. TRL de 16/12/2021 (Nelson Borges Carneiro).
Analisemos agora se os elementos de prova produzidos permitem concluir pela prova dos factos 5.7., 5.8. e 5.9., sendo que, nessa parte, os argumentos dos recorrentes, ainda que repetidos facto a facto, são idênticos: as declarações dos recorrentes, documentos e a valoração do depoimento da testemunha CSB.
Objetivamente, recorde-se, os factos 5.7., 5.8. e 5.9., reportam-se a todas as aplicações apuradas como efetuadas pelos recorrentes: 2011. 2012, 2013 e 2014. Os recorrentes centram muitos dos seus argumentos na questão da subscrição de 2014 (que na sua perspetiva não ordenaram) mas relativamente aos investimentos de 2011 e de 2013, as declarações da testemunha CSB foram, sem dúvida, confirmadas pelas declarações do 1º recorrente. Senão vejamos:
- a testemunha referiu que deu todas as explicações sobre o produtos Rio Forte, da primeira vez, em 2011, pessoalmente, e pensando mesmo que nessa altura a ordem de subscrição foi assinada presencialmente pelo 1º recorrente; ainda assim, aquando das “renovações”, voltou a transmitir todas as informações ao cliente (lidava com ASC). Pessoalmente entregava a ficha técnica do investimento, telefonicamente transmitia as mesmas informações;
- o declarante 1º recorrente referiu que no início (na primeira aplicação) o gestor chegou a passar por sua casa e que se recorda que, decidida a aplicação, terá ido ao banco, assinou e levou o papel para casa, tendo descrito um processo com vários passos: terá tido uma conversa sozinho com o gestor, no banco, depois terá ido também a sua mulher, algumas conversas telefónicas e, consultada a família, a decisão de subscrever; o declarante sabia o prazo, o vencimento de juros, a taxa de juros fixa, que era um produto do grupo, admitiu que tal informação lhe foi transmitida pela testemunha e referiu mesmo ter visto um papel que descreveu como “maior que A4”, onde estavam as condições (batendo certo com as declarações da testemunha sobre a ficha técnica). Nas renovações declarou que o gestor lhe ligava, ele ficava a pensar, consultava a família e depois haveria um novo telefonema no qual transmitia a decisão.
Do facto de haver um primeiro telefonema e de haver sempre um compasso de espera até à decisão retira-se que nesse primeiro telefonema, como declarado pela testemunha, havia informação sobre o produto, quanto mais não fosse para confirmar as mesmas condições. O recorrente referiu, aliás, que nas conversas tidas para a última renovação (que não admitem ter ordenado) foi informado de uma alteração na taxa de juro, confirmando-se, assim, as declarações da testemunha.
Sabemos que as diligências da testemunha CSB enquanto gestor foram já para a aplicação do dinheiro (e não para a abertura de conta) porque o Sr. Liquidatário, BHG, declarou ter tratado da abertura de conta, em 2010, nos termos que explicitou.
O facto 5.7. acha-se, assim, suportado na prova produzida.
Quanto ao ponto 5.8. há que referir que o 1º recorrente, nas suas declarações foi muito claro em referir que nunca lhe foi dito, pelo gestor de conta, que as obrigações que subscrevia eram como depósitos a prazo – cfr. Assentada na ata de 29/10/2018 – aliás, a pergunta foi-lhe feita diretamente e a resposta foi assertiva.
A equivalência ou equiparação a depósito a prazo surgiu no depoimento da testemunha DN, o qual, sem revelar qualquer conhecimento direto declarou que eles (recorrentes) encaravam estas aplicações como depósitos a prazo porque eram pessoas conservadoras e nas declarações de parte de PSC, o qual, em aberta contradição com o depoimento do seu pai – que reconheceu ser a sua única fonte de informação – insistiu muito neste ponto, chegando a responder à pergunta feita pela Sra. Juiz sobre quem garantia o capital indicando ser o banco “que apresentou o produto e disse que era como se fosse um depósito a prazo.”
Assim, também o facto 5.8. se acha plenamente suportado na prova produzida.
No tocante ao ponto 5.9., porém, há evidentes divergências entre as declarações do 1º recorrente e o depoimento da testemunha CSB.
O recorrente declarou, inicialmente, e de forma espontânea que na apresentação do produto pelo gestor ele o apresentou nos seguintes termos. “Não há praticamente risco”[56], tem boas condições, o grupo é forte, o capital é garantido e tem um juro bastante melhor.
Quando a Sra. Juiz a quo inicia uma pergunta para esclarecimento da questão do risco informado, o declarante interrompe-a e declara “Ele dizia que não havia risco.”, declaração que manteve até final e introduziu no seu discurso tantas vezes quantas conseguiu, aliás, nem sempre a propósito. Por exemplo, perguntado se sabia o que eram obrigações da Rio Forte respondeu que da primeira vez sabia, mas que era tudo com o Privée, que o tinha aconselhado e lhe garantia o capital.
Aliás, nesse ponto incorreu numa óbvia contradição, dado que já tinha declarado que nas renovações sabia que as condições se mantinham, o que deixa por explicar como “deixou de saber” que eram obrigações Rio Forte.
O que o declarante referiu quanto à garantia foi que o Banco Privée garantia o capital, distinguindo-o sempre do BES, sem, porém, nunca concretizar tal garantia. Do demais transmitido como tendo sido referido pelo gestor ressalta sempre a referência de que o grupo é forte, referindo-se ao Grupo GES.
Ora neste ponto há um contacto com o depoimento da testemunha, que negou de forma serena e assertiva ter alguma vez transmitido que o capital era garantido pela liquidanda, referindo ter explicado o risco do emitente e que se tratava de um risco do Grupo Espírito Santo.
O facto de este se tratar de um produto de obrigações simples (declarações de JAC), que não dependiam de qualquer fator que não o decurso do tempo para a respetiva rentabilidade e em que a taxa de juro era fixa[57], fazia dele um produto que, salvo o risco de incumprimento ou insolvência do emitente, garantia (não no sentido jurídico) sempre o reembolso do capital, por oposição a outros investimentos em instrumentos financeiros em que o capital investido podia depreciar.
A explicação desta circunstância pode ter gerado a convicção do 1º recorrente de garantia do capital, já não explicando, porém, porquê especificamente garantia da liquidanda, mais a mais sem qualquer rasto escrito.
As declarações de parte dos recorrentes, mesmo com o devido desconto por se tratarem dos intervenientes mais interessados no procedimento da impugnação, apresentaram várias incongruências e contradições que não permitem ao tribunal concordar com a proposta dos recorrentes de que são suficientes para basear alterações das conclusões do tribunal quanto à matéria de facto provada e não provada.
Quanto ao primeiro recorrente já se apontou que não se encontra explicação para ter perdido a noção de que investia em produtos Rio Forte após a primeira aplicação, nomeadamente quando lhe era dito (palavras suas) que as condições dos subsequentes eram as mesmas e recebendo extratos (fls. 8605 e ss.), como aliás reconheceu, nos quais constava claramente a designação da carteira de títulos Rio Forte Investments Sa EMTN.
Há uma circunstância do seu depoimento que impressiona muito desfavoravelmente: o facto de ter declarado e mantido, mesmo perguntado diretamente sobre se havia feito outras aplicações anteriormente e se tinha tido conta no Privée Suiça, que não e que só tinha tido, toda a vida, contas à ordem e só no BES.
Se tal declaração, isolada, surgia pouco credível, dado o património aqui conhecido, ela surgiu desmentida pela demais prova produzida.
- desde logo pela testemunha DN, que descreveu, nesse ponto com conhecimento direto e com riqueza de pormenores muito convincente uma operação que havia feito no BES (onde havia sido gestor de conta da empresa de que os recorrentes eram sócios), onde aconselhou a que na empresa dos recorrentes, substituíssem os suprimentos por capital alheio, abrindo uma conta caucionada e tendo feito o 1º recorrente, pessoalmente, uma aplicação, descrita como segura (assur finance, a 8 anos e um dia) para servir de garantia (penhor financeiro);
- pelas declarações do recorrente PSC que admitiu já terem tido uma conta no estrangeiro, embora referindo que “era novo”, não se recorda bem;
- pelo depoimento de CSB que referiu que, antes de 2011, já conhecia ASC e PSC por lhe terem sido apresentados pelo então respetivo gestor de conta no Privée Suíça (que identificou, NPP), onde tinham conta e onde a testemunha trabalhou antes de 2011 (6 anos);
- pelas declarações de BHG que declarou ter tratado pessoalmente da abertura da conta na sucursal liquidanda e que a mesma  foi tratada no âmbito de um plano de regularização extraordinária[58] tendo a conta sido aberta para pagar o imposto e para receber o património (o que veio a suceder com a transferência do Privée Suíça para a conta da liquidanda dos 300.000 dólares) dos recorrentes;
- tudo conjugado com as declarações de CSB de que na Suíça não havia depósitos a prazo.
Podemos compreender que quem é interessado ouça o que quer ouvir e se lembre apenas do que lhe é mais favorável. É humano e é uma das circunstâncias que tornam o apuramento de prova com base em depoimentos um exercício tão exigente. Mas neste caso o declarante esqueceu demais, numa clara tentativa de impressionar o tribunal como investidor sem qualquer experiência ou conhecimentos.
Os recorrentes imputam à testemunha interesse direto na presente demanda, na medida em que “se discute exactamente se cumpriu com o dever de informação que impunha a Liquidanda”.
Interesse direto na demanda, obviamente, têm os recorrentes. Fizeram um pedido ao tribunal e querem que ele seja procedente. Já a testemunha, que já nem sequer trabalha para a liquidanda, não tem qualquer interesse direto na demanda, dado que da sua procedência, procedência parcial ou improcedência não resulta para si qualquer desvantagem ou vantagem, patrimonial ou não patrimonial. Se, por hipótese, se apurar que a testemunha não cumpriu os deveres de informação para com os recorrentes, fazendo recair sobre a liquidanda responsabilidade, ainda assim, nesta verificação e graduação de créditos, não sofrerá qualquer consequência (hipotizando, porque o apuramento de uma violação do dever de informação não será suficiente, por si só, para a responsabilização da liquidanda).
Por outro lado, o tribunal, tendo procedido à integral audição dos depoimentos e declarações não logrou surpreender no depoimento de CSB as falhas, parcialidade, incongruências e contradições apontadas pelos recorrentes.
- não há qualquer contradição no facto, objetivamente declarado de a testemunha conhecer todos os recorrentes, O Sr. ASC, com quem lidava (facto que este confirmou), mas não ter sabido traçar o perfil de investidor dos 2º, 3º e 4º recorrentes. Na verdade, como declarou, o decisor era o 1º recorrente, de quem traçou o perfil (referiu mesmo que o dinheiro “era do pai”);
- a testemunha declarou ter explicado as caraterísticas do investimento em todas as renovações (maturidade, emitente, taxa de juros, etc), apenas não se recordando se em 2012 e 2013 voltou a referir que o risco era do emitente e não do banco, como afirmou ter dito expressamente quando apresentou o produto para a subscrição de 2011;
- prestou um depoimento muito claro e coerente quanto à questão da recolha de assinatura nas ordens de investimento autorizadas por telefone: declarou que na primeira subscrição quase de certeza foi assinada presencialmente (sendo também essa a noção do declarante ASC) e que as demais terão sido por telefone (mais uma vez confirmado pelo 1º recorrente), sendo a assinatura recolhida depois, tanto o podendo ser antes como depois de a ordem ter sido executada. Relatou mesmo que, em relação à ordem de 2013, só recolheu a assinatura 6 a 8 meses depois da execução, com a aplicação a decorrer, não conseguindo precisar a data de recolha da de 2012, nem se foi recolhida antes ou depois da execução da ordem;
- a testemunha não afirmou ter recebido autorização do 1º recorrente para efetuar a subscrição de 2014 numa conversa telefónica pelo telefone do banco que eram gravadas; a testemunha declarou que a conversa telefónica com o 1º recorrente no decurso da qual obteve a autorização foi tida do telemóvel do banco, e que antes tinha tentado ligar do telefone fixo do banco não conseguindo. Disse expressamente que as conversas no telemóvel, mesmo do telemóvel do banco, não eram gravadas, só as da linha fixa. Depois esclareceu que quando fez o telefonema estava fisicamente no banco, mas voltando a reafirmar que o fez do telemóvel do banco e não da linha fixa; não há assim nenhuma contradição na exigência de referência escrita da ordem obtida num telefonema não gravado;
- não há qualquer incongruência na política do banco de fazer sempre constar de um documento interno as ordens recebidas em telefonemas não guardados para segurança do próprio banco e de serem ainda assim recolhidas as assinaturas dos investidores no documento de ordem – como foi feito nas ordens de 2012 e 2013 (testemunha e declarante negaram tal quanto a 2011); o documento interno é para segurança e controlo internos e a assinatura do cliente confirma com efeitos externos que a ordem foi dada; tal aliás confere com as declarações de BHG de que, antes da falência nunca aconteceu, apesar do sistema seguido (de considerarem válidas e executarem ordens por telefone antes de assinadas) clientes a reclamarem por não terem dado uma ordem de subscrição e que, mesmo depois da falência, muitos ainda confirmaram ordens não previamente assinada, tendo sido poucos os que não confirmaram;
- é uma clara deturpação das declarações da testemunha a alegação de que a testemunha declarou não se recordar se a ordem de subscrição Rio Forte em 2014 lhe tinha sido dada por telefone fixo ou telemóvel, dado que o que a testemunha declarou foi que houve dois telefonemas e que o primeiro, cerca de um mês antes não se recordava se havia sido do telefone fixo ou do telemóvel, mas que o segundo se recordava ter sido do telemóvel do banco, que estava fisicamente no banco mas não usou o fixo, factualidade que confirmou várias vezes, a instâncias do Ilustre Mandatário dos recorrentes;
- o facto de o recorrente ter pedido o levantamento ou reembolso depois da falência da Rio Forte não demonstra que o recorrente desconhecia a aplicação de 2014 e suas caraterísticas – demonstra sim que sabia que a falência da Rio Forte atingia diretamente o seu património, que queria de volta; refira-se, neste particular, que as testemunhas não confessam factos, apenas as partes o podendo fazer;
No tocante ao depoimento da testemunha CSB, o tribunal recorrido explicitou as razões da sua convicção:
“A Liquidanda apresentou a testemunha CSB, que foi seu funcionário e da Banque Privée Espírito Santo, na Suíça.
A testemunha declarou conhecer os Impugnantes MLSC, SSC e PSC desde Março de 2011, quando começou a acompanhá-los como gestor da conta aberta na Sucursal Liquidanda, no Porto.
Em virtude das funções desempenhadas, a testemunha revelou conhecimento directo sobre os termos em que decorreu a relação bancária entre Impugnantes e Liquidanda, concretamente, no que se refere à apresentação da oferta e à escolha dos concretos investimentos, em especial o invocado na impugnação.
Explicou também a oferta do banco, as características mais relevantes das obrigações subscritas e o conhecimento que possuía, à data, sobre a emitente e o Grupo Espírito Santo.”
Bem como as razões de ter valorizado o depoimento da testemunha:
“Tendo em consideração a divergência entre as declarações do Impugnante e o depoimento da testemunha o tribunal entende que deve ser relevado este último em detrimento daquele.
Efectivamente, de um lado, temos uma parte interessada e directamente beneficiada e, de outro, uma parte desinteressada e sem ligação com a Liquidanda, com a qual cessou a relação laboral em Março/Abril de 2014.”
Aqui chegados, o juízo do tribunal é de confirmar, designadamente porque não só não se verifica qualquer das circunstâncias alegadas para abalar a credibilidade da testemunha CSB, como se verificam circunstâncias das declarações dos recorrentes que abalam a respetiva credibilidade.
*
No tocante ao facto 5.11. os recorrentes começam por alegar que se trata de matéria manifestamente conclusiva e que, ainda assim não fosse o tribunal admite não ter prova direta sobre a matéria, por ter citado apenas o depoimento de JAC, que nada referiu a este respeito.
O depoimento do 1º recorrente foi claro no sentido de que o que lhe foi transmitido pelo gestor de conta foi que se tratava de uma aplicação com capital garantido e sem riscos, ou seja, não foi informado das suas caraterísticas.
Entende que este ponto deve, assim, ser eliminado da factualidade assente.
O recorrido agregou a resposta quanto a este concreto ponto à argumentação aduzida quanto a 5.7. a 5.9., acrescentando não se tratar de matéria conclusiva.
O tribunal recorrido fundamentou pela seguinte forma a sua convicção quanto à prova deste facto:
“Provado com base no depoimento de CSB, que confirmou ter entregue ao cliente um “pack” com informação, designadamente, sobre o emitente.
Também resulta das explicações prestadas por JAC, já referidas, sobre os procedimentos norma seguidos pelos gestores de conta da Sucursal.”
Começaremos por referir que, mais uma vez, não estamos ante matéria conclusiva. O facto objeto de instrução é de se o gestor de conta transmitiu ao recorrente a identidade do emitente. Trata-se de um facto, sem qualquer dúvida.
E a prova produzida confirma o facto:
- foi expressamente referido pela testemunha CSB (e o tribunal referiu isso mesmo no primeiro parágrafo da respetiva fundamentação);
- foi expressamente admitido pelo 1º recorrente que à pergunta de se sabia que se tratavam de obrigações Rio Forte respondeu que sim, acrescentando não saber o que era mas tendo referido, várias vezes, que lhe foi dito que o Grupo era forte como argumento de subscrição (o que só faz sentido se a Rio Forte fizesse parte do grupo).
*
No tocante a 5.12.[59] os recorrentes entendem não poder o facto ser dado como provado porque não foi produzida qualquer prova de que algum dos recorrentes tenha dado a ordem da subscrição em 2014, inexistindo qualquer documento, estando apenas comprovada a subscrição abusivamente efetuada pela liquidanda, como se comprova pelos depoimentos dos 1º e 4º recorrentes, pelo contrato de abertura de conta e pelas ordens de subscrição de 2011, 2012 e 2013, que comprovam serem as únicas assinadas pelo 1º recorrente e só por este, qualificado como investidor não profissional e pela decisão da CMVM de fls. 481 e 482.
O 1º recorrente negou ter dado a autorização e o próprio depoimento de CSB, ao admitir que o 1º recorrente lhe ligou a pedir o levantamento da quantia após a falência da Rio Forte demonstra que ele pensava que podia levantar o dinheiro.
Alega também que do depoimento do Sr. Liquidatário resultou também que a ordem de subscrição teria que ser dada por escrito ou por telefone com chamada gravada e posteriormente por escrito.
Defende que a forma para a subscrição de tais obrigações tem de estar suportada num documento escrito que ateste e se assim não se entender, pelo menos na gravação telefónica, caso tenha sido verbal, traduzindo-se numa formalidade ad substantiam, ou seja que não admite outro meio de prova.
O recorrido pede a improcedência desta parte da impugnação, referindo ser incontestado que os recorrentes são titulares das obrigações e que estas foram subscritas em nome daqueles, tanto assim que reclamaram créditos na falência da Rio Forte. Trata-se de matéria distinta da alegação de que a subscrição ocorreu de forma abusiva.
No tocante ao facto dado como provado sob 5.13.  os recorrentes apontam que foi negado pelo 1º recorrente, voltam a referir o depoimento do 4º recorrente, e referem as mesmas contradições e incongruências no depoimento de CSB já por si alegadas para afastar a sua credibilidade, voltando também a alegar que, do depoimento do Sr. Liquidatário, resultou também que a ordem de subscrição teria que ser dada por escrito ou por telefone com chamada gravada e posteriormente por escrito.
O recorrido alega que a prova foi devidamente sopesada pelo tribunal recorrido, que valorou o depoimento de CSB, o qual afirmou ter recebido a ordem de subscrição e que não é verosímil que, achando os recorrentes que a qualquer momento podiam dispor do capital, tivessem decidido deixar o dinheiro à ordem.
Entende que, pelas mesmas razões, deve manter-se a decisão recorrida quanto ao facto dado como provado sob 5.13 e quanto ao facto dado como não provado sob 5 f).
Dado que a motivação da impugnação dos factos 5.12. e 5.13. é, no essencial, coincidente[60], apreciaremos estes dois pontos em conjunto
O tribunal recorrido declarou as seguintes razões para a sua convicção quanto ao facto 5.12:
“A titularidade dos títulos retira-se da análise do extracto patrimonial por referência à data de 21.9.2015, junto a fls. 486 e ss., no qual está inscrito na conta 850529.01, obrigações em USD, no valor de 300.000.00, com a descrição “4,25% Rio Forte Investments SA EMTN SR-217 2014/27.02.2015 (23837501)”.
Resulta também do Relatório de Performance junto pelos Impugnantes a fls. 503 e ss., concretamente de fls. 6, onde consta a expressa menção à data-valor de 28.2.2014.”
No tocante aos fundamentos para a prova de 5.13., o tribunal elaborou uma fundamentação conjunta com a fundamentação da não prova dos factos 5 f) e 5 g), nos seguintes moldes:
“5.13. Para a prova deste facto o Tribunal louva-se no depoimento da testemunha CSB detalhado na fundamentação dos factos não provados 5 f) e 5 g), para a qual se remete.
(…)
5 f) e 5 g) O Tribunal considera que relativamente a estes factos não foi apresentada prova suficiente para os corroborar.
Efectivamente, ouvido em declarações, o Impugnante ASC disse que em 2013 o gestor de conta lhe telefonou com cerca de um mês de antecedência (relativamente à data de vencimento da aplicação realizada) e disse que essa aplicação terminava, que o dinheiro ia ficar na conta à ordem e, por isso, deveria dar-lhe indicações sobre o que fazer ao dinheiro. Mais tarde informou que a aplicação ia continuar, mas com juro um pouco inferior, perguntando-lhe se queria subscrever ou não porque o prazo para a subscrição estava a acabar. Posteriormente, ligou a dizer que faltavam 2h para fechar o prazo de subscrição. O Impugnante disse que não aceitava as novas condições e pôs termo à subscrição.
O gestor de conta apresentou uma versão dos acontecimentos diversa.
Declarou que em Fevereiro de 2014 houve 1 nova emissão Rio Forte a 1 ano.
Num primeiro momento disse que telefonou com antecedência ao Impugnante a explicar o que havia, qual a taxa e o emitente – Rio Forte. Mais tarde referiu não ter certeza se telefonou ou esteve com ele pessoalmente e, como sempre, levou uma ficha técnica com as características da emissão que deixou para ele decidir se queria subscrever ou não.
Mas a testemunha não teve dúvidas em afirmar que, posteriormente a esse primeiro contacto, telefonou ao Impugnante ASC para obter a autorização deste para a subscrição no dia em que havia a emissão e nesse último telefonema foi dada a ordem para subscrever a aplicação, o que fez.
Relativamente ao facto de o impresso não estar assinado, disse que no fim de Março, início de Abril desse ano regressou à Suíça (à Banque Privée Espirito Santo, S.A.). A colega que o substituiu devia contactar o cliente para assinar a ficha de subscrição, desconhecendo o que aconteceu.
Ora, esta versão é consentânea com o descrito pelo Impugnante, na medida em que este admitiu ter sido contactado pela testemunha e nesse contacto lhe terem sido explicadas as condições da nova subscrição.
Já não assim no que se refere à existência de um novo contacto em que foi dada a ordem de subscrição.
Porém, em face da contradição entre as declarações do Impugnante e o depoimento da testemunha o tribunal entende que deve ser relevado este último em detrimento daquele, pelos motivos já antes expostos e para os quais aqui se remete.
Acresce que a renovação da aplicação faz sentido no contexto da relação bancária estabelecida entre os Impugnantes e a Liquidanda, junto da qual sempre tiveram aquele mesmo investimento, que renovaram sucessivamente, obtendo os rendimentos acordados.
Diga-se ainda, que não foi apresentada qualquer razão que permita enquadrar a alegada decisão de cessar o investimento, apenas tendo sido referido que, em face da taxa de juro mais baixa oferecida naquela emissão, os Impugnantes não pretenderam renovar, o que, atenta a diferença em causa (0,75%) e as taxas de juro praticadas à data, designadamente, para depósitos a prazo (ainda mais baixas), não se considera relevante, desde logo por ausência de uma melhor alternativa.
Finalmente, cumpre referir que, quanto a nós, a inexistência de um documento de subscrição assinado em nada invalida este raciocínio.
Quanto à necessidade de documento escrito para prova da ordem de subscrição, tem sido defendido pelos tribunais superiores que podem ser dadas ordens oralmente, sem prejuízo do dever de o intermediário financeiro proceder à sua redução a escrito, sendo que a inobservância da exigência de redução a escrito da ordem verbal não acarreta a nulidade da ordem, que pode ser provada por quaisquer meios probatórios legalmente admissíveis, incluindo, por testemunhas. Neste sentido o Ac. STJ de 15.11.2007, P.07B3093 e o Ac. TRL 6.3.2014, P. 518/12.2TVLSB.L1-2.”
Pese embora se compreenda a linearidade do raciocínio dos recorrentes – na sua alegação, se não deram a ordem de subscrição não são titulares – na realidade, a questão da ordem de subscrição e a questão da titularidade das obrigações (“4,25% Rio Forte Investments SA EMTN SR-217 2014/27.02.2015 (23837501)”, subscritas com data-valor de 28.2.2014 e com data de vencimento de 27.2.2015, no valor de USD 300.000,00), são matérias diversas.
Aliás a formulação dada pelo tribunal aos dois factos (5.12. e 5.13.) foi claramente neutra quanto ao primeiro.
Claramente os recorrentes são titulares destas obrigações. Tal resulta, como referido pelo tribunal, dos documentos de fls. 486 e ss. (extrato patrimonial de 21.9.2015) e de fls. 503 e ss. (Relatório de Performance com data-valor de 28.2.2014). E por o serem, podem e devem exercer todos os direitos correspondentes, nomeadamente o de reclamar créditos – estão a tentar reaver os seus créditos – sem que isso implique qualquer tipo de reconhecimento ou admissão quanto à autoria da ordem de subscrição. A prova quanto à ordem de subscrição é autónoma e foi apreciada de forma autónoma pelo tribunal, quanto a nós de forma correta.
Assim perspetivado, os recorrentes não alegaram quaisquer fundamentos para a não prova de 5.12. que não seja reconduzível aos fundamentos por si alegados e que, no seu entender implicam a não prova de 5.13., de que passaremos a conhecer.
Já acima esclarecemos e damos aqui por reproduzidas, as razões pelas quais se afigura correta a valoração efetuada pelo tribunal recorrido quanto ao depoimento da testemunha CSB e quanto às declarações do 1º recorrente.
Os demais depoimentos invocados – as declarações de parte do 4º recorrente e as declarações de parte do Sr. Liquidatário – não revelaram conhecimento direto sobre os factos, que só os dois anteriormente referidos, CSB e o 1º recorrente demonstraram.
O depoimento do sr. Liquidatário, neste particular, teve, porém, a vantagem de esclarecer quais as regras vigentes no banco – ordens por escrito, ordens por telefone gravadas ou documentadas com obrigação de recolha posterior da assinatura do cliente – e que nem sempre elas eram seguidas à risca. A equipe era pequena, andava muito por fora, pelo que usavam os telemóveis. Mesmo no banco, quando poderiam e deveriam usar a linha fixa (cujas chamadas eram gravadas) muitas vezes, por facilidade, ligavam dos telemóveis, onde tinham gravados os contactos. Descreveu o clima de grande confiança entre clientes e gestores que apontou como justificando a inexistência de reclamações, até à falência, apesar de um grande número de ordens ser dada por telefone, e que mesmo depois não terá tido expressão. Foi perentório em afirmar que as instruções dadas por telefone, se consideravam válidas.
Este tribunal, da conjugação dos depoimentos, ficou convencido de que as regras eram, em princípio cumpridas, mas que, como então se afigurava adequado ao mercado em causa e ao clima de confiança do private banking, seria muito frequente que as ordens fossem aceites ou transmitidas por telefone e só mais tarde confirmadas por escrito (depois de executadas). Seria um procedimento normal que, no caso concreto, se viu interrompido pela saída da testemunha, o gestor de conta dos recorrentes, para a Suíça, não vindo a assinatura a ser recolhida.
Tal como o tribunal recorrido, também a nós se afigura muito mais credível a versão da testemunha do que a versão do 1º recorrente, pelas razões já acima indicadas (na fundamentação quanto a 5.9 e 5.9) mas também porque a renovação da aplicação faz todo o sentido no desenvolvimento da relação entre a liquidanda e os recorrentes e porque, como aponta o recorrido, carece de sentido deixar o dinheiro à ordem – na versão do 1º recorrente, quando transferiram a quantia relativa ao pagamento do cupão da aplicação terminada em Fevereiro de 2014, em 12/03/14 (declarações do sr. Liquidatário, com base no extrato de conta dos recorrentes). Ao transferir apenas os “juros”, em março de 2014, os recorrentes fizeram o procedimento habitual e consentâneo com o facto de o capital ter sido reinvestido.
Pese embora a questão da natureza da formalidade da ordem seja uma questão de direito – cfr. art. 327º do CVM – dada a invocação da sua natureza ad substantium, o que vedaria ao tribunal recorrido a valoração de outros meios de prova que não outro documento de força probatória superior, nos termos do nº1 do art. 364º do Código Civil, teremos que nos pronunciar sobre ela na presente sede, a fim de concluir pela possibilidade de valorar os meios de prova produzidos – essencialmente documentos particulares, prova testemunhal e por declarações não confessórias.
Além do mais, embora não alegado em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto[61], mesmo que se conclua tratar-se apenas de formalidade ad probationem, teríamos a considerar um regime estrito de admissibilidade de meios de prova, tal como resulta do nº2 do art. 364º do CC e 393º do mesmo diploma, o que releva para a apreciação que vimos fazendo.
Estabelece o art. 327º do CVM, sempre na versão aplicável:
«Forma
1 - As ordens podem ser dadas oralmente ou por escrito.
2 - As ordens dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito pelo receptor e, se presenciais, subscritas pelo ordenador.
3 - O intermediário financeiro pode substituir a redução a escrito das ordens pelo mapa de inserção das ofertas no sistema de negociação, desde que fique garantido o registo dos elementos mencionados no artigo 7.º do Regulamento (CE) n.º 1287/2006, da Comissão, de 10 de Agosto.»
Contrariamente ao que referem os recorrentes, a forma escrita e a redução a escrito das ordens orais não são consideradas, nem pela jurisprudência[62], nem pela doutrina[63], formalidades ad substantium, não sendo, assim, aplicável o regime do nº1 do art. 364º do Código Civil.
A questão que tem sido discutida respeita tão somente ao seu carater ad probationem como nos elucida Lina Aurora Ramada e Castro Bettencourt Baptista[64]: “Diversamente, no que respeita às ordens concretas, estas podem ser dadas oralmente ou por escrito, tendo em conta que a agilidade e rapidez são valores essenciais no mercado.
No entanto, no art. 327.º, n.º 2, do CVM fixa-se uma obrigação de redução das mesmas a escrito pelo receptor[65]63. No que respeita à razão de ser desta obrigação de redução a escrito, defendia-se, até há pouco tempo, na jurisprudência estarmos em presença de uma formalidade ad probationem[66]64. Surgiu recentemente uma nova tese, em nosso entendimento mais consentânea com a realidade jurídica e fáctica, no Ac. da Rel. de Lisboa de 03/05/11[67]65 no sentido de que "O registo da ordem dada pelo ordenador tem uma função de salvaguarda dos próprios interesses do intermediário financeiro e da sua responsabilidade perante o cliente, e perante terceiros, e não de formalidade ad probationem." Ou seja, consideramos que a não sujeição a escrito da ordem por parte do intermediário não contende com a validade da ordem dada, sujeitando "apenas" este às consequências sancionatórias constantes do art. 397.º, n.º 2, alínea e), do CVM.”
O Supremo Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se sobre a questão já afirmou no Ac. de 15/11/2007 (Santos Bernardino) que “A exigência do registo, escrito ou fonográfico, da ordem de bolsa está ligada aos princípios da transparência e da confiança, essenciais a todo o tráfico mercantil, e visa permitir o confronto, se tal se mostrar necessário, entre a ordem e os termos da sua execução, para proteção dos interesses do intermediário, do ordenador e de terceiros, e garantir a transparência e correto funcionamento do mercado; não se trata de formalidade ad probationem de emissão da ordem, sujeita ao regime do art. 393º, nº 1, do CC”.”, posição reafirmada no acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 07/06/2018 (Abrantes Geraldes), com extensas citações de doutrina.
Paulo Câmara[68] defende que a exigência de forma escrita deve ser tida como forma ad probationem, apontando como fundamento para a sua posição a “circunstância de a ordem ser precedida de contrato de intermediação financeira celebrado de forma escrita (art. 321º, nº1 CVM).”
Como já referimos supra, a ordem, regulada nos arts. 325º e ss. do CVM,  é um negócio jurídico unilateral[69] de execução de um negócio jurídico de cobertura (o contrato de transmissão e execução de ordens), ou contrato quadro.
O referido contrato quadro pode, de facto, ser um contrato de intermediação financeira, mas também pode, como na situação dos recorrentes, ser um contrato de abertura de conta com uma conta de instrumentos financeiros associada ou outro contrato ou negócio de cobertura[70]. Essa a razão pela qual o art. 321º do CVM nos não parece um argumento que valha por si.
O próprio Paulo Câmara, aliás, logo de seguida à citação anterior adianta algumas das razões que nos levam a pensar que esta não é uma formalidade ad probationem: “Por outro lado, em termos sistemáticos, o direito mobiliário revela-se avesso a nulidades formais absolutas por preterição de requisitos formais. Como ilustração central, o próprio art. 321, nº 1 CVM declara que as nulidades formais relativas a contratos de intermediação financeira apenas podem ser alegadas pelo investidor: Por outro lado, na mecânica de tratamento de ordens é o intermediário financeiro que tem o dever de reduzir a escrito a ordem – essa, aliás, uma da providências (embora não a única) destinada a comprovar o momento da sua receção (art. 325º, alínea b)). Se o não fizer, o intermediário financeiro atua ilicitamente e sujeita-se a consequências sancionatórias (art. 397º, nº 2 e)) – mas daí não pode resultar a nulidade da ordem. Entender o contrário – como tem persistido alguma da nossa jurisprudência superior - equivale a não compreender os valores essenciais (proteção confiança do cliente, finalidade dos registos e arquivos) em que repousa e sistema jurídico-mobiliário.”
É, de facto, esta aversão sistemática a nulidades formais, pouco compatíveis com a natureza e funções do direito mobiliário que, a nosso ver, justificam que a violação da regra, tendo consequência sancionatórias, como referido não tenha outras consequências (sujeitando-se os intermediários à dificuldade de prova da receção de ordens sem rasto escrito).
Podemos citar no sentido defendido, A. Barreto Menezes Cordeiro[71], bem como os Acs. TRL de 06/03/14 (Ezagüy Martins) e TRP de 10/07/2013 (Manuel Domingos Fernandes).
Não nos afastamos da doutrina e jurisprudência dominantes, considerando também nós que a exigência de registo, escrito ou fonográfico, da ordem de bolsa não constitui uma formalidade ad probationem, pelo que as regras de obtenção de prova foram respeitadas, sem que tenha ocorrido violação de qualquer norma imperativa.
Em conclusão final, não procede qualquer dos argumentos dos recorrentes quanto aos pontos 5.12. e 5.13. da matéria de facto provada, que assim permanecerão inalterados.
*
Passando à análise da impugnação relativa ao facto 5.14. os recorrentes defendem que se trata de matéria conclusiva e, no mais insurgem-se contra o facto de a redação ser plural dado que não admitem ter subscrito quaisquer obrigações em 2014.
O recorrido aponta que a matéria foi confessada por ambos os recorrentes que prestaram declarações.
O tribunal recorrido fundamentou a prova deste facto com os seguintes argumentos: “5.14. Facto assente com base na confissão resultante das declarações dos Impugnantes ASC e PSC, os quais admitiram que, quer a taxa de juro, quer a data de vencimento era conhecida quando o investimento era feito, sabiam quando terminava aquele investimento e sabiam qual era o juro que tinha que ser pago no final.”
Mais uma vez devemos referir que não se trata de matéria conclusiva. Por um lado, as caraterísticas das aplicações estão definidas e balizadas no tempo e no espaço nos documentos – nas ordens de 2011 a 2013 e nos extratos e relatórios de performance e, por outro, tratou-se como referiu o tribunal na sua fundamentação, de matéria de facto expressamente confessada quanto às ordens de 2011 a 2013 – cfr. Assentadas das atas de 29/10/2018 e de 31/10/2018 – sem qualquer reclamação.
No tocante às obrigações subscritas em 2014, tratando-se do mesmo tipo de produto, e constando dos documentos (extrato de 2015 e relatório de performance de 2014) tais caraterísticas, a decisão do tribunal não merece qualquer censura.
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Quanto à impugnação da matéria de facto relativa ao ponto 5.15. os recorrentes voltam a defender que se trata de matéria conclusiva, dado que não se identificam as obrigações em causa, não se individualizam os Impugnantes a que se reporta e faz referência a conversas por telefone que não circunscreve no modo, tempo e lugar, pelo que, conclui, deve ser dada por não escrita.
No mais alegam a inexistência de elementos probatórios que suportem a prova deste ponto, voltando a realçar o depoimento do 1º recorrente e a informação de que aplicação em causa era de capital garantido e sem riscos bem como a não subscrição de obrigações de 2014 e a incoerência e contradições do depoimento de CSB.
O recorrido aglutinou a sua pronúncia com a que efetuou sobre a impugnação de 5.14. e pediu a improcedência da impugnação.
O tribunal fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
“5.15. Resulta do depoimento do gestor de conta, conjugado com as declarações dos Impugnantes ASC e PSC, na medida em que confirmaram ter conhecimento deste facto e ter recebido as ordens de subscrição que foram dadas, com os documentos de fls. 8568 a 8572 (que titulam as ordens de subscrição).”
A matéria dada como provada é matéria de facto. Os recorrentes confundem factos provados com os respetivos meios de prova, sendo que os primeiros devem constar no elenco de factos provados (se forem essenciais), podendo aí constar (se forem complementares ou instrumentais) e os segundos devem ser enumerados e criticamente analisados na motivação da decisão de facto.
Face à motivação dos recorrentes é relevante lembrar que o ponto 5.15. tem como teor “5.15. As datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios foram transmitidas aos Impugnantes verbalmente e também mediante o documento denominado “Execução de Ordem sobre Instrumento financeiro”., sem qualquer referência a garantia de reembolso fosse de que entidade fosse e sem qualquer menção à subscrição de obrigações em 2014.
O 1º recorrente confirmou esta matéria (tal como o 4º recorrente), mesmo quanto às obrigações subscritas em 2014, que, na sua versão não subscreveu, declarou ter sido informado do prazo e da taxa de juros (que se recordava ser mais baixa que nas obrigações anteriores).
Os factos apurados não estão todos ligados à garantia do reembolso de capital e a quem deu a ordem de subscrição das obrigações de 2014.
Os recorrentes não podem deduzir da sua própria alegação que toda a informação prestada foi incorreta, quando, neste particular, confessaram tal matéria.
A impugnação deduzida quanto ao facto 5.15. é, assim, integralmente improcedente.
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Os recorrentes pedem a alteração do ponto 5.18 da matéria de facto provada de forma a que passe a constar:
“5.18 O 1º Impugnante recebeu os extractos anuais relativos à subscrição das obrigações Rio Forte de 2011, 2012 e 2013”.
Alegam que se trata de matéria conclusiva – por não identificar os investimentos nem os situar cronologicamente, e que não está devidamente suportada pelos meios de prova indicados pelo tribunal.
No mais voltam a alegar que, não tendo subscrito as obrigações emitidas em 2014, é errado afirmar que receberam os respetivos extratos. Referem que os extratos eram anuais, como resulta dos documentos que juntaram com a sua impugnação, e que eram dirigidos apenas ao 1º recorrente, não havendo prova de que fosse enviado aos demais recorrentes. O contrato de abertura de conta não tem qualquer ponto 14.6, mas ainda que assim não fosse, a cláusula nunca demonstraria o cumprimento da obrigação prevista.
O depoimento de JAC foi genérico e não resulta que os extratos mensais tivessem sido concretamente enviados aos recorrentes.
O recorrido pede que seja mantida a redação dada ao ponto 5.18., enumerando que a receção dos extratos está suportada em vários meios de prova: o contrato de abertura de conta e a cláusula 14.6, conjugado com os extratos de fls. 486 a 509 e 8605 a 8608 dos autos; as próprias declarações dos recorrentes, ASC e PSC, que o admitiram; o depoimento de CSB que confirmou e o depoimento de JAC que explicou o sistema funcional de envio dos extratos.
Foi a seguinte a fundamentação da decisão recorrida quanto à matéria dada como provada sob 5.18:
“5.18. Provado tendo em consideração o que resulta do contrato de conta celebrado, concretamente, cláusula 14.6, conjugados com o documento de fls. 486 a 509 e 8605 a 8608, que constituem, precisamente, extractos da conta aberta pelos Impugnantes.
Foi também considerada a explicação prestada por JAC, o qual explicou que mensalmente era gerado (no início do mês) e enviado via postal ou por e-mail (aos clientes que assim o pretendiam), um extracto com os movimentos associados à conta, normalmente recebidos até ao dia 10 do mês em causa, e trimestralmente um extracto de performance.
O gestor de conta CSB explicou que os Impugnantes recebiam mensalmente um extracto de movimentos da conta e um extracto patrimonial.
Finalmente, foram atendidas as declarações dos Impugnantes ASC e PSC, que admitiram que à sua posse chegaram as ordens de subscrição e extractos.”
Os recorrentes, apesar de pedirem a alteração do ponto 5.18., pedem também seja o mesmo dado por não escrito, por ser conclusivo. No entanto o ponto, embora genérico, não é conclusivo: da demais matéria provada resultam identificados e balizados no tempo os investimentos a que se refere, não sendo criticável a formulação, por facilmente percetível no contexto.
Pretendem os recorrentes que a matéria dada como provada em 5.18 seja reduzida à receção pelo 1º impugnante e apenas aos investimentos realizados em 2011, 2012 e 2013.
Começando por esse ponto, ou seja, quanto aos extratos relativos à aplicação de 2014, foi o próprio recorrente ASC que declarou ter recebido um extrato em junho de 2014, o qual se mostra junto com a resposta à impugnação (fls. 8605 a 8608) com a menção das obrigações Rio Forte de 2014. Importa destrinçar as matérias. Mesmo que os recorrentes defendam que não fizeram tal subscrição, isso não faz desaparecer a receção de extratos que os próprios admitem ter recebido.
Compulsado o documento de abertura de conta (versão mais legível junta como documento 3 da resposta à oposição, mas que corresponde ao documento 1 junto com a impugnação e ainda em 21/03/2018, pelos recorrentes) encontramos nas Condições Gerais, em A1. Disposições Gerais e Abertura de Conta de Depósito à Ordem a secção intitulada Comunicações efetuadas pelo Banco, contendo as cláusulas 14.1 e 14.6, com o seguinte teor:
14.1 Salvo acordo escrito em contrário, as comunicações escritas que o Banco dirija aos Clientes, no âmbito do presente contrato são enviadas por carta dirigida ao endereço do primeiro titular da Conta Depósito, tal como esteja indicado na Ficha de Abertura de Conta.
(…)
14.6 O Banco envia aos Clientes extractos mensais dos movimentos e saldo da Conta Depósito. A pedido dos clientes, pode ser emitido outro tipo de extractos referentes à Conta Depósito ou com outra periodicidade da que for usual no Banco, sendo cobrado aos Clientes o montante devido a título de contrapartida de tal serviço e demais despesas ou impostos.”
Não corresponde, pois, à verdade que o contrato não contenha uma cláusula 14.6, presumindo o tribunal ter-se tratado de uma desatenção e a cláusula 14.1 explica a razão pela qual as comunicações eram dirigidas apenas ao 1º recorrente e não a todos (individual e repetidamente): porque assim estava acordado (por adesão). Atenta a cláusula, não podemos deixar de considerar, como o tribunal recorrido (que o não terá especificado dado tal tema não lhe ter sido suscitado) que ao fazer as comunicações conforme estipulado na cláusula 14.1, o Banco comunicou corretamente com todos os recorrentes. Resta referir que, das primeira e última páginas do documento, resulta claramente que o 1º recorrente era o 1º titular da conta.
O envio dos extratos foi confirmado genericamente em termos de procedimentos, por CSB e JAC (que inclusive deu pormenores sobre o processo) mas o recebimento dos extratos foi confirmado por aqueles a quem se dirigiam – pelos 1º e 4º recorrentes, incluindo os referentes à aplicação de 2014, nos termos já explicitados. Sobre este ponto da fundamentação, que se considera fulcral, os recorrentes nada adiantam.
Assim, não há qualquer razão para alterar, nomeadamente no sentido pretendido, o ponto dado como provado sob 5.18.
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Os recorrentes pedem também a alteração dos pontos 5.19. e 5.20, que requerem passem a ter o seguinte teor:
5.19. No âmbito da relação entre a Liquidanda e os seus clientes, as ordens sobre a aplicação de instrumentos financeiras eram dadas por escrito ou pelo telefone em chamada gravada e posteriormente por escrito.
5.20. A prática do Banco era obter a instrução do cliente por escrito ou por telefone, com a chamada gravada e, posteriormente, por escrito.
Alegam, quanto a 5.19. tratar-se de uma afirmação conclusiva na parte em que se reporta a uma “relação de confiança”, que não está factualmente descrita, alude a frequentemente, não especifica quaisquer ordens de instrumentos financeiros, nem os situa no tempo e lugar e faz uma afirmação genérica e conclusiva de que “chegou a acontecer com os impugnantes.” Entendem que, face ao carater conclusivo tem que se considerar como não escrito.
Sem prejuízo, defendem que a matéria não se acha suportada nos depoimentos referidos pelo tribunal na motivação da decisão relativa a este facto.
Quanto a 5.20., defendem que foi desmentido pela testemunha CSB, pelo Sr. Liquidatário e que é contrariado pelas ordens de subscrição de 2011, 2012 e 2013.
Apontam ao depoimento de CSB as incongruências e contradições já referidas antes, pelo que não merece credibilidade e não suporta a matéria vertida em 5.19. e 5.20.
O depoimento de JAC, que qualificam de parte naturalmente interessada no desfecho deste processo, é pouco relevante por não ter conhecimento concreto do que se passou com os impugnantes, quanto ao facto 5.19.
O depoimento do Sr. Liquidatário contraria claramente o que é referido nestes autos, não obstante não ter conhecimento direto dos procedimentos adotados pela liquidanda em relação aos recorrentes. O mesmo depoimento contraria o de CSB quanto à gravação dos telefonemas em que fossem recebidas ordens.
As ordens de subscrição de fls. 8568 a 8572 dos autos demonstram que mesmo quando a ordem é dada por telefone a ordem por escrito tem de existir, ali constando o registo do meio utilizado.
O recorrido pronunciando-se conjuntamente sobre as pretendidas alterações dos pontos 5.19 e 5.20, pedindo a improcedência da impugnação e recordando o que foi dado como provado em 5.4. (e não impugnado).
A testemunha CSB prestou um depoimento claro sobre a prática do banco a respeito da subscrição de obrigações, que sendo dadas por telefone seriam assinadas depois. Explicou porque razão a ficha de 2014 não foi assinada e que a de 2013 foi assinada meses depois, precisamente devido à relação de confiança. A data ao lado da assinatura é, assim, a data da instrução.
O 1º recorrente confirmou que dava as suas ordens de subscrição telefonicamente.
O Liquidatário esclareceu o procedimento da liquidanda e que a assinatura após subscrição era frequente, dada a relação de confiança com os clientes.
As chamadas nem sempre eram gravadas como explicaram, quer a testemunha, quer o Liquidatário.
Foi a seguinte a fundamentação do tribunal quanto a estes dois pontos:
“5.19. Este facto resulta provado em face do procedimento (no que aos Impugnantes se refere) explicado pelo gestor de conta CSB, secundado pela explicação prestada pelo Sr. Liquidatário relativamente aos procedimentos genéricos que, nesse particular, eram adoptados na instituição.
5.20. Este procedimento foi confirmado pelo gestor de conta dos Impugnantes, CSB.
Esta testemunha explicou a interacção com este cliente (sempre na pessoa de ASC), dizendo que era apresentado ao cliente o investimento, falavam numa reunião, em que explicava o produto, dizia qual o prazo do investimento e taxa de juro oferecida e o cliente decidia e assinava o documento (no momento) ou, como aconteceu da última vez, dava a ordem pelo telefone e assinava o documento posteriormente.
Explicou que na primeira vez tiveram uma reunião e a subscrição foi logo assinada. Já nas vezes seguintes telefonou ao cliente que deu o “ok” por telefone e depois foi assinada a ficha de subscrição.
Finalmente, esclareceu que este era um cliente “advisory”, pelo que tinha sempre de obter a sua aprovação para efectuar os investimentos.”
Os recorrentes pretendem a restrição do âmbito do acervo de factos dados como provados em 5.19 e 5.20., nos seguintes termos que, por facilidade esquematizamos, deixando a negrito o que pretendem seja eliminado e sublinhado o que se reveste de novidade:

Ponto 5.19 tal como dado por provado na sentença recorridaPonto.5.19 na formulação requerida pelos recorrentes

5.19. No âmbito da relação de confiança existente entre a Liquidanda e os seus clientes, frequentemente, as ordens sobre aplicações em instrumentos financeiros eram dadas pelos clientes à Liquidanda por telefone ou email e, mais tarde, em reunião com o cliente, o gestor de conta levava o documento da execução de ordem para assinatura do cliente, o que chegou a acontecer com os Impugnantes.

5.19. No âmbito da relação entre a Liquidanda e os seus clientes, as ordens sobre a aplicação de instrumentos financeiras eram dadas por escrito ou pelo telefone em chamada gravada e posteriormente por escrito.
Ponto 5.20 tal como dado por provado na sentença recorridaPonto 5.20 na formulação requerida pelos recorrentes

5.20. A prática do Banco era obter a instrução do cliente por escrito ou por telefone, mas neste caso tinha a obrigação de, posteriormente, obter a assinatura do cliente.

5.20 – A pratica do Banco era obter a instrução do cliente por escrito ou por telefone, com a chamada gravada e, posteriormente, por escrito.

Cumpre, em primeiro lugar esclarecer que estes são factos genéricos, relativos aos procedimentos da liquidanda, pelo que as declarações do Sr. Liquidatário, tal como as de JAC, tendo incidido sobre, precisamente, os procedimentos genéricos da Liquidanda, foram, neste particular, reveladores de conhecimento direto. Esclareça-se que, quanto a JAC e ao Liquidatário, não vislumbramos qualquer interesse de qualquer deles na decisão desta concreta causa, nem tal é alegado.
Relação de confiança foi um termo referido quer por CSB, quer pelo Liquidatário para descrever as relações entre a liquidanda e os seus clientes. Usado no contexto é percetível o que significa: que os clientes confiavam nos gestores e vice-versa. Assim, embora sendo de feição também conclusiva, está suficientemente determinado e contextualizado para poder ser usado, em especial num facto de carater geral. Aliás, o 1º recorrente disse várias vezes nas suas declarações que confiava no gestor de conta.
O que chegou a acontecer com os impugnantes, lido o facto foi a emissão de ordens pelo telefone e a assinatura mais tarde. Nesta parte, já uma concretização do procedimento geral em relação aos impugnantes e aqui recorrentes, que tal sucedeu foi confirmado pelo 1º recorrente e pela testemunha CSB (também PSC referiu idas do gestor à agência de viagens, duas, mais exatamente).
Já acima se esclareceu que o depoimento de CSB não sofre das apontadas incongruências e contradições, pelo que, mais a mais numa parte em que foi confirmado pelos recorrentes, não há razão para alteração (5.19.).
Não há prova que sustente a afirmação de que os telefonemas eram sempre gravados. Todas as pessoas ouvidas sobre esta matéria – CSB e BHG - confirmaram que sendo essas as instruções, era frequente não suceder – porque os comerciais, poucos, andavam por fora (liquidatário) por facilidade porque do telemóvel era mais prático (testemunha) e só as chamadas do telefone fixo eram gravadas (testemunha).
As ordens assinadas de fls. 8568 a 8572 do processo em papel não permitem a conclusão que os recorrentes extraem: de acordo com todos os ouvidos era até frequente que as ordens escritas fossem assinadas depois da respetiva execução – no caso dos recorrentes houve mesmo uma ordem de fevereiro de 2013 que só foi assinada perto do final do ano de 2013 – cfr. depoimento de CSB. O recorrido adianta uma explicação (a que não podemos atender, já que as alegações de recurso não são meio de prova) que pode ou não ser verdadeira, mas irreleva. É juízo de experiência comum que quando datamos e assinamos um documento podemos datá-lo como quisermos (data anterior, posterior ou exata).
Já acima esclarecemos as consequências da inobservância da regra do art. 327º do CVM. Essa é matéria de direito, que foi conhecida a propósito da apreciação dos meios de prova elegíveis. Não deve ser confundida com o que se apurou serem, por um lado as regras de procedimento da liquidanda e, por outro, a prática seguida.
Não há, assim, razões para a alteração dos pontos 5.18 e 5.19 da matéria de facto apurada.
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No tocante ao ponto 5.21. os recorrentes entendem encerrar um juízo conclusivo por ser genérico, sem a descrição de qualquer facto que o sustente, pelo que terá que ser dado por não escrito.
Pedem seja alterado nos seguintes termos:
5.21. A conta que se encontra titulada pelos impugnantes tinha como gestor de conta CSB.
Alegam que o facto de o 1º recorrente e JAC terem identificado CSB como o gerente de conta não significa que este os acompanhou e prestou informações da liquidanda.
A informação transmitida pelo CSB de que se tratava de um investimento garantido e sem riscos não era uma correta descrição do produto em causa, chamando à colação as declarações do 1º recorrente nesse sentido bem como as já alegadas incongruências, contradições e imparcialidade de CSB.
O recorrido pediu a improcedência da peticionada alteração renovando a sua alegação quanto à credibilidade do depoimento de CSB.
O tribunal fundamentou pela seguinte forma:
5.21. Demonstrado pelo depoimento do gestor de conta, que foi identificado pelo Impugnante ASC e pelo declarante JAC.”
Começa por se esclarecer que não tratamos aqui de matéria conclusiva – saber se os recorrentes eram acompanhados por um gestor de conta é matéria de facto e, face à peticionada alteração, aceite pelos recorrentes (que, em declarações de parte confirmaram também a identidade do seu gestor de conta).
Como se depreende do teor da impugnação deduzida, os recorrentes insurgem-se apenas contra a inclusão da segunda parte: que o gerente identificado prestava aos recorrentes as informações e os esclarecimentos solicitados.
Assim compreende-se a renovada invocação da falta de credibilidade da testemunha CSB, já que o depoimento deste é oposto às declarações dos recorrentes no tocante, por exemplo, à garantia do reembolso do capital ou à subscrição das obrigações Rio Forte em 2014.
Sucede que, tal como ao tribunal a quo, o depoimento de CSB nos parece bastante mais credível que as declarações dos impugnantes/recorrentes, nomeadamente nestes dois pontos referidos.
Mas, na verdade, na segunda parte do ponto 5.21. não está em causa a informação prestada pelo gestor de conta nem a autoria da subscrição de 2014. O que consta de 5.21. é que o gestor prestava os esclarecimentos e informações que os recorrentes lhe entendessem solicitar.
Nenhuma da fundamentação aduzida pelos recorrentes se dirige, assim, à matéria que ficou apurada, que, refira-se, foi confirmada pela testemunha, mas também pelo 1º recorrente que, a uma pergunta sobre se o gestor lhe tirava as dúvidas que tivesse, referiu nunca ter tido dúvidas, assinalando assim, a disponibilidade do gestor para as esclarecer.
Improcede, pois, a peticionada alteração do ponto 5.21.
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Os recorrentes insurgem-se contra o facto dado como provado sob 5.22., referindo que o documento citado não demonstra por si que a liquidanda tenha prestado qualquer informação sobre a sua política de conflito de interesses e de mitigação de conflitos.
O facto de estar reproduzido o que consta do ponto 2.7. não demonstra que a informação tenha sido explicada aos recorrentes nem que a liquidanda tenha observado as obrigações descritas.
Defendem que deve ser dada ao facto a seguinte redação:
5.22 – Na ficha de Informação normalizada para depósito à ordem, consta, no ponto “2.7 Informação sobre política de conflitos de interesses, nos seguintes termos: (…), seguindo-se a reprodução do ponto 2.7. do Anexo I (Deveres de Informação a Investidores) ao contrato de abertura de conta.
O recorrido alegou que o facto provado reproduz fielmente uma cláusula do contrato de abertura de conta e que os Recorrentes assinaram, pelo que deve manter-se tal como foi redigido na sentença recorrida, notando que ainda que a alteração peticionada fosse concedida, não tendo sido, pelos recorrentes, alegada qualquer violação concreta de deveres de prevenção de conflitos de interesses
O tribunal motivou nos seguintes termos a sua decisão:
“5.22. Este facto resulta assente com base no teor da cláusula 2.7 do Anexo I (Deveres de Informação a Investidores) ao contrato de abertura de conta, junto a fls. 8587 e ss.”
Os recorrentes não põem em causa que esta informação conste do contrato de abertura de conta, nem que lhes foi entregue aquando da abertura da conta. Referem sim que o documento não prova que esta informação tenha sido explicada ou cumprida.
Uma vez que o facto, tal como provado não contém qualquer menção a explicações ou ao respetivo cumprimento, a impugnação é, claramente improcedente.
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Os recorrentes pedem a eliminação do ponto 5.23. do elenco de factos provados, argumentando que os documentos de fls. 8596 e ss. dos autos são dois documentos dirigidos às 2ª e 3ª recorrentes, apenas, não havendo qualquer documento do qual conste como destinatário o 1º e o 4º recorrentes. Estão datados de quase três anos após a abertura da conta e não se prova que tenham sido enviados.
O recorrido refere que consta no mesmo local uma carta dirigida ao 1º recorrente e que o envio foi confirmado pelo depoimento do Liquidatário Judicial, pedindo a improcedência da impugnação neste particular.
O tribunal justificou assim a sua convicção quanto a este ponto:
“5.23. Facto provado tendo em conta o teor do doc. 4 junto com a resposta à impugnação (fls. 8596 e ss.), que constitui cópia das cartas endereçadas aos Impugnantes indicados no facto assente e não impugnado.”
Compulsados os documentos de fls. 8596 e ss. (doc. 4 juto com o requerimento ref.ª 21761791 de 04/02/2016) verifica-se que, efetivamente, consta ali uma carta endereçada à recorrente SSC, uma carta dirigida ao recorrente ASC e uma carta dirigida à recorrente MLSC.
O Liquidatário referiu o envio dos questionários a todos os clientes – mencionando também a entrega dos mesmos na abertura de conta, da qual tratou pessoalmente – por volta de 2012/2013, para atualização, referindo a verba de oferta aos bombeiros locais por cada questionário preenchido devolvido – e sabe que o retorno foi fraco (a verba oferecida aos bombeiros no final foi pequena).
Os factos estão assim confirmados, dado que o 4º requerente, PSC não está mencionado no facto 5.23.
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Relativamente ao facto 5.24. os recorrentes pedem igualmente a sua eliminação por se tratar de matéria conclusiva que não discrimina a que clientes se reporta e se estão incluídos os recorrentes. Alegam que o depoimento de CSB não suporta o facto dado como provado e que em momento algum a testemunha mencionou os recorrentes a este respeito.
Voltam ainda, a apontar as mesmas incongruências e contradições no depoimento desta testemunha, sem aparente relação com o facto concreto.
O recorrido aponta a credibilidade da testemunha CSB e transcreve o trecho do seu depoimento em que este referiu ter apresentado o Banco e os serviços prestados ao 1º requerente, que havia sido indicado para advisory.
O tribunal motivou nos seguintes termos a sua convicção:
“5.24. Pelo gestor de conta, CSB, foi explicado que apresentou aos clientes a oferta que o banco tinha, designadamente, depósitos a prazo, obrigações do Grupo Espírito Santo e de outros emitentes em Portugal e de todo o mundo, bem como mandatos de gestão discricionária e advisory.”
Apreciando:
A testemunha CSB, cujo depoimento foi credível, sereno e assertivo como já se explicitou, referiu ter apresentado o banco e os produtos aos requerentes, tendo a opção de apresentação para aquele cliente sido o advisory (aconselhamento), sendo que o cliente não se mostrou interessado na gestão discricionária, nem no aconselhamento.
Estas declarações complementadas com o facto constante de 5.30 (não impugnado) demonstram que a liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes, incluindo estes clientes, outros produtos.
Mantém-se, assim, o facto dado como provado sob 5.24.
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Os recorrentes pedem ainda a eliminação do facto dado como provado sob 5.25. alegando para o efeito tratar-se de matéria conclusiva e formulada pela negativa, tratando-se de matéria que não foi abordada nem pela testemunha CSB nem pelo Liquidatário.
O recorrido apontou tratar-se de facto alegado na resposta à impugnação, o que explica a sua formulação negativa e que foi referido quer pela testemunha, quer pelo Liquidatário.
O tribunal referiu apenas que o ponto foi confirmado pelo Sr. Liquidatário e pela testemunha CSB.
Trata-se de matéria de facto e não conclusiva. Os factos são formulados de acordo com um contexto, no caso de enumeração de factos provados específicos e de factos gerais, constando do facto III da prova geral a identidade dos gerentes (representantes) da sucursal liquidanda.
Também já se explicitou que inexiste uma proibição de prova de factos negativos, considerações que aqui se dão por reproduzidas.
Posto isto, a matéria foi expressamente referida pelo liquidatário no seu depoimento, nos segmentos transcritos pelo recorrido pelo que se encontra devidamente suportada em meios de prova suficientes.
Improcede, assim, a pretendida eliminação do ponto 5.25. da matéria de facto provada.
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O último dos factos dados como provados objeto de impugnação por parte dos recorrentes é o ponto 5.39., relativamente ao qual os recorrentes pretendem seja alterada a respetiva redação.
Alegam que a reclamação em causa foi feita por mera cautela e que não invalida a posição de entenderem que o dinheiro estava depositado numa conta à ordem e que foi aplicado na Rio Forte sem o seu consentimento, tal como se reafirmou na ata de 29/10/2018, pois foi a liquidanda a elaborar os documentos e a enviá-los aos recorrentes para que assinassem.
Pretende assim que, fique a constar a seguinte redação:
“5.39. Os Impugnantes reclamaram o mesmo valor de capital no processo de Liquidação da Rio Forte, apresentado por mera cautela e nunca prescindindo de entenderem que o dinheiro que se encontrava depositado na conta traduzia-se num mero depósito e que sem o consentimento deles foi aplicado na Rio Forte Investiments, SA”
O recorrido aponta que a apresentação da reclamação junto da Rio Forte (facto 5.39) foi alegada na resposta à impugnação (artigo 2.º), provada por acordo (cf. pg. 517 da sentença e ata da sessão de julgamento de 31.10.2018), e sempre resultaria demonstrada pelo documento 1 junto com a resposta à impugnação, que consiste na reclamação apresentada pelos Recorrentes no processo de liquidação da Rio Forte, não tendo sido demonstradas as reservas que os Recorrentes pretendem acrescentar à redação do ponto 5.39 que, além do mais, sempre seriam inconsequentes e irrelevantes para a decisão da causa.
Apreciando:
O facto dado como provado sob 5.39 foi alegado pela liquidanda na resposta à impugnação (art. 2º) nos seguintes termos: “Os Impugnantes já reclamaram o montante que reclamam nesta liquidação junto da massa insolvente da “Rio Forte Investments, S.A.”, em USD (“Rio Forte”) (cf. DOC. 1, que aqui se junta e considera integralmente reproduzido).”
Tratava-se do último articulado possível, não se lhe seguindo nenhuma outra peça processual, não tendo, em consequência, sido alegada a matéria que ora se pretende aditar (a liquidanda não o fez e os recorrentes também não).
Lida a ata de 29/10/2018 e de 31/10/2018 e ouvidas as respetivas gravações, verificamos que quem fez a afirmação ora esgrimida como argumento foi o Ilustre Mandatário dos recorrentes, aliás na sequência do indeferimento de junção de documentos que requereu (decisão não impugnada) e dos quais resultariam, nas suas palavras, tais reservas, indicando ainda a atividade inquisitória do tribunal como sendo possível de ser exercida neste particular (para determinar o contexto).
Em sede geral já se esclareceu a inaplicabilidade do art. 11º do CIRE ao apenso de verificação e graduação de créditos em insolvência[72] o que, somado ao facto de a matéria cujo aditamento ora se pretende não ter sido alegada, leva à conclusão (independentemente da respetiva relevância) pela impossibilidade de produção de prova sobre a mesma.
E, na verdade, tal matéria é irrelevante. Os recorrentes já deixaram muito clara a sua posição ao longo do processo e o facto relevante aqui é terem apresentado uma reclamação de créditos na insolvência da Rio Forte. Tão só. A sua representação interior quando o fizeram não a condicionou (como resulta do documento 1 junto com a impugnação, que não está condicionalmente formulado) e não faz, por outro lado, prova na presente sede. O facto de os recorrentes representarem o seu investimento como um depósito a prazo, não reconhecendo a autoria da ordem de subscrição não é meio de prova, nem pela positiva, nem pela negativa. Tal como, aliás, o facto de o respetivo Ilustre Mandatário o afirmar em ata.
O que ficou a constar da formulação dada pelo tribunal ao facto 5.39. é exatamente o que foi alegado e objeto de acordo, como resulta da ata de 31/10/2018, na qual se consagrou a aceitação expressa desse facto pelos recorrentes, que já havia ocorrido em 29/10/2018.
Improcede, assim, o requerido aditamento ao facto dado como provado em 5.39.
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No tocante à matéria de facto não provada, e que os recorrentes entendem deveria ser dada como provada, ou como parcialmente provada, a matéria que alegaram no art. 13º e 29º da sua impugnação, correspondentes aos factos dados como não provados pelo tribunal sob as alíneas 5 b) e 5 c) da matéria de facto não provada.
Defendem que a matéria de 5 b) não foi especificamente impugnada, devendo ser considerada admitida por acordo e que resulta da reclamação apresentada pelos recorrentes à CMVM, constante de fl. 481 e 482, das declarações de parte do 1º recorrente que garantiu sempre lhe ter sido transmitido que se tratava de aplicação sem riscos e de capital garantido e que não deu qualquer ordem de subscrição em 2014, o que também foi confirmado pelo 4º recorrente que disse que pressuposto da aplicação era o capital garantido, declarações que não foram infirmadas pelo depoimento de CSB, dadas a sua falta de credibilidade, parcialidade, subjetividade, incoerência, incongruências e contradições.
Pretendem, assim, que seja dado como provado:
“Pelos funcionários da Liquidanda foi transmitido ao 1º Impugnante que a subscrição do papel comercial Rio Forte Investiments tinha capital garantido e sem riscos, sendo que, a qualquer momento, poderia ser resgatado pelos Impugnantes.”
Quanto a 5 c), defendem que resulta das declarações do 1º recorrente, que garantiu sempre lhe ter sido transmitido que se tratava de aplicação sem riscos e de capital garantido e que não deu qualquer ordem de subscrição em 2014, o que também foi confirmado pelo 4º recorrente que disse que pressuposto da aplicação era o capital garantido, declarações que não foram infirmadas pelo depoimento de CSB, dadas a sua falta de credibilidade, parcialidade, subjetividade, incoerência, incongruências e contradições mas que, não obstante, reconheceu que o 1º recorrente pensava que podia levantar o dinheiro após a falência da Rio Forte. Referem não ser o depoimento de JAC relevante, dado o seu interesse no desfecho da causa e a sua falta de conhecimento direto sobre a relação com os recorrentes.
Pretendem, assim, que seja dado como provado:
“A Insolvente sempre transmitiu a ausência de risco do instrumento financeiro Rio Forte, referindo que se tratava de “capital garantido.”
O recorrido aponta que quanto aos factos dados como não provados sob 5 b) e 5 d), que os impugnou especificadamente, sendo que a posição que tomou na resposta à impugnação a respeito das sucessivas subscrições (4.º e 6.º da resposta), das características da aplicação (artigos 7.º, 9.º, 12.º, 15.º e 44.º a 48.ºda resposta) e da intenção de investimento dos Recorrentes (29.º a 31.º e 33.º da resposta) está em manifesta contradição com a alegação dos Recorrentes nos artigos 13.º e 14.º da impugnação e refletidas nos factos não provados 5 b) e 5 d).
Alega que se encontra correta e completa a fundamentação do tribunal quanto aos factos dados como não provados sob 5 b), 5 c) e 5 d)
O tribunal fundamentou a sua convicção pela seguinte forma:
“5 b) Ouvido em declarações, o Impugnante disse que o gestor de conta, CSB, lhe sugeriu o produto Rio Forte, dizendo-lhe que “não há praticamente riscos”, “o grupo é forte, tem capital garantido” e permitia um rendimento superior ao que teria se mantivesse o dinheiro à ordem e quando precisasse do dinheiro bastava telefonar e em 2/3 dias o dinheiro estava à disposição e só perdia o juro vencido. Mais disse que o mesmo funcionário da Liquidanda o informou que o produto tinha vencimento de juros a meio ano e ao fim de um ano podia anular ou prorrogar o investimento.
O gestor de conta, questionado sobre esta matéria, declarou ter explicado ao Impugnante ASC as características do produto em causa: prazo, taxa, emitente e risco associado, dizendo até que o Impugnante já conhecia este tipo de produto, pois tinha uma conta na Suíça e aí era comum efectuar investimentos em obrigações do Grupo Espírito Santo, no caso, da ESI. Enfatizou ter explicado claramente a existência de risco e qual o risco em causa. Aditou que nos contactos mantidos sempre teve a percepção que o Impugnante nunca teve quaisquer dúvidas sobre o produto e tinha confiança no emitente e no Grupo Espírito Santo, porque não havia qualquer razão para assim não acontecer.
Tendo em consideração a divergência entre as declarações do Impugnante e o depoimento da testemunha o tribunal entende que deve ser relevado este último em detrimento daquele.
Efectivamente, de um lado, temos uma parte interessada e directamente beneficiada e, de outro, uma parte desinteressada e sem ligação com a Liquidanda, com a qual cessou a relação laboral em Março/Abril de 2014.
Ademais os documentos de subscrição, cuja recepção o Impugnante admite, deixavam expressa a existência de risco, o que contraria a versão dos factos relatada pelo Impugnante.
5 c) Facto não provado, por ter sido contrariado pelo depoimento da testemunha CSB e as declarações de JAC.
No depoimento prestado, o gestor de conta dos Impugnantes, CSB, colaborador da Liquidanda que tinha contacto directo com os Impugnantes, disse ter sido explicado ao Impugnante ASC (que dos 4 Impugnantes era aquele com quem mantinha um contacto regular) as características do produto, além do mais, que este produto tinha associado “risco do emitente”.
Foi peremptório ao dizer que sempre teve o cuidado de explicar aos clientes que o risco do depósito a prazo era o do Banco e o destes produtos era do emitente.
Mais esclareceu que, atenta a sua experiência profissional, seria incapaz de dizer que não havia risco, porque até um depósito à ordem tem risco.
Disse também que no contacto com o Impugnante ASC não teve a percepção que o cliente não estivesse perfeitamente ciente desse facto.”
Apreciando:
Em primeiro lugar há a notar que a matéria alegada em 13º da impugnação, pelos recorrentes, foi impugnada na resposta à oposição apresentada nos autos.
O teor dos arts. 44º a 48º da resposta à impugnação está em direta oposição ao facto alegado em 13º da impugnação, razão pela qual não se pode tal facto considerar admitido por acordo nos termos propugnados pelos recorrentes.
A matéria dada como não provada em 5 b) e 5 c) corresponde à versão dos factos dos recorrentes, que resultou infirmada pela prova produzida, tal como explicitado na fundamentação da decisão quanto à impugnação de 5.7., 5.8., 5.9. e 5.11. relativa às caraterísticas da aplicação que foram transmitidas aos recorrentes.
Por economia, dão-se aqui por reproduzidos os argumentos explanados na decisão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto quanto à valoração das declarações do 1º recorrente, do 4º recorrente e da testemunha CSB, precisamente a propósito das caraterísticas das aplicações que foram transmitidas a ASC. Realça-se, quanto a 5 c), o que se deixou escrito quanto à consideração “como depósito a prazo”, que se volta aqui a reproduzir.
Os recorrentes alegam também como relevante o documento relativo à decisão da CMVM constante de fls. 481 e 482.
Trata-se de documento que foi junto, completo, com a reclamação de créditos e corporiza a resposta da CMVM a uma reclamação apresentada pelos recorrentes, dado como provado e reproduzido em 5.41. da matéria de facto provada.
Capeia o documento uma carta datada de 18/10/2015, dirigida aos recorrentes onde, sob a indicação de assunto “Processo de reclamação nº 53952: conclusão”, se escreve:
“Na sequência da reclamação apresentada por V. Exa(s) contra o Banque Privée espírito santo, SA – Sucursal em Portugal, Entidade Reclamada ou Banco, foram desenvolvidas diversas diligências, de forma a apurar as condições de subscrição do(s) investimento(s) reclamado(s).
Da análise efetuada pela CMVM não foi possível concluir pela regularidade da comercialização do(s) investimento(s) reclamado(s) por V. Exa(s), tendo em conta o processo de subscrição do(s) mesmo(s) e a prestação de informação, quer sobre os instrumentos financeiros, quer sobre a prevenção e mitigação de conflitos de interesses, conforme decorre do ofício contendo as alegações, remetido pela CMVM ao Banco, cuja cópia se junta para conhecimento.
Encontrando-se o Banque Privée espírito santo, SA – Sucursal em Portugal em processo de liquidação, de acordo com a informação que consta nos website do Banco de Portugal e http://www.liquidacao-bpes-suc.pt/, alertamos para a possibilidade de reclamar créditos diretamente junto do Administrador de Insolvência.”, seguindo-se informações relativas à apresentação de reclamação de créditos.
É anexo um ofício remetido pela CMVM à liquidanda com data de 16/10/2015, que, com a indicação de assunto “RCL nº 53.952 – ASC”, tem o seguinte teor:
“Exmos. Senhores
Notificam-se V. exas, de acordo com a Deliberação do Conselho de Administração desta Comissão de 7 de outubro de 2015 para que procedam à reapreciação da reclamação apresentada pelos Srs. ASC, MLSC, SSC e PSC nos termos do processo que corre termos nesta Comissão com o nr.º 53952, tendo em conta os seguintes factos e conclusões:
Investimentos sem registo de ordem de subscrição
Não existência de suporte – documental, gravação telefónica ou registo fonográfico – para o investimento de 300.000,00 USD em instrumentos financeiros identificados como “RIO FORTE INVESTMENTS EMTN SR 217 2014/27.02.2015” em fevereiro de 2014, dado que:
1. Não ficou demonstrado que os Reclamantes deram uma ordem, escrita ou oral, de subscrição do Investimento;
2. Não foi remetido por V. Exas qualquer registo (telefónico, fonográfico ou equivalente nos termos do disposto no art.º 4 do Código dos Valores Mobiliários, CVM), da ordem que eventualmente terá ser transmitida, por telefone (em conformidade com o disposto no artigo 307.º B, n.º 4 do CVM);
3. Não ficou demonstrado que V. exas possuem um comprovativo da ordem em causa, em conformidade com os deveres de conservação (artigo 307.º B, n.º 1, alínea a) do CVM;
4. Das diversas diligências desenvolvidas ficou ainda por demonstrar que V. exas. Atuaram “de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” (art.º 304.º 2 CVM), na proteção dos interesses dos Reclamantes, existindo indícios de que estes não estariam de acordo com a subscrição do investimento em análise.
Face ao exposto no presente ofício, e considerando que a pretensão dos Reclamantes é fundamentada, notifica-se V. Exas para que procedam à reapreciação da reclamação em análise, em cumprimento da Deliberação do Conselho de Administração da CMVM, agradecendo que seja dado conhecimento aos Reclamantes, com cópia a esta Comissão, de desfecho da reapreciação ora solicitada.”
O tribunal recorrido, na fundamentação genérica da motivação da decisão de facto deixou explicitado o valor conferido a estes documentos corporizando deliberações da CMVM quanto a reclamações apresentadas por vários credores (pgs. 475 a 477 da sentença):
“Releva referir que foram apresentadas por vários Impugnantes, cópias de comunicações e pareceres emitidos pela C.M.V.M. no âmbito de processos de reclamação tramitados por aquela entidade na sequência de reclamações apresentadas.
Nos termos do art.6º dos Estatutos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 5/2015, de 8 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 148/2015, de 9 de Setembro):
“6 - Sem prejuízo do disposto no Decreto–Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 371/2007, de 6 de Novembro, 118/2009, de 19 de Maio, 317/2009, de 30 de Outubro, e 242/2012, de 7 de Novembro, compete à C.M.V.M. contribuir para a resolução de conflitos entre entidades sujeitas à sua supervisão, ou entre estas e investidores, designadamente:
a) Na sequência do tratamento das reclamações, emitir recomendações às entidades sujeitas à sua supervisão ou, caso isso não se revele eficaz, determinar-lhes a adoção das medidas necessárias à reparação justa dos direitos dos investidores. (…)
7 - A C.M.V.M. organiza um serviço gratuito de tratamento das reclamações destinado à resolução de conflitos entre investidores não qualificados, por uma parte, e entidades sujeitas à sua supervisão, de outra parte.
8 - Ao serviço referido no número anterior incumbe a análise integral da questão suscitada e a aferição do cumprimento das normas aplicáveis no caso concreto, segundo termos processuais simples e expeditos”.
Assim, caso o reclamante seja um investidor não qualificado e se verifique uma situação de conflito entre este e a entidade supervisionada, a C.M.V.M. inicia um procedimento com vista a promover a resolução extrajudicial deste conflito, nos termos do Regulamento da C.M.V.M. n.º 2/2016, alterado pelo Regulamento n.º 3/2019.
A propósito da tramitação destes procedimentos a C.M.V.M. explica (no site https://www.cmvm.pt/pt/AreadoInvestidor/Faq/Pages/faq-reclamacoes.aspx) que “Neste âmbito, a C.M.V.M. analisa a situação na perspetiva das normas ligadas à regulação dos mercados de instrumentos financeiros e emite uma opinião quanto à demonstração do cumprimento dos deveres por parte da entidade supervisionada, podendo recomendar à entidade supervisionada que atenda à pretensão do reclamante, caso os elementos lhe permitam concluir nesse sentido. A conclusão desta análise é comunicada ao reclamante e à entidade reclamada.
Extinto o procedimento de tratamento e análise da reclamação, a C.M.V.M. poderá iniciar um processo de supervisão, caso existam elementos que apontem para a eventual violação de normas legais no âmbito da supervisão da C.M.V.M. (…) Com vista à promoção da resolução extrajudicial de um conflito, a C.M.V.M. pode emitir recomendações ou determinações às entidades supervisionadas com vista à reparação justa dos direitos dos investidores, caso detete elementos que apontem para um não cumprimento dos deveres legais por parte dessas instituições. Note-se que não incumbe à C.M.V.M. o apuramento de uma eventual indemnização a ser atribuída aos investidores que tenham sofrido danos, algo que poderá ser feito através dos tribunais ou do recurso a meios de resolução extrajudicial de litígios”.
Nos termos da lei e dos esclarecimentos prestados pela própria C.M.V.M., esta entidade tem competência para apreciar as reclamações apresentadas contra entidades sob a sua supervisão podendo, a final, além do mais, emitir recomendações ou determinações às entidades supervisionadas com vista à reparação justa dos direitos dos investidores. Estas recomendações poem fim ao processo de reclamação, sem prejuízo de a C.M.V.M. poder também iniciar um processo de supervisão, caso existam elementos que apontem para a eventual violação de normas legais.
São estas recomendações, sob a forma de parecer formal, que os Impugnantes vieram juntar ao processo.
Contudo, importa aqui deixar claro que estas recomendações são emitidas no âmbito das competências próprias da C.M.V.M. enquanto regulador e numa fase pré-judicial, não vinculando o Tribunal, designadamente, no que respeita às conclusões que essa entidade tenha alcançado no âmbito desses processos.
Tanto vale por dizer que é com base na prova produzida nestes autos que o Tribunal decidirá e não com apoio em conclusões/apreciações prévias de quaisquer entidades, mormente da C.M.V.M.”
Temos a acrescentar a esta apreciação – correta e que se subscreve – que, na verdade, e como resulta do documento acima transcrito, a CMVM apenas concluiu não estar demonstrada a regularidade da comercialização dos investimentos reclamados tendo em conta o processo de subscrição dos mesmos e a prestação de informação, quer sobre os instrumentos financeiros, quer sobre a prevenção e mitigação de conflitos de interesses, o que não significa, em reverso, que a CMVM tenha concluído pela irregularidade dos aspetos analisados. Assim, o documento, que nada refere quanto aos pontos aqui em discussão (transmissão aos recorrentes das caraterísticas dos produtos, garantia de reembolso de capital), não tem relevo enquanto elemento de prova.
Como resulta da decisão acima tomada quanto a 5.8 e 5.9 dos factos provados, em que se considerou suportada a prova da versão da liquidanda, a versão dos recorrentes não pode, pelos mesmos fundamentos já explicitados, ser dada como provada, justificando-se, assim, a manutenção de 5 b) e de 5 c) como factos não provados nos termos em que a 1ª instância o fez.
*
Os recorrentes impugnam a matéria dada como não provada sob 5 d), correspondente ao alegado no art. 15º da impugnação, argumentando:
- que não foi alvo de impugnação especificada, pelo que deve ser admitida por acordo, atento o disposto no nº1 do art. 131º do CIRE e 574º nº1 do CPC, aplicável nos termos do art. 17º do CIRE;
 - resulta do contrato de abertura de conta;
- resulta das ordens de subscrição de 2011, 2012 e 2013 (fls. 8568 a 8572);
- resulta da reclamação à CMVM e decisão desta (fls. 481 a 482);
- resulta das declarações de parte do 1º recorrente que garantiu sempre lhe ter sido transmitido que se tratava de aplicação sem riscos e de capital garantido e que não deu qualquer ordem de subscrição em 2014;
- resulta das declarações de parte do 4º recorrente que referiu ser pressuposto da aplicação era o capital garantido;
- resulta do depoimento de CSB, que, não obstante a sua falta de credibilidade, parcialidade, subjetividade, incoerência, incongruências e contradições mas que, não obstante, reconheceu que o 1º recorrente pensava que podia levantar o dinheiro após a falência da Rio Forte.
Pretendem, assim, seja dado como assente:
“O 1º Impugnante, desconhecendo o risco inerente ao papel comercial Rio Forte Investiments, subscreveu este instrumento financeiro, com a data de vencimento de um ano.”
O recorrido apontou que a matéria do art. 15º da impugnação foi especificadamente impugnada, que resultou dos próprios depoimentos dos 1º e 4º recorrentes, que o depoimento de CSB foi claro e credível, resultando também dos documentos de subscrição e pedindo a improcedência da alteração peticionada.
Apreciando:
O tribunal a quo motivou nos seguintes termos a sua decisão:
“5 d) O Tribunal considera que este facto não foi demonstrado, quer em face da prova documental, quer testemunhal, quer por declarações.
Efectivamente, os Impugnantes aceitaram em julgamento que subscreveram obrigações Rio Forte no valor de USD 300.000, em 1.3.2011, 1.3.2012 e 1.3.2013, com a duração, cada subscrição, por um ano. Logo, em 2011 não subscreveram obrigações até 2013.
Relativamente ao conhecimento do risco associado, o tribunal considerou as declarações do Impugnante ASC que, perguntado, disse espontaneamente que o gestor de conta, quando lhe sugeriu esse produto, lhe disse que “praticamente não tinha risco”. Questionado sobre esta afirmação corrigiu a alegação, explicando que lhe foi dito que não havia qualquer risco.
Sucede que o gestor de conta, ouvido sobre esta questão, foi peremptório ao afirmar que explicava claramente a existência de risco e no que se traduzia, no caso concreto, que era o risco de insolvência do emitente.
Por outro lado, nos documentos de subscrição juntos nos autos e assinados pelo Impugnante ASC pode ler-se expressamente uma advertência quanto aos riscos associados à subscrição em causa.
Em face desta prova o Tribunal não ficou convencido que o Impugnante não soubesse que o produto tinha um risco associado. O que se nos afigura verosímil foi que o Impugnante tenha relativizado o risco, assimilando que era baixo, em face da explicação do produto, do emitente e do grupo empresarial em que este se inseria e no qual confiava atenta a sua experiência anterior, não relevando a possibilidade de o risco existente, e que lhe foi explicado, se verificar.
Contudo, esta postura é diferente da alegada, no sentido do desconhecimento do risco, pois este não se compreende num contexto em que o gestor de conta lhe apresentou o produto, alertando para o risco, os documentos assinados pelo Impugnante são claros na menção da existência do risco e o próprio Impugnante, em declarações, num primeiro momento relatou aquilo que reteve “praticamente não havia risco”.
Voltamos aqui a dar por reproduzidas as considerações já tecidas quanto à prova dos factos 5.8 e 5.9, aos quais apenas temos a acrescentar que também esta alegação foi especificamente impugnada em 44 a 48 da resposta à impugnação, pelo que não se pode ter por admitida por acordo.
Improcede assim, a impugnação da decisão da matéria de facto relativa à alínea 5 d) da matéria de facto provada.
*
Os recorrentes pedem ainda que a matéria dada por não provada em 5 f), correspondente a 20º da impugnação seja dada como provada com a seguinte redação:
“Os Impugnantes apenas autorizaram a aplicação de USD 300.000,00 no instrumento financeiro Rio Forte até 2013, com vencimento em Fevereiro de 2014.”
Alegam que o facto, alegado em 20º da impugnação, não foi alvo de impugnação especificada, tendo que ser considerado assente por admissão por acordo.
Sem prejuízo entendem que a prova do facto resulta:
- do contrato de abertura de conta;
- das ordens de subscrição de 2011, 2012 e 2013 (fls. 8568 a 8572);
- da reclamação à CMVM e decisão desta (fls. 481 a 482);
- das declarações de parte do 1º recorrente que garantiu sempre lhe ter sido transmitido que se tratava de aplicação sem riscos e de capital garantido e que não deu qualquer ordem de subscrição em 2014;
- das declarações de parte do 4º recorrente que referiu terem tentado levantar o dinheiro quando precisaram dele;
- do depoimento de CSB, que revelou falta de credibilidade, parcialidade, subjetividade, incoerência, incongruências e contradições mas que, não obstante, reconheceu que o 1º recorrente pensava que podia levantar o dinheiro após a falência da Rio Forte;
- das declarações do Liquidatário que declarou que as ordens de subscrição teriam de ser por escrito ou por telefone com chamada gravada e posteriormente por escrito.
O recorrido aponta que a decisão do tribunal, quanto a 5.13 e a este facto não provado está devidamente suportada no depoimento credível de CSB, como explicitado pelo tribunal. Refere que impugnou especificadamente este ponto, nos arts. 37 e 39 da resposta à impugnação da lista de credores, pugnando pela improcedência da peticionada alteração.
O tribunal motivou a sua convicção conjuntamente quanto às alíneas f) e g) da matéria de facto não provada e ao ponto 5.13 da matéria de facto provada, pela seguinte forma:
“5 f) e 5 g) O Tribunal considera que relativamente a estes factos não foi apresentada prova suficiente para os corroborar.
Efectivamente, ouvido em declarações, o Impugnante ASC disse que em 2013 o gestor de conta lhe telefonou com cerca de um mês de antecedência (relativamente à data de vencimento da aplicação realizada) e disse que essa aplicação terminava, que o dinheiro ia ficar na conta à ordem e, por isso, deveria dar-lhe indicações sobre o que fazer ao dinheiro. Mais tarde informou que a aplicação ia continuar, mas com juro um pouco inferior, perguntando-lhe se queria subscrever ou não porque o prazo para a subscrição estava a acabar. Posteriormente, ligou a dizer que faltavam 2h para fechar o prazo de subscrição. O Impugnante disse que não aceitava as novas condições e pôs termo à subscrição.
O gestor de conta apresentou uma versão dos acontecimentos diversa.
Declarou que em Fevereiro de 2014 houve 1 nova emissão Rio Forte a 1 ano.
Num primeiro momento disse que telefonou com antecedência ao Impugnante a explicar o que havia, qual a taxa e o emitente – Rio Forte. Mais tarde referiu não ter certeza se telefonou ou esteve com ele pessoalmente e, como sempre, levou uma ficha técnica com as características da emissão que deixou para ele decidir se queria subscrever ou não.
Mas a testemunha não teve dúvidas em afirmar que, posteriormente a esse primeiro contacto, telefonou ao Impugnante ASC para obter a autorização deste para a subscrição no dia em que havia a emissão e nesse último telefonema foi dada a ordem para subscrever a aplicação, o que fez.
Relativamente ao facto de o impresso não estar assinado, disse que no fim de Março, início de Abril desse ano regressou à Suíça (à Banque Privée Espirito Santo, S.A.). A colega que o substituiu devia contactar o cliente para assinar a ficha de subscrição, desconhecendo o que aconteceu.
Ora, esta versão é consentânea com o descrito pelo Impugnante, na medida em que este admitiu ter sido contactado pela testemunha e nesse contacto lhe terem sido explicadas as condições da nova subscrição.
Já não assim no que se refere à existência de um novo contacto em que foi dada a ordem de subscrição.
Porém, em face da contradição entre as declarações do Impugnante e o depoimento da testemunha o tribunal entende que deve ser relevado este último em detrimento daquele, pelos motivos já antes expostos e para os quais aqui se remete.
Acresce que a renovação da aplicação faz sentido no contexto da relação bancária estabelecida entre os Impugnantes e a Liquidanda, junto da qual sempre tiveram aquele mesmo investimento, que renovaram sucessivamente, obtendo os rendimentos acordados.
Diga-se ainda, que não foi apresentada qualquer razão que permita enquadrar a alegada decisão de cessar o investimento, apenas tendo sido referido que, em face da taxa de juro mais baixa oferecida naquela emissão, os Impugnantes não pretenderam renovar, o que, atenta a diferença em causa (0,75%) e as taxas de juro praticadas à data, designadamente, para depósitos a prazo (ainda mais baixas), não se considera relevante, desde logo por ausência de uma melhor alternativa.
Finalmente, cumpre referir que, quanto a nós, a inexistência de um documento de subscrição assinado em nada invalida este raciocínio.
Quanto à necessidade de documento escrito para prova da ordem de subscrição, tem sido defendido pelos tribunais superiores que podem ser dadas ordens oralmente, sem prejuízo do dever de o intermediário financeiro proceder à sua redução a escrito, sendo que a inobservância da exigência de redução a escrito da ordem verbal não acarreta a nulidade da ordem, que pode ser provada por quaisquer meios probatórios legalmente admissíveis, incluindo, por testemunhas. Neste sentido o Ac. STJ de 15.11.2007, P.07B3093 e o Ac. TRL 6.3.2014, P. 518/12.2TVLSB.L1-2.”
Apreciando:
A alínea 5 f) da matéria de facto provada é a versão dos recorrentes contrária à versão que ficou provada em 5.13. relativamente à questão da ordem de subscrição.
Neste ponto damos por reproduzida a motivação do indeferimento da impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 5.13, acrescentando que a decisão da CMVM não tem aptidão para funcionar como meio de prova desta factualidade e que se trata, efetivamente, de matéria especificadamente impugnada pela liquidanda, como resulta da versão dos factos apresentada na resposta à impugnação, onde se alegou que as ordens de subscrição foram dadas telefonicamente à liquidanda e que agiu em execução das instruções recebidas (arts. 30 a 32, 37, 38 e 39 da resposta).
Assim, e com os fundamentos já exposto na motivação da decisão de 5.13., improcede a impugnação deduzida nesta parte.
*
Os recorrentes pedem ainda a ampliação da matéria de facto provada, devendo ser dado como assente o facto alegado em 17º da Impugnação - “Não obstante insistências por parte dos Impugnantes, a Insolvente impediu o levantamento da importância depositada”.
Não tendo o tribunal elencado tal matéria nem nos factos provados, nem nos factos não provados, deve ser tida como assente, dado que:
- não foi objeto de impugnação específica, sendo aplicável o disposto no art. 574º do CPC;
- resulta do contrato de abertura de conta, das ordens de subscrição de 2011, 2012 e 2013 (fls. 8568 a 8572) e da reclamação à CMVM e decisão desta (fls. 481 a 482);
- foi afirmado pelo 1º recorrente em declarações de parte que não deu qualquer ordem de subscrição em 2014 e que a importância aplicada em 2013 deveria ter ficado à ordem, que solicitou o seu levantamento ao gerente de conta que recusou;
- o 4º recorrente referiu que a determinada altura precisavam do dinheiro e foi então que surgiu a confusão, tendo assistido a uma conversa do seu pai ao telefone e tendo depois sido feita uma carta assinada por todos;
- CSB, apesar de não se mostrar credível, imparcial ou coerente, acabou por reconhecer que depois da falência da Rio Forte o 1º recorrente lhe ligou e pediu o levantamento do dinheiro, reconhecendo que já teria anteriormente feito o mesmo pedido à liquidanda.
O recorrido refere que impugnou este facto especificadamente, no art. 32º da resposta à oposição.
Não impediu o levantamento porque a Rio Forte não reembolsou as obrigações subscritas.
Apreciando.
O facto em causa foi, efetivamente, alegado e impugnado (arts. 17 da impugnação e 32 da resposta), sendo, de acordo com as plausíveis soluções de direito, um facto relevante para a causa.
Apreciando – ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC, aplicável ex vi art. 17º do CIRE e 8º nº1 do Decreto Lei nº 199/2006 de 25/10, na sua versão atual:
Face à prova de que ocorreu uma subscrição de aplicações Rio Forte em fevereiro de 2014 (cfr. Fundamentação da decisão quanto a 5.13., que aqui se dá por reproduzida) o capital, de 300.000,00 USD, a partir da data daquela não estava à ordem, estava aplicado.
As declarações do 1º recorrente de que solicitou o levantamento têm por pressuposto a sua versão dos factos: que não tendo ordenado a subscrição o dinheiro estaria à ordem na sua conta junto da liquidanda.
O 1º recorrente declarou que foi após receber o extrato de junho de 2014 (e por causa dela) que ligou a pedir o levantamento do dinheiro “com urgência”, tendo-lhe sido respondido um dia ou dois depois que não podia ser porque estava aplicado. Pediu então por e-mail novamente o levantamento (tendo sido sugerido pela liquidanda que pusesse o pedido por escrito), tendo-lhe sido respondido que teria que reclamar à Rio Forte. Referiu ainda ter sido contactado para reclamar créditos na falência da Rio Forte;
O 4º recorrente referiu que deixaram ficar o dinheiro na conta porque sabiam que iam precisar, “para umas obras” e que quando tentaram levantar foi quando “surgiu a confusão”. Referiu ter sido ele a sugerir ao pai pedir por escrito o levantamento;
CSB declarou que falou com o 1º recorrente depois da falência da Rio Forte para frisar a necessidade de reclamar créditos e que ele lhe disse que queria levantar o dinheiro, ao que respondeu que era impossível. Também disse ter falado com o 1º recorrente em julho, mas que a questão do levantamento do dinheiro surgiu na segunda conversa (que a testemunha situou em setembro/outubro). Referiu ainda que “lhe foi transmitido” que o 1º recorrente já havia solicitado o levantamento do dinheiro.
Finalmente o Liquidatário, munido de um extrato da conta dos recorrentes, esclareceu que no dia 12/03/14 os recorrentes transferiram a totalidade do saldo à ordem, salvo erro para uma conta no BES, sendo esse saldo o pagamento do cupão da obrigação de 2013, vencida em fevereiro de 2014. Nessa altura a conta ficou apenas com a subscrição Rio Forte. O liquidatário perguntado sobre se os recorrentes haviam sido impedidos de fazer levantamentos esclareceu que não e enumerou vários levantamentos (transferências) feitas da conta para outras.
Conjugando estes elementos com a demais prova já ponderada resulta que os recorrentes não foram impedidos de levantar fundos da sua conta porque esta não os tinha depositados. Quando o 1º recorrente fez a primeira tentativa, que situa em julho, é exatamente na altura em que os acontecimentos do grupo GES se começam a precipitar – cfr. Factos XXX e XLVI a XLVII da matéria de facto geral – a aplicação estava em curso mas já havia sérios indícios de que não iria ser reembolsada.
Na verdade, provado que a ordem de subscrição foi dada, não pode dar-se como provado que foram impedidos levantamentos da conta neste exato sentido: o impedimento não foi por parte da liquidanda, mas deveu-se ao facto de não haver fundos para levantar. Não havendo importância depositada não pode ter-se por apurado qualquer impedimento ao seu levantamento.
Entende-se assim, indeferindo a ampliação da matéria de facto provada requerida pelos recorrentes, ao abrigo dos poderes deste Tribunal, aditar o seguinte aos factos não provados:
5 r) Não obstante insistências por parte dos Impugnantes, a Insolvente impediu o levantamento da importância depositada.
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A impugnação da decisão relativa à matéria de facto improcede, assim, integralmente, decidindo o tribunal aditar um facto não provado à matéria de facto não provada relativa ao recurso 1.3., interposto por ASC, MLSC, SSC e PSC, correspondente à impugnação nº5:
5 r) Não obstante insistências por parte dos Impugnantes, a Insolvente impediu o levantamento da importância depositada.
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5.1.4. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto relativamente à impugnação nº35, correspondente ao recurso 1.4., interposto por EPR:
A recorrente começa por apontar que o tribunal omitiu a apreciação de factos relevantes para a decisão da causa, cujo aditamento à matéria de facto provada requer, alegando ainda que foram incorretamente julgados os pontos 35.7, 35.9, 35.16, 35.19 e 35.20.
O tribunal deixou consignada a seguinte apreciação geral da prova testemunhal e por declarações ouvida:
“No âmbito desta impugnação foram inquiridas as seguintes testemunhas:
- MML, técnica da C.M.V.M.;
- PFR, funcionário da C.M.V.M., a desempenhar a função de coordenador de apoio ao investimento e reclamações, que conheceu a Impugnante e a Liquidanda em virtude da reclamação que aquela apresentou em Julho de 2014
- JAS, ex-director adjunto do departamento de apoio ao investimento e reclamações da C.M.V.M.;
- MCB, neta da Impugnante;
- VPR, filho da Impugnante;
- FMG, sobrinho da Impugnante;
- CLO, promotor bancário e gestor de conta aberta pelo marido da Impugnante junto do Deutsch Bank;
- AMF, gestora da conta da Impugnante aberta junta da Liquidanda, entre 2012 e 2014, mas com a qual já tivera uma relação profissional semelhante no Millenium BCP.
O depoimento das três primeiras testemunhas incidiu sobre questões técnicas e sobre o conhecimento que lhes adveio da documentação junta ao processo interno aberto pela C.M.V.M. na sequência da reclamação apresentada pela Impugnante.
Os depoimentos de MCB, VPR e FMG versaram sobre as habilitações, os conhecimentos e a experiência profissional e bancária da Impugnante.
O depoimento da testemunha CLO incidiu algumas questões técnicas relativas ao sector bancário e ainda sobre os investimentos e perfis de investidor da Impugnante e marido.
Finalmente, prestou esclarecimentos BHG, que declarou ter conhecido a Impugnante quando desempenhava funções de gerente provisório do Banque Privée Espírito Santo S.A. – Sucursal em Portugal, na sequência da apresentação do pedido de reembolso de uma obrigação subscrita pela mesma.”
E em apreciação crítica geral sobre os depoimentos e declarações repetidos havia motivado pela seguinte forma a sua apreciação dos mesmos (sublinhado nosso):
“Tendo presentes estes conceitos, para a formação da convicção do tribunal contribuíram os depoimentos e declarações de parte, os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência e os esclarecimentos do Sr. Liquidatário Judicial, concatenados com toda a prova documental carreada para os autos, independentemente da sua origem, e analisados criticamente, com recurso às presunções e às regras de experiência (artigos 349º e 351º do Código Civil e 607º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
No que respeita às declarações de parte, nos termos do artigo 466º, nº 3 do Código de Processo Civil, o Tribunal aprecia-as livremente, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Assim, as declarações de parte dos Impugnantes foram avaliadas pelo Tribunal tomando em atenção a natureza supletiva e a circunstância de estarem envolvidos interesses próprios e directos na decisão a proferir.
No que se refere à prova testemunhal, e sem embargo das referências individuais e concretas que faremos a propósito da factualidade relevante para a decisão de cada impugnação, importa desde já deixar expresso que ao longo das diversas sessões de julgamento foram ouvidas, mais do que uma vez, testemunhas arroladas pela Liquidanda, a saber, ACR, AMF e JAS.
A razão de ciência destas testemunhas alicerçou-se na sua vivência pessoal e experiência profissional enquanto gestores de conta da Liquidanda. Nessa medida, não só interagiam directamente com os clientes, ora Impugnantes, mas também integraram a instituição bancária ora Liquidanda, e nessa medida tomaram conhecimento e executaram as regras e procedimentos adoptados.
Nenhuma destas testemunhas tem qualquer relação actual, quer pessoal, quer profissional, com a Liquidanda ou com a Banque Privée Espirito Santo, S.A.
Todos, sem excepção, demonstraram respeito e, em alguns casos, até apreço pelos Impugnantes de que foram gestores de conta e com os quais, não raras vezes, estabeleceram relações pessoais.
Depuseram de forma segura, com espontaneidade, objectividade, coerência e verosimilhança, denotando preocupação em esclarecer, de forma detalhada e o mais precisa que lhes foi possível, atento o tempo decorrido, as questões que lhes foram colocadas, o que fizeram sempre com apoio nas suas memórias ou em elementos, designadamente, documentais, que recolheram tendo em vista os depoimentos que vieram prestar.
O seu discurso foi coerente, circunstanciado e sustentado, não revelando qualquer animosidade ou parcialidade.
Adoptaram posturas serenas, não manifestando qualquer antagonismo, nervosismo ou exaltação e responderam de forma directa e fundamentada às questões colocadas quer pelos mandatários dos Impugnantes, quer pelos mandatários da Liquidanda.
Sem prejuízo do que infra ainda se referirá a propósito dos depoimentos prestados nas sessões de julgamento relativamente a cada uma das impugnações, cumpre desde já aqui deixar expresso que o tribunal não pode deixar de atender e relevar a coerência e consistência dos vários depoimentos prestados por cada uma destas testemunhas nas diversas sessões de julgamento em que estiveram presentes, mas também dos depoimentos de todas elas entre si.
Por ser esta a percepção do tribunal, e na medida em que foram consentâneos com o teor dos documentos juntos aos autos e não resultaram contraditados por outra prova, os depoimentos prestados permitiram sustentar a convicção do tribunal.”
E sobre as declarações prestadas pelo Sr. Liquidatário:
“Identicamente, também o Sr. Liquidatário Judicial prestou esclarecimentos inúmeras vezes.
Desde a primeira sessão de julgamento em que tal questão se suscitou, o tribunal entendeu ser mais conforme com as finalidades do processo que os esclarecimentos a prestar pelo Sr. Liquidatário Judicial pudessem versar sobre todos os factos de que o mesmo tivesse conhecimento directo (uma vez que foi representante da Banque Privée Espírito Santo S.A. – Sucursal em Portugal entre 2007 e 19 de Setembro de 2014 e entre 20 de Setembro de 2014 até 20 de Setembro de 2015, gerente provisório), ao invés de os restringir aos factos que tivessem advindo ao seu conhecimento apenas após a sua nomeação para essas funções.
Para esta decisão pesou o facto de o próprio Banco de Portugal ter considerado que o mesmo era a pessoa certa para assumir as funções de Liquidatário Judicial no processo de liquidação da instituição de que foi gerente, o que pressupõe, necessariamente, uma avaliação de isenção e integridade.
Assumida esta opção, sempre o Sr. Liquidatário prestou os seus esclarecimentos de forma tranquila, com um discurso escorreito e coerente, revelando profundo conhecimento das matérias sobre as quais depôs, essencialmente, relacionadas com a actividade e os procedimentos seguidos pela Liquidanda, a sua oferta, os moldes em que operava no mercado bancário ao lado dos demais concorrentes, o funcionamento interno e a relação com a Banque Privée Espirito Santo, S.A. e as demais sociedades do Grupo Espírito Santo.
Anotamos a firmeza, convicção e segurança que sempre deixou transparecer nas suas respostas, devidamente enquadradas, prestando os esclarecimentos que lhe foram solicitados com respeito pelos interlocutores e pelos Impugnantes, sempre que a eles se referiu.
Pelas razões agora expressas, e sem olvidar as funções anterior e actualmente desempenhadas que, necessariamente, determinam um envolvimento pessoal e um interesse funcional na decisão da causa, também os esclarecimentos por ele prestados foram considerados pelo tribunal, firmando a respectiva convicção, sempre que se nos afiguraram verosímeis e não foram contrariados por prova suficiente para abalar a respectiva credibilidade.
No que respeita às demais testemunhas apresentadas e inquiridas, o tribunal credibilizou os respectivos depoimentos na estrita medida em que se afiguraram verosímeis, objectivos e imparciais, revelando conhecimento pessoal ou profissional directo sobre as questões que lhes foram colocadas e não foram infirmados por outros meios de prova.”
Com relevo ainda para a aferição da motivação da decisão de facto relativa à presente impugnação de créditos, o tribunal a quo deixou ainda clara a sua posição quanto às deliberações da CMVM apresentadas por vários impugnantes, entre os quais pela recorrente:
“Releva referir que foram apresentadas por vários Impugnantes, cópias de comunicações e pareceres emitidos pela C.M.V.M. no âmbito de processos de reclamação tramitados por aquela entidade na sequência de reclamações apresentadas.
Nos termos do art.6º dos Estatutos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 5/2015, de 8 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 148/2015, de 9 de Setembro):
“6 - Sem prejuízo do disposto no Decreto–Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 371/2007, de 6 de Novembro, 118/2009, de 19 de Maio, 317/2009, de 30 de Outubro, e 242/2012, de 7 de Novembro, compete à C.M.V.M. contribuir para a resolução de conflitos entre entidades sujeitas à sua supervisão, ou entre estas e investidores, designadamente:
a) Na sequência do tratamento das reclamações, emitir recomendações às entidades sujeitas à sua supervisão ou, caso isso não se revele eficaz, determinar-lhes a adoção das medidas necessárias à reparação justa dos direitos dos investidores. (…)
7 - A C.M.V.M. organiza um serviço gratuito de tratamento das reclamações destinado à resolução de conflitos entre investidores não qualificados, por uma parte, e entidades sujeitas à sua supervisão, de outra parte.
8 - Ao serviço referido no número anterior incumbe a análise integral da questão suscitada e a aferição do cumprimento das normas aplicáveis no caso concreto, segundo termos processuais simples e expeditos”.
Assim, caso o reclamante seja um investidor não qualificado e se verifique uma situação de conflito entre este e a entidade supervisionada, a C.M.V.M. inicia um procedimento com vista a promover a resolução extrajudicial deste conflito, nos termos do Regulamento da C.M.V.M. n.º 2/2016, alterado pelo Regulamento n.º 3/2019.
A propósito da tramitação destes procedimentos a C.M.V.M. explica (no site https://www.cmvm.pt/pt/AreadoInvestidor/Faq/Pages/faq-reclamacoes.aspx) que “Neste âmbito, a C.M.V.M. analisa a situação na perspetiva das normas ligadas à regulação dos mercados de instrumentos financeiros e emite uma opinião quanto à demonstração do cumprimento dos deveres por parte da entidade supervisionada, podendo recomendar à entidade supervisionada que atenda à pretensão do reclamante, caso os elementos lhe permitam concluir nesse sentido. A conclusão desta análise é comunicada ao reclamante e à entidade reclamada.
Extinto o procedimento de tratamento e análise da reclamação, a C.M.V.M. poderá iniciar um processo de supervisão, caso existam elementos que apontem para a eventual violação de normas legais no âmbito da supervisão da C.M.V.M. (…) Com vista à promoção da resolução extrajudicial de um conflito, a C.M.V.M. pode emitir recomendações ou determinações às entidades supervisionadas com vista à reparação justa dos direitos dos investidores, caso detete elementos que apontem para um não cumprimento dos deveres legais por parte dessas instituições. Note-se que não incumbe à C.M.V.M. o apuramento de uma eventual indemnização a ser atribuída aos investidores que tenham sofrido danos, algo que poderá ser feito através dos tribunais ou do recurso a meios de resolução extrajudicial de litígios”.
Nos termos da lei e dos esclarecimentos prestados pela própria C.M.V.M., esta entidade tem competência para apreciar as reclamações apresentadas contra entidades sob a sua supervisão podendo, a final, além do mais, emitir recomendações ou determinações às entidades supervisionadas com vista à reparação justa dos direitos dos investidores. Estas recomendações poem fim ao processo de reclamação, sem prejuízo de a C.M.V.M. poder também iniciar um processo de supervisão, caso existam elementos que apontem para a eventual violação de normas legais.
São estas recomendações, sob a forma de parecer formal, que os Impugnantes vieram juntar ao processo.
Contudo, importa aqui deixar claro que estas recomendações são emitidas no âmbito das competências próprias da C.M.V.M. enquanto regulador e numa fase pré-judicial, não vinculando o Tribunal, designadamente, no que respeita às conclusões que essa entidade tenha alcançado no âmbito desses processos.
Tanto vale por dizer que é com base na prova produzida nestes autos que o Tribunal decidirá e não com apoio em conclusões/apreciações prévias de quaisquer entidades, mormente da C.M.V.M.”
Compulsados os meios de prova enunciados e ouvidos os depoimentos e declarações produzidas estamos em condições de confirmar a apreciação do tribunal recorrido, em geral.
As testemunhas MML, PFR e JAS, funcionários da CMVM não demonstraram conhecimento direto sobre os factos tendo apenas contactado com os documentos do processo de reclamação instruído pela CMVM. Destes, PFR foi o que mostrou maior conhecimento do processo, tendo inclusive contactado pessoalmente com a recorrente. Todos prestaram também esclarecimentos de ordem técnica, em especial PFR.
MCB e VPR, respetivamente neta e filho da recorrente também não demonstraram conhecimento direto dos factos tendo caraterizado a personalidade da recorrente, o seu percurso profissional e caraterísticas.
FMG, sobrinho da recorrente, declarando desde logo assertivamente nada saber sobre os investimentos mobiliários da recorrente relatou o seu relacionamento com ela – a tia recolhe informações e conversa consigo sobre investimentos imobiliários há cerca de 20 anos – e descreveu as suas características no tocante a investimentos imobiliários, de forma muito objetiva e com assumida distinção entre avaliações suas, factos de que teve conhecimento e factos desconhecidos.
CLO, gestor de conta do marido da recorrente no Deutsch Bank, não revelou, igualmente, qualquer conhecimento dos factos e, prestando um depoimento versando sobre aspetos técnicos, mostrou ter formado uma opinião, que partilhou, permitindo assim ao tribunal avaliar corretamente o seu depoimento.
AMF, gestora de conta da recorrente prestou um depoimento sereno e isento, declarando de forma assertiva os factos de que tinha memória e os que não se recordava e os procedimentos ao tempo. Mostrou conhecimento dos factos a que depôs.
O Liquidatário prestou declarações sobre temas mais gerais, relativos ao grupo, às emitentes e relações entre a sucursal, a sede e as emitentes e ao conhecimento sobre a situação das emitentes, ao tempo, também de forma objetiva e credível.
*
O primeiro facto que a recorrente entende dever ser dado como provado, face à prova produzida e às plausíveis soluções de direito, é o seguinte:
“Nos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” em nome da Impugnante, com referência à conta n.º 850264.01.100, referentes aos produtos “4% Espírito Santo Financière 2014/09.07.2014”, “5% Rio Forte Investments EMTN SR-191 2013/09.03.2015” e “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014” constam os seguintes dizeres:
“Categoria do investidor: Cliente profissional”
“Instrumentos Financeiros Complexos”
Alega, para alicerçar tal pretensão, que o facto decorre linearmente dos documentos de fls. 8671, 8677 e 8679, sendo formulário, preenchidos pela liquidanda nos quais esta classifica a sua cliente como investidora profissional e classifica o produto financeiro que lhe está a vender como instrumento complexo, ambas questões que identifica como essenciais à boa decisão da causa.
O recorrido, pronunciando-se conjuntamente sobre os pedidos de aditamento deste e do 3º facto subsequente (fichas técnicas), refere que qualquer destes pontos não constitui facto, mas meio de prova e que, ainda assim, não são aptos a demonstrar que a liquidanda procedeu à classificação da recorrente de forma voluntária e unilateral.
Apreciando:
A primeira indagação a fazer, perante os três primeiros factos cujo aditamento é peticionado, e tendo em conta que os mesmos, na essência, e tal como configurados pela recorrente, se reconduzem à reprodução de documentos, é de se podem ser considerados como factos suscetíveis de serem dados como provados.
Nos termos do art. 341º do Código Civil, «As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos».
O termo prova tem aceções diferentes, conforme a perspetiva em que é utilizado, sendo as três aceções principais a prova como atividade, a prova como meio e a prova como resultado.
Como já ensinava Castro Mendes[73] partindo da ideia geral de que a prova se destina à demonstração da verdade dos factos alegados em juízo são três as aceções principais de prova:
“- Como actividade destinada a demostrar a verdade de factos alegados em juízo – melhor se dirá então actividade probatória;
- Como resultado final consistente em a verdade dos factos alegados em juízo ficar demonstrada – esse o sentido mais curial do termo, em doutrina, e aquele em que este é usado em expressões como “fez-se prova”,
- Como cada um dos meios, de natureza diversa, que se usam para investigar da verdade ou falsidade de factos alegados em juízo; nesse sentido se dirá que um documento é uma prova – melhor se dirá no entanto que é um meio de prova. No entanto cremos ser esse o sentido da palavra “prova” no art. 341º do Código Civil,”
E o mestre prosseguia explicando que o objeto da prova, na terminologia corrente e usual são factos e que não são objeto da prova argumentos, razões, pontos ou questões de direito.
Esta triologia de aceções principais da prova vem sido repetida e aprofundada pela doutrina[74], tendo Miguel Teixeira de Sousa indicado uma quarta aceção: o quantum necessário para a formação da convicção do juiz sobre a verdade de um facto – medida da prova[75].
É ainda útil para a questão que nos ocupa distinguir fonte de prova e meio de prova: “A fonte de prova designa uma realidade extrajurídica preexistente ao processo, que representa um quid material substantivo. O meio de prova é um conceito processual, reportando-se à atividade necessária para introduzir a fonte no processo. (…). Assim, a testemunha é fonte de prova e o testemunho é o meio de prova; o objeto submetido a perícia é a fonte e o meio consiste na atividade pericial e subsequente relatório. É fonte de prova a informação armazenada no suporte eletrónico (palavras, dados, imagens e/ou sons), sendo meio de prova a forma através da qual tais elementos são incorporados no processo designadamente através de prova documental, pericial ou mesmo testemunhal.”[76]
O enunciado dos meios de prova encontra-se nos arts. 341º a 396º do CC, entre os quais a prova documental – arts. 362º a 387º do CC.
É usual a classificação dos documentos entre declarativos e narrativos ou descritivos[77].
Os documentos descritivos contêm a exposição de um acontecimento.
Os documentos declarativos podem ser testemunhais (contêm uma declaração de ciência ou conhecimento do declarante, sendo confessórios, se provierem da parte e testemunhais em sentido estrito, se provindos de terceiro) e dispositivos (os que contêm uma declaração de vontade atinente a um ato ou negócio jurídico).
A importância desta classificação explica-se pela atividade probatória que sobre o documento pode incidir: quando o conteúdo do documento é uma declaração de ciência o tema da prova não incidirá sobre a própria declaração, mas antes sobre o objeto da declaração. “Ou seja, o documento constitui uma fonte indireta de prova dos factos que são objeto de declaração. Pelo contrário, no caso dos documentos dispositivos, o que é objeto do thema probandum é a declaração em si, consubstanciando o documento em si a prova direta da declaração de vontade.”[78]
A fixação da factualidade assente passa pelo crivo valorativo do juiz e não se confunde com a mera enunciação acrítica do teor integral dos documentos que são juntos ao processo.
A prova documental é um meio de prova e não objeto de prova.
Documentos há, nomeadamente os documentos dispositivos, em que se mostra necessário para demonstrar o facto (que foi emitida a declaração de vontade), a transcrição, total, parcial ou sintetizada do seu teor. São exemplos disso, na matéria de facto referente à presente impugnação, os factos dados como provados sob 35.2 (a celebração do contrato de abertura de conta), 35.3 (as menções assinaladas pela recorrente no questionário “Profiling”) ou 35.8 (a assinatura dos documentos de execução de ordem 4% Esfil e 5% Rio Forte).
Mas, em rigor, o que é objeto da prova são os factos e não as fontes de prova ou os meios de prova. Ou seja, a mera enunciação do teor de um documento, por si, não deve constar de um elenco de factos provados porque o documento, por regra, não é objeto de prova[79].
Encontramos na matéria de facto provada o que parece ser uma mera enunciação do teor de um documento, no facto 35.15., mas que na realidade, lido em conjunto com os factos 35.8 a 35.10, corporiza um documento dispositivo, no sentido de dar por assente o determinado conteúdo de documentos assinados ou conhecidos.
Aqui chegados, podemos concluir com alguma certeza que, por regra, não constitui objeto de prova o teor de documentos, pelo que dar como provado o respetivo teor, por si, carece de utilidade, sendo que esse teor pode e deve ser ponderado (mesmo que não esteja reproduzido na matéria de facto, dado que o documento existe, está junto aos autos e foi processualmente admitido[80]).
Recordando a recorrente pretende seja dado como provado:
“Nos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” em nome da Impugnante, com referência à conta n.º 850264.01.100, referentes aos produtos “4% Espírito Santo Financière 2014/09.07.2014”, “5% Rio Forte Investments EMTN SR-191 2013/09.03.2015” e “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014” constam os seguintes dizeres:
“Categoria do investidor: Cliente profissional”
“Instrumentos Financeiros Complexos”
Os factos que a própria recorrente admite pretender atingir com a enunciação do teor deste documento são de que a liquidanda classifica a sua cliente como investidora profissional e que a mesma classifica o produto financeiro que lhe está a vender como instrumento complexo.
Ambas as questões se reconduzem, assim, a declarações de ciência (a menção da categoria do investidor e dos instrumentos financeiros é efetuada com base noutro conhecimento não resultante dos próprios documentos), pelo este documento constitui uma fonte indireta de prova dos factos que são objeto de declaração, esses sim, objeto de prova.
Assim, não procede a pretensão da recorrente tal como é formulada: ou seja, não se irão dar como provadas simples menções de documentos com estas caraterísticas.
Tal não significa, porém, que não devam ser analisadas as pretensões da recorrente quanto aos factos que pretende provar, mas na perspetiva de se os elementos de prova disponíveis nos autos, nomeadamente estes documentos, permitem a conclusão pela prova ou pela não prova dos factos em causa – se necessário (caso não estejam já contemplados na decisão sobre a matéria de facto) e se relevantes para a decisão da causa.
Temos assim dois temas distintos:
A questão do tratamento da recorrente como investidora qualificada foi tratada nos nºs 35.17, 35.18, 35.19, 35.20 e 35.21 da matéria de facto provada (tendo a recorrente impugnado a decisão da matéria de facto quanto a 35.19 e 35.20.) e nas alíneas 35 a), 35 c) e 35 d) da matéria de facto não provada.
Compulsando a reclamação de créditos e a impugnação da lista de créditos apresentadas pela recorrente, bem como a resposta à impugnação apresentada pelo liquidatário (em representação da liquidanda), temos que:
- no art. 25º da reclamação de créditos a recorrente alegou “Quando a reclamante procedeu à abertura de conta junto da insolvente, foi-lhe atribuída a classificação de “investidor qualificado”, isto é, “profissional”;
- no art. 26º da impugnação da lista de créditos, a recorrente alegou novamente: “Quando a reclamante procedeu à abertura de conta junto da insolvente, foi-lhe atribuída a classificação de “investidor qualificado”, isto é, “profissional”;
- nos arts. 20 a 21 da resposta à impugnação a liquidanda alegou: “Aquando da abertura de conta, a Impugnante pediu desde logo a sua classificação como investidor qualificado/profissional (cf. DOC. 6, que aqui se junta e considera integralmente reproduzido).”, e “Após realização da avaliação da solicitação, a Liquidanda informou a Impugnante da sua classificação como investidora qualificada e das respectivas consequências,”
Ou seja, a recorrente alegou ter sido classificada como investidora qualificada e a liquidanda aceitou tal facto. Divergiram, levando tais factos complementares à categoria de factos controvertidos, na forma e tempo como aconteceu: mediante atribuição dessa classificação aquando da abertura da conta, como alegou a recorrente, ou através do diferimento do pedido formulado pela recorrente, na versão da liquidanda.
Compulsada a matéria de facto provada e não provada e respetiva motivação:
- dos factos 35.19 a 35.21, tal como formulados, resulta que a recorrente pediu a sua classificação como investidor profissional/qualificado, que a liquidanda a informou das consequências desse pedido e que o deferimento do pedido de tratamento como investidor qualificado não foi comunicado à recorrente;
- o facto dado como não provado sob 35 a), afinal correspondente ao facto 25 e 26, respetivamente, da reclamação de créditos e da impugnação, foi dado como não provado quanto às circunstâncias de modo e tempo da classificação da recorrente como investidora qualificada, como resulta claramente da respetiva motivação, ou seja, quanto aos factos instrumentais que se quedaram controvertidos após os articulados;
Do facto 35.21 consta, com clareza, o deferimento do pedido de tratamento como investidor qualificado pela liquidanda, que é matéria de facto já provada.
Assim, e independentemente da relevância dessa questão – a dilucidar em sede de mérito – o primeiro dos factos (alegados) que a recorrente pretendia demonstrar mediante a pretensão que estamos a analisar, está já demonstrado, não sendo necessário qualquer outro elemento, tanto que o facto 35.21 não foi impugnado.
Relativamente à questão da complexidade dos instrumentos financeiros, não foi alegada pela recorrente nem na reclamação de créditos nem na impugnação, mas foi alegada pela liquidanda na resposta à impugnação: nos arts. 5º a 9º descrevem-se as caraterísticas das obrigações subscritas, concluindo-se, no art. 10º, não serem complexas.
Também o tribunal versou tal matéria na sua decisão, de facto, enunciando as caraterísticas dos instrumentos financeiros (factos 35.12 e 35.13) e concluindo, com base nas mesmas que não se tratavam de produtos complexos (pg. 1010 da sentença) seguindo-se ainda considerações jurídicas sobre o tema.
O recorrido identifica a alegação da classificação dos instrumentos financeiros subscritos como complexos como uma questão nova, cujo conhecimento estará vedado a este tribunal, dado não ter sido alegada previamente pela recorrente, não fazendo parte da sua causa de pedir.
Os recursos são, por natureza, meios de impugnação de decisões judiciais, pelo que apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo incidir sobre questões novas.
Em regra, e exceção feita às questões de conhecimento oficioso, os tribunais superiores “…apenas devem ser confrontados com as questões que as partes discutiram nos momentos próprios.”[81]
Ou, e seguindo o acórdão STJ de 07/07/16[82], “como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação,…”.
No mesmo sentido se escreveu no Ac. TRC de 08/11/2011[83], que “IV - Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de questões novas. V – Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.”
Subscrevendo-se integralmente este entendimento, no caso concreto, porém, não concordamos com a qualificação de questão nova dada pelo recorrido uma vez que a matéria em questão foi alegada, objeto de prova, apreciada e decidida no julgamento em 1ª instância.
O princípio da aquisição processual, previsto no art. 413º do CPC, é aplicável na presente sede nos termos dos arts. 17º nº1 do CIRE e 8º nº1 do Decreto Lei nº 199/2006 de 25/10 e significa que é indiferente a parte que prova o facto: “o material necessário à decisão e aduzido ao processo por uma das partes pode ser tomado em conta mesmo em favor da parte contrária àquela que o aduziu.” Trata-se de material “adquirido para o processo, pertence à comunidade dos sujeitos processuais”[84].
Mal seria aliás, que, tendo a questão da caraterização dos produtos financeiros em causa sido objeto de prova e de discussão, bem como apreciada na decisão recorrida, a ora recorrente, só porque não foi ela a invocar a complexidade, não pudesse discuti-la. Os factos relevantes para a caraterização dos produtos foram alegados e objeto de instrução e foram adquiridos, cabendo ao tribunal tirar as devidas conclusões sobre os mesmos, mesmo que não correspondessem à conclusão avançada por quem os alegou.
Tal releva na medida em que identificámos como facto que a recorrente pretende ver provado a classificação, pela liquidanda, dos produtos financeiros como complexos.
A classificação dos produtos é uma realidade, fática e jurídica completamente diversa da classificação dos clientes. A classificação do cliente é um dever do intermediário financeiro[85], enquanto que a classificação dos produtos financeiros é uma classificação legal em função de determinadas caraterísticas dos produtos, sendo obrigatória a sua identificação como complexos, reunidas tais caraterísticas[86].
O intermediário financeiro tem, assim, um dever de identificação dos produtos complexos (e para isso tem que os classificar), mas a própria classificação é objetiva, resultando das caraterísticas dos instrumentos.
Assim sendo, o facto identificado como relevante pela recorrente, que a liquidanda atribuiu a estes produtos a classificação de complexos, não é relevante. O que releva é se o produto é ou não complexo, e para chegar a essa conclusão estão provados factos (35.12 e 35.13) a serem ponderados. O único facto que hipoteticamente poderia ser relevante não foi, de todo, alegado por qualquer das partes: só seria suscetível de configurar uma violação dos deveres da liquidanda enquanto intermediária financeira se, relativamente a produtos complexos, os não tivesse identificado como tais ou não tivesse cumprido os acrescidos deveres previstos no art. 2º do Decreto Lei nº 211-A/2008.
No mais, a questão da complexidade do produto apenas é suscetível de relevar em sede de intensidade dos direitos de informação e de avaliação do cumprimento (se devido) dos deveres de adequação. E, para esse efeito, não importa a classificação que lhe foi dada: o que importa é se os produtos são ou não efetivamente complexos.
Assim, conclui-se pela improcedência da impugnação deduzida, pelas seguintes ordens de razões:
- no tocante à inserção do teor de menções de documentos, nos termos requeridos, por inadmissibilidade legal;
- no tocante aos factos cuja prova se pretende alcançar com as referidas menções, em parte por desnecessidade (o facto já se encontra provado) e no demais por irrelevância.
*
A recorrente pede seja igualmente dado como provado o seguinte facto, que igualmente classifica de essencial e que resulta do teor literal dos documentos de fls. 8671, 8677 e 8679:
“Nos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” em nome da Impugnante, com referência à conta n.º 850264.01.100, referentes aos produtos “4% Espírito Santo Financière 2014/09.07.2014”, “5% Rio Forte Investments EMTN SR-191 2013/09.03.2015” e “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014”, consta, no verso, a final, uma anotação feita pela funcionária da Liquidanda – AMF – indicando que a cliente deu aquelas instruções telefonicamente, respectivamente, em 9/1/2014, 4/12/2013 e 2/5/2014.”
O facto, alega, permite concluir que a recorrente não deu a ordem relativa ao documento 8671, dado que nos três documentos consta a menção, mas só dois estão assinados, sem que haja explicação para esta omissão.
O recorrido alega que o que se pretende aditar não corresponde a um facto e que, no limite, a menção nesses documentos de que a ordem de subscrição foi dada telefonicamente não é apta a provar que determinada ordem não foi dada telefonicamente.
Dão-se aqui por reproduzidas todas as considerações tecidas no ponto acima quanto à noção e aceções de prova e noção e modalidades de prova documental.
Mais uma vez, o que se pretende seja aditado são as menções de três documentos regularmente juntos aos autos, admitidos e avaliados criticamente, identificando expressamente a recorrente que com tais menções pretende demonstrar a não prova de que a impugnante/recorrente deu a ordem de subscrição de uma das ordens constante de um desses documentos.
Ou seja, estamos mais uma vez a tratar de uma declaração de ciência (a aposição da menção de contacto telefónico), importando apurar, não se foi aposta aquela menção mas se a menção corresponde ao que se passou.
E compulsando a matéria de facto provada, verificamos que foi dado como provado sob 35.9 que “A Impugnante deu a ordem de subscrição do produto “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014 (N.º Isin: XS1066040376)” por telefone.”
Sem surpresa, o facto 35.9 é um dos factos que a recorrente pretende seja dado por não provado (forma como se interpreta o pedido formulado de eliminação do mesmo da matéria de facto assente, ou seja, provada) e em cuja fundamentação dá por reproduzidos todos os argumentos aqui esgrimidos para que seja aditado o presente ponto à matéria de facto provada.
Só podemos concluir que a única utilidade das menções que aqui se pretende sejam reproduzidas é como argumento da não prova do facto 35.9 (na ótica da recorrente) pelo que, indeferindo o requerido aditamento, se procederá à sua ponderação na decisão da impugnação da decisão da matéria de facto deduzida quanto a 35.9.
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A recorrente pede ainda ao tribunal que dê como provado que:
“Nas fichas técnicas dos produtos “5% Rio Forte Investments EMTN SR-191 2013/09.03.2015” e “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014” consta o seguinte aviso: “emissão destinada apenas a investidores qualificados (MIFID)” (sublinhados nossos)
E que
Na ficha técnica do produto “4% Espírito Santo Financière 2014/09.07.2014” constava o aviso “Private placement MIFID complex instrument not available for subscription” (sublinhados nossos)”
E alega que as fichas técnicas foram juntas aos autos por solicitação do tribunal que depois as ignorou por completo, e demonstram que a emitente considerou que só poderiam subscrever este produto investidores profissionais ou qualificados. Trata-se de facto essencial, alega, porque permitem concluir que se a impugnante não tivesse sido mal classificada como investidora profissional, nunca teria subscrito os produtos em causa nos autos.
O recorrido, tendo apontado que o que se pretende aditar não se trata de um facto, mas de um meio de prova, refere que as fichas técnicas foram pedidas pelo tribunal para aferir das caraterísticas dos produtos. A classificação dos produtos como complexos, face às caraterísticas ali constantes não corresponde à classificação vigente no direito nacional, situação que foi esclarecida no depoimento do Liquidatário e foi conhecida na sentença recorrida.
Dão-se novamente por reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos acima quanto à noção e aceções de prova e noção e modalidades de prova documental.
Os documentos em causa, as fichas técnicas dos produtos, foram solicitados pelo Tribunal, já no decurso da audiência final[87], sem oposição das partes e juntos em 15/02/2019, antes do encerramento da mesma.
Tratam-se de fichas técnicas elaboradas pelos emitentes dos produtos e não pelo intermediário financeiro e novamente documentos declarativos.
Assim, a sua única relevância é, rigorosamente, como meio de prova e para os fins já assinalados e que estão em discussão nos autos: saber se os produtos eram complexos, classificação que depende das caraterísticas dos mesmos e não da sua qualificação pelo emitente, sendo uma conclusão a atingir mediante os factos já dados como provados sob 35.12 e 35.13 e saber se na subscrição destes produtos pela recorrente releva o facto de ser considerada investidora qualificada (facto já provado, como referido acima) pela liquidanda.
Assim, os documentos podem e devem ser valorados, como meios de obtenção de prova que são, mas não é sequer útil dar como provado o seu teor.
Improcede, assim o requerido aditamento à matéria de facto provada.      
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Pede a recorrente que, em face do depoimento da testemunha AMF, se impõe seja dado como provado que:
“O documento de fls. 8681 - “Solicitação de Tratamento Como Qualificado” - fazia parte do pacote de abertura de conta que foi entregue à Impugnante pela sua gestora de conta, juntamente com os restantes documentos que faziam parte desse pacote, nomeadamente o Contrato de Abertura de Conta de fls. 8685, para que esta os assinasse e lhos devolvesse, o que veio a acontecer.”
O recorrido pede a improcedência do aditamento referindo que o facto alegado – que a recorrente solicitou a sua classificação como investidor qualificado, consta já do ponto 35.19 e está provado por documento, tendo sido dados por não provados os factos 35 a) e 35 c).
Alega ser irrelevante a forma como se processou a entrega de documentos, resultando do depoimento da gestora de conta que não foram assinados imediatamente.
Como já cima se referiu, no tocante à matéria da classificação da recorrente como investidora qualificada foram as seguintes as alegações das partes:
- no art. 25º da reclamação de créditos a recorrente alegou “Quando a reclamante procedeu à abertura de conta junto da insolvente, foi-lhe atribuída a classificação de “investidor qualificado”, isto é, “profissional”;
- no art. 26º da impugnação da lista de créditos, a recorrente alegou novamente: “Quando a reclamante procedeu à abertura de conta junto da insolvente, foi-lhe atribuída a classificação de “investidor qualificado”, isto é, “profissional”;
- nos arts. 20 a 21 da resposta à impugnação a liquidanda alegou: “Aquando da abertura de conta, a Impugnante pediu desde logo a sua classificação como investidor qualificado/profissional (cf. DOC. 6, que aqui se junta e considera integralmente reproduzido).”, e “Após realização da avaliação da solicitação, a Liquidanda informou a Impugnante da sua classificação como investidora qualificada e das respetivas consequências,”
Compulsada a matéria de facto provada e não provada e respetiva motivação:
- dos factos 35.19 a 35.21, tal como formulados, resulta que a recorrente pediu a sua classificação como investidor profissional/qualificado, que a liquidanda a informou das consequências desse pedido e que o deferimento do pedido de tratamento como investidor qualificado não foi comunicado à recorrente;
- o facto dado como não provado sob 35 a), afinal correspondente ao facto 25 e 26 da reclamação de créditos e da impugnação, foi dado como não provado quanto às circunstancias de modo e tempo da classificação da recorrente como investidora qualificada, como resulta claramente da respetiva motivação, ou seja, quanto aos factos instrumentais que se quedaram controvertidos após os articulados.
O que agora se pretende seja dado como provado respeita ao depoimento de uma testemunha e são os detalhes descritos por essa testemunha (pelo menos na versão da recorrente, essa ainda não é matéria que estejamos a avaliar) e que avaliados criticamente, conjuntamente com os demais meios de prova permitirão concluir se a recorrente pediu a sua classificação profissional ou se a mesma lhe foi atribuída (o que, note-se, não se confunde com a avaliação, de acordo com os factos provados, de se estão reunidos os requisitos para que a recorrente seja considerada investidora profissional).
Ou seja, o tratamento a dar a este acervo de factos instrumentais não é dar os mesmos como provados, mas antes, e avaliado o depoimento em causa criticamente, proceder à ponderação do depoimento prestado na decisão da impugnação da decisão da matéria de facto deduzida quanto a 35.19.
Improcede, assim, o pedido de aditamento do facto à matéria de facto provada.
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Seguidamente a recorrente indica como factos incorretamente julgados, os pontos 35.7, 35.9, 35.16, 35.19 e 35.20.
No tocante ao facto dado como provado sob 35.7. entende que o documento de fls. 8808 contraria frontalmente o facto dado como provado, atento que o documento demonstra que em 2 de maio de 2014, por ordem da sociedade H - SII, SA, deram entrada na conta titulada pela impugnante, € 102.000,00. Os depoimentos de AMF e FMG só provam que a sociedade em causa é relacionada ou dominada pela recorrente, mas não quem dentro da sociedade tinha poderes para proceder a tal transferência. Tal factualidade exigia uma certidão permanente e uma ficha de abertura de conta.
Pede seja o facto eliminado por não provado.
Relativamente ao facto dado como provado sob 35.9. entende que o mesmo não ficou provado pelos motivos já expostos nos fundamentos para que seja aditado o segundo facto resultante de documento e que permitem concluir que não está provado que a recorrente deu a ordem telefonicamente.
Acresce que nos termos do art. 327º do CVM, a única prova legalmente admissível de uma ordem dada telefonicamente é o seu registo fonográfico, tal como decorre das conclusões da deliberação da CMVM que o tribunal ignorou. Se tivesse sido dada tal ordem por telefone, a liquidanda não procedeu ao seu registo e, sem ele, não pode manter-se como provado, pelo que o ponto 35.9 deve ser eliminado.
Relativamente aos factos dados como provados sob 35.7 e 35.9, o recorrido pugna pela sua manutenção na formulação dada pelo tribunal e aponta que sob a alínea 35 e) dos factos não provados foi, precisamente, dado por não provada a versão alegada pela recorrente, de que não deu a ordem.
O recorrido alega, quanto aos factos 35.7 e 35.9 que é irrelevante saber se e que poderes tinha a recorrente para dar a ordem de transferência, sendo relevante sim o facto de tal transferência ter sido efetuada no dia e no montante necessários para que fosse efetuada a subscrição, sendo patente que a ordem de subscrição foi dada, não havendo, nem tido sido dada, qualquer outra explicação para a ordem de transferência. Os depoimentos foram inequívocos quanto à pertença da sociedade à recorrente.
Defende que relativamente às normas invocadas pela recorrente (327º e 307º-B do CVM, que não é a versão citada no recurso a versão aplicável, dado que não estava em vigor à data dos factos. Na versão aplicável, as ordens podiam ser dadas oralmente ou por escrito, podendo ser reduzidas a escrito pelo Banco, sem intervenção do cliente. No caso a ordem foi dada telefonicamente e logo reduzida a escrito tendo sido cumprida a regra legal. Sem prejuízo, defende que a redução a escrito e gravação da ordem não são requisitos de validade ad probationem. Mais alega que o facto resultou do depoimento da gestora de conta.
Foi a seguinte a fundamentação do tribunal recorrido quanto a estes dois pontos da matéria de facto provada:
“35.7. Foi confirmado pela testemunha AMF que viu os documentos (mail por si enviado ao back office do banco em 2.5.2014) e aviso de crédito na conta da Impugnante de fls. 8808, recordando que, como a cliente não tinha dinheiro disponível na sua conta junto da Liquidanda, fez uma transferência de uma conta noutra instituição, titulada por uma sociedade sua – H - SII, SA – para a sua conta junto da Sucursal, facto que a testemunha indicou no mail referido.
A testemunha esclareceu ainda conhecer o nome daquela sociedade e a sua relação com a Impugnante por já a acompanhar há muitos anos noutra instituição bancária.
A relação entre a Impugnante e esta sociedade foi também referida pela testemunha FMG, explicando que era uma sociedade que a mesma detinha e utilizava para “estacionar” os imóveis que comprava.
35.9. A gestora de conta AMF esclareceu que, certamente, recebeu a ordem de subscrição via telefone e posteriormente não houve oportunidade para regularizar o documento.
Explicou que no relacionamento com esta cliente era normal que as decisões e instruções de investimento fossem comunicadas via telefónica e posteriormente fossem regularizados (assinados) os documentos.
Relativamente a este investimento em concreto, pese embora não tivesse afirmado recordar ter recebido essa instrução (o que se compreende atento o lapso de tempo decorrido e o elevado número de instruções que a testemunha terá recebido dos seus vários clientes) disse que, seguramente, recebeu uma instrução pelo telefone e não houve oportunidade de, posteriormente, regularizar o documento.
Em qualquer caso ressalvou que, sendo assim, tal comunicação terá ficado assinalada.
Ora, precisamente a ordem de investimento tem assinalado que a instrução foi veiculada pela cliente via telefone, indicando a data – 2.5.2014.
No mesmo sentido, o e-mail datado de 2.5.2014 (fls. 255 do mesmo doc.2 junto pela Impugnante) enviado por aquela testemunha sob o assunto “subscrição Rio Forte 3 meses” refere expressamente que a cliente deu ordem de transferência de €100.000,00 do Santander e identifica o número de conta 850264 da cliente e o número de registo da recepção de ordem (77140), o qual consta igualmente no documento de “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro”.
Questionada sobre este e-mail a testemunha confirmou o seu envio para o back office do Banco, explicando que a cliente não tinha dinheiro disponível no Banco para fazer aquele investimento e por isso informou que ia fazer uma transferência de fundos de outro Banco.
Confrontada com as menções efectuadas no documento de “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” (fls. 8672/8673), concretamente, a referente à data e hora, aclarou que correspondem à data e hora do telefonema em que foi dada a ordem de subscrição pela Impugnante.
Da concatenação destes elementos extraímos o facto assinalado.”
No facto 35.7 o tribunal deu como provado
“35.7. Em 2 de Maio de 2014, a Impugnante fez uma transferência para a sua conta junto da Liquidanda, no valor de €102.000,00.”
O documento 11 junto com a resposta à impugnação é um aviso de entrada de fundos na conta da recorrente junto da liquidanda no valor de € 102.000,00 proveniente de H - SII, SA, SA com data de 2 de maio de 2014).
Releva igualmente a mensagem de correio eletrónico junta com a reclamação de créditos enviada em 02/05/2014 pela testemunha AMF (que o confirmou) para o back office da sucursal com a solicitação de subscrição na conta da recorrente e com a informação de que o montante a subscrever (100 mil euros), seria transferido ainda hoje, por ordem da cliente, do Santander.
A gestora de conta, declarando não se recordar em concreto da situação, declarou que o procedimento habitual com esta cliente era de a ordens serem dadas telefonicamente e depois a cliente passar no banco para as assinar.
Das ordens de execução de investimentos em causa consta assinalado instruções transmitidas por cliente, relativa ao instrumento “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014 (N.º Isin: XS1066040376)” em 02/05/2014, relativa ao instrumento “4% Espírito Santo Financière 2014/09.07.2014 (N.º Isin: XS1015427856)” em 09/01/2014 e relativamente ao instrumento “5% Rio Forte Investments EMTN SR-191 2013/09.03.2015 (N.º Isin: XS1003718399)” em 04/12/2013, o que, e ainda independentemente da questão da assinatura, confirma o procedimento da comunicação de ordens por telefone[88]. Dos documentos juntos com a resposta à impugnação (ordens anteriores) resulta o mesmo procedimento[89].
A gestora, no confronto com os documentos referidos (mail e aviso de transferência) recordou-se de que tendo sido a ordem dada telefonicamente, a conta da recorrente não estava provisionada para a subscrição (de 100 mil euros) e que a cliente a informou que iria fazer uma transferência, razão pela qual informou o back office.
A transferência foi feita, no montante de 102 mil euros, proveniente da identificada sociedade H - SII, SA.
Quer AMF, quer FMG identificaram esta sociedade H - SII, SA como estando ligada ou sendo da recorrente: “uma sociedade de que a cliente fazia parte” (AMF) e a sociedade “onde ela estaciona esses imóveis, foi essa sociedade, foi um dos conselhos que eu dei na altura para, em termos de bens sucessórios.” (FMG), tendo a gestora esclarecido que o seu conhecimento da ligação da sociedade vinha de trás, dado a própria sociedade já ter sido sua cliente.
AMF esclareceu que foi a cliente que lhe disse que ia fazer a transferência e, na sequência, foi feita a transferência com origem na H - SII, SA.
O depoimento de FMG sobre esta matéria indica mesmo que a recorrente esteve ou está ligada à gestão da H - SII, SA, dado que declarou, reportando-se à recorrente “Aliás, depois passado uns anos, com as chatices das permanentes necessidades de actas, de registo de atas, das contabilidades e tal, já dizia que estava um bocadinho arrependida, que isso era uma confusão muito grande”.
Mas, na verdade, não foi produzida prova direta sobre quem ordenou a transferência. Não sendo exato que apenas com uma certidão permanente e uma ficha de abertura de conta tal se poderia provar (nem a prova destes factos é vinculada, nem todas as operações bancárias são efetuadas mediante a aposição de assinaturas), objetivamente o que temos apurado é que a recorrente disse que ia ordenar a transferência e que a transferência foi feita, com proveniência de uma sociedade identificada consigo, em montante suficiente e na altura certa para que a ordem de subscrição pudesse ser executada.
Importa precisar que o documento referido (o aviso de transferência) não prova o contrário do que ficou exarado como provado. O documento identifica como proveniente de uma pessoa coletiva uma determinada operação bancária. As pessoas coletivas são representadas e agem através de pessoas singulares. Atenta a ligação apurada entre a recorrente e a pessoa coletiva em questão surge como razoável que tenha sido ela a ordenar a transferência. Mas, no concreto, tanto pode ter sido feita pela recorrente como por outrem a ordem da mesma. Sabemos a origem da transferência, não sabemos quem, materialmente, a executou.
Assim, a formulação do facto dado como provado não está correta mas isso não significa que deva ser deferida a pretendida eliminação do facto ou a sua não prova[90].
Assim, o facto em causa deve ser alterado para refletir a prova produzida, nos seguintes termos:
35.7. Em 2 de Maio de 2014, foi efetuada uma transferência bancária ordenada por H - SII, SA para a conta da Impugnante junto da Liquidanda, no valor de €102.000,00.
Passando ao facto 35.9, afinal o facto essencial, a recorrente argumentou que o facto de, das ordens aqui em causa, todas assinaladas com contacto telefónico, só duas estarem assinadas, permite concluir que a recorrente não deu a ordem relativa ao documento de fls. 8671, dado que nos três documentos consta a menção, mas só dois estão assinados, sem que haja explicação para esta omissão.
Alega também uma questão de direito probatório: que, nos termos do art. 327º do CVM, a única prova legalmente admissível de uma ordem dada telefonicamente é o seu registo fonográfico (invocando para o efeito a deliberação da CMVM relativa à reclamação por si apresentada). Se tivesse sido dada tal ordem por telefone, a liquidanda não procedeu ao seu registo e, sem ele, não pode manter-se como provado, pelo que o ponto 35.9 deve ser eliminado.
Iremos conhecer da questão substancial, em primeiro lugar – se se pode considerar estar provado que a recorrente deu a ordem telefonicamente – e depois se o facto apenas pode ser provado por registo fonográfico.
Quanto ao aspeto substancial, retomando a análise acima efetuada a propósito da impugnação de 35.7., temos o depoimento da gestora de conta que, não sabendo autonomamente recordar as datas precisas mas referindo não ter qualquer razão para duvidar das datas inscritas nos documentos, o que surge perfeitamente natural dado o decurso do tempo, no sentido de que esta ordem, como era procedimento habitual, foi dada por telefone, e que, por algum motivo, não foi depois retomado o referido procedimento, não tendo a cliente posteriormente assinado a mesma.
Das suas declarações resulta que, ordenado o investimento, dado que a cliente não tinha os fundos necessários para o efeito na sua conta, esta informou a gestora de que iria proceder a uma transferência do Santander. A gestora de conta comunicou a ordem de investimento ao back office informando que iria haver fundos suficientes para a subscrição dado que a cliente iria fazer uma transferência (mensagem de correio eletrónico de 02/05/2014). A transferência, no valor de € 102.000,00, entrou provinda de H - SII, SA, no mesmo dia 02/05/2014, ou seja, na data e no montante necessários para que a ordem de execução dada telefonicamente fosse cumprida.
Sabemos também, como já se especificou na decisão da impugnação de 35.7., que a sociedade em causa, H - SII, SA, é uma sociedade criada pela requerente, a conselho do seu sobrinho, para usar em investimentos imobiliários, ou seja, controlada por ela.
Da conjugação destes factos resulta, com base num juízo de experiência comum, que se foi efetuada, por uma sociedade controlada pela recorrente (estamos a usar a expressão em sentido não técnico) uma transferência para uma conta da recorrente, no dia e no montante em que tal era necessário para a aprovisionar com fundos suficientes para subscrever uma ordem de investimento, que essa ordem de investimento foi efetivamente dada pela recorrente.
Se a ordem não tivesse sido dada – e se tratasse de uma subscrição abusiva – quedaria sem explicação a transferência, naquela data e naquele montante da H - SII, SA. A sucursal liquidanda podia (de facto) dar a ordem de investimento sem que a recorrente a tivesse ordenado. Mas não podia ter ordenado a transferência dos fundos necessários para o efeito de uma conta titulada por uma sociedade ligada à recorrente noutro banco (o Santander).
Assim, e quanto à substancialidade da impugnação, concluímos pela falta de razão da recorrente.
Passando à segunda questão identificada a recorrente aponta as conclusões da deliberação da CMVM de 18/09/2015[91] relativamente à subscrição da ordem aqui em causa. Foi proposta a reapreciação da reclamação apresentada ela ora recorrente “1. Investimentos sem registo de ordem de subscrição
Não existência, conforme declarado por V. Exas., de suporte – documental, gravação telefónica ou registo fonográfico – para o investimento de 1000.000,00 em instrumentos financeiros identificados como “RIO FORTE INVESTMENTS EMTN SR-258 2014/11.08.2014.”
Compulsando o texto da proposta de decisão (cfr. pgs. 3, 4, 5 e 6), verificamos que a CMVM, após os elementos e explicações dadas pela liquidanda quanto à não assinatura da ordem de subscrição “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014 (N.º Isin: XS1066040376)” de 02/05/2014 concluiu que “não existe registo documental ou fonográfico da ordem transmitida pela reclamante” e que “a ER alega que a instrução para a subscrição desta aplicação foi dada telefonicamente pela cliente à sua gestora, e que para esse efeito transferiu o valor em causa de outra instituição de crédito.”
A deliberação contém elementos de facto – por exemplo cópia da mensagem de correio eletrónico para o back office de 2 de maio de 2014, já valorada – mas em si não é um elemento de prova a considerar.
Assim, a alegação de que o tribunal, para este efeito, ignorou a deliberação da CMVM é incorreta por duas razões: i) como se transcreveu acima, o tribunal na apreciação geral explicitou a razão pela qual não valorou as deliberações da CMVM; ii) a deliberação em concreto não tirou qualquer conclusão quanto à existência da ordem[92] concluindo sim que a mesma (a existir, acrescentamos nós) não foi registada documental ou fonograficamente.
Como já se assinalou, esta é uma questão jurídica, incidindo sobre direito probatório material. A questão a decidir, e que tem reflexo na matéria de facto é de se o tribunal podia (e se este pode) dar como provada a emissão da ordem pela recorrente com base na análise de documentos, depoimentos e juízos de experiência comum, ou se se trata de facto cuja prova exija forma vinculada.
Por outras palavras, teremos que determinar se estaremos ante a previsão de uma formalidade ad probationem, lido o art. 327º do CVM, na versão aplicável, caso em que teríamos a considerar um regime estrito de admissibilidade de meios de prova, tal como resulta do nº2 do art. 364º do CC e 393º do mesmo diploma, o que releva para a apreciação que vimos fazendo.
Estabelece o art. 327º do CVM, sempre na versão aplicável:
«Forma
1 - As ordens podem ser dadas oralmente ou por escrito.
2 - As ordens dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito pelo receptor e, se presenciais, subscritas pelo ordenador.
3 - O intermediário financeiro pode substituir a redução a escrito das ordens pelo mapa de inserção das ofertas no sistema de negociação, desde que fique garantido o registo dos elementos mencionados no artigo 7.º do Regulamento (CE) n.º 1287/2006, da Comissão, de 10 de Agosto.»
A recorrente cita a versão do art. 327º do CVM na versão dada pela Lei nº 35/2018, não aplicável, dado que não se encontrava em vigor nem à data da subscrição, sendo sim aplicável a versão dada pelo Decreto Lei nº 375-A/07, de 31/10.
Caso concluamos pela exigência de documento escrito ou outro registo nos termos do art. 327º do CVM, será aplicável ao registo em causa, documental ou outro, o disposto no art. 307º-B do CVM, na mesma versão, que prescreve a obrigação de conservação em arquivo dos documentos relativos a operações sobre instrumentos financeiros, incluindo ordens recebidas, pelo prazo de cinco anos após a realização da operação – cfr. nº1, al. a) do referido preceito.
Adiante-se que, de forma unânime, a forma escrita e a redução a escrito das ordens orais não são consideradas, nem pela jurisprudência[93], nem pela doutrina[94], formalidades ad substantium, não sendo, assim, aplicável o regime do nº1 do art. 364º do Código Civil.
A questão que tem sido discutida respeita tão somente ao seu carater ad probationem como nos elucida Lina Aurora Ramada e Castro Bettencourt Baptista[95]: “Diversamente, no que respeita às ordens concretas, estas podem ser dadas oralmente ou por escrito, tendo em conta que a agilidade e rapidez são valores essenciais no mercado.
No entanto, no art. 327.º, n.º 2, do CVM fixa-se uma obrigação de redução das mesmas a escrito pelo receptor[96]. No que respeita à razão de ser desta obrigação de redução a escrito, defendia-se, até há pouco tempo, na jurisprudência estarmos em presença de uma formalidade ad probationem[97]. Surgiu recentemente uma nova tese, em nosso entendimento mais consentânea com a realidade jurídica e fáctica, no Ac. da Rel. de Lisboa de 03/05/11[98] no sentido de que "O registo da ordem dada pelo ordenador tem uma função de salvaguarda dos próprios interesses do intermediário financeiro e da sua responsabilidade perante o cliente, e perante terceiros, e não de formalidade ad probationem." Ou seja, consideramos que a não sujeição a escrito da ordem por parte do intermediário não contende com a validade da ordem dada, sujeitando "apenas" este às consequências sancionatórias constantes do art. 397.º, n.º 2, alínea e), do CVM.”
O Supremo Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se sobre a questão já afirmou no Ac. de 15/11/2007 (Santos Bernardino) que “A exigência do registo, escrito ou fonográfico, da ordem de bolsa está ligada aos princípios da transparência e da confiança, essenciais a todo o tráfico mercantil, e visa permitir o confronto, se tal se mostrar necessário, entre a ordem e os termos da sua execução, para proteção dos interesses do intermediário, do ordenador e de terceiros, e garantir a transparência e correto funcionamento do mercado; não se trata de formalidade ad probationem de emissão da ordem, sujeita ao regime do art. 393º, nº 1, do CC”.”, posição reafirmada no acórdão do mesmo Supremo tribunal de 07/06/2018 (Abrantes Geraldes), com extensas citações de doutrina.
Paulo Câmara[99] defende que a exigência de forma escrita deve ser tida como forma ad probationem, apontando como fundamento para a sua posição a “circunstância de a ordem ser precedida de contrato de intermediação financeira celebrado de forma escrita (art. 321º, nº1 CVM).”
Como já referimos supra, a ordem, regulada nos arts. 325º e ss. do CVM,  é um negócio jurídico unilateral[100] de execução de um negócio jurídico de cobertura (o contrato de transmissão e execução de ordens), ou contrato quadro.
O referido contrato quadro pode, de facto, ser um contrato de intermediação financeira, mas também pode, como na situação dos recorrentes, ser um contrato de abertura de conta com uma conta de instrumentos financeiros associada ou outro contrato ou negócio de cobertura[101]. Essa a razão pela qual o art. 321º do CVM nos não parece um argumento que valha por si.
O próprio Paulo Câmara, aliás, logo de seguida à citação anterior adianta algumas das razões que nos levam a pensar que esta não é uma formalidade ad probationem: “Por outro lado, em termos sistemáticos, o direito mobiliário revela-se avesso a nulidades formais absolutas por preterição de requisitos formais. Como ilustração central, o próprio art. 321, nº 1 CVM declara que as nulidades formais relativas a contratos de intermediação financeira apenas podem ser alegadas pelo investidor: por outro lado, na mecânica de tratamento de ordens é o intermediário financeiro que tem o dever de reduzir a escrito a ordem – essa, aliás, uma das providências (embora não a única) destinada a comprovar o momento da sua receção (art. 325º, alínea b)). Se o não fizer, o intermediário financeiro atua ilicitamente e sujeita-se a consequências sancionatórias (art. 397º, nº 2 e)) – mas daí não pode resultar a nulidade da ordem. Entender o contrário – como tem persistido alguma da nossa jurisprudência superior - equivale a não compreender os valores essenciais (proteção confiança do cliente, finalidade dos registos e arquivos) em que repousa e sistema jurídico-mobiliário.”
É, de facto, esta aversão sistemática a nulidades formais, pouco compatíveis com a natureza e funções do direito mobiliário que, a nosso ver, justificam que a violação da regra, tendo consequência sancionatórias, como referido não tenha outras consequências (sujeitando-se os intermediários à dificuldade de prova da receção de ordens sem rasto escrito).
Podemos citar no sentido defendido, A. Barreto Menezes Cordeiro[102], bem como os Acs. TRL de 06/03/14 (Ezagüy Martins) e TRP de 10/07/2013 (Manuel Domingos Fernandes).
Não nos afastamos da doutrina e jurisprudência dominantes, considerando também nós que a exigência de registo, escrito ou fonográfico, da ordem de bolsa não constitui uma formalidade ad probationem, pelo que as regras de obtenção de prova foram respeitadas, sem que tenha ocorrido violação de qualquer norma imperativa.
Assim, atingida a conclusão de que se apurou que a recorrente efetivamente deu a ordem de execução do instrumento financeiro “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014 (N.º Isin: XS1066040376)” de 02/05/2014, apuramento obtido por meios de prova permitidos, não há qualquer razão para dar como não provado o facto nº 35.9 da matéria de facto provada.
Assim, procedendo parcialmente a impugnação da matéria de facto, altera-se pela seguinte forma o ponto 35.7:
35.7. Em 2 de Maio de 2014, foi efetuada uma transferência bancária ordenada por H - SII, SA para a conta da Impugnante junto da Liquidanda, no valor de €102.000,00.
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No tocante ao facto 35.16. a recorrente aponta que do depoimento de AMF resulta exatamente o contrário, isto é, apenas foi declarado ter sido informado quem eram as emitentes e que pertenciam ao Grupo Espírito Santo nada tendo sido esclarecido quanto ao risco de conflito de interesses e sobre as relações das emitentes com a liquidanda.
Defende, assim, não ter sido feita prova sobre este ponto, pelo que deve o mesmo ser eliminado.
O recorrido, quanto à impugnação da decisão da matéria de facto provada relativa ao ponto 35.16. pede a sua improcedência e expõe que no tocante à questão da informação prestada quanto a um alegado conflito de interesses, a matéria alegada na impugnação ficou definitivamente não provada sob as alíneas 35 i) e j) da matéria de facto não provada. Ficou demonstrado, sob os nºs 35.29 a 35.37 da matéria de facto provada, a ausência de interesse da Liquidanda na subscrição destas obrigações. O facto 35.16 foi alegado na resposta à impugnação, sendo que a recorrente nada alegou naquele articulado quanto a tal omissão ou tal conflito de interesses. O depoimento da testemunha AMF confirmou a informação prestada e bem assim, as fichas técnicas do produto.
A sentença recorrida motivou este ponto pela seguinte forma:
“35.16. Confirmado pela testemunha AMF, tendo o Sr. Liquidatário esclarecido que era esse (o de explicar aos clientes os produtos) o papel dos gestores de conta.”
O tribunal, no ponto 35.16 da matéria de facto provada deu como apurado que “35.16. A Liquidanda informou e esclareceu a Impugnante sobre as entidades emitentes das aplicações em causa – a Rio Forte e a ESFIL –, nomeadamente sobre o facto de estas entidades integrarem o Grupo Espírito Santo, a que pertencia a Banque Privée Espirito Santo, S.A.”
Contrariamente ao que alega a recorrente, foi feita prova sobre este ponto: a testemunha AMF declarou expressamente que a recorrente foi informada de que as emitentes dos instrumentos financeiros pertenciam ao Grupo Espírito Santo[103], o que corresponde exatamente ao facto dado como provado, e tal foi confirmado pelo Liquidatário como fazendo parte das funções dos gestores de conta.
Por outro lado, não foi produzido qualquer elemento de prova em contrário.
O que a recorrente ora afirma como não provado é que nada foi esclarecido quanto ao risco de conflito de interesses e quanto às relações entre a liquidanda e as emitentes.
O risco de conflito de interesses potencial na situação em que a liquidanda intermediou a subscrição de instrumentos financeiros emitidos por empresas do Grupo Espírito Santo era exatamente esse: pertencerem ao mesmo grupo.
A recorrente sabia que a sucursal liquidanda pertencia ao Grupo Espírito Santo – recorde-se que a Liquidanda tinha por denominação social Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal, era impossível não saber, até porque assinou o contrato de abertura de conta e recebia os extratos mensais onde tal denominação está visivelmente espelhada – e, tendo sido informada que a Rio Forte e a Esfil também faziam parte do Grupo, foi informada de que liquidanda e emitentes pertenciam ao mesmo grupo.
Tendo em conta os factos apurados (e não impugnados) 35.29 a 35.36 é bastante claro que o risco de conflito de interesses que se colocaria por a liquidanda pertencer ao mesmo Grupo dos emitentes dos títulos estava arredado, acrescendo os factos dados como provados em 35.37. e 35.38.
Por outro lado, o único facto alegado pela recorrente na sua impugnação (art. 57), quedou não provado sob 35 j) dos factos não provados, tal como não provado ficou a informação sobre a política de prevenção e mitigação de conflitos de interesses[104]
Assim, improcede a pretensão da recorrente de eliminação (seja dado como não provado) o facto 35.16.
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Relativamente aos pontos 35.19. e 35.20., a recorrente entende que decorre claramente do depoimento de AMF que a recorrente não solicitou o seu tratamento como investidora qualificada/profissional e que o impresso para o efeito lhe foi entregue pela gestora, juntamente com os demais documentos necessários à abertura da conta, assinado sem qualquer explicação ou esclarecimento.
Defendeu ainda que deveria ser dado como provado que “O documento de fls. 8681 - “Solicitação de Tratamento Como Qualificado” - fazia parte do pacote de abertura de conta que foi entregue à Impugnante pela sua gestora de conta, juntamente com os restantes documentos que faziam parte desse pacote, nomeadamente o Contrato de Abertura de Conta de fls. 8685, para que esta os assinasse e lhos devolvesse, o que veio a acontecer.”, matéria que se referiu seria ponderada neste ponto da impugnação.
O recorrido defende a improcedência da impugnação, referindo a irrelevância da forma como foram entregues os documentos, os factos dados como não provados sob 35 a) e c) e o depoimento da gestora de conta do qual resulta a forma como os documentos foram entregues e assinados.
O tribunal a quo indicou os seguintes fundamentos para a prova destes factos:
“35.19. Resulta do teor do doc. 6 junto com a resposta à impugnação que constitui o documento denominado, precisamente, “Solicitação de Tratamento Como Qualificado”, no qual pode ver-se, na última página, uma assinatura manuscrita imputada à Impugnante, o que não foi contestado por esta.
35.20. É o que está expresso no documento designado “Solicitação de Tratamento como Qualificado” que se mostra a fls. 8681 e ss.”
A controvérsia da recorrente quanto ao ponto 35.19. reside no teor das declarações da gestora de conta (confirmadas, em geral, não no caso particular desta cliente, pelo Liquidatário), de que o pedido de tratamento como qualificado foi entregue à recorrente no pacote de documentos de abertura de conta.
Trata-se do documento 6 junto com a resposta à impugnação, documento que, como referiu o tribunal, se mostra assinado pela recorrente, assinatura que não foi impugnada.
Do referido documento consta uma advertência padronizada e extensa sobre as consequências de ser tratado como qualificado e a assinatura da impugnante e ora recorrente surge logo abaixo da menção “Solicito ser categorizado como um cliente Qualificado, estando ciente das consequências desta opção.”
Assim, não há qualquer dúvida que a recorrente assinou e entregou à liquidanda – a conferência e receção pelo banco estão também documentadas, com data de 16/07/2009 – um pedido de tratamento como investidora qualificada, tal como provado em 35.19.
Como já cima se referiu, no tocante à matéria da classificação da recorrente como investidora qualificada foram as seguintes as alegações das partes:
- no art. 25º da reclamação de créditos a recorrente alegou “Quando a reclamante procedeu à abertura de conta junto da insolvente, foi-lhe atribuída a classificação de “investidor qualificado”, isto é, “profissional”;
- no art. 26º da impugnação da lista de créditos, a recorrente alegou novamente: “Quando a reclamante procedeu à abertura de conta junto da insolvente, foi-lhe atribuída a classificação de “investidor qualificado”, isto é, “profissional”;
- nos arts. 20 a 21 da resposta à impugnação a liquidanda alegou: “Aquando da abertura de conta, a Impugnante pediu desde logo a sua classificação como investidor qualificado/profissional (cf. doc. 6, que aqui se junta e considera integralmente reproduzido).”, e “Após realização da avaliação da solicitação, a Liquidanda informou a Impugnante da sua classificação como investidora qualificada e das respetivas consequências,”
Estas alegações tiveram os seguintes reflexos na matéria de facto provada e não provada:
- dos factos 35.19 a 35.21, tal como formulados, resulta que a recorrente pediu a sua classificação como investidor profissional/qualificado, que a liquidanda a informou das consequências desse pedido e que o deferimento do pedido de tratamento como investidor qualificado não foi comunicado à recorrente;
- o facto dado como não provado sob 35 a), correspondente ao facto 25 e 26 da reclamação de créditos e da impugnação, foi dado como não provado quanto às circunstancias de modo e tempo da classificação da recorrente como investidora qualificada, como resulta claramente da respetiva motivação, ou seja, quanto aos factos instrumentais que se quedaram controvertidos após os articulados.
A gestora de conta, efetivamente, declarou que este formulário faz parte do pacote de documentos de abertura de conta, juntamente com todos os demais, por exemplo, a ficha de assinaturas e o profiling. Mas também declarou, no que não foi contrariada por qualquer elemento de prova, que se deslocou ao local de trabalho da impugnante e do seu marido (cuja assinatura também consta na ficha de abertura de conta) e que deixou os papéis, os quais lhe foram posteriormente entregues assinados.
Declarou, com naturalidade, que não se recordava das datas em concreto, que soube situar em 2009, mas referiu não ter qualquer elemento para duvidar das que constam nos documentos.
Assim, e olhando às datas constantes dos documentos que sabemos fazerem parte do “pacote” de abertura de conta, é possível refazer o percurso temporal em geral:
- A gestora reuniu com os clientes, fez a apresentação do banco e deixou o “pacote” de documentos;
- A cliente e seu marido ficaram com os documentos e preencheram os que entenderam, nomeadamente o profiling[105], que a gestora não conseguiu recordar se foi preenchido pela mão da cliente ou pela sua de acordo com as respostas da cliente (referindo ter sido uma das duas situações) e que esta rubricou e datou de 15/07/2009;
Assim sendo sabemos que a entrega do pacote de documentos se deu antes de 15/07 ou no dia 15/07/2009.
Depois os documentos são entregues – e a verificação do pedido de tratamento como solicitado, em consequência, mostra-se datado do dia seguinte, confirmando as declarações da gestora de que os documentos terão sido entregues depois do dia em que os deixou, e iniciou-se o processo de abertura de conta, que terminou, provavelmente no dia 27/07/2009, data em que o Banco verificou as assinaturas da ficha de assinaturas (doc. 7 junto com a resposta), o que confere com as declarações prestadas pelo Liquidatário sobre o processo de abertura de conta.
De todos estes elementos não conseguimos vislumbrar qualquer circunstância que obstasse a que a recorrente visse o que estava a assinar e, logo, a solicitar o tratamento como investidora qualificada.
Não há qualquer indício de que tenha sido coagida, de que não tivesse tempo para ler – e o documento não é extenso – pelo contrário, terá ficado com os documentos para entrega posterior e, de acordo com as caraterísticas de personalidade descritas pela neta e pelo filho, é uma pessoa cuidadosa, que não assinará sem ler, nomeadamente um documento pouco extenso e desconhecido. E note-se que as consequências de ser tratado como qualificado são, basicamente, o teor do documento assinado.
A recorrente afirma que a gestora de conta declarou, no seu depoimento, que a impugnante não pediu a sua classificação como qualificado/profissional. No entanto, o que a testemunha declarou não foi o que é referido, mas sim que a cliente não pediu o formulário para ser qualificada como profissional, tal como não pediu os outros documentos.
Assim, tudo ponderado, incluindo as declarações da testemunha AMF indicadas pela recorrente, não há qualquer fundamento para a alteração dos factos 35.19. e 35.20., improcedendo a impugnação nesta parte.
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A impugnação da matéria de facto procede, assim, parcialmente, decidindo o tribunal alterar o ponto 35.7. da matéria de facto provada, dele passando a constar:
35.7. Em 2 de Maio de 2014, foi efetuada uma transferência bancária ordenada por H - SII, SA para a conta da Impugnante junto da Liquidanda, no valor de €102.000,00.
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5.1.5. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto relativamente à impugnação nº55, correspondente ao recurso 1.5., interposto por LAC:
O recorrente indica como incorretamente julgados os pontos numerados como 55.7, 55.8, 55.17, 55.19, 55.21, 55.22, 55.32, 55.27, 55.28, 55.48 da matéria de facto dada como provada e os pontos 55 a), 55 d), 55 g), 55 k), 55 l) e 55 m) da matéria de facto dada como não provada.
O recorrido peticionou a total improcedência da impugnação.
Em apreciação geral da prova produzida quanto a esta impugnação, o tribunal recorrido começou por consignar que:
No âmbito desta impugnação foi inquirida a testemunha SCT, filha do Impugnante e MTM, funcionário e amigo do Impugnante há cerca de 47 anos.
Os depoimentos destas testemunhas recaíram, essencialmente, sobre a personalidade, conhecimentos e experiência profissional e como investidor do Impugnante, bem como sobre os seus objectivos de investimento.
Foram colhidos esclarecimentos de BHG.
Prestou depoimento APR, que disse ter conhecido o Impugnante em 1990/1991, no Banco Português do Atlântico, enquanto gestora de conta da empresa de que o Impugnante era sócio. Posteriormente, em 2013, no Banque Privée Espírito Santo S.A. – Sucursal em Portugal, voltou a exercer funções de gestora da conta pessoal do mesmo.
Neste contexto, a testemunha detalhou o acompanhamento que fez ao Impugnante nos seus investimentos junto da Liquidanda, esclareceu as características dos produtos, a sua adequação aos objectivos de investimento do Impugnante e o conhecimento sobre a emitente e o Grupo Espírito Santo.
Foram também tomadas declarações de parte a JAC e LAC.
E havia deixado já consignado na fundamentação geral comum:
“No que respeita às declarações de parte, nos termos do artigo 466º, nº 3 do Código de Processo Civil, o Tribunal aprecia-as livremente, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Assim, as declarações de parte dos Impugnantes foram avaliadas pelo Tribunal tomando em atenção a natureza supletiva e a circunstância de estarem envolvidos interesses próprios e directos na decisão a proferir.
No que se refere à prova testemunhal, e sem embargo das referências individuais e concretas que faremos a propósito da factualidade relevante para a decisão de cada impugnação, importa desde já deixar expresso que ao longo das diversas sessões de julgamento foram ouvidas, mais do que uma vez, testemunhas arroladas pela Liquidanda, a saber, APR, AMF e JAS.
A razão de ciência destas testemunhas alicerçou-se na sua vivência pessoal e experiência profissional enquanto gestores de conta da Liquidanda. Nessa medida, não só interagiam directamente com os clientes, ora Impugnantes, mas também integraram a instituição bancária ora Liquidanda, e nessa medida tomaram conhecimento e executaram as regras e procedimentos adoptados.
Nenhuma destas testemunhas tem qualquer relação actual, quer pessoal, quer profissional, com a Liquidanda ou com a Banque Privée Espirito Santo, S.A.
Todos, sem excepção, demonstraram respeito e, em alguns casos, até apreço pelos Impugnantes de que foram gestores de conta e com os quais, não raras vezes, estabeleceram relações pessoais.
Depuseram de forma segura, com espontaneidade, objectividade, coerência e verosimilhança, denotando preocupação em esclarecer, de forma detalhada e o mais precisa que lhes foi possível, atento o tempo decorrido, as questões que lhes foram colocadas, o que fizeram sempre com apoio nas suas memórias ou em elementos, designadamente, documentais, que recolheram tendo em vista os depoimentos que vieram prestar.
O seu discurso foi coerente, circunstanciado e sustentado, não revelando qualquer animosidade ou parcialidade.
Adoptaram posturas serenas, não manifestando qualquer antagonismo, nervosismo ou exaltação e responderam de forma directa e fundamentada às questões colocadas quer pelos mandatários dos Impugnantes, quer pelos mandatários da Liquidanda.
Sem prejuízo do que infra ainda se referirá a propósito dos depoimentos prestados nas sessões de julgamento relativamente a cada uma das impugnações, cumpre desde já aqui deixar expresso que o tribunal não pode deixar de atender e relevar a coerência e consistência dos vários depoimentos prestados por cada uma destas testemunhas nas diversas sessões de julgamento em que estiveram presentes, mas também dos depoimentos de todas elas entre si.
Por ser esta a percepção do tribunal, e na medida em que foram consentâneos com o teor dos documentos juntos aos autos e não resultaram contraditados por outra prova, os depoimentos prestados permitiram sustentar a convicção do tribunal.
De igual modo, foi ouvido em declarações, por diversas vezes, JAC, representante do Banque Privée Espírito Santo S.A. – Sucursal em Portugal entre Janeiro de 2008 e Setembro de 2015.
Na avaliação das suas declarações o tribunal levou em conta, mais uma vez, a constância relativamente às mesmas questões, a franqueza e à vontade revelados, a postura serena, bem como a simplicidade das suas respostas, explicativas quando tal se justificou, mas sempre objectivas, concisas e contextualizadas.
Consequentemente e pese embora tenha sido gerente provisório da Liquidanda até à prolação da decisão de prosseguimento da liquidação (razão pela qual se entendeu que deveria ser ouvido como parte), nunca manifestou parcialidade, nem nas suas respostas sentimos qualquer tentativa de ocultar ou manipular os factos a favor da Liquidanda e em detrimento das posições dos Impugnantes e do esclarecimento da verdade.
Pelo contrário, sempre as suas declarações se afiguraram isentas e sinceras, procurando o pleno esclarecimento do tribunal, mesmo quando tal não lhe foi possível, situações estas em que o próprio declarante ressalvou a eventual imprecisão das suas respostas ou o facto de não ter conhecimento directo e concreto sobre a questão em causa.
Acresce que, ao contrário dos Impugnantes, o declarante não mantém qualquer ligação com a Liquidanda e não tem qualquer interesse pessoal e directo na decisão.
Nesta medida, genericamente, as suas declarações foram relevadas e mereceram a credibilidade do tribunal.
Identicamente, também o Sr. Liquidatário Judicial prestou esclarecimentos inúmeras vezes.
Desde a primeira sessão de julgamento em que tal questão se suscitou, o tribunal entendeu ser mais conforme com as finalidades do processo que os esclarecimentos a prestar pelo Sr. Liquidatário Judicial pudessem versar sobre todos os factos de que o mesmo tivesse conhecimento directo (uma vez que foi representante da Banque Privée Espírito Santo S.A. – Sucursal em Portugal entre 2007 e 19 de Setembro de 2014 e entre 20 de Setembro de 2014 até 20 de Setembro de 2015, gerente provisório), ao invés de os restringir aos factos que tivessem advindo ao seu conhecimento apenas após a sua nomeação para essas funções.
Para esta decisão pesou o facto de o próprio Banco de Portugal ter considerado que o mesmo era a pessoa certa para assumir as funções de Liquidatário Judicial no processo de liquidação da instituição de que foi gerente, o que pressupõe, necessariamente, uma avaliação de isenção e integridade.
Assumida esta opção, sempre o Sr. Liquidatário prestou os seus esclarecimentos de forma tranquila, com um discurso escorreito e coerente, revelando profundo conhecimento das matérias sobre as quais depôs, essencialmente, relacionadas com a actividade e os procedimentos seguidos pela Liquidanda, a sua oferta, os moldes em que operava no mercado bancário ao lado dos demais concorrentes, o funcionamento interno e a relação com a Banque Privée Espirito Santo, S.A. e as demais sociedades do Grupo Espírito Santo.
Anotamos a firmeza, convicção e segurança que sempre deixou transparecer nas suas respostas, devidamente enquadradas, prestando os esclarecimentos que lhe foram solicitados com respeito pelos interlocutores e pelos Impugnantes, sempre que a eles se referiu.
Pelas razões agora expressas, e sem olvidar as funções anterior e actualmente desempenhadas que, necessariamente, determinam um envolvimento pessoal e um interesse funcional na decisão da causa, também os esclarecimentos por ele prestados foram considerados pelo tribunal, firmando a respectiva convicção, sempre que se nos afiguraram verosímeis e não foram contrariados por prova suficiente para abalar a respectiva credibilidade.
No que respeita às demais testemunhas apresentadas e inquiridas, o tribunal credibilizou os respectivos depoimentos na estrita medida em que se afiguraram verosímeis, objectivos e imparciais, revelando conhecimento pessoal ou profissional directo sobre as questões que lhes foram colocadas e não foram infirmados por outros meios de prova.
Releva referir que foram apresentadas por vários Impugnantes, cópias de comunicações e pareceres emitidos pela C.M.V.M. no âmbito de processos de reclamação tramitados por aquela entidade na sequência de reclamações apresentadas.
Nos termos do art.6º dos Estatutos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 5/2015, de 8 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 148/2015, de 9 de Setembro):
“6 - Sem prejuízo do disposto no Decreto–Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 371/2007, de 6 de Novembro, 118/2009, de 19 de Maio, 317/2009, de 30 de Outubro, e 242/2012, de 7 de Novembro, compete à C.M.V.M. contribuir para a resolução de conflitos entre entidades sujeitas à sua supervisão, ou entre estas e investidores, designadamente:
a) Na sequência do tratamento das reclamações, emitir recomendações às entidades sujeitas à sua supervisão ou, caso isso não se revele eficaz, determinar-lhes a adoção das medidas necessárias à reparação justa dos direitos dos investidores. (…)
7 - A C.M.V.M. organiza um serviço gratuito de tratamento das reclamações destinado à resolução de conflitos entre investidores não qualificados, por uma parte, e entidades sujeitas à sua supervisão, de outra parte.
8 - Ao serviço referido no número anterior incumbe a análise integral da questão suscitada e a aferição do cumprimento das normas aplicáveis no caso concreto, segundo termos processuais simples e expeditos”.
Assim, caso o reclamante seja um investidor não qualificado e se verifique uma situação de conflito entre este e a entidade supervisionada, a C.M.V.M. inicia um procedimento com vista a promover a resolução extrajudicial deste conflito, nos termos do Regulamento da C.M.V.M. n.º 2/2016, alterado pelo Regulamento n.º 3/2019.
A propósito da tramitação destes procedimentos a C.M.V.M. explica (no site https://www.cmvm.pt/pt/AreadoInvestidor/Faq/Pages/faq-reclamacoes.aspx) que “Neste âmbito, a C.M.V.M. analisa a situação na perspetiva das normas ligadas à regulação dos mercados de instrumentos financeiros e emite uma opinião quanto à demonstração do cumprimento dos deveres por parte da entidade supervisionada, podendo recomendar à entidade supervisionada que atenda à pretensão do reclamante, caso os elementos lhe permitam concluir nesse sentido. A conclusão desta análise é comunicada ao reclamante e à entidade reclamada.
Extinto o procedimento de tratamento e análise da reclamação, a C.M.V.M. poderá iniciar um processo de supervisão, caso existam elementos que apontem para a eventual violação de normas legais no âmbito da supervisão da C.M.V.M. (…) Com vista à promoção da resolução extrajudicial de um conflito, a C.M.V.M. pode emitir recomendações ou determinações às entidades supervisionadas com vista à reparação justa dos direitos dos investidores, caso detete elementos que apontem para um não cumprimento dos deveres legais por parte dessas instituições. Note-se que não incumbe à C.M.V.M. o apuramento de uma eventual indemnização a ser atribuída aos investidores que tenham sofrido danos, algo que poderá ser feito através dos tribunais ou do recurso a meios de resolução extrajudicial de litígios”.
Nos termos da lei e dos esclarecimentos prestados pela própria C.M.V.M., esta entidade tem competência para apreciar as reclamações apresentadas contra entidades sob a sua supervisão podendo, a final, além do mais, emitir recomendações ou determinações às entidades supervisionadas com vista à reparação justa dos direitos dos investidores. Estas recomendações poem fim ao processo de reclamação, sem prejuízo de a C.M.V.M. poder também iniciar um processo de supervisão, caso existam elementos que apontem para a eventual violação de normas legais.
São estas recomendações, sob a forma de parecer formal, que os Impugnantes vieram juntar ao processo.
Contudo, importa aqui deixar claro que estas recomendações são emitidas no âmbito das competências próprias da C.M.V.M. enquanto regulador e numa fase pré-judicial, não vinculando o Tribunal, designadamente, no que respeita às conclusões que essa entidade tenha alcançado no âmbito desses processos.
Tanto vale por dizer que é com base na prova produzida nestes autos que o Tribunal decidirá e não com apoio em conclusões/apreciações prévias de quaisquer entidades, mormente da C.M.V.M.”
Ouvida a prova produzida estamos em condições de confirmar o juízo genérico do tribunal – SCT e MTM não tinham qualquer conhecimento direto dos factos, tendo deposto sobre a personalidade e caraterísticas do credor recorrente. A testemunha APR mostrou-se credível e isenta, BHG e JAC igualmente, quanto aos factos relativamente aos quais revelaram conhecimento direto e o depoimento do recorrente foi parcial e, no tocante a vários aspetos, pouco credível (o tribunal recorrido na apreciação geral não disse tanto, mas a pouca credibilidade que lhe conferiu resulta do globo da apreciação da prova que produziu).
STC, apesar de filha do credor recorrente, prestou um depoimento sereno e credível, declarando que o seu pai era uma pessoa muito cautelosa, zelosa, prudente nos investimentos (o que concluiu dos conselhos que lhe ouviu sempre e da forma de conduzir os negócios) e afirmando que, ao tempo, a ideia era repartir as poupanças por vários bancos para assim estarem sempre garantidos os € 100.000,00 e que reputava o seu pai de pessoa incapaz de assinar documentos sem ler.
MTM prestou um depoimento sobre os mesmos temas gerais, mas que claramente trazia alguns temas para partilhar com o tribunal e, sem esperar que lhos perguntassem, foi dizendo que o recorrente era uma pessoa que não queria expor-se ao risco, oscilando entre caraterizar o recorrente (seu amigo e patrão) como uma pessoa extremamente rigorosa (tão rigoroso que nos 30 anos de empresário praticamente nunca teve contencioso, ou que nunca assinaria um documento sem o ler) mas pouco conhecedor (não saberia ler um balanço depois de 30 anos como empresário) e mesmo ingénuo (se confiasse na pessoa… era capaz de assinar sem ler) e que chamado a ver as ordens de subscrição, para verificar se conhecia a assinatura do recorrente (que reconheceu) declarou logo de forma “espontânea” “e aqui declara que… e não assina aqui…Acho estranho!”, referindo-se à frente dos documentos, afinal um dos temas da impugnação e do recurso.
APR prestou um depoimento sereno e equilibrado, revelando caraterísticas do recorrente condicentes com as declarações da sua filha (cauteloso, lia tudo, queria sempre ficar com os papéis, tratava de tudo pessoalmente), mostrando que teve verdadeiramente interação com o recorrente. Não se mostrou uma pessoa “comprometida com os procedimentos da Liquidanda”, como a carateriza o recorrente, não tendo declarado nem tendo sido trazido aos autos qualquer facto ou circunstância que comprometa a sua isenção. Prestou um depoimento equilibrado, recordando-se de certos pormenores e declarando não se recordar de outros, de forma bastante natural, foi assertiva quanto aos que desconhecia e, no essencial, deixou uma impressão de isenção e descomprometimento, revelando conhecimento direto dos factos.
Quer JAC quer o Liquidatário prestaram depoimentos sobre assuntos gerais (nenhum dos dois conhecia o impugnante LAC) de forma objetiva e descomprometida, com uma preocupação de rigor notória (v.g. os esforços de JAC para responder às questões sobre possíveis interferências da sede na relação comercial da liquidanda com os seus clientes próprios).
O recorrente LAC, prestou um depoimento típico de um interessado no desfecho da causa: preocupado em declarar ser tudo como um depósito a prazo, disse-o à exaustão, a propósito e a despropósito, não respondeu por várias vezes às perguntas que lhe foram feitas sobre se lhe foram apresentados outros produtos (até que disse não lhe ter sido apresentado nenhum nome de produto), invariavelmente respondendo que para ele era um depósito a prazo, o que ele queria era depósito a prazo. Mostrou-se seriamente incomodado com a parte não assinada das ordens de subscrição (cujo alcance demonstrou não ter compreendido, pensando ser uma advertência de risco, quando na verdade se trata de uma cláusula padronizada respeitante ao dever de adequação) mas ainda assim reconheceu saber a diferença entre depósito a prazo e obrigações, mostrou estar ciente dos próprios riscos dos depósitos a prazo (dado que pretendeu espalhar as poupanças por vários bancos para assegurar os € 100.000,00 do Fundo de Garantia de Depósitos) e admitiu ter recebido os extratos da Liquidanda.
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No tocante aos nºs 55.7, 55.8, 55.17, 55.19, 55.21, 55.22, 55.32 o recorrente indica como meios de prova que impunham decisão diversa o questionário de perfil de investidor de fls. 17193 e ss., o documento de execução de ordem sobre instrumento financeiro de fls. 6265 e 6266 e as declarações de parte prestadas pelo recorrente em audiência de julgamento.
Entende que os pontos 55.17, 55.19, 55.21 e 55.22 devem ser suprimidos e que os pontos 55.7, 55.8 e 55.32 devem ter a seguinte redação:
55.7 “Na altura da abertura de conta, a gestora de conta da Liquidanda apresentou ao Impugnante as aplicações Rio Forte”.
55.8 “O Impugnante subscreveu-as.”
55.32 “O Impugnante era acompanhado por uma gestora de conta da Liquidanda.”
O recorrido pediu a improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e, em relação à impugnação deduzida quanto aos pontos 55.7, 55.8 e 55 a), 55 d) e 55 g). Para tanto alegou que decorre das próprias declarações do recorrente que foi ele a tomar a decisão de investir junto da Liquidanda e a decidir o montante investido e que a testemunha APR, cujo depoimento foi devidamente valorado pelo tribunal, declarou que o recorrente recusou a opção depósitos a prazo porque a taxa era baixa, o que se confirma pelos factos LXX a LXII e LXXXVI a LXXXVIII.
Relativamente aos factos dados como provados em 55.17, 55.19, 55.21 e 55.22 e 55.32, o recorrido defende igualmente a improcedência da impugnação, bem como, pelas mesmas razões, a improcedência da impugnação quanto a 55 l), alegando que aqueles e este devem manter-se dado que o facto 55.23 não configura qualquer omissão de informação, dado que a ordem de subscrição resumia todas as caraterísticas do produto e o recorrente subscreveu os mesmos produtos 5 vezes consecutivas, foi sempre remunerado e recebia extratos da sua conta (factos 55.9, 55.12, 55.30, 55.31 e 55.33). O recorrente lia os documentos que assinava e, tendo dúvidas, deveria ter adotado uma postura diligente e perguntado. A informação foi também prestada oralmente e de forma detalhada como confirmou a gestora de conta APR, sendo a perceção desta e da liquidanda que as obrigações Rio forte eram um investimento seguro.
O tribunal a quo fundamentou nos seguintes termos a sua convicção quanto aos factos 5.7, 5.8, 5.17, 5.19, 5.21, 5.22 e 5.32:
“55.7. e 55.8. Factos foram relatados pela gestora de conta APR, que explicou ter apresentado ao Impugnante a oferta do Banco, designadamente, depósitos a prazo, que não colheram o interesse do Impugnante, por ter considerado as taxas muito baixas; a opção de ter uma carteira de títulos, o que o mesmo rejeitou por já ter semelhante produto no BPI, optando pelas obrigações Rio Forte, atenta a taxa e o prazo curto que apresentavam.
55.17. e 55.18. Factos demonstrados pela conjugação dos docs. de fls. 6259 a 6268, juntos com a impugnação, que titulam as ordens de subscrição dadas pelo Impugnante, entre elas a da aplicação em causa nos autos, e que se mostram assinados pelo Impugnante, conjugados com o depoimento da gestora de conta APR, no que à explicação das características do produto respeita.
55.19. Facto confirmado pela testemunha APR e também pelo Sr. Liquidatário.
55.21. e 55.22. Foram neste sentido as declarações prestadas por APR, gestora da conta do Impugnante, com quem o mesmo contactava nos assuntos relacionados com a conta aberta na Liquidanda.
55.32. Cabalmente demonstrado pelas declarações da gestora de conta.”
Apreciando:
Os factos dados como provados sob 55.7. e 55.8 foram assertivamente descritos pela testemunha APR, que declarou por duas vezes e de forma coincidente (e lógica) que entre duas primeiras conversas presenciais com LAC, ter apresentado o próprio Banco, ter falado nos depósitos a prazo que o recorrente rejeitou por terem taxas muito baixas e ter taxas melhores noutros bancos, que falou numa proposta de investimento diversificada, com obrigações, rejeitada pelo recorrente por já ter uma carteira de títulos no BPI, incluindo obrigações da PT (o que o recorrente também confirmou em declarações de parte) e que então lhe apresentou os investimentos que poderiam ser feitos em holdings do grupo com taxas superiores que foi o caso da Rio Forte, que eram investimentos de três meses com um prazo definido e taxa definida fixa, e que o recorrente achou muito interessante experimentar por três meses, declarando conhecer o Grupo Espírito Santo.
Já o recorrente, cujo depoimento é invocado como fundamento para a alteração destes factos, perguntado por treze vezes, por formas diferentes pela Sra. Juíza a quo se lhe haviam sido apresentados outros produtos ou outras possibilidades de investimento apenas respondeu diretamente à questão uma vez (à 11ª pergunta[106]), respondendo sempre qual era a sua condição e o seu pressuposto. Mesmo deixando de lado o facto de estarmos a pesar declarações de parte e depoimento de uma testemunha, na verdade o declarante nunca afirmou de forma direta, perentória e credível que só lhe foram apresentados os produtos Rio Forte, como ora pretende se dê como provado, tendo apenas negado uma vez que lhe tenham sido apresentados vários produtos.
No tocante a 55.8., a impugnação carece mesmo de sentido, dado que o facto essencial – que o recorrente subscreveu aplicações Rio Forte – não está sequer a ser impugnado, e o próprio recorrente declarou estar ciente das diferenças entre obrigações e depósitos a prazo (a propósito das obrigações PT).
No tocante aos pontos 55.17, 55.19, 55.21 e 55.22, que o recorrente pretende sejam suprimidos (o que interpretamos como pretendendo sejam dados como não provados), mais uma vez com base nas declarações do recorrente, foram dados como provados pelo tribunal com base nas declarações de APR, que descreveu a forma como alertou o recorrente para os riscos das obrigações, ter mostrado o organigrama do Grupo, quer ao apresentar o banco, quer a propósito da própria Rio Forte, resultando das suas declarações que distinguiu as várias formas de aplicações e suas diferentes caraterísticas. A testemunha declarou que o recorrente achou interessantes as obrigações a 3 meses, um prazo bastante curto (também confirmado pelo Liquidatário, que referiu mesmo que dificilmente se encontraria este tipo de título por este tipo de prazo no mercado) o que reflete preocupação com liquidez, contrariando a desmobilização em qualquer altura (se assim fosse, quedaria sem explicação a escolha de obrigações a 3 meses, podendo ter sido por prazo mais longo, opção também existente). A advertência consta, como referido, das ordens de subscrição.
É certo que o declarante disse não ter lido as ordens (ou ficado com cópia). Sucede, porém, que tal contrariaria as suas caraterísticas descritas por todas as testemunhas que consigo lidam, incluindo a sua filha. Por outro lado, o declarante referiu que assinava sem ler por confiar na gestora de conta, mas nunca explicou ou adiantou qualquer motivo para tamanha confiança, em especial numa pessoa com as suas caraterísticas. É certo que já se conheciam e tinham trabalhado juntos, mas vários anos se tinham passado, sem qualquer contacto.
Por outro lado, o recorrente não referiu, em momento algum do seu depoimento que lhe teria sido dito que as obrigações que estava a subscrever seriam equivalentes a depósitos a prazo, o que bem se entende, dado que negou ter subscrito as obrigações, pensando estar a subscrever depósitos a prazo, ou seja, afirmando que foi enganado. Também não referiu ter-lhe sido dito que poderia desmobilizar as aplicações em qualquer momento (mais uma vez, seria contraditório com a versão do recorrente) mas sim que a disponibilidade era importante e que a D. APR sabia e o que ficou assente “em todos os Bancos”. Ora o próprio depoente admitiu ter subscrito obrigações e saber que não tinham essa caraterística.
Assim, e não apenas por corresponder ao afirmado por APR como por inexistência de outros meios de prova em sentido diverso, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto quanto a 55.17, 55.19, 55.21 e 55.22.
No tocante ao facto 55.32., tal como referido pelo tribunal recorrido, foi confirmado por APR e não foi expressamente negado por LAC. O que LAC declarou foi que estava convencido ter subscrito depósitos a prazo, não que alguma vez lhe tenham sido negados esclarecimentos ou informações (que não referiu). Implicitamente, o que resulta do seu depoimento é que terá sido erradamente informado e não que não tenha sido informado.
Assim, não há qualquer razão para proceder à alteração do ponto dado como provado sob 55.32.
*
Quanto à matéria de facto constante dos nºs 55.27 e 55.28, pede sejam os mesmos suprimidos, indicando a insuficiência dos meios de prova referidos na decisão e a contradição do primeiro com o documento de fls. 6267 e 6268 e ss. e que o segundo sempre teria que ser documentalmente provado.
Entende ainda que há contradição na decisão proferida quanto a estes dois pontos e a proferida nesta matéria quanto a outros impugnantes como resulta dos pontos 5 l) e 5 m) dos factos não provados, relativamente aos quais foram ouvidas as mesmas testemunhas e estamos perante os mesmos produtos.
O recorrido, sem prejuízo da peticionada improcedência da impugnação refere que os produtos subscritos não são complexos e que as respetivas características eram adequadas aos conhecimentos e experiencia do recorrente. Refere que a CMVM não averiguou da complexidade do produto, apenas da menção do mesmo como complexo.
O produto foi efetivamente classificado como complexo pelo BPES Suíça e apenas para efeitos internos, tendo as razões sido explicadas no depoimento de BHG, não sendo aplicável o disposto no art. 393º nº1 do CC à classificação de produtos financeiros apresentada por determinada entidade.
No tocante à alegada contraditoriedade com os factos dados como não provados em 5 l) e 5 m), defende inexistir. Ao responder às impugnações alegou em todas transversalmente determinadas matérias, sendo esta uma dessas matérias. Nem em todas as impugnações, que foram julgadas separadamente, a questão da complexidade ou não complexidade dos instrumentos financeiros foi levantada, sendo a impugnação nº5 um dos casos em que não o foi, como o atesta a fundamentação ali aduzida pelo tribunal (ausência de prova). A decisão de verificação e graduação de créditos é composta por tantas decisões quantas as impugnações apresentadas e o caso julgado de cada uma delas abrange apenas o pedido, a causa de pedir e as partes envolvidas em cada uma delas.
O tribunal motivou pela seguinte forma:
55.27. Este facto foi esclarecido pelo declarante JAC, referindo que os serviços administrativos, mediante consulta da classificação interna atribuída aos produtos, preenchiam os documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” classificando, designadamente, as obrigações Rio Forte, como instrumentos financeiros complexos, o que se deve ao facto de a interpretação do Banco na Suíça ser no sentido de se tratar de um produto complexo, em virtude do prospecto estar em inglês.
55.28. Este facto foi contextualizado e confirmado pelo Sr. Liquidatário.
Apreciando:
Nos documentos de subscrição, designadamente de fls. 6267 e 6268 e ss., consta, efetivamente, assinalada com X a quadrícula “instrumento financeiro complexo”, estando vazia a quadrícula da opção instrumento financeiro não complexo. No entanto, tendo em conta as explicações, coincidentes, dadas por BHG, JAC e APR, estes documentos eram pré-preenchidos pelo back-office (por uma funcionária administrativa fisicamente localizada no Porto, de nome TF, como explicou BHG), de acordo com a classificação interna do banco, transversal à Suíça e a Portugal, tendo a classificação como instrumento complexo sido efetuada na sede, na Suíça (país não regulado pela DMIF, por não ser um país comunitário), a aparente contradição mostra-se clarificada: a quadrícula era assinalada em Portugal, para operações da sucursal, mas de acordo com a classificação Suíça, que todas as testemunhas referiram ser efetuada na sede e transversal ao banco (incluindo sucursal), sem qualquer indicação do gestor.
Assim, o facto referido em 55.27 não só não se mostra contrariado, como se mostra confirmado pelos meios de prova referidos – os depoimentos e declarações e os documentos de subscrição.
O facto referido em 55.28 foi referido por BHG (que referiu que o produto era comercializado por outros Bancos em Portugal, nomeadamente o BES, como produtos não complexos).
A classificação de um instrumento financeiro como complexo ou não complexo era obrigatória porque geradora de obrigações adicionais ao intermediário financeiro – cfr. Decreto Lei nº 211-A/2008, de 3 de Novembro[107], que estabelecia três tipos de obrigações a observar na comercialização dos produtos qualificados como Produtos Financeiros Complexos: i) Disponibilização ao investidor de documento informativo; ii) Identificação do produto como produto financeiro complexo nos documentos informativos e em eventuais mensagens publicitárias; e iii) Aprovação prévia pela autoridade competente da respetiva publicidade – inexistindo qualquer exigência de forma legal quanto à mesma.
Ou seja, o que releva na classificação de um instrumento como complexo ou não é a intensidade dos deveres de informação e a necessidade de identificação do mesmo nessa qualidade na divulgação ao público. Não se trata de uma exigência legal de forma por documento autentico, autenticado ou particular que impossibilite a sua substituição por outro meio de prova – arts. 364º nº1 e 393ºdo CC, a contrario. Assim sendo, a classificação por terceiro de determinado instrumento financeiro como complexo ou não complexo pode ser provada por depoimento, não sendo exigida a forma escrita. O facto 55.28 mostra-se, assim, suficientemente ancorado na prova produzida.
Argumenta o recorrente que estes mesmos dois factos foram dados como não provados quanto a outros impugnantes como resulta dos pontos 5 l) e 5 m) dos factos não provados, relativamente aos quais foram ouvidas as mesmas testemunhas e estamos perante os mesmos produtos.
O recorrido ensaia duas vias pelas quais entende inexistir a alegada contradição – alegou esta matéria (e outras) em todas as respostas às impugnações, nem sempre a questão da complexidade dos instrumentos tendo sido levantada – e sendo a impugnação nº5 um dos casos em que não foi. Por outro lado, entende que a decisão de verificação e graduação de créditos é composta por tantas decisões quantas as impugnações apresentadas e o caso julgado de cada uma delas abrange apenas o pedido, a causa de pedir e as partes envolvidas em cada uma delas.
Compulsada a decisão da matéria de facto relativa à impugnação nº5 (correspondente ao recurso 1.3., ASC, MLSC, SSC e PSC), verifica-se que ali foi dado como provado que:
5.12. Os Impugnantes são titulares de obrigações com a designação “4,25% Rio Forte Investments SA EMTN SR-217 2014/27.02.2015 (23837501)”, subscritas com data-valor de 28.2.2014 e com data de vencimento de 27.2.2015, no valor de USD 300.000,00.
E como não provado que:
5 l) A sede da Liquidanda, na Suíça, (a Banque Privée Espirito Santo, S.A.), classificou as aplicações em causa, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
5 m) As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
Tendo o tribunal indicado que, quanto àqueles factos dados como não provados, não terem sido confirmados por qualquer meio de prova.
A objeção levantada pelo recorrido – de que as impugnações foram julgadas de forma autónoma e que se estabelecem entre cada uma delas limites de caso julgado, desconsidera a natureza dos presentes autos.
Estamos no âmbito de um processo regido pelo Decreto Lei nº 199/2006 de 25/10 e pelo CIRE, em tudo o que não contrariar o primeiro diploma. Por sua vez o CIRE tem como direito subsidiário o CPC, também em tudo que não contrarie as regras deste – cfr. arts. 8º nº1 do Decreto Lei nº 199/2006 e 17º nº1 do CIRE.
Especificamente o apenso de reclamação de créditos é um apenso de natureza declarativa e tem como especialidade estrutural (além das demais) o facto de corporizar um processo concursal por excelência.
Como foi recordado na sentença recorrida e aqui se subscreve integralmente (pg. 472 da sentença), o princípio da aquisição processual previsto no art. 413º do CPC (correspondente ao art. 515º do mesmo diploma na versão anterior à reforma de 2013) é fulcral, devendo o tribunal tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las.
Esta regra assume, em processo de insolvência e, por consequência, em processo de liquidação judicial regido pelas regras da insolvência, uma preponderância e importância muito grandes. Como se escreveu no Ac. TRL de 18/12/2019[108] “Em apenso de processo de insolvência, mesmo que não seja aplicável o disposto no art. 11º do CIRE, assumem grande relevância os factos de que o tribunal tem conhecimento devido ao respetivo exercício de funções e o princípio da aquisição processual (cfr. 413º do CPC), mas que tal não pode ser confundido com a aplicabilidade do princípio do inquisitório previsto no CIRE apenas para alguns dos apensos onde se discutem essencialmente interesses gerais e comuns aos credores.”
Como o recorrido admite e alega expressamente, a questão da complexidade dos instrumentos financeiros foi por si suscitada transversalmente (pela negativa), tendo sido conhecida sempre que suscitada pela positiva, pelos impugnantes.
Um processo concursal puro, em que temos uma pluralidade de partes processuais colocadas numa determinada posição na lide (referimo-nos aos credores), e uma contra-parte comum a todas elas (que pode não ser única), a massa insolvente, representada pelo respetivo administrador de insolvência ou, no caso, Liquidatário Judicial, é campo fértil para aplicação do princípio da aquisição processual e, sem censura de qualquer dos recorrentes ou recorrido, o tribunal usou-o, por exemplo, quando deu como provados como factos genéricos factos alegados apenas por algum ou alguns credores (é o caso dos factos XLIX e ss., alegados pela credora SLL, SA).
A indagação a fazer é de se o facto invocado pode ser considerado genérico[109], se foi devidamente contraditado pela parte contra quem foi alegado, se foi objeto de devida instrução e se está a ser invocado pela parte que dele beneficia.
No caso tratamos da classificação dos instrumentos financeiros como complexos ou não complexos[110], que, sendo aparentemente um facto geral, o é apenas relativamente a cada tipo de obrigações, ou seja, dependendo da obrigação subscrita por cada credor.
Assim, só impugnação a impugnação, e relativamente a cada um dos instrumentos em causa, a questão sequer se colocará.
A questão a conhecer é de se existe contradição entre os factos provados no âmbito desta impugnação e os factos dados por não provados no âmbito da impugnação deduzida por outros reclamantes. Por outras palavras, entre decisões de matéria de facto de impugnações diversas pode considerar-se que existe contradição entre factos positivos e negativos?
A questão tem uma resposta geral e uma resposta concreta, adaptada à presente realidade processual.
Comecemos pela questão mais geral.
Em 2001 escreviam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto[111] em anotação ao ora revogado art. 653º do CPC (Julgamento da matéria de facto): “É controvertido se pode haver contradição entre uma resposta positiva e uma resposta negativa. Em sentido afirmativo, quando não tenha sido acolhida na resposta negativa facto que constitua antecedente lógico necessário da resposta afirmativa, pronunciou-se o TRC em 10/12/92, BMJ 422, pg. 442. Mas, em sentido negativo, pronunciou-se o mesmo tribunal em 10.05.94, BMJ, 437, p. 602.”
Pese embora a diferente configuração da decisão de facto – agora inserida na sentença – a questão continua a colocar-se[112], como resulta do Ac. STJ de 17/11/2021 (Tibério Nunes da Silva) no qual se exarou:
“No caso presente, a contradição invocada ocorreria entre um facto provado e um facto não provado. Ora, sempre se entendeu que, em regra, não há contradição entre “respostas” positivas e negativas, pois, no que respeita a estas, seria como se não existissem ou tivessem sido alegadas. Mas tem-se admitido que, excepcionalmente, há casos em que pode haver contradição. Assim, exarou-se no Ac. do STJ de 20-05-2010, Rel. Alves Velho, Proc. 2655/04.8TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, o seguinte:
«- As contradições na matéria de facto só relevam, em sede de recurso de revista, quando inviabilizem a solução jurídica do pleito.
- A contradição entre factos não provados e factos provados não merece, em regra, relevância, por não determinar colisão entre respostas positivas e negativas, pois que estas últimas nenhuns juízos permitem formular sobre os factos indagados, tudo se passando como se o mesmos não existissem ou não tivessem sido alegados.
- Apesar disso, a contradição poderá existir, excepcionalmente, se as respostas negativas não acolheram facto que constitui ou integra antecedente lógico necessário de resposta afirmativa.
- Assim, se as respostas negativas tinham conteúdo sobreponível ao da resposta positiva, impor-se-ia, necessariamente, na medida do concurso dessa sobreponibilidade, a inerente coincidência ou harmonia nas respostas, sob pena de contradição.»
Igualmente no Ac. do STJ de 18-02-2014, Rel. Fonseca Ramos, Proc. 489/10.0TBMDL.P1.S1, em www.dgsi.pt, se concluiu que:
«A consideração de que não se pode conceber, como processualmente possível, a contradição entre respostas negativas – uma espécie de “nada factual” – e respostas afirmativas, pode não ser de acolher em casos muitos contados: se a resposta negativa e a prova de um facto colidem lógica e factualmente com um outro facto, que se considerou não provado, mas que, no confronto com o facto provado com ela relacionado, tem um nexo incindível em termos de inteligibilidade, podendo, assim, encerrar contradição ou obscuridade.»”
Também Henrique Araújo[113] dava conta do assunto pela seguinte forma:
“Da resposta negativa, pelo contrário, resulta apenas não se ter provado o que nele se perguntava. Neste ponto, a jurisprudência tem referido, unanimemente, que a resposta negativa não determina que se considere provado o facto inverso. Também a doutrina se pronuncia no mesmo sentido, sendo de rejeitar, na nossa opinião, a possibilidade de o tribunal dar como provado que o facto indagado não se verificou, em vez de se limitar a dá-lo como não provado.
Não parece possível existir contradição entre uma resposta positiva e uma resposta negativa, pois nesta última tudo se passa como se o facto não tivesse sido alegado, como se não existisse. Todavia, num caso, a Relação de Coimbra pronunciou-se em sentido contrário, considerando haver contradição numa situação em que a resposta negativa não acolhia um facto que constituía o antecedente lógico necessário da resposta afirmativa.
Configuremos a seguinte hipótese, como mero exercício:
Perguntava-se num quesito se o autor, à data do acidente, auferia o vencimento mensal de ­ 800,00 como marceneiro.
Noutro quesito perguntava-se se à data do acidente o autor trabalhava.
O primeiro desses quesitos obteve resposta positiva; o segundo teve resposta negativa.
É bem patente a falta de articulação das respostas, sendo que o facto dado como assente na primeira (actividade profissional de marceneiro) deveria impor-se na outra resposta.”
E Abrantes Geraldes[114] referia “São inúmeros os arestos dos tribunais superiores que têm realçado aquilo que nos parece uma constatação lógica: a resposta negativa a um determinado facto (…) apenas tem o significado de não se ter provado tal facto; não significa que se tenha de dar por provado o facto inverso.” E fundamenta: “o princípio da aquisição processual (…) não pode ter o alcance de fazer ampliar a matéria de facto…” frisando a “jurisprudência há muito firmada no Supremo, segundo a qual a resposta negativa a um quesito não significa a prova do contrário; apenas significa não se ter provado o facto controvertido, quer porque nenhuma prova foi produzida, quer porque a produzida se mostrou insuficiente para convencer o tribunal da veracidade do facto.”
Ou seja, uma vez que a não prova de um facto não implica prova do contrário, como continua a ser jurisprudência unânime, não pode haver contradição entre um facto positivo e um facto negativo, dado que o segundo nada representa em termos factuais.
Vejamos agora, e porque na aparência da alegação, estamos a discutir os mesmos factos em relação às duas impugnações (5 e 55), quais os instrumentos financeiros subscritos por investidores no âmbito de relações com a sucursal em causa nas impugnações conhecidas na sentença recorrida respeitantes:
- impugnação nº2 - “4% Rio Forte Investments SA EMTN SR-269 2014/11.08.2014” (2.17.);
- impugnação nº5 - “4,25% Rio Forte Investments SA EMTN SR-217 2014/27.02.2015 (23837501)” (5.12.);
- impugnação nº6 – 4% Espirito Santo Financiere ECP – 2014/09.07.2014 (23326544) e unidades de participação no fundo “Espírito Santo Trading – R-EUR” (10386743) (6.25.);
- impugnação nº7 - 4% Espirito Santo Financiere ECP – 2014/09.07.2014 (23326544) e 5% Rio Forte Investments SA EMTN SR-182-2013/28.01.2015 (22713137) (7.22.);
- impugnação nº 8 - obrigações Rio Forte subscritas em Dezembro de 2013, com vencimento em 9.3.2015. (8.18);
- impugnação nº 9 – 4.25% Rio Forte Investments SA EMTN SR-216-2014/27.02.2015 (23836760) (9.20.);
- impugnação nº 10 - “4,25% Rioforte Investments SA EMTN SR – 216 – 2014/27.02.2015 (23836760), ISIN: XS1041581296” (10.12);
- impugnação nº 11 - “4% RIO FORTE INVESTMENTS SA EMTN SR – 231 – 2014/10.07.2014 (24228305), ISIN: XS1057725647” (11.14);
- impugnação nº 12 - “4% Rioforte Investments SA EMTN SR – 231 – 2014/10.07.2014 (24228305), ISIN: XS1057725647” (12.14.);
- impugnação nº 13 - “4% RIO FORTE INVESTMENTS SA EMTN SR – 231 – 2014/10.07.2014 (24228305), ISIN: XS1057725647” (13.14.);
- impugnação nº 14 - “4% RIO FORTE INVESTMENTS SA EMTN SR – 231 – 2014/10.07.2014 (24228305), ISIN: XS1057725647” (14.17.);
- impugnação nº 15 -  “ExS Cash Plus Segregated EUR PF (3005471)” (15.27);
- impugnação nº 16 – obrigações Rio Forte com a designação “5% EMTN SR-182 2013/28.01.2015” (16.27.);
- impugnação nº 18 - “4% RIO FORTE INVESTMENTS SA EMTN SR-290 2014”, com maturidade / vencimento em 10 de Setembro de 2014 com o Código ISIN XS1077885652 (18.11.);
- impugnação nº 19 - “4% RIO FORTE INVESTMENTS SA EMTN SR-231 10.07.2014”, “Notes” da Rio Forte Investments, SA, Código ISIN XS1057725647 e “4% RIO FORTE INVESTMENTS SA EMTN SR-258 11.08.2014”, “Notes” da Rio Forte Investments, SA., Código ISIN XS1066040376 (19.8 e 19.9);
- impugnação nº 21 - Fundo “ExS Cash Plus Segregated Portfolio” e “5% Rio Forte Investments EMTN SR-191 2013/09.03.2015” (21.5 e 21.13);
- impugnação nº 22 - “4,75% Rio Forte 09.08.2013 1 ano” e “4% Espirito Santo Financière ECP 2014/09.07.2014 (23326544)” (22.5);
- impugnação 23 - “4% Espirito Santo Financière ECP 2014/09.07.2014”, com vencimento em 9.7.2014 (23.4);
- impugnação nº 25 - “4,75% RIO FORTE INVESTMENTS SA, EMTN SR – 173” e “4% RIO FORTE INVESTMENTS SA, EMTN SR – 231” (25.9 e 25.11);
- impugnação 27 - “4% Espírito Santo Financière”, com data de vencimento em 9.7.2014, “4,25% Rio Forte Investments SA, EMTN SR-216-2014”, com data de vencimento em 27.2.2015 e “ExS Cash Plus Segregated EUR PF” (27.70);
- impugnação nº 28 - “4% Espirito Santo Financière ECP – 2014/09.07.2014 (23326544)” e “4,75% Rio Forte Investments S.A., EMTN SR – 157 – 2013/08.08.2014 (22099822)” (28.6);
- impugnação nº 29 - “4% Rio Forte Investments EMTN SR-231 2014/10.07.2014” e “5% Rio Forte Investments EMTN SR-182 2013/28.01.2015” (29.11);
- impugnação nº 30 - obrigações emitidas pela sociedade Rio Forte Investments com a designação “5% EMTN SR-182 2013/28.01.2015” (30.31);
- impugnação nº 31 - obrigações emitidas pela sociedade Rio Forte Investments, correspondente à emissão “4,75% EMTN2013/08.2014”, serie 157, e correspondente à emissão “5% EMTN SR-182 2013/28.01.2015” (31.30);
- impugnação nº 32 - “ExS CASH PLUS SEGREGATED EUR PF (3005471) (ISIN KYFG3314D1097)” (32.4);
- impugnação nº 33 - obrigações de “5% Rio Forte Investments SA EMTN SR-182” – 2013/28.01.2015 (22713137) (ISIN XS0987644704) e ExS CASH PLUS SEGREGATED EUR PF (3005471) (ISIN KYFG3314D1097) (33.4 e 33.40);
- impugnação nº 34 - “4% Rio Forte Investments SA EMTN 2014/11.08.2014 SERIE 269, ISIN XS1068486023,” (34.1);
- impugnação nº 35 - 4% Espírito Santo Financière 2014/09.07.2014 (N.º Isin: XS1015427856), 4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014 (N.º Isin: XS1066040376) e 5% Rio Forte Investments EMTN SR-191 2013/09.03.2015 (N.º Isin: XS1003718399) (35.5);
- impugnação nº 39 - “4% RIO FORTE INVESTMENTS SA EMTN SR – 231- 2014/10.07.2014, ISIN XS1057725647” (39.4);
- impugnação nº 41 - “5% RIO FORTE INVESTMENTS SA EMTN SR – 191 – 2013/09.03.2015 (23082285), ISIN: XS1003718399”; “4,25% Rio Forte Investments SA EMTN SR – 217 -2014/27.02.2015 /23837501), ISIN: XS1041581379”, com data de vencimento em 27.02.2015 e “5,25% Espirito Santo Financière Eco EMTN – 2013/12.06.2015 (21268696)”, ISIN XS0925276114, com data de vencimento em 12.06.2015 (41.6 e 41.7);
- impugnação nº 44 - “5% Rio Forte Investments SA EMTN SR – 191 – 2013/09.03.2015 (23082285), ISIN: XS1003718399”, “4,25% Rio Forte Investments SA EMTN SR – 217 -2014/27.02.2015 /23837501), ISIN: XS1041581379” e “ExS CASH PLUS SEGREGATED EUR PF (30005471), ISIN: KYG3314D1097” (44.7);
- impugnação nº 46 - “4% Espirito Santo Financière 2014/09.07.2014 (23326544) N.º ISIN XS1015427856” (46.7);
- impugnação nº 52 - “Fundo ExS Cash Plus Segregated Portfolio” (52.5);
- impugnação nº 54 - “4% Espírito Santo Financière 2014/09.07.2014” (54.5)
- impugnação nº 55 (a presente) - “4% RIO FORTE INVESTMENTS SA EMTN SR-231- 2014/10.07.2014, ISIN XS1057725647”.
Em conformidade, nas várias impugnações, a questão da classificação das aplicações como produtos complexos pelo BPES Suíça ou por terceiros foi decidida de formas diversas:
- impugnação nº 5 – não provado que:
5 l) A sede da Liquidanda, na Suíça, (a Banque Privée Espirito Santo, S.A.), classificou as aplicações em causa, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
5 m) As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
- impugnação nº 6 – não provado que 6 k) A Banque Privée Espirito Santo, S.A. classificou as “Notes” da ESFIL como produtos financeiros complexos para efeitos internos.
- impugnação nº 7 – não provado que 7 h) A Banque Privée Espirito Santo, S.A. classificou as obrigações subscritas, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
- impugnação nº 8 – não provado que 8 j) A Banque Privée Espirito Santo, S.A. classificou as aplicações em causa como produtos financeiros complexos.
- impugnação nº 9 – não provado que 9 i) A sede da Liquidanda, a Banque Privée Espirito Santo, S.A., classificou as aplicações em causa como produtos financeiros complexos.
- impugnação nº 10 – não provado que:
10 g) A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da Rio Forte, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
10 h) As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
- impugnação nº 11 – não provado que:
11 e) A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da Rio Forte, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
11 f) As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
- impugnação nº 12 – não provado que:
12 e) A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da Rio Forte, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
12 f) As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
- impugnação nº 13 – não provado que:
13 e) A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da Rio Forte, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
13 f) As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
- impugnação nº 14 – não provado que:
14 f) A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da Rio Forte, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
14 g) As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
- impugnação nº 18 – provado sob 18.25. A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da Rio Forte em causa, como produtos financeiros complexos.
- impugnação nº 19 – provado sob 19.26. A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da Rio Forte em causa, como produtos financeiros complexos.
- impugnação nº 21 – não provado que:
21 af) A Banque Privée Espírito Santo, S.A. tinha classificado as obrigações Rio Forte, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
21 ag) As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
- impugnação nº 22 – não provado que:
22 h) A sede da Liquidanda, na Suíça, tinha classificado as obrigações Rio Forte e ESFIL, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
22 i) As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
- impugnação nº 29 – provado sob 29.17. A sede da Liquidanda, a Banque Privée Espirito Santo, S.A., classificou as aplicações em causa, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
Não provado sob 29 m) As demais entidades que ofereciam “Notes” da Rio Forte aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
- impugnação nº 35 – provado sob 35.14. A sede da Liquidanda, na Suíça (o “BPES Suíça”), classificou as aplicações em causa como produtos financeiros complexos.
- impugnação nº 41 – provado sob 41.16. A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da Rio Forte e da ESFIL, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
- impugnação nº 44 – provado sob 44.25. A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da Rio Forte, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
- impugnação nº 46 – provado sob 46.16. A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da ESFIL, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
Em concreto, e dado que aparentemente estamos a discutir os mesmos factos, verifica-se que os instrumentos financeiros em causa na matéria de facto da presente impugnação não são comuns com os referidos na impugnação nº5. São, sim, comuns com as impugnações nºs 29 e 39, em relação às quais, em ambas, foi dado como provado o facto “A sede da Liquidanda, a Banque Privée Espirito Santo, S.A., classificou as aplicações em causa, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.”.
Já o facto “As demais entidades que ofereciam “Notes” da Rio Forte aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.” não foi objeto de prova quanto à impugnação nº 39 e foi dado como não provado quanto à impugnação nº 29, dado não ter sido confirmado por qualquer meio de prova[115].
Este exercício demonstra bem que os factos em causa, apesar de formulados na mesma configuração, não são genéricos, não podendo, em concreto, ser adquiridos entre impugnações (e a sê-lo, sempre seriam os factos provados e nunca os não provados pelos motivos já explicitados). Acresce que são factos complementares, que, de acordo com as plausíveis soluções de direito, poderão ter relevância para a determinação do âmbito do dever de informação da liquidanda, enquanto intermediária financeira pelo que, em correspondência com o alegado por quem tem que provar a violação do dever de informação (os impugnantes), os factos foram ou não conhecido conforme se mostrava necessário, impugnação a impugnação (o que explica a diversidade de resultados quanto ao segundo facto relativamente às impugnações 29 e 39).
Ainda assim, e quanto aos instrumentos financeiros comuns, verifica-se que o facto correspondente ao facto 55.27. foi sempre objeto de juízo como provado, inexistindo qualquer possibilidade de contradição.
O único exercício possível a fazer entre as impugnações é o da ponderação de motivações expressas pelo tribunal: os motivos da não prova em relação ao facto dado por não provado na impugnação 29 colocam, por qualquer forma, em dúvida o juízo de provado efetuado nesta impugnação 55? A resposta é claramente negativa, dado que ali o juízo se fundou na total ausência de prova, e aqui já se analisaram (e confirmaram) os meios de prova produzidos.
Improcede, assim, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto quanto aos factos dados como provados sob os nºs 55.27. e 55.28.
*
Quanto ao ponto 55.48, pede a sua eliminação, alegando que se constata do facto provado 54 r) que o mesmo foi dado por não provado quanto a outro impugnante, o que é contraditório.
O recorrido refere que a redação dos factos 55.48 e 54 r) é diferente, referindo-se o facto 55.48 apenas à informação comercial, o que resultou do depoimento de BHG. Tal também é mencionado na fundamentação de 54 r), como resulta de pgs. 807 da sentença, pelo que não existe a alegada incoerência. De qualquer forma os julgamentos das impugnações foram conduzidos de forma separada com respeito pelo contraditório, não tendo cabimento legal invocar decisões relativas à matéria de facto por depoimentos e declarações prestadas noutras sessões de julgamento.
Foi a seguinte a motivação do tribunal a quo: “55.48. Este facto decorre dos esclarecimentos do Sr. Liquidatário, o qual explicou que, na área comercial, os sistemas eram absolutamente segregados.
O único fundamento invocado pelo recorrente para a impugnação da decisão tomada quanto a este facto é a alegada contrariedade entre o mesmo e o facto dado por não provado sob 54 r).
Dão-se aqui por reproduzidas todas as considerações tecidas no ponto acima (quanto à impugnação dos factos 55.27 e 55.28) no tocante à aplicação do princípio da aquisição processual em processo concursal com as caraterísticas dos presentes e à irrelevância da matéria de facto não provada em linha com a jurisprudência e a doutrina ali citadas.
Em concreto verifica-se que o facto aqui dado como provado e o facto dado como não provado sob 54 r) têm, como assinalado pelo recorrido, âmbitos diversos:
Assim, foi dado como provado:
55.48. A Liquidanda não tinha acesso à informação comercial disponível no sistema da Banque Privée Espirito Santo, S.A.
E no âmbito da impugnação 54 foi dado como não provado:
54 r) A Liquidanda não tinha acesso à informação disponível no sistema da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e vice-versa[116].
Importa completar a alegação do recorrente com o quadro completo dos factos provados e não provados nas impugnações 55 e 54 para demonstrar o contexto das questões apreciadas.
Na impugnação 54 o tribunal deu como provado sob 54.31. que “A Liquidanda não tinha acesso à informação disponível no sistema da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e esta não tinha acesso à informação relativa aos clientes da Sucursal.”
Em consequência do detalhe que deu por provado (que a sucursal não acedia à informação da sede e que a sede não acedia a informação de clientes da sucursal), deu o facto genericamente alegado como não provado sob 54 r), ou seja, que não havia acesso algum em qualquer dos sentidos, deixando em zona cinzenta (porque de facto não releva para a decisão da causa), a questão do acesso da sede a informação da sucursal em área não comercial.
Na presente impugnação, o tribunal deu como provado o facto 55.48. ou seja, que a Liquidanda não tinha acesso à informação comercial disponível no sistema da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e, sob 55 s), deu como não provado que “A Banque Privée Espirito Santo, S.A. não tinha acesso à informação disponível no sistema da Liquidanda.”, justificando pela seguinte forma: “factos foram contrariados pelos esclarecimentos do Sr. Liquidatário, dizendo que em algumas áreas, como a contabilidade e o investimento, a Banque Privée Espirito Santo, S.A. tinha acesso à informação da Sucursal.”
Contextualizado compreende-se que, objetivamente, o facto dado como não provado sob 54 r) não contraria o facto dado como provado sob 55.48, tal como não contraria o facto dado como provado sob 54.31: concretamente, dizer que não se provou que a liquidanda tivesse acesso a informação alguma não implica que tivesse acesso a algum tipo de informação, como já se explicitou, o que significa a inexistência de qualquer contrariedade com a prova de que não tinha acesso a qualquer informação comercial[117], especificamente.
Improcede, assim, a impugnação deduzida quanto a 55.48 da matéria de facto provada, que se mantém na formulação dada pelo tribunal recorrido.
*
Relativamente aos pontos 55 a), 55 d) e 55 g) o recorrente indica que devem ser considerados provados, com base nas declarações do recorrente de que colocou o dinheiro que lhe foi solicitado pela gestora de conta, no pressuposto que equivalia a um depósito a prazo com retorno de capital investido garantido e sem riscos. Isso resulta também do seu perfil ultraconservador e da conduta da liquidanda que procurou ocultar do recorrente documento informativo com as caraterísticas do produto subscrito (facto provado 55.23) e não leu ao recorrente as menções quanto à avaliação do caráter adequado da operação (factos 55.15 e 55.16). Não é assim credível que o recorrente estivesse ciente do risco inerente e fosse conhecedor do produto e recuasse face à leitura das menções em causa.
O recorrido pediu a improcedência da impugnação justificando conjuntamente com a manutenção como provada da matéria constante de 55.7 e 55.8.
Da sentença recorrida consta como fundamentação, quanto a estes pontos da matéria de facto não provada:
55 a) Em declarações o Impugnante disse que abriu a conta na Sucursal Liquidanda com €160.000,00 que transferiu do Banco Espirito Santo, S.A. Pretendia apenas colocar €100.000,00 num depósito a prazo, mas a gestora de conta solicitou-lhe um alargamento desse valor para €150.000,00. Mais disse que a gestora de conta nunca lhe propôs qualquer produto e que só abriu a conta para fazer depósitos a prazo.
Por seu lado, a gestora de conta declarou que o valor colocado na conta e o montante investido foram opção do Impugnante, tal como o foi o concreto produto subscrito, escolhido após apresentação da oferta possível e de serem prestadas informações sobre as concretas características do produto.
Ora, manifestamente as declarações do Impugnante e o depoimento da testemunha não são compatíveis.
Em qualquer caso nenhum deles corrobora o facto alegado, quer no que se refere à apresentação de uma proposta de investimento, quer no que respeita ao valor investido.
Assim sendo, manifestamente, a alegação deve considerar-se não demonstrada.
55 d) Este facto não é consentâneo, nem com as declarações do Impugnante, que invocou não lhe ter sido apresentado ou proposto qualquer produto, nem com o depoimento da gestora de conta, que disse ter previamente explicado ao Impugnante que produto estava em causa, tendo ele decidido efectuar a sua subscrição, ciente do que se tratava.
55 g) e 55 h) Não provados porquanto os factos apenas foram confirmados pelas declarações do Impugnante, contrariadas pela gestora de conta, que referiu ter explicado o produto e dado informações sobre a emitente, no início da relação comercial e previamente à primeira subscrição.
Face à contradição entre as declarações e o depoimento, nos termos antes já explanados, entendemos não ter fundamento para valorar as primeiras, em detrimento do segundo.”
Apreciando:
O recorrente invoca como fundamento para que seja dado como provado que a gestora de conta lhe propôs aplicar € 160.000,00, antes de mais nas suas próprias declarações.
Ora, no tocante ao montante do investimento (€ 160.000,00), como resulta das declarações do próprio recorrente – e como naturalmente seria lógico que sucedesse, já que se tratava do seu dinheiro, que tinha depositado noutra instituição – este declarou: “Eu, como havia aquela questão dos 100.000 euros eu, primeiro, decidi colocar 100.000 euros a prazo. Mas a senhora doutora solicitou-me se haveria possibilidade de alargar o meu depósito, pelo menos para 150.000 euros. E eu naturalmente que, por qualquer razão, (minuto 07.45) abri a conta com 160.000 euros. A maior parte, o total não me recordo, transferido do Banco Espírito Santo para o Privée, mantendo depósitos a prazo no Banco Espírito Santo.”
As declarações de APR, por sua vez, foram em sentido coincidente:
A instâncias do Mandatário do Recorrente, que lhe perguntou: “Pronto, e depois como é que as coisas evoluíram para o valor que foi encontrado de 160.000 euros?”, respondeu, ao minuto 25.44 “Foi iniciativa do senhor LAC transferir aquele montante. O mínimo para as obrigações da Rio Forte eram 100.000 euros, portanto ele transferiu o montante que quis.”
Assim, não foi produzido qualquer elemento de prova no sentido de que a gestora de conta tenha proposto a aplicação de € 160.000,00.
No tocante à ultima parte do facto dado como não provado, ou seja, a proposta em produto financeiro, recorda-se aqui, reafirmando, o que já se consignou como fundamento para a não alteração de 55.7 e 55.8:
“Os factos dados como provados sob 55.7. e 55.8 foram assertivamente descritos pela testemunha APR, que declarou por duas vezes e forma coincidente (e lógica) que entre duas primeiras conversas presenciais com LAC, ter apresentado o próprio Banco, ter falado nos depósitos a prazo que o recorrente rejeitou por ter taxas muito baixas e ter taxas melhores noutros bancos, que falou numa proposta de investimento diversificada, com obrigações, rejeitada pelo recorrente por já ter uma carteira de títulos no BPI, incluindo obrigações da PT (o que o recorrente também confirmou em declarações de parte) e que então lhe apresentou os investimentos que poderiam ser feitos em holdings do grupo com taxas superiores que foi o caso da Rio Forte, que eram investimentos de três meses com um início definido e taxa definida fixa, portanto a taxa não oscilava e que o recorrente achou muito interessante fazer por três meses, começar esse experiência com três meses, declarando conhecer o Grupo Espírito Santo.
Já o recorrente, cujo depoimento é invocado como fundamento para a alteração destes factos, perguntado por treze vezes, por formas diferentes pela Sra. Juíza a quo se lhe haviam sido apresentados outros produtos ou outras possibilidades de investimento apenas respondeu diretamente à questão uma vez (à 11ª pergunta), respondendo sempre qual era a sua condição e o seu pressuposto. Mesmo deixando de lado o facto de estarmos a pesar declarações de parte e depoimento de uma testemunha, na verdade o declarante nunca afirmou de forma direta, perentório e credível que só lhe foram apresentados os produtos Rio Forte, como ora pretende se dê como provado, tendo apenas negado uma vez que lhe tenham sido apresentados vários produtos.”
Não se mostra assim, consentânea a alteração deste facto de não provado para provado.
No tocante a 55 d), ou seja, e recordando: “O Impugnante subscreveu o documento “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” cuja cópia se mostra a fls. 6265/6266, no pressuposto que o produto equivalia a um depósito a prazo, com retorno de capital investido garantido e sem riscos.”, não só foi assertivamente negado pela testemunha APR, como não foi sequer afirmado pelo recorrente que, na versão que trouxe a tribunal em declarações de parte, cuja credibilidade já analisámos, declarou que assinou as ordens de execução no pressuposto de que eram renovações de depósito a prazo e não “equivalentes” a depósitos a prazo com retorno de capital investido e sem risco, como agora se pretende seja dado como provado[118].
A matéria dada como não provada sob 55 g), ou seja, “55 g) O Impugnante era desconhecedor das características do produto que subscreveu.” resulta da análise das declarações da gestora de conta que descreveu com algum pormenor as informações fornecidas e as reações do recorrente, designadamente quanto ao produto Rio Forte subscrito, como já se referiu.
É certo que o recorrente afirmou que nunca tinha ouvido falar de Rio Forte. Mas não pode ser dada credibilidade a essas declarações, referidas a depois do colapso do BES e a uma deslocação do declarante às instalações da Liquidanda (a única), nas quais o recorrente associa Rio Forte ao eco resort da Praia do Forte e o liga a RESS (associação estranha para quem nunca tivesse ouvido falar de Rio Forte) acabando por admitir que não se interessava em saber, sendo coisa que não lhe dizia respeito.
O interesse do recorrente em afirmar este desconhecimento e a ausência de informação sobre o produto e suas caraterísticas é óbvio, face à pretensão deduzida, tratando-se provavelmente, e como o próprio admite (ao referir não saber, nem lhe interessar) de um caso de memória seletiva.
O recorrente, descrito por todos como prudente, metódico e cismado não quadra com a imagem que deu de si próprio a não ler ordens de execução de instrumento financeiro e de assinar as mesmas sem sequer ver qual o montante aplicado (mesmo que, e na sua versão, se tratasse de um depósito a prazo). Isto porque o próprio declarou que a parte da frente das ordens nunca lhe foi mostrada pela testemunha APR, e o montante e caraterísticas da operação, como o prazo e o juro estão, exatamente, nessa página (cfr. minutos 15.59 e ss. das declarações de parte).
Aliás, a natureza “cismada” do declarante fica bem demonstrada quanto à questão da avaliação de adequação, os factos dados como provados sob 55.15. e 55.16., relativamente aos quais declarou que “De nenhum documento senão naturalmente que eu era próprio eu a assinar o documento, então se diz assinatura eu tenho de assinar o documento que está lá para assinar. Nunca me foi colocado isso porque se tivesse sido colocado eu com certeza que via logo o que é que estava ali. E a senhora doutora APR sabia, eu peço desculpa de acrescentar, que imediatamente perdia o cliente.”, confundindo a advertência padronizada referente ao dever de adequação, prevista no art. 314º, nºs 2, 3 e 4 do CVM, aplicável quando o cliente não tenha sido avaliado (e foi, cfr. factos 55.4 e 55.6) e/ou quando o instrumento não tenha sido considerado adequado para o respetivo perfil (o que não se mostra apurado) ou quando o investidor tenha recusado a informação para o efeito (o que igualmente não se mostra apurado), com uma advertência de risco.
O que consta dos documentos de subscrição que não foi por si assinado não é, claramente o que o recorrente pensa ser, e se não foi assinado e explicado foi porque não se mostram provadas quaisquer circunstâncias que impusessem que o fosse.
Também o facto dado como provado sob 55.23. não demonstra o contrário, não se retirando do mesmo qualquer “ocultação” das caraterísticas do produto subscrito face aos factos dados como provados sob 55.24 e 55.25 (que não foram impugnados).
Improcede, assim, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto quanto às alíneas a), d) e g) da matéria de facto dada como não provada.
*
No tocante aos factos 55 k), 55 l) e 55 m), o recorrente entende deveriam ser dados como provados, devendo o tribunal, sem prejuízo de decidir de forma independente, ter ponderado o trabalho da CMVM, dadas a sua independência e competência,  já que se bastou com meras declarações orais de pessoas comprometidas com os procedimentos e práticas do GES como o Liquidatário, JAC e APR, resultando das conclusões do documento que os investidores não profissionais não seriam destinatários deste investimento. Além disso do documento resulta que no processo analisado pela CMVM há elementos que indicam que não foi transmitida informação e não há evidências de o recorrente ter sido informado da existência de conflitos de interesses.
No tocante a 55 k), o recorrido pediu a improcedência da impugnação referindo que o parecer da CMVM não tem o alcance de provar o facto em causa, sendo, ainda assim irrelevante dado que foram cumpridos todos os deveres de informação, não sendo o produto complexo.
Quanto a 55 l), o recorrido pronunciou-se conjuntamente com a resposta à impugnação dos factos 55.17, 55.19, 55.21 e 55.22 e 55.32.
Alega, quanto ao parecer da CMVM que foi corretamente valorado pelo tribunal a quo, sendo as competências desta distintas das do tribunal.
Considera que o facto 55 m) deve manter-se como não provado, dado que não existiu, efetivamente qualquer conflito de interesses, não o sendo o mero facto de liquidanda e emitente pertencerem ao mesmo grupo, informação que foi prestada. Ainda que assim não fosse, não foi alegado pelo recorrente que não realizaria o investimento por as entidades pertencerem ao mesmo grupo. Os factos provados 55.38 e 55.42 demonstram a ausência de conflito de interesses.
Foi a seguinte a convicção explanada na sentença recorrida:
“55 k) Não provado, na medida em que não foi demonstrado que foi a Liquidanda a responsável pela elaboração da ficha técnica, desconhecendo o Tribunal o que da mesma constava, uma vez que não foi junta aos autos.
55 l) e 55 m) Estes factos não foram confirmados por qualquer meio de prova e foram contrariados pelo depoimento da testemunha APR, que declarou ter explicado ao Impugnante as características do produto, o risco inerente e a sociedade emitente, concretamente, que integrava o Grupo Espírito Santo, mostrando-lhe um organigrama que continha todo o grupo e distinguia o ramo financeiro e não financeiro, em que se integrava a Rio Forte.
Acresce que no verso dos documentos de subscrição estão expressos os riscos do investimento.”
Apreciando, recorda-se que nas alíneas em causa o tribunal deu como não provado:
55 k) Na “ficha técnica resumida” a Liquidanda definira que a comercialização do produto aludido na impugnação se destinava exclusivamente a investidores qualificados.
55 l) A insolvente não prestou ao Impugnante informação relativamente “aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas explicitando os riscos de perda da totalidade do investimento, de liquidez, de crédito e de mercado”.
55 m) A Liquidanda não informou o Impugnante da possibilidade de existir um conflito de interesses entre a insolvente e a sociedade emitente dos instrumentos financeiros.
No tocante ao facto dado como não provado sob 55 k), não tendo a referida “ficha técnica” sido junta aos autos não se mostra possível dar como provado, como referiu o tribunal a quo, quem a elaborou (e assim definiu o que ali constar), já que nenhum elemento de prova foi produzido nesse sentido (no sentido de que a Liquidanda elaborou a ficha técnica resumida, sendo assim, responsável pelas eventuais indicações ali constantes).
O elemento de prova invocado pelo recorrente é o documento produzido pela CMVM relativo à queixa apresentada pelo recorrente, que constitui o documento nº 12 junto com a impugnação e que, como o tribunal recorrido deixou consignado logo na apreciação geral da prova produzida, não é um meio de prova.
O recorrente também não alega tanto, apenas referindo que o documento contém sérios indícios que deveriam ser valorados.
Em acréscimo à apreciação geral efetuada pelo tribunal recorrido quanto às decisões CMVM juntas aos autos, com cujo teor se concorda, há a frisar o passo óbvio de que as declarações orais que se pretende sejam desvalorizadas são as das pessoas que intervieram nas situações em causa: o recorrente e a gestora de conta e, quanto a alguns aspetos, o Liquidatário e JAC. O documento da CMVM foi elaborado com base em elementos de prova provavelmente não coincidentes com os aqui trazidos, por pessoas que não assistiram ou intervieram, por qualquer forma, no desenrolar dos factos.
Posto isto, o que consta do documento em causa quanto à ficha técnica é o seguinte:
“1.2. Foi também decisão de V. Exas. que a comercialização deste investimento se destinava exclusivamente a investidores qualificados conforme menção que consta do documento interno “Ficha técnica Resumida” (“Aviso: Emissão destinada apenas a Investidores Qualificados/MIFID)”;
“1.4. Conclui-se que de acordo com a informação que consta na “Ficha Técnica Resumida” elaborada por V. Exas. os Investidores não Profissionais não seriam destinatários deste investimento.”
Consta efetivamente do documento que a Ficha Técnica foi elaborada “por V. Exas.” mas essa é uma conclusão tirada pela CMVM sobre elementos que não foram oportunamente juntos ou requeridos ao Tribunal. Acresce que na verdade, não sabemos se o “V. Exas.” se refere especificamente à Sucursal ou ao BPES (sede e sucursal) no seu todo.
Percorrendo os demais elementos de prova temos que, não só não foi junta a Ficha Técnica como a sua feitura ou autoria não foi especificamente referida ao tribunal por qualquer dos depoentes.
Assim, a conclusão atingida pelo tribunal a quo é de confirmar.
Quanto aos factos dados como não provados sob 55 l) e m), o recorrente indica também o documento produzido pela CMVM como fonte de indícios dos mesmos.
Sucede que foi produzida prova em contrário – depoimento de APR e documentos de subscrição, dos versos dos quais (verso esse assinado pelo recorrente) consta a advertência dos riscos do investimento (cfr. factos 55.19, 55.20., 55.30., 55.38 a 55.40, 55.42. e 55.45 a 55.48.).
E no tocante a estes pontos (informação sobre os riscos de perda da totalidade do investimento, de liquidez, de crédito e de mercado e de informação sobre a possibilidade de existência de um conflito de interesses e esclarecimento sobre a política de prevenção e mitigação desses conflitos), o documento elaborado pela CMVM nem sequer formula quaisquer conclusões: refere que “não existem no processo elementos que atestem do cumprimento dos deveres:” e que “não existem no processo evidências de que (…)”. Ora tais afirmações sempre teriam que ser confrontadas com os elementos existentes no processo referido, sendo desde logo claro que teriam que existir, num processo minimamente instruído, pelo menos indícios do cumprimento do dever de esclarecimento sobre a política de prevenção e mitigação de conflitos de interesses, já que tal consta das condições gerais de abertura de conta, que não se vê como não possam ter sido consultados pela CMVM (cfr. facto nº 55.20).
Não há, assim, quaisquer elementos que contrariem a prova produzida, improcedendo também a impugnação deduzida quanto à não prova dos factos constantes de 55 k), 55 l) e 55 m).
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Improcede, assim, integralmente, a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pelo recorrente LAC.
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5.1.6. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto relativamente à impugnação nº27, correspondente ao recurso 1.6., interposto por MSL:
A recorrente MSL aponta como incorretamente julgados os pontos 27.19., 27.41, 27.42, 27.43, 27.44, 27.45, 27.46, 27.48, 27.59 e 27.60 da matéria de facto provada.
E ainda os seguintes pontos da matéria de facto não provada: 27 a); 27 b); 27 c); 27 d); 27 e); 27 f); 27 g) e 27 h).
Alega, em geral que a Mª Juiz “a quo” não levou em devida linha de conta de que alguns dos depoimentos a que fez referência foram efetuados por ex-funcionários da Liquidanda e que como tal deveriam ter sido valorados com as devidas reservas. Discorda igualmente da apreciação efetuada pelo tribunal recorrido quanto ao depoimento de FFB, que, alega, “apresentou um discurso seguro, verdadeiro, espontâneo, sem hesitações e acima de tudo credível.”
A Sra. Juiz a quo deixou consignada, em geral, a sua perceção quanto aos depoimentos prestados nos seguintes termos:
“A prova produzida consistiu no depoimento de FFB, que declarou ter sido gestor de património da Impugnante e do seu cônjuge desde 1980 e, após o falecimento daquele em 2005, passou a ajudar e aconselhar a Impugnante em questões financeiras.
O depoimento prestado denotou conhecimento directo e detalhado da situação financeira da Impugnante e dos seus investimentos. Contudo, deixou transparecer um profundo envolvimento pessoal, facto que pôs em crise a sua imparcialidade e capacidade de distanciamento.
Foi também inquirida a testemunha JAS, gestor da conta da Impugnante aberta junto da Liquidanda.
Nessa medida, a testemunha mostrou-se conhecedor dos termos da relação bancária mantida com a Impugnante e do condicionalismo em que o investimento invocado na impugnação foi realizado, bem como do produto em causa, suas características, emitente e respectivo historial financeiro.
Prestou um depoimento detalhado e revelador de amplos conhecimentos sobre o sector bancário e a banca de investimentos.
Finalmente, foram prestados esclarecimentos pelo Sr. Liquidatário Judicial, BHG, que incidiram sobre as características do Fundo EXS, o conhecimento da Liquidanda sobre a situação económico-financeira da Rio Forte e da ESFIL, a relação/interacção entre a Liquidanda, a Banque Privée Espirito Santo, S.A. e as outras sociedades do grupo.”
E já havia consignado, na motivação geral, o seguinte (com sublinhado nosso):
“No que se refere à prova testemunhal, e sem embargo das referências individuais e concretas que faremos a propósito da factualidade relevante para a decisão de cada impugnação, importa desde já deixar expresso que ao longo das diversas sessões de julgamento foram ouvidas, mais do que uma vez, testemunhas arroladas pela Liquidanda, a saber, APR, AMF e JAS.
A razão de ciência destas testemunhas alicerçou-se na sua vivência pessoal e experiência profissional enquanto gestores de conta da Liquidanda. Nessa medida, não só interagiam directamente com os clientes, ora Impugnantes, mas também integraram a instituição bancária ora Liquidanda, e nessa medida tomaram conhecimento e executaram as regras e procedimentos adoptados.
Nenhuma destas testemunhas tem qualquer relação actual, quer pessoal, quer profissional, com a Liquidanda ou com a Banque Privée Espirito Santo, S.A.
Todos, sem excepção, demonstraram respeito e, em alguns casos, até apreço pelos Impugnantes de que foram gestores de conta e com os quais, não raras vezes, estabeleceram relações pessoais.
Depuseram de forma segura, com espontaneidade, objectividade, coerência e verosimilhança, denotando preocupação em esclarecer, de forma detalhada e o mais precisa que lhes foi possível, atento o tempo decorrido, as questões que lhes foram colocadas, o que fizeram sempre com apoio nas suas memórias ou em elementos, designadamente, documentais, que recolheram tendo em vista os depoimentos que vieram prestar.
O seu discurso foi coerente, circunstanciado e sustentado, não revelando qualquer animosidade ou parcialidade.
Adoptaram posturas serenas, não manifestando qualquer antagonismo, nervosismo ou exaltação e responderam de forma directa e fundamentada às questões colocadas quer pelos mandatários dos Impugnantes, quer pelos mandatários da Liquidanda.
Sem prejuízo do que infra ainda se referirá a propósito dos depoimentos prestados nas sessões de julgamento relativamente a cada uma das impugnações, cumpre desde já aqui deixar expresso que o tribunal não pode deixar de atender e relevar a coerência e consistência dos vários depoimentos prestados por cada uma destas testemunhas nas diversas sessões de julgamento em que estiveram presentes, mas também dos depoimentos de todas elas entre si.
Por ser esta a percepção do tribunal, e na medida em que foram consentâneos com o teor dos documentos juntos aos autos e não resultaram contraditados por outra prova, os depoimentos prestados permitiram sustentar a convicção do tribunal.”
E, ainda relevando, também na parte inicial da motivação quanto à matéria de facto o tribunal já havia feito constar, quanto aos depoimentos prestados pelo Sr. Liquidatário:
“Identicamente, também o Sr. Liquidatário Judicial prestou esclarecimentos inúmeras vezes.
Desde a primeira sessão de julgamento em que tal questão se suscitou, o tribunal entendeu ser mais conforme com as finalidades do processo que os esclarecimentos a prestar pelo Sr. Liquidatário Judicial pudessem versar sobre todos os factos de que o mesmo tivesse conhecimento directo (uma vez que foi representante da Banque Privée Espírito Santo S.A. – Sucursal em Portugal entre 2007 e 19 de Setembro de 2014 e entre 20 de Setembro de 2014 até 20 de Setembro de 2015, gerente provisório), ao invés de os restringir aos factos que tivessem advindo ao seu conhecimento apenas após a sua nomeação para essas funções.
Para esta decisão pesou o facto de o próprio Banco de Portugal ter considerado que o mesmo era a pessoa certa para assumir as funções de Liquidatário Judicial no processo de liquidação da instituição de que foi gerente, o que pressupõe, necessariamente, uma avaliação de isenção e integridade.
Assumida esta opção, sempre o Sr. Liquidatário prestou os seus esclarecimentos de forma tranquila, com um discurso escorreito e coerente, revelando profundo conhecimento das matérias sobre as quais depôs, essencialmente, relacionadas com a actividade e os procedimentos seguidos pela Liquidanda, a sua oferta, os moldes em que operava no mercado bancário ao lado dos demais concorrentes, o funcionamento interno e a relação com a Banque Privée Espirito Santo, S.A. e as demais sociedades do Grupo Espírito Santo.
Anotamos a firmeza, convicção e segurança que sempre deixou transparecer nas suas respostas, devidamente enquadradas, prestando os esclarecimentos que lhe foram solicitados com respeito pelos interlocutores e pelos Impugnantes, sempre que a eles se referiu.
Pelas razões agora expressas, e sem olvidar as funções anterior e actualmente desempenhadas que, necessariamente, determinam um envolvimento pessoal e um interesse funcional na decisão da causa, também os esclarecimentos por ele prestados foram considerados pelo tribunal, firmando a respectiva convicção, sempre que se nos afiguraram verosímeis e não foram contrariados por prova suficiente para abalar a respectiva credibilidade.”
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A recorrente pretende seja alterado o ponto 27.19 da matéria de facto provada, no qual, recordando, ficou a constar:
27.19. A Impugnante tinha noção de que o Fundo ExS não era isento de risco.
Propugnando a sua alteração no seguinte sentido:
27.19. A Impugnante tinha noção de que o Fundo ExS era isento de risco.
Argumenta que a testemunha FFB declarou a preferência da credora recorrente por depósitos a prazo e que apenas na sequência de alguma pressão foram feitas aplicações e que dada a confiança que tinha no gestor, acreditava que os produtos subscritos tinham as características que eram referenciadas, ou seja, que tinha características semelhantes a um depósito a prazo. Alega igualmente que do depoimento de JAS resulta claro que em momento algum informou a Recorrente sobre quaisquer riscos associados aos instrumentos de dívida do GES e que, também em sentido contrário ao decidido, do depoimento do Liquidatário, BHG, se retira que o Fundo EXS foi apresentado à recorrente como uma aplicação sem risco.
E conclui que, dos depoimentos referidos, quando analisados no seu conjunto, resulta claro que a Recorrente, desconhecendo o verdadeiro risco do instrumento financeiro, e sobretudo por confiar na informação que lhe era transmitida pelo seu gestor de conta que lhe dizia que era como se fosse um depósito a prazo, aceitou subscrever tal produto.
O recorrido apontou que a impugnação deste facto é irrelevante, dado que o tribunal, com fundamentos diversos da informação sobre o risco quanto ao Fundo EXS julgou procedente a impugnação da relação de créditos nessa parte.
Porque o facto respeita ao investimento no fundo ExS, ao abrigo do mandato de gestão de carteiras, nunca teria o efeito pretendido da Recorrente, de alterar a decisão do Tribunal a quo que não julgou verificados os créditos respeitantes às obrigações Rio Forte e ESFIL.
Sem prejuízo alega que a impugnação deve improceder, por infundada face à prova documental (contrato de gestão de carteiras de fls. 1399 e ss.) e os depoimentos de JAS e do próprio FFB, devendo manter-se.
O tribunal a quo fundamentou pela seguinte forma a prova deste facto:
“27.19. O Tribunal entende que, quer do contrato de gestão de carteira celebrado entre a Impugnante e a Liquidanda - cláusula 2.2. -, quer das regras da experiência comum, resulta evidente que os investimentos a efectuar ao abrigo desse contrato, tal como qualquer investimento em mercados financeiros, não eram isentos de risco.
Acresce que no anexo ao contrato, o perfil A era identificado com “risco reduzido”, logo, com algum risco.
Finalmente, no seu depoimento, FFB disse que o fundo ExS lhe foi apresentado como “uma miscelânea de acções de empresas variadas, que garantia um juro bom”, explicando que essa diversidade definia um fundo de baixo risco.
Portanto, ainda que indirectamente, foi explicado o risco do fundo ExS. Contudo, a percepção de risco era baixa e foi essa a indicação dada à Impugnante.”
Apreciando:
A recorrente reclamou nos autos um crédito de € 2.338.209,00, relativo a investimentos financeiros não reembolsados em obrigações Rio Forte e Esfil e, ao abrigo de um contrato de gestão de carteiras, no Fundo ExS Cash Plus, acrescidos de juros.
O Sr. Liquidatário, na relação prevista no art. 129º do CIRE tendo reconhecido um crédito à recorrente de € 0,68, não reconheceu os créditos reclamados.
A recorrente impugnou o não reconhecimento dos créditos por si reclamados, tendo a impugnação sido julgada parcialmente procedente e tendo, na sentença recorrida sido reconhecido à recorrente MSL, um crédito comum (condicional) até ao valor máximo de €81.733,72, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data do termo da liquidação do Fundo ExS até efetivo pagamento.
O tribunal concluiu que, quanto a este investimento, efetuado ao abrigo de contrato de gestão de carteira, foi subscrito um ativo que não correspondia ao perfil de investimento (A) escolhido pela recorrente. E concluiu pela verificação de todos os requisitos de responsabilização da liquidanda: ilicitude, culpa, nexo de causalidade entre o dano, a perda do capital da Impugnante investido no mencionado fundo, e a atuação da Liquidanda.
Verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar, o tribunal considerou o crédito condicional dado que “tendo-se apurado que o Fundo ExS não está ainda totalmente liquidado, a concreta e real perda da Impugnante só será conhecida quando tal tiver ocorrido, razão pela qual o crédito da Impugnante, no valor máximo supra-referido, depende da verificação da efectiva incapacidade do Fundo ExS para restituir o valor investido.”
E finalmente conheceu do pedido de pagamento de juros e decidiu que seriam devidos juros desde “a data do termo da liquidação do Fundo ExS até efetivo pagamento, posto que só naquele momento o crédito ficará líquido e, como tal, vencerá juros”
Compulsadas as alegações de recurso (incluindo as conclusões aperfeiçoadas) e as contra-alegações (e resposta às conclusões aperfeiçoadas) verificamos que não se encontra abrangida pelo objeto do recurso a parte da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada, dado que a recorrente não formulou qualquer pedido relativo à parte em que decaiu (os juros devidos sobre o capital investido a partir da data prevista para resgate), inexistindo recurso por parte do recorrido, que se conformou com o parcial vencimento da ora recorrente.
Assim sendo, a impugnação deste concreto ponto da matéria de facto carece em absoluto de sentido ou de utilidade por apenas respeitar a matéria que já se encontra coberta pelo caso julgado e não será apreciada em sede de recurso.
Como se escreveu no Ac. TRC de 20/10/2011 (Henrique Antunes) “deve ter-se presente que de harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa.
Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição com o suprimento da decisão daquela instância, a solução e o enquadramento jurídicos do objecto da causa permanecerem inalterados, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser suficiente ou inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação.”
A análise da impugnação da matéria de facto só deve ser efetuada relativamente aos factos que revestem relevância para a decisão do mérito da causa, ponderadas as várias soluções plausíveis de direito; o tribunal está vinculado a providenciar pelo andamento regular e célere do processo, recusando o que for impertinente e dilatório nos termos do disposto no nº1 do art. 6º do CPC,  pelo que nenhum sentido ou utilidade teria efetuar uma análise crítica sobre o mérito da valoração da prova feita pela 1ª instância, quando a impugnação do julgamento de facto recai sobre factos que não têm qualquer potencialidade de influenciar o sentido da decisão, quer se tratem de factos essenciais, instrumentais ou complementares (cfr. art. 5º do CPC). A asserção aplica-se para todas as hipóteses de impugnação - exclusão/eliminação de factos dados como assentes pelo Juiz, inclusão de factos a que o tribunal não atendeu e até nas situações de simples alteração dos termos em que determinado circunstancialismo é dado como provado - neste sentido cfr. os acórdãos TRC de 25/10/2011 (Henrique Antunes), já citado, e de 12/06/2012 (António Beça Pereira), TRE de 19/01/2011 (João Gonçalves Marques), TRG de 24/10/19 (Jorge Teixeira) e de 28/11/2019 (Margarida Sousa)[119].
Pelo exposto não se irá conhecer e decidir a impugnação dirigida ao ponto 27.19 da matéria de facto provada, por manifesta inutilidade.
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No tocante aos pontos 27.41 a 27.46 e 27.48., com o seguinte teor:
27.41. A Impugnante sabia, no momento em que deu as ordens de subscrição, que na data de vencimento o emitente teria de reembolsar integralmente o capital e pagar os juros na taxa fixada e que, não o fazendo, o emitente entraria em incumprimento perante a Impugnante.
27.42. A informação sobre a subscrição e as características das aplicações foi prestada à Impugnante, por intermédio de FFB.
27.43. A Liquidanda, ou os seus colaboradores, não transmitiram à Impugnante que realizar as subscrições de obrigações equivaleria a realizar um depósito a prazo.
27.44. A Liquidanda não assumiu o pagamento das obrigações em caso de incumprimento ou insolvência de qualquer dos emitentes.
27.45. A Liquidanda esclareceu a Impugnante de que a subscrição das obrigações Rio Forte e ESFIL não eram um depósito junto da Liquidanda e que a Liquidanda não prestava qualquer tipo de garantia sobre o cumprimento das obrigações dos emitentes, “ainda que o investimento tenha sido concretizado na sequência de investimento pelo mesmo [a Liquidanda] apresentada”.
27.46. A Liquidanda informou a Impugnante dos riscos do investimento, nomeadamente, o risco de perda de capital e rendimento associado à falta de solvabilidade, nos termos expressos nos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” com cópia a fls. 8858 a 8860, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
27.48. A Liquidanda informou e esclareceu a Impugnante sobre as entidades emitentes das obrigações em causa – a Rio Forte e a ESFIL –, nomeadamente, sobre o facto de estas entidades integrarem o Grupo Espírito Santo, a que pertence a Banque Privée Espírito Santo, S.A.
A recorrente impugna a decisão relativa à matéria de facto e propõe seja dada como provada a seguinte redação:
27.41. A Impugnante não sabia, no momento em que deu as ordens de subscrição, que na data de vencimento o emitente teria de reembolsar integralmente o capital e pagar os juros na taxa fixada e que, não o fazendo, o emitente entraria em incumprimento perante a Impugnante.
27.42. A informação sobre a subscrição e as características das aplicações não foi devidamente prestada à Impugnante, por intermédio de FFB.
27.43. A Liquidanda, e os seus colaboradores, nomeadamente através do seu gestor de conta, transmitiram à Impugnante que realizar as subscrições de obrigações equivaleria a realizar um depósito a prazo.
27.44. A Liquidanda ao garantir a liquidez dos produtos subscritos tal como se de um depósito a prazo se tratassem, assumiu o pagamento das obrigações em caso de incumprimento ou insolvência de qualquer dos emitentes.
27.45. A Liquidanda não esclareceu a Impugnante de que a subscrição das obrigações Rio Forte e ESFIL não eram um depósito junto da Liquidanda e que a Liquidanda não prestava qualquer tipo de garantia sobre o cumprimento das obrigações dos emitentes, tanto mais que o investimento tenha sido concretizado na sequência de proposta de investimento apresentada pela mesmo [a Liquidanda]”.
27.46. A Liquidanda não informou, de forma cabal e esclarecida, a Impugnante dos riscos do investimento, nomeadamente, o risco de perda de capital e rendimento associado à falta de solvabilidade, não obstante, os termos expressos nos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” com cópia a fls. 8858 a 8860, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
27.48. A Liquidanda não informou e esclareceu, de forma cabal e esclarecida, a Impugnante sobre as entidades emitentes das obrigações em causa – a Rio Forte e a ESFIL –, nomeadamente, sobre o facto de estas entidades integrarem o Grupo Espírito Santo, a que pertence a Banque Privée Espirito Santo, S.A.
Para tanto invoca que do depoimento de FFB resulta que a Recorrente tinha um perfil conservador, como era do conhecimento do seu gestor de conta e de que foi induzida em erro, através da prestação de informação incorreta sobre os produtos que lhe foram indicados a subscrever, sem prestação de informação sobre a natureza, riscos associados aos instrumentos de dívida do GES e à qualidade creditícia das empresas do GES. Alega que quando abriu a conta na liquidanda tinha a totalidade dos seus investimentos sob a forma de depósito a prazo e que foi induzida pelo seu gestor de conta a investir em produtos do GES, referindo que o capital estaria sempre disponível quando dele necessitasse.
Mais refere que também em contrário do decidido vai o depoimento de JAS bem como o de BHG, da conjugação dos depoimentos resultando que a recorrente não sabia, na data em que deu a ordem de subscrição, que na data de vencimento o emitente teria de reembolsar integralmente o capital e pagar os juros na taxa fixada, não tendo o próprio FFB ficado ciente das reais caraterísticas das aplicações.
Assim a liquidanda sempre apresentou os produtos como idênticos a depósitos a prazo, garantindo a sua liquidez e que facilmente conseguiria colocar os mesmos noutros clientes, assim garantindo o pagamento das obrigações. Também resulta não ter informado dos riscos, designadamente relacionados com a falta de solvabilidade, sendo que a recorrente sempre transmitiu que só pretendia investir o seu dinheiro em produtos sem risco e com capital garantido. Quando o gestor de conta investiu em obrigações Rio Forte e Esfil não podia ignorar que os emitentes estavam já em franco declínio, não sendo assim investimentos de risco reduzido. Quando expressou dúvidas, foi entregue pelo gestor um documento atestando a situação financeira da Rio Forte não correspondente à situação da empresa, para enganar a recorrente e levá-la a fazer a subscrição. Também não existiu preocupação em diversificar o investimento
De acordo com o depoimento do Sr. Liquidatário os gestores de conta teriam sido instruídos para diminuir a exposição ao GES, depoimento contrariado por JAS que refere nunca ter recebido tal instrução. O facto de a recorrente em 2014 ter renovado as suas aplicações e não ter em carteira um único produto que fosse GES desmente-o também. Tal situação, bem como a dos demais impugnantes no processo desmentem que a exposição variasse entre 15% e 20% (depoimento de JAS). Assim ou o Sr. Liquidatário faltou à verdade quando declarou que em 2014 era objetivo diminuir a exposição ao GES, ou JAS faltou à verdade quando declarou não ter recebido tal instrução. Esta questão descredibiliza os dois depoimentos.
É manifesto que a liquidanda não podia desconhecer a ordem de proibição de comercialização de produtos GES do Banco de Portugal e que não podia ignorar a falta de garantia das entidades emitentes. Foi mesmo a testemunha JAS que declarou que estes investimentos se deram por indicação sua e não por escolha da recorrente, pessoa com a 4ª classe e fracos conhecimentos relacionados com investimentos financeiros.
O recorrido pediu a improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto nesta parte, defendendo que o resultado da prova produzida é o que foi vertido na matéria de facto provada, resultando nomeadamente da prova documental, das ordens de subscrição entregues à recorrente (facto 27.47) das quais consta a advertência de risco, dos extratos de conta e da prova testemunhal: JAS declarou que a obrigações eram conhecidas da recorrente e consideradas de baixo risco, quanto à liquidez a recorrente teve vários tipos de investimento com diferentes níveis de liquidez, estando ciente que as obrigações não conferiam o nível de liquidez ora invocado, o que resulta do depoimento de FFB. Esta testemunha também esclareceu que lhe foram prestados esclarecimentos sobre o que sucederia em caso de insolvência da Rio Forte ou da Esfil, o que demonstra que não foi dada qualquer garantia de pagamento pela liquidanda. JAS, por sua vez, declarou perentoriamente nunca ter equiparado as obrigações a depósitos a prazo.
Quanto a 27.48, o recorrido argumenta que o facto está devidamente ancorado na prova produzida, assentando na prova documental, os documentos de subscrição e o documento que foi entregue à recorrente com informação sobre os resultados da Rio Forte- facto 27.47; e na prova testemunhal, tendo FFB dito expressamente que as obrigações subscritas eram de emitentes do Grupo Espírito Santo e que, quanto à Esfil, lhe foi mostrado um organigrama.
O tribunal a quo fundamentou pela seguinte forma a sua convicção:
“27.41. O tribunal entende que a Impugnante sabia ou devia saber que as emitentes teriam de reembolsar o capital investido, pois este facto faz parte da natureza de uma obrigação e a Impugnante sabia que estava a investir em obrigações, desde logo porque os produtos lhe foram apresentados como tal (segundo declarou o gestor de conta).
Adicionalmente, nos documentos assinados pela Impugnante e que titulam as ordens de subscrição, resulta claro que a Liquidanda não assumia qualquer responsabilidade pelo reembolso do investimento.
27.42. A convicção do tribunal quanto a este facto fundou-se no depoimento de FFB, no que se refere à interacção com a Liquidanda ser efectuada, maioritariamente, por seu intermédio, e no depoimento de JAS que, não só confirmou que era com aquele que falava, como assegurou ter-lhe explicado as características dos produtos em que a Impugnante veio a investir.
27.43. Este facto foi peremptoriamente afirmado pelo gestor de conta da Impugnante, que era quem interagia com a cliente, por intermédio de FFB.
27.44. e 27.45. Estes factos consideram-se demonstrados articulando o depoimento do gestor de conta da Impugnante, com os documentos que titulam as ordens de subscrição – fls. 8858 a 8860 – nos quais se pode ler que a Liquidanda não presta qualquer garantia de cumprimento, documentos estes assinados pela Impugnante.
27.46. Facto demonstrado pelo teor dos documentos designados “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro” com cópia a fls. 8858 a 8860.
(…)
27.48. A prova deste facto tem apoio no depoimento de FFB.
A testemunha disse que ao fim de um ano e meio de aplicação em depósito a prazo o gestor de conta o persuadiu a aplicar o dinheiro nestes produtos, dizendo que eram do Grupo Espírito Santo, seguros, como se fossem depósitos a prazo.
Ora, em face deste depoimento não subsistem dúvidas que foi dito expressamente que as obrigações subscritas eram de emitentes do Grupo Espírito Santo.”
Apreciando:
Da apreciação do globo da prova produzida resulta que os depoimentos produzidos foram corretamente apreciados pelo tribunal:
FFB, claramente numa posição de defesa dos interesses da recorrente, prestou ainda assim um depoimento bastante esclarecedor e muito relevante, já que era esta testemunha que apresentava os produtos e ativos à recorrente depois de lhe terem sido apresentados a si pelo gestor de conta. A testemunha foi muito honesta quanto à sua relação com a recorrente (e a família) e as funções que desempenhava, pelo que é claro que o seu depoimento necessita de ser avaliado como o de alguém com (interposto) interesse na causa. Percebe-se do teor das suas respostas que, querendo dizer sempre (quer lhe esteja a ser perguntado ou não) o que disse à Sra. D. ML, o que lhe transmitiu e o que esta lhe dizia, está preocupado com o seu próprio papel nas decisões tomadas pela recorrente. É aliás, significativa a forma como, não só recusou perentoriamente o papel de “conselheiro” financeiro da recorrente que lhe foi atribuído pelo gestor (minuto 1.07.15), que com ele lidava, como por exemplo afastou completamente qualquer intervenção no contrato de gestão de carteira (declarando nem perceber muito bem como foi), acabando porém por descrever as caraterísticas do Fundo subscrito (minuto 46.36 e ss.) e referir que tinha sido “enganado” com a EXS (minuto 51.30) ou, e referindo-se ao mesmo “fui aldrabado” (minuto 54.51).
JAS prestou um depoimento sereno, credível e muito isento, declarando com naturalidade não se recordar de determinados factos particulares (datas, cartas), de forma compreensível dado o tempo decorrido e as circunstancias relatadas, mas recordando-se da forma como a relação se desenvolveu e mostrando grande conhecimento da recorrente, da sua carteira e das funções desempenhadas por FFB.
O Liquidatário, BHG prestou esclarecimentos mais gerais, mas também serenos, desinteressados e, no que revelou conhecimento direto, credíveis e sustentados.
No tocante aos factos dados como provados sob 27.41 a 27.46 e 27.48 resultou bastante claro do depoimento de FFB que este, e logo a recorrente, estava absolutamente ciente das caraterísticas das obrigações. Logo ao descrever a forma como o produto lhe foi apresentado (minuto 35 e ss.) permite apreender que a testemunha compreendeu que não se tratavam de depósitos a prazo, dado que tendo declarado que lhe foram apresentados como se fossem depósitos a prazo perguntou imediatamente e então a liquidez, revelando ter-se apercebido da questão do prazo, que também revelou conhecer, de 6 meses e de um ano, acrescentando que “se tinha batido” pelos prazos mais curtos, devido à questão da liquidez. É então que, nas suas palavras, lhe é dada a explicação de que lhe garantiam a liquidez, por haver muitos clientes para estes produtos e ser possível a meio do prazo vender a alguém que o queira (declarações coincidentes com as de JAS, mas que este referiu ter sido apresentado como uma situação excecional).
Como refere o recorrido, estas declarações só fazem sentido na plena consciência das caraterísticas das obrigações tal como lhe foram apresentadas pelo gestor de conta e na consciência das diferenças entre um depósito a prazo e as obrigações subscritas.
De notar que JAS declarou que FFB estava absolutamente ciente de todas as caraterísticas das obrigações e adiantou mesmo uma explicação para a passagem dos depósitos a prazo (aplicações anteriores) paras as obrigações, quando a taxa de juros daqueles depósitos baixou.
Também do depoimento de FFB resulta que este estava ciente de que a responsabilidade pelo pagamento era das emitentes e não da liquidanda: quanto ao risco declarou (minuto 43.40) que o gestor lhe disse que o risco era “baixíssimo” porque era tudo Espírito Santo, o que significa que lhe foi dito, como declarou JAS, que havia risco e que os produtos eram de empresas do Grupo Espírito Santo. A instâncias da Sra. Juíza a quo foi ainda mais claro e declarou que o produto lhe era apresentado como tendo risco reduzido e, se fosse preciso, com liquidez em 8 dias e que perante esta descrição a testemunha assumiu que se comportava como um depósito a prazo (minuto 1.30.10). O que significa que terá sido a própria testemunha que fez uma interpretação dos produtos e entendeu que seriam como depósitos a prazo, o que provavelmente transmitiu à recorrente, e não que tal lhe tenha sido transmitido pelo gestor de conta (que negou ter feito tal equiparação – minuto 02.00.40).
Mas, prosseguindo, a testemunha FFB declarou que tinham mesmo discutido o cenário de falência, tendo-lhe sido explicado que, nesse caso, os trabalhadores eram pagos primeiro e logo de seguida os créditos das obrigações (minutos 1.31 e 1.32) o que, para si aumentava muito as probabilidades de receber, tratando-se de uma grande empresa, a Rio Forte, só teria à frente os trabalhadores, só com muito azar não se receberia. Esta descrição merece credibilidade, dado que, genericamente, estará certa, desde que não haja outros credores garantidos e privilegiados, porque estas obrigações não são obrigações subordinadas. Quanto à Esfil declarou ter visto um organigrama e saber da separação entre a parte financeira e não financeira do Grupo (onde então estava a Rio Forte). Destas declarações retira-se a total compreensão da responsabilidade das emitentes, da estrutura do grupo e das diferentes empresas em causa e de que os riscos, mesmo o risco de insolvência, foram informados.
Tal resulta também confirmado dos próprios documentos de subscrição e dos extratos, recordando-se que a recorrente começou por ter depósitos à ordem e passou a subscrever obrigações, pelo que a diferença sempre se notaria, em especial para alguém tão atento como a testemunha (que referiu que via os extratos).
Improcede, assim, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto provada quanto aos factos dados como provados sob 27.41, 27.42, 27.43, 27.44, 27.45, 27.46 e 27.48.
Face à decisão de improcedência fica prejudicada a apreciação da admissibilidade das alterações propostas pela recorrente quanto à versão oposta dos mesmos factos que pretendia fosse dada como provada.
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A recorrente, no corpo das alegações menciona como incorretamente provado o facto dado como provado sob o nº 27.55.:
“27.55. A Liquidanda não integrava produtos financeiros da Rio Forte nem da ESFIL no âmbito de mandatos de gestão discricionária, porque faziam parte do mesmo grupo económico da Liquidanda e porque procurava oferecer uma carteira diversificada e diferente do que era comercializado em Portugal, designadamente, pelo Banco Espírito Santo, S.A., onde os produtos do Grupo Espírito Santo eram já comercializados.”
No entanto tal facto não surge elencado como impugnado nas conclusões (ver conclusão 30ª) nem é indicado o sentido da decisão que deve ser proferida (ver conclusão 32ª) situação repetida em qualquer das versões das conclusões, sendo o facto reproduzido, na peticionada transcrição da matéria de facto após a procedência da impugnação deduzida, exatamente com o teor dado como provado na sentença. Aliás, mesmo na motivação, após indicação do facto como incorretamente julgado, não são adiantados quaisquer argumentos, nomeadamente meios de prova, que levassem à sua alteração.
Nos termos do disposto no art. 639.º nº1 do CPC «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão.»
Este é um ónus do recorrente e o seu cumprimento permite ao tribunal superior apreender, com clareza, os fundamentos do recurso. A importância e papel das conclusões retiram-se com clareza desta norma, da previsão de rejeição dos recursos em que não sejam formuladas conclusões (art. 641º nº2, al. b) do CPC) e da previsão de aperfeiçoamento nos casos de deficiência, obscuridade, complexidade ou incompletude (nº3 do referido art. 639.º).
Mas relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o art. 640º já citado, tem uma solução diversa daquela: o incumprimento do nº1 dá lugar à rejeição do recurso, total ou parcialmente, não existindo possibilidade de despacho de aperfeiçoamento[120] - cfr. arts. 635º nº4 e 641º nº1, al. b), ambos do CPC.
Assim, por omissão da impugnação deste facto nas conclusões, sempre esta seria de rejeitar, nesta parte.
Acresce que, em concreto, se verificam quanto ao facto dado como provado todas as razões já adiantadas para o não conhecimento da impugnação dirigida ao facto nº 27.19, que aqui se dão por reproduzidas: o facto refere-se à composição das carteiras sob gestão discricionária, o que, no caso se reconduz ao Fundo ExS Cash Plus. A composição das carteiras de gestão em nada contribui para a solução a dar à questão da responsabilidade da liquidanda quanto ao pagamento dos prejuízos sofridos pela recorrente pelo não reembolso das obrigações Rio Forte e Esfil subscritas em execução de ordens de investimento e não no âmbito de mandato de gestão discricionária pela liquidanda.
Não se irá, assim, conhecer da impugnação que tenha sido dirigida ao facto dado como provado sob o nº 27.55.
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A recorrente impugna ainda os seguintes pontos da matéria de facto provada:
27.59. A Liquidanda só tinha acesso à informação pública sobre as sociedades Rio Forte e ESFIL, nomeadamente, o relatório e contas das sociedades.
27.60. Tanto quanto era do conhecimento público e da Liquidanda, a ESFG e a ESFIL tinham resultados positivos.
Propondo seja dado como provado:
27.59. A Liquidanda não tinha só acesso à informação pública sobre as sociedades Rio Forte e ESFIL, nomeadamente, o relatório e contas das sociedades.
27.60. Tanto quanto era do conhecimento público e da Liquidanda, a ESFG e a ESFIL apesar de apresentarem contabilisticamente resultados positivos, apresentava irregularidades nas suas contas e uma situação financeira grave.
A recorrente aponta que os presentes factos contrariam os factos dados como provados sob LIV, LV e LX da matéria de facto genérica.
O depoimento de JAS, quando analisado criticamente aponta em sentido contrário. À data dos investimentos a liquidanda e o gestor não podiam ignorar nem o declínio, nem a ordem de proibição de comercialização emitida pelo Banco de Portugal, sendo assim conhecida a situação de alto risco das aplicações comercializadas pela liquidanda.
O recorrido, pugnando conjuntamente pela não alteração de 27.59 e 27.60 e pela não prova de 27 g), alinhou como argumentos:
- a alteração proposta corresponde a matéria de facto não alegada;
- ainda que as irregularidades tivessem vindo a público não foi alegada a data da divulgação nem feito o confronto com a data da subscrição;
- os factos provados LIV, LV e LX reportam-se a contas consolidadas do Grupo Bes, da ESI e da ESFG e não às sociedades emitentes;
- em janeiro e fevereiro de 2014 as emitentes apresentavam resultados positivos – factos XXXIX, XL e XXIX;
- as obrigações Rio forte foram reembolsadas até ao final de junho de 2014 (facto 27.57) e as Esfil pelo menos até março de 2014 (facto 27.58);
 - o facto de a liquidanda ser uma empresa do grupo Espírito Santo não significa que tenha ou tenha de ter conhecimento sobre a situação financeiras de todas as empresas do grupo;
- a gestão da liquidanda é diversa das demais sociedades e a relação com a sede é feita através de um comité executivo (factos 27.26 a 27.30 e XIV e XV);
- foi negado pelos depoimentos prestados em audiência que a liquidanda possuísse informação privilegiada.
É a seguinte a motivação da decisão recorrida quanto aos factos 27. 59 e 27.60:
“27.59. e 27.60. Estes factos foram confirmados pela testemunha JAS e pelo Sr. Liquidatário, tendo este referido que a informação a que tiveram acesso em Janeiro de 2014 evidenciava que a ESFIL era uma empresa solvente, tendo o incumprimento sido inesperado.
Afirmou o mesmo sobre a Rio Forte, tendo em conta informação de Fevereiro do mesmo ano.
De resto, à luz das contas anuais por referência à data de 31.12.2013, a ESFIL apresentava resultados positivos de 36.719, como se conclui da leitura da pg.8 do Annual Report 2013, junto a fls. 8998 e ss., onde constam os resultados líquidos de algumas empresas, designadamente da ESFIL.
Também as contas da Rio Forte, quer de 2012, quer de 2013 apresentavam resultados positivos, como emana do relatório de gestão da sociedade referente ao ano de 2013, junto a fls. 7548 e ss., em especial a demonstração consolidada de resultados a fls. 7555.”
Em apreciação da impugnação deduzida há a frisar que JAS (minutos 50.02 e 1.26.16 a 1.26.33) e o Liquidatário BHG declararam expressamente o que foi dado como provado: apenas tinham acesso à informação pública, o segundo dando pormenores da segregação de informação entre a sucursal e a sede e da forma como era exercida a gestão da sucursal.
Os factos XXVII a XXIX e XXXIX e XL da matéria de facto geral confirmam os resultados positivos da Esfil e da Rio Forte a 31/12/2013.
JAS explicou que, tendo sido surpreendido pela situação que se veio a gerar, quanto à Esfil, ainda hoje não consegue compreender o incumprimento e a insolvência (minuto 01.45.45) e que estava convencido da solidez da Rio Forte (01.43). também esclareceu, no segmento transcrito pela recorrente, que, relativamente à Esfil os problemas começaram a ser conhecidos em março, abril, maio, julho de 2014. A testemunha referiu expressamente que, ainda assim, a convicção era de que na área não financeira do grupo (Rio Forte), não se colocavam problemas.
Os factos LIV, LV e LX da matéria de facto genérica referem-se, os dois primeiros a duas passagens do prospeto de aumento de capital do Banco Espírito Santo, SA, emitido em 20 de maio de 2014 (facto LIII), e a informação tornada pública em 17/11/2014 (facto LX completo, incluindo proémio).
Desde logo e tendo em conta que as testemunhas FFB e JAS situaram a subscrição das obrigações referidas nas alíneas a) e b) do facto 27.70 em janeiro e fevereiro de 2014 (não se apurou a data concreta, não constante dos documentos de execução de ordem sobre investimento financeiro) não há contradição alguma entre factos divulgados em 20 de maio de 2014 e em 17 de novembro de 2014 e o facto de se ter dado como provado que a liquidanda apenas tinha acesso a informação pública sobre a Rio Forte e a Esfil, bem como o facto de, em janeiro e fevereiro de 2014 a liquidanda apenas saber que a ESFG e a Esfil tinham resultados positivos.
BHG confirmou a situação saudável das emitentes no início de 2014 (minutos 18.32 e ss) e declarou que foi precisamente com a divulgação do prospeto, ou seja, em maio de 2014, que se generalizou a noção de que havia problemas no Grupo, mas que, ainda assim, porque na altura se pensou que o risco seria sempre e só reputacional e não que viria a originar a insolvência como originou (minutos 50.00 e ss).
A informação divulgada no prospeto do aumento de capital refere, objetivamente, irregularidades nas contas da ESI, uma situação financeira grave da ESI, instrumentos de dívida, nomeadamente papel comercial emitidos pela ESI e por algumas das suas subsidiárias, uma ênfase às contas do Banco Espírito Santo SA respeitante à colocação daqueles instrumentos de dívida e a emissão pela ESFG de uma garantia ao cumprimento das obrigações da ESI. Ou seja, nada refere quanto a resultados negativos ou irregularidades da Esfil, da ESFG ou da Rio Forte.
Apurou-se ter sido publicamente conhecido em 17/11/2014 que, em 14 de fevereiro de 2014, o Banco de Portugal determinou que fossem implementadas várias medidas de reforço de governo interno, entre as quais, a proibição de comercialização, direta ou indireta (designadamente, através de fundos de investimento ou outras instituições financeiras), de dívidas de entidades do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo junto de clientes de retalho – ponto LX da matéria de facto genérica.
A recorrente defende que a liquidanda conhecia esta ordem ou, pelo menos, tinha obrigação de a conhecer.
O documento referido em LX é de novembro de 2014.
O liquidatário e JAS negaram com assertividade o conhecimento desta ordem do Banco de Portugal (JAS – minutos 53.56 e ss. e Liquidatário - minutos 21.59 e ss. e 55.40 a 56.02) antes de ter sido noticiada.
O Liquidatário declarou que a sucursal definiu como um dos objetivos para 2014 diminuir a exposição ao GES. Poderemos retirar daqui um indício no sentido de que a proibição do BdP era conhecida na sucursal liquidanda? A resposta é, claramente, negativa. Foi explicada a razão da definição desse objetivo, razões económicas e de diversificação, dado que a sucursal cobrava mais comissões pelos produtos não GES (comissões de custódia) e para apresentar uma oferta diferenciada da oferecida no Banco Espirito Santo.
A recorrente alega ainda como fundamento para impugnação destes factos a integração da liquidanda no Grupo Espírito Santo.
Como já tivemos ocasião de detalhar na decisão da impugnação da matéria de facto do recurso 1.2., correspondente à impugnação nº 25, um raciocínio que partisse do mero facto de as empresas emitentes e a liquidanda pertencerem ao mesmo grupo teria que ter como premissa maior, para permitir chegar à conclusão de que a liquidanda conhecia a situação das demais, que nos grupos de empresas, todas têm conhecimento integral dos factos relevantes das demais.
“O problema neste silogismo é que a premissa maior não é uma máxima de experiência comum. O máximo que conseguimos tomar como premissa maior é que nos grupos de empresas há uma grande circulação de informação entre os membros do grupo.
Este grupo era um grupo extremamente complexo[121], com área financeira e não financeira, o que certamente gera inércias e falhas de informação (e aqui estamos a usar uma máxima de experiência comum, como auxiliar de valoração). Depois, diz-nos também a experiência que a circulação da informação, por regra, não tem duas vias, e que funciona em sentido ascendente (num grupo com uma estrutura tendencialmente vertical, pelo menos), ou seja, as empresas “mãe”, por regra dominam a informação das empresas cujas participações detêm, pelo menos de forma maioritária, mas as empresas detidas não dispõem do mesmo tipo de informação sobre as empresas “mãe”. Mas para complicar este cenário, uma das empresas intermédia (no sentido de detida por empresa, por sua vez detida por…,) era um banco, dizendo-nos, mais uma vez a experiência, que o poder de decisão está, normalmente, onde está o dinheiro, e onde está o poder de decisão está um maior poder de recolha de informação.
Assim, como referimos, mais a mais, num grupo bastante complexo, sabemos que num grupo de empresas circula mais informação do que entre empresas sem qualquer ligação, mas não podemos afirmar que todas as empresas sabem tudo sobre as demais.
No caso concreto, as regras de experiência comum dizem-nos que dificilmente a liquidanda (a sucursal portuguesa de um banco de private banking) dificilmente teria acesso a informação privilegiada quanto a uma sub-holding do grupo dois graus acima da sua sede.”
Aqui chegados, só podemos concluir que a prova produzida foi corretamente valorada e que inexistem elementos que a contrariem, pelo que os factos 27.59 e 27.60 se manterão como apurados pelo tribunal recorrido.
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Finalmente, a recorrente pretende sejam dados como provados, sob diversa formulação, os seguintes factos dados como não provados:
27 a) Na data de abertura da conta junto da Sucursal Liquidanda a Impugnante informou expressamente o seu gestor de conta que apenas pretendia investir o seu capital em aplicações sem risco.
27 b) O gestor de conta da Impugnante na Sucursal Liquidanda investiu o capital constante da primeira carteira (850287.01), que não possuía mandato de gestão, no montante de €1.000.000,00, em obrigações da Espírito Santo Financière, S.A., com data de vencimento a 9 de Julho de 2014 e o montante de €1.100.000,00 em obrigações da Rio Forte S.A., com data de vencimento a 27 de Fevereiro de 2015.
27 c) Na altura da renovação das aplicações realizadas a Impugnante manifestou, mais uma vez, a sua intenção de apenas pretender empregar os seus capitais em aplicações com o mínimo nível de risco.
27 d) Em nenhum momento o gestor da Sucursal Liquidanda informou a Impugnante sobre quaisquer riscos associados aos instrumentos de dívida do Grupo Espírito Santo.
27 e) Em nenhum momento o gestor do da Sucursal Liquidanda informou a Impugnante sobre a qualidade creditícia das empresas do Grupo Espírito Santo, nomeadamente, da Rio Forte e da ESFIL.
27 f) O gestor da Liquidanda garantiu à Impugnante que as obrigações que estava a subscrever tinham total liquidez.
27 g) A Liquidanda conhecia a situação de alto risco das aplicações que estava a comercializar, dado que as entidades emissoras pertenciam ao seu universo.
27 h) A Impugnante é titular de obrigações Rio Forte subscritas em 25.2.2014 e de “Notes” ESFIL subscritas em 8.1.2014.
Propondo, sejam tais factos dados como provados com a seguinte redação:
27.72. Na data de abertura da conta junto da Sucursal Liquidanda a Impugnante informou expressamente o seu gestor de conta que apenas pretendia investir o seu capital em aplicações sem risco.
27.73 O gestor de conta da Impugnante na Sucursal Liquidanda investiu o capital constante da primeira carteira (850287.01), que não possuía mandato de gestão, no montante de €1.000.000,00, em obrigações da Espírito Santo Financière, S.A., com data de vencimento a 9 de Julho de 2014 e o montante de €1.100.000,00 em obrigações da Rio Forte S.A., com data de vencimento a 27 de Fevereiro de 2015.
27.74[122] Na altura da renovação das aplicações realizadas a Impugnante manifestou, mais uma vez, a sua intenção de apenas pretender empregar os seus capitais em aplicações com o mínimo nível de risco.
27.75[123] Em nenhum momento o gestor da Sucursal Liquidanda informou a Impugnante sobre quaisquer riscos associados aos instrumentos de dívida do Grupo Espírito Santo.
27.76[124] Em nenhum momento o gestor do da Sucursal Liquidanda informou a Impugnante sobre a qualidade creditícia das empresas do Grupo Espírito Santo, nomeadamente, da Rio Forte e da ESFIL.
27.77[125] O gestor da Liquidanda garantiu à Impugnante que as obrigações que estava a subscrever tinham total liquidez.
27.78[126] A Liquidanda conhecia a situação de alto risco das aplicações que estava a comercializar, dado que as entidades emissoras pertenciam ao seu universo.
Alega, em síntese, quanto a 27 a), que o oposto resulta do depoimento de FFB, pessoa por quem passaram todas as negociações e que foi perentório ao afirmar que a recorrente apenas pretendia subscrever produtos de facto conservadores, sem risco, com total liquidez.
Quanto a 27 b) refere que FFB declarou, em contrário, que quando foi buscar os papéis para a recorrente assinar as renovações já estavam feitas por JAS, já que a não ser assim, o dinheiro, terminada a aplicação, cairia na conta à ordem e tal não sucedeu. Tendo JAS declarado não se recordar, não deixaria de negar se não tivesse sucedido como FFB descreveu.
No tocante os pontos 27 c), d), e) e f) refere o depoimento em contrário de FFB do qual alega resultar que, no momento da renovação das aplicações, a recorrente, através de FFB, manifestou de novo a sua intenção de apenas empregar os seus capitais em aplicações com um mínimo nível de risco. Também resulta deste depoimento que o gestor de conta terá assegurado a liquidez e que o produto era de baixíssimo risco porque era tudo Espírito Santo. Na reunião para assinar as renovações o gestor chegou mesmo a entregar-lhe documentação que no seu depoimento confessou não poderia ter mostrado.
Quanto a 27 g) entende que a não prova do facto é contrariada pelos factos provados LIV, LV e LX e pelo depoimento de JAS, quando analisado criticamente, dado que o próprio Banco de Portugal já havia emitido uma ordem a proibir a comercialização de instrumentos de dívida do Grupo Espírito Santo (GES), em 14 de Fevereiro de 2014. É manifesto que a liquidanda não desconhecia a situação de alto risco das aplicações que estava a comercializar e que o gestor de conta não desconhecia a falta de garantias das emitentes. A liquidanda faz parte integrante do GES.
O recorrido, pediu a improcedência total da peticionada alteração da matéria de facto não provada, alegando:
- quanto a 27 a) e 27 c) referiu terem sido produzidos elementos de prova no sentido dado por provado em 27.6, não impugnado, ou seja, não que a recorrente pretendesse fazer aplicações sem risco, mas sim em aplicações conservadoras que garantissem liquidez, o mesmo resultando das ordens de subscrição dadas por provadas em 27.38 (facto não impugnado). A testemunha FFB produziu um depoimento parcial, mas acabou por reconhecer que a recorrente investiu em produtos diferentes, distinguindo claramente os depósitos a prazo das obrigações. A testemunha JAS declarou que os investimentos pretendidos pela cliente eram, não sem risco, mas de baixo risco e a forma cautelosa como eram feitas as renovações;
- quanto a 27 b) que o alegado – que a renovação foi feita pelo gestor, é contraditório com a alegação de que a recorrente foi aconselhada ou induzida ao referido investimento – que a proceder se verificará contradição com o facto provado e não impugnado 27.38. Mais alega que JAS, apesar de não se recordar da concreta renovação, relatou a forma habitual de proceder e negou alguma vez ter investido sem ordem do cliente (fora do mandato de gestão), acrescentando nunca tal questão lhe ter sido transmitida pela recorrente ou pelo seu representante;
- quanto a 27 d) e f), motivando que a recorrente teve vários tipos de investimento com diferentes níveis de liquidez, estando ciente que as obrigações não conferiam o nível de liquidez ora invocado, o que resulta do depoimento de FFB, que distinguiu o investimento de € 510.000,00 dos demais; a mesma testemunha declarou conhecer os períodos de vencimento das obrigações e que eram curtos para assegurar liquidez; JAS esclareceu não ter afirmado liquidez imediata e  que nunca comparou as obrigações a depósitos a prazo
- no tocante a 27 e), o recorrido argumentou, juntamente com a defesa da improcedência da impugnação quanto a 27.48, que aquele facto está devidamente ancorado na prova produzida, assentando na prova documental, nos documentos de subscrição e no documento que foi entregue à recorrente com informação sobre os resultados da Rio Forte- facto 27.47; e na prova testemunhal, tendo FFB dito expressamente que as obrigações subscritas eram de emitentes do Grupo Espírito Santo e que, quanto à Esfil, lhe foi mostrado um organigrama, donde se retira que tal informação lhe foi dada;
Quanto a 27 g) argumentou nos termos já sintetizados quanto a 27.59 e 27.60.
A sentença recorrida fundamentou nos seguintes termos a não prova de 27 a) a 27 h):
“27 a) Entendemos que este facto não pode ter-se por provado pois os depoimentos das testemunhas FFB e JAS evidenciaram que num primeiro momento a Impugnante pretendeu e instruiu a colocação do valor depositado na sua conta, em depósito a prazo.
A primeira das referidas testemunhas explicou que a Impugnante queria produtos conservadores, sem risco e com total liquidez.
Já a segunda referiu que a pretensão da Impugnante era uma aplicação com liquidez e muito conservadora.
Portanto, temos como certo que a Impugnante pretendeu, pelo menos numa primeira fase, ter o seu dinheiro num depósito a prazo. Ora, também estes depósitos importam risco, apesar de ser percepção comum que o mesmo é muito reduzido e por isso não é relevado.
Sem prejuízo, o que entendemos resultar da prova é o facto vertido em 27.6.
27 b) Este facto considera-se não provado na medida em que estas subscrições estão suportadas por documentos – Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro – juntos a fls. 8859/8860 (Rio Forte) e 8861/8862 (ESFIL), que titulam a ordem de investimentos da Impugnante.
É certo que a testemunha FFB declarou que as últimas subscrições foram renovadas pelo gestor de conta e só depois os papéis foram assinados, versão esta que não foi contrariada pelo gestor de conta. Com efeito, este declarou não recordar como aquelas subscrições ocorreram, explicando que o procedimento normal era na data de vencimento o Sr. FFB contactar o Banco, a testemunha fazia uma proposta, apresentava as condições e ele aceitava ou não. Disse ainda que não tinha permissão para renovar investimentos sem prévia autorização da cliente, já que aquele montante estava fora do mandato de gestão.
Em qualquer caso se diga que, ainda que a subscrição tenha sido realizada antes da Impugnante assinar a ordem, a verdade é que ao fazê-lo a mesma ratificou aquela aquisição feita em seu nome, pelo que nunca poderemos concluir que foi o gestor de conta que, sem instrução para o efeito, investiu o capital da Impugnante, pois a instrução havia sido dada, verbal e telefonicamente, pela pessoa que sempre transmitira ao Banco as ordens da Impugnante.
27 c) Este facto não foi confirmado pela prova produzida, da qual apenas resultou o que se considerou assente em 27.6.
27 d) No que se refere às obrigações subscritas, o gestor de conta declarou que apresentava este produto como “divida sénior”, “capital garantido pelos emitentes”, ”obrigações com baixo risco”, pois era a informação que tinha.
Mais disse que as obrigações subscritas foram apresentadas como títulos de dívida e como tal estavam cadastradas no extracto de conta, pelo que era evidente para si que o Eng. FB tinha esta percepção e do risco associado.
Nesta medida não podemos concluir que nenhuma referência a risco foi feita.
27 e) Este facto resulta contrariado, no que à Rio Forte respeita, pela própria alegação da Impugnante, na medida em que refere ter-lhe sido facultado um documento contendo informação sobre os resultados da Rio Forte – fls.1433/1434.
Por outro lado, a testemunha JAS disse que FFB conhecia a Rio Forte e sabia que tinha agrupado os activos não financeiros do grupo que eram considerados sólidos.
Relativamente à informação prestada sobre a ESFIL, a testemunha FFB disse em julgamento que lhe foi mostrado um organigrama do qual resultava que era a “dona de tudo”. Ora, esta declaração é incompatível com a alegada falta de informação sobre esta sociedade e revela que ocorreram conversas em que tal entidade foi abordada.
No mesmo sentido o depoimento de JAS, que disse informar os clientes que a ESFIL era a holding que detinha o Banco, pelo que a sua solidez não o preocupava.
27 f) Este facto foi confirmado pela testemunha FFB e contrariado pela testemunha JAS.
Ora, tendo em consideração a própria natureza do activo em causa e a explicação que sobre ele foi dado pela segunda referida testemunha, não se afigura verosímil que o mesmo tenha garantido que as obrigações tinham total liquidez, já que esta não é uma característica deste activo. O que o mesmo explicou foi que poderia haver um cliente do Banco interessado em tomar a posição de um subscritor. Porém esta era uma situação excepcional, pois a Sucursal não tinha um mercado secundário para estes títulos.
Admite-se como possível que, caso tenha sido esta a explicação dada, FFB tenha ficado com a percepção de que haveria a possibilidade de converter estes títulos em liquidez e assumido que tal lhe fora assegurado.
Contudo, atentas as razões referidas, entendemos que esta prova não foi realizada.
27 g) Consideramos esta alegação não demonstrada, na medida em que assenta no simples facto de a Liquidanda, a Rio Forte e a ESFIL integrarem o Grupo Espírito Santo.
Ora, apesar de tal se verificar, daqui não decorre, sem mais, que toda a informação contabilística e financeira de todas as sociedades do grupo circulasse internamente. De resto, esta não é a realidade empresarial. As contas de cada sociedade são apresentadas e aprovadas pelos sócios e nem sempre são publicadas.
Em complemento da referida parca fundamentação, nenhum facto adicional foi alegado que permitisse alcançar esta conclusão.
Pelo contrário, resultou do depoimento da testemunha JAS e dos esclarecimentos do Sr. Liquidatário, que a Liquidanda apenas tinha acesso à informação que era publicamente disponibilizada sobre estas sociedades e que a mesma evidenciava uma actividade sólida e empresas solventes, com um histórico de cumprimento das obrigações anteriormente emitidas, ao ponto de o primeiro incumprimento ter sido uma absoluta surpresa.
Lembramos que a testemunha JAS disse mesmo que, na actualidade, ainda não tinha compreendido o fim da ESFIL.
27 h) As datas de subscrição não se retiram dos documentos juntos aos autos que atestam a mesma, nem resultaram de outra prova atendível.”
Apreciando:
Nada tendo sido alegado quanto a 27 h), ponto da matéria de facto não provada enumerado como erradamente julgado, mas em relação ao qual nenhum dos demais elementos do art. 640º do CPC foi cumprido, consideramos a sua referência na conclusão 33ª (e na motivação) como um lapso de escrita que releva do próprio contexto, pelo não se considera, sequer, ter havido impugnação nesta parte.
Relativamente aos pontos 27 a) e 27 c), a prova produzida, designadamente o depoimento da testemunha FFB, não consente outra conclusão que não o que ficou retratado nos pontos 27.6 e 27.12 da matéria de facto provada (e não impugnada).
Na verdade, a expressão “sem risco” foi usada por FFB por duas vezes para descrever a vontade da recorrente (minutos 28.59 e 35.00). Mas a própria testemunha também usou várias vezes, para o mesmo efeito a comparação com depósitos a prazo (v.g. minuto 35.00) e a expressão “risco mínimo” (minuto 31.38 por exemplo). Descreveu a proposta de investimento em obrigações exposta pelo gestor como de “baixíssimo risco” (minuto 42.04) ou um produto de baixo risco (minuto 43.57).
Finalmente (minuto 1.31 e ss.) a mesma testemunha declarou que num depósito a prazo o risco é diminuto, só se houver falência, mostrando conhecer o risco associado mesmo ao produto mais conservador e seguro que enumerou.
Assim, o que se afigura é que a testemunha usou a expressão “sem risco” não literalmente, mas como sinónimo de o mais seguro possível, ou seja, e como concluiu o tribunal recorrido, admitindo algum risco. O que significa que não existe prova no sentido da alteração propugnada, não havendo qualquer motivo para alterar a resposta de não provado dada pelo tribunal a 27 a) e c).
Quanto ao ponto 27 b) a recorrente aponta o depoimento em contrário de FFB e a sua não negação por JAS. O recorrido alega que JAS, não se recordando da concreta renovação, descreveu o procedimento habitual.
Analisado o depoimento de FFB neste particular teremos que completar a motivação do tribunal recorrido na parte em que refere “que a testemunha FFB declarou que as últimas subscrições foram renovadas pelo gestor de conta e só depois os papéis foram assinados”.
Porque na verdade FFB disse que quando voltou de uma obra de Coimbra “já estava tudo renovado” (minuto 38.43) e respondeu à pergunta de se as renovações já tinham sido feitas “de modo próprio pelo Dr. JAS”? (minuto 41.06) com “Sim já estavam.” (minuto 41.10). Mas avançando espontaneamente para a razão de ciência disse: “Porque é que eu digo que sim, já estavam, porque vendo a conta não há…Eu penso que uma operação contabilística dum contrato é que se termina o contrato o dinheiro vai para a conta à ordem e depois sai outra vez para eventual renovação. Ora, eu nunca vi esse movimento, de vir para a conta para sair outra vez. Em qualquer empresa isto nota-se no movimento da conta.”
Ou seja, a testemunha não sabe o que declarou quanto às renovações. A testemunha assumiu que assim era por não ter visto movimento na conta.
Um dos problemas com esta declaração é que, de acordo com a própria testemunha, estamos a falar da renovação de duas aplicações diferentes que foram feitas em duas datas diferentes (final de janeiro uma e fevereiro a outra). Assim sendo, a ida a Coimbra e este raciocínio aplicar-se-ão a qual? Mais, a testemunha associou a esta renovação a entrega do documento de fls. 1433 a 1435, o que faria sentido quanto à renovação Rio Forte. Mas o documento de fls. 1433 e 1435 (doc. 1.4 junto com a impugnação) refere o fecho de contas de 2013, que, de acordo com as regras de experiencia comum (e o depoimento de JAS) não estava feito em janeiro/fevereiro de 2014.
O que se afigura é que, pese embora o cuidadoso cronograma feito pela testemunha, neste ponto se confundiu, porque as suas declarações não fazem sentido.
Assim, não temos, do lado da testemunha FFB uma declaração credível e com conhecimento direto no sentido de que as renovações foram feitas pelo gestor de conta, por iniciativa própria.
Do lado da testemunha JAS foi relatado que, neste caso em particular, as renovações nunca se passaram da forma descrita pela testemunha exatamente porque FFB era muito cauteloso e zeloso da recorrente.
Assim, a acrescer ao facto de as ordens de execução se encontrarem assinadas, o que sempre ratificaria a ordem, não temos elementos de prova suficientes para inverter o juízo probatório do tribunal recorrido quanto ao facto 27 b).
Quanto aos factos dados como não provados sob 27 d) e e), como resulta do exposto quanto à impugnação dirigida aos factos 27.41 a 27.46 e 27.48, a recorrente, através de FFB, foi informada dos riscos dos investimentos e foi informada da qualidade creditícia das empresas emitentes (cfr. entrega dos documentos de fls. 1433 a 1435 e visualização do organigrama do grupo, ambos confirmados por FFB). Assim, não pode a impugnação proceder nesta parte, precisamente com base nos elementos ali enumerados e valorados.
Quanto a 27 f), pese embora o facto de FFB ter declarado que lhe foi garantida a liquidez das aplicações, das suas próprias declarações resulta que tal se tratou de uma valoração da testemunha e não de um facto presenciado (uma declaração emitida por JAS, que a negou, ao referir que podia haver compra por outros clientes, mas que seria sempre uma situação excecional – minuto 01.40.35).
O que FFB declarou foi, exatamente (minuto 35.00):
“Ó Sr. Dr. Na sequência do que eu já disse isso era-me apresentado e eu apresentava em algumas conversas o seguinte: isto tem que ser um produto muito conservador, um produto seguro e sem risco e a D. ML quer depósito a prazo. Ele dizia-me assim: mas isto é do Grupo Espírito Santo e isto é plenamente seguro, é como se fosse um depósito a prazo e eu disse assim: Mas, depósito a prazo, então e liquidez? Ai é ao fim do contrato, mas não há problemas a gente garante a liquidez toda porque há muita gente que quer estes produtos e eu se a Sra. quiser o dinheiro eu vendo-lhe o dinheiro no meio a um cliente qualquer que queira comprar isto. Portanto eu arranjo-lhe liquidez.”
Ora, se seria sempre necessário, mesmo na versão da testemunha, arranjar alguém que quisesse comprar as obrigações, isso não é garantir liquidez. A própria testemunha referiu que lhe foi dito que liquidez só no fim do contrato, e que a outra solução seria alternativa. Também declarou (ver acima na justificação quanto a 27.41 e ss.) que se bateu pelo prazo mais curto possível por causa da liquidez, o que significa que estava ciente de que o produto não tinha liquidez imediata e por isso a importância dos prazos curtos.
Acrescem as declarações de JAS das quais resulta que, para precisamente assegurar liquidez foi celebrado o contrato de gestão de carteira: “O remanescente seria, se quiser, uma espécie de, não lhe chamarei porta-moedas mas era um dinheiro que estava em tesouraria noutro banco e o cliente passou para lá no sentido de ser dinheiro que a Sra. D. ML pudesse ir buscando pouco, sempre que necessitasse, para seu uso exclusivamente pessoal.” (minuto 12.26).
Assim, improcede também a impugnação deste ponto da matéria de facto não provada.
Relativamente à matéria de facto dada como não provada sob 27 g), as razões que expusemos quanto à decisão da impugnação no tocante a 27.59 e 27.60 são exatamente as razões que levam à improcedência da impugnação da decisão de não prova do facto de sentido oposto, mantendo-se, assim, tal facto como não provado.
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Em síntese final, improcede integralmente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto quanto ao recurso 1.6., interposto por MSL, correspondente à impugnação nº 27.
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5.1.7. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto relativamente à impugnação nº53, correspondente ao recurso 1.7., interposto por SLL S.A.:
A recorrente alega a incorreção da matéria de facto dada por não provada e a violação pelo tribunal das regras da livre apreciação da prova e de experiência comum e ónus da prova.
Indica como erradamente julgados os factos elencados como não provados sob os pontos 53 d), 53 f), 53 g), 53 h), 53 l), 53 m), 53 n) e 53 y) – conclusões F a AA[127], indicando os meios de prova – essencialmente o depoimento de testemunhas ou a sua incorreta avaliação e o sentido que deveria ter ficado consagrado, de prova ou prova parcial dos factos em causa
O Liquidatário, nas contra-alegações apresentadas pugnou pela improcedência total da impugnação da matéria de facto.
O tribunal deu como não provados, sob os nºs apontados como incorretamente julgados, os seguintes factos:
53 d) A transferência dos valores depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal, com inicio em Julho de 2014, não estava concluída em 16 de Julho de 2015.
53 f) Em virtude da depreciação total dos activos referidos em 53 e), a Impugnante ficou impedida de reinvesti-los e de obter o respectivo retorno.
53 g) No exercício da sua actividade, os activos da Impugnante depositados junto da Sucursal em Portugal do Banque Privée Espírito Santo, S.A. teriam sido investidos ou reinvestidos de forma lucrativa.
53 h) Em virtude do atraso na transferência dos valores depositados junto da Banque Privée Espírito Santo - Sucursal em Portugal, a Impugnante ficou impedida, durante cerca de um ano, de reinvestir esses mesmos valores e de obter o desejado retorno.
53 l) Em 30 de Junho de 2014, a Impugnante tinha depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal, dinheiro, instrumentos financeiros e valores mobiliários emitidos por entidades não-relacionadas com o Grupo Espírito Santo no valor global de €34.570.703,51.
53 m) Em 30 de Junho de 2014, a Impugnante detinha, nas contas abertas junto do Banco Privée Espírito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal, valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos pelo Grupo Espírito Santo no valor de €19.250.831,75, dos quais €4.547.822,20 correspondiam a valores mobiliários e instrumentos financeiros depositados em contas das quais a Sucursal era a entidade gestora e €14.703.009,55 correspondiam a valores mobiliários e instrumentos financeiros depositados em contas das quais a Sucursal era meramente depositária.
53 n) Em consequência da perda dos investimentos realizados em valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos por sociedades do Grupo Espírito Santo e do atraso na recuperação dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, a Impugnante registou uma diminuição da procura por novos contratos de seguro “Life Asset Portfolio”, sobretudo no mercado português.
53 y) O valor da comissão de gestão trimestral sobre o valor dos activos dos “fundos dedicados” associados a cada contrato ascendia, em média, a 0,35% por ano.
Apreciando:
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A recorrente entende que o ponto 53 d) da matéria de facto não provada deveria ter sido dado como provado, alegando que as testemunhas DT, AT e MB, referiram expressamente que, a partir das interpelações à Liquidanda para encerramento das contas e transferência dos ativos que as integravam, parte dessas ordens não foram cumpridas até hoje pela Liquidanda ou só o foram passados alguns meses e ou perto de ano e meio depois.
Transcreve parte do depoimento de AT e de MB. Conclui que tendo todas as testemunhas deposto com credibilidade e demonstrando razão de ciência e confirmado o seu depoimento pelos documentos do processo, deveria o facto ter sido dado como provado.
O recorrido defende que o facto deve ser mantido como não provado, dado que as afirmações das testemunhas foram genéricas, não existindo registo escrito, nomeadamente extratos de contas que o confirmem.
Foi a seguinte a fundamentação do tribunal a quo:
No tocante aos depoimentos prestados, o tribunal assinalou que:
“Durante a produção de prova relativamente a esta impugnação procedeu-se à inquirição das testemunhas DT, funcionário da SLL S.A. desde 2013; AT, que trabalhou na SLL, SA entre 2013 e 2016, com as funções de responsável do departamento legal e de conformidades e MB, responsável do departamento legal e jurídico em todas as actividades que a SLL, SA desenvolve a nível europeu e internacional.
Em virtude das funções que desempenham ou desempenharam, as testemunhas esclareceram factos relacionados com a actividade da Impugnante e com os procedimentos e alegados danos decorrentes de investimentos realizados nas contas abertas junto da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e da Sucursal Liquidanda.”
E, especificamente, quanto ao facto em questão:
53 d) Antes de mais cumpre explicar que o facto considerado não provado não foi com esta redacção alegado na impugnação.
É, porém, este o facto relevante e que se extrai dos artigos 97º e ss. desse articulado.
Consideramos que este facto não foi cabalmente demonstrado, apesar das declarações de DT e MB.
Ambos referiram uma demora anormal nas transferências solicitadas.
O primeiro mencionou que alguns activos estiveram “parados” um ano, mas que a maioria foi transferida até ao fim do ano (de 2014) e o último explicou que a transferência ou liquidação dos activos que compunham a carteira associada aos contratos, que normalmente era concluída ao fim de 4 semanas, neste caso demorou meses e em algumas situações até um ano e meio.
Sucede que nenhum deles explicou em que dados apoiou estas declarações e a prova documental carreada para os autos pela Liquidanda apenas apoia o que se considerou provado em 53.41.
Ademais, as declarações foram genéricas, sem concretização dos activos que ainda estavam por transferir ao fim de um ano e dos que estariam nessa situação após um ano e meio, o que nos impede de procurar, designadamente, prova documental que valide tais declarações.
De resto, é a própria Impugnante a arguir que a data mais recente que lhe foi possível apurar foi 31 de Maio de 2015 (art.86º da impugnação).
Logo, entendemos não ter elementos para considerar que em 16 de Julho desse ano o processo de transferência dos activos ainda não estava concluído.”
E havia deixado expressa a seguinte fundamentação quanto ao facto dado como provado em 53.41:
“53.40. e 53.41. Estes factos consideram-se demonstrados pelos extractos das contas em referência, emitidos pela própria Banque Privée Espírito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal, juntos como docs.230 a 237 da impugnação (fls. 3764 a 3799), documentos não contestados.”
Ou seja, e resumindo, o tribunal considerou que, na ausência de documentos comprovativos, os depoimentos das testemunhas DT e MB, porque genéricos, não permitiram o juízo de que, em 16 de julho de 2015, a transferência dos valores depositados junto da liquidanda não estava concluída.
Ouvidos os depoimentos prestados, esta foi matéria relativamente à qual todos prestaram declarações, mais ou menos esclarecedoras.
O depoimento de DT foi bastante circunstanciado e objetivo, avaliado de acordo com as circunstâncias de tempo em que foi prestado. Relatou que em julho de 2014 a SLL, SA resolveu “antecipar problemas” (tratou-se da expressão usada pela testemunha) e mudar de custodiante. E assim, entre 16 e 17 de julho de 2014 (a testemunha referiu que no dia 16 de julho de 2014 saíram do escritório depois da meia noite, por terem estado a fazer as ordens de transferência), ordenaram a transferência de todos os ativos. Reconheceu tratarem-se de centenas de ativos (ver o extrato de conta da SLL, SA a 30/06/2014, junto como documento nº6 pela liquidanda com a sua resposta à impugnação – requerimento de 08/02/2016, nesse aspeto coincidente com os documentos 78 a 155-B juntos pela SLL, SA com a sua impugnação – requerimentos de 29/12/2015) e que tal justificaria algum atraso na execução em relação ao procedimento habitual e sua duração, que situou em 2 ou 3 dias, esclarecendo porém que esse prazo dito “normal”, dependeria da liquidez dos ativos. Sobre este assunto da total ou não transferência dos ativos disse que “alguns dos clientes não viram os seus ativos transferidos por terem sido bloqueados” e que além de um caso de título vencido após a ordem, pago e cujo valor integrou a massa falida, que não identificou, “algum papel comercial ficou bloqueado em Portugal”. Referiu que “o grosso” das transferências estava feito entre dezembro de 2014 e janeiro de 2015.
AT prestou, como seria de esperar da respetiva posição ao tempo, um depoimento mais genérico, mas ainda assim bastante objetivo, identificando os factos de que tinha conhecimento direto, os de que tinha conhecimento pela “equipa” e assumindo aqueles de que não tinha conhecimento. Esta testemunha, em esclarecimentos gerais sobre procedimentos de transferências distinguiu os casos de transferências de ativos e de liquidação de ativos e transferência da liquidez e situou o prazo dito “normal” de liquidação de carteiras numa média de 4 a 5 semanas. Neste caso, especificou, chegou a ano e meio. Referiu, respondendo a um pedido de esclarecimentos da Sra. Juiz, que “que eu saiba há transferências que nunca foram feitas”.
MB prestou um depoimento muito orientado e impositivo. Sendo o responsável pelo departamento legal da recorrente, deixou transparecer a respetiva preocupação em transmitir determinadas informações (independentemente das perguntas que lhe eram feitas), tornear algumas das perguntas, demonstrando, de uma maneira geral, estar muito ciente das implicações das perguntas e respostas feitas. Prestou, assim, um depoimento que tem que ser analisado com um critério mais rigoroso que as demais arroladas pela recorrente. As suas declarações quanto à transferência da totalidade dos títulos ou não foi um claro exemplo do que referimos. A pergunta que lhe foi feita foi se ainda havia ativos na posse da sucursal. A testemunha respondeu que sim, de acordo com a última informação recebida, de 31/05/2015, ainda havia cerca de 10 títulos em custódia da sucursal. Ou seja, respondendo, não esclareceu o que era pretendido com a pergunta.
Ou seja, e tal como referido na fundamentação aduzida pelo tribunal, as declarações foram genéricas, sem concretização dos ativos que ainda estavam por transferir ao fim de um ano e dos que estariam nessa situação após um ano e meio, nenhuma das testemunhas tendo explicado em que dados apoiou estas declarações.
Referiu também o tribunal que a prova documental carreada para os autos pela Liquidanda apenas apoia o que se considerou provado em 53.41.
Na verdade, dos ativos listados em 53.41, a liquidanda juntou, como documento 5 com a sua resposta à impugnação, documento comunicando a transferência, em 06/07/2015, 06/11/2015 e 18/06/2015 de um valor em dinheiro e de dois daqueles ativos: 2.350 unidades de participação no Fundo Picket – Short-Term Money Market €-P (ISN LU0182494191), no valor estimado de € 323.665,50, na conta 850606 e 210.000 unidades de participação no Fundo Espírito Santo Reconversão Urbana no valor estimado de € 190.994,12, na conta 850691.
A liquidanda não documentou a transferência de qualquer outro ativo e admite, nos arts. 254º e 265º da resposta à impugnação, que não foram transferidos todos os valores mobiliários, adiantando a explicação para o efeito, a mesma que DT tinha referido: tratam-se de títulos bloqueados.
No art. 254º da resposta à impugnação deixou alegado “No que respeita aos restantes valores mobiliários, não foram transferidos porque, por efeito da insolvência das entidades emitentes e reclamação de créditos nos respectivos processos, os títulos encontram-se bloqueados.” E no art. 265º a propósito da questão da desvalorização dos valores mobiliários emitidos por sociedades do Grupo Espírito Santo alegou que de 7,5 milhões de euros de obrigações Rio Forte, “já só se encontram aproximadamente €3.500.000 nas contas da Impugnante na Liquidanda porque estão bloqueados na Euroclear, por efeito da declaração de insolvência da Rio Forte e da reclamação dos respectivos créditos no processo de insolvência da Rio Forte.”
Assim sendo, na verdade, esta é matéria admitida por acordo: nem todos os ativos foram transferidos na sequência da ordem dada pela recorrente, o que, aliás, foi expressamente confirmado pelo Sr. Liquidatário no seu depoimento: à pergunta de se (no dia da inquirição, ou seja, 03/04/2019) ainda havia contas em nome da SLL, SA com valores depositados, a resposta foi sim e foram identificados esses títulos: os títulos de dívida Espírito Santo foram bloqueados relativamente a todos cujos emitentes foram declarados falidos para prevenir o risco de perda de reclamações de créditos.
Voltando à listagem constante de 53.41, facto não impugnado por qualquer forma, verificamos que temos, assim, evidência de que, pelo menos quanto aos ativos não especificados no documento 5, todos ativos emitidos por empresas do Grupo Espírito Santo (Obrigações Rio Forte, Ações ESI e Obrigações ESFG) não foram transferidas para a recorrente, por tais ativos se encontrarem bloqueados.
Não tendo sido transmitidos à data da audiência de julgamento (abril de 2019), não o tinham sido, seguramente, em 16 de julho de 2015.
Na conjugação dos factos dados como provados na matéria de facto geral sob os nºs XLVII (falência da Rio Forte) e XLVIII (falência da ESI e da ESFG) com as declarações prestadas pelo Sr. Liquidatário e pela testemunha DT e em complemento ao já admitido pela liquidanda em matéria de resposta à impugnação, concluímos assim, que, quanto ao ponto 53 d) da matéria de facto não provada, a matéria dele constante pode ser dada como provada, mas com a especificação, também apurada, dos motivos e dos ativos em causa. Aliás, dessa forma se harmoniza este ponto com a matéria também dada como provada e não impugnada nos pontos 53.51., 53.52. e 53.53. da matéria de facto provada, para cuja fundamentação efetuada na sentença recorrida aqui se remete.
Assim, na procedência da impugnação:
- determina-se a eliminação da alínea 53 d) da matéria de facto não provada;
- adita-se à matéria de facto provada, sob o nº 53.41.A.:
53.41.A. À data de 16 de julho de 2015, ainda se encontravam depositados em contas abertas junto da Sucursal Liquidanda os valores mobiliários, referidos em 53.41., emitidos pelas empresas do Grupo Espírito Santo que vieram a ser declaradas insolventes, valores esses que foram bloqueados.
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A recorrente entende que a matéria dada como não provada sob 53, f), 53 g) e 53 h) deveria ter sido dada como provada nos seguintes termos:
53 f) Em virtude da depreciação dos activos referidos em 53 e), a Impugnante ficou impedida de reinvestir os montantes que eles representavam e de obter o respectivo eventual retorno.
53 g) No exercício da sua actividade, os activos da Impugnante depositados junto da Sucursal em Portugal do Banque Privée Espírito Santo, S.A. teriam sido investidos ou reinvestidos.
53 h) Em virtude do atraso na transferência dos valores depositados junto da Banque Privée Espírito Santo - Sucursal em Portugal, a Impugnante ficou impedida, durante pelo menos um ano, de reinvestir esses mesmos valores e de obter o desejado retorno.
Para o efeito invoca o depoimento de MB e alega que, mesmo que não fosse averiguada uma depreciação total dos ativos e se a questão fosse delimitada aos valores mobiliários emitidos pelo Grupo Espírito Santo, os factos teriam que ser dados como provados nos termos que defende.
O recorrido alega que a recorrente está a tentar alterar a versão dos factos que ela própria alegou (apontando o art. 108º da impugnação, o que considera inadmissível, e que o único meio de prova invocado é uma afirmação genérica, vaga e não idónea a considerar provado qualquer dos factos, que apenas alude a atrasos sem indicar qualquer valor de depreciação ou de retorno).
Defende também que, não se tendo provado a depreciação total (facto 53 e), não impugnado) nem apurado um valor de depreciação (factos nº 53 z), não impugnado) nunca se conseguiria apurar nem o reinvestimento nem o eventual retorno do mesmo
O tribunal recorrido fundamentou a não prova dos pontos 53 f), g) e h), nos seguintes termos: “53 f) Facto não provado como consequência da falta de prova do facto que lhe está subjacente - a depreciação total dos activos referidos em 53 e).
Em qualquer caso esta alegação afigura-se incorrecta porque os activos em causa (instrumentos financeiros e valores mobiliários emitidos pelo Grupo Espírito Santo) não poderiam ser reinvestidos. O que poderia ser reinvestido era o valor aplicado nesses instrumentos financeiros que não foi reembolsado, tal como não foram pagos juros ou qualquer valorização decorrente dos investimentos.
53 g) Consideramos esta alegação, nos moldes constantes da impugnação, não demonstrada por duas ordens de razões.
Primeiramente cremos que não é correcto falar de investimento ou reinvestimento dos activos depositados junto da Sucursal Liquidanda.
Efectivamente, os activos em causa eram instrumentos financeiros ou liquidez. E se esta última poderia ser investida, já os activos teriam de ser liquidados e transformados em liquidez ou transaccionados.
Mas a principal razão prende-se com o alegado investimento “de forma lucrativa”. Ora, a Impugnante apenas poderia ter a expectativa de ter lucro, que seria certamente o seu móbil, mas nunca a garantia de o conseguir.
Portanto, o tribunal considera não poder considerar demonstrado que a Impugnante, realizaria investimentos de forma lucrativa.
53 h) O tribunal considera este facto não provado por diversas razões.
Efectivamente, se é certo que da prova se extrai que a transferência dos activos depositados na Sucursal Liquidanda para os custodiantes indicados pela Impugnante demorou mais do que era habitual, não foi demonstrado, como vem alegado, que a demora foi de um ano relativamente a todos.
Nesta medida, não podemos considerar provado que a Impugnante não pôde, genericamente, reinvestir os valores aplicados em activos financeiros depositados junto da Sucursal Liquidanda, durante esse tempo.
Ademais, a testemunha arrolada pela Impugnante, DT, referiu que o “grosso” dos activos foi transferido até ao fim do ano (de 2014), sendo que o habitual, considerando o período de Verão e o número de pessoas mais reduzido, seria a transferência estar concluída ao fim de 2/3 meses.
Acresce ter-se apurado que em 31 de Maio de 2015 alguns activos (os referidos em 53.41.) ainda não tinham sido transferidos.
Por outro lado, consideramos não ter sido demonstrado que a Impugnante não pudesse ter liquidado os investimentos e os activos que detinha (concretamente, os não relacionados com o universo Grupo Espírito Santo que estariam transaccionáveis) e aplicado essa liquidez junto de outra instituição bancária à sua escolha.
O que a Impugnante optou por fazer foi transferir os activos que tinha, mas não vendê-los ou resgatar investimentos, nada indicando que não o pudesse ter feito, desde logo no que se refere aos que se mantinham disponíveis no mercado para ser transaccionados, designadamente, os mencionados em 53.25. a 53.28.
E também nenhuma prova nos permite concluir que, caso o tivesse feito, essa opção não tivesse obtido execução de forma célere, já que a delonga na transferência dos títulos foi atribuída à complexidade do processo, envolvendo vários intervenientes, factor que não se verificaria em caso de resgate ou venda.
Por outro lado, e uma vez que estamos no âmbito de investimentos no mercado de capitais, também não podemos considerar demonstrado que se os activos da Impugnante tivessem sido transferidos mais cedo a mesma os teria reinvestido e obtido retorno, na medida em que os investimentos nos mercados financeiros não oferecem garantias absoluta de que as expectativas se vão concretizar.
Portanto, a Impugnante poderia investir e nada ganhar ou até perder os investimentos.”
A recorrente não impugnou a matéria de facto dada como não provada sob a alínea 53 e), ou seja, e recordando, o tribunal deu como não provado, no que concordamos, analisada a prova produzida, que em virtude do colapso do Grupo Espírito Santo, o valor de mercado atual dos instrumentos financeiros e valores mobiliários emitidos pelo Grupo Espírito Santo depositados em contas das quais a Banque Privée Espírito Santo – Sucursal em Portugal era a entidade gestora ou depositária seja de €0,00.
A primeira parte do ponto em causa, como bem refere o tribunal, não pode ser dada como provada por ter por pressuposto uma depreciação total que não está apurada.
Temos, porém, apurado que (facto 53.45, não impugnado) “Em virtude da entrada em incumprimento e liquidação das sociedades do Grupo Espírito Santo, os valores investidos pela Impugnante em instrumentos financeiros e valores mobiliários emitidos por essas sociedades e depositados em contas das quais a Banque Privée Espírito Santo – Sucursal em Portugal era a entidade gestora ou depositária, não foram reembolsados no final do prazo, nem foram pagos juros ou qualquer valorização decorrente desses investimentos.”
As testemunhas ouvidas sobre este tema (DT e MB) falaram na questão das consequências do atraso na transferência “em bloco”, como se a transferência de todos os ativos tivesse estado parada um ano, factualidade que não se apurou.
DT foi o mais pormenorizado quanto à questão das transferências e situou no prazo de 6 meses a transferência do grosso dos ativos: perguntado sobre as consequências do atraso falou dos clientes cujos ativos haviam sido bloqueados, referindo que causou confusão e frustração que foram projetadas na SLL, SA, na reorganização interna que fizeram, no facto de se terem centrado neste assunto, não procurando novos clientes, perdendo quota de mercado em Portugal, nas despesas havidas e, quando foi perguntado expressamente pela possibilidade de reinvestimento (que não referiu espontaneamente) declarou ser difícil qual terá sido o prejuízo dos clientes com os “ativos ali parados”, apontando uma perda de gestão que originou a cobrança de menos comissões.
Pormenorizando, já a instâncias, referiu que as transferências efetuadas o foram a valor de mercado e que o que poderia ter acontecido seria uma previsão de queda do valor do ativo, que se estivesse a ser gerido podia ser vendido e substituído por outro com melhor performance, o que não aconteceu porque não foi transferido. Referiu também que poderia ter havido mais valorização para as carteiras se tivesse havido efetiva gestão nesse período.
MB distinguiu os prejuízos tidos com os ativos afetados e os ativos não afetados, imputando apenas a estes últimos a questão da impossibilidade de reinvestimento e indicando (sem concretização de cálculos) € 300 mil euros como “perda de capital gerado pela gestão do portfolio”.
Há a notar que, embora possamos ter como certa uma desvalorização das carteiras, devido aos valores mobiliários emitidos pelas empresas do grupo insolventes, pelas regras de experiência comum (temos, por exemplo ações da ESI, cujas hipóteses de reembolso se afiguram extremamente baixas, porque se trata de capital social - seria necessário que o património da insolvente excedesse o respetivo passivo para que os titulares de participações de capital tivessem hipótese de receber qualquer montante do processo de insolvência) e obrigações Rio Forte e ESFG que já não foram pagas na maturidade (e que dependem da existência de bens suficientes para, liquidados satisfazerem estes créditos, tecnicamente créditos comuns), era necessário destrinçar estes valores dos demais, o que verdadeiramente não foi feito.
Todos confirmaram ter a recorrente SLL, SA ativos no valor de € 50 milhões (53) depositados na liquidanda e que desses só cerca de 19 milhões seriam emitidos por empresas do GES que vieram a ser declaradas insolventes, mas ninguém explicitou os cálculos feitos tendo em conta a existência de dois tipos de ativos: os ativos não afetados (as testemunhas designaram-nos por tradicionais) que poderiam ser reinvestidos, dependendo do respetivo regime; e os ativos de empresas do GES que não poderiam ser transacionados (quer porque não seria esse o seu regime, caso das obrigações, quer porque já não tinham mercado sequer, caso das ações).
Adiante-se que estamos de acordo com o raciocínio do tribunal recorrido quanto aos ativos não afetados: não sabemos quantos nem por quanto tempo e não sabemos se valorizariam, se desvalorizariam, se a gestão pelo novo custodiante teria melhores resultados. Tal impressiona porque estamos a falar do passado. Concordamos que seria um exercício fastidioso, mas era possível determinar quantos títulos foram transferidos e em que altura e, destes quantos eram suscetíveis de reinvestimento, como se portaram no mercado no período correspondente e logo, se valorizariam ou desvalorizariam. Depois seria necessário ter como pressuposto (o que não surge suportado em qualquer elemento de prova) que a nova entidade custodiante faria um bom trabalho.
E tal é muito relevante porque, relativamente a determinados ativos temos provado (sem impugnação de qualquer das partes) que:
“53.42. Durante o lapso temporal em que decorreu a transferência dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal para outras instituições bancárias, a Impugnante não dispôs dos mesmos.
53.43. Durante o lapso temporal em que decorreu a transferência dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal e até 21 de Setembro de 2015, a Impugnante poderia ter pedido o resgate dos investimentos ou dado ordem de venda dos valores mobiliários depositados em contas abertas ou sob gestão da Liquidanda.
53.44. Caso não estivesse a aguardar pela transferência dos títulos/liquidez, no exercício da sua actividade, a Impugnante teria investido a liquidez ou realizado operações envolvendo os activos depositados junto da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A., com o intuito de obter lucro.
53.45. Em virtude da entrada em incumprimento e liquidação das sociedades do Grupo Espírito Santo, os valores investidos pela Impugnante em instrumentos financeiros e valores mobiliários emitidos por essas sociedades e depositados em contas das quais a Banque Privée Espírito Santo – Sucursal em Portugal era a entidade gestora ou depositária, não foram reembolsados no final do prazo, nem foram pagos juros ou qualquer valorização decorrente desses investimentos.”
E, não menos importante, que:
“53.54. Durante o período em que durou o procedimento de transferência, os valores mobiliários em causa geraram o respectivo rendimento, tendo esse rendimento sido pago à Impugnante.”
A impossibilidade reinvestimento (da respetiva liquidez, como precisou o tribunal recorrido) já resulta destes pontos da matéria de facto provada. O que não resultou de qualquer elemento de prova, como resulta do resumo dos depoimentos a que acima procedemos, foi que o referido reinvestimento (não sabemos de que títulos e porquanto tempo) gerasse retorno.
Ou seja, e recopilando:
- no ponto dado como não provado sob 53 f), não podemos dar como provado o pressuposto (depreciação total) nem o alegado retorno do reinvestimento. O que resta, o impedimento de reinvestimento já está contemplado na matéria de facto provada;
- no ponto dado como não provado sob 53 g) falta-nos a determinação de quantos valores e porquanto tempo poderiam ser reinvestidos (ou a respetiva liquidez), se o seriam  e não temos qualquer elemento que sequer aponte para que esse eventual e indeterminado reinvestimento seria lucrativo;
- no ponto dado como não provado sob 53 h) a matéria correspondente ao impedimento de reinvestimento (não referida a um ano, intervalo de tempo que não podemos dar como provado nem com a alteração da matéria de facto ordenada supra, que afetou apenas os ativos emitidos por empresas GES que vieram a ser declaradas insolventes) já consta da matéria de facto provada e não temos qualquer elemento de prova que aponte para a possibilidade da existência de retorno.
Assim, não se vislumbra qualquer motivo para alterar a decisão da matéria de facto neste particular, improcedendo a impugnação relativa aos pontos 53 f), 53 g) e 53 h).
*
A recorrente aponta, seguidamente, como incorretamente julgado os pontos 53 l) e 53 m) da matéria de facto não provada, matéria que defende, dever ser dada como provada na seguinte formulação:
53 l) Em 30 de Junho de 2014, a Impugnante tinha depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal, dinheiro, instrumentos financeiros e valores mobiliários emitidos por entidades não-relacionadas com o Grupo Espírito Santo no valor global de €34.570.703,51.
53 m) Em 30 de Junho de 2014, a Impugnante detinha, nas contas abertas junto do Banco Privée Espírito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal, valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos pelo Grupo Espírito Santo no valor de €19.250.831,75, dos quais €4.547.822,20 correspondiam a valores mobiliários e instrumentos financeiros depositados em contas das quais a Sucursal era a entidade gestora e €14.703.009,55 correspondiam a valores mobiliários e instrumentos financeiros depositados em contas das quais a Sucursal era meramente depositária.
Invoca os depoimentos prestados por MB e por DT, ambos tendo declarado ser o montante total depositado de cerca de 50 e 53 milhões de euros e, de valores ligados ao Grupo Espírito Santo, cerca de dezanove ou vinte milhões e referindo que a última testemunha revelou surpresa pela dimensão da exposição do Grupo Espírito Santo.
O recorrido frisa que nenhuma das testemunhas referiu valores precisos e nenhuma das testemunhas identificou ativos financeiros e que o que as testemunhas referiram está já dado como provado no facto 53.24, não impugnado. Mais refere que o Liquidatário esclareceu que as contas geridas não tinham ativos emitidos por empresas do GES.
O tribunal a quo fundamentou a sua convicção pela seguinte forma:
“53 l) e 53 m) O tribunal considera que estes factos não foram comprovados na medida em que, admitindo-se que a composição das carteiras da Impugnante junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A., Sucursal em Portugal fossem as constantes dos docs.136 a 154, juntos com a impugnação (que constituem impressões dos Portfolios indicados, contendo a respectiva composição e valores parciais e total - fls. 3474 e ss.), não obstante, o tribunal não consegue concluir quais daqueles activos pertencem a entidades relacionadas e não relacionadas com o Grupo Espírito Santo, posto que não domina os mercados financeiros e, naturalmente, não conhece os participantes nos mercados, mormente as suas designações, nem as dos produtos financeiros por eles comercializados.
Uma vez que aquelas listagens têm apenas a denominação do activo em que foi feito o investimento, o tribunal não tem meios para aferir se estavam ou não relacionados com o Grupo Espírito Santo, cabendo à Impugnante, que não fez tal prova, demonstrar quais daqueles activos pertenciam a empresas do Grupo Espírito Santo.”
Ouvida toda a prova testemunhal e por declarações produzida podemos confirmar que os valores concretos alegados não foram, de todo, confirmados. Efetivamente DT falou em 50 milhões de ativos e, destes, quase vinte milhões de papel do GES, MB referiu 53 milhões no total e cerca de 19 milhões ligados ao Espírito Santo.
Mesmo olhando os extratos juntos, mantendo presentes as explicações do Sr. Liquidatário, de que há produtos, por exemplo em fundos que têm nome da empresa do GES que os geria (exemplificou com a ESAF) mas que são compostos por ativos que nada têm a ver com o Grupo (identificando vários destes fundos no extrato), confirma-se que não é possível, pela mera leitura e soma de parcelas do extrato, alcançar um número preciso de ativos expostos ao GES e não expostos.
Assim, temos prova suficiente de valores nesta grandeza, mas não dos valores precisos alegados.
E quanto aos valores em ordem de grandeza, o tribunal deu como provado rigorosamente o que conseguiu extrair da prova, ou seja, o facto provado sob o nº 53.24 (não impugnado). No mais, o tribunal teve, assim, de acordo com as regras, que dar por não provada a versão da recorrente que excedeu o que foi apurado.
Não há, pois, qualquer motivo para censurar ou alterar a decisão do tribunal quanto aos factos dados como não provados sob as alíneas 53 l) e m). 
*
Insurge-se também a recorrente contra a não prova do facto especificado na alínea 53 n), entendendo que deveria ser dado como provado:
53 n) Em consequência da perda dos investimentos realizados em valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos por sociedades do Grupo Espírito Santo e do atraso na recuperação dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, a Impugnante registou uma diminuição da procura por novos contratos de seguro “Life Asset Portfolio”, sobretudo no mercado português.
Invoca que tendo a testemunha DT afirmado, referindo-se ao que levou à saída de clientes e redução de contratos, que foi alguma frustração dos clientes que não viram os seus ativos transferidos o que impactou na SLL, SA, o tribunal desprezou a não execução da transferência e não execução atempada das ordens da recorrente, que era a causa e valorou o que foram consequências dessa não execução, a dedicação de equipas e o chasing, assim não valorando devidamente o depoimento prestado.
O recorrido defendeu a manutenção da não prova do facto constante de 53 n), dado que o excerto do depoimento de DT transcrito é vago e por tal depoimento, precisamente, ter sido corretamente valorado pelo tribunal recorrido cuja fundamentação não foi incongruente e ponderou cuidadosamente todas as potenciais causas da diminuição da procura.
O tribunal recorrido fundamentou esta decisão pela seguinte forma:
“53 n) Consideramos não poder atribuir as consequências negativas alegadas pela Impugnante exclusivamente à delonga na transferência dos títulos e à não recuperação de alguns investimentos.
Com efeito, a testemunha DT explicou que o prejuízo inicial esteve relacionado com a espera dos clientes pela transferência dos activos para outro custodiante.
Disse igualmente que o impacto negativo esteve também relacionado com o facto de terem organizado uma equipa de 3 pessoas quase só focada na resolução deste tema, deixando os outros clientes de lado, os quais, descontentes com a falta de apoio que normalmente lhes era prestado e a que estavam habituados, não renovaram as apólices.
A testemunha afirmou mesmo que o nível dos serviços baixou em virtude da alocação de recursos a este problema, pois 3 pessoas praticamente só faziam o “chasing”, ou seja, o acompanhamento do estado das transferências.
Clarificou que a Impugnante perdeu quota de mercado porque estava focada na resolução deste problema.
Adicionalmente, referiu que este problema também foi causado pela ausência de AS, que ficou doente, e pela mudança da equipa.
Ora, deste depoimento decorre que a forma como a Impugnante lidou com a dilação temporal no cumprimento da sua ordem de transferência foi um factor determinante das perdas que invocou. De facto, foi o limitado número de colaboradores e a sua afectação ao acompanhamento da transferência das carteiras que redundou num “abandono” dos demais clientes e foi esta falta de acompanhamento que gerou desagrado e conduziu à não renovação de apólices.
Além disso, o depoimento da testemunha deixou transparecer que foi a circunstância de a Impugnante se ter centrado nesta questão e ter descurado a sua normal actividade, que permitiu que outros competidores ganhassem espaço no mercado, em que a SLL, SA deixou de estar de forma activa, porquanto estava focada nesta questão.
Nesta medida, apesar da delonga na transferência de títulos e a (ainda) falta de recuperação de investimentos ter afectado a reputação da Impugnante, não podemos dizer que a perda da quota de mercado de deveu apenas, ou sequer maioritariamente, a estes factores.”
Apreciando:
O facto dado como não provado dirigia-se à relação de causalidade entre a perda de quota de mercado (diminuição da procura de novos contratos de seguro) da recorrente no mercado português e dois fatores: a perda dos investimentos realizados em valores mobiliários emitidos por sociedades do GES e o atraso na recuperação dos ativos depositados na liquidanda, matéria alegada, nessa configuração, nos arts. 122 e 125 da impugnação apresentada pela recorrente.
A testemunha DT proferiu as declarações transcritas pela recorrente em resposta à específica pergunta de se a indisponibilidade dos ativos, devido à não transferência atempada (era esse o tema do depoimento no momento em que a pergunta foi formulada) havia causado prejuízos. O impacto que relatou foi o facto de os clientes recorrerem à SLL, SA para resolver a questão dos ativos não transferidos (os ativos bloqueados, especificou) e não haver resposta nenhuma para lhes dar.
Explicou que tiveram que se reorganizar, afetando a equipe de Portugal quase em exclusivo ao tema Banque Privée (Suíça e Portugal), deixando os demais clientes (os não afetados) um pouco de lado, afetando-os à equipa de Espanha.
Seguidamente, e neste contexto, foi-lhe colocada a questão de se tinham perdido clientes e a testemunha começou por responder que sim, mas, de imediato e de forma espontânea, acrescentou que muitos dos clientes não resgataram a apólice e não saíram, porque tal atitude teria consequência fiscais. Mas a testemunha não se ficou por aqui e prosseguiu, declarando que a SLL, SA perdeu quota de mercado, no sentido em que, estando focados neste tema, deixaram um bocadinho o mercado em aberto, dando oportunidade a outras seguradoras de atuar e oferecer produto equivalente. Acresceu que os parceiros da SLL, SA não ligados ao BES, ou seja, outros bancos que os recomendavam, ao verem que a recorrente estava “entalada com isto” (palavras da testemunha) e que eles, assim, estavam a perder oportunidades, passaram a aconselhar outras seguradoras aos clientes. Referiu que em 2014 eram, neste segmento, a seguradora nº1 no mercado e que entre 2014 e 2016 surgiram outras e perderam a liderança (entretanto recuperada).
Ainda, a esclarecimentos, perguntado, precisamente, como tinha sido impactada a sua imagem a testemunha respondeu que todos sabiam que a SLL, SA era um dos maiores credores, que o nível de serviço tinha baixado devido à alocação de recursos e que os clientes locais viram clientes BES a serem reembolsados e eles não, o que ligaram à SLL, SA.
Anda no tema explicou que os clientes que tinham e que se viram afetados não puderam transferir a apólice para outra seguradora, por causa da questão do bloqueio, mas que foram então, para futuro, escolher outra seguradora. E referiu que durante dois anos a SLL, SA não fez nada no mercado português. Apontou ainda a doença e ausência de AAS e que só em 2017 é que tinham reforçado a equipa.
Deste resumo resulta com clareza que a recorrente descontextualizou o excerto do depoimento que transcreveu e que resolveu ignorar as assertivas declarações da testemunha que referiu, por várias vezes, as causas da diminuição de quota de mercado. Sem questionar que o problema BPES (Suíça e Portugal) foi a causa próxima de várias decisões tomadas pela recorrente, a própria testemunha considerou que essas decisões (a reorganização, a inação no mercado), que no fundo se analisaram numa decisão de não reforço da equipa (essa é uma conclusão nossa, a testemunha não disse tanto) tomada pela recorrente contribuiu para esse resultado de diminuição da quota de mercado.
A análise feita pelo tribunal a quo da prova produzida quanto ao ponto 53 n) está, assim, correta, não havendo qualquer razão para a sua alteração.
*
Finalmente, e quanto ao ponto dado como não provado sob a alínea 53 y), defende a recorrente que deveria ser dado como provado:
53 y) O valor da comissão de gestão trimestral sobre o valor dos activos dos “fundos dedicados” associados a cada contrato ascendia, em média, a 0,30% por ano.
Defende que existe manifesta confusão na apreciação deste facto, pois se as testemunhas não concordaram ser a média de comissões cobradas de 0,35% da carteira, ambas confirmaram ser essa média de 30%.
O recorrido aponta que a Recorrente não sustenta a sua afirmação com os depoimentos das testemunhas, que refere mas não transcreve e dos quais não identifica qualquer excerto a este respeito, e assinala que o valor de comissão terá necessariamente de ter suporte documental, desde logo as apólices celebradas pela Recorrente com os seus clientes e facturas de cobrança dessa comissão, sendo que entre as centenas de documentos juntos pela mesma, não foi apresentado um único documento que suporte qualquer valor de comissão.
O tribunal a quo fundamentou pela seguinte forma a sua convicção neste particular:
53 y) Este facto foi contrariado pelas declarações de DT que referiu ser a média de comissões cobradas correspondentes a 0,30% sobre o valor da carteira e confirmado pela testemunha MB.
Em face da divergência dos depoimentos de duas testemunhas da Impugnante, ambos pessoas com responsabilidades e conhecimentos da organização, entendemos não poder relevar um em detrimento do outro, o que redunda na falta de prova do facto.”
Apreciando:
A recorrente alegou, na sua impugnação (cfr. art. 117º) que o valor da comissão gestão trimestral sobre o valor dos ativos cobrada pela recorrente era, em média, 0,35% por ano.
O tribunal apontou depoimentos divergentes entre as declarações de DT e de MB.
O que a recorrente alega é ser ilógico que o tribunal não dê como provada uma média de comissões de 0,30%, valor que se contém nas declarações de ambas as testemunhas. Não transcreve os depoimentos, nesta parte, mas, na verdade, tal não se mostra necessário, dado o fundamento invocado. A recorrente não invoca, em sentido diverso do valorado pelo tribunal recorrido, o depoimento das testemunhas, antes aponta um defeito à própria fundamentação do tribunal.
Confirmámos que DT referiu uma média de comissões cobradas de 0,30% e MB um valor médio de 0,35%.
Na matéria de facto provada (e não impugnada), o tribunal deu como provado:
53.5. Nos termos dos contratos de seguro “Life Asset Portfolio”, a Impugnante tinha direito a cobrar uma comissão trimestral, de gestão do contrato, sobre o valor dos activos do(s) “fundo(s) dedicado(s)” associado(s) a cada contrato.
53.6. O valor dessa comissão, não concretamente apurado situava-se anualmente, em média, entre a 0,30% e 0,35% do valor da carteira.
Justificando desta forma:
“53.5. Provado com base na cláusula 19.2. do contrato de seguro “Life Asset Portfolio” cuja cópia se mostra a fls.2748 e ss. dos autos.
53.6. A prova deste facto tem apoio nas declarações de DT, que referiu ser a média de comissões cobradas correspondentes a 0,30% do valor da carteira, conjugadas com o depoimento de MB, o qual referiu comissões no valor de 0,35% da carteira.
Uma vez que nenhum outro elemento probatório foi apresentado, desde logo porque a cláusula 19.2. do contrato de seguro “Life Asset Portfolio”, já referida, cuja cópia se mostra a fls.2748 e ss. dos autos, não indica a concreta percentagem, mas apenas o tecto máximo (2%), o tribunal não logrou apurar a efectiva percentagem da comissão cobrada, situando-a, portanto, entre os valores mencionados.”
O que a recorrente pretende seja dado como provado já consta, em conformidade com a prova produzida, da matéria de facto provada.
Restava ao tribunal dar como não provada a única versão expressamente alegada e que não logrou obter convencimento, de que a média das comissões era de 0,35%.
Não merece, pois, qualquer censura a decisão do tribunal quanto à não prova do facto elencado sob 53 y).
*
Em suma, improcedendo toda a demais impugnação da matéria de facto dada como não provada deduzida pela recorrente SLL, SA, procede apenas a impugnação deduzida quanto ao facto dado como não provado sob 53 d), relativamente ao qual passará a constar, como facto provado:
53.41.A. À data de 16 de julho de 2015, ainda se encontravam depositados em contas abertas junto da Sucursal Liquidanda os valores mobiliários, referidos em 53.41., emitidos pelas empresas do Grupo Espírito Santo que vieram a ser declaradas insolventes, valores esses que foram bloqueados.
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Em súmula, o tribunal julga improcedente a impugnação da matéria de facto deduzida por todos os recorrentes que a apresentaram, exceto e em parcial procedência, quanto aos seguintes factos:
1 – Aditamento à matéria de facto não provada relativa ao recurso 1.3. interposto por interposto por ASC, MLSC, SSC e PSC, correspondente à impugnação nº5, do seguinte facto (não provado):
5 r) Não obstante insistências por parte dos Impugnantes, a Insolvente impediu o levantamento da importância depositada.
2 – Alteração do ponto 35.7. da matéria de facto dada como provada relativa ao recurso 1.4., interposto por EPR, correspondente à impugnação nº 35, ali passando a constar:
35.7. Em 2 de Maio de 2014, foi efetuada uma transferência bancária ordenada por H - SII, SA – Sociedade de Investimentos Mobiliários e Imobiliários para a conta da Impugnante junto da Liquidanda, no valor de €102.000,00.
3 – Eliminação da alínea 53 d) da matéria de facto não provada relativa ao recurso 1.7., interposto por SLL S.A.  correspondente à impugnação nº 53 e aditamento à matéria de facto provada do mesmo recurso, sob o nº 53.41.A., do seguinte facto:
53.41.A. À data de 16 de julho de 2015, ainda se encontravam depositados em contas abertas junto da Sucursal Liquidanda os valores mobiliários, referidos em 53.41., emitidos pelas empresas do Grupo Espírito Santo que vieram a ser declaradas insolventes, valores esses que foram bloqueados.
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6 – Fundamentação de direito:
Tal como decidido em 1ª instância, e não posto em causa por qualquer dos recorrentes, a matéria do “mérito das impugnações deduzidas tem como pano de fundo a existência de uma relação bancária entre cada Impugnante (ou conjunto de Impugnantes) e a Liquidanda”[128].  
No caso dos recorrentes FRF e VJF, correspondente à impugnação nº1 e recurso 1.1., essa relação bancária analisa-se num contrato de abertura de conta junto da sucursal liquidanda, sendo a causa de pedir da respetiva impugnação e feita valer em sede de recurso relativa à estrita relação bancária com a liquidanda, dado que a atividade de intermediação financeira foi efetuada pelo BPES Suíça e não foi sequer aqui invocada.
O recurso 1.2., interposto por LCM e BCM, correspondente à impugnação nº25, funda-se essencialmente na circunstância de, entre estes e a liquidanda, ter sido celebrado um contrato de consultoria para investimento, discutindo-se se o investimento por estes efetuado o foi ao abrigo deste contrato ou em execução de ordem destes.
O recurso 1.3., em que são recorrentes ASC, MLSC, SSC e PSC, correspondente à impugnação nº5, foca-se na atividade de intermediação financeira levada a cabo pela liquidanda centrando-se na existência e validade da ordem de subscrição de instrumentos financeiros e incumprimento dos deveres de informação por parte da liquidanda.
No caso da recorrente EPR correspondente à impugnação nº35 e ao recurso 1.4. as questões a decidir centram-se também na atividade de intermediação financeira desempenhada pela liquidanda, sendo focadas a questão da classificação da recorrente como investidora qualificada, a formalização das ordens de investimento e a violação de deveres de informação.
O recurso 1.5., interposto por LAC correspondente à impugnação nº55, refere-se a aferição de violação dos deveres de informação a que a liquidanda estava sujeita enquanto intermediária financeira e a questões relacionadas como perfil de investidor do recorrente e classificação dos instrumentos financeiros subscritos.
No recurso 1.6., interposto por MSL correspondente à impugnação nº27, está em causa igualmente a atividade de intermediação financeira desempenhada pela liquidanda quanto à execução de ordens de investimento e a imputação da violação de deveres de informação e de adequação em relação à credora.
E, finalmente, no recurso 1.7., interposto por SLL S.A. correspondente à impugnação nº53, estão em causa onze contratos de abertura de conta e, nestes, quatro contratos de gestão de carteira, o que nos remete também para a atividade de intermediação financeira desempenhada pela liquidanda e, no essencial, o cumprimento por esta dos deveres de informação que sobre si impendiam na concreta relação contratual vigente entre as partes.
Assim, a matéria em discussão nos presentes recursos, exceção feita ao recurso 1.1., que, como se referiu, se centra na estrita relação bancária entre a liquidanda e os recorrentes, respeita à atividade da sucursal liquidanda enquanto intermediária financeira.
Tal como decidido em 1ª instância (e não colocado em causa em qualquer dos recursos), as normas aplicáveis à atividade de intermediação financeira (centralmente o Código dos Valores Mobiliários, mas não só), são as normas vigentes à data da realização dos investimentos, atento o disposto no art. 12º do Código Civil[129].
Dadas a amplitude e completude do enquadramento legal, doutrinal e jurisprudencial genérico efetuado na sentença recorrida[130], na alínea A) da fundamentação jurídico-conclusiva (Quadro Jurídico Aplicável), damos o mesmo por integralmente reproduzido, advertindo que se aprofundarão as questões a propósito da discussão jurídica de cada um dos recursos e acrescentando um desenvolvimento de natureza jurídica, posterior à prolação da sentença dos autos, mas que teremos de ter em conta.
Em 06/12/2021, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu Acordão Uniformizador de Jurisprudência[131] relativo à responsabilidade civil do intermediário financeiro, uniformizando jurisprudência nos seguintes termos:
“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.
3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”
Pese embora se trate de jurisprudência fixada no domínio da versão do CVM anterior à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, ou seja, a versão diversa da aplicável aos presentes autos[132], em decisão ainda não definitiva, há que sopesar os argumentos que levaram o Supremo Tribunal à decisão de uniformização de jurisprudência e ponderar se têm aplicação aos casos concretos em apreciação nos presentes recursos.
Como se escreveu no Ac. STJ de 01/10/2019[133] (Raimundo Queirós), “os acórdãos de uniformização constituem um precedente qualificado, de carácter persuasivo, a merecer especial ponderação, que se julgou suficiente para assegurar a desejável unidade da jurisprudência. Daí que os tribunais só devam afastar-se da jurisprudência uniformizada quando disponham de argumentação nova e convincente que seja de molde a pôr em causa a doutrina fixada. Não basta, pois, não se concordar com o entendimento adotado no acórdão uniformizador, sob pena de a uniformização se revelar um instituto sem utilidade, por subsistir, nos mesmos termos, a controvérsia jurisprudencial.”
No nosso caso, é esta caraterística de precedente qualificado que deve ser ponderada, tendo em conta a natureza da jurisprudência uniformizada havendo que aferir se a diversidade de regime importa o afastamento da mesma ou se, pelo contrário, a ratio da uniformização se faz sentir também no domínio da legislação aplicável. Em síntese: não vale a jurisprudência fixada, mas os argumentos ponderados e decididos mercem especial atenção nossa.
O Acórdão Uniformizador foi tirado num caso em que a subscrição de valores mobiliários (obrigações SLN), por investidores não qualificados ocorreu até 2006 e em que, em 1ª instância, o pedido[134] dos AA. foi julgado totalmente improcedente, tendo o Acórdão da Relação, proferido em recurso desta decisão, julgado a apelação parcialmente procedente, alterando a decisão de facto e revogando a sentença, condenando a Ré a pagar aos Autores a quantia de €300 000,00, acrescida de juros remuneratórios desde maio de 2016 e os respetivos juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano, sendo a Ré absolvida do restante pedido. Desta decisão foi interposta revista e o Supremo Tribunal de Justiça que, considerando inverificado o incumprimento do dever de informação e, complementarmente, indemonstrado o nexo de causalidade entre a conduta da Ré e o dano alegado pelos Autores, concedeu a revista, revogando o acórdão recorrido e absolveu a Ré dos pedidos.
Os AA. interpuseram recurso extraordinário para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça com vista à uniformização de jurisprudência e à revogação daquele Acórdão, nos termos dos artigos 688.º e ss do Código de Processo Civil, invocando, como fundamento, a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Tribunal de 25 de outubro de 2018, proferido no processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1.
O STJ considerou verificada a contradição de jurisprudência que identificou nos seguintes termos:
“perante factos análogos, se adotaram decisões diferentes:
- no que respeita à verificação/demonstração da ilicitude e à verificação/demonstração do nexo de causalidade;
- foram defendidas conceções diferentes sobre o conteúdo dos deveres de informação impostos ao intermediário financeiro perante investidores não profissionais, que se reportavam quer à intensidade quer à extensão;”
No enquadramento de direito, o STJ começou por afirmar a regra de aplicação de lei no tempo a que acima aludimos: tendo os investimentos sido efetuados até 10 de abril de 2006, a versão do CVM aplicável é a anterior ao Decreto Lei nº 357-A/2007, de 31 de outubro (que transpôs a DMIF I), nos termos do art. 12º do CC.
Seguidamente, o Supremo Tribunal caraterizou a atividade do banco, no caso como atividade de intermediação financeira e concluiu pela respetiva sujeição ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.° a 342.° do CVM. Foram também enumeradas as regras dos arts. 73.°, 74.° e 75.° do RGICSF, também aplicáveis dada a natureza de instituição de crédito do intermediário financeiro.
O Supremo aponta como norma geral quanto ao dever de informação, o art. 7º[135] CVM, concluindo estar consagrado um padrão elevado de qualidade informativa e após enumerar os arts. 304º, 309º, 310º e 312º nº1 do CVM e citar doutrina e jurisprudência relevantes, enuncia que o intermediário financeiro:
“- tem o dever de se informar sobre o cliente e proporcionar-lhe informação clara, cabal e relevante para a opção que pretende tomar;
- tem de ter a iniciativa para prestar a informação, não tendo o investidor não institucional dever de a solicitar.”
O STJ enumerou extensivamente doutrina e jurisprudência sobre o âmbito funcional do dever de informação, que delimitou, e passou seguidamente à análise da responsabilidade civil do intermediário financeiro à luz do art. 314º CVM, indicando estar prevista no nº2, uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário, nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil.
Foram enumerados os requisitos da responsabilidade contratual e pré-contratual à luz do art. 798º do CC[136] e indicado que o artigo 563.º do Código Civil prevê “o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.”
O douto aresto, em recopilação, fundamentou que:
“- podemos dizer que ocorre um facto ilícito quando a prestação de informação é errónea, por omissão, no quadro de relação negocial bancária;
- a culpa, para efeitos de responsabilidade do intermediário financeiro, consiste na não adoção de uma conduta que o agente poderia e deveria ter adotado, de acordo com o comando legal;
- nas relações pré-contratuais e contratuais em que intervenham intermediários financeiros, a culpa presume-se (artigo 304.º, n.º2, do CVM); presunção que também resulta do disposto no artigo 799.º, n.º1, do Código Civil.
- o dano: o prejuízo resultante do investimento nas obrigações;
- o nexo de causalidade: para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (a prestação, por omissão, de informação errónea).
Aqui chegado, o AUJ conclui que, mesmo que uma situação seja configurada como facto ilícito, tal pode não ser causal à subscrição e consequente dano e, prosseguindo:
“Ora, se a culpa se presume, mas a presunção não abrange o nexo de causalidade, este terá de ser alegado e comprovado, pois como decorre do artigo 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar só ocorre em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não houvesse lesão.
Quer isto dizer que incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.
E isto é assim porque não encontramos no regime do CVM norma aplicável à violação do dever de informação de indemnizar que consagre uma solução distinta da consagrada no Código Civil em sede da respetiva matéria já indicada.
No CVM apenas se estabelece uma presunção de culpa. E essa presunção de culpa não vem aí formulada em termos de se poder dela extrair uma ilação em termos de nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos.”
Após a enumeração e citação de jurisprudência nesse sentido, o douto aresto concede que “O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada, mas tal facilitação não se traduzirá numa inversão do ónus da prova, nem da adesão à doutrina do “comportamento conforme à informação”, que tem sido propugnada por alguns autores e já subscrita por algumas decisões dos tribunais.”
E remata esta parte da sua fundamentação indicando não desconhecer posições diversas à adotada, mas ser esta a solução consagrada pelo legislador.
No mais o AUJ fundamenta a segunda parte das questões que havia identificado e conclui que o intermediário financeiro que não informa o seu cliente, investidor não profissional, dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação previstos no CVM.
Sendo estes os fundamentos da decisão de jurisprudência uniformizada é bastante claro que são também transponíveis para a versão do CVM aplicável nestes autos (e também à versão posterior, embora esse não seja aqui um tema).
As regras analisadas e interpretadas pelo STJ, ou não sofreram alterações – caso das regras do Código Civil – ou as alterações sofridas não são de molde a pôr em causa os fundamentos da jurisprudência fixada.
Assim, a regra relativa à responsabilidade civil do intermediário financeiro, o art. 314º do CVM foi deslocada, constando agora (e ainda) do art. 304º-A do CVM, sendo as seguintes as diferenças de redação (com sublinhado nosso):

314º CVM na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 486/99 de 13/11304º-A CVM na redação dada pelo Decreto Lei nº 357-A/2007 de  31/10
Artigo 314.º
Responsabilidade civil
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
Artigo 304.º-A
Responsabilidade civil
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

A regra do nº2 do art. 314º que estabelece a presunção de culpa, analisada para efeitos de determinar se a presunção abarca o nexo de causalidade, não foi alterada.
A regra do nº1 acrescentou a violação dos deveres relativos à organização da atividade, numa intervenção legislativa densificadora, sem inovação, dado que já na versão anterior o dever de prevenir ou reduzir conflitos de interesses se encontrava inscrito no art. 309º (onde foi também acrescentado o dever de organização, no mesmo tipo de intervenção, além de alterações de vocabulário). Também os arts. 304º e 310º do CVM, fora uma certa densificação (304º nºs 3 e 5) e alteração de vocabulário (310º nº1), não sofreram alterações que os afastem da linha de argumentação do acórdão de fixação de jurisprudência, e, quanto ao art. 312º, nº1, al. a), corresponde textualmente ao art. 312º, nº1, al. e) do CVM.
O art. 7º do CVM foi depurado, no seu nº1, continuando, porém, a lei a exigir que a informação seja «completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita».
Não estando este tribunal literalmente vinculado pela jurisprudência ali uniformizada, quer por não definitiva quer por não literalmente aplicável, dado o teor dos arts. 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, há que se reconhecer que o referido Decreto Lei nº 357-A/2007, de 31/10 não introduziu, neste particular, nenhuma alteração que invalide a aplicação do argumentário da jurisprudência uniforme.
Feita esta análise e advertência, ou seja, de que este tribunal seguirá, nestes moldes, os argumentos da jurisprudência uniformizada, há, evidentemente que a aplicar apenas e quando se justifique, o que será aferido em cada situação e/ou recurso.
*
6.1. Recurso 1.1. interposto por FRF e VJF, correspondente à impugnação nº1
Tal como assinalado na sentença recorrida, os aqui recorrentes assentam a sua pretensão exclusivamente na relação contratual de abertura de conta com a liquidanda, defendendo que o documento de preavis demonstra a transferência dos fundos relativos à aplicação não renovada para a liquidanda, sem que esta os tenha encaminhado para a sua conta aberta na sucursal liquidanda.
Escreveu-se ali “A divergência de posições assenta, essencialmente, na interpretação e valor do documento emitido pela Banque Privée Espirito Santo, S.A., remetido à Liquidanda com o assunto “près-avis de fond”.
Os Impugnantes defendem que o documento emitido pela Banque Privée Espirito Santo, S.A. prova a transferência do valor que investiram junto da ESI (deduzido do montante referente a despesas e comissão bancária), efectuada por aquela entidade para a conta dos Impugnantes junto da Sucursal Liquidanda
Sustentam que seria inadmissível que uma instituição bancária emitisse um documento declarando a transferência de fundos e esses fundos não fossem, efectivamente, transferidos para a conta destino.
Já a Liquidanda sustentou que tal documento constitui apenas uma informação prévia à execução da transferência e que não a demonstra, pressupondo a entrada de fundos na conta aberta na Suíça o que, no caso, não ocorreu, porque a ESI, pela primeira vez, não pagou.
Ora, produzida a prova, o Tribunal considerou não ter sido demonstrado que a ESI reembolsou o investimento dos Impugnantes, que esse dinheiro tenha entrado na conta deles aberta junto da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e que tenha sido transferido, e dado efectiva entrada, na conta dos Impugnantes aberta junto da Sucursal Liquidanda.
De acordo com a causa de pedir apresentada pelos Impugnantes e em face da relação bancária existente entre eles e a Liquidanda, assente num contrato de abertura de conta, a Sucursal apenas seria devedora dos Impugnantes caso estes lograssem demonstrar que, no dia 20.6.2014, o montante de €1.644.000,00 fora transferido da Banque Privée Espirito Santo, S.A. para a Sucursal Liquidanda e não fora por esta última encaminhado para a sua conta. Todavia, esta prova, nos termos sobreditos, não foi realizada.
Em face da decisão de facto é manifesta a improcedência da impugnação.
Efectivamente, o pedido dos Impugnantes assentava no pressuposto que o dinheiro tinha sido transferido pela Banque Privée Espirito Santo, S.A. para a sucursal portuguesa. Nenhum outro fundamento foi aduzido para justificar o alegado crédito sobre a Liquidanda.
Não demonstrado este pressuposto claudica todo o petitório.”
Como já apreciado em 5.1.1., não há qualquer alteração à matéria de facto, quer provada, quer não provada, apurada em 1ª instância, a considerar.
Na resposta ao recurso, o Sr. Liquidatário, representando a Liquidanda, defendeu que parte das questões suscitadas são questões novas, que não podem ser conhecidas nesta sede, as quais identifica como sendo: a argumentação de que o préavis deu origem a determinadas operações que a liquidanda impediu, por ser alegado que deu origem à transferência e que a liquidanda impediu a inscrição a crédito; a argumentação de que, tendo ocorrido a transferência os recorrentes adquiriram o direito a receber o reembolso da aplicação, o que, defende, é coisa diferente de sustentar que o préavis confirma a entrada dos fundos na conta de que são titulares junto da liquidanda mas que estes não lhe foram disponibilizados. Também indica como questão nova, embora reconhecendo a respetiva irrelevância, a linha de argumentos consistente na afirmação de que, se o reembolso pela ESI não houvesse ocorrido, o BPES Suíça teria que ter tomado as providências necessárias à cobrança coerciva imediata do crédito e deveria ter avisado os recorrentes.
Os recursos são, por natureza, meios de impugnação de decisões judiciais, pelo que apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo incidir sobre questões novas.
Em regra, e exceção feita às questões de conhecimento oficioso, os tribunais superiores “…apenas devem ser confrontados com as questões que as partes discutiram nos momentos próprios.”[137]
Ou, e seguindo o acórdão STJ de 07/07/16[138], “como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação,…”.
No mesmo sentido se escreveu no Ac. TRC de 08/11/2011[139], que “IV - Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de questões novas. V – Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.”
Subscrevendo-se integralmente este entendimento, no caso concreto, porém, não concordamos com a qualificação dada pelo recorrido aos argumentos dos recorrentes que, a nosso ver, não são questões novas, mas antes argumentos novos relevantes para a mesma e exata questão já conhecida e tratada: a existência de reembolso por parte da ESI e a transferência deste para a sucursal liquidanda.
Os recorrentes continuam, em sede de recurso, a afirmar como pressuposto do direito que querem fazer valer a existência da transferência do BPES Suíça para a sucursal liquidanda na sequência de reembolso por parte da ESI. Aliás, os recorrentes continuam a afirmar a ocorrência do reembolso[140], argumentando com a interpretação do documento de préavis. A partir daqui argumentam que o facto (provado no ponto 1.16.) de o préavis conter a menção de data-valor releva como prova da transferência e com a noção de transferência bancária para concluir que foi a ação da liquidanda que impediu que o reembolso chegasse à sua disponibilidade.
Ora a menção data valor consta do documento e foi dada como provada e também foi dada como provada a ordem de transferência bancária (factos 1.14. e 1.16), pelo que, tendo ambas as questões como base a existência de reembolso e o ingresso do montante na sucursal liquidanda, não são questões novas no sentido de nunca terem sido apreciados[141].
Ainda que se entenda como questão nova – e que de facto, percorrendo a impugnação à lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentada pelos recorrentes nos autos, nunca encontramos referida e não se insere em qualquer dos argumentos ali alegados – a alegação de que se a entrada de fundos não se tivesse dado, a Banque Privée Espírito Santo, S.A., perante a verificação de um incumprimento dessa ordem, teria que ter tomado todas as providências necessárias à cobrança coerciva imediata do crédito e deveria ter avisado o cliente, no caso, os Recorrentes, do que se tinha passado[142], temos que concordar com o recorrido quanto à irrelevância da mesma: estamos a apurar a responsabilidade da sucursal liquidanda e não do BPES Suíça nestes autos, pelo que a conduta deste, não provada, não alegada e podendo eventualmente configurar um incumprimento contratual, não é, por qualquer forma imputável à sucursal liquidanda. Mas, na verdade, e interpretando o alegado[143] trata-se apenas de mais um argumento alinhado, sem base factual, para a mesma conclusão e questão central – a existência do reembolso pela ESI.
Estamos, assim, em condições de conhecer das questões suscitadas em recurso pelos aqui recorrentes.
Os ora recorrentes basearam o seu pedido de verificação e graduação de créditos sobre a Liquidanda na circunstância de terem aberta, junto da mesma, uma conta bancária – nº 850601 (cfr. ponto 1.1. da matéria de facto provada), tendo transmitido uma ordem de transferência bancária para essa conta, com origem na sua outra conta aberta junto do BPES Suíça, do montante a reembolsar no termo de uma aplicação (ali efetuada). Defendem que o montante foi transferido, não tendo, porém, dado entrada na sua conta, pelo que, nos termos do contrato de abertura de conta celebrado com a liquidanda, esta é responsável pelo respetivo pagamento.
Conta bancária é “um registo, organizado numa base pessoal, cronológico e sintético das operações de entrega e reembolso de fundos, constitutivas, modificativas ou extintivas do crédito unitário ao reembolso”[144]. Assenta num contrato entre o banco e o cliente, celebrado mediante o recurso a cláusulas gerais. Funciona em conta corrente contabilística, podendo ser inserida uma verdadeira conta corrente, tendo por fonte o contrato inicial e o regime legal aplicável.
O banco, designadamente, obriga-se a registar, de forma acurada, as operações realizadas entre ele e o cliente e a informar periodicamente este dos diversos movimentos e do saldo, através do envio de um extrato.
“As inscrições em conta espelham as operações realizadas previamente entre o banco e o cliente.
Não resulta daí qualquer novação. O direito é o mesmo. A conta espelha-o. Daí retira Conceição Nunes que aqui acompanhamos, quatro corolários: o movimento escritural deverá ser posterior ou coincidente “com a operação real por ele representada”, os vícios da operação real refletem-se no registo, impondo a sua anulação ou correção, o movimento deve refletir corretamente a operação e todos os movimentos escriturais são causais e não abstratos. A causa é a operação subjacente.”[145]
A transferência bancária é um dos meios de pagamento e “consiste numa ordem dada por um sujeito que tem junto do banco uma conta bancária para que este transfira uma determinada quantia para uma outra conta bancária, creditando-a nesse valor. (…) é a forma mais comum de transferir moeda bancária que se traduz (…) numa variação de saldos das contas, ou dito de outra forma mais precisa, da alteração do valor dos créditos bancários do cliente face ao banco”[146].
A transferência bancária, previne Pestana de Vasconcelos[147], insere-se sempre numa operação económica mais vasta cujo cerne, em regra, é o contrato do qual emerge a obrigação pecuniária a satisfazer – pode ter naturezas muito diversas e denomina-se relação de valuta.
Menezes Cordeiro[148] insere a transferência bancária no denominado contrato de giro bancário e refere “verificados os pressupostos – e designadamente, a disponibilidade de fundos na conta – concluímos que o banqueiro não deve recusar a ordem de transferência que o cliente lhe transmita, salvo justa causa.
Ou seja, pese embora uma transferência bancária não envolva mais que uma variação dos saldos das contas (da conta debitada e da conta creditada) ela insere-se numa teia jurídica, corporiza o meio de pagamento de uma obrigação, tem pressupostos, um dos quais a disponibilidade de fundos na conta origem, e concretiza-se num registo causal, que traduz uma operação real. Não se trata de uma operação abstrata[149] que dê origem a um registo abstrato.
No caso concreto, para que a transferência pudesse ter sido efetuada teria que se ter provada a existência dos fundos a transferir na conta BPES Suíça, matéria relativamente à qual se provou o não reembolso e a não realização da transferência -  cfr. factos nºs 1.27. e 1.28.
O facto de no préavis constar a menção de data valor de 20/06/2014 não transforma o documento num aviso de transferência de fundos, tal como explicitado pelo tribunal recorrido na fundamentação da resposta dada à matéria de facto que aqui se acompanha.
Nos termos da al. d) do art. 3º do Decreto-Lei n.º 18/2007 de 22/01, «Data valor» é a data a partir da qual a transferência ou o depósito se tornam efectivos, passíveis de serem movimentados pelo beneficiário e se inicia a eventual contagem de juros decorrentes dos saldos credores ou devedores das contas de depósito;”[150]
A noção é claramente operativa: não se trata da data que se informa, mas sim da data em que a transferência se torna efetiva. O préavis incluiu a menção da data em que, se a transferência houvesse sido realizada seria a data a partir da qual os fundos estariam na disponibilidade dos recorrentes. Não tendo ocorrido a transferência não é o facto de ser mencionada uma data valor que opera ou demonstra aquela. A menção tem que ser vista no enquadramento do documento apurado (factos 1.24. e 1.25.):
- O documento emitido pela Banque Privée Espirito Santo, S.A., em 20 de Junho de 2014, não era uma instrução de um banco para outro para pagamento de fundos.
- Este documento era emitido previamente à transferência dos fundos para confirmação pelo banco emissor da transferência, ao banco em que se encontrava a conta de destino, que os valores estavam corretos e que a conta de destino era a indicada.
Enquadrando a menção com estes factos compreende-se que a menção data valor no préavis era igualmente previsional e condicionada pela existência de fundos e de consequente transferência, que não chegou a concretizar-se.
Tivesse ocorrido o reembolso, a ordem que os recorrentes deram não poderia ser recusada pelo BPES Suíça e a transferência, o dinheiro bancário, teria que ser inscrito na conta de destino. No entanto, e tal como concluiu o tribunal recorrido, em juízo que se confirma, não tendo ocorrido o reembolso não é possível imputar à sucursal liquidanda qualquer responsabilidade pela não inscrição de tal montante na conta dos recorrentes aberta na instituição.
Improcede, assim, integralmente, a apelação correspondente ao recurso nº 1.1., interposto pelos recorrentes FRF e VJF, correspondente à impugnação nº1, mantendo-se na íntegra a decisão de não verificação do crédito por estes reclamado.
*
6.2. Recurso 1.2., interposto por LCM e BCM, correspondente à impugnação nº25:
Como resulta das respetivas conclusões, os recorrentes centraram exclusivamente os seus argumentos na impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Os únicos pontos de direito alegados prendem-se com as regras relativas à obtenção e apreciação da prova pelo que, na improcedência da impugnação da matéria de facto, há apenas que rever o enquadramento jurídico efetuado na decisão recorrida, mantendo presentes as questões que, pese embora essencialmente por via da impugnação da matéria de facto, foram postos em crise no recurso interposto.
A sentença recorrida enumerou como questões a resolver quanto aos credores reclamantes e ora recorrentes, o perfil de investidores dos recorrentes e a prestação de informações pela liquidanda – que havia celebrado com os recorrentes um contrato de abertura de conta e um contrato de consultoria para investimento – no sentido da averiguação da violação dos respetivos deveres.
O tribunal começou por caraterizar a atuação da liquidanda, na relação estabelecida com os ora recorrentes, como de intermediação financeira, abordando seguidamente a temática da realização dos investimentos ao abrigo do contrato de consultoria, concluindo não se ter apurado que as “Notes” Rio Forte subscritas o foram ao abrigo, ou no âmbito do referido contrato de consultoria para investimento nada evidenciando que foi após conselho ou sugestão da Liquidanda, ao abrigo daquele contrato, que tal subscrição ocorreu.
Estando a liquidanda, na execução da ordem de investimento, adstrita ao cumprimento de todos os deveres que impendem sobre os intermediários financeiros analisou de seguida o cumprimento do dever de informação por parte da mesma em contraponto com os conhecimentos e experiência dos impugnantes/ora recorrentes apuradas que conclui serem “investidores regulares, há cerca de 15 anos, conhecendo diversos instrumentos financeiros, e sendo titulares designadamente, de obrigações que não incorporem derivados (ex. obrigações do tesouro, obrigações de empresa).”
Nesse exercício concluiu que, dadas as caraterísticas dos produtos subscritos, o conhecimento prévio dos recorrentes quanto ao instrumento financeiro, e as suas caraterísticas enquanto investidores, que a informação prestada foi adequada exceto quanto a um ponto: “não se apurou que os Impugnantes tenham sido informados sobre a emitente - Rio Forte Investments -, nem sobre o facto de a mesma pertencer ao Grupo Espírito Santo.”, o que significa que a informação não foi completa.
Seguidamente o tribunal abordou a questão do nexo de causalidade entre o facto ilícito (informação omitida) e o dano (o não reembolso das aplicações) e concluiu que “não foi alegado, nem resultou da prova que, caso os Impugnantes tivessem esse conhecimento não teriam investido.”, além de que, haviam já subscrito “obrigações Rio Forte em Janeiro de 2014, com vencimento em 10.4.2014 e, reembolsados que foram desse investimento, nessa mesma data reinvestiram no mesmo produto.”, nada evidenciando “que a falta de informação sobre a emitente tenha sido um factor dissuasor dos Impugnantes.”
O tribunal analisou, de seguida, a hipótese alegada de que a liquidanda teria conhecimento da instabilidade económica da emitente à data das subscrições e logo, do risco de perda total do investimento, e referiu que a alegação assentava exclusivamente no facto de liquidanda e emitente integrarem os mesmo grupo económico e que da prova resultou que a liquidanda apenas tinha acesso à informação pública sobre a Rio Forte, e que essa informação era de resultados positivos em 2012 e 2013, sendo a Rio Forte devidamente auditada, inexistir qualquer coincidência de administradores entre a Rio Forte e o BPES Suíça ou a liquidanda. Apontou ainda que a teia de participações sociais demonstrada não permite concluir pelo alegado cruzamento de informações.
Seguidamente o tribunal, apoiando-se em citações jurisprudenciais, indicou que o ónus da prova da existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, que referiu não se pode presumir, recai sobre quem alega o direito, no caso os recorrentes, não tendo tal prova sido realizada.
Conclui que, Em qualquer caso, a causa dos danos correspondentes à desvalorização dos títulos pertença dos Impugnantes encontra-se num factor que era estranho à Liquidanda, sem que algo permita concluir que a mesma pudesse antecipar e comunicar aos Impugnantes o risco da sua ocorrência.
Nesta medida, não tendo sido demonstrados os requisitos de que dependeria a responsabilidade da Liquidanda, inexiste fundamento para concluir que os Impugnantes são titulares do crédito reclamado o que, inevitavelmente, conduz à improcedência da impugnação deduzida e à não verificação desse mesmo crédito.”
De todos os pontos cobertos pelo tribunal a quo na apreciação da respetiva impugnação de créditos, verificamos que os recorrentes não colocaram, por qualquer forma em causa a respetiva caraterização como investidores, retomando em recurso apenas os argumentos de que o investimento havia sido efetuado ao abrigo do contrato de consultoria de investimento e de que ocorreu violação do dever de informação por parte da liquidanda, dado o seu conhecimento da situação da emitente à data da subscrição (e, na tese dos recorrentes, aconselhamento ao mesmo).
Há um ponto que, desde logo se pode ter por assente – ocorreu violação do dever de informação por parte da liquidanda, como concluiu o tribunal recorrido face à não prova do facto 25 a).
A liquidanda, nas suas alegações, refere, em passagem, ser inconsequente a decisão de não ter sido provado o facto 25 a), que atribui ao facto de não ter comparecido em Tribunal quem interviesse nas conversas mantidas entre os Recorrentes e a gestora de conta, dado que o ónus de alegação e prova  de violação de qualquer dever de informação cabia aos Recorrentes, não tendo pelos mesmos sido alegado, designadamente, qualquer incumprimento de prestação de informação quanto à emitente, incluindo que a mesma pertencia ao Grupo Espírito Santo.
Não é, claramente, assim. O princípio da aquisição processual permite conhecer de todos os factos alegados pelas partes, sejam factos principais ou complementares, “independentemente de eles serem favoráveis ou desfavoráveis à parte que os alegou em juízo. (…) Pode falar-se de um princípio de aquisição processual: factos alegados por qualquer das partes são sempre factos adquiridos para o processo, não importando se são favoráveis ou desfavoráveis à parte que os invocou em juízo.”[151]
Como se decidiu no ac. TRL de 03/12/2020 (Arlindo Crua), na sequência de argumentação, com a qual genericamente se concorda, que conclui que a responsabilidade do intermediário financeiro, por regra, se insere na responsabilidade obrigacional, dado que a relação de intermediação tem por base um negócio antecedente, designado normalmente como negócio de cobertura, que serve de base à subscrição ou transação de valores mobiliários, não havendo, porém, face à letra da lei  que afastar a segmentação dos pressupostos de responsabilidade civil[152] e recusando a posição doutrinária que considera incluída na presunção de ilicitude o nexo de causalidade entre o ilícito e o dano “os intermediários financeiros são responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, presumindo-se a sua culpa (admitindo-se, ainda, que esta presunção abranja o juízo de ilicitude) quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais.
Desta forma, e assim se ajuizando, ao investidor, putativo lesado, incumbe a prova de que o intermediário financeiro incumpriu com o dever de informação que o onerava; por sua vez, ao intermediário financeiro incumbe o ónus de provar de que cumpriu com tal dever, de acordo com as regras legalmente previstas e com observância dos princípios ético-jurídicos enunciados – cf., os artigos 7º, nº. 1 e 312º, ambos do Cód. dos Valores Mobiliários e nº. 2, do artº. 342º, do Cód. Civil.”
Assim, tendo o facto sido alegado, foi adquirido e foi conhecido. No caso, a respetiva não prova não permitiu concluir pela completude da informação fornecida, razão pela qual o tribunal considerou existir violação do dever de informação e, assim, sendo, ilicitude por parte da liquidanda. Discordando, a liquidanda tinha ao seu dispor a faculdade prevista no art. 636º do CPC, que optou por não exercer.
Neste ponto há desde já que concluir estarmos, assim, perante matéria coberta pelo caso julgado, dado que os recorrentes não o incluíram no objeto do recurso e o recorrido não requereu a ampliação do recurso.
Mas, prossegue o recorrido, tal sempre seria irrelevante dado que o tribunal acabou por resolver a questão posta a juízo pela não prova do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
Neste ponto teremos, como já advertido, que verificar se o AUJ de 06/12/2021 e a jurisprudência ali uniformizada se aplicam aos factos do caso.
No tocante ao núcleo de matérias alegado pelos recorrentes, teremos assim que apreciar a questão de se as ordens de subscrição foram dadas no âmbito do contrato de consultoria para investimento e se a liquidanda violou o seu dever de informação para com os recorrentes especificamente por, à data das subscrições, ter conhecimento da situação económica da emitente dos títulos.
A resposta a ambas as questões, como resulta da decisão proferida quanto à impugnação da matéria de facto é negativa.
Nos termos do artigo 290º do CVM (na versão em vigor à data da emissão das ordens de subscrição, ou seja, na versão posterior à transposição da DMIF I e anterior à transposição da DMIF II), são serviços e atividades principais[153] de intermediação financeira:
a) A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem;
b) A execução de ordens por conta de outrem;
c) A gestão de carteiras por conta de outrem;
d) A tomada firme e a colocação com ou sem garantia em oferta pública de distribuição;
e) A negociação por conta própria;
f) A consultoria para investimento;
g) A gestão de sistema de negociação multilateral.
A execução de ordens e a consultoria para investimento são, pois, atividades diversas e que apresentam diferenças sensíveis.
A ordem, regulada nos arts. 325º e ss. do CVM,  é um negócio jurídico unilateral[154] de execução de um negócio jurídico de cobertura (o contrato de transmissão e execução de ordens), ou contrato quadro.
A consultoria para investimento, por sua vez, consiste na prestação de um acompanhamento personalizado a um cliente, a pedido deste ou por iniciativa do consultor, relativamente a transações respeitantes a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros – cfr. nº1 do art. 294º CVM, na versão aplicável aos autos.
É um tipo contratual que foi introduzido pela DMIF I e o CVM somente lhe dedica especificamente o art. 294.º do CVM, referindo-se a alguns aspetos nos arts. “301.º (quanto aos sujeitos habilitados a exercer tal actividade), no art. 314.º-A (quanto a deveres específicos de informação) e no art. 320.º (quanto aos regulamentos necessários para a regulação da actividade).”[155]
Paulo Câmara[156] indica que a consultoria para investimento, em recorte da figura de consultoria genérica:
- implica um conselho de investimento;
- reporta-se a instrumentos financeiros específicos; e
- supõe um aconselhamento personalizado.
Pressupõe uma concreta indicação de investimento, não bastando a mera descrição de vantagens e desvantagens de um instrumento financeiro; terá que ser adequado ao perfil do investidor (efetivo ou potencial).
A European Securities and Markets Authority (ESMA)[157], com vista à delimitação do conceito propõe cinco testes:
- verificar se se trata de uma recomendação e não da prestação de informação;
- verificar se a recomendação incide sobre tipos específicos e individualizados de instrumentos financeiros;
- verificar se a recomendação é apresentada como adequada ao cliente;
- verificar se a comunicação da recomendação foi personalizada; e
- se a recomendação foi feita ao cliente na sua capacidade de potencial investidor.
Como vimos acima na decisão da impugnação da matéria de facto, não foram apurados (e não foram alegados) quaisquer factos que nos permitam enquadrar o investimento dos recorrentes como feito na sequência de consultoria para investimento, pelo que, a ter ocorrido, se tratou de consultoria genérica.
Como adverte mais uma vez Paulo Câmara[158] à consultoria genérica aplicam-se apenas os deveres de lealdade e de prestação de informação clara e objetiva, enquanto que na consultoria para investimento há um acervo mais exigente de deveres de conduta.
Trata-se da regra constante do art. 314º-A do CVM, aditada pelo Decreto Lei nº 357-A/2007, de 30/10, no qual se estabelece, sob a epígrafe “Gestão de carteiras e consultoria para investimento”:
«1 - No âmbito da prestação dos serviços de gestão de carteiras ou de consultoria para investimento, o intermediário financeiro deve obter do investidor, além da informação referida no n.º 1 do artigo anterior, informação relativa à sua situação financeira e aos seus objectivos de investimento.
2 - O intermediário financeiro deve obter a informação necessária para que possa compreender os factos essenciais relacionados com o cliente e para que, tendo em conta a natureza e o âmbito do serviço prestado, possa considerar que:
a) A operação específica a recomendar ou a iniciar corresponde aos objectivos de investimento do cliente em questão;
b) O cliente pode suportar financeiramente quaisquer riscos de investimento conexos, em coerência com os seus objectivos de investimento; e
c) A natureza do cliente assegura que este dispõe da experiência e dos conhecimentos necessários para compreender os riscos envolvidos na operação ou na gestão da sua carteira.
3 - Se o intermediário financeiro não obtiver a informação necessária para a operação em causa, não a pode recomendar ao cliente.
4 - Na prestação de consultoria para investimento a um investidor qualificado, o intermediário financeiro pode presumir, para efeitos da alínea b) do n.º 2, que aquele consegue suportar financeiramente o risco de qualquer eventual prejuízo causado pelo investimento.
5 - O disposto no número anterior não se aplica a clientes cujo tratamento como investidores qualificados resulte de um seu pedido.»
É neste ponto que se baseia, parece-nos, a alegação dos recorrentes, de colocação de ordens ao abrigo do contrato de consultoria para investimento. Entenderão que a ilicitude está demonstrada (presumida) ao abrigo do disposto no art. 799º do CC, e que, a uma maior exigência de padrões de conduta corresponderá maior intensidade de ilicitude.
No entanto, e como já adiantámos, até porque entendemos que a responsabilidade civil do intermediário, por regra, é ainda responsabilidade obrigacional[159], sendo sempre aplicável o disposto no art. 799º do CC, porque a presunção ali estabelecida não abarca o nexo de causalidade[160], necessário qualquer que seja o ilícito, seja a violação dos deveres de informação específicos do art. 314º-A do CVM, seja a violação dos deveres de informação gerais do art. 312º do mesmo diploma, tal questão acaba por ser irrelevante, dado que a sentença recorrida, nessa parte não colocada em causa, concluiu pela existência de violação do dever de informação pela liquidanda e, logo, pela verificação de ilicitude.
E, neste ponto, tendo a decisão recorrida decidido em linha com a jurisprudência uniformizada cujos argumentos já concluímos serem de aplicar em abstrato, resta-nos confirmar que não há factos que permitam concluir pela prova do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação apurada e o resultado danoso sofrido pelos recorrentes – que como referido na fundamentação da decisão sub judice, tanto quanto foi possível apurar, “teve como causa a ruptura financeira da Rio Forte, sociedade que emitiu os títulos em que investiram as suas poupanças, causada, talvez, por alterações à estrutura do grupo, mas cujo reflexo não era conhecido na data em que os investimentos foram realizados.”
E também da decisão relativa à matéria de facto resulta a total improcedência dos argumentos dos recorrentes relativamente ao conhecimento que a Liquidanda teria, à data dos investimentos, da situação da emitente.
A presente apelação improcede, assim, integralmente.
*
6.3. Recurso 1.3., interposto por ASC, MLSC, SSC e PSC, correspondente à impugnação nº5:
Os recorrentes alegam que, estando a Liquidanda, enquanto instituição bancária e financeira e intermediária, sujeita a deveres específicos, quer do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) – arts. 73º, 74º e 76º - quer do CVM – arts. 7º e 304º a 312º, é manifesta a violação desses deveres ao dispor, de forma abusiva e sem o consentimento dos recorrentes, após o vencimento da aplicação em obrigações Rio Forte de 2013, da quantia de USD 300.000,00, procedendo por decisão sua, à subscrição das obrigações Rio FORTE “SR-217 2014/27.02.2015.
Essa subscrição deveria estar suportada numa ordem por escrito por parte dos Impugnantes, inexistente.
Mas, mesmo entendendo-se que foi dada pelo 1º Impugnante uma ordem de subscrição por telefone, tal ordem não reunia os requisitos formais e não seria válida, atenta a natureza do instrumento financeiro em causa, que a própria Liquidanda classifica como “Instrumento Financeiro Complexo” e face à categoria de investidor atribuída de “Não profissional”.
O artº 327º, nº 1 e 2 do CVM impõe que exista um registo fonográfico da ordem de subscrição verbal do instrumento financeiro e, quando presencial, tem de ser reduzida a escrito.
O ónus da prova de tal ordem de subscrição cabia à liquidanda e só poderia ser feita através de um elemento probatório idóneo como a gravação da alegada chamada, nomeadamente.
Seja feita por documento escrito seja telefonicamente – trata-se de uma formalidade ad probationem e a prova de tal factualidade não é suscetível de ser feita com recurso a qualquer outro elemento de prova, nos termos dos artºs 364º, nº 1 e 393º, nº 1 do CC.
Mais alegam a violação dos deveres de informação por parte da liquidanda:
- ao não determinar o perfil dos 2º, 3º e 4º recorrentes;
- ao não dar a devida atenção ao 1º recorrente classificado como não profissional;
-  ao não apresentar aos Impugnantes, incluindo ao 1º, informação verdadeira sobre as características das obrigações Rio Forte, limitando-se a transmitir a este que se tratava de um investimento de “capital garantido e sem riscos”;
- ao não explicar, em relação ao produto em concreto a natureza e os riscos inerentes,
Violando ostensivamente o dever estabelecido, quer no artº 312º do CVM, quer no artº 7º do RGICSF.
A violação de tais deveres tem, desde logo, como consequência, nos termos do artº 314º do CVM, a obrigação da Liquidanda indemnizar os danos causados aos Impugnantes, cuja culpa se presume, nos termos do artº 799º, nº 1, do Cód. Civil (CC), presunção que não foi ilidida pela Liquidanda, nos termos do artº 344º, nº 1 do CC.
O dano causado corresponde ao valor que a Liquidanda privou os Impugnantes de dispor, ou seja, de USD 300.000,00, a que corresponde a € 242.000,00, acrescido dos juros vencidos e vincendos e que, à data da apresentação da reclamação de créditos, ascendem a € 19.424,54.
O recorrido defendeu a validade da ordem de subscrição, à luz da redação do art. 327º do CVM e vigor à data dos factos e invocou o ponto 5 da secção D do contrato de abertura de conta. Conclui que a redução a escrito da ordem de subscrição não é uma formalidade ad substantium nem ad probationem, não o sendo igualmente a gravação da chamada.
Ainda que assim se não entendesse, não existe nexo de causalidade entre a falta de forma, o suposto ilícito e a perda do investimento, citando em abono o Ac. TRL de 08/02/2018 (Maria Teresa Pardal)[161].
Quanto à alegada natureza de instrumento financeiro complexo das notes Rio Forte subscritas, os recorrentes retiram da mesma uma necessidade de subscrição por escrito que não tem fundamento legal, sendo o regime aplicável a todos os tipos de instrumentos financeiros o já alegado. Ainda assim, trata-se de matéria que não foi alegada nem apreciada pelo tribunal recorrido, pelo que aqui não poderá ser conhecida.
À cautela, alega que as obrigações Rio Forte em causa são, atentos os factos constantes de 5.14. e 5.16. instrumentos financeiros não complexos e de simples apreensão por qualquer investidor profissional ou não profissional.
No tocante aos deveres de informação a informação prestada foi adequada completa e verdadeira, não devendo interpretar-se a expressão capital garantido como significando que o intermediário garante o reembolso (citando o Ac. TRL de 07/02/2019 – Adeodato Brotas) e sendo que o intermediário financeiro não tem o dever de informar o cliente do risco de perda de capital em caso de insolvência do emitente, por esse ser um risco inerente a qualquer direito de crédito que se presume de carater geral (Ac. TRC de 17/09/2019 – Carlos Moreira).
Defende, em qualquer caso a inexistência de nexo de causalidade.
A sentença recorrida apreciou nos seguintes termos a impugnação deduzida pelos recorrentes (fls. 850 a 857):
O tribunal começou por apontar como primeira questão a resolver a da emissão da ordem de subscrição das obrigações Rio forte de 2014, negada pelos recorrentes, concluindo que factualidade provada apoiava a versão da Liquidanda, tendo sido por ordem verbal do Impugnante ASC que foi realizado o investimento de 300.000,00 USD, no instrumento financeiro “Rio Forte Investments EMTN SR 217 2014/27.02.2015”, em procedimento corrente, no qual porém, falhou a obtenção da confirmação por escrito.
O tribunal analisou então a validade da ordem verbal não confirmada por escrito, à luz do art. 327º do CVM, concluindo que do incumprimento da exigência de redução a escrito da ordem verbal “não pode resultar a nulidade da ordem”.
Apontou ainda que nos termos do contrato de abertura de conta celebrado, concretamente da cláusula 13ª, n.º1 e 2 das Condições Gerais, o Banco poderia aceitar ordens não transmitidas por escrito.
Concluiu assim que a Liquidanda, ao receber e executar ordens de subscrição de instrumentos financeiros por conta dos Impugnantes, atuou como intermediário financeiro – arts. 289º, n.º1, al. a) e 290º, n.º1, als. a) e b) do C.V.M.
O tribunal abordou seguidamente a alegação de que os ativos em causa não poderiam ser vendidos por falta de autorização do BdP e da CMVM, a qual, concluiu, não havia sido corroborada.
Seguidamente analisou os factos apurados e concluiu que os Impugnantes sempre assumiram realizar investimentos com algum risco, passando à análise do cumprimento dos deveres de informação.
Neste passo concluiu ter-se apurado que a Liquidanda informou os Impugnantes, na pessoa de ASC (que sempre foi o seu interlocutor), das características da aplicação que subscreveram e informou e esclareceu os Impugnantes sobre a entidade emitente da aplicação em causa – a Rio Forte –, nomeadamente sobre o facto de esta entidade integrar o Grupo Espírito Santo, a que pertencia a Banque Privée Espirito Santo, S.A., considerando não ter sido demonstrado que a Liquidanda não prestou aos recorrentes a informação sobre as características do produto, nem ter sido apurado que os funcionários da Liquidanda transmitiram ao Impugnante ASC que a subscrição do papel comercial Rio Forte Investments tinha capital garantido e sem riscos, como se um depósito a prazo se tratasse, e a qualquer momento poderia ser resgatado, ficando disponível em 2 a 3 dias úteis.
O tribunal caraterizou o instrumento financeiro em causa: uma obrigação, tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.
Argumentou, ainda, que mesmo que se tivesse apurado que os títulos de dívida em questão - obrigações Rio Forte - lhes foram apresentados como um produto “seguro”, “com capital garantido” e “com risco equiparado a um depósito a prazo”, esta descrição não consubstanciaria qualquer ato ilícito, porquanto, à data não existiam indícios que fizessem recear a insolvência da emitente.
Frisou que os Impugnantes investiram em obrigações da mesma emitente, sucessiva e anualmente, entre 2011 e 2013, assinando as ordens de subscrição nas quais estava expresso terem sido devidamente informados sobre as consequências que resultam ou podem resultar do investimento que pretendo concretizar em instrumentos financeiros, incluindo as adversas, constando expressamente no verso de todos os documentos de subscrição referentes aos anteriores investimentos realizados pelos Impugnantes no mesmo tipo de ativo, com iguais características (salvo a taxa de juro), que aquele investimento não é um depósito junto da Liquidanda e que a mesma não o garante, não sendo crível que tenham sucessivamente declarado estarem esclarecidos e assinado documentos de enorme importância para si, por encerrarem ordens de investimento de uma quantia elevada (USD 300.000,00) sem os ler ou perceber o que neles estava escrito em apenas duas páginas, com letra de tamanho regular.
No contexto recordou que o dever de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa em absoluto o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento.
Concluiu que a informação fornecida continha os elementos disponíveis e relevantes. Era verdadeira, atual e suficiente, suscetível de ser apreendida pelos Impugnantes, investidores com experiência naqueles produtos e que o recorrente ASC, sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um depósito a prazo e subscreveu o produto convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo.
Passando à análise dos pressupostos da responsabilidade da liquidanda, o tribunal concluiu não ter sido demonstrada a prática de qualquer facto ilícito, explicitando que a presunção de culpa apenas opera quando tenha ocorrido violação de deveres por parte do intermediário financeiro. O ónus da prova da atuação ilícita cabia aos recorrentes, que não o lograram provar, o que implica a improcedência da impugnação.
Tendo em conta os temas abordados pelos recorrentes no recurso – e que já se identificaram como a subscrição abusiva das notes Rio Forte em 2014 e o incumprimento dos deveres de informação por parte da liquidanda, verificamos que, em relação à causa de pedir alegada (e conhecida) em 1ª instância, os recorrentes se conformaram com o decidido relativamente à falta de autorização da liquidanda para comercializar o instrumento financeiro “Rio Forte Investments EMTN SR 217 2014/27/02/2015”
O mesmo exercício permite-nos identificar dois temas invocados em recurso e que não foram alegados ou discutidos em 1ª instância, não tendo, consequentemente sido conhecidos pelo tribunal a quo.
O primeiro tema é o da classificação do instrumento financeiro “Rio Forte Investments EMTN SR 217 2014/27/02/2015” como produto financeiro complexo, matéria não alegada, nem na reclamação de créditos, nem na impugnação da lista de credores e que ora é expressamente invocado – cfr. pgs. 307 e 311 das alegações (matéria não levada às conclusões).
Antes ainda de analisarmos se estamos perante uma questão que possa ser conhecida por este tribunal há que frisar que o efeito para que é convocada esta classificação (que um “Instrumento Financeiro Complexo”, face à categoria de investidor atribuído (ao 1º recorrente) de “Não profissional”, não poderia tal ordem ser formalizada nesses termos) não tem previsão ou fundamento legal. A classificação de um instrumento como complexo faz variar as necessidades de adequação, de informação e de publicidade (cfr. art. 2º do Decreto Lei nº 211-A/2008 de 03/11 e art. 314º-D do CVM, sempre na versão em vigor à data da subscrição dos instrumentos financeiros[162]) mas não as exigências de forma, como resulta claro das regras dos arts. 321º e ss. do CVM.
Mas ainda que assim não fosse, esta é claramente uma questão nova – tanto assim que a questão da classificação dos instrumentos financeiros como complexos ou não complexos foi tratada pelo tribunal sempre que suscitada (cfr. impugnações 6, 7, 8 e 9, a propósito de notes ESFIL e Rio Forte; impugnações 18 e 19, a propósito de notes Rio Forte; só para dar alguns exemplos).
Os recursos são, por natureza, meios de impugnação de decisões judiciais que apenas podem apreciar questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo incidir sobre questões novas.
Em regra, e exceção feita às questões de conhecimento oficioso, os tribunais superiores “…apenas devem ser confrontados com as questões que as partes discutiram nos momentos próprios.”[163]
Ou, e seguindo o acórdão STJ de 07/07/16[164], “como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação,…”.
No mesmo sentido se escreveu no Ac. TRC de 08/11/2011[165], que “IV - Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas. V – Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.”
Não se tratando de uma questão de conhecimento oficioso e estando vedado o seu conhecimento nestes termos, a questão da complexidade do instrumento financeiro concreto (cujo critério legal de classificação é material, não bastando a respetiva designação como tal) não pode aqui ser apreciada.
Embora se entenda que o princípio da aquisição processual permite, num processo concursal com as caraterísticas do presente, alguma flexibilidade, é bastante claro que apenas poderão ser adquiridos factos genéricos, transversais aos vários impugnantes, o que não é o caso da aferição da natureza, complexa ou simples, do concreto instrumento financeiro subscrito pelos recorrentes.
A segunda questão que identificamos em excesso às questões arguidas, apreciadas e decididas em 1ª instância, respeita à classificação dos 2ª, 3ª e 4º recorrentes, cujo perfil não foi traçado pela liquidanda (a pgs. 313 das alegações dos recorrentes, matéria não levada às conclusões).
Percorrendo a reclamação de créditos e a impugnação, verificamos que a única referência à pluralidade de credores, além da referência inicial ao depósito e ao regime de titularidade da conta encontra-se nos arts. 24º e 25º da impugnação e respeita à alegação da necessidade de que a ordem de subscrição fosse dada por todos os impugnantes (questão, aliás, que está fora do âmbito do presente recurso, tendo-se os recorrentes igualmente conformado com o tratamento dado à questão em 1ª instância).
Novamente, não se trata de matéria de conhecimento oficioso pelo que, nos termos já referidos, também esta questão não irá ser conhecida.
As questões a resolver são, assim, e de acordo com a matéria de facto apurada em 1ª instância, que se manteve:
- aferição da existência e validade de ordem de subscrição de “Rio Forte Investments EMTN SR 217 2014/27.02.2015” efetuada pelos recorrentes;
- violação dos deveres de informação a que a liquidanda estava sujeita enquanto intermediária financeira.
Começando pela questão da ordem de subscrição de “Rio Forte Investments EMTN SR 217 2014/27.02.2015” apurou-se (facto nº 5.13.), que as obrigações foram subscritas mediante ordem verbal do Impugnante ASC, transmitida via telefone.
Apurada a existência da ordem por parte do 1º recorrente fica afastada a alegada ordem abusiva da liquidanda e a responsabilidade imputada pelos recorrentes a esse título, sem necessidade de outras considerações.
Resta determinar a validade da ordem verbal, não reduzida a escrito, questão que já adiantámos no conhecimento da impugnação da matéria de facto.
Nos termos do disposto no art. 327º do CVM na versão aplicável aos autos:
«Artigo 327.º
Forma
1 - As ordens podem ser dadas oralmente ou por escrito.
2 - As ordens dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito pelo receptor e, se presenciais, subscritas pelo ordenador.
3 - O intermediário financeiro pode substituir a redução a escrito das ordens pelo mapa de inserção das ofertas no sistema de negociação, desde que fique garantido o registo dos elementos mencionados no artigo 7.º do Regulamento (CE) n.º 1287/2006, da Comissão, de 10 de Agosto.»
Como já esclarecemos, a forma escrita e a redução a escrito das ordens orais não são consideradas, nem pela jurisprudência[166], nem pela doutrina[167], formalidades ad substantium, não sendo, assim, aplicável o regime do nº1 do art. 364º do Código Civil.
A questão que tem sido discutida respeita tão somente ao seu carater ad probationem como nos elucida Lina Aurora Ramada e Castro Bettencourt Baptista[168]: “Diversamente, no que respeita às ordens concretas, estas podem ser dadas oralmente ou por escrito, tendo em conta que a agilidade e rapidez são valores essenciais no mercado.
No entanto, no art. 327.º, n.º 2, do CVM fixa-se uma obrigação de redução das mesmas a escrito pelo receptor[169]. No que respeita à razão de ser desta obrigação de redução a escrito, defendia-se, até há pouco tempo, na jurisprudência estarmos em presença de uma formalidade ad probationem[170]. Surgiu recentemente uma nova tese, em nosso entendimento mais consentânea com a realidade jurídica e fáctica, no Ac. da Rel. de Lisboa de 03/05/11[171] no sentido de que "O registo da ordem dada pelo ordenador tem uma função de salvaguarda dos próprios interesses do intermediário financeiro e da sua responsabilidade perante o cliente, e perante terceiros, e não de formalidade ad probationem." Ou seja, consideramos que a não sujeição a escrito da ordem por parte do intermediário não contende com a validade da ordem dada, sujeitando "apenas" este às consequências sancionatórias constantes do art. 397.º, n.º 2, alínea e), do CVM.”
O Supremo Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se sobre a questão já afirmou no Ac. de 15/11/2007 (Santos Bernardino) que “A exigência do registo, escrito ou fonográfico, da ordem de bolsa está ligada aos princípios da transparência e da confiança, essenciais a todo o tráfico mercantil, e visa permitir o confronto, se tal se mostrar necessário, entre a ordem e os termos da sua execução, para proteção dos interesses do intermediário, do ordenador e de terceiros, e garantir a transparência e correto funcionamento do mercado; não se trata de formalidade ad probationem de emissão da ordem, sujeita ao regime do art. 393º, nº 1, do CC”.”, posição reafirmada no acórdão do mesmo Supremo tribunal de 07/06/2018 (Abrantes Geraldes), com extensas citações de doutrina.
Paulo Câmara[172] defende que a exigência de forma escrita deve ser tida como forma ad probationem, apontando como fundamento para a sua posição a “circunstância de a ordem ser precedida de contrato de intermediação financeira celebrado de forma escrita (art. 321º, nº1 CVM).”
Como já referimos supra[173], a ordem, regulada nos arts. 325º e ss. do CVM,  é um negócio jurídico unilateral[174] de execução de um negócio jurídico de cobertura (o contrato de transmissão e execução de ordens), ou contrato quadro.
O referido contrato quadro pode, de facto, ser um contrato de intermediação financeira, mas também pode, como na situação dos recorrentes, ser um contrato de abertura de conta com uma conta de instrumentos financeiros associada ou outro contrato ou negócio de cobertura[175]. Essa a razão pela qual o art. 321º do CVM nos não parece um argumento que valha por si.
O próprio Paulo Câmara, aliás, logo de seguida à citação anterior adianta algumas das razões que nos levam a pensar que esta não é uma formalidade ad probationem: “Por outro lado, em termos sistemáticos, o direito mobiliário revela-se avesso a nulidades formais absolutas por preterição de requisitos formais. Como ilustração central, o próprio art. 321, nº 1 CVM declara que as nulidades formais relativas a contratos de intermediação financeira apenas podem ser alegadas pelo investidor: Por outro lado, na mecânica de tratamento de ordens é o intermediário financeiro que tem o dever de reduzir a escrito a ordem – essa, aliás, uma da providências (embora não a única) destinada a comprovar o momento da sua receção (art. 325º, alínea b)). Se o não fizer, o intermediário financeiro atua ilicitamente e sujeita-se a consequências sancionatórias (art. 397º, nº 2 e)) – mas daí não pode resultar a nulidade da ordem. Entender o contrário – como tem persistido alguma da nossa jurisprudência superior - equivale a não compreender os valores essenciais (proteção confiança do cliente, finalidade dos registos e arquivos) em que repousa e sistema jurídico-mobiliário.”
É, de facto, esta aversão sistemática a nulidades formais, pouco compatíveis com a natureza e funções do direito mobiliário que, a nosso ver, justificam que a violação da regra, tendo consequência sancionatórias, como referido não tenha outras consequências (sujeitando-se os intermediários à dificuldade de prova da receção de ordens sem rasto escrito).
Podemos citar no sentido defendido, A. Barreto Menezes Cordeiro[176], bem como os Acs. TRL de 06/03/14 (Ezagüy Martins) e TRP de 10/07/2013 (Manuel Domingos Fernandes).
Não nos afastamos da doutrina e jurisprudência dominantes, considerando também nós que a exigência de registo, escrito ou fonográfico, da ordem de bolsa não constitui uma formalidade ad probationem, pelo que, no caso concreto, tal como decidido pelo tribunal recorrido, a inobservância da exigência de redução a escrito não retira validade à ordem de subscrição efetuada.
Passemos agora à análise do cumprimento dos deveres de informação por parte da liquidanda.
Neste ponto, muito do que foi alegado pelos recorrentes ficou prejudicado pela não prova da respetiva versão dos factos – cfr. factos dados como provados sob 5.6. a 5.11., 5.21. e 5.26 e, em reverso, factos não provados 5 b) a 5 e).
Efetivamente, tendo-se apurado que foram prestadas informações sobre as caraterísticas das notes Rio Forte e não se tendo apurado que tenha sido transmitida uma ausência de riscos e garantia de capital, apenas há que verificar se foram cumpridos os deveres de informação e integralmente respeitada a geometria variável dos referidos deveres que impendem sobre o intermediário financeiro: “a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente” – cr. Ac. STJ de 11/10/2018 (Maria do Rosário Morgado) – cfr. art. 312º nº2 do CVM – ou seja, se a informação disponibilizada foi adequada ao perfil do cliente e à natureza do investimento.
Nos termos do nº1 do art. 312º[177] do CVM o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo, nomeadamente as respeitantes:
“a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;
b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;
c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;
d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;
e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;
f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;
g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
h) Ao custo do serviço a prestar.”
Tendo por objetivo assegurar que o investidor tome uma decisão esclarecida, o intermediário deve prestar as informações necessárias, com a antecedência suficiente para essa tomada de decisão[178].
A qualidade da informação está regulada no art. 7º do CVM que prescreve que deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.
“A qualidade da informação é essencial ao funcionamento do mercado de instrumentos financeiros. É instrumental à eficiência, equilíbrio e justiça do mercado. E é, em si mesma, uma das metas visadas pelo regime vigente de regulação das atividades relacionadas com instrumentos financeiros.”[179]
A informação é completa quando são incluídos na mensagem informativa “todos os elementos legalmente exigidos e contextualmente relevantes a respeito do referente[180]”. O conteúdo abrange não só todos os elementos exigidos por lei, mas também todas as informações de contexto relevantes.
A informação é verdadeira quando existe uma equivalência total entre o referente e a mensagem. Nas informações sobre o futuro, sendo este incerto, deve analisar-se a informação com referência à data de divulgação e aferir se era previsível – ou devia ser – para o agente que a afirmação ia ou não acontecer.
Deve ser atual, ou seja, corresponder com exatidão ao momento do referente por incluir todos os elementos disponíveis sobre o referente aquando da emissão da mensagem. Este requisito assume grande relevo na informação relativa a emitentes.
A clareza é a aptidão da mensagem para elucidar o destinatário em relação ao referente, pressupõe adequação e tem como padrão o investidor médio. A mensagem terá que ser inteligível, facilmente percetível, inequívoca, sem impor um esforço de interpretação desrazoável.
A informação é objetiva quando tenha aptidão para descrever o referente de forma rigorosa, direta e concisa. Pressupõe um certo distanciamento do agente em relação ao objeto sobre o qual informa. Pede uma descrição de factos, mas não preclude a emissão de juízos ou opiniões, desde que identificados como tal.
A informação é lícita quando, em si mesma, o seu conteúdo, não viola preceitos legais aplicáveis à difusão da informação, direta ou indiretamente.
Aplicando ao caso concreto temos que a informação respeitante às obrigações foi prestada antes da tomada de decisão de subscrição, descreveu as caraterísticas do instrumento financeiro, transmitiu a informação disponível ao momento, não suscitou dúvidas no cliente, adequou-se ao respetivo perfil de investidor – tratava-se de renovação de subscrições anteriores -, foi efetuada sem influência, ordem ou recomendação de colocação privilegiada, ou seja, com um certo distanciamento, apesar de se tratar de um produto de emitente do mesmo grupo que o intermediário, situação igualmente informada, e sem conteúdo ilícito.
O 1º recorrente foi mesmo informado do risco do emitente, de forma geral, como resulta de 5.6: “(iii) da sujeição ao risco de solvabilidade da contraparte pode resultar, sempre e em qualquer circunstância, a perda da totalidade do capital investido e/ou da rentabilidade associada, ainda que as características dos instrumentos financeiros prestem tal garantia;”
Não se mostra necessário, como tem sido decidido pela nossa jurisprudência, advertir para todos os riscos envolvidos, mesmo em caso de investidores não profissionais. É do conhecimento comum que não existem investimentos sem risco – nem os depósitos a prazo, como referido na decisão recorrida.
Assim, e pese embora a informação prestada não era necessário informar concretamente o cliente de que se a emitente Rio Forte entrasse em insolvência perderia todo o investimento.
Tal tem sido decidido de forma coincidente na jurisprudência. Assim, no Ac. TRP de 21/03/2013 (Leonel Serôdio), decidiu-se que “O intermediário financeiro, no âmbito de um contrato de transmissão e execução de ordem, não tem o dever de prestar informações relativas ao risco de insolvência do emitente, que corre por conta do investidor e é imprevisível à data da subscrição, nem sobre a evolução do investimento.”. No mesmo sentido Ac. TRC de 17/06/2019 (Carlos Moreira) e Ac. STJ de 11/10/2018 (Maria do Rosário Morgado).
A imprevisibilidade da insolvência da emitente, à data, resulta dos factos dados como provados em 5.23., 5.33. e 5.34., conjugados com os factos gerais XXXVI a XLIV, pelo também podemos concluir pela atualidade da informação.
Em remate, e como se escreveu na decisão recorrida:
A informação fornecida continha os elementos disponíveis e relevantes. Era verdadeira, actual e suficiente, susceptível de ser apreendida pelos Impugnantes, investidores com experiência naqueles produtos.
Como tem sido entendimento jurisprudencial, o dever de informação encontra-se preenchido sempre que ao investidor informado e conhecedor de produtos financeiros, foi transmitida informação suficiente sobre as características do produto em causa e que o mesmo era um produto não isento de risco, ainda que não lhe haja sido entregue qualquer ficha técnica do mesmo ou ainda que os deveres de informação não visem retirar os riscos do mercado que lhes são inerentes, mas possibilitar ao cliente do intermediário financeiro a possibilidade deste tomar as decisões de investimento consciente das consequência do mesmo – v. nomeadamente, o Ac. STJ de 06.02.2014, P. 1970/09 e o Ac. R.C. de 3.3.2015, P.1067/12.4TVLSB.C1, acessíveis em www.dgsi.pt.
A única conclusão possível neste contexto é o de que os Impugnantes, concretamente, o Impugnante ASC, sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um depósito a prazo e subscreveu o produto convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo.”
O que significa que se confirma o juízo do tribunal a quo: não se apurou a prática de qualquer facto ilícito por parte da liquidanda.
Ao lesado, no caso aos impugnantes/recorrentes, cabia o ónus da prova de que o intermediário financeiro incumpriu com o dever de informação que o onerava, ou seja, da ilicitude[181], razão pela qual a impugnação é improcedente, sendo igualmente improcedente a apelação.
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6.4. Recurso 1.4., interposto por EPR correspondente à impugnação nº35:
A recorrente identifica desde logo como questões essenciais para a decisão do litígio, ou seja, do recurso, saber se a Liquidanda procedeu à correta classificação da impugnante como investidora qualificada/profissional e saber se, para subscrever os produtos financeiros em causa nos autos, tinha ou não de ter tal classificação.
No tocante à ordem de subscrição do produto “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014 (N.º Isin: XS1066040376)” no montante de € 100.000,00, a recorrente defende que, alterando-se o ponto 35.9 da matéria de facto provada, terá que ser alterada a decisão de direito e concluir que se tratou de uma operação não autorizada, que viola o disposto no art. 306º nº3 do CVM, gerando para a liquidanda obrigação de indemnizar a recorrente nos termos do art. 304º-A do mesmo diploma.
No tocante à questão da sua classificação como investidor qualificado, o pedido de tratamento de um investidor não profissional como profissional consubstancia um ato de renúncia a direitos de proteção, pelo que o art. 317º-B do CVM fixa requisitos rigorosos.
O procedimento seguido nos autos – a gestora entregou à recorrente tal solicitação que esta devolveu assinada juntamente com os demais documentos necessários para abertura de conta – viola o art. 317º-B nº5 da CVM, pelo que o documento dos autos não permite o seu tratamento como investidora qualificada, para o qual só tinha um dos requisitos previstos no nº3 do mesmo preceito legal.
Acresce que o perfil da recorrente, preenchido em 2009, nunca foi atualizado ou reavaliado, violando assim a liquidanda também o disposto no art. 317º nº1 do CVM.
A sentença recorrida erradamente classificou os produtos subscritos como não complexos, o que contraria os factos cujo aditamento pediu e as fichas técnicas dos produtos.
Diversamente do decidido, face àquela classificação dos produtos, se a liquidanda não tivesse erradamente atribuído à recorrente a classificação de investidora profissional, ela não teria subscrito os produtos e não teria perdido o capital investido, existindo, assim, nexo de causalidade entre a errada classificação e as perdas sofridas.
Não foi prestada à recorrente informação sobre o potencial conflito de interesses – não esclarecendo que as emitentes dos produtos financeiros integravam o Grupo Espírito Santo nem as relações da Liquidanda com o mesmo Grupo. Também não foi esclarecido de que forma e em que medida as relações entre as entidades comportavam o risco de surgir um conflito de interesses, como resultou do depoimento da gestora de conta e não sendo suficiente o que consta na cláusula 1.6. do Anexo 1 ao contrato de abertura de conta.
Por outro lado, verifica-se que, relativamente à recorrente, ao contrário do que foi assumido como objetivo da liquidanda para 2014, não foi diversificada a sua carteira que era então composta apenas por produtos Grupo Espírito Santo, o que contraria os deveres legais e a própria política assumida pela liquidanda, e deu causa às perdas sofridas pela recorrente.
O recorrido respondeu começando por apontar como questões novas, alegadas pela primeira vez neste recurso e que não poderão ser conhecidas, a invocação de que, se não lhe tivesse sido atribuído o perfil de investidor qualificado não teria realizado os investimentos e não teria sofrido o prejuízo correspondente, que as obrigações em causa eram instrumentos complexos que não poderiam ter sido subscritos por si e que a liquidanda não a informou de que a emitente integrava o GES e que não a aconselhou a reduzir a sua exposição a produtos desse Grupo.
Quanto à classificação da recorrente como investidora profissional o recorrido refere que o requisito agora alegado como em falta foi indicado pela própria recorrente, como resulta de 35.18. e a sua não verificação foi definitivamente não provada sob 35 d), ambos não impugnados, pelo que conclui pela correção da qualificação atribuída.
Acresce que inexiste qualquer disposição que determine que os produtos financeiros complexos só possam ser adquiridos por investidores profissionais, havendo sim acrescidos deveres de conhecimento do cliente, que, no caso, foram cumpridos.
Considera terem sido devidamente cumpridos todos os deveres relativos à informação sobre conflitos de interesses.
Sem prejuízo da impossibilidade de conhecimento por se tratar de uma questão nova, a arguição de que a liquidanda não aconselhou a recorrente a diversificar a sua carteira não corresponde ao incumprimento de qualquer dever legal.
A decisão recorrida tratando da questão da subscrição do produto “4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014” concluiu que se havia provado que a ordem foi emitida pela recorrente e que o documento correspondente à ordem de execução do mesmo não havia sido assinado.
Analisando as condições do contrato de abertura de conta, a decisão recorrida concluiu que as ordens poderiam ou não ser escritas de acordo com a cláusula 5.1. C e que o regime legal, designadamente os arts. 326º nº2, al. d) e 67º do CVM, permitem que as ordens de realização de operações sobre instrumentos financeiros sejam dadas oralmente e que a falta de elaboração de nota por escrito, prevista no nº2 do art. 67º do CVM, poderá acarretar uma sanção para o intermediário, mas não a invalidade da ordem, cuja forma não constitui uma formalidade ad probationem.
Quanto à questão da classificação da impugnante como investidora qualificada/profissional concluiu que se provou ter sido pedida pela impugnante, que declarou preencher dois dos três requisitos para o efeito. Apreciando os factos apurados à luz do art. 317º-B do CVM concluiu que não foi integralmente observado o procedimento legalmente prescrito, dado que não se apurou ter a liquidanda informado a impugnante, por escrito, do deferimento do pedido.
O tribunal apontou que de tal facto não decorreu prejuízo para a impugnante nem se apurou tenha contribuído para o prejuízo que sofreu, uma vez que a impugnante declarou ficar ciente das consequências do tratamento como qualificada, estando assim assegurada a vertente protecionista e porque não havia sido sequer invocado que se não tivesse atribuído tal classificação, a impugnante não teria realizado aqueles investimentos.
Seguidamente o tribunal debruçou-se sobre o questionário de perfil, não assinado pela impugnante, e referiu que a lei não exige que a avaliação do cliente para os efeitos do nº2 do art. 317º-B seja subscrita por este, pelo que nesse ponto não se surpreende qualquer irregularidade na classificação da ora recorrente como investidora qualificada.
Seguidamente o tribunal referiu que a impugnante não se podia louvar apenas nas conclusões da CMVM no processo que ali correu termos e que não é credível que não estivesse ciente dos riscos que corria com estes investimentos.
Analisou as caraterísticas das obrigações subscritas e concluiu que não se tratavam de instrumentos financeiros complexos pelo que eram passíveis de serem subscritos por quaisquer investidores, qualificados ou não, sendo investimentos adequados o perfil da impugnante.
Finalmente o tribunal assinalou que a liquidanda esclareceu a impugnante sobre a sua política de prevenção e mitigação de conflitos de interesses, não tendo sido violado qualquer dever respeitante à organização e exercício de atividade.
Não se tendo apurado qualquer facto ilícito, culposo e praticado pela Liquidanda que tenha sido determinante do dano sofrido pela ali impugnante e aqui recorrente, o tribunal julgou improcedente a impugnação e não verificado o crédito reclamado de € 593.276,72 e juros vincendos.
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Apreciando:
A primeira questão suscitada pela recorrente é a da subscrição do instrumento 4% Rio Forte Investments EMTN SR-258 2014/11.08.2014.
Alegou que, na procedência da impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 35.9, estaremos ante uma operação não autorizada que origina a obrigação de indemnização no montante do dano causado, correspondente aos cem mil euros utilizados na subscrição do produto.
Como resulta da decisão relativa à impugnação da matéria de facto, este tribunal não alterou nem eliminou o ponto 35.9 da matéria de facto provada pelo que, mantendo-se como provado que a recorrente deu a ordem de subscrição em causa, julgam-se, sem necessidade de outras considerações, improcedentes as conclusões da recorrente nesta parte.
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Passando à matéria relativa à categorização da recorrente como qualificada, começaremos por notar que o dever de categorização dos investidores, previsto no art. 317º-B do CVM é um dever autónomo dos intermediários financeiros, considerado particularmente relevante[182]. Como melhor explica Paulo Câmara, o dever de categorização dos clientes, devido à regra da proporcionalidade inversa (quanto menor o conhecimento do cliente, maior a sua necessidade de proteção) assume natureza instrumental relativamente ao cumprimento dos demais deveres de conduta, o que lhe confere, em termos lógicos, um papel prioritário no sistema de deveres gerais dos intermediários financeiros[183].
“Nessa medida, o dever de categorização obriga a um conhecimento do cliente (know your client) em termos tais que o tornam um complemento dos deveres de adequação”[184].
É, conforme estipula o nº1 do art. 317º do CVM, através do resultado de uma avaliação do intermediário financeiro, feita com base em procedimentos e regras internas adequadas que a categoria do cliente é aferida de entre (trata-se da terminologia da versão do Código aplicável aos presentes autos, em vigor em 2013 e 2014): contrapartes elegíveis (317º-D do CVM), investidores qualificados (30º do CVM) e os investidores não qualificados, todos os demais[185].
A categorização, no essencial, projeta-se no grau de proteção conferido ao cliente, sendo o menor grau concedido às contrapartes elegíveis e o maior aos clientes não qualificados.
Como adverte Engrácia Antunes[186], questão distinta mas conexa é a do perfil do investidor. Distinta porque o tracejamento do perfil se funda no dever de conhecimento do cliente (304º nº3 do CVM, com reflexos noutras normas e deveres, como o 312º nº2 ou 314º nº1 do mesmo diploma), mas conexa porque a categorização só com base no conhecimento do cliente pode ser estabelecida (nº1 do art. 317º).
A definição do perfil do cliente, diferentemente da categorização, assenta em “tipologias puramente comerciais ou negociais, desenvolvidas na “praxis” bancária e financeira”. “Entre estas, tornou-se bastante usual a classificação quadripartida daqueles em perfil “conservador” ou “prudente” (investidor avesso ao risco de capital, de rendimento, de crédito e de liquidez, que procura produtos financeiros de capital e rentabilidades garantidas, sobretudo de curto prazo: v.g., depósitos bancários a prazo), perfil “equilibrado” ou “moderado” (investidor avesso ao risco de capital, com preferência por produtos de capital garantido e baixo risco, mas aceitando a sua manutenção em carteira a médio prazo: v.g., obrigações ordinárias, fundos de tesouraria, fundos poupança-reforma, seguros de capitalização), perfil “dinâmico” (investidor que procura produtos financeiros de rendibilidade superior à média do mercado, estando disponível para aplicações de médio e longo prazo e para assumir o risco de algumas perdas no capital investido: v.g., unidades de participação em fundos de ações, em fundos de capital de risco) e perfil “arrojado” (investidor que procura produtos de elevada rentabilidade e risco, estando disponível para aplicações que impliquem o risco de perda total ou até superior do capital investido em contrapartida de rendimentos elevados: v.g., ações, derivados, produtos financeiros complexos, “warrants”, “unit linked”, fundos especiais de investimento).”[187]
O perfil não tem qualquer relação direta com a categoria, até pelas diferentes funções que cumprem, nada impedindo um investidor qualificado de ter um perfil moderado e um investidor não qualificado de ter um perfil dinâmico.
Assim, e transpondo para o caso concreto, o questionário referido em 35.2. serviu duas funções: uma de cumprimento de dever do conhecimento do cliente e uma segunda, caso a impugnante e ora recorrente subscrevesse o pedido de tratamento como qualificada nos termos do art. 317º-B do CVM.
O conhecimento do cliente era sempre devido e sem o resultado do profiling, a liquidanda não poderia conceder à recorrente o tratamento como cliente qualificada.
Isto porque um dos casos que a lei considera como investidor qualificado é o das pessoas a quem tenha sido concedido esse tratamento nos termos do art. 317º-B do CVM - art. 30º nº1, al. l) do mesmo diploma.
Nos termos do art. 317º-B do CVM:
«1 - O investidor não qualificado pode solicitar ao intermediário financeiro tratamento como investidor qualificado.
2 - A satisfação da solicitação formulada nos termos do número anterior depende de avaliação prévia, a realizar pelo intermediário financeiro, dos conhecimentos e experiência do cliente, pela qual se garanta que este tem capacidade para tomar as suas próprias decisões de investimento e que compreende os riscos que as mesmas envolvem, ponderada a natureza dos serviços, instrumentos financeiros e operações contratados.
3 - Para efeitos da avaliação prevista no número anterior, o cliente deve, no mínimo, respeitar dois dos seguintes requisitos:
a) Ter efectuado operações com um volume significativo no mercado relevante, com uma frequência média de 10 operações por trimestre, durante os últimos quatro trimestres;
b) Dispor de uma carteira de instrumentos financeiros, incluindo também depósitos em numerário, que exceda (euro) 500 000;
c) Prestar ou ter prestado funções no sector financeiro, durante, pelo menos, um ano, em cargo que exija conhecimento dos serviços ou operações em causa.
4 - Nos casos em que a solicitação tenha sido apresentada por pessoa colectiva, a avaliação prevista no n.º 2 e a relativa ao requisito mencionado na alínea c) do número anterior são feitas relativamente ao responsável pelas actividades de investimento da requerente.
5 - A solicitação de tratamento como investidor qualificado observa os seguintes procedimentos:
a) O cliente solicita ao intermediário financeiro, por escrito, tratamento como investidor qualificado, devendo precisar os serviços, instrumentos financeiros e operações em que pretende tal tratamento;
b) Após realizada a avaliação prevista no artigo anterior, o intermediário financeiro deve informar o cliente, por escrito, do deferimento do pedido e das consequências resultantes da satisfação da solicitação formulada, explicitando que tal opção importa uma redução da protecção que lhe é conferida por lei ou regulamento;
c) Recebida tal informação, o cliente deve declarar, por escrito, em documento autónomo, que está ciente das consequências da sua opção.»
Para terminar a caracterização geral deste dever diremos ainda que, dada a natureza residual da categoria não qualificado, a consequência da não categorização de um investidor ou de incorreta categorização é, sempre, o seu tratamento como investidor não qualificado, ou seja, o cliente beneficia da máxima intensidade de proteção, nomeadamente quando aos demais deveres, avultando os deveres de informação e de adequação, se devidos.
A recorrente, alegou, no cenário de procedência da impugnação da matéria de facto que deduziu quanto a 35.19 e 35.20 (que foi improcedente), que não se tendo provado que a recorrente pediu o tratamento como qualificada, não lhe tendo a liquidanda informado do deferimento de tal pedido e nunca tendo declarado por escrito e em documento autónomo que estava ciente das consequências da sua opção foi violada a regra imperativa do nº5 do art. 317º-B do CVM.
Vejamos:
Na improcedência da impugnação da matéria de facto provada, são os seguintes os factos relevantes:
35.17. A Impugnante não prestou funções no sector financeiro durante, pelo menos, um ano, em cargo que exija conhecimento dos serviços ou operações em causa.
35.18. A Impugnante dispunha de uma carteira de instrumentos financeiros que excedia os €500.000,00.
35.19. A Impugnante pediu a sua classificação como investidor qualificado/profissional.
35.20. A Liquidanda informou a Impugnante das consequências resultantes da satisfação da solicitação formulada, explicitando que tal opção importa uma redução da protecção conferida por lei ou regulamento, tendo a Impugnante declarado estar ciente das consequências dessa opção.
35.21. A Liquidanda não informou a Impugnante, por escrito, do deferimento do pedido de tratamento como investidor qualificado.
E os seguintes os factos não provados:
35 a) Quando a Impugnante procedeu à abertura de conta junto da Insolvente foi-lhe atribuída a classificação de “investidor qualificado”, isto é, “profissional”.
35 c) A Impugnante não declarou por escrito, em documento autónomo, estar ciente das consequências de pedido tratamento como investidor qualificado.
35 d) A Impugnante não efectuou, com uma frequência média de 10 operações por trimestre, durante os 4 trimestres que antecederam a atribuição da qualificação de “investidor qualificado”, um número de operações com volume significativo no mercado relevante.
Temos assim apurado o pedido, por escrito, por parte da cliente, do tratamento como qualificado, a sua declaração por escrito, em documento autónomo de que está ciente das consequências do tratamento como qualificada e que a liquidanda deferiu este pedido, mas não comunicou esse deferimento, por escrito, à recorrente.
Além disso, dos três requisitos previstos no nº3 do art. 317º-B do CVM, sendo necessário preencher dois, provou-se que a recorrente preenchia a alínea b) e que não preenchia a al. c). O terceiro requisito, declarado pela recorrente no documento de pedido, resultou não provado, o que significa que não sabemos se se verificava ou se não se verificava.
No tocante à não comunicação da decisão por escrito, verificamos que não foi cumprida a formalidade prevista no nº5, al. b) do CVM.
Não partilhamos da visão do tribunal recorrido de que se mostra garantida a função protecionista da norma. Efetivamente a recorrente declarou ficar ciente das consequências do tratamento como investidor qualificado, mas essa ciência refere-se ao momento em que sabe que vai ser tratada dessa forma.
Se tivesse sido entregue à recorrente a informação de que fora deferido o pedido, a declaração autónoma previamente assinada de facto cumpriria a função de tutela prevista na alínea c) do nº5 do art. 317º-B do CVM. No caso, porém, não chegou a cumprir tal função dado que a recorrente não chegou a saber que ia a ser tratada como cliente qualificada, ou antes, que o pedido que formulara nesse sentido fora deferido.
Surpreendemos, assim, uma efetiva irregularidade no procedimento de tratamento da recorrente como investidora qualificada, cujas consequências teremos que determinar.
Já não assim relativamente à não prova de um dos dois requisitos declarados pela recorrente como preenchidos no pedido de tratamento como qualificado.
O requisito em causa é o previsto na alínea a) do nº3 do art. 317º-B.
A lei estabelece um dever de o intermediário avaliar previamente: i) os conhecimentos e experiência do cliente; ii) que esta permite concluir que o cliente tem capacidade para tomar as suas próprias decisões de investimento; iii) que o cliente compreende os riscos das suas decisões de investimento – nº2 do art. 317º-B.
Para esse efeito, como já referimos, traçar o perfil do cliente serve esta avaliação qualitativa.
O nº3 refere que «para efeitos da avaliação prevista no número anterior» o cliente deve preencher dois de três requisitos, que enumera. Trata-se de um teste quantitativo[188] autónomo[189] em relação ao qual a lei não estabelece um dever de verificação ou de avaliação pelo intermediário, limitando-se a referir que o cliente deve respeitar, no mínimo, dois dos três requisitos.
Atentando nos requisitos previstos naquele nº3 compreendemos que se tratam de informações que apenas o cliente domina: o número e volume de operações dos últimos quatro trimestres, se efetuadas em vários intermediários, não são controláveis por cada um deles; o volume total da carteira, a menos que concentrada na mesma instituição onde pede o tratamento, só dele é conhecido; e, finalmente, a vida profissional passada do cliente.
É bastante evidente, até por razões de sigilo, que o intermediário a quem está a ser pedido o tratamento tem que confiar nas declarações que lhe são prestadas pelo cliente quanto a estes elementos do teste quantitativo. Elas são, na verdade de difícil ou impossível verificação.
Essa, cremos, a razão pela qual, diferentemente do que se passa quanto ao teste qualitativo, a lei não prevê um dever de verificação ou de avaliação, por parte do intermediário financeiro, quanto aos elementos quantitativos do nº3.
Na verdade, todo o manancial de deveres dos intermediários financeiros não dispensa o cliente de um mínimo de diligência, neste caso, e dadas as finalidades envolvidas, de usar de verdade quanto aos seus factos pessoais relevantes.
Nesta medida, o facto não apurado – que não implica prova do contrário[190] - dado que foi declarado pela recorrente, não releva na conclusão de que, declarados preenchidos dois dos requisitos, não tinha a sucursal liquidanda que os verificar, pelo que nenhuma irregularidade ou violação de dever se constata.
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A recorrente defende – pela primeira vez em sede de recurso – que tendo a liquidanda efetuado o profiling em 2009, nunca promoveu qualquer atualização ou reavaliação da classificação da impugnante como investidora, entendendo que tal consubstancia uma violação do dever previsto no nº1 do art. 317º do CVM que prescreve que o intermediário financeiro deve estabelecer, por escrito, uma política interna que lhe permita, a todo tempo, conhecer a natureza de cada cliente, como investidor não profissional, profissional ou contraparte elegível, e adotar os procedimentos necessários à concretização da mesma.
Dado que a questão pode ser encarada como uma exclusiva questão de direito, não deixaremos de a abordar.
Muito sinteticamente, não temos provado qualquer facto com relevo neste ponto – consequência direta de não ter sido alegado nos articulados – mas sabemos que, de facto, o questionário relativo à determinação do perfil da recorrente e que serviu também para a avaliação prevista no art. 317º-B nº2 foi efetuado em 2009, aquando da abertura de conta.
Em sede de dever de categorização, o que se mostra consagrado no nº1 do art. 317º é o dever de organização interna que permita o conhecimento a todo o tempo da natureza do cliente, e não exatamente o dever de constante atualização do tratamento concedido. Tal conclusão extrai-se, não apenas de se referir no preceito, ao lado dos investidores qualificados e contrapartes elegíveis, os investidores não qualificados, cuja categoria, a menos que haja um pedido, se manterá sempre, mas também da regra do art. 317º-C do CVM.
Ali se estabelecem regras que se traduzem em “Uma vez firmado este estatuto, ele obriga à observância de deveres particulares:  deveres de informação, do lado do cliente, em relação a qualquer alteração susceptível de afectar a qualificação atribuída; e deveres de vigilância, da banda do intermediário, em relação ao ajustamento da qualificação feita – podendo determinar a sua revisão”[191]
Ou seja, o preceito não só confirma que é o cliente que é responsável pelos requisitos que declara, como o vincula a transmitir as alterações relevantes, tendo, em contraponto o intermediário o dever de vigilância. Mais uma vez, bem se compreende que assim seja. O intermediário dificilmente pode verificar se se mantém o número de transações, apenas podendo verificar as suas e o mesmo se diga quanto à totalidade da carteira, só podendo verificar a que é intermediada por si.
Mas a regra ilustra assim, por recorte negativo, que o dever do nº1 do art. 317º não é um dever de atualização a todo o tempo, dado que o que se impõe é o dever de vigilância do nº2 do art. 317º-C do CVM.
Assim, e sem a prova de factos que determinassem uma reavaliação do estatuto, não surpreendemos por parte da liquidanda qualquer violação de dever legal nesta matéria[192].
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Passemos agora à dimensão do dever de conhecimento do cliente. Trata-se igualmente de um dever autónomo e também instrumental, no caso ao dever de adequação.
Tem um regime geral (appropriatness test) que obriga o intermediário, nos termos dos arts. 304º nº3 e 314º nº1 do CVM, a obter informação suficiente para avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos no investimento em causa.
Quando se trata de gestão de carteiras ou de consultoria para investimento o dever de recolha de informação é acrescido, nos termos do art. 314º-A (suitability test) do CVM, não aplicável no caso da recorrente.
Também neste caso a lei não estabelece uma periodicidade para a atualização da informação, que fica confiada ao critério do intermediário[193].
Assim, sem quaisquer factos que demonstrem a desatualização da informação, apenas pela não prova de atualização da mesma não podemos ter por verificada a violação de qualquer dever por parte da liquidanda, neste particular.
Como referimos acima, tendo concluído pela irregularidade do procedimento de deferimento do pedido de tratamento da ora recorrente como investidora qualificada há agora que verificar quais as consequências.
Dado o carater residual e beneficiário de maior proteção da categoria de investidor não qualificado, a irregularidade no procedimento de tratamento como qualificado tem como evidente consequência que aquele cliente passa a ser, de novo, um investidor não qualificado.
Como já referimos, estamos ante um dever prioritário, mas instrumental.
A violação do dever de observar o procedimento para o tratamento como investidor qualificado, por si, não é suscetível de causar qualquer prejuízo. O que poderá eventualmente ser causador de prejuízo ao investidor nesta situação é se for tratado como investidor qualificado – quando, dada a irregularidade, nunca deixou de ser um investidor não qualificado – e nessa medida não lhe seja, por exemplo, prestada informação proporcional ou avaliada a adequação dos seus investimentos.
Assim sendo, teremos que prosseguir na nossa análise sob a perspetiva de que a recorrente não era, ao tempo da subscrição dos instrumentos financeiros em causa, uma investidora qualificada.
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Passo seguinte é o da análise de se os instrumentos financeiros subscritos eram instrumentos financeiros complexos.
A recorrente entende que, tendo a liquidanda, voluntária, unilateral e expressamente, classificado os produtos em causa como complexos é no mínimo estranho que ponha em causa as suas próprias classificações. A mesma consta das fichas técnicas, que se declaram destinados exclusivamente a investidores qualificados. Conclui que, se não lhe tivesse sido atribuída a classificação de qualificada ela nunca poderia subscrever os produtos em causa e assim não teria perdido o capital investido. Defende ainda que alegou este nexo de causalidade nos arts. 53º e 54º da impugnação.
Começando pelo último ponto, verifica-se que os arts. 53º e 54º da impugnação não têm o conteúdo que lhes está agora a ser atribuído – ali se alegou que a liquidanda violou deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade (não especificados) ao classificar a impugnante como investidora profissional e nessa qualidade tendo realizado por conta da mesma os investimentos Esfil e 5% Rio Forte, o que é substancialmente diverso de afirmar que se não tivesse sido classificada como qualificada não poderia sequer subscrever os investimentos.
Passando à questão da complexidade dos instrumentos financeiros:
Os instrumentos financeiros subscritos são obrigações, ou seja, «valores mobiliários que, numa mesma emissão, conferem direitos de créditos iguais» - cfr. art. 348º nº1 do CSC e art. 1º, nº1, al. b) do CVM.
“Enquanto bem mobiliário, a obrigação consiste num documento representativo de um direito de crédito que confere ao seu titular, a faculdade de exigir a restituição da quantia avançada, a que acrescem os juros acordados, na data de vencimento do empréstimo.”[194]
 O titular da obrigação é um credor e a relação jurídica subjacente é, tipicamente um contrato de mútuo.
Partindo do elenco não taxativo[195] do art. 360º do CSC podemos encontrar, segundo a sistematização proposta por A. Barreto Menezes Cordeiro, modalidades de obrigações i) quanto aos juros: existência, modo de pagamento e cálculo; ii) quanto ao capital: com ou sem reembolso; iii) quanto à proteção concedida aos obrigacionistas e iv) quanto aos direitos especiais conferidos aos obrigacionistas.
Quanto aos juros, temos claramente obrigações que preveem pagamento de juro, na maturidade, a taxa fixa (360º, nº1, al. a), 1ª parte, do art. 360º CSC).
Quanto ao capital, são obrigações que preveem reembolso[196] em prazo igualmente fixo.
Quanto à proteção concedida, são obrigações comuns, no sentido de não serem nem hipotecárias, titularizadas, nem subordinadas e não resultando conferirem quaisquer direitos especiais.
Tendo presente o regime do Decreto Lei nº 211-A/2008, de 03/11, em vigor à data dos factos[197] são produtos financeiros complexos «Os instrumentos financeiros que, embora assumindo a forma jurídica de um instrumento financeiro já existente, têm características que não são directamente identificáveis com as desse instrumento, em virtude de terem associados outros instrumentos de cuja evolução depende, total ou parcialmente, a sua rendibilidade»
Pese embora esta categoria tenha sido abolida em 2018, a categoria concetual ficou, como resulta da atual redação do art. 314º, nº1, al. a), subalínea v) do CVM, bem como as especiais exigência de informação e publicidade que os rodeiam, dadas as suas caraterísticas de “instrumentos financeiros cuja especial complexidade, sobretudo no que respeita à percepção dos riscos que o investimento neste tipo de produtos envolve” por incorporarem riscos e características de dois ou mais instrumentos financeiros de diferente estrutura e natureza sob a aparência de um instrumento financeiro único .
As obrigações subscritas pela recorrente não revestem qualquer destas caraterísticas, são obrigações simples, instrumentos de dívida com prazo e taxa fixas e reembolso de capital que apenas dependem do decurso do tempo, não incorporando mais que os seus próprios riscos pelo que, com segurança, acompanhamos a conclusão atingida pelo tribunal recorrido de que estas obrigações não são produtos financeiros complexos.
Mantendo presentes as explicações dadas, de forma coincidente pelas testemunhas PFR, CLO e AMF, este tipo de obrigações podem ainda ser consideradas produtos complexos se tiverem opções de put ou de call, ou seja, se existir a possibilidade de um determinado evento fazer variar o montante a receber (o exercício de call pela emitente, ou de put, pelo cliente, determinará o reembolso do capital e do juro vencido à data da opção, menor que o juro previsto para o final).
Olhando as fichas técnicas dos produtos (documentos remetidos pela CMVM), verificamos que os produtos Esfil, 5% Rio Forte e 4% Rio Forte têm as caraterísticas dadas como provadas e referem expressamente não estar previsto reembolso antecipado[198].
Assim, e porque com já referimos, os produtos só são complexos se tiverem as caraterísticas previstas na lei e não porque assim são designados, seja pelo intermediário, seja pelo emitente, a conclusão é de que estes três produtos não são complexos.
O mesmo se diga quanto à indicação que se destinam apenas a clientes qualificados. Nada nas suas caraterísticas permite tal conclusão, tratando-se de uma menção não aposta pela liquidanda (as fichas técnicas não foram por si elaboradas).
Sendo produtos não complexos a sua subscrição pela recorrente, na qualidade de investidora não qualificada, não suscita quaisquer dúvidas.
E percorrendo a matéria de facto provada verificamos que se encontram provados factos que permitem concluir que foi prestada a informação sobre os mesmos adequada a um investidor não qualificado como perfil da recorrente: cfr. factos 35.15, 35.16. e 35.24. pelo que, embora com fundamentação não totalmente coincidente, estamos em condições de confirmar o juízo do tribunal recorrido quanto à adequação dos produtos ao perfil da recorrente.
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Alega também a recorrente que a liquidanda violou o seu dever de informação para consigo por não ter esclarecido o facto de as emitentes dos produtos financeiros integrarem o Grupo Espírito Santo, nem as relações da Liquidanda com o Grupo, nem em que medida é que as relações entre as entidades comportavam o risco de conflito de interesses entre a recorrente e a impugnante.
Apoiou grande parte desta alegação na procedência da impugnação da matéria de facto que deduziu e que não teve provimento.
Nos termos do art. 312º nº1, al. c) do CVM na versão aplicável aos autos, «O intermediário financeiro presta, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo as respeitantes: (…)
c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar:
i) Sempre que as medidas organizativas adotadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados, incluindo as medidas adotadas para mitigar esses riscos; e
ii) Em qualquer caso, a informação deve ser suficientemente detalhada, tendo em conta a natureza do investidor, para permitir que este tome uma decisão informada relativamente ao serviço no âmbito do qual surge o conflito de interesses e cumprir o disposto na legislação da União Europeia;»
Este dever de informação com incidência na matéria de conflito de interesses espelha o dever consagrado nos arts. 309º e ss. CVM que prevê o dever do intermediário de evitar ou reduzir conflitos de interesses, corolário do transversal dever de lealdade[199].
A modulação do dever de informação refletirá a intensidade da situação de conflito de interesses, se existir, ou da potencialidade do mesmo, razão pela qual teremos que aferir, de acordo com a matéria de facto provada, em primeiro lugar o cumprimento deste dever, na situação concreta.
O dever de lealdade apresenta-se como “uma imposição aos intermediários financeiros de atuar de forma honesta, equitativa e profissional em função dos interesses do cliente, aplicando-se a todos os serviços de intermediação financeira e a todos os sujeitos envolvidos na prestação desses mesmos serviços”[200] Um das suas (muitas) concretizações é o referido dever de evitar, ou reduzir ao mínimo, potenciais conflitos entre interesses do cliente e interesses do intermediário financeiro, nos termos do art. 309º nºs 1 e 3 do CVM.
Estabelece o referido art. 309º CVM
«1 - O intermediário financeiro deve organizar-se por forma a identificar possíveis conflitos de interesses e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência.
2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.
3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses do cliente, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de sociedades com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais ou dos de agente vinculado e dos colaboradores de ambos, incluindo os causados pela aceitação de benefícios de terceiros ou pela própria remuneração do intermediário financeiro e demais estruturas de incentivos.
4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes deve pôr à disposição destes os instrumentos financeiros pelo mesmo preço por que os adquiriu.»
O dever de lealdade apresenta uma dimensão positiva (atuação no melhor interesse do cliente) e uma dimensão negativa que se desenvolveu a partir de dois conceitos: o dever de evitar conflitos e a proibição de benefícios ilegítimos[201], que, como se denota do texto do nº3 do art. 309º acima transcrito, merece especial preocupação relativamente aos grupos de sociedades em que o intermediário esteja inserido. Para o efeito – de estabelecer prevalência dos interesses do cliente – a lei equipara os interesses próprios do intermediário aos das demais sociedades do grupo.
Anota-se que, em matéria de conflitos de interesses é irrelevante que o serviço esteja a ser prestado a um cliente qualificado, não qualificado ou contraparte elegível[202] – a categorização é aqui indiferente, apenas relevando no cumprimento dos deveres de informação reflexos, não a categoria do cliente, mas sim o seu perfil, tendo o intermediário que garantir a compreensão dos riscos informados.
Barreto Menezes Cordeiro, tratando desta matéria, coloca a questão, para ilustrar a complexidade prática do funcionamento da regra da prevalência dos interesses do cliente, de se uma intermediária pode aconselhar a compra de ações próprias ou a compra de valores mobiliários representativos de dívida própria ou de dívida de sociedades filhas, bastando informar o cliente da situação conflituosa. O próprio responde que, à luz do direito vigente os intermediários não estão impedidos de aconselhar a subscrição de valores mobiliários representativos de dívida emitidos por sociedades filhas, desde que, em concreto não haja detrimento do cliente para obtenção de um ganho ou evitar de uma perda para o intermediário ou para a emitente e não haja um interesse no resultado do serviço prestado não coincidente com o do cliente[203].
O exemplo dado ilustra uma situação de conflito de interesses dado que a hipótese colocada se refere à intermediação de instrumentos emitidos pelo próprio intermediário ou por uma sociedade filha, que potencialmente beneficiarão o intermediário.
O caso que tratamos não apresenta a mesma intensidade de potencialidade de conflitos: no caso da Rio Forte, a emitente era uma sub-holding para a área não financeira do Grupo e a liquidanda estava inserida na área financeira; só com a reestruturação do grupo passou a ser possível traçar uma linha direta entre a Rio Forte e a liquidanda, e ainda assim, vários degraus acima; no caso da Esfil, a liquidanda era uma sociedade “neta” da mesma[204] - cfr. factos gerais XXI, XLI e XLII.
Assim, o risco de conflito de interesses devido ao facto de o intermediário se inserir no mesmo grupo que o emitente varia também em função das concretas posições das sociedades em causa no grupo.
É diferente existir uma potencialidade de conflito de interesses por se tratar de uma situação que, em termos de normalidade, os gera, e um real conflito de interesses.
A matéria que foi alegada dirigida à existência de uma real situação de conflito de interesses – que a liquidanda teria o papel de agente pagador nas emissões comercializadas – quedou não provada como resulta de 35 j) e sua motivação.
Essa não era, assim, uma matéria que tivesse de ser informada à recorrente.
Como já se explicitou na matéria de facto provada, a situação potencial de conflito era, no caso, a pertença ao mesmo grupo, que foi informada (facto 35.16 e fundamentos da decisão relativa à sua impugnação que aqui se dão por reproduzidos).
Sendo esse o risco identificado, importa, pois, compreender se a liquidanda cumpriu os seus deveres de evitar conflitos e de não obter benefícios ilegítimos.
Tendo em conta os factos apurados sob 35.16 e 35.29 a 35.39, podemos concluir que a liquidanda cumpriu os seus deveres de evitar conflitos de interesses e não se colocou em posição de obter benefícios ilegítimos dado que não obtinha com a colocação destes instrumentos remuneração superior (obtinha remuneração inferior) quando comparada com a colocação do mesmo tipo de produtos não emitidos por empresas do Grupo, oferecia aos seus clientes produtos emitidos por outras entidades, não recebeu, nem deu aos seus colaboradores, ordens ou instruções para priorizar a colocação de produtos emitidos pelo grupo, não assumiu qualquer objetivo de subscrição dos produtos e, no cômputo geral, em 2014, a exposição total à dívida do Grupo (incluindo todo o tipo de instrumentos) era de 15%. Finalmente, tinha autonomia em relação à sede, sendo a coordenação com esta assegurada por um comité independente dos acionistas e do conselho de administração.
Ou seja, e concluindo, a sucursal liquidanda não se colocou em posição de conflito real de interesses entre os interesses dos seus clientes e os interesses das emitentes e da sua sede e adequou a sua estrutura por forma a prevenir esses conflitos, com autonomia (nos termos previstos na lei, aliás), inclusive financeira, em relação à sua sede.
Assim sendo, qual a concreta informação devida à cliente, a aqui recorrente, nos termos do art. 312º nº1, al. c) do CVM? A informação a ser prestada era, exatamente, de que as emitentes pertenciam ao mesmo Grupo, entre si e relativamente à Liquidanda, o que foi cumprido.
Não se verifica, desta forma, qualquer violação seja do dever de lealdade, na dimensão de dar prevalência aos interesses dos clientes ou na vertente organizativa, seja de informação com respeito a matéria de conflito de interesses.
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Finalmente a recorrente argumenta, situando ainda esta matéria na prevenção de conflitos de interesses, que foi contrariada a razoabilidade e prudência por parte da liquidanda, dado que a carteira da recorrente era exclusivamente composta por dívida do Grupo Espírito Santo, contrariando mesmo os objetivos da sucursal para 2014.
O recorrido, entendendo tratar-se de uma questão nova, alega que a arguição de que a liquidanda não aconselhou a recorrente a diversificar a sua carteira não corresponde ao incumprimento de qualquer dever legal.
A questão suscitada é uma questão jurídica, sustentada na prova produzida – apurou-se que a recorrente ficou em carteira apenas com títulos de dívida Espírito Santo, um dos quais, entretanto reembolsado (nºs 35.5. e 35.22 a 35.23) e que a sucursal tinha como objetivo reduzir a exposição das carteiras de clientes à dívida do Grupo (facto 35.37).
No tocante a este ponto, o recorrido aponta não se tratar de violação de um dever legal.
Não cremos que assim seja.
A diversificação é uma forma de atenuar ou eliminar certo tipo de riscos[205]:
O risco diversificável (Não-Sistemático ou Específico) é a componente do risco total de um activo financeiro explicada por factores específicos do seu emitente, cujo impacto pode ser reduzido (e, teoricamente, eliminado) através de uma adequada diversificação da carteira de investimentos do investidor.
O risco sistemático (Não-Diversificável ou de Mercado) é a componente do risco total de um activo financeiro que não é eliminável através de diversificação - isto é, pelo investimento em muitos instrumentos financeiros de modo a que cada um tenha um peso insignificante no valor total da carteira – e que se deve à existência de factores comuns de variação do preço dos diferentes activos financeiros.
No concreto, face à composição da carteira ou à natureza dos ativos e às caraterísticas do cliente, a diversificação e a respetiva verificação são um dos elementos a avaliar para determinar a adequação, enquanto corolário do princípio de proteção do cliente. Isto porque se relaciona diretamente com o risco e sua atenuação.
Não se encontra, efetivamente, consagrado um dever de diversificação de investimentos como regra de conduta para o intermediário financeiro. Mas existe o dever de orientação da atividade para a proteção dos interesses dos clientes e da eficiência do mercado, sendo o padrão de conduta a boa fé e elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, já caraterizado como de diligentissimus pater familie[206]. A avaliação do risco e as respetivas formas de minimização incluem-se neste núcleo fundamental.
A questão da diversificação não se coloca, assim, em sede de prevenção de conflitos de interesses, mas de cumprimento do dever de adequação, se for devido.
Cremos ser também neste sentido que André Alfar Rodrigues[207] ao mencionar a obrigação dos intermediários financeiros prestarem aos investidores não profissionais, os instrumentos financeiros, serviços ou operação adequados ao seu perfil de risco dá como exemplo: “A possibilidade de investimento num portfolio diversificado permite a um investidor eliminar uma grande percentagem do risco. No entanto, os investidores não profissionais não têm a capacidade de diversificar a sua carteira de investimentos, estando assim mais expostos a eventuais perdas.”.          
A diversificação para atenuação ou eliminação de riscos não tem, porém, o significado que a recorrente lhe atribui. O facto de todos os ativos serem emitidos por empresas do mesmo grupo não implica, por si, que estamos perante ativos não diversificados.
A diversificação de ativos pode passar por vários níveis ou critérios: a diversificação de risco específico (não investir tudo numa empresa só), a diversificação geográfica (se for o caso, dependendo dos ativos); a diversificação por classes de ativos (diferentes graus de risco, mais e menos liquidez), a diversificação temporal (prazos diferentes,), etc., no fundo tudo dependendo dos ativos e das caraterísticas do cliente.
No caso, face ao perfil da recorrente, a aplicar-se o dever de adequação, é manifesto que não poderia haver grande variação de classes de ativos, mas temos aplicações em empresas de património, com uma atuação em setores e locais muito diversificados (Rio Forte) e financeira (Esfil), por prazos diversos. Não sendo, ao tempo, expetável um “risco de grupo”, tratava-se de uma carteira que sendo pequena era ainda diversificada.
Não surpreendemos, assim, falta de diversificação nas propostas de investimento apresentadas à recorrente que pudesse ser considerada violação do dever de adequação, improcedendo os argumentos da recorrente nesta parte.
Na improcedência das conclusões apresentadas, é consequentemente improcedente a apelação, devendo manter-se, como decidido na sentença recorrida, a não verificação do crédito reclamado pela recorrente.
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6.5. Recurso 1.5., interposto por LAC correspondente à impugnação nº55:
O recorrente começa por alegar que dos autos resulta que, por ter sido considerado licenciado, foi considerado conservador, quando na verdade o seu perfil era de ultraconservador, não sendo um investidor profissional. A liquidanda não foi, assim, rigorosa no preenchimento do perfil de investidor e, dado este, ou seja, de ultraconservador, deveria ter prestado, por escrito informação sobre o risco de perda integral do seu investimento.
Defende que não lhe tendo sido entregue qualquer outro documento que não a ordem de execução, o qual não é um documento informativo, não foram cumpridos os deveres de informação sobre o produto.
Mais alega que, tendo sido apurado que a gestora não leu ao recorrente as menções respeitantes ao caráter adequado da operação e que, se lhe tivesse sido explicado que o instrumento não era adequado para si, ele não o teria subscrito, é de partir do princípio que se lhe tivesse sido explicado o risco do seu investimento, ele não o teria realizado, dado que se auto caracterizou como desconsiderando qualquer investimento que não lhe assegurasse a totalidade do capital investido.
O recorrente apenas subscreveu um produto que levou à perda da totalidade do capital investido porque esse risco lhe foi omitido, tendo a liquidanda violado os seus deveres e sendo responsável pela reparação do dano causado, nos termos dos arts. 304º e 312º do CVM.
O recorrido pede a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida, apontando que é trazida de novo no recurso uma questão que não foi apreciada pela 1ª instância por ali não ter sido alegada, a alegação de que o recorrente não é licenciado e que, em consequência, o seu perfil não é conservador, mas ultraconservador, questão aliás afastada pela matéria de facto assente e não impugnada (factos 55.4 e 55.5).
Sem prejuízo, as obrigações subscritas poderiam sê-lo por qualquer dos dois perfis, sendo o que distingue os dois perfis, a predisposição para investimento em ações, que não está em causa.
As caraterísticas do investimento e os riscos inerentes ao mesmo estavam expostos de forma completa nos documentos de ordem de subscrição que o recorrente subscreveu sucessivamente e o próprio recorrente assumiu ter conhecimento de produtos mais complexos e ter já investido em obrigações.
Alega que o facto provado 55.16 é irrelevante dado que a matéria ali constante não se aplica às operações subscritas pelo recorrente e a operação foi avaliada como adequada ao perfil do cliente.
Defende que não se apurou a prática de qualquer ilícito pela liquidanda e que, ainda que assim se não entendesse, é manifesta a falta de nexo de causalidade entre as perdas sofridas e qualquer informação sobre o produto, sobre o emitente, sobre eventuais conflitos de interesses ou errada avaliação do perfil ou errada classificação do produto.
A decisão recorrida caraterizou a relação jurídica estabelecida entre o recorrente e a liquidanda, bem como a atuação desta, ao receber e executar ordens de subscrição de instrumentos financeiros, como intermediária financeira, estando assim adstrita aos deveres previstos nos arts. 304º e ss., 312º e 323º do CVM.
Relativamente à alegada realização de investimento não adequado ao perfil do recorrente com violação dos deveres de informação e de adequação o tribunal a quo analisou a prova produzida e concluiu que o recorrente optou pela subscrição de obrigações Rio Forte informado das respetivas caraterísticas e eventuais consequências adversas, tendo a informação fornecida sido considerada suficiente face aos conhecimentos do recorrente declarados no questionário de perfil e resultantes de ter já investido neste ativo.
Quanto à adequação do produto ao perfil do credor, a sentença recorrida analisou as caraterísticas do ativo e classificou-o como obrigação simples, logo, adequado, pelo que concluiu pela irrelevância da falta de assinatura do credor na 1ª página das ordens de subscrição e falta das advertências ali constantes. O tribunal também analisou e concluiu pela regularidade do facto de o credor ter dado a ordem de subscrição telefonicamente e só depois ter assinado o documento de subscrição.
No tocante à informação prestada acerca de conflito de interesses, o tribunal a quo considerou que a liquidanda prestou a informação devida, mediante informação da sua política na matéria e do facto de integrar o mesmo Grupo que a emitente. Considerou igualmente a inexistência de qualquer benefício por parte da liquidanda na comercialização do produto.
Finalmente o tribunal analisou a informação disponível, ao tempo, à liquidanda e à gestora de conta e entendeu não demonstrado que tivessem conhecimento de quaisquer circunstâncias que desaconselhassem o investimento realizado pelo Impugnante ou indiciassem o incumprimento da emitente que se veio a verificar.
Julgou, assim, improcedente a impugnação e não verificado o crédito reclamado, por falta de demonstração de qualquer dos requisitos da responsabilidade civil da liquidanda enquanto intermediária financeira.
Apreciando:
A primeira questão suscitada pelo recorrente prende-se com a respetiva classificação como investidor, sendo alegado que, por não ser licenciado, mas ter apenas uma formação média decorrente de um curso comercial, o resultado do seu perfil seria, não conservador, mas ultra conservador, ou seja, um “investidor que não tem perceção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros”, que investe “maioritariamente depósitos a prazo, instrumentos do mercado financeiro e obrigações” e que “investe raramente em produtos financeiros”, com o propósito de ter “remuneração regular e acesso rápido a liquidez” e cuja “tolerância ao risco é baixa e a prioridade é a preservação do capital”, tendo ainda um horizonte de investimento muito baixo “< 1 ano”.
Percorre, seguidamente, as declarações prestadas pela testemunha APR quanto ao preenchimento do questionário de perfil e as declarações do recorrente quanto ao tipo de ativos em que investiu, para concluir pela correção do perfil de ultraconservador e extrair daí consequências.
No entanto o recorrente não impugnou a decisão relativa à matéria de facto quanto aos factos 55.4 e 55.5, dos quais consta, precisamente, que o questionário foi elaborado de acordo com as informações prestadas pelo impugnante e entre as quais “ter como habilitações académicas licenciatura ou superior” e como resultado um “perfil conservador”.
O que significa a irrelevância desta matéria, alegada apenas em recurso e em divergência com o documento junto pelo próprio recorrente, não impugnado pelo recorrido (cfr. motivação da matéria de facto provada quanto aos factos 55.4 e 55.5 e documentos juntos pelo recorrente na impugnação apresentada).
Ainda assim, sempre se dirá que a “alteração” de perfil conservador para perfil ultraconservador não tem a consequência alegada: que a informação sobre o risco de perda do investimento teria que ser prestada autonomamente por escrito.
O art. 312º nº1 do CVM prevê como elementos sobre os quais recai o dever de informação[208]:
“- a categorização do cliente e o seu eventual direito de requerer uma categorização diferente;
- eventuais conflitos de interesses do intermediário financeiro ou das pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que comportem o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;
- os instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas; 
- os riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;
- a política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistemas de negociação multilateral;
- a existência ou a inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteçio equivalente que abranja os serviços a prestar;
- o custo do serviço a prestar.”
Referindo, no nº4 do mesmo preceito que esta informação deve ser prestada por escrito, ainda que de forma padronizada.
O nº5, por sua vez, estabelece que o fornecimento de informação por escrito significa que ela deve ser prestada em papel, exceto quando outro suporte seja adequado ao contexto da relação entre o intermediário financeiro e o investidor ou quando este tenha escolhido expressamente outro suporte.
Pese embora seja neste art. 312º CVM que encontramos a regra básica de que a extensão e profundidade da informação variam em função do grau de conhecimentos e de experiência do cliente (cfr. nº2), a regra de informação por escrito não está abrangida, sendo o nº4 incondicional, apenas com as exceções referidas no nº5.
É, assim, irrelevante do ponto de vista dos deveres de informação, o perfil conservador ou ultraconservador do investidor, o qual, verdadeiramente, releva para a extensão e profundidade da informação (não para a forma) e para a aferição, se aplicável, do dever de adequação.
A única regra que aponta para a necessidade de entrega de informação autónoma, por escrito, é o art. 2º nº2 do Decreto Lei nº 211-A/08 de 03/11, na redação então em vigor, caso o instrumento financeiro seja um produto complexo, matéria que analisaremos adiante a propósito do dever de adequação.
O recorrente aponta como violação dos deveres de informação a que a liquidanda estava adstrita o facto dado como provado sob 55.23. “Além do documento de execução de ordem sobre instrumento financeiro, não foi entregue ao Impugnante, prévia ou posteriormente à subscrição, documento informativo com as características do produto subscrito.”
No entanto, tendo em conta que se apurou (55.17, 55.18, 55.24 e 55.30) que a liquidanda informou as características da aplicação subscrita, incluindo as respetivas consequências adversas, em documentos assinados pelo recorrente (assinados na mesma página onde constam tais advertências), documentos que entregou ao recorrente e que este assinou por cinco vezes, não podemos ter por incumprido o dever de informação previsto no art. 312º-E nº1 e nº2, al. a) do CVM, na versão aplicável à data dos factos.
Encontramos de facto na lei em vigor ao tempo, uma exigência adicional quanto à informação prestada a um investidor não qualificado sobre um valor mobiliário objeto de uma oferta pública, no nº3 do art. 312º-E do CVM: a informação sobre o local onde pode ser consultado o respetivo prospeto.
Os instrumentos financeiros subscritos pelo recorrente não eram valores mobiliários objeto de oferta pública (cfr. arts. 109º e 110º do CVM).
Assim, não era exigível a entrega de qualquer outro elemento por escrito, diverso das ordens de execução, que pese embora não tenham função estritamente informativa, contêm informação, como aliás resulta do teor das mesmas cfr. arts. 55.12 a 55.18 da matéria de facto provada.
Não se surpreende, assim, no facto apurado sob o nº 55.23 da matéria de facto provada, visto no contexto da demais matéria apurada, qualquer violação dos deveres de informação por parte da liquidanda, havendo apenas que aferir, nos termos já referidos, se se tratava de um produto financeiro complexo.
Passemos à análise da relevância dos factos apurados sob 55.15 e 55.16, ou seja, e recordando,
55.15. Não foram lidas/explicadas ao Impugnante as menções constantes do rosto do documento denominado “Execução de Ordem sobre Instrumento Financeiro”, a fls. 6265, relativas a “Avaliação do carácter adequado da operação”.
55.16. Se tivesse sido explicado ao Impugnante que a Sucursal Liquidanda não podia proceder à avaliação do carácter adequado daquele tipo de instrumento financeiro e não considerava adequado à sua situação pessoal o tipo de instrumento financeiro em causa, ele não subscreveria o produto em causa.
O dever de adequação encontra consagração nos arts. 314º a 314º-D do CVM, sempre na versão aplicável, introduzidos na sequência da transposição da DMIF I[209].
Nos termos do art. 314º do CVM, sob a epígrafe Princípio Geral:
«1 - O intermediário financeiro deve solicitar ao cliente informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos.
2 - Se, com base na informação recebida ao abrigo do número anterior, o intermediário financeiro julgar que a operação considerada não é adequada àquele cliente deve adverti-lo, por escrito, para esse facto.
3 - No caso do cliente se recusar a fornecer a informação referida no n.º 1 ou não fornecer informação suficiente, o intermediário financeiro deve adverti-lo, por escrito, para o facto de que essa decisão não lhe permite determinar a adequação da operação considerada às suas circunstâncias.
4 - As advertências referidas nos n.os 2 e 3 podem ser feitas de forma padronizada.»
Consultando a mais avalizada doutrina não encontramos uma classificação totalmente coincidente deste dever, cujo papel essencial e função, no entanto, é por todos reconhecido de forma essencialmente semelhante.
Engrácia Antunes[210] considera o dever de avaliar a adequação das decisões de investimento ao perfil dos clientes consagrado neste art. 314º um afloramento do princípio geral, por excelência, da intermediação financeira, o princípio da proteção dos interesses dos clientes, concretamente do princípio de atuação de boa-fé.
Define-o como a “obrigação jurídica de o intermediário financeiro adequar os serviços prestados, “maxime”, uma determinada operação de (des)investimento em instrumentos financeiros que haja sido oferecida, solicitada ou visada, a cada tipo de cliente, mormente tendo em conta a sua categoria ou perfil enquanto investidor.”[211]
Paulo Câmara qualifica o dever de adequação como corolário do dever fundamental de lealdade[212], cujo fundamento, aponta, se liga ao investimento de confiança depositado pelo cliente na posição profissional do intermediário ou na relação contratual entre ambos firmada. Posiciona este dever no sistema de proteção do investidor, em complemento com outros deveres: os deveres de informação, de categorização de clientes, de conhecimento dos clientes, de tratamento de reclamações, de prevenção de conflitos de interesses e de adoção de política de governação de produtos.
A. Barreto Menezes Cordeiro[213], dividindo os deveres dos intermediários em dever principal (o serviço a prestar) e deveres secundários, distingue estes em deveres secundários acessórios gerais (nos quais inclui o dever de lealdade, o dever de informação e o dever de sigilo) e estes dos deveres secundários específicos, ou seja, dependentes do serviço prestado ou atividade desenvolvida, nestes integrando o dever de adequação.
Efetivamente, o conteúdo deste dever varia conforme o serviço prestado (cfr. art. 314º-A do CVM) como se pode verificar da maior intensidade prevista para a gestão de carteiras e consultoria para investimento, nenhum dos quais em causa quanto a este recorrente.
André Alfar Rodrigues[214], declarando aderir à proposta de classificação de António Barreto Menezes Cordeiro, refere que, em termos sumários, “o intermediário financeiro tem o dever de realizar um teste de adequação adaptado ao perfil do investidor, quando procurado por este para recorrer a um novo serviço ou para investir num determinado investimento financeiro”, devendo, para a realização deste teste, solicitar ao cliente informação detalhada sobre os seus conhecimentos e experiência em matéria de investimentos.
Trata-se de um dever complexo[215] ou decomposto em plúrimos deveres distintos interligados e instrumentais ao mesmo fim[216]:
- o dever de recolha de informação do cliente;
- o dever de avaliação de adequação;
- o dever de informação sobre a inadequação ou sobre a falta de informação obtida;
- o dever de abstenção de recomendações ou gestão de carteiras inadequadas;
- o dever de preparação de relatório de adequação (no caso de consultoria para investimento); e
- o dever de adoção de política de adequação.
De forma mais sintética A. Barreto Menezes Cordeiro[217] assinala a este dever as seguintes dimensões:
i) O dever de se informar;
ii) O dever de adequação em sentido estrito;
iii) O dever de prestar o serviço contratado; e
iv) O dever de conhecer os produtos aconselhadas ou geridos, por forma a garantir o cumprimento do dever de adequação.
No caso verificamos que, conforme resulta dos factos 55.4 e 55.5, foi recolhida informação sobre o cliente e achado um perfil conservador, apontando para tolerância ao risco baixa a moderada, objetivos de preservação do capital e remuneração regular com potenciação de valorização.
No tocante ao produto, propriamente dito, apurou-se, com relevo:
55.25. Nas “Notes” Rio Forte subscritas, as datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios já estavam definidas no momento da subscrição e foram transmitidas ao Impugnante verbalmente, pela sua gestora de conta, e mediante documento.
55.26. As “Notes” Rio Forte subscritas venciam juros a uma taxa de juros remuneratórios fixa e determinada no momento da subscrição destes produtos.
55.27. A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da Rio Forte, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
55.28. As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
Face a esta caraterização, e pese embora a sua caraterização enquanto produtos complexos pelo BPES Suíça, importa aferir se tal classificação corresponde ao produto, importando, para este efeito, as suas reais caraterísticas.
Os instrumentos financeiros subscritos são obrigações, ou seja, «valores mobiliários que, numa mesma emissão, conferem direitos de créditos iguais» - cfr. art. 348º nº1 do CSC e art. 1º, nº1, al. b) do CVM.
“Enquanto bem mobiliário, a obrigação consiste num documento representativo de um direito de crédito que confere ao seu titular, a faculdade de exigir a restituição da quantia avançada, a que acrescem os juros acordados, na data de vencimento do empréstimo.”[218]
 O titular da obrigação é um credor e a relação jurídica subjacente é, tipicamente um contrato de mútuo.
Partindo do elenco não taxativo[219] do art. 360º do CSC podemos encontrar, segundo a sistematização proposta por A. Barreto Menezes Cordeiro, modalidades de obrigações i) quanto aos juros: existência, modo de pagamento e cálculo; ii) quanto ao capital: com ou sem reembolso; iii) quanto à proteção concedida aos obrigacionistas e iv) quanto aos direitos especiais conferidos aos obrigacionistas.
Quanto aos juros, temos claramente obrigações que preveem pagamento de juro, na maturidade, a taxa fixa (360º, nº1, al. a), 1ª parte, do art. 360º CSC).
Quanto ao capital, são obrigações que preveem reembolso[220] em prazo igualmente fixo.
Quanto à proteção concedida, são obrigações comuns, no sentido de não serem nem hipotecárias, titularizadas, nem subordinadas e não resultando conferirem quaisquer direitos especiais.
Tendo presente o regime do Decreto Lei nº 211-A/2008, de 03/11, em vigor à data dos factos[221] são produtos financeiros complexos «Os instrumentos financeiros que, embora assumindo a forma jurídica de um instrumento financeiro já existente, têm características que não são directamente identificáveis com as desse instrumento, em virtude de terem associados outros instrumentos de cuja evolução depende, total ou parcialmente, a sua rendibilidade»
Pese embora esta categoria tenha sido abolida em 2018[222] a categoria concetual ficou, como resulta da atual redação do art. 314º, nº1, al. a), subalínea v) do CVM, bem como as especiais exigência de informação e publicidade que os rodeiam, dadas as suas caraterísticas de “instrumentos financeiros cuja especial complexidade, sobretudo no que respeita à percepção dos riscos que o investimento neste tipo de produtos envolve” por incorporarem riscos e características de dois ou mais instrumentos financeiros de diferente estrutura e natureza sob a aparência de um instrumento financeiro único[223].
As obrigações subscritas pelo recorrente não revestem qualquer destas caraterísticas, são obrigações simples, instrumentos de dívida com prazo e taxa fixas e reembolso de capital que apenas dependem do decurso do tempo, não incorporando mais que os seus próprios riscos pelo que, com segurança, acompanhamos a conclusão atingida pelo tribunal recorrido de que estas obrigações “4% RIO FORTE INVESTMENTS SA EMTN SR-231- 2014/10.07.2014, ISIN XS1057725647” não são produtos financeiros complexos.
Há que referir, em aditamento, face ao facto apurado sob 55.27., que é irrelevante para a conclusão pela complexidade do produto financeiro, a classificação que o intermediário lhe atribuiu.
Isto porque a classificação dos produtos é uma realidade, fática e jurídica, completamente diversa da classificação dos clientes. A classificação do cliente é um dever do intermediário financeiro[224], enquanto que a classificação dos produtos financeiros é uma classificação legal em função de determinadas caraterísticas dos produtos, sendo obrigatória a sua identificação como complexos, reunidas tais caraterísticas[225].
O intermediário financeiro tem, assim, um dever de identificação dos produtos complexos (e para isso tem que os classificar), mas a própria classificação é objetiva, resultando das caraterísticas dos instrumentos. Releva se o produto é ou não complexo, e para chegar a essa conclusão estão provados os factos já ponderados (no caso os factos constantes de 55.25. e de 55.26.).
Aliás, a questão da complexidade do produto apenas é suscetível de relevar em sede de intensidade dos direitos de informação e de avaliação do cumprimento (se devido) dos deveres de adequação. E, para esse efeito, não importa a classificação que lhe foi dada: o que importa é se os produtos são ou não efetivamente complexos.
Aqui chegados podemos também afastar a necessidade de entrega de prospeto explicativo, nos termos do art. 2º nº 2 do Decreto Lei nº 211-A/08 de 03/11 que acima havíamos hipotizado.
Voltando à análise do dever de adequação, estamos igualmente em condições de concluir que sendo estas as caraterísticas do produto, elas eram conhecidas da própria liquidanda e foram devidamente esclarecidas ao recorrente.
Finalmente quanto ao risco do produto, avaliado no momento da subscrição, apuraram-se os seguintes factos:
55.21. A Liquidanda ou os seus colaboradores, não transmitiram ao Impugnante que realizar a subscrição em apreço, ou as que realizou anteriormente na Rio Forte, equivaleria a realizar um depósito a prazo.
55.22. A Liquidanda ou os seus colaboradores, não garantiram ao Impugnante a desmobilização dos montantes aplicados em qualquer altura.
55.25. Nas “Notes” Rio Forte subscritas, as datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios já estavam definidas no momento da subscrição e foram transmitidas ao Impugnante verbalmente, pela sua gestora de conta, e mediante documento.
55.26. As “Notes” Rio Forte subscritas venciam juros a uma taxa de juros remuneratórios fixa e determinada no momento da subscrição destes produtos.
55.27. A sede da Liquidanda, na Suíça, classificou as obrigações da Rio Forte, para efeitos internos, como produtos financeiros complexos.
55.28. As demais entidades que ofereciam estes produtos aos seus clientes nunca os classificaram como complexos, comercializando-os sempre como um produto não complexo.
55.34. A Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes tanto produtos financeiros do Grupo Espirito Santo, como outros.
55.35. A Liquidanda só tinha acesso à informação pública sobre a Rio Forte, nomeadamente, ao relatório e contas da sociedade.
55.36. Pelo menos até ao final de Junho de 2014, as obrigações Rio Forte foram reembolsadas no vencimento.
55.37. A colocação de obrigações da Rio Forte inseriu-se num programa quadro de colocação de obrigações desta sociedade, denominado “Euro Medium Term Note Programme”.
55.38. Pela organização da emissão de obrigações Rio Forte e sua colocação junto dos seus clientes, a Liquidanda cobrou a comissão de 0,5%, calculada pro rata temporis sobre os valores emitidos, em linha com as que cobra para a colocação de obrigações de outras empresas.
55.39. A Liquidanda não recebeu quaisquer instruções, ordens ou recomendações para colocar obrigações da Rio Forte.
55.40. A Liquidanda não recebeu qualquer prémio, incentivo ou remuneração especial pela colocação de obrigações Rio Forte.
55.41. Em 2014, os investimentos em dívida do Grupo Espírito Santo, representavam cerca de 15% do portefólio dos clientes da Liquidanda.
55.42. A Liquidanda não assumiu perante a Rio Forte obrigações de colocação de um mínimo de valores mobiliários ou de subscrição de eventuais valores mobiliários não colocados.
55.43. A Liquidanda aceitou obrigações Rio Forte como garantia de empréstimos concedidos.
55.44. Em 2014, os gerentes da Liquidanda decidiram diversificar a carteira dos clientes da Liquidanda e reduzir os investimentos em dívida do Grupo Espírito Santo.
55.45. A gestão corrente da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e a articulação com a sua sucursal em Portugal, era assegurada por um Comité Executivo composto por JCA, PAC e SF.
55.46. A Comissão Executiva da Rio Forte era composta por três membros: JP, GC e CG.
55.47. Nenhum dos administradores da Banque Privée Espirito Santo, S.A. tinha qualquer intervenção no relacionamento entre a Liquidanda e os seus clientes.
55.48. A Liquidanda não tinha acesso à informação comercial disponível no sistema da Banque Privée Espirito Santo, S.A.
A que acrescem os seguintes factos gerais:
- a liquidanda tinha administração independente da sede (factos I, II, III, XIV, XV);
- a Esfil era detida pela ESFG, que era detida em 36,2% pela ESI; a ESI detinha a 100% a Rio Forte; a Esfil e a ESFG detinham o BPES Suíça (facto XXI);
- As contas da Esfil eram auditadas pela KPMG e em 31/12/2003 aquela apresentou resultados positivos de € 36.719,00 (factos XXVIII e XXIX);
- A Rio Forte era dona dos Hotéis Tivoli, da Espírito Santo Saúde, da Herdade da Comporta e da Espírito Santo Viagens e apresentava no seu portefólio investimentos em Portugal, no Brasil, em Angola, em Moçambique, na República do Congo e no Paraguai, e detinha interesses no turismo, na saúde, no imobiliário, na agricultura e na energia. (factos XXXIV e XXXV);
- Em 02/08/2013 o Departamento de Risco Global do Grupo Espírito Santo avaliou o risco de crédito da Rio Forte em “B+” (facto XXXVI);
- No final de Outubro de 2013 foi noticiado que a Rio Forte planeava a realização, em 2014, de um encaixe de aproximadamente mil milhões de euros, mediante a dispersão em bolsa de partes do capital da Espírito Santo Saúde, sua participada, e da própria Rio Forte (facto XXXVII);
- As contas da Rio Forte de 2012 e 2013 eram auditadas, supervisionadas e certificadas, apresentando um EBITDA (resultado antes de encargos financeiros, impostos e amortizações) de €128.359.000,00 em 2013 e de €76.081.000,00 em 2012 (factos XXXVIII e XXXIX) e, em 2012 apresentava um capital próprio positivo de €966.938.000,00 e de €932.015.000,00 em 2013 (factos XXXVIII, XXXIX e XL);
- A Rio Forte era a holding da área não financeira do Grupo Espírito Santo, até à alteração da estrutura do grupo com a aquisição de 49,26% da ESFG, com efeitos a 31.12.2013, após a qual passou a deter a área financeira e a não financeira (facto XLI).
Este conjunto de factos implica que, à data (abril de 2014), de acordo com as informações disponíveis à liquidanda, as obrigações Rio Forte eram um instrumento de baixo risco, adequado ao perfil conservador (e mesmo ao perfil ultraconservador).
Ou seja, tratava-se de um instrumento financeiro e de uma ordem cuja execução era adequada ao cliente e ao respetivo perfil, tendo assim, sido dado cumprimento ao disposto no art. 314º nº1 do CVM.
Tendo o produto sido avaliado como adequado para o cliente, cujo perfil era conhecido, não se aplicavam à situação os nºs 2 e 3 do art. 314º do CVM, que prescrevem que, tendo sido colhida informação sobre o cliente, se a operação for avaliada como não adequada ao seu perfil ou que, não tendo o cliente fornecido informação, não for possível avaliar a respetiva adequação, deve este ser advertido por escrito. Acrescenta o nº4 que essa advertência pode ser feita de forma padronizada.
Tratam-se, afinal, das advertências referidas em 55.15 e 55.16 da matéria de facto provada que, efetivamente, não foram assinadas pelo cliente porque não se aplicavam àquela ordem de subscrição, avaliada como adequada.
O art. 314º-D do CVM prevê o que A. Barreto Menezes Cordeiro denomina um “regime simplificado” e Paulo Câmara como uma derrogação dos deveres de adequação[226] - na prestação de serviços de execução estrita não se aplica o disposto no art. 314º do CVM desde que estejam reunidas quatro condições cumulativas[227]:
“a) que o objeto da operação verse sobre instrumentos financeiros não complexos;
b) que o serviço tenha sido prestado por iniciativa do cliente;
c) o cliente tenha sido claramente advertido por escrito, ainda que de forma padronizada, de que, na prestação deste serviço o intermediário financeiro não é obrigado a determinar a adequação da operação considerada às circunstâncias do cliente; e
d) o intermediário financeiro cumpra os deveres relativos a conflitos de interesses previstos no presente Código.
Assim o dever de adequação aplica-se a todos os serviços de intermediação financeira, incluindo a execução de ordens, a menos que estejam verificados os requisitos do nº1 do art. 314º-D do CVM.
Pese embora não se trata de matéria alegada, deixamos consignado que o art. 314º-D nº1 do CVM seria aplicável na situação retratada na matéria de facto apurada, dado que estamos perante instrumentos financeiros não complexos, trata-se de serviço prestado por iniciativa do cliente, o contrato de abertura de conta contém, de forma padronizada, a advertência por escrito prevista na al. c) do nº1[228] e se mostram prevenidos os riscos de conflitos de interesses.
Neste ponto resta avaliar a alegação de incumprimento do dever de avaliação que o recorrente identifica na omissão da informação sobre o risco de perda da totalidade do capital investido.
Face à matéria de facto dada como provada em 55.18, é bastante claro que o recorrente declarou ter sido informado “sobre as consequências que resultam ou podem resultar do investimento que pretendo concretizar em instrumentos financeiros, incluindo as adversas, nomeadamente (…) iii) da sujeição ao risco de solvabilidade da contraparte pode resultar, sempre e em qualquer circunstância, a perda da totalidade do capital investido e/ou da rentabilidade associada, ainda que as características dos instrumentos financeiros prestem tal garantia;”
Não sendo, à data previsível o risco de insolvência da emitente, esta era a informação exigível e que foi prestada.
Não podemos obliterar que “- o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa – em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento (Ac. STJ de 06.06.2019, P. 447/17, e Filipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários financeiros em relação aos seus clientes e responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31, pag. 4 e sgs.).”, como referido no Ac. STJ de 06/05/2021 (Ferreira Lopes), a que podemos acrescentar, no mesmo sentido, o Ac. STJ de 17/06/2021 (Catarina Serra) no qual se decidiu “Não tendo os autores adoptado um comportamento adequado a proteger ou a salvaguardar os seus investimentos, como podiam e seria prudente terem feito quando se tornou visível o processo de desvalorização da carteira de investimentos, e tendo esta passividade dos autores concorrido para o agravamento dos danos, deve a indemnização a cargo da ré, sociedade gestora da carteira, ser reduzida em conformidade.” e o Ac. STJ de 10/09/2020 (Ilídio Sacarrão Martins), entre muitos outros.
Não se mostra necessário, como tem sido decidido pela nossa jurisprudência, advertir para todos os riscos envolvidos, mesmo em caso de investidores não profissionais. É do conhecimento comum que não existem investimentos sem risco – nem os depósitos a prazo, como referido na decisão recorrida.
Tal tem sido decidido de forma coincidente na jurisprudência. Assim, no Ac. TRP de 21/03/2013 (Leonel Serôdio), decidiu-se que “O intermediário financeiro, no âmbito de um contrato de transmissão e execução de ordem, não tem o dever de prestar informações relativas ao risco de insolvência do emitente, que corre por conta do investidor e é imprevisível à data da subscrição, nem sobre a evolução do investimento.”. No mesmo sentido Ac. TRC de 17/06/2019 (Carlos Moreira) e Ac. STJ de 11/10/2018 (Maria do Rosário Morgado).
Improcedem, assim, todas as conclusões da apelação, confirmando-se o juízo da decisão recorrida de que não se encontra demonstrado qualquer dos requisitos da responsabilidade civil da liquidanda enquanto intermediária financeira.
*
6.6. Recurso 1.6., interposto por MSL correspondente à impugnação nº27:
A recorrente alega que os investimentos realizados violaram de forma gravosa as pretensões de investimento expressamente comunicadas por si ao seu gestor de conta na liquidanda, que realizou investimentos desadequados ao perfil de risco da cliente, que não foi recolhido, omitindo elementos relevantes sobre os produtos financeiros investidos em nome da Recorrente.
Quanto a estes, argumenta que, em nenhum momento o gestor de conta informou a Impugnante sobre quaisquer riscos associados aos instrumentos de dívida do GES ou à qualidade creditícia das empresas do GES, nomeadamente da Rio Forte e da ESFIL, antes tendo sempre assegurado a fiabilidade dos investimentos realizados, como se comprova através da informação escrita que foi entregue à Recorrente e que se juntou como Doc. 1.4 na Impugnação.
Mais alega que, da parte da liquidanda, não houve a preocupação de diversificar o risco das aplicações, tendo a totalidade do capital, sido investido em produtos do GES (Grupo Espírito Santo), o que comprova que havia um esquema implementado e que a recorrente foi vítima dele.
O Banco de Portugal proibiu a comercialização de instrumentos de dívida do Grupo Espírito Santo (GES), em 14 de fevereiro de 2014 mas, não obstante a proibição, em 28 de Fevereiro de 2014, ou seja, em data posterior à da referida proibição, o gestor de conta da liquidanda, por conta da recorrente, investiu o montante de €1.100.000,00 em obrigações da Rio Forte, S.A. (Rio Forte), o que, uma vez mais, comprova o esquema implementado, sendo que, à data dos investimentos realizados, o gestor de conta da recorrente não podia ignorar que a ESFIL e a Rio Forte já estavam em franco declínio, nem podia ignorar a ordem de proibição de comercialização de instrumentos de dívida do Grupo Espírito Santo, determinada em 14 de fevereiro de 2014.
Defende, assim, que a Liquidanda, aquando da comercialização do papel comercial e títulos de dívida de empresas do GES, conhecia, ou pelo menos devia conhecer, que havia um sério risco de que essas entidades não cumprissem os respetivos compromissos, na data do vencimento.
É manifesto que a Liquidanda procedeu à comercialização dos produtos financeiros do GES, em violação do perfil de risco da Recorrente e sem atender à adequação do investimento ao cliente, tendo em conta a sua experiência, conhecimento e riscos a suportar.
A Recorrente, que tem um perfil de investidor conservador, como era do conhecimento do seu gestor de conta e foi induzida em erro, através da prestação de informação incorreta sobre os produtos que lhe foram indicados a subscrever, com total falta de prestação de informação sobre a natureza, riscos associados aos instrumentos de dívida do GES e à qualidade creditícia das empresas do GES.
A Recorrente foi levada a crer pelo seu gestor, através das informações que lhe prestou sobre as aplicações financeiras propostas, que estava a adquirir produtos com risco semelhante a depósitos a prazo.
Alega, assim, violação dos deveres de informação, do dever de adequação ao cliente e do dever de agir com diligência.
Alega igualmente que a liquidanda reconheceu o direito ao reembolso da recorrente mediante as comunicações enviadas em 07/11/14 e 21/09/2015.
Refere, em resumo que: “Conforme resultou da prova produzida em sede de audiência o gestor de conta da Recorrente junto do BPES sempre garantiu que os produtos cuja subscrição aconselhou à Recorrente eram produtos que permitiam alguma rentabilidade a título de juros, com capital garantido e sem riscos, bem como que poderiam ser resgatados a qualquer momento.
A Recorrente, desconhecendo o verdadeiro risco de tais instrumentos financeiros, e sobretudo por confiar na informação que lhe era transmitida pelo seu gestor de conta que lhe dizia que era como se fosse um depósito a prazo, aceitou subscrever tais produtos sendo que quando os pretendeu resgatar foi impedida de o fazer.
De tudo o supra exposto é manifesto que o BPES atuou com culpa, que aliás se presume, uma vez que quer, nas relações contratuais quer nas negociações pré-contratuais, agiu com dolo, violando o dever de informação a que estava obrigado para com a Recorrente como intermediário financeiro e ainda o Regime Geral das Instituições Financeiras e da CMVM.”
O recorrido contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e começando por apontar que a recorrente trouxe à instância de recurso uma questão nova, que não pode ser conhecida na presente sede – a alegação de que em 14/02/2014 o BdP proibiu a comercialização de instrumentos de dívida do Grupo Espírito Santo.
Mais alega resultar da prova produzida que era conhecido o perfil da cliente, cuja recolha por escrito não é obrigatória nos termos do nº1 do art. 314º na versão em vigor à data dos factos.
Alega que não existe fundamento na acusação de não diversificação de carteira, já que os ativos foram escolhidos precisamente por corresponderem à escolha e perfil da cliente e que, ainda que assim não se considerasse, a falta de diversificação não constitui violação de qualquer norma legal.
Não se verifica que os gestores de conta tenham sido instruídos a não realizar aplicações do GES como forma de diminuir a exposição ao grupo. Não foi o que se passou, sendo o facto 27.56, não impugnado, o que resulta da prova produzida.
No tocante à imputação de violação de deveres de informação, não ocorreu, como decidiu o tribunal a quo, tendo sido prestada de forma suficiente, clara, verdadeira e adequada e sendo as aplicações subscritas correspondentes à pretensão de investimento da recorrente.
As perdas da recorrente decorreram da insolvência da emitente e não da violação de qualquer dever por parte da liquidanda.
As cartas enviadas à recorrente em 07/11/2014 e 21/09/2015 não contêm qualquer reconhecimento de crédito.
Ad cautelam alega não serem devidos os juros remuneratórios que seriam pagos na data do vencimento das obrigações, mas apenas o valor investido e não reembolsado, e, não sendo conhecido o valor a pagar nos processos de insolvência dos emitentes, não serem devidos juros de mora dado que a perda é, neste momento, impossível de apurar.
A decisão recorrida, na parte respeitante aos créditos não reconhecidos, foi motivada pela seguinte e sintetizada forma: o tribunal caraterizou os contratos celebrados pelas partes (abertura de conta e gestão de carteiras) e a atividade da liquidanda como intermediação financeira. O tribunal considerou que se tinha apurado que a recorrente havia assumido algum risco, tendo informado o gestor que pretendia aplicações conservadoras e que garantissem liquidez. A subscrição de obrigações Rio Forte e Esfil ocorreu por ordem da recorrente, a qual foi devidamente informada dos riscos do investimento e sobre as emitentes dos ativos, não tendo a liquidanda assumido o pagamento das obrigações em caso de incumprimento ou insolvência daquelas e tendo sido esclarecido que os investimentos não se tratavam de depósitos à ordem.
Seguidamente, e dado o perfil apurado da cliente e o facto de o gestor de conta ter assegurado tratarem-se de investimentos correspondentes a um perfil conservador e de baixo risco, o tribunal concluiu que, à data, e de acordo com os dados publicamente disponíveis, os únicos a que a liquidanda tinha acesso e tendo ainda em conta não se ter apurado a existência de conflito de interesses, assim era. Tratavam-se de instrumentos financeiros não complexos não exigindo, assim, adicional proteção do investidor.
Na falta de avaliação do cliente – avaliação de facto não apurada – o intermediário deve trata-lo como investidor não qualificado e conceder-lhe o mais elevado nível de proteção, designadamente ao nível da informação transmitida, o que, no caso, tratando-se as obrigações subscritas de instrumentos financeiros não complexos, foi cumprido.
Assim, e sendo todos os requisitos da responsabilidade civil do intermediário cumulativos não tendo os mesmos sido apurados, o tribunal concluiu pela parcial improcedência da impugnação, e pela não verificação dos créditos reclamados relativos ao investimento no montante de €1.000.000,00, em obrigações da Espírito Santo Financière (ESFIL), e no montante de €1.100.000,00 em obrigações da Rio Forte, S.A. (Rio Forte).
*
Apreciando:
 O primeiro argumento avançado pela recorrente é o da violação do dever de adequação.
Trata-se da regra consagrada nos arts. 314º a 314º-D do CVM, sempre na versão aplicável, introduzidos na sequência da transposição da DMIF I[229].
Nos termos do art. 314º do CVM, sob a epígrafe Princípio Geral:
«1 - O intermediário financeiro deve solicitar ao cliente informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos.
2 - Se, com base na informação recebida ao abrigo do número anterior, o intermediário financeiro julgar que a operação considerada não é adequada àquele cliente deve adverti-lo, por escrito, para esse facto.
3 - No caso do cliente se recusar a fornecer a informação referida no n.º 1 ou não fornecer informação suficiente, o intermediário financeiro deve adverti-lo, por escrito, para o facto de que essa decisão não lhe permite determinar a adequação da operação considerada às suas circunstâncias.
4 - As advertências referidas nos n.os 2 e 3 podem ser feitas de forma padronizada.»
Consultando a mais avalizada doutrina não encontramos uma classificação totalmente coincidente deste dever, cujo papel essencial e função, no entanto, é por todos reconhecido de forma essencialmente semelhante.
Engrácia Antunes[230] considera o dever de avaliar a adequação das decisões de investimento ao perfil dos clientes consagrado neste art. 314º um afloramento do princípio geral, por excelência, da intermediação financeira, o princípio da proteção dos interesses dos clientes, concretamente do princípio de atuação de boa-fé.
Define-o como a “obrigação jurídica de o intermediário financeiro adequar os serviços prestados, “maxime”, uma determinada operação de (des)investimento em instrumentos financeiros que haja sido oferecida, solicitada ou visada, a cada tipo de cliente, mormente tendo em conta a sua categoria ou perfil enquanto investidor.”[231]
Paulo Câmara qualifica o dever de adequação como corolário do dever fundamental de lealdade[232], cujo fundamento, aponta, se liga ao investimento de confiança depositado pelo cliente na posição profissional do intermediário ou na relação contratual entre ambos firmada. Posiciona este dever no sistema de proteção do investidor, em complemento com outros deveres: os deveres de informação, de categorização de clientes, de conhecimento dos clientes, de tratamento de reclamações, de prevenção de conflitos de interesses e de adoção de política de governação de produtos.
A. Barreto Menezes Cordeiro[233], dividindo os deveres dos intermediários em dever principal (o serviço a prestar) e deveres secundários, distingue estes em deveres secundários acessórios gerais (nos quais inclui o dever de lealdade, o dever de informação e o dever de sigilo) e estes dos deveres secundários específicos, ou seja, dependentes do serviço prestado ou atividade desenvolvida, nestes integrando o dever de adequação.
Efetivamente, o conteúdo deste dever varia conforme o serviço prestado (cfr. art. 314º-A do CVM), como se verifica da parte não recorrida da presente impugnação, cuja solução foi ditada pela aplicação do dever de adequação aos serviços de gestão de carteiras.
André Alfar Rodrigues[234], declarando aderir à proposta de classificação de António Barreto Menezes Cordeiro, refere que, em termos sumários, “o intermediário financeiro tem o dever de realizar um teste de adequação adaptado ao perfil do investidor, quando procurado por este para recorrer a um novo serviço ou para investir num determinado investimento financeiro”, devendo, para a realização deste teste, solicitar ao cliente informação detalhada sobre os seus conhecimentos e experiência em matéria de investimentos.
Trata-se de um dever complexo[235] ou decomposto em plúrimos deveres distintos interligados e instrumentais ao mesmo fim[236]:
- o dever de recolha de informação do cliente;
- o dever de avaliação de adequação;
- o dever de informação sobre a inadequação ou sobre a falta de informação obtida;
- o dever de abstenção de recomendações ou gestão de carteiras inadequadas;
- o dever de preparação de relatório de adequação (no caso de consultoria para investimento); e
- o dever de adoção de política de adequação.
De forma mais sintética A. Barreto Menezes Cordeiro[237] assinala a este dever as seguintes dimensões:
v) O dever de se informar;
vi) O dever de adequação em sentido estrito;
vii) O dever de prestar o serviço contratado; e
viii) O dever de conhecer os produtos aconselhadas ou geridos, por forma a garantir o cumprimento do dever de adequação.
A recorrente, ao alegar não ter sido recolhida informação sobre a cliente, traz à apelação a matéria da violação do dever de conhecimento do cliente que, como vimos, se reconduz ao dever geral de adequação.
O art. 314º-D do CVM prevê o que A. Barreto Menezes Cordeiro denomina um “regime simplificado” e Paulo Câmara como uma derrogação dos deveres de adequação[238] - na prestação de serviços de execução estrita não se aplica o disposto no art. 314º do CVM desde que estejam reunidas quatro condições cumulativas[239]:
“a) que o objeto da operação verse sobre instrumentos financeiros não complexos;
b) que o serviço tenha sido prestado por iniciativa do cliente;
c) o cliente tenha sido claramente advertido por escrito, ainda que de forma padronizada, de que, na prestação deste serviço o intermediário financeiro não é obrigado a determinar a adequação da operação considerada às circunstâncias do cliente; e
d) o intermediário financeiro cumpra os deveres relativos a conflitos de interesses previstos no presente Código.
Assim o dever de adequação aplica-se a todos os serviços de intermediação financeira, incluindo a execução de ordens, a menos que estejam verificados os requisitos do nº1 do art. 314º-D do CVM.
Passando, após este breve excurso, ao caso concreto, temos que notar uma aparente contradição na alegação da recorrente, quando começa por afirmar que os investimentos não foram adequados às suas instruções comunicadas e depois alega que não foi recolhida informação sobre si.
A contradição é, porém, aparente e não real.
O dever de adequação tal como resulta do regime legal é pensado e desenhado para a proteção do investidor, designadamente, mas não só, de si próprio.
Assim, o mero desrespeito pelas ordens do investidor – pelas pretensões de investimento comunicadas – não implica automaticamente uma violação do dever de adequação. O dever de adequação é relativo ao investidor e não às pretensões do investidor.
Tal retira-se com bastante segurança da previsão expressa dos nºs 2 e 3 do art. 314º do CVM: o intermediário deve advertir o cliente por escrito se considerar que a operação não é adequada e, se o investidor não prestar a informação necessária para a realização do teste de adequação, o intermediário deve adverti-lo por escrito que não pode, por esse motivo, avaliar a adequação da operação. Este regime implica que se o investidor, apesar de advertido por escrito, prosseguir na operação, assume inteiramente as consequências de prescindir do teste de adequação. A exigência de comunicação expressa, por escrito, mesmo que padronizada é, também claramente, uma medida de proteção do investidor de si próprio[240].
Ou seja, saber qual a vontade do investidor não equivale a conhecer o investidor, sendo ambos os conhecimentos exigidos pelo dever de adequação. Assim, o conhecimento da vontade do investidor é também um dos elementos a recolher, mas não exclui o dever de recolha de mais informação.
Com relevância apurou-se:
27.4. Aquando da abertura de conta (23/10/2009) não foi solicitada à Impugnante qualquer informação sobre a sua situação financeira, objectivos de investimento, experiência e conhecimentos necessários para conhecer os riscos de determinado instrumento financeiro ou serviço considerado.
27.5. Também não lhe foram solicitadas quaisquer informações sobre o seu nível de habilitações académicas ou profissionais, dos tipos de serviços, operações e instrumentos financeiros com que estaria familiarizada e a natureza, o volume e a frequência de eventuais anteriores operações em instrumentos financeiros que houvesse realizado bem como sobre o período durante o qual foram essas anteriores operações realizadas.
27.6. Na data de abertura da conta junto da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A., a Impugnante informou expressamente o seu gestor de conta que apenas pretendia investir o seu capital em aplicações conservadoras e que lhe garantissem liquidez.
27.7. Em 26.10.2009, a Impugnante entregou a JASum cheque sacado sobre o Banco Santander Totta, S.A., no valor de €2.610.000,00, valor que foi depositado na conta bancária n.º 850.287.01.100, em nome da Impugnante.
27.8. Com o dinheiro depositado na referida conta, JASprocedeu à constituição de dois depósitos a prazo, com as seguintes denominações e valores:
a) D.P. Crescente a 3 anos, no valor de €2.100.000,00;
b) D.P. Crescente a 1 ano, no valor de €510.000,00.
27.9. No final do ano de 2009, a Impugnante entregou a JAS um segundo cheque, de €100.000,00, valor com o qual, em 12.3.2010, foi constituído um depósito a prazo no valor de €102.000,00.
27.11. Em 2010, a Impugnante celebrou um “Contrato de Gestão de Carteiras”, com o clausulado de fls.1399 e ss., que aqui se dá por integralmente reproduzido, dando instruções para o investimento do valor de €110.000,00 no perfil “A”.
27.12. Na data em que conferiu mandato de gestão, a Impugnante voltou a informar o seu gestor de conta da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A. que apenas pretendia manter o seu capital investido em aplicações com o mínimo nível de risco.
27.13. O “Contrato de Gestão de Carteiras”, no seu anexo referente a perfis de investimento, definia o perfil “A” do seguinte modo:
1. Perfil: Horizonte de investimento: até 2 anos;
2. Objetivos: Preservação do valor dos activos num cenário desfavorável a médio prazo; Crescimento regular; Benchmark: Euribor 12 meses.
3. Alocação de activos: Tesouraria (liquidez e aplicações a prazo, instrumentos do mercado monetário, certificados de depósito, bilhetes do tesouro, papel comercial ou dívida pública a vencimento – 0% a 100%; fundos de investimento, harmonizados ou não, predominantemente investidos em instrumentos de taxa de juro, na sua maioria taxa de juro flutuante – 0% a 100%; Exposição cambial média – máximo de 10%
4. Risco: Reduzido.
27.35.A Liquidanda prestou à Impugnante informação sobre a sua política de conflito de interesses e de mitigação desses conflitos, nos seguintes termos:
“2.7 Informação sobre política de conflito de interesses
O Banco adoptou uma política em matéria de conflito de interesses, que pode, mediante pedido de qualquer Cliente, ser enviado para o seu endereço electrónico ou morada postal.
O Banco desenvolve diversas actividades de intermediação financeira cuja execução pode propiciar a ocorrência de situação de conflitos de interesse, quer entre os interesses do Banco e dos seus Clientes, quer entre os interesses dos seus diferentes Clientes.
Tal situação é susceptível de pôr em risco a imparcialidade e independência da actuação do Banco, pelo que a criação e manutenção de regras de prevenção e gestão de conflitos, constitui uma prioridade.
O Banco está obrigado a organizar-se de modo a identificar possíveis conflitos de interesse e a actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência. Para o efeito prestará a todos os seus Clientes um tratamento transparente e equitativo.
A política adoptada pelo Banco, com vista à gestão destes conflitos, contem procedimentos destinados a:
a) Assegurar que as áreas envolvidas nas actividades de intermediação serão organizadas e geridas de maneira autónoma, por pessoal afecto a cada uma delas, sem interferência da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
b) Assegurar que a informação obtida em cada área nunca se encontrará, directa ou indirectamente, ao alcance da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
c) Segregação entre as funções de decisão, execução, registo e controle;
d) Notificação ao responsável pelo Cumprimento/”Compliance Officer” das transacções efectuadas por dirigentes colaboradores mais expostos a eventuais conflitos de interesse;
e) Manutenção e monitorização de uma lista de colaboradores considerados como podendo ter acesso a informação privilegiada;
f) Prestação de formação aos colaboradores sobre prevenção e gestão de conflitos de interesses.”
27.36. A Liquidanda apresentou propostas de investimento à Impugnante não abrangidas pelo “Contrato de Gestão de Carteiras”, concretamente, subscrição de obrigações, que a Impugnante veio a aceitar.
27.38. A Liquidanda executou as ordens de investimento da Impugnante nas aplicações Rio Forte e ESFIL.
27.39. As datas de vencimento das obrigações de reembolso do capital e do pagamento de juros remuneratórios já estavam definidas no momento da subscrição.
27.40. As obrigações venciam juros a uma taxa de juros remuneratórios fixa e já determinada no momento da subscrição destes produtos pela Impugnante.
27.41. A Impugnante sabia, no momento em que deu as ordens de subscrição, que na data de vencimento o emitente teria de reembolsar integralmente o capital e pagar os juros na taxa fixada e que, não o fazendo, o emitente entraria em incumprimento perante a Impugnante.
27.42. A informação sobre a subscrição e as características das aplicações foi prestada à Impugnante, por intermédio de FFB.
27.47. A Liquidanda forneceu à Impugnante documentação, concretamente, os documentos designados “Ordem de Execução sobre Instrumento Financeiro” e a informação escrita que se mostra a fls.1433 a 1435.
27.48. A Liquidanda informou e esclareceu a Impugnante sobre as entidades emitentes das obrigações em causa – a Rio Forte e a ESFIL –, nomeadamente, sobre o facto de estas entidades integrarem o Grupo Espírito Santo, a que pertence a Banque Privée Espirito Santo, S.A.
27.50. O gestor de conta assegurou que os investimentos realizados correspondiam a um perfil conservador e de baixo risco.
27.52. A Liquidanda não recebeu instruções, ordens ou recomendações por parte da Banque Privée Espirito Santo, S.A. ou de qualquer entidade do Grupo Espírito Santo, para colocar obrigações da Rio Forte ou ESFIL.
27.53. Nenhum dos gerentes da Liquidanda deu qualquer ordem, instrução ou recomendação aos seus colaboradores para aconselhar a subscrição de obrigações da Rio Forte ou ESFIL à Impugnante ou a qualquer outro cliente.
27.54. A colocação de obrigações da Rio Forte inseriu-se num programa quadro de colocação de obrigações desta sociedade, denominado “Euro Medium Term Note Programme”.
27.57. Pelo menos até ao final de Junho de 2014, as obrigações Rio Forte foram reembolsadas no vencimento.
27.58. Pelo menos até Março de 2014, as obrigações ESFIL foram reembolsadas no vencimento.
27.59. A Liquidanda só tinha acesso à informação pública sobre as sociedades Rio Forte e ESFIL, nomeadamente, o relatório e contas das sociedades.
27.60. Tanto quanto era do conhecimento público e da Liquidanda, a ESFG e a ESFIL tinham resultados positivos.
27.61. Em 2014, a Liquidanda aceitou obrigações Rio Forte como garantia de empréstimos concedidos.
A que acrescem os seguintes factos gerais:
- a liquidanda tinha administração independente da sede (factos I, II, III, XIV, XV);
- a Esfil era detida pela ESFG, que era detida em 36,2% pela ESI; a ESI detinha a 100% a Rio Forte; a Esfil e a ESFG detinham o BPES Suíça (facto XXI);
- As contas da Esfil eram auditadas pela KPMG e em 31/12/2003 aquela apresentou resultados positivos de € 36.719,00 (factos XXVIII e XXIX);
- A Rio Forte era dona dos Hotéis Tivoli, da Espírito Santo Saúde, da Herdade da Comporta e da Espírito Santo Viagens e apresentava no seu portefólio investimentos em Portugal, no Brasil, em Angola, em Moçambique, na República do Congo e no Paraguai, e detinha interesses no turismo, na saúde, no imobiliário, na agricultura e na energia. (factos XXXIV e XXXV);
- Em 02/08/2013 o Departamento de Risco Global do Grupo Espírito Santo avaliou o risco de crédito da Rio Forte em “B+” (facto XXXVI);
- No final de Outubro de 2013 foi noticiado que a Rio Forte planeava a realização, em 2014, de um encaixe de aproximadamente mil milhões de euros, mediante a dispersão em bolsa de partes do capital da Espírito Santo Saúde, sua participada, e da própria Rio Forte (facto XXXVII);
- As contas da Rio Forte de 2012 e 2013 eram auditadas, supervisionadas e certificadas, apresentando um EBITDA (resultado antes de encargos financeiros, impostos e amortizações) de €128.359.000,00 em 2013 e de €76.081.000,00 em 2012 (factos XXXVIII e XXXIX) e, em 2012 apresentava um capital próprio positivo de €966.938.000,00 e de €932.015.000,00 em 2013 (factos XXXVIII, XXXIX e XL);
- A Rio Forte era a holding da área não financeira do Grupo Espírito Santo, até à alteração da estrutura do grupo com a aquisição de 49,26% da ESFG, com efeitos a 31.12.2013, após a qual passou a deter a área financeira e a não financeira (facto XLI).
À data da abertura de conta não foi solicitada à recorrente qualquer tipo de informação. Ao tempo tal não teve qualquer consequência, dado que as aplicações então efetuadas foram depósitos a prazo, os quais, sendo instrumentos financeiros, não estão abrangidos pelas regras dos arts. 314º e ss. do CVM[241]. Tal dever também não está previsto no art. 77º do RGICSF.
O único momento em que relevaria a prova de não solicitação de informações seria o da emissão das ordens de subscrição.
Da matéria de facto provada sob 27.11 a 27.13 se retira com clareza que, embora para outros efeitos, aliás de forma mais exigente (art. 314º-A do CVM) as informações necessárias foram colhidas no âmbito do contrato de gestão de carteira, em 2010, para o efeito de determinação do respetivo perfil de investimento.
Pese embora não saibamos quando foram emitidas as ordens de execução Rio Forte e Esfil relativamente às quais não veio a ocorrer reembolso, sabemos o respetivo prazo, pelo que sabemos que foram, seguramente, subscritas depois de 2010.
Podemos assim, concluir que o dever de conhecimento do cliente – o mesmo cliente e pelo mesmo intermediário, representado pelo mesmo gestor de conta – foi cumprido para o efeito da execução destas ordens de investimento.
Pese embora não se trata de matéria alegada, deixamos consignado que o art. 314º-D nº1 do CVM seria aplicável na situação retratada na matéria de facto apurada, dado que, indiciariamente, estamos perante instrumentos financeiros não complexos, trata-se de serviço prestado por iniciativa do cliente, o contrato de abertura de conta contém, de forma padronizada, a advertência por escrito prevista na al. c) do nº1[242] e se mostram prevenidos os riscos de conflitos de interesses.
A resposta à segunda questão identificada está já delimitada – e respondida por duas formas – os investimentos realizados corresponderam a operações com aplicações conservadoras e de baixo risco, avaliadas à época, pelo que não só se adequavam às pretensões da recorrente como ao respetivo perfil (conservador) correspondente ao perfil determinado para a gestão de carteira.
A recorrente alega, de forma autónoma, o facto de a liquidanda não ter aconselhado a recorrente por forma a que a respetiva carteira fosse diversificada, entendendo que essa falha fica demonstrada pela composição total da carteira da recorrente por instrumentos de dívida de empresas do grupo Espírito Santo (Rio Forte e Esfil).
No tocante a este ponto, o recorrido aponta não se tratar de violação de um dever legal.
Não cremos que assim seja.
A diversificação é uma forma de atenuar ou eliminar certo tipo de riscos[243]:
O risco diversificável (Não-Sistemático ou Específico) é a componente do risco total de um activo financeiro explicada por factores específicos do seu emitente, cujo impacto pode ser reduzido (e, teoricamente, eliminado) através de uma adequada diversificação da carteira de investimentos do investidor.
O risco sistemático (Não-Diversificável ou de Mercado) é a componente do risco total de um activo financeiro que não é eliminável através de diversificação - isto é, pelo investimento em muitos instrumentos financeiros de modo a que cada um tenha um peso insignificante no valor total da carteira – e que se deve à existência de factores comuns de variação do preço dos diferentes activos financeiros.
No concreto, face à composição da carteira ou à natureza dos ativos e às caraterísticas do cliente, a diversificação e a respetiva verificação são um dos elementos a avaliar para determinar a adequação, enquanto corolário do princípio de proteção do cliente. Isto porque se relaciona diretamente com o risco e sua atenuação.
Não se encontra, efetivamente, consagrado um dever de diversificação de investimentos como regra de conduta para o intermediário financeiro. Mas existe o dever de orientação da atividade para a proteção dos interesses dos clientes e da eficiência do mercado, sendo o padrão de conduta a boa fé e elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, já caraterizado como de diligentissimus pater familie[244]. A avaliação do risco e as respetivas formas de minimização incluem-se neste núcleo fundamental.
Cremos ser também neste sentido que André Alfar Rodrigues[245] ao mencionar a obrigação dos intermediários financeiros prestarem aos investidores não profissionais, os instrumentos financeiros, serviços ou operação adequados ao seu perfil de risco dá como exemplo: “A possibilidade de investimento num portfolio diversificado permite a um investidor eliminar uma grande percentagem do risco. No entanto, os investidores não profissionais não têm a capacidade de diversificar a sua carteira de investimentos, estando assim mais expostos a eventuais perdas.”.          
A diversificação para atenuação ou eliminação de riscos não tem, porém, o significado que a recorrente lhe atribui. O facto de todos os ativos serem emitidos por empresas do mesmo grupo não implica, por si, que estamos perante ativos não diversificados.
A diversificação de ativos pode passar por vários níveis ou critérios: a diversificação de risco específico (não investir tudo numa empresa só), a diversificação geográfica (se for o caso, dependendo dos ativos); a diversificação por classes de ativos (diferentes graus de risco, mais e menos liquidez), a diversificação temporal (prazos diferentes,), etc., no fundo tudo dependendo dos ativos e das caraterísticas do cliente.
No caso, face ao perfil conservador e baixa tolerância ao risco da recorrente, a aplicar-se o dever de adequação, é manifesto que não poderia haver grande variação de classes de ativos, mas temos aplicações em empresas de património, com uma atuação em setores e locais muito diversificados (Rio Forte) e financeira (Esfil), por prazos diversos. Não sendo, ao tempo, expetável um “risco de grupo”, tratava-se de uma carteira que sendo pequena (duas linhas de investimento) era ainda diversificada.
Não surpreendemos, assim, falta de diversificação nas propostas de investimento apresentadas à recorrente que pudesse ser considerada violação do dever de adequação, improcedendo os argumentos da recorrente nesta parte.
*
É seguidamente invocada a violação do dever de informação, mediante a alegação de que em nenhum momento o gestor de conta informou a Impugnante sobre quaisquer riscos associados aos instrumentos de dívida do GES ou à qualidade creditícia das empresas do GES, nomeadamente da Rio Forte e da ESFIL, antes tendo sempre assegurado a fiabilidade dos investimentos realizados, como se comprova através da informação escrita que foi entregue à Recorrente e que se juntou como Doc. 1.4 na Impugnação.
A pretensão da recorrente quanto à questão da violação do dever de informação divide-se claramente em duas partes, uma das quais prejudicada pela improcedência da impugnação relativa à matéria de facto.
A decisão acima tomada quanto à improcedência da impugnação de 27.42., 27.46. e 27.48., 27 d) e 27 e) determina, sem mais, a improcedência de parte da pretensão, dado ter-se demonstrado que foram prestadas as informações alegadas como não prestadas.
Questão diversa é a de se a informação prestada preenche os requisitos de qualidade previstos na lei.
Nos termos do nº1 do art. 312º[246] do CVM o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo, nomeadamente as respeitantes:
“a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;
b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;
c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;
d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;
e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;
f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;
g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
h) Ao custo do serviço a prestar.”
Tendo por objetivo assegurar que o investidor tome uma decisão esclarecida, o intermediário deve prestar as informações necessárias, com a antecedência suficiente para essa tomada de decisão[247].
A qualidade da informação está regulada no art. 7º do CVM que prescreve que deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.
“A qualidade da informação é essencial ao funcionamento do mercado de instrumentos financeiros. É instrumental à eficiência, equilíbrio e justiça do mercado. E é, em si mesma, uma das metas visadas pelo regime vigente de regulação das atividades relacionadas com instrumentos financeiros.”[248]
A informação é completa quando são incluídos na mensagem informativa “todos os elementos legalmente exigidos e contextualmente relevantes a respeito do referente[249]”. O conteúdo abrange não só todos os elementos exigidos por lei, mas também todas as informações de contexto relevantes.
A informação é verdadeira quando existe uma equivalência total entre o referente e a mensagem. Nas informações sobre o futuro, sendo este incerto, deve analisar-se a informação com referência à data de divulgação e aferir se era previsível – ou devia ser – para o agente que a afirmação ia ou não acontecer.
Deve ser atual, ou seja, corresponder com exatidão ao momento do referente por incluir todos os elementos disponíveis sobre o referente aquando da emissão da mensagem. Este requisito assume grande relevo na informação relativa a emitentes.
A clareza é a aptidão da mensagem para elucidar o destinatário em relação ao referente, pressupõe adequação e tem como padrão o investidor médio. A mensagem terá que ser inteligível, facilmente percetível, inequívoca, sem impor um esforço de interpretação desrazoável.
A informação é objetiva quando tenha aptidão para descrever o referente de forma rigorosa, direta e concisa. Pressupõe um certo distanciamento do agente em relação ao objeto sobre o qual informa. Pede uma descrição de factos, mas não preclude a emissão de juízos ou opiniões, desde que identificados como tal.
A informação é lícita quando, em si mesma, o seu conteúdo, não viola preceitos legais aplicáveis à difusão da informação, direta ou indiretamente.
Como se escreveu no Ac. STJ de 06/05/2021 (Ferreira Lopes):
“(…) constitui jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, quando chamado a decidir casos em que se imputa aos intermediários financeiros a violação do dever de informação:
- trata-se de um dever de geometria variável, ou seja, a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente. (entre outros, os Acórdãos do STJ de 10.0.2018, P.753/16, e de 09.01.2019, CJ, AcSTJ, I, pag. 25).
- o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa – em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento (Ac. STJ de 06.06.2019, P. 447/17, e Filipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários financeiros em relação aos seus clientes e responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31, pag. 4 e sgs.).”, a que podemos acrescentar o Ac. STJ de 17/06/2021 (Catarina Serra) no qual se decidiu “Não tendo os autores adoptado um comportamento adequado a proteger ou a salvaguardar os seus investimentos, como podiam e seria prudente terem feito quando se tornou visível o processo de desvalorização da carteira de investimentos, e tendo esta passividade dos autores concorrido para o agravamento dos danos, deve a indemnização a cargo da ré, sociedade gestora da carteira, ser reduzida em conformidade.” e o Ac. STJ de 10/09/2020 (Ilídio Sacarrão Martins), entre muitos outros.
Aplicando ao caso concreto temos que a informação respeitante às obrigações foi prestada antes da tomada de decisão de subscrição, descreveu as caraterísticas do instrumento financeiro, transmitiu a informação disponível ao momento, não suscitou dúvidas no cliente, foi efetuada sem influência, ordem ou recomendação de colocação privilegiada, ou seja, com um certo distanciamento, apesar de se tratarem de produtos de emitente do mesmo grupo que o intermediário, situação igualmente informada, e sem conteúdo ilícito.
A recorrente foi mesmo informada do risco do emitente, de forma geral, como resulta do facto dado como provado sob o nº 27.46.
Mostram-se, assim, cumpridas as exigências dos arts. 312º e 312º-E do CVM.
Não se mostra necessário, como tem sido decidido pela nossa jurisprudência, advertir para todos os riscos envolvidos, mesmo em caso de investidores não profissionais. É do conhecimento comum que não existem investimentos sem risco – nem os depósitos a prazo, como referido na decisão recorrida.
Tal tem sido decidido de forma coincidente na jurisprudência. Assim, no Ac. TRP de 21/03/2013 (Leonel Serôdio), decidiu-se que “O intermediário financeiro, no âmbito de um contrato de transmissão e execução de ordem, não tem o dever de prestar informações relativas ao risco de insolvência do emitente, que corre por conta do investidor e é imprevisível à data da subscrição, nem sobre a evolução do investimento.”. No mesmo sentido Ac. TRC de 17/06/2019 (Carlos Moreira) e Ac. STJ de 11/10/2018 (Maria do Rosário Morgado).
A informação qualitativa prestada – de que estes eram investimentos conservadores e que apresentavam um risco de incumprimento baixo – facto 27.50 – também se afigura, avaliada ao tempo da prestação, que não temos concretamente determinada, correta, tendo em conta os factos apurados e a informação a que a liquidanda tinha acesso. Como já referido, havendo, é em maio de 2014, e desde a divulgação do prospeto de aumento de capital do BES, SA, que surgem indícios de irregularidades na ESI, mas nada se apurou que permitisse presumir, à data, o colapso transversal que se seguiu, até porque as emitentes apresentavam, no início de 2014, resultados positivos, boas perspetivas, sem qualquer historial de incumprimentos.
A avaliação da informação à data em que foi prestada é corolário da regra de que a responsabilidade do intermediário deve ser aferida com referência à data em que ocorreram os factos, passo sobre o qual já nos debruçámos a propósito da aplicação da lei no tempo[250].
Neste sentido exato podemos citar, além dos Acs. TRC de 15/12/2016 (Maria Domingas Simões)) e de 04/05/2020[251] (Freitas Neto), citados na decisão recorrida, o Ac. STJ de 06/05/2021 (Ferreira Lopes)[252], o Ac. STJ de 07/11/2019 (Oliveira Abreu)[253], Ac. STJ de 30/04/2019 (Maria dos Prazeres Beleza)[254] e o Ac. STJ de 24/01/2019 (Abrantes Geraldes)[255].
Não está, assim, demonstrada a violação do dever de informação por parte da liquidanda.
*
A recorrente alega ainda que foi violada uma ordem de proibição de comercialização de instrumentos de dívida do GES emitida pelo Banco de Portugal.
Neste ponto o recorrido defende que a questão, por ser nova, no sentido de não alegada por esta recorrente, não pode ser conhecida em sede de recurso.
Sem prejuízo das alegações produzidas, é facto que a questão foi colocada em instrução do presente recurso[256], e o conhecimento de tal proibição foi negado, quer por JAS, quer pelo Sr. Liquidatário, sendo que o facto LX se refere a uma divulgação de 17/11/2014 e que, tendo tal questão sido suscitada por outros impugnantes, se concluiu que a proibição não havia sido objeto de comunicado público ou enviada à liquidanda, como resulta da apreciação efetuada a fls. 803 da sentença.
Apreciando:
Como já se referiu – ver apreciação do recurso 1.1. que nessa parte aqui se dá por reproduzida - os recursos são, por natureza, meios de impugnação de decisões judiciais, pelo que apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo incidir sobre questões novas.
Em regra, e exceção feita às questões de conhecimento oficioso, os tribunais superiores “…apenas devem ser confrontados com as questões que as partes discutiram nos momentos próprios.”
No entanto não podemos nunca perder de vista que estamos no âmbito de um processo regido pelo Decreto Lei nº 199/2006 de 25/10 e pelo CIRE, em tudo o que não contrariar o primeiro diploma. Por sua vez o CIRE tem como direito subsidiário o CPC, também em tudo que não contrarie as regras deste – cfr. arts. 8º nº1 do Decreto Lei nº 199/2006 e 17º nº1 do CIRE.
Especificamente o apenso de reclamação de créditos é de natureza declarativa e tem como especialidade estrutural (além das demais) o facto de corporizar um processo concursal por excelência.
Afirmar como questão nova uma questão de ordem geral (no sentido de não pessoal do credor reclamante) relativa à liquidanda só porque não foi alegada pelo credor específico que agora a invoca pode revelar-se desfasado da natureza do processo.
Como foi recordado na sentença recorrida e aqui se subscreve integralmente (pg. 472 da sentença), o princípio da aquisição processual previsto no art. 413º do CPC (correspondente ao art. 515º do mesmo diploma na versão anterior à reforma de 2013) é fulcral, devendo o tribunal tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las.
Esta regra assume, em processo de insolvência e, por consequência, em processo de liquidação judicial regido pelas regras da insolvência, uma preponderância e importância muito grande. Como se escreveu no Ac. TRL de 18/12/2019[257] “Em apenso de processo de insolvência, mesmo que não seja aplicável o disposto no art. 11º do CIRE, assumem grande relevância os factos de que o tribunal tem conhecimento devido ao respetivo exercício de funções e o princípio da aquisição processual (cfr. 413º do CPC), mas que tal não pode ser confundido com a aplicabilidade do princípio do inquisitório previsto no CIRE apenas para alguns dos apensos onde se discutem essencialmente interesses gerais e comuns aos credores.”
Como o recorrido admite e alega expressamente, a questão ora suscitada foi-no por outros credores, foi questionada aos depoentes e foi apreciada várias vezes, por exemplo, a propósito da matéria de facto não provada no âmbito da motivação da matéria de facto não provada relativa à impugnação nº 53 (SLL, SA, também aqui recorrente, correspondente ao recurso 1.7.).
A razão de ser da regra de proibição do conhecimento de questões novas em recurso prende-se com a função própria dos recursos: mesmo com grande amplitude, quer em matéria de facto, quer, especialmente em matéria de direito, os recursos não são aptos à discussão de questões que não o foram em 1ª instância. A limitação própria do recurso tornaria esse um exercício iníquo, nomeadamente para as partes, surpreendidas com matéria totalmente desconhecida e para a qual não se prepararam ou estão sequer cientes possa ser discutida.
Num processo concursal puro, em que temos uma pluralidade de partes processuais colocadas numa determinada posição na lide (referimo-nos aos credores), dificilmente se pode qualificar, em relação à contra-parte comum a todas elas (que pode não ser única), a massa insolvente, representada pelo respetivo administrador de insolvência ou, no caso, Liquidatário Judicial, como questão nova uma questão que foi, efetivamente, discutida e apreciada pelo tribunal a quo, só que a propósito da pretensão de outro credor.
Este é campo fértil para aplicação do princípio da aquisição processual e, sem censura de qualquer dos recorrentes, o tribunal usou-o, por exemplo, quando deu como provados como factos genéricos factos alegados apenas por algum ou alguns credores (é o caso dos factos XLIX e ss., alegados pela credora SLL, SA).
A indagação a fazer é de se o facto invocado pode ser considerado genérico[258], se foi devidamente contraditado pela parte contra quem foi alegado, se foi objeto de devida instrução e se está a ser invocado pela parte que dele beneficia.
É claramente o caso da proibição de comercialização emitida pelo Banco de Portugal, que é um facto geral, podendo esta recorrente invocar os factos provados genéricos a seu favor, mesmo quando não tenham sido por si invocados.
Esta proibição mostra-se referida na matéria de facto genérica provada (ponto LX), e pode ser invocada por esta recorrente, porque não é uma questão nova, no sentido em que foi conhecida pelo tribunal recorrido. Para esta recorrente, nova é a questão do conhecimento da medida pela liquidanda, questão, porém que foi invocada por outros credores e objeto de oportuno direito de contraditório e produção de prova por parte da liquidanda.
A dificuldade óbvia é que esta recorrente, que, de facto, não invocou tal factualidade nos seus articulados, está agora limitada pelos termos em que outros a alegaram e pela apreciação feita pelo tribunal a propósito da alegação de outros credores. Daí que, apesar da extensa impugnação da matéria de facto, a recorrente não tenha dirigido nenhum ponto expresso a esta específica matéria. Limitou-se a invocar parcialmente o facto genérico LX como argumento adicional constitutivo, na sua alegação, de facto e de direito como integrando uma violação do direito de informação e para demonstrar que a liquidanda conhecia a situação financeira dos emitentes dos ativos subscritos.
Na parte de facto, tal alegação foi já apreciada com base na prova produzida, cabendo agora enquadrar juridicamente os factos em causa, o que se passará a fazer.
São os seguintes os factos apurados quanto aos destinatários da comunicação do Banco de Portugal, tempo da comunicação e conhecimento pela Liquidanda que se têm por adquiridos:
“10.59. Por carta datada de 14 de Fevereiro 2014, endereçada ao Conselho de Administração do Espírito Santo Financial Group, à atenção do Senhor Dr. RESS, o Banco de Portugal determinou a não comercialização, quer de forma directa, quer indirecta, de dívida de entidades do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo junto de clientes de retalho.
10.60. A Liquidanda, na pessoa dos seus representantes e colaboradores, teve conhecimento da referida proibição quando vieram a público notícias sobre a crise do Banco Espírito Santo e referências à alegada carta em que tal proibição terá sido comunicada pelo Banco de Portugal a RESS.”
“11.54. Por carta datada de 14 de Fevereiro 2014, endereçada ao Conselho de Administração do Espírito Santo Financial Group, à atenção do Senhor Dr. RESS, o Banco de Portugal determinou a não comercialização, quer de forma directa, quer indirecta de dívida de entidades do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo junto de clientes de retalho.
11.55. A proibição de venda de papel comercial do Grupo Espírito Santo a clientes de retalho não foi objecto de um comunicado público do Banco de Portugal.
11.56. A Liquidanda, na pessoa dos seus representantes e colaboradores, teve conhecimento da referida proibição quando vieram a público notícias sobre a crise do Banco Espírito Santo e referências à carta em que tal proibição terá sido comunicada pelo Banco de Portugal a RESS.”
“12.54. Por carta datada de 14 de Fevereiro 2014, endereçada ao Conselho de Administração do Espírito Santo Financial Group, à atenção do Senhor Dr. RESS, o Banco de Portugal determinou a não comercialização, quer de forma directa, quer indirecta de dívida de entidades do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo junto de clientes de retalho.
12.55. A proibição de venda de papel comercial do Grupo Espírito Santo a clientes de retalho não foi objecto de um comunicado público do Banco de Portugal.
12.56. A Liquidanda, na pessoa dos seus representantes e colaboradores, teve conhecimento da referida proibição quando vieram a público notícias sobre a crise do Banco Espírito Santo e referências à carta em que tal proibição terá sido comunicada pelo Banco de Portugal a RESS.”
“13.54. Por carta datada de 14 de Fevereiro 2014, endereçada ao Conselho de Administração do Espírito Santo Financial Group, à atenção do Senhor Dr. RESS, o Banco de Portugal determinou a não comercialização, quer de forma directa, quer indirecta de dívida de entidades do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo junto de clientes de retalho.
13.55. A proibição de venda de papel comercial do Grupo Espírito Santo a clientes de retalho não foi objecto de um comunicado público do Banco de Portugal.
13.56. A Liquidanda, na pessoa dos seus representantes e colaboradores, teve conhecimento da referida proibição quando vieram a público notícias sobre a crise do Banco Espírito Santo e referências à carta em que tal proibição terá sido comunicada pelo Banco de Portugal a RESS.”
“14.55. Por carta datada de 14 de Fevereiro 2014, endereçada ao Conselho de Administração do Espírito Santo Financial Group, à atenção do Senhor Dr. RESS, o Banco de Portugal determinou a não comercialização, quer de forma directa, quer indirecta de dívida de entidades do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo junto de clientes de retalho.
14.56. A proibição de comercialização, quer de forma directa, quer indirecta de dívida de entidades do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo junto de clientes de retalho não foi objecto de um comunicado público do Banco de Portugal.
14.57. A Liquidanda, na pessoa dos seus representantes e colaboradores, teve conhecimento da referida proibição quando vieram a público notícias sobre a crise do Banco Espírito Santo e referências à carta em que tal proibição foi comunicada pelo Banco de Portugal a RESS.”
E como matéria de facto não provada:
“53 aw) A Liquidanda sabia que, em 14 de Fevereiro de 2014, o Banco de Portugal tinha proibido a comercialização de dívida do Grupo Espírito Santo junto de clientes de retalho do Banco Espírito Santo.”
Após esta enumeração, dúvidas não podem restar que não se apurou que a proibição de comercialização de dívida de entidades do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo junto de clientes de retalho tenha chegado ao conhecimento da liquidanda em fevereiro de 2014, mas apenas quando vieram a público notícias sobre problemas financeiros do Banco Espírito Santo, S.A. e referências à carta em que a referida proibição de comercialização foi comunicada pelo Banco de Portugal a RESS.
Não há, assim, nesta matéria qualquer fundamento para a responsabilização da liquidanda (cujo enquadramento jurídico fica, assim, prejudicado).
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Um último argumento é trazido pela recorrente: de que a sucursal reconheceu a sua responsabilidade mediante as cartas que enviou à recorrente em 07/11/14 e 21/09/2015.
As comunicações invocadas como contendo reconhecimento do dever de reembolso por parte da liquidanda à recorrente são as cartas mencionadas e reproduzidas nos pontos 27.67 e 27.69 da matéria de facto provada, ou seja:
27.67. Em carta enviada à Impugnante, datada de 7.11.2014, com cópia a fls.1443 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Liquidanda informou que a sua sede na Suíça tinha entrado em falência no dia 19 de Setembro de 2014, (…) o processo de transferência de títulos se encontrava dificultado, dado o avolumar de pedidos e dada a complexidade do processo de transferência, o que fez com que o departamento de títulos da sede do Banco na Suíça tivesse ficado sem capacidade de resposta (…) de modo a acelerar o processo de transferência e libertar o património dos clientes, havia iniciado um processo de transferência da totalidade dos títulos dos clientes depositados na sede na Suíça para um custodiante em Portugal, de modo a garantir que, a partir desse momento, o controlo sobre as transferências transite para a Sucursal em Portugal (…) tal processo de transferência já se encontrava em curso e que esperavam nos dias seguintes satisfazer as instruções de todos os clientes permitindo encerrar esse capítulo.
27.69. Em comunicação enviada à Impugnante, datada de 21.9.2015, cuja cópia se mostra a fls. 1450, a Sucursal em Portugal da Banque Privée Espirito Santo, S.A. informou que a sua licença bancária fora cancelada por parte do Banco de Portugal no dia 21.9.2015 e que em consequência se encontrava a decorrer o processo de liquidação judicial e o período de reclamação de créditos.
Compulsados os respetivos teores não é possível discernir no texto, seja de uma, seja de outra, qualquer reconhecimento de responsabilidade pelo reembolso de valores mobiliários emitidos por terceiros.
Na carta de 07/11/2014 a sucursal informa os seus clientes de que a sede, o BPES Suíça entrou em falência, mas que essa insolvência, declarada na Suíça, não colocou em causa a obrigação da sucursal de dar preferência ao cumprimento das suas obrigações perante os seus clientes e outros credores em Portugal. Reconhece que a insolvência teve implicações a diversos níveis e que afetou a qualidade da prestação de serviços da sucursal. Indica seguidamente o que está a ser feito para garantir a transferência do património dos clientes para outras instituições:
- ao nível de depósitos e liquidez os depositantes foram integralmente reembolsados a seu pedido;
- ao nível de valores mobiliários, estando depositados em vários custodiantes, o processo de transferência dos títulos, a ser feito pelo departamento de títulos da sede suíça ficou sem capacidade de resposta[259]. Para acelerar o processo a sucursal iniciou, ela própria, o processo de transferência da totalidade dos títulos para um custodiante em Portugal, ganhando controlo sobre o processo de transferência, que esperam encerrar em poucos dias.
Termina anunciando que irá em breve ser iniciado o processo ordenado de encerramento e cessação de atividade, pedindo a todos que tomem as medidas necessárias à liquidação das contas junto da instituição.
A carta de 21 de setembro de 2015 é bastante curta e informa que o Banco de Portugal cancelou a licença bancária da sucursal e que se seguirá a liquidação judicial, estando a decorrer o período de reclamação de créditos. Remetem extrato à data.
Estas duas missivas representam a comunicação aos clientes dos factos referidos em XX e VI a XI da matéria de facto genérica: a sede foi declarada insolvente, a sucursal foi intervencionada pelo BdP, tomou as medidas que entendeu convenientes para cumprir as suas obrigações, e que no caso passaram por assumir a transferência dos instrumentos financeiros, retirando tal processo da sede, onde estava bloqueado e, revogada a sua licença, comunicou que se iria dar início à liquidação judicial, fornecendo os elementos necessários para que a recorrente, querendo, deduzisse reclamação de créditos.
Não há, assim, qualquer assunção de responsabilidade ou garantia de reembolso por parte da liquidanda, pelo que também este argumento é improcedente.
*
Em síntese, confirma-se o juízo do tribunal a quo: no tocante à execução de ordens de investimento financeiro não se apurou a prática de qualquer facto ilícito por parte da liquidanda.
Ao lesado, no caso à recorrente, cabia o ónus da prova de que o intermediário financeiro incumpriu com o dever de informação que o onerava, ou seja, da ilicitude, razão pela qual a impugnação é improcedente nesta parte, sendo igualmente improcedente este fundamento da apelação.
Improcede integralmente a apelação quanto ao recurso 1.6., interposto por MSL, correspondente à apelação nº 27.
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6.7. Recurso 1.7., interposto por SLL S.A. correspondente à impugnação nº53:
Está em causa neste recurso – após o trânsito em julgado da decisão parcial de mérito proferida no despacho saneador, a verificação de um crédito reclamado de € 21.042.585,58, compreendendo:
(i) Um crédito comum, sujeito a condição suspensiva, no valor de € 514.659,62, correspondente ao valor em dinheiro dos ativos (ainda) depositados nas contas da Impugnante junto da Sucursal em Portugal;
(ii) Um crédito comum, no valor de € 4.547.822,20, correspondente à indemnização pela depreciação completa dos ativos emitidos pelo Grupo Espírito Santo que estavam depositados em contas da Impugnante junto da Sucursal em Portugal, cuja gestão estava confiada à dita Sucursal em Portugal;
(iii) Um crédito comum, no valor de € 19.896,72, correspondente à indemnização pelas comissões que a Impugnante deixou de cobrar em virtude da depreciação completa dos ativos emitidos pelo Grupo Espírito Santo referidos no ponto (ii) supra;
(iv) Um crédito comum, no valor de € 40.348,28, correspondente à indemnização pela perda de mais valias que resultaria do reinvestimento dos montantes investidos nos ativos emitidos pelo Grupo Espírito Santo referidos no ponto (ii) supra;
(v) Um crédito comum, no valor de € 14.703.009,55, correspondente à indemnização pela depreciação completa dos ativos emitidos pelo Grupo Espírito Santo que estavam depositados em contas da Impugnante junto da Sucursal em Portugal, cuja gestão não estava confiada à Banque Privée Espírito Santo;
(vi) Um crédito comum, no valor de € 64.325,67, correspondente à indemnização pelas comissões que a Impugnante deixou de cobrar em virtude da depreciação completa dos ativos emitidos pelo Grupo Espírito Santo referidos no ponto (v) supra;
(vii) Um crédito comum, no valor de € 130.445,10, correspondente à indemnização pela perda de mais valias que resultariam do reinvestimento dos montantes investidos nos ativos emitidos pelo Grupo Espírito Santo referidos no ponto (v) supra;
(viii) Um crédito comum, no valor de € 306.711,28, correspondente à indemnização pela perda das mais-valias que resultariam do reinvestimento dos ativos não-relacionados com o Grupo Espírito Santo e que se encontravam depositados na Sucursal em Portugal;
(ix) Um crédito comum, no valor de € 644.554,66, correspondente à indemnização pela perda de clientela da Impugnante no mercado português;
(x) Um crédito comum, no valor de € 40.312,50, correspondente ao custo dos recursos humanos mobilizados para recuperar os ativos depositados na Sucursal em Portugal;
(xi) Um crédito comum, no valor de € 30.500,00, correspondente aos honorários dos advogados contratados para acompanhar a recuperação dos ativos depositados na Sucursal em Portugal.
Recordando que a decisão recorrida proferida foi de total improcedência da verificação do crédito, em qualquer das suas parcelas, o primeiro exercício a efetuar será o de, analisando as alegações, determinar o âmbito do recurso interposto.
A recorrente invoca a violação, por parte da Liquidanda, dos seus deveres de informação, lealdade e boa-fé para com a recorrente por ter recomendado, subscrito e mantido em carteira instrumentos financeiros emitidos por sociedades do Grupo Espírito Santo, alegando que, dada a sua integração no Grupo sabia ou tinha obrigação de saber a situação que o Grupo atravessava, violando deveres legais e contratuais.
Em consequência da conduta da liquidanda ficou em carteira com um conjunto de títulos do GES, de cerca de 19 milhões de euros, que perderam todo o seu valor.
Quanto às carteiras de que era depositária a liquidanda não cumpriu o seu dever de custódia em concordância com os ditames da boa fé ao adotar uma atitude de passividade perante o avolumar dos indícios da situação do Grupo e, no limite, não obteve toda a informação necessária que podia ter obtido, contrariando o disposto no nº3 do art. 309º do CVM.
Deve assim ser responsabilizada pelos danos provocados que se analisam em:
i) depreciação total dos ativos emitidos pelo GES;
ii) perda das mais valias potenciais que resultariam do reinvestimento dos montantes investidos em ativos emitido pelo GES entre 16/07/2014 e 16/07/2015; e
iii) perda de comissões que a recorrente cobraria sobre o valor dos mesmos ativos entre o 3º trimestre de 2014 e o 3º trimestre de 2015.
Alega ainda que a conduta da Liquidanda em relação aos ativos do Grupo Espírito Santo foi determinante para a perda de reputação e de clientela da Impugnante, resgate antecipado de apólices de seguro e potencial responsabilização da Impugnante por parte de tomadores de seguro e pede a revogação da sentença e a sua substituição por outra que verifique os créditos reclamados pela recorrente.
O Liquidatário respondeu, começando por referir que a impugnação da matéria de facto do recurso se limitou à diminuição da cobrança de comissões, à perda de mais valias decorrentes de reinvestimento de ativos e à perda de clientela, tendo-se, assim a SLL, SA conformado com o julgamento da matéria de facto da 1ª instancia em relação ao valor atual de ativos depositados na liquidanda, aos custos dos recursos humanos e aos custos com honorários de advogados. Alega que o risco dos investimentos corria por conta dos clientes da recorrente, e não por esta e que ainda assim esta estava ciente dos riscos próprios dos investimentos realizados. Defende que as conclusões e alegações produzida quanto à questão da informação se mostram contrariadas pela matéria de facto não provada (factos não provados 53 ar), as), av), aw) e ay, não impugnados) e pela matéria de facto provada (factos provados XXVII a XXIX, XXXIV a XL e XLIV e LVIII, III, XIV, XV e 53.56 a 53.61, III, XI, XIV, XXII, XXV e XXXIII, não impugnados).
Defendeu ainda a inexistência dos requisitos da responsabilidade civil a si imputada por inexistência de facto ilícito e culposo, dado que cumpriu todos os deveres que sobre si impendiam e não agiu em conflito de interesses, quanto aos atrasos no cumprimento das ordens de transferência, apontou a inexistência de prazo contratual previsto para o efeito e estarem envolvidas no processo outras entidades, além de se tratar de uma grande volume de transferências e de o processo ter sido dificultado pela insolvência dos emitentes. Mais alega a inexistência de danos e de nexo de causalidade dado que as eventuais perdas da recorrente por depreciação de ativos se deveram ao incumprimento dos emitentes e não à conduta da liquidanda e face à não demonstração de perdas de clientela.
A decisão recorrida baseou a sua decisão de não verificação do crédito reclamado pela recorrente nos seguintes (e sintetizados) argumentos:
Apurada a celebração de contratos de abertura de conta e de contratos de gestão de carteira entre a recorrente e a liquidanda estamos perante uma relação bancária na qual a liquidanda atuou como instituição bancária e intermediário financeiro.
Apurou-se da existência, em 30/06/2014, de cerca de 53 milhões de euros em ativos depositados em contas abertas junto da sucursal liquidanda, 19 milhões dos quais emitidos por sociedades do Grupo Espírito Santo, existindo em carteira ativos relacionados com o Grupo com valorização e sendo ainda, quanto aos emitidos por sociedades entretanto insolventes, possível recuperar algum valor nos processos respetivos. Ainda assim, concluiu o tribunal pela existência de prejuízos para a recorrente.
Passando à análise de se a liquidanda pode ser responsabilizada por tais prejuízos abordou a questão dos deveres de informação, lealdade e boa fé e do conhecimento, por parte da liquidanda, da situação do grupo, o tribunal concluiu, tendo em conta, quanto à Rio Forte que esta pagou as obrigações até final de junho de 2014, que a liquidanda só tinha acesso à informação pública sobre esta, a Esfil e a ESI e que não foram apuradas as concretas datas das subscrições, sendo, assim, a data a considerar junho de 2014, que não teve nem podia ter acesso a informação de que retirasse não serem os investimentos seguros, não bastando o facto de a sucursal ser parte do referido grupo.
Analisando a informação pública disponível conclui-se que, pelo menos a partir da divulgação do prospeto do aumento de capital do BES, em 20 de maio de 2014, a liquidanda soube da existência de irregularidades nas contas da ESI, dado tal ter sido ali assumido. Não se sabe, porém, a data de subscrição dos produtos e a informação pública disponível sobre a Rio Forte, a ESFG e a Esfil não era no sentido do cenário do colapso, sendo que as notícias surgidas, ao tempo, não perturbaram o mercado e os investidores, como resulta do facto de o aumento de capital do BES ter sido integralmente subscrito. A própria recorrente podia ter dado ordem de transferência dos referidos ativos, como veio a dar em julho e também o não fez. Até ao primeiro incumprimento da Rio Forte, em julho de 2014, havia indícios de que o grupo tinha problemas financeiros, não sendo, no entanto, previsível que redundariam na incapacidade para cumprir as obrigações assumidas e nos subsequentes processos de liquidação.
Quanto à violação do disposto no art, 309º nº3 do CVM não encontra apoio na prova produzida, quer pelo teor dos contratos, quer pela composição das carteiras, quer porque a recorrente é uma investidora experiente e conhecedora, que recebia regularmente os extratos de conta e que assumiu um nível de risco elevado.
Passando ao escrutínio dos alegados atrasos na execução das ordens de transferência o tribunal  a quo analisou os contratos de abertura de conta e concluiu não ter sido clausulado um prazo para o efeito e, apreciando os atrasos ocorridos no contexto em que se deram, o número de ordens, a insolvência das emitentes, a própria entrada em liquidação da casa mãe, o BPES Suíça, considerou terem-se tratado de circunstâncias anómalas não cabendo a situação numa violação do dever de manter uma estrutura adequada, aplicável a circunstâncias normais. Concluiu assim pela inexistência de qualquer facto ilícito, neste particular, a título de dolo ou de culpa.
Seguidamente o tribunal debruçou-se sobre a questão da impossibilidade de reinvestimento e, em consequência da conclusão pela não imputabilidade à liquidanda dos atrasos, somando-lhe a constatação de que alguns dos ativos tinham prazos de maturidade e não podiam ser dispostos antes daqueles decorridos e a não demonstração de não valorização dos ativos durante o tempo de demora de transferência, concluiu igualmente pela improcedência destes elementos.
No tocante aos danos alegados pela não cobrança de comissões, o tribunal recorrido constatou a não prova das perdas alegadas e valorou o facto de ter sido assumido risco elevado e muito elevado quanto aos contratos de gestão de carteiras, que sempre influiria no montante das comissões.
Passando à análise da alegada perda por diminuição de volume de negócios, o tribunal notou a não prova dos factos alegados para o efeito e recordou que a prova apontou para a contribuição de fatores internos da própria credora como determinantes para as perdas que invocou.
Quanto ao dano reputacional sofrido pela credora o tribunal esclareceu a sua não imputabilidade à liquidanda e a contribuição da própria credora para o resultado.
Finalmente, e quanto às despesas incorridas com o custo dos recursos humanos mobilizados e a contratação de advogados em Portugal, o tribunal relevou a ausência de demonstração dos referidos danos.
Julgou o tribunal também improcedente o pedido também formulado de separação da massa e restituição dos bens ainda não transferidos, dois ativos por se ter provado já terem sido transferidos, uma quantia por não se ter demonstrado estar apreendida para a massa e os demais ativos por se encontrarem bloqueados.
Apreciando:
Em apreciação dos limites do objeto do recurso, compulsado o mesmo e o pedido que era feito valer em reclamação de créditos e em impugnação da lista de credores, identificamos desde logo dois temas que saem da respetiva delimitação, tal como a recorrente a conformou. Não há qualquer alegação ou conclusão, dirigida aos factos ou ao enquadramento jurídico da sentença recorrida que respeite ou sequer aluda às duas últimas parcelas identificadas (acima x) e xi), ou seja, os custos com recursos humanos e os custos com advogados. São assim, dois temas com cujo julgamento, de facto e de direito, a recorrente se conformou, já cobertas pelo caso jugado.
Também não se encontra posta em causa neste recurso a improcedência do pedido formulado de restituição de valores mobiliários e instrumentos financeiros ainda na posse da liquidanda, no valor estimado de € 514.659,62 – alínea i) do pedido.
No tocante a este ponto, dado o pedido formulado de reconhecimento do crédito pecuniário correspondente sob condição suspensiva, repetido em recurso, sempre se dirá que, dos ativos identificados em 53.41. da matéria de facto provada apenas se apurou não terem sido transferidos para o custodiante indicado pela credora recorrente, em 16/07/2015, os ativos identificados em 53.41.A (ver também os factos dados como provados sob 53.52 e 53.55), ativos esses igualmente não apreendidos para a massa insolvente mas antes bloqueados, por via da possibilidade do exercício dos correspondentes direitos nas liquidações dos emitentes dos títulos. Foi, deste modo, respeitado o nº2 do art. 306º do CVM, não sendo, porém, possível a devolução ao cliente por razões alheias à liquidanda e que não prejudicam o exercício dos direitos da recorrente contra os emitentes dos títulos.
Acresce que a regra da alínea a) do nº1 do art. 96º do CIRE, invocada pela recorrente como fundamento para o pedido de reconhecimento do crédito não tem aplicação no caso concreto nem o sentido que lhe é atribuído. A regra, como esclarecem Carvalho Fernandes e João Labareda[260], é uma norma que visa facilitar a prossecução do fim último do processo de insolvência, prevendo como data relevante para vários efeitos de determinação do valor do passivo a data de declaração de insolvência. Assim, a regra não determina o que seja um crédito não pecuniário sobre a insolvência, apenas qual o valor pelo qual é atendido, se for de atender. Não se apurando terem os bens em causa sido apreendidos para a massa ou que impenda sobre ela um dever de restituição (por se ter apurado uma causa de inexigibilidade deste dever), não se verifica qualquer dos pressupostos do disposto no art. 142º do CIRE[261], essa sim a norma aplicável e, logo, queda sem campo de aplicação o art. 96º, nº1, al. a) do mesmo diploma.
Este pedido, é, assim, e na sequência da improcedência do pedido de restituição, não questionado, improcedente.
O enquadramento jurídico geral efetuado, enquadrado pelo direito bancário e pelo direito dos valores mobiliários, dado que a relação estabelecida entre a ora recorrente e a liquidanda se deu entre uma seguradora e uma instituição bancária, que agiu como intermediária financeira, está correto.
Há, no entanto que precisar que, atento o disposto no art. 30º nº1, al. c) do CVM, na redação em vigor à data da celebração dos acordos, e a não prova de convenção e contrário, nos termos do art. 317º-A do mesmo diploma e na mesma versão, a aqui recorrente SLL, SA é uma investidora qualificada, factualidade abordada nos autos[262].
A recorrente reclamou créditos por depreciação total dos ativos GES (alíneas ii) e v) acima enunciadas, que a credora distinguiu entre carteiras geridas e ativos depositados) e mais valias pelo reinvestimento que não foi efetuado (alíneas iv) e vii), igualmente diferenciadas entre carteira geridas e ativos depositados).
Argumenta o recorrido, que estes créditos, a terem-se apurado, seriam perdas dos titulares dos ativos e não da credora que os reclamou. No entanto, de acordo com os factos apurados sob 53.1 a 53.9, em especial 53.4, as carteiras passavam para a propriedade da ora recorrente, pelo que, independentemente do concreto contorno das operações, não subsiste qualquer dúvida sobre a legitimidade substantiva da recorrente para, em seu nome, reclamar estes créditos. Mas é essa também a causa da consideração da qualidade de investidor qualificado da mesma.
A relevância eventual desta qualificação resulta diretamente da regra base relativa ao dever de informação que recai sobre o intermediário financeiro. Nos termos do nº2 do art. 312º do CVM[263] «A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.»[264]. Tratando-se de uma regra geral é aqui aplicável em função dos concretos factos apurados.
Percorrendo os pressupostos da responsabilidade civil da liquidanda que são invocados como fundando a verificação dos créditos reclamados, comecemos por analisar a ilicitude.
O primeiro grande fundamento invocado prende-se com a informação de que, na alegação da recorrente, a liquidanda disporia ou deveria dispor quanto à situação financeira do grupo, pelo menos a partir do início de 2014 e que deveria ter levado a outra atuação e à informação da recorrente sobre o acréscimo de risco.
De notar que a recorrente não põe em causa a informação que lhe foi prestada em relação a qualquer dos específicos investimentos – cfr. factos dados como provados sob 53.16 a 53.21 da matéria de facto dada como provada.
Continuou, porém, a invocar factualidade (cfr. conclusões EE a KK do recurso), que foi dada como não provada na sentença recorrida, decisão não impugnada pela recorrente – cfr. factos dados como não provados sob as alíneas 53 aq) a 53 ay).
Assim, e tal como exposto pelo tribunal recorrido, tendo em conta que a liquidanda apenas tinha acesso a informação pública (cfr. facto dado como provado sob 53.63, igualmente não questionado), há que analisar a informação pública disponível, com o severo handicap de que não dispomos de qualquer informação sobre a data de subscrição dos produtos afetados (cujas emitentes, integrantes do Grupo, tenham posteriormente sido declaradas insolventes).
Tendo em conta a alegação da recorrente e a ausência de apuramento de data de subscrição dos ativos, buscamos informação pública até junho de 2014.
Tal deixa de fora todos os factos que, mesmo referindo-se ou mencionando acontecimentos anteriores, só foram divulgados posteriormente, de que é exemplo claro a informação descrita em LX da matéria de facto geral, ou seja, as decisões tomadas pelo BdP, incluindo o ring fencing, que apenas foram divulgadas em 17/11/2014 e, obviamente, a acusação deduzida pelo Ministério Público em 14/07/2020 (seis anos depois da data dos factos que aqui apreciamos).
Assim, relevam temporalmente os seguintes factos:
I a V – factos institucionais relativos à liquidanda;
XIII a XVI – factos institucionais relativos ao BPES Suíça;
XXI – estrutura do grupo em 30/09/2013;
XXII e XXIII – administração e comité executivo da ESFG a 31/12/2013;
XXIV a XXVI – factos relativos à ESI;
XXVIII – revisão de contas da ESFIL;
XXIX – resultados (positivos, de € 36.719), da ESFIL a 31/12/2013;
XXXII a XXXIII – factos institucionais da Rio Forte;
XXXIV e XXXV – atividade da Rio Forte;
XXXVI – análise do risco da Rio Forte de 02/08/2013 (B+);
XXXVII – noticias de outubro de 2013 de previsão de encaixe de cerca de mil milhões de euros em 2014, com a dispersão em bolsa de partes do capital da Espírito Santo Saúde;
XXXVIII – revisão de contas da Rio Forte;
XXXIX – EBITDA da Rio Forte em 2012 (€ 76.081.000,00) e em 2013 (€ 128.359.000,00);
XL – capital próprio (positivo) da Rio Forte em 2012 (€ 966.938.000,00) e em 2013 (€ 932.015.000,00);
XLI e XLII – estrutura do grupo antes e depois de 31/12/2013;
XLIX – Notícia do Wall Street Journal de 12/12/2013;
Compulsada a notícia e respetiva tradução (fls. 3241 a 3245 e 14844 a 14846 do processo em papel) verifica-se que respeita ao Grupo Espírito Santo e, sob o título “Espírito Santo engages in financial gymnastics to survive crisis[265]” dá conta da estratégia de financiamento do grupo que passou por, “ao longo de 21 meses, vendeu mais de 6 mil milhões de euros (8,27 mil milhões de dólares) em dívida a um dos seus próprios fundos de investimento, aumentando bastante o risco para os investidores”.
Refere-se que a operação é legal mas que na opinião de peritos (citam EPS, professor na London School of Economics e AS, professor de contabilidade no ISEG) é muito questionável expor os investidores a esse risco de dívida, risco aumentado por, acreditam, o maior ativo da ESI, a participação no BES, ter sido avaliada em exagero, quatro vezes acima do valor de mercado, sendo a avaliação questionada pelo Professor AS, mas defendida pela ESI como aceitável e recomendada de acordo com as regras aplicáveis.
É também referido que “As participações da Espírito Santo International incluem um extenso portfólio imobiliário, uma cadeia de hotéis, um operador hospitalar em Portugal e diversos negócios no exterior. É proprietária de um terço do espírito santo Financial Group, a holding do Banco Espírito Santo, SA, que controla o ES Liquidez. O banco, com ativos de mais de 80 mil milhões de euros, é o segundo maior banco de Portugal.”
L – Comunicado da ESFG de 25/03/2014 informando do adiamento da assembleia anual, antecipando que as demonstrações financeiras viessem a incluir uma provisão extraordinária de €700 milhões, referente a potenciais riscos associados à exposição às atividades não financeiras do Grupo Espírito Santo;
LI – artigo de 25/03/2014 noticiando a criação de provisão de 700 milhões de euros na ESFG;
Compulsado o artigo, contante de fls. 892 a 893 dos autos resulta que é referido que a constituição da provisão decorre da emissão de papel comercial da Espírito Santo Internacional e que o montante aprovisionado corresponde aproximadamente ao valor que falta reembolsar. É também referido que a provisão foi constituída pela ESFG e que, não sendo uma imparidade, pode forçar a aumentos de capital nas holdings que controlam o BES.
LII – artigos publicados em 25/3/2014, 26/3/2014, 30/3/2014, 14/4/2014, 28/4/2014, 5/5/2014, 20/5/2014 e 21/5/2015, referindo questões relacionadas com dívida emitida pelo Grupo Espírito Santo, designadamente, pela ESI;
Destes artigos (constantes de fls. 899 a 926 dos autos) relevam apenas os artigos publicados em 25/3/2014, 26/3/2014 e 30/3/2014, nos termos já explicitados.
O artigo de 25/03/2014 (Público – CF) refere-se, novamente á constituição da provisão de 700 milhões e ao adiamento da assembleia geral da ESFG, referindo-se que os pagamentos do GES aos subscritores de papel comercial de curto prazo já foram pagos (mil milhões) e que os demais credores irão ser pagos á medida dos vencimentos. Dá igualmente nota de que está a ser elaborado um programa da parte não bancária do GES e que irão ser adotadas medidas ao nível da governação.
O artigo de 26/03/2014 (Público – CF) replica, em grande medida o de 25/03/2014, acrescentando que PQP apresentou queixas no BdP e na CMVM, no Verão de 2013 depois de um braço de ferro com RESS e “depois de, em Agosto de 2013, dois fundos de investimento (com aplicações de curto prazo idênticas a depósitos á ordem) geridas pela ESAF – o ES Liquidez e o ES Rendimento – terem canalizado, via holdings dominantes, para a Espírito Santo Internacional e a ES Irmãos, mais de 2,2 milhões de euros para empresas da Rio Forte (…) (que agrega os interesses não financeiros do GES e, por não ser cotada, não está sujeita a escrutínio).”
O artigo de 30/03/2014 (Público – CF) é um resumo online do artigo de 26/03/2014.
LIII a LV - prospeto da oferta pública de subscrição do capital do BES, ali constando (pg. 57):
“A Espírito Santo International colocou em marcha um programa de reorganização do seu grupo e de desalavancagem, o qual se destina a reequilibrar a sua situação financeira, tendo as respetivas contas vindo a ser objeto de auditorias.
Foram subscritos por clientes do BES – investidores institucionais e não-institucionais – determinados instrumentos de dívida, nomeadamente papel comercial, emitidos pela Espírito Santo International e por algumas das suas subsidiárias.
Em 31 de dezembro de 2013, o montante total destes instrumentos de dívida que se encontravam por reembolsar era de € 3.035 milhões, dos quais € 1.565 milhões se referiam a instrumentos de dívida detidos por investidores não-institucionais e € 1.470 milhões eram relativos a instrumentos de dívida detidos por investidores institucionais. Em 30 de abril de 2014, o valor dos instrumentos de dívida detidos por investidores não-institucionais ascendia a € 516 milhões, enquanto o valor detido por investidores institucionais ascendia a €732 milhões. Em 19 de maio de 2014, o valor dos instrumentos de dívida detidos por investidores não institucionais ascendia a € 395 milhões, enquanto o valor detido por investidores institucionais ascendia a € 564 milhões.
No seu relatório de auditoria às contas consolidadas do Grupo BES no exercício findo em 31 de dezembro de 2013, a KPMG incluiu uma ênfase respeitante à nota 46, que faz referência à colocação, pelo Grupo BES, de determinados instrumentos de dívida emitidos pela Espírito Santo International e algumas das suas subsidiárias.
Em face da situação financeira global da Espírito Santo International e dos desafios associados à capacidade desta para implementar totalmente os seus programas de reorganização e de desalavancagem, a ESFG emitiu, ela própria, uma garantia incondicional e irrevogável destinada a assegurar o cumprimento das obrigações da ESI associados aos instrumentos de dívida por ela emitidos e colocados através do BES junto dos seus clientes não institucionais.”
E na pág. 58 do prospeto:
“A Espírito Santo Internacional, S.A. (ESI) foi objeto de uma revisão limitada de finalidade especial, relativamente às demonstrações financeiras consolidadas pró-forma a 30 de setembro de 2013 e 31 de dezembro de 2013, efetuada por um auditor externo, que apurou irregularidades nas suas contas e concluiu que a sociedade apresenta uma situação financeira grave.
A Comissão de Auditoria do ESFG identificou igualmente irregularidades materialmente relevantes nas contas da ESI.”
LVI.   artigo publicado no jornal “Público”, em 23 de maio de 2014, sobre as irregularidades detetadas nas contas da ESI e respetivas consequências.
LVII. comunicado da Espírito Santo Financial Group, S.A. de 29 de maio de 2014, do qual constava:
“A ESFG informa que foi concluída, recentemente, a segunda fase do trabalho de revisão limitada de finalidade especial às demonstrações financeiras consolidadas pró-forma da Espírito Santo International, S.A. (“ESI”), sociedade de direito luxemburguês, acionista com participação qualificada indireta de 49,2% na ESFG (“Auditoria Limitada”), efetuada por auditor independente, relativa à situação patrimonial da ESI, com referência à data de 31 de dezembro de 2013.
Em resultado desta Auditoria Limitada, foram identificadas irregularidades materialmente relevantes nas demonstrações financeiras da ESI, pondo em causa a completude e veracidade dos seus registos contabilísticos, e que consistem, designadamente, na não preparação de contas consolidadas, não contabilização de passivos financeiros de elevada dimensão, sobrevalorização de ativos, não reconhecimento de provisões para riscos e contingências diversas, suporte inadequado de registos contabilísticos e transacções cuja forma não corresponde à respectiva substância. (…)”
E finalmente LVIII., em junho de 2014 foi realizado um aumento de capital do BES, no valor de €1.044.571.587,80, mediante a emissão de 1.607.033.212,00 novas ações.
O que retiramos destes factos públicos: – uma exposição indevida, diagnosticada e cuja correção foi ordenada pelo BdP e cumprida, a constituição de uma provisão de 700 milhões pela ESFG, até 31/12/2013, uma empresa “irmã” da Rio Forte, ambas detidas pela ESI (e que depois de 31/12/2013 a Rio Forte vem a deter parcialmente), resultados positivos na Rio Forte e o património da Rio Forte. Um grupo económico a enfrentar dificuldades na sequência da crise do sub-prime, mas nenhum sinal de catástrofe.
Como referido pela sentença recorrida, que aqui acompanhamos, o sinal mais sério é a assunção pelo próprio grupo – pelo BES no prospeto e pela ESFG no comunicado – da existência de irregularidades nas contas da holding do Grupo – mas a que se seguiu a subscrição completa do aumento de capital social do Banco (a empresa mais visível e impactante do mesmo).
De relevar, igualmente que a Rio Forte pagou regularmente até final de junho de 2014 (facto nº 53.62 da matéria de facto provada), sendo Rio Forte o ativo GES exposto preponderante (cfr. factos nºs 53.24 a 53.30).
É fácil dizer agora, depois de sabermos o que se veio a passar, que os sinais já estavam todos presentes. Mas ao tempo esse não era um exercício evidente, nem para o público em geral – basta ver que logo a seguir aos primeiros sinais (factos LIII a LV) o próprio BES realizou um aumento de capital social que veio a ser totalmente subscrito, nem para a Liquidanda, havendo que pesar que ao tempo dominava a influência do historial de solidez e sucesso do grupo.
É exatamente como referido no douto Ac. TRC de 15/12/2016[266], citado pela decisão recorrida: a aferição da ilicitude da conduta do intermediário terá de se fazer tendo por referência a época em que a informação acerca do produto proposto ou solicitado foi prestada, ou deveria ter sido prestada.
Assim, estamos em condições de acompanhar a conclusão atingida pelo tribunal recorrido de que “até ao primeiro incumprimento das emitentes de obrigações do Grupo Espírito Santo (o que no caso da Rio Forte só ocorreu em Julho de 2014), a Liquidanda tinha indícios de que o grupo tinha problemas financeiros, não sendo, no entanto previsível que redundariam na incapacidade para cumprir as obrigações assumidas e nos subsequentes processos de liquidação.”, o que redunda na não demonstração da violação dos deveres de informação.
O segundo fundamento alegado radica na imputação da violação do dever de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (nas palavras da recorrente, lealdade e boa-fé).
O dever consagrado no art. 309º nº3 do CVM, o dever de prevalência dos interesses dos clientes, é uma das manifestações do dever de lealdade e estabelece o standard em matéria de conflito de interesses: “o intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses do cliente, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de sociedades com as quais se encontre em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos de agente vinculado e de colaboradores de ambos. O intermediário financeiro deve estabelecer, aplicar, e manter uma política em matéria de conflito de interesses eficaz, especificada por escrito e apropriada à dimensão e organização da empresa e à natureza, dimensão e complexidade das suas atividades, por forma a evitar a existência de conflitos de interesses”[267]
A recorrente aponta a violação desse dever na gestão discricionária das carteiras relativamente às quais celebrou contratos de gestão de carteira (factos nºs 53.16 a 53.19).
O contrato de gestão de carteira previsto nos arts. 290º nº1, al. c) e 335º e 336º do CVM (sempre na versão aplicável) é “um contrato-quadro em relação às operações de conta alheia, através do qual o intermediário se obriga, nos termos do art. 332º da CVM, a praticar todos os atos tendentes à valorização da carteira e a exercer os direitos inerentes aos instrumentos financeiros que integram a carteira.”[268]
É um contrato que foi sendo assimilado ao regime do mandato[269] mas reconhecido como um contrato típico e nominado com regulamentação específica no CVM, como nos dão conta Paulo Câmara[270] e A. Barreto Menezes Cordeiro[271].
“Trata-se de uma gestão discricionária, tendo o gestor a margem decisória para praticar as decisões de investimento adequadas à política de gestão contratualmente definida.” A celebração do contrato não envolve qualquer efeito translativo: o cliente mantém a titularidade dos instrumentos financeiros sob gestão.[272]
Precisamente, no caso concreto, como resulta dos factos pertinentes:
53.16. Foram celebrados entre a Impugnante e a Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A. quatro “Contratos de Gestão de Carteiras”, que constituem os documentos 1 a 4 juntos com a resposta à impugnação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, associados às contas n.ºs 850786, 850782, 850781 e 850698.
53.17. No âmbito dos “Contratos de Gestão de Carteiras” referidos em 53.16. foram dadas instruções para investimento nos três perfis infra indicados, com as características descritas a fls. 12128, que aqui se dão por integralmente reproduzidas:
- Perfil “B”, risco moderado: €800.000,00+211.000,00+€4.200.000,00+ €3.500.000,00
- Perfil “C”, risco elevado: €250.000,00+€900.000,00
- Perfil “D”, risco muito elevado: €900.000,00
53.18. Alguns dos investimentos realizados ao abrigo dos contratos celebrados entre Impugnante e Liquidanda tinham exposição a empresas do Grupo Espírito Santo.
53.19. A Impugnante tinha conhecimento que os investimentos realizados não eram isentos de risco e que esse risco corria por sua conta.
53.20. A Impugnante era acompanhada por um gestor de conta da Liquidanda, designadamente, nas contas associadas a contratos de seguro celebrados com clientes da Sucursal Liquidanda.
53.21. A Impugnante recebia mensalmente, desde a data da celebração dos contratos, os respectivos extractos de conta, de onde constavam com clareza todos os seus investimentos.
53.22. A Liquidanda prestou à Impugnante informação sobre a sua política de conflito de interesses e de mitigação desses conflitos, nos seguintes termos:
“2.7 Informação sobre política de conflito de interesses
O Banco adoptou uma política em matéria de conflito de interesses, que pode, mediante pedido de qualquer Cliente, ser enviado para o seu endereço electrónico ou morada postal.
O Banco desenvolve diversas actividades de intermediação financeira cuja execução pode propiciar a ocorrência de situação de conflitos de interesse, quer entre os interesses do Banco e dos seus Clientes, quer entre os interesses dos seus diferentes Clientes.
Tal situação é susceptível de pôr em risco a imparcialidade e independência da actuação do Banco, pelo que a criação e manutenção de regras de prevenção e gestão de conflitos, constitui uma prioridade.
O Banco está obrigado a organizar-se de modo a identificar possíveis conflitos de interesse e a actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência. Para o efeito prestará a todos os seus Clientes um tratamento transparente e equitativo.
A política adoptada pelo Banco, com vista à gestão destes conflitos, contem procedimentos destinados a:
m) Assegurar que as áreas envolvidas nas actividades de intermediação serão organizadas e geridas de maneira autónoma, por pessoal afecto a cada uma delas, sem interferência da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
n) Assegurar que a informação obtida em cada área nunca se encontrará, directa ou indirectamente, ao alcance da(s) outra(s) relativamente à(s) quais o risco se coloque;
o) Segregação entre as funções de decisão, execução, registo e controle;
p) Notificação ao responsável pelo Cumprimento/”Compliance Officer” das transacções efectuadas por dirigentes colaboradores mais expostos a eventuais conflitos de interesse;
q) Manutenção e monitorização de uma lista de colaboradores considerados como podendo ter acesso a informação privilegiada;
r) Prestação de formação aos colaboradores sobre prevenção e gestão de conflitos de interesses.”
Temos apurado que os referidos contratos foram celebrados por escrito, com consignação do nível de risco escolhido pela credora (risco B, C e D, incluindo elevado e muito elevado), diversidades de ativos e a advertência de que nos mesmos poderiam figurar produtos emitidos por empresas do grupo (cláusula 5.5. dos contratos reproduzidos na matéria de facto). Analisados os extratos verificamos igualmente uma diversidade de portfolio correspondente ao contratualmente definido para a gestão discricionária.
Juntando estes factos aos já analisados, quanto à informação de que a liquidanda dispunha sobre a solvabilidade das empresas do grupo, não temos, sequer, qualquer indício da violação do dever de lealdade para com este cliente, recorde-se, um cliente qualificado que tinha o dever de vigilância das carteiras cuja gestão confiou à Liquidanda e a quem foi fornecido acompanhamento e extratos pormenorizados mensais.
É certo que se apurou que (factos 53.24 a 53.30) da totalidade dos ativos depositados e sob gestão da liquidanda, cerca de 35% correspondiam a produtos emitidos por sociedades do grupo (o que é uma percentagem elevada). Mas não sabemos se todos estes produtos correspondiam a instrumentos financeiros afetados pela insolvência das emitentes – cuja percentagem rondará antes os 16,5% - e, principalmente, não temos a discriminação da integração destes produtos nas carteiras sob gestão discricionária.
Assim, também neste ponto acompanhamos as conclusões atingidas pela sentença de 1ª instância, não se surpreendendo nesta matéria qualquer ilicitude por parte da liquidanda por violação dos deveres de lealdade.
Aqui chegados podemos já concluir pela total improcedência dos pedidos formulados fundados em depreciação total dos ativos GES (pontos ii) e v) acima discriminados) por ausência do primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil: a ilicitude.
Tal acarreta desde logo também a improcedência do pedido relativo aos montantes que a recorrente deixou de auferir em comissões (pontos iii) e vi) elencados no início desta apreciação): se não podemos imputar à liquidanda a responsabilidade pela depreciação dos ativos também não podemos imputar as perdas correspondentes às comissões não cobradas correspondentes à (não) valorização daqueles ativos, a que acresce a não prova dos factos elencados sob 53 y) a 53 aa).
O fundamento seguinte eleito pela recorrente como configurando ilicitude, o atraso na transferência das carteiras – não sofreu qualquer alteração relevante em função da única alteração da matéria de facto resultante da parcial procedência da impugnação da mesma
Os atrasos encontram-se apurados, tal como as respetivas consequências desfavoráveis (factos 53.31 a 53.44):
“53.31. Por cartas expedidas, designadamente, em 17 e 24 de Julho de 2014, a Impugnante instruiu a Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal no sentido de proceder ao encerramento das contas infra indicadas e à transferência dos activos para outros depositários:
- n.º 850606 – Apólice n.º 4001584001;
- n.º 850610 – Apólice n.º 4002053001;
- n.º 850684 – Apólice n.º 4002547001;
- n.º 850691 – Apólice n.º 4002549002;
- n.º 850698 – Apólice n.º 4003408001;
- n.º 850769 – Apólice n.º 4004103001;
- n.º 850781 – Apólice n.º 4004088001;
- n.º 850782 – Apólice n.º 4004160001;
- n.º 850786 – Apólice n.º 4004311001;
- n.º 850795 – Apólice n.º 4003997001;
- n.º850806 – Apólice n.º 4004504001.
53.32. A Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A. não procedeu ao encerramento imediato das contas e à transferência dos activos para os novos depositários indicados pela Impugnante.
53.33. O procedimento de transferência de valores mobiliários implica a intervenção das entidades bancárias transmitente, custodiante e transmissária.
53.34. No caso concreto, o pedido de transferência dos títulos foi enviado pela Impugnante à Liquidanda.
53.35. De seguida, a Liquidanda enviou o pedido à Banque Privée Espírito Santo, S.A., custodiante dos títulos.
53.36. A partir de Julho de 2014 a Liquidanda e os Bancos depositários das transferências identificados pela Impugnante receberam inúmeros pedidos de transferência de títulos.
53.37. O processo de liquidação de títulos/ transferência de liquidez subsequente ao termo de um dos contrato celebrados entre a Impugnante e a Liquidanda era habitualmente e em média, concluído no prazo de 4 semanas.
53.38. No caso em apreço, o processo de transferência de títulos foi mais moroso do que era habitual, tanto do lado da Banque Privée Espírito Santo, S.A. como dos bancos depositários identificados pela Impugnante.
53.39. A partir de 16 de Julho de 2014, a Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A. foi procedendo à restituição do dinheiro e valores mobiliários referidos em 53.29.
53.40. A transferência dos valores depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal, com inicio em Julho de 2014, não estava concluída em 31 de Maio de 2015.
53.41. À data de 31 de Maio de 2015, ainda se encontravam depositados em contas abertas junto da Sucursal Liquidanda as quantias e valores mobiliários infra indicados:
53.41.A. À data de 16 de julho de 2015, ainda se encontravam depositados em contas abertas junto da Sucursal Liquidanda os valores mobiliários, referidos em 53.41., emitidos pelas empresas do Grupo Espírito Santo que vieram a ser declaradas insolventes, valores esses que foram bloqueados.
53.42. Durante o lapso temporal em que decorreu a transferência dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal para outras instituições bancárias, a Impugnante não dispôs dos mesmos.
53.43. Durante o lapso temporal em que decorreu a transferência dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. - Sucursal em Portugal e até 21 de Setembro de 2015, a Impugnante poderia ter pedido o resgate dos investimentos ou dado ordem de venda dos valores mobiliários depositados em contas abertas ou sob gestão da Liquidanda.
53.44. Caso não estivesse a aguardar pela transferência dos títulos/liquidez, no exercício da sua actividade, a Impugnante teria investido a liquidez ou realizado operações envolvendo os activos depositados junto da Sucursal em Portugal da Banque Privée Espírito Santo, S.A., com o intuito de obter lucro.”
Trata-se de matéria relevante para os créditos reclamados com fundamento em mais valias que deixaram de ser realizadas durante o período de imobilização e eventuais correspondentes comissões.
Não há qualquer dúvida, face aos factos provados, de que foi a conduta da liquidanda, ao não executar de imediato as ordens de transferência que a recorrente emitiu que causou a não disponibilidade dos mesmos por parte da recorrente.
Como resulta dos contratos celebrados, inexiste um prazo contratual para o cumprimento deste tipo de ordens, adiantando-se que inexiste, de igual forma, um qualquer prazo legal fixo aplicável ao cumprimento deste tipo de ordens.
Nos termos do nº2 do art. 304º do CVM, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
Trata-se do princípio da atuação de boa-fé, concretizado em várias regras do CVM e que corporiza também o critério de aferição da culpa, que não é feita de acordo com o o padrão civilista do bonus pater familiae mas sim pelo padrão do diligentissimus bonus pater familiae[273].
Uma das concretizações é o dever de organização interna, previsto no art. 305º do CVM e que prevê, na versão aplicável aos autos, que o intermediário financeiro deve manter a sua organização empresarial equipada com os meios humanos, materiais e técnicos necessários para prestar os seus serviços em condições adequadas de qualidade, profissionalismo e de eficiência.
Também o art. 73º do RGICSF[274] prescreve que «As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência.»
Intimamente ligado com este dever, concretizando também o princípio da atuação de boa-fé é o dever de execução nas melhores condições (best execution), previsto no art. 330º do CVM.
Como refere Paulo Câmara[275] trata-se de uma concretização do dever de respeito pelos interesses do cliente e, na versão aplicável aos autos (resultante da transposição da DMIF I) assenta no desenvolvimento de esforços razoáveis, padrão que na versão posterior (e não aplicável aos autos) deve ser elevada para suficiência de esforço. Ainda assim, sujeita-se a “bitolas de razoabilidade” e desde que estas sejam respeitadas, trata-se de uma obrigação de meios e não necessariamente de resultado. “Além disso, não pode negligenciar-se que a dimensão da ordem determina diferenças sensíveis do ponto de vista das condições que podem ser obtidas: a melhor execução não pode ser medida em termos absolutos.”[276]
 Resta referir que o dever de melhor execução é aplicável à execução de ordens em qualquer tipo de instrumento financeiro e a todo o tipo de ordens, as estritas e as ordens sujeitas a dever de adequação, como as ordens emitidas no âmbito de um contrato de gestão de carteira.
A regra que vimos citando, o art. 330º do CVM, está claramente pensado para as ordens de execução de operações sobre instrumentos financeiros, como se infere da sua localização sistemática (na Secção II, Ordens), e do teor do nº2 do preceito que refere como fatores a considerar para a obtenção do melhor resultado possível o preço, os custos, etc.
Mas sendo uma concretização de um dever ou princípio geral, oferece-nos um bom exemplo padrão para a aferição da execução de outro tipo de ordens, como a ordem de transferência apurada nos autos como retardadamente cumprida.
O critério de razoabilidade e o melhor interesse do cliente são, pois, as bitolas a usar, juntamente com a obrigação de organização interna.
O prazo apurado como “normal” (facto 53.37) era um prazo que respeitava ao corrente volume de operações entre a recorrente e a liquidanda. A ordem que analisamos não era uma ordem “normal”. A recorrente ordenou a transferência e encerramento de todas as contas de que era titular. A dimensão da operação é-nos dada pelo extrato de fls. 12151 e ss. dos autos.
Como se apurou – e se revê como normal num juízo de experiência comum – à época, desde que se iniciaram os incumprimentos e os acontecimentos se precipitaram houve mais pedidos similares – cfr. nº 53.36 da matéria de facto provada.
Vejamos a sequência de acontecimentos:
Em julho de 2014:
- é deliberada (pelos acionistas) a dissolução e entrada em liquidação do BPES Suíça (facto XVII);
- O BPES Suíça era a custodiante dos títulos (facto 53.35);
- a Esfil (emitente de ativos) pede gestão controlada, que é negada (facto XXX);
- a Rio Forte (emitente de ativos) comunica o incumprimento das obrigações e pede gestão controlada, que é negada (factos XLV e XLVI);
Em Setembro de 2014:
- O BPES Suíça é declarado insolvente em 17/09/2014 (facto XX);
- A liquidanda é alvo de medidas do BdP, que paralisam a sua atividade corrente e a dedicam à preservação de ativos, em 19/09/2014 (facto VI);
Em outubro de 2014:
- A Esfil (emitente) é declarada insolvente em 10/01/2014 (facto XXXI);
Em Dezembro de 2014:
- A Rio Forte (emitente) é declarada insolvente em 08/12/2014 (facto XLVII);
Em setembro de 2015 (factos IX a XI):
- O BdP delibera a revogação de autorização de exercício de atividade da liquidanda em 21/09/2015; e
- A decisão judicial de prosseguimento da liquidação da liquidanda é tomada em 29/09/2015.
Como podemos verificar desta enumeração, tratou-se, de facto, de “um contexto absolutamente invulgar, marcado por condicionantes sem paralelo.”, para o qual não era razoável exigir, que a liquidanda aumentasse a sua estrutura organizativa para dar esta resposta. Como se esclareceu na sentença recorrida “ainda que a conduta da Liquidanda tenha contribuído para o retardamento da satisfação das instruções da Impugnante, (…) face à envolvente, não lhe era exigível um resultado distinto, no caso, a concretização da solicitação da Impugnante num menor espaço de tempo.”[277]
 Mesmo se diga quanto à questão da execução desta concreta ordem. A ponderação das mesmas circunstâncias tornou inexigível o cumprimento em tempo e por completo: em tempo, dado o elevado número de ordens e as dificuldades envolvendo a custodiante e a própria liquidanda e, por completo, dado não ser razoável exigir a transferência dos títulos já bloqueados pela Euroclear.
Não surpreendemos, assim, nesta matéria violação de qualquer dos deveres identificados: 305º e 330º CVM e 73º RGICSF, nem dolosamente, nem de forma negligente.
Ainda assim, há que apontar que, mesmo não concordando, tal não implicaria a total responsabilidade da liquidanda pelos montantes peticionados. Em primeiro lugar, e quanto aos ativos GES afetados, parte deles seriam obrigações com determinado prazo, que não poderiam nem ser liquidados antecipadamente, nem transacionados. Assim, em montante não determinado, não seriam suscetíveis de gerar mais valias além do cupão respetivo. Depois, todos os factos alegados relativos à valorização das carteiras, além de não distinguirem os produtos com maturidade, quedaram não provados – cfr. alíneas 53 i) a 53 k) e 53 o) a 53 x). Assim, os pedidos formulados sob iv) e vii) acima indicados, são improcedentes.
Resta analisar o dano alegado por perda de volume de negócios, correspondente à alínea ix) do elenco reproduzido no início desta apreciação.
Provou-se, com relevância (53.46 a 53.50) que:
53.46 A Impugnante é uma companhia de seguros de referência a nível internacional no sector onde exerce a sua actividade, sendo procurada por particulares e empresas que visam precaver-se contra os riscos e as incertezas.
53.47. A reputação da Impugnante foi negativamente afectada em virtude da não recuperação, pelo menos até 8.2.2016, dos investimentos realizados em valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos por sociedades do Grupo Espírito Santo.
53.48. A reputação da Impugnante foi negativamente afectada em virtude do tempo que demorou a transferência dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. e Sucursal em Portugal.
53.49. A falta de recuperação dos investimentos realizados em valores mobiliários e instrumentos financeiros emitidos por sociedades do Grupo Espírito Santo, que se verificava em 8.2.2016 e o lapso temporal que demorou a transferência dos activos depositados junto da Banque Privée Espírito Santo, S.A. e Sucursal, contribuíram para a diminuição da procura por novos contratos de seguro “Life Asset Portfolio”, concretamente, no mercado português.
53.50. A Impugnante mobilizou os seus recursos humanos para acompanhar a situação da Banque Privée Espirito Santo, responder aos seus clientes e diligenciar no sentido da recuperação dos activos depositados junto da Liquidanda.
Quedaram não provados os factos alegados para este efeito – cfr. alíneas 53 n), 53 ah) e 53 ap).
Já concluímos antes pela ausência de ilicitude pelo que, também nesta parte o pedido será improcedente com a constatação de que o dano reputacional sofrido pela credora recorrente é essencialmente imputável ao incumprimento das emitentes e ao colapso do Banco Espírito Santo, SA e não a conduta da liquidanda.
Improcedem, assim, in totum as conclusões formuladas pela recorrente SLL S.A. e, consequentemente, improcede a apelação.
*
As presentes apelações improcedem, assim, integralmente, em relação aos recursos interpostos por:
- FRF e VJF, correspondente ao recurso nº 1.1.;
- LCM e BCM, correspondente ao recurso 1.2.;
- ASC, MLSC, SSC e PSC, correspondente ao recurso 1.3.;
- EPR correspondente ao recurso 1.4;
- LAC correspondente ao recurso 1.5.;
- MSL, correspondente ao recurso 1.6.;
- SLL S.A., correspondente ao recurso 1.7.;
sendo de manter a decisão proferida.
*
Os apelantes, porque vencidos, suportarão integralmente as custas dos respetivos recursos que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostram pagas as taxas de justiça devidas pelo impulso processual dos recursos e estes não envolveram diligências geradoras de despesas – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[278].
*
7. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em:
a) Declarar a extemporaneidade dos recursos interpostos por MFN, MCN (correspondente ao recurso 1.10 e impugnação nº 48), AFS (correspondente ao recurso 1.9 e impugnação nº 50) e Herdeiros de CCN (correspondente ao recurso 1.8 e impugnação nº 49) e, em consequência, declarar findos os recursos interpostos por estes credores;
b) Julgar improcedente a apelação interposta por FRF e VJF, correspondente ao recurso nº 1.1. e à impugnação nº1, mantendo-se na íntegra a decisão de não verificação do crédito por estes reclamado;
c) Julgar improcedente a apelação interposta por LCM e BCM, correspondente ao recurso 1.2., e à impugnação nº25, mantendo-se na íntegra a decisão de não verificação do crédito por estes reclamado;
d) Julgar improcedente a apelação interposta por ASC, MLSC, SSC e PSC, correspondente ao recurso 1.3., e à impugnação nº5, mantendo-se na íntegra a decisão de não verificação do crédito por estes reclamado;
e) Julgar improcedente a apelação interposta por EPR correspondente ao recurso 1.4. e à impugnação nº35, mantendo-se na íntegra a decisão de não verificação do crédito por esta reclamado;
f) Julgar improcedente a apelação interposta por LAC, correspondente ao recurso 1.5., e à impugnação nº55, mantendo-se na íntegra a decisão de não verificação do crédito por este reclamado;
g) Julgar improcedente a apelação interposta por MSL, correspondente ao recurso 1.6. e à impugnação nº 27, mantendo-se na íntegra a decisão de não verificação do crédito por esta reclamado;
h) Julgar improcedente a apelação interposta por SLL S.A., correspondente ao recurso 1.7., e à impugnação nº 53, mantendo-se na íntegra a decisão de não verificação do crédito por esta reclamado.
*
Custas de parte na respetiva instância recursiva pelos recorrentes:
- MFN e MCN;
- AFS;
- Herdeiros de CCN;
- FRF e VJF;
- LCM e BCM;
- ASC, MLSC, SSC e PSC;
- EPR;
- LAC; e
- SLL S.A.
Notifique.

Lisboa, 12 de julho de 2022
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
_______________________________________________________
[1] Incluindo já os aditamentos e correções ordenados por despacho de 01/10/2018 (ref.ª 379919195).
[2] Seguindo a sistematização da decisão recorrida, para melhor compreensão, matéria de facto geral, com relevo para a apreciação de todos os créditos em numeração romana, sendo seguida da matéria de facto provada, em relação a cada um dos créditos objeto do presente recurso individualmente e com identificação do número da impugnação e do recurso segundo a numeração atribuída no relatório, em numeração árabe.
[3] Esclareceu-se na sentença recorrida que “A numeração romana identificará os factos relevantes para a decisão de todas ou de um conjunto significativo de impugnações, evitando-se, desta forma, a sua repetição.
Após o elenco destes factos serão indicados os alegados em cada impugnação e respectiva resposta, todos eles identificados através do “número único de identificação” da impugnação a que respeitam.”
[4] A passagem do nº 1.25., para o nº 1.27. é um lapso de numeração da decisão recorrida que, por não relevante, entendemos não alterar – cfr. nas pags. 500 a 501 a motivação da matéria de facto provada também passa do nº 1.25., para o nº 1.27.
[5] Este tribunal completou o facto dado como provado, correspondente ao art. 57º da resposta à impugnação (“Acresce que a Liquidanda colocava ao dispor dos seus clientes tanto produtos financeiros do Grupo Espírito Santo, como outros, e”), dado que por evidente lapso de cópia a frase constante de 35.29 não estava completa, depois de confirmar a sua correspondência nas declarações de Ana Miranda e do Sr. Liquidatário, depoimentos indicados na motivação da matéria de facto provada (pg. 347 da sentença).
[6] Montante completado com recurso ao documento dado por reproduzido em 35.42. e atento o facto dado como provado em 35.5., em correção de evidente lapso de escrita.
[7] O ponto 49.1. que se encontrava incompleto, por notório lapso material, foi completado com recurso à audição das declarações de MFN, indicadas na motivação da matéria de facto provada (pg. 657 da sentença recorrida) como fonte do facto dado como provado.
[8] E ao invés de mandar desentranhar o requerimento e enunciar ele próprio a questão das duas notificações.
[9] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012 de 10/02 e pela Lei nº 23-A/2015, de 26/03.
[10] Neste exato sentido João Labareda e Carvalho Fernandes em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 3ª edição, Quid Juris, 2015, pg. 128.
[11] Em Manual do Recurso Civil, Vol. I, 2020, AAFDL Editora, pg. 278.
[12] Onde se estabelece que «Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.»
[13] Dois exemplos do passado recente, a insolvência da Conforlimpa tinha cerca de oito mil credores e a liquidação do BPP, cerca de seis mil.
[14] Serão 113 os credores não representados por Mandatário Judicial.
[15] Despacho de 09/07/2021, com sublinhados nossos: “XX apresentou alegações de recurso em 1.2.2021, não tendo impugnado a decisão da matéria de facto.
A sentença impugnada foi notificada nos dias 15 e 16 de Dezembro de 2020 pelo que, nos termos do art.14º, n.º2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o prazo de recurso (acrescido da prorrogação de 15 dias) terminou no dia 20.1.2021.
Destarte, o recurso interposto é extemporâneo, razão pela qual não se admite, o que se decide ao abrigo dos arts.638 n.º1 e 641º n.º2 a), ambos do Código de Processo Civil e 14º n.º2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”
[16] Cfr. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto em Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1999, pg. 444.
[17] Exemplos dados por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pereira de Sousa em Código de Processo Civil Anotado, I vol., Almedina, 2018, pg. 285.
[18] «As decisões finais são sempre notificadas desde que a residência ou sede da parte seja conhecida no processo.»
[19] Em Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2020, pg. 276.
[20] Em Código de Processo Civil Anotado, volume I, 4ª edição, Almedina, 2018, pg. 338.
[21] Disponível em www.dgsi.pt.
[22] Cfr. neste sentido Ac. TRP de 28/03/2012, disponível in http://www.dgsi.pt/  e Ac. TRL de 18/12/2019, por nós relatado, disponível no mesmo local.
[23] Sem apreciação de mérito, no caso concreto da liquidação de instituições de crédito, nos termos do disposto no art. 8º nº2 do Decreto-Lei n.º 199/2006 de 25/10, na sua versão atual.
[24] O que claramente é uma conclusão atingida pelo tribunal recorrido com base nos factos não provados indicados e nos provados em 1.27 a 1.31. – cfr. 1º parágrafo de fls. 835 da sentença sob recurso, onde se escreveu: “Ora, produzida a prova, o Tribunal considerou não ter sido demonstrado que a ESI reembolsou o investimento dos Impugnantes, que esse dinheiro tenha entrado na conta deles aberta junto da Banque Privée Espirito Santo, S.A. e que tenha sido transferido, e dado efectiva entrada, na conta dos Impugnantes aberta junto da Sucursal Liquidanda.”
[25] Cfr. Abrantes Geraldes em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pgs. 169 e 170.
[26] Relatora Maria da Graça Trigo, disponível, como todos os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt.
[27] Abrantes Geraldes, local já citado, pgs. 168 e 169 e jurisprudência ali citada.
[28] Neste sentido, entre outros, acórdão do STJ de 27-10-2016, Ac. TRL de 12/11/2019, ambos disponíveis in www.dgsi.pt e António Abrantes Santos Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, pg. 167.
[29] Processo nº 10300/18.8T8SNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[30] No sentido de que também às peças processuais produzidas pelas partes em juízo se aplicam “os princípios legais de interpretação das declarações negociais no sentido de apurar se aqueles permitem a qualquer declaratário normal colocado na posição do real declaratário, ou a um diligente bom pai (ou mãe) de família, compreender o que está em causa na relação material em litígio (art° 236° do Código Civil “ex vi” art. 295º do C.C).”, vide o Ac. TRP de 10/11/2020 (José Igreja Matos) ou o Ac. TRG de 16/01/2020 (Margarida Almeida Fernandes), ambos disponíveis e www.dgsi.pt, entre outros.
[31] Pag. 21 no leitor de pdf – os recorrentes não numeraram a sua motivação e não numeraram as páginas das alegações.
[32] “25 a) Nas várias aplicações Rio Forte realizadas, a Liquidanda transmitiu sempre aos Impugnantes informação sobre a Rio Forte e o facto de esta entidade integrar o Grupo Espírito Santo, a que pertence a Banque Privée Espirito Santo, S.A.”
[33] “I. Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal foi constituída em 12.10.2007, com um capital social de €17.500.000,00.
II. Banque Privée Espirito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal tem como objecto social a exploração de um Banco, principalmente orientado para a gestão de fortuna e direccionada a uma clientela privada e institucional essencialmente estrangeira, em particular europeia e sul americana, e igualmente a uma clientela Suíça.”
[34] Fls. 485 da decisão recorrida.
[35] Em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª edição atualizada, reimpressão, Almedina, 2019, pg. 322.
[36] Alínea C) Motivação da decisão de facto, a pgs. 474 e 475 da sentença recorrida.
[37] Sem necessidade, refira-se, dadas as declarações produzidas e respetiva credibilidade, recorde-se que “a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur». – cfr. Ac. STA de 15/05/2013, disponível em https://dre.pt/dre/detalhe/acordao-sta/32440-2013-3978564.
[38] Remete-se para o enquadramento jurídico efetuado a pgs. 29 e 30 do despacho saneador de 28/08/2018 (ref.ª 379087593).
[39] Disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem referência.
[40] Citado por Luís Filipe Pereira de Sousa em Prova por Presunção no Direito Civil. Disponível em: Grupo Almedina, (3rd Edição). Grupo Almedina (Portugal), 2022, citação tirada de “Regras de experiência e conceitos jurídicos indeterminados”, in Temas de Direito Processual, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 62, apud Gilberto Fachetti Silvestre, As Máximas de Experiência no Processo Civil, Vitória, 2009, p. 31.
[41] Local citado na nota anterior, pg. 88.
[42] Continuamos a citar Luís Filipe Pereira de Sousa, pgs. 92 e 93.
[43] Têm ainda uma função hermenêutica e integrativa, nenhuma das quais relevante no específico contexto deste recurso.
[44] O silogismo, do domínio da lógica é um argumento formado de três proposições; a maior, a menor (premissas) e a conclusão deduzida da maior, por intermédio da menor -"silogismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/silogismo [consultado em 08-05-2022].
[45] Cfr. factos gerais XLI a XLII e
[46] “O Espírito Santo tenta fazer uma ginástica financeira para sobreviver à crise” é a tradução.
[47] Gestão controlada - Procedimento coletivo que permite a um comerciante, que esteja impossibilitado de cumprir, parcial ou integralmente, os seus compromissos, solicitar ao tribunal do comércio autorização para cessar temporariamente os pagamentos. Este procedimento só é possível se mais de metade dos credores que representem mais de metade dos passivos estiverem de acordo. (ver Decreto Grão-Ducal de 24 de maio de 1935 que complementa a legislação relativa à suspensão de pagamento, ao regime de prevenção da falência e à falência pela instituição do regime de gestão controlada).– noção retirada de https://justice.public.lu/fr/support/glossaire/g/gestion-controlee.html, em tradução livre, consultado em 8 de maio de 2022.
[48] E tanto é assim que as contra-alegações os identificaram, também, sem qualquer dificuldade – cfr. cls. XV, XIX, XXVII e XVIII.
[49] Têm ainda uma função hermenêutica e integrativa, nenhuma das quais relevante no específico contexto deste recurso.
[50] O silogismo, do domínio da lógica é um argumento formado de três proposições; a maior, a menor (premissas) e a conclusão deduzida da maior, por intermédio da menor -"silogismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/silogismo [consultado em 08-05-2022].
[51] Em Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pg. 20.
[52] Em Da Distribuição do Ónus da Prova no Direito Processual Civil Português – Contributo para o Estudo da Possibilidade de Flexibilização através de uma Distribuição Dinâmica - Dissertação orientada pelo Professor Doutor Rui Pinto - Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses, Lisboa, 2017, disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/31833/1/ulfd133817_tese.pdf, nota 58 a pgs. 25.
[53] Consultado em https://dre.pt/dre/detalhe/acordao/03b1815-2004-88761275.
[54] Consultado em https://dre.pt/dre/detalhe/acordao-sta/32440-2013-3978564.
[55] Ponto 5 e) da matéria de facto não provada: “5 e) Quando os Impugnantes aplicaram o dinheiro em Rio Forte sempre o fizeram no pressuposto de a Insolvente garantir o reembolso do capital.”
[56] Foram essas exatamente as palavras do declarante.
[57] Depoimento de CBS, declarações dos recorrentes e de JAC.
[58] Trata-se do regime excecional de regularização tributária ou RERT, regimes lançados em 2005, 2010 e 2012, tendo o de 2010 (RERT II) sido criado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril e Portaria n.º 260/2010, de 10 de Maio.
[59] Os recorrentes motivam por duas vezes a impugnação de 5.12., a fls. 87 a 96 e a fls. 96 a 111 das alegações, tendo este tribunal congregado as duas motivações (apenas parcialmente coincidentes).
[60] Na sua expressão mais simples, os recorrentes entendem não serem titulares das obrigações por não terem dado a ordem de subscrição.
[61] Os recorrentes alegam que se trata de uma formalidade ad probationem na sua motivação de direito.
[62] Cfr. Ac. STJ de 15/11/2007 (Santos Bernardino) e Ac. STJ de 07/06/2018 (Abrantes Geraldes).
[63] Cfr. A. Barreto Menezes Cordeiro em Manual…, já citado, pg. 325; Sandra Domingues Cipriano, em Valores mobiliários: o dever de informação do intermediário financeiro nas recomendações de investimento, Dissertação de mestrado em Mestrado em Ciências Jurídico – Financeiras, orientada pela  Prof.ª Doutora Rute Neto Cabrita e Gil Saraiva, Lisboa, 2016, nota 39, a pgs. 21, disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/32591/1/ulfd134595_tese.pdf,
[64] Em Os contratos de intermediação financeira, dissertação de mestrado, 10712/2013, , disponível em file:///C:/Users/mj01614/Downloads/Lina_Aurora_Ramada_e_Castro_Bettencourt_Baptista%20(1).pdf, pg. 21.
[65] Nota 63 da autora citada: “Obrigação esta que pode ser substituída pela inserção das ofertas no sistema de negociação, desde que fique garantido o registo da hora da recepção, da identificação do ordenador e do número sequencial da recepção da ordem.”
[66] Nota 64 da autora citada: “Cita-se, a título exemplificativo, a decisão do Ac. do S.T.J. de 15/11/2007 (proferido no Processo n.º 07B3093, tendo como Relator Santos Bernardino e disponível em www.dgsi.pt.) onde se refere precisamente que a mesma "está ligada aos princípios da transparência e da confiança, essenciais a todo o tráfico mercantil, e visa permitir o confronto, se tal se mostrar necessário, entre a ordem e os termos da sua execução, para protecção dos interesses do intermediário, do ordenador e de terceiros, e garantir a transparência e correcto funcionamento do mercado." Refira-se, porém, que o Acórdão citado conclui não se tratar de uma formalidade ad probationem, como adiante desenvolveremos.
[67] Nota 65 da autora citada: “Proferido no Processo nº 146/2002.L2-7, tendo como Relatora Ana Resende e disponível em www.dgsi.pt”
[68] Em Manual…, pg. 504.
[69] Neste sentido, entre outros, Paulo Câmara em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4ª edição, Almedina, 2018, pg. 508 e A. Barreto Menezes Cordeiro em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª edição, Reimpressão, Almedina, 2019, pg. 324.
[70] A expressão é usada por A. Barreto Menezes Cordeiro em Manual…, pg. 323.
[71] Manual…, pg. 325.
[72] Ponto 5.1., que aqui se dá por reproduzido.
[73] Em Direito Processual Civil, II vol., Edições AAFDL, 1987, pgs. 659 e ss.
[74] Ver, entre outros Lebre de Freitas, em anotação ao art. 341º do CC em Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, Vol. I, 2ª edição, reimpressão, Almedina, 2021, pg. 452, Rita Lynce de Faria em anotação ao mesmo preceito em Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pg. 810 e Luís Filipe Pereira de Sousa em Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pg.7.
[75] Em Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pg. 468.
[76] Luís Filipe Pereira de Sousa em Direito Probatório…, pgs. 7 e 8.
[77] Continuamos a seguir Luís Filipe Pereira de Sousa em Direito Probatório…, pgs. 107 e ss.
[78] Idem.
[79] Dizemos por regra, porque na verdade, em circunstancias muito específicas, de todo aqui não verificadas, pode sê-lo: pensamos, por exemplo, na ação especial de reforma de ações em que o processo visa a reconstituição de um documento.
[80] Nenhuma das partes levantou, quanto a qualquer destes três documentos, qualquer questão de direito probatório processual.
[81] Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, 2018, pg. 119.
[82] Disponível em www.dgsi.pt.
[83] Disponível também em www.dgsi.pt.
[84] Miguel Teixeira de Sousa e Castro Mendes em Manual…, pg. 511.
[85] Neste sentido André Alfar Rodrigues em Deveres e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, Almedina, 2020, pg. 33, onde escreveu: “Em suma, podemos afirmar que a categorização de clientes não se reconduz a uma mera opção do intermediário financeiro, sendo este um dever a que o mesmo está adstrito.” No mesmo sentido, identificando-o como um prius lógico em relação aos demais deveres e relacionando-o com o dever de conhecimento do cliente e com o dever de adequação, no sentido em que o dever de categorização obriga ao conhecimento do cliente, Paulo Câmara em Manual…., pg. 407.
[86] Art. 2º nº1 do Decreto Lei nº 211-A/2008, de 03/11, na redação vigente à data da subscrição dos instrumentos financeiras, prévia à entrada em vigor da redação dada pela Lei nº 35/2018 de 20 de julho.
[87] O despacho foi proferido na ata de 04/01/2019 (ref.ª 382807656) com o seguinte teor: “Considerando as várias referências em sede de depoimentos prestados nesta sessão, ainda no período da manhã, a fichas técnicas dos produtos que foram subscritos e que estão em causa nestes autos, afigura-se relevante ter conhecimento dessas fichas técnicas, até porque parece depender daquilo que resulte das próprias fichas técnicas a qualificação dos produtos.
Tendo sido aqui referido no período da manhã, pela testemunha PFR, que no processo interno da C.M.V.M. essas fichas técnicas constavam, determina-se, ao abrigo do disposto no art.º 411.º do C.P.C., que se solicite à C.M.V.M. com referência ao processo que ali correu termos e que tem a referência RCL n.º 50202, o envio das fichas técnicas dos produtos que no mesmo processo possam constar.
Solicite esta informação com muita urgência, ainda hoje, e com a indicação que o presente julgamento irá prosseguir no próximo dia 7/01/2019 pelas 10:00 horas e indique o mail e o n.º do processo em causa, solicitando que a resposta seja dada por essa via, por ser a mais rápida”.
[88] Cfr. facto dado como provado, em geral, sob 35.25.
[89] Dando-se como exemplo “5% Rio Forte Investments SA EMTN SR-77 2012/09.12.2013 (20212751), assinada e assinalada como transmitida telefonicamente pelo cliente em 05/12/2012, “4,35% Rio Forte Investments SA EMTN SR-144 2013/10.10.2013 (21867922), assinada e assinalada como transmitida telefonicamente pelo cliente em 09/07/2013 e “4.25% Rio Forte Investments SA EMTN SR-176 2013/10. 01.2014 (22565325)”, assinada e assinalada como transmitida telefonicamente pelo cliente em 08/10/2013.
[90] Tratando-se de um facto instrumental alegado pelas partes (o facto essencial é de se a ordem em causa foi dada pela recorrente ou não foi dada) considera-se correta a sua discriminação na matéria de facto, pese embora pudesse apenas ser enunciado na motivação de facto – cfr. neste sentido, entre outros, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pereira de Sousa em Código de processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pg. 29, nº16.
[91] Seguimos o documento junto em 23/03/2018 pela recorrente (ref.ª 28631736) por se tratar da cópia mais legível.
[92] Deixando perfeitamente ilustrada a diversidade de funções entre a CMVM e o tribunal, ali concluiu-se que a liquidanda tinha alegado que…, o que não é uma conclusão, é uma constatação.
[93] Cfr. Ac. STJ de 15/11/2007 (Santos Bernardino) e Ac. STJ de 07/06/2018 (Abrantes Geraldes).
[94] Cfr. A. Barreto Menezes Cordeiro em Manual…, já citado, pg. 325; Sandra Domingues Cipriano, em Valores mobiliários: o dever de informação do intermediário financeiro nas recomendações de investimento, Dissertação de mestrado em Mestrado em Ciências Jurídico – Financeiras, orientada pela Prof.ª Doutora Rute Neto Cabrita e Gil Saraiva, Lisboa, 2016, nota 39, a pgs. 21, disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/32591/1/ulfd134595_tese.pdf,
[95] Em Os contratos de intermediação financeira, dissertação de mestrado, 10712/2013, , disponível em file:///C:/Users/mj01614/Downloads/Lina_Aurora_Ramada_e_Castro_Bettencourt_Baptista%20(1).pdf, pg. 21.
[96] Nota 63 da autora citada: “Obrigação esta que pode ser substituída pela inserção das ofertas no sistema de negociação, desde que fique garantido o registo da hora da recepção, da identificação do ordenador e do número sequencial da recepção da ordem.”
[97] Nota 64 da autora citada: “Cita-se, a título exemplificativo, a decisão do Ac. do S.T.J. de 15/11/2007 (proferido no Processo n.º 07B3093, tendo como Relator Santos Bernardino e disponível em www.dgsi.pt.) onde se refere precisamente que a mesma "está ligada aos princípios da transparência e da confiança, essenciais a todo o tráfico mercantil, e visa permitir o confronto, se tal se mostrar necessário, entre a ordem e os termos da sua execução, para protecção dos interesses do intermediário, do ordenador e de terceiros, e garantir a transparência e correcto funcionamento do mercado." Refira-se, porém, que o Acórdão citado conclui não se tratar de uma formalidade ad probationem, como adiante desenvolveremos.
[98] Nota 65 da autora citada: “Proferido no Processo nº 146/2002.L2-7, tendo como Relatora Ana Resende e disponível em www.dgsi.pt”
[99] Em Manual…, pg. 504.
[100] Neste sentido, entre outros, Paulo Câmara em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4ª edição, Almedina, 2018, pg. 508 e A. Barreto Menezes Cordeiro em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª edição, Reimpressão, Almedina, 2019, pg. 324.
[101] A expressão é usada por A. Barreto Menezes Cordeiro em Manual…, pg. 323.
[102] Manual…, pg. 325.
[103] Retirado da transcrição efetuada pela recorrente e cuja correspondência se verificou:
“Advogado Liquidanda (22:43)
A cliente tinha noção de que estes produtos que subscreveu, concretamente de obrigações emitidas pela Rio Forte e pela Esfil, a cliente tinha a noção de que estas entidades pertenciam ao Grupo Espírito Santo?
Testemunha (22:59)
Tinha.
Advogado liquidanda (23:00)
Porque é que diz isso...? Como é que sabe?
Testemunha (23:02)
Porque era explicado… como a esta cliente e a todos os clientes, portanto… qualquer tipo, título de dívida era identificada a empresa que estava subjacente a esse título de dívida…se esta fosse do grupo que era anterior, quando investimos em mercado secundário… a cliente chegou a investir em outras obrigações que não do Grupo Espírito Santo e também sabia qual era a empresa que estava subjacente a esse título.”
[104] Dado que, como referiu o tribunal na motivação de não prova desse acervo de factos: “Não provado, pois consta expressamente da cláusula 1.6 do contracto celebrado entre Impugnante e Liquidanda “Informação sobre política de conflito de interesses”, do Anexo I “Deveres de Informação a Investidores” ao contrato de abertura de conta, constante de fls. 8699 dos autos.
De resto, a documentação junta aos autos, concretamente o “Dealer Agreement” referente ao EMTN da Rio Forte, especifica que o agente pagador é a Banque Privée Espirito Santo, S.A. e não a Sucursal Liquidanda – cfr. fls. 16432 verso e 17509.”
[105] Doc 8 junto com a resposta à impugnação.
[106] Nos seguintes termos, com sublinhado nosso: “J(uiz) - O que eu lhe pergunto é se a senhora APR, quando falou consigo, ela naturalmente há-de ter falado com o senhor quando o senhor abriu a conta, se ela não lhe explicou que produtos, que possibilidades é que os clientes do Banco tinham para o seu dinheiro.
LAC - Não senhora doutora. A única coisa que a doutora APR me explicou, eu fiquei surpreendido porque vi que era um Banco que ainda não tinha balcões, portanto, ela falou que iam abrir balcões como qualquer outro Banco, ter acesso a cartões de crédito ou débito, portanto seria a situação normal e que abrir a conta e portanto no pressuposto de que eu só utilizaria a conta como depósitos a prazo e à ordem, sem qualquer produto porque nunca foi minha função em qualquer Banco de ter produtos desse género, a não ser obrigações em alguns casos.”
[107] Na versão em vigor à data dos factos, ou seja, antes da redação dada pela Lei nº 35/2018 (que transpôs a DMIF II) ao referido Decreto Lei.
[108] Relatado pela aqui subscritora, disponível em www.dgsi.pt.
[109] No sentido de que não se trata de facto respeitante apenas à pessoa, à relação ou situação específica invocada entre um determinado credor e a insolvente.
[110] Na verdade, na classificação por terceiros de determinados instrumentos como complexos ou não complexos.
[111] Em CPC Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pg. 631.
[112] Ver também Helena Cabrita em A Sentença Cível – Fundamentação de Facto e de Direito, Almedina, 2019, pgs. 162 e 163.
[113] Em artigo intitulado “A MATÉRIA DE FACTO NO PROCESSO CIVIL (da petição ao julgamento)”, de 16/01/2015, disponível em http://carlospintodeabreu.com/public/files/materia_facto_processo_civil.pdf, pg. 23.
[114] Em Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., Almedina, 1997, pgs. 214 e 236.
[115] Pg. 732 da sentença.
[116] E que foi motivada pela seguinte forma (pg. 807 da sentença) “O declarante JAC explicou que os funcionários da Sucursal não tinham visibilidade da actividade e clientes da Suíça e vice-versa.”
[117] Sobre a admissibilidade de prova de factos negativos ver Luís Filipe Pereira de Sousa em Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pg. 20, Joana Maria Moreira Beirão em Da Distribuição do Ónus da Prova no Direito Processual Civil Português – Contributo para o Estudo da Possibilidade de Flexibilização através de uma Distribuição Dinâmica - Dissertação orientada pelo Professor Doutor Rui Pinto - Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses, Lisboa, 2017, disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/31833/1/ulfd133817_tese.pdf, nota 58 a pgs. 25 e os Acórdãos STJ de 07/02/2008 (Urbano Dias), 22/01/2004 (Lucas Coelho) e Ac. Plenário do STA de 17/10/2012 (João António Valente Torrão), todos citados na decisão da impugnação da matéria de facto do recurso 1.3., correspondente à impugnação nº5.
[118] O declarante mostrou saber a diferença entre obrigações e depósitos a prazo, como declarou.
[119] Todos disponíveis em www.dgsi.pt, tal como todos os demais citados sem referência.
[120] Neste sentido acórdãos do STJ de 27/10/2016 (José Rainho) e de 18/01/2022 (Clara Sottomayor), Ac. TRL de 12/11/2019 (Isabel Fonseca), todos disponíveis in http://www.dgsi.pt/ e António Abrantes Santos Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, pg. 167.
[121] Cfr. factos gerais XLI a XLII.
[122] A recorrente identificou este terceiro ponto do grupo de factos como 27.73 na motivação, mas como 27.74. na 32ª conclusão (conclusões aperfeiçoadas).
[123] A recorrente identificou este terceiro ponto do grupo de factos como 27.74 na motivação, mas como 27.75. na 32ª conclusão (conclusões aperfeiçoadas).
[124] A recorrente identificou este terceiro ponto do grupo de factos como 27.75 na motivação, mas como 27.76. na 32ª conclusão (conclusões aperfeiçoadas).
[125] A recorrente identificou este terceiro ponto do grupo de factos como 27.76 na motivação, mas como 27.77. na 32ª conclusão (conclusões aperfeiçoadas).
[126] A recorrente identificou este terceiro ponto do grupo de factos como 27.77 na motivação, mas como 27.78. na 32ª conclusão (conclusões aperfeiçoadas).
[127] Pese embora o facto dado como não provado 53 n) não conste na enumeração da alínea F) das conclusões, está claramente indicado como erradamente julgado e com indicação da matéria que deveria ter sido dada como provada nas conclusões S a V.
[128] Pág. 811 da sentença recorrida.
[129] A decisão recorrida citou neste sentido o Acordão do STJ de 6 de junho de 2013 (Abrantes Geraldes), mas podemos igualmente citar, no mesmo sentido, entre outros, o Ac. STJ de 06/12/2014 (Granja da Fonseca), onde, analisando a questão da não prova de entrega de ficha técnica do investimento aos recorrentes se escreveu “O CVM aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13 de Novembro, que estava em vigor à data da subscrição do produto ora em causa por parte dos recorrentes, não faz qualquer referência a tal ficha técnica.”, o Ac. STJ de 12/01/2017 (Olindo Geraldes), onde se referiu “ A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública, está, especificamente, prevista no art. 314.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários (CVM), sendo aplicável, atendendo à data dos factos dos autos, a versão anterior à introduzida pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.”, Ac. STJ de 12/04/2018 (Olindo Geraldes), Ac. STJ de 07/06/2018 (Abrantes Geraldes) e de 14/03/2019 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), todos disponíveis em www.dgsi.pt
[130] Paginas 811 a 833 da sentença recorrida.
[131] Trata-se do Acórdão proferido no processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, em 06/12/2021, ainda não transitado em julgado.
[132] Os factos em causa nos autos e nos recursos são todos posteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro (que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, ou DMIF I) e anteriores à entrada em vigor da Lei nº 35/2018, de 20 de julho (que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva, a Diretiva 2014/65/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, ou DMIF II).
[133] Entre outros, disponível em www.dgsi.pt.
[134] Os AA. pediram “a título principal, a condenação da Ré a pagar-lhes o capital e juros vencidos e garantidos que, à data da entrada da petição inicial, perfaziam o montante de €385 000,00, assim como os juros vincendos desde a citação até integral pagamento. Subsidiariamente, pedem a declaração de nulidade de qualquer eventual contrato por adesão que a Ré invoque como fundamento da aplicação da quantia de €300 000,00, que os Autores lhe entregaram, em obrigações subordinadas SLN 2006, assim como a declaração de ineficácia em relação aos Autores da aplicação que a Ré haja feito daquele montante e, ainda, a condenação da Ré na restituição do valor de €385 000,00, que representa a soma da quantia entregue à Ré e dos juros vencidos à taxa acordada, acrescida de juros legais vincendos desde a data da citação até integral cumprimento. Requereram ainda, em qualquer caso, a condenação da Ré no pagamento do montante de €10 000,00 a título de danos não patrimoniais.”
[135] Que sofreu uma alteração não relevante com o Decreto Lei nº 357-A/2007, dado que apenas foram atualizadas as denominações das atividades e operações a que se aplica, prescrevendo-se em ambas as versões que a informação deve ser deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.
[136] Nos seguintes termos: “- o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão;
- a ilicitude, desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência.”
[137] Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, 2018, pg. 119.
[138] Disponível em www.dgsi.pt.
[139] Disponível também em www.dgsi.pt.
[140] Nas págs. 3 e 4 da sua motivação deixaram alegado “Com efeito, tendo a Banque Privée Espírito Santo, S.A., confirmado a entrados dos fundos através do mencionado préavis, depois da data de vencimento da aplicação, resulta que, por sequência lógica, tal pagamento (da ESI) ocorreu. Ou seja, a Banque Privée Espirito Santo, S.A. ao emitir o préavis da transferência bancária confirmou a existência da provisão.”, matéria levada às conclusões 4 e 5.
[141] A questão da noção de data valor e sua relevância foi alegada em 25º da impugnação à lista de créditos.
[142] Cls. 6 das alegações de recurso.
[143] Como referem Castro Mendes e Teixeira de Sousa, em Manual de Processo Civil, Vol. I, 2022, AAFDL Editora, pg. 28 “À interpretação dos atos das partes que contêm declarações de vontade podem aplicar-se os critérios definidos no art. 236º do CC (aplicável aos atos não negociais ex vi do art. 295º CC).”
[144] L. Miguel Pestana de Vasconcelos, citando Conceição Nunes em Direito Bancário, 3ª edição, reimpressão, Almedina 2022, pg. 97.
[145] Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, já citado, pg. 101.
[146] O mesmo autor e obra citados nas notas anteriores, pg. 469.
[147] Idem, pg. 470.
[148] Em Direito Bancário, 6ª edição, Almedina, 2018, pg. 576.
[149] O que é, note-se, coisa diversa do facto de, realizada a transferência, ela ser imune às vicissitudes do contrato base, tendo a recomposição da relação que ser efetuada no quadro do contrato, o que leva à sua qualificação como abstrata, como previne Miguel Pestana de Vasconcelos, loc. Cit., pg. 470.
[150] Ver também  https://www.bportugal.pt/en/glossario/d.
[151] João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa em Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pgs. 186 e 187.
[152] Assim acabando por remeter a responsabilidade do intermediário financeiro para uma modalidade numa zona intermédia entre a responsabilidade obrigacional e extracontratual, tal como se decidiu no Ac. STJ de 17/03/2016 (Maria Clara Sottomayor).
[153] Os serviços auxiliares estão enumerados no art. do 291º CVM)
[154] Neste sentido, entre outros, Paulo Câmara em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4ª edição, Almedina, 2018, pg. 508 e A. Barreto Menezes Cordeiro em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª edição, Reimpressão, Almedina, 2019, pg. 324.
[155] Cfr. Lina Aurora Ramada e Castro Bettencourt Baptista em Os contratos de intermediação financeira, tese, 10/12/2013, disponível em https://sigarra.up.pt/fdup/pt/pub_geral.pub_view?pi_pub_base_id=24876, pg. 29.
[156] Em Manual…, pg. 520.
[157] Understanding the definition of advice under MiFID, disponível em https://www.esma.europa.eu/sites/default/files/library/2015/11/10_293.pdf.
[158] Manual…, pg. 521.
[159] Ver sobre o tema José Engrácia Antunes em Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro, em Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 56, Abril de 2017, pgs. 44 e 45, disponível em https://www.cmvm.pt/pt/EstatisticasEstudosEPublicacoes/CadernosDoMercadoDeValoresMobiliarios/Pages/Cadernos-do-mercado-de-valores-mobiliarios.aspx?pg
[160] Analisada acima, na parte genérica de 6.
[161] Disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário (parcialmente transcrito):
“2.– A ordem de investimento pode ser escrita ou oral e, impondo a lei ao banco intermediário financeiro o registo desta última, tal registo não constitui um documento exigível para prova da declaração, podendo ser produzida prova da existência da ordem de investimento por outras formas, nomeadamente por prova testemunhal.
3.– Provando-se que os autores emitiram a ordem de aquisição do produto financeiro e que o réu agiu segundo as suas instruções, não se verifica nexo de causalidade entre o incumprimento por parte do banco réu da obrigação de guardar o registo e documentação relativa à ordem emitida e os prejuízos que os autores terão sofrido com o investimento, os quais resultarão do risco próprio do produto adquirido.”
[162] Trata-se, mais uma vez, de matéria densificada e alterada por via da transposição da DMIF II, pela Lei 35/2018, não aplicável no caso concreto).
[163] Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, 2018, pg. 119.
[164] Disponível em www.dgsi.pt.
[165] Disponível também em www.dgsi.pt.
[166] Cfr. Ac. STJ de 15/11/2007 (Santos Bernardino) e Ac. STJ de 07/06/2018 (Abrantes Geraldes).
[167] Cfr. A. Barreto Menezes Cordeiro em Manual…, já citado, pg. 325; Sandra Domingues Cipriano, em Valores mobiliários: o dever de informação do intermediário financeiro nas recomendações de investimento, Dissertação de mestrado em Mestrado em Ciências Jurídico – Financeiras, orientada pela  Prof.ª Doutora Rute Neto Cabrita e Gil Saraiva, Lisboa, 2016, nota 39, a pgs. 21, disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/32591/1/ulfd134595_tese.pdf,
[168] Em Os contratos de intermediação financeira, dissertação de mestrado, 10712/2013, , disponível em file:///C:/Users/mj01614/Downloads/Lina_Aurora_Ramada_e_Castro_Bettencourt_Baptista%20(1).pdf, pg. 21.
[169] Nota 63 da autora citada: “Obrigação esta que pode ser substituída pela inserção das ofertas no sistema de negociação, desde que fique garantido o registo da hora da recepção, da identificação do ordenador e do número sequencial da recepção da ordem.”
[170] Nota 64 da autora citada: “Cita-se, a título exemplificativo, a decisão do Ac. do S.T.J. de 15/11/2007 (proferido no Processo n.º 07B3093, tendo como Relator Santos Bernardino e disponível em www.dgsi.pt.) onde se refere precisamente que a mesma "está ligada aos princípios da transparência e da confiança, essenciais a todo o tráfico mercantil, e visa permitir o confronto, se tal se mostrar necessário, entre a ordem e os termos da sua execução, para protecção dos interesses do intermediário, do ordenador e de terceiros, e garantir a transparência e correcto funcionamento do mercado." Refira-se, porém, que o Acórdão citado conclui não se tratar de uma formalidade ad probationem, como adiante desenvolveremos.
[171] Nota 65 da autora citada: “Proferido no Processo nº 146/2002.L2-7, tendo como Relatora Ana Resende e disponível em www.dgsi.pt”
[172] Em Manual…, pg. 504.
[173] No conhecimento do recurso 1.2.
[174] Neste sentido, entre outros, Paulo Câmara em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4ª edição, Almedina, 2018, pg. 508 e A. Barreto Menezes Cordeiro em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª edição, Reimpressão, Almedina, 2019, pg. 324.
[175] SA expressão é usada por A. Barreto Menezes Cordeiro em Manual…, pg. 323.
[176] Manual…, pg. 325.
[177] Sempre na versão aplicável aos autos.
[178] André Alfar Rodrigues em Deveres e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, Almedina 2020, pg. 62.
[179] Pedro Boullosa Gonzalez em Qualidade da Informação, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários nº 49, dezembro de 2014, pg. 9, autor que seguimos de perto.
[180] Referente no sentido de situação para a qual a linguagem remete – Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, 2001, pg. 3142.
[181] Cfr. sobre a repartição do ónus da prova em casos de responsabilidade por incumprimento do dever de informação do intermediário financeiro o Ac. TRL de 03/12/2020 (Arlindo Crua).
[182] Como nos refere Engrácia Antunes em Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro – Alguns Aspectos, Cadernos da CMVM, nº 56, pg. 37
[183] Em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2018, p. 407.
[184] Autor e local citados na nota anterior.
[185] Nas palavras de Engrácia Antunes, local citado, pg. 41, “categoria residual delimitada pela ausência dos requisitos dos investidores qualificados ou profissionais previstos no art. 30.º do CVM (“maxime”, clientes bancários individuais, pequenos investidores profanos, consumidores), os quais recebem a proteção mais intensa concedida pela ordem jurídico-mobiliária em vigor.”
[186] Local citado, pg. 41.
[187] Idem, nota anterior.
[188] Como o carateriza André Alfar Rodrigues em Código dos Valores Mobiliários Anotado, AAFDL Editora, 2021, pg. 127.
[189] Como nota Paulo Câmara ao referir que além da avaliação prévia, deve respeitar dois dos três requisitos, em Manual, pg. 411.
[190] Ver, neste sentido, e entre outros o Ac. STJ de 17/11/2021 (Tibério Nunes da Silva) e Abrantes Geraldes, em Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., Almedina, 1997, pgs. 214 e 236, onde referia “São inúmeros os arestos dos tribunais superiores que têm realçado aquilo que nos parece uma constatação lógica: a resposta negativa a um determinado facto (…) apenas tem o significado de não se ter provado tal facto; não significa que se tenha de dar por provado o facto inverso.” E fundamenta: “o princípio da aquisição processual (…) não pode ter o alcance de fazer ampliar a matéria de facto…” frisando a “jurisprudência há muito firmada no Supremo, segundo a qual a resposta negativa a um quesito não significa a prova do contrário; apenas significa não se ter provado o facto controvertido, quer porque nenhuma prova foi produzida, quer porque a produzida se mostrou insuficiente para convencer o tribunal da veracidade do facto.”
[191] Paulo Câmara em Manual…, pg. 411.
[192] Como reconhece Paulo Câmara “A lei não especifica qual a periodicidade de reavaliações que deve ser empregue para que a classificação do cliente permaneça actualizada.”, Manual, pg. 412.
[193] Paulo Câmara, Manual, pg. 447.
[194] A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual…, pg. 165.
[195] Neste sentido Paulo Câmara, Manual…, pg. 153, A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual…, pg. 169 e Florbela Almeida Pires, em anotação ao art. 360º do CSC, em Código das Sociedades Comerciais Anotado, Códigos Comentados da Clássica de Lisboa, coordenação de António Menezes Cordeiro, 3ª edição, Almedina, 2020, pg. 1204.
[196] As obrigações em que o capital não é reembolsável denominam-se obrigações perpétuas, sendo valores mobiliários não reconduzíveis a obrigações, mas com autonomia, como valores imobiliários atípicos, nos termos da al. g) do nº1 do art. 1º do CVM – Paulo Câmara, Manual…, pg. 161.
[197] O art. 2º do Decreto Lei nº 211-A/2008 foi explicitamente revogado pelo art. 29º f) da Lei nº 35/2018, de 20 de julho.
[198] O instrumento Euroamerican, que não está em causa nos autos tem consagrada na ficha técnica quatro opções de put, ou seja, possibilidade de resgate pelo cliente.
[199] Cfr. Paulo Câmara, A. Barreto Menezes Cordeiro e André Alfar Rodrigues, respetivamente em Manual, pgs. 420 e ss., Manual, pgs. 296 e ss. e Deveres e Responsabilidade…, pg. 39.
[200] André Alfar Rodrigues, em Deveres e Responsabilidade…, pg. 39.
[201] André Alfar Rodrigues, local citado, pg. 42, em síntese de A. Barreto Menezes Cordeiro
[202] Neste sentido André Alfar Rodrigues, local citado, pg. 43.
[203] Manual, pgs. 301 e 302.
[204] Estamos a considerar a autonomia da sucursal e relação à sede, dado o regime jurídico das sucursais de instituições de crédito não comunitárias em Portugal, matéria já intensivamente tratada nos autos, nomeadamente no despacho saneador proferido, para o qual remetemos.
[205] Glossário de termos relativos a Instrumentos Financeiros, disponível em https://www.cmvm.pt/pt/AreadoInvestidor/literacia/Pages/Gloss%C3%A1riodetermosrelativosaInstrumentosFinanceiros.aspx#r.
[206] Engrácia Antunes, local citado, pg. 46.
[207] Em Deveres…, pg. 32.
[208] Seguimos Paulo Câmara, em Manual…, pg. 414.
[209] Diretiva comunitária, nº 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, transposta pelo Decreto-lei nº 325-A/2007 de 31 de outubro, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A32004L0039.
[210] Em Cadernos da CMVM, nº 56, pg. 33 e ss.
[211] Local citado, pg. 41.
[212] Em Manual…, pg. 442.
[213] Em Manual…, pg. 296 e ss.
[214] Em Deveres e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, Almedina, 2020, pgs. 22 e ss. e 71 e ss.
[215] Engrácia Antunes, local citado, pg. 42.
[216] Paulo Câmara em Manual, pg. 446.
[217] Local citado, pg. 307.
[218] A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual…, pg. 165.
[219] Neste sentido Paulo Câmara, Manual…, pg. 153, A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual…, pg. 169 e Florbela Almeida Pires, em anotação ao art. 360º do CSC, em Código das Sociedades Comerciais Anotado, Códigos Comentados da Clássica de Lisboa, coordenação de António Menezes Cordeiro, 3ª edição, Almedina, 2020, pg. 1204.
[220] As obrigações em que o capital não é reembolsável denominam-se obrigações perpétuas, sendo valores mobiliários não reconduzíveis a obrigações, mas com autonomia, como valores imobiliários atípicos, nos termos da al. g) do nº1 do art. 1º do CVM – Paulo Câmara, Manual…, pg. 161.
[221] O art. 2º do Decreto Lei nº 211-A/2008 foi explicitamente revogado pelo art. 29º f) da Lei nº 35/2018, de 20 de julho.
[222] Como refere Paulo Câmara em Manual…, pg. 240.
[223] https://www.cmvm.pt/pt/SDI/ProdutosFinanceirosComplexos/Pages/Guia-sobre-Produtos-Financeiros-Complexos.aspx.
[224] Neste sentido André Alfar Rodrigues em Deveres e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, Almedina, 2020, pg. 33, onde escreveu: “Em suma, podemos afirmar que a categorização de clientes não se reconduz a uma mera opção do intermediário financeiro, sendo este um dever a que o mesmo está adstrito.” No mesmo sentido, identificando-o como um prius lógico em relação aos demais deveres e relacionando-o com o dever de conhecimento do cliente e com o dever de adequação, no sentido em que o dever de categorização obriga ao conhecimento do cliente, Paulo Câmara em Manual…., pg. 407.
[225] Art. 2º nº1 do Decreto Lei nº 211-A/2008, de 03/11, na redação vigente à data da subscrição dos instrumentos financeiras, prévia à entrada em vigor da redação dada pela Lei nº 35/2018 de 20 de julho.
[226] Tal como André Alfar Rodrigues, local citado, pg. 93 e em Código dos Valores Mobiliários Anotado e Comentado, AAFDL Editora, 2021, pg. 614 e Jorge Alves Morais e Joana Matos Lima em Código dos Valores Mobiliários Anotado, Quid Juris, 2015, pg. 519.
[227] No sentido de que os requisitos são cumulativos (hoje em dia acresce mais um, não previsto à data), André Alfar Rodrigues, nos dois locais citados, Jorge Morais e Joana Lima, local também citado e Paulo Câmara, Manual…, pg. 459.
[228] Consta no nº 3.5. do anexo C. Contas Complementares: Contas de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros: “Nos casos legalmente previstos, o Banco não é obrigado a determinar a adequação de alguns instrumentos financeiros às circunstâncias pessoais do Cliente, como é o caso da prestação de serviços de mera execução de ordens, por iniciativa do Cliente, em relação a instrumentos financeiros não complexos, tais como ações admitidas à negociação em mercado regulamentado ou equivalente, obrigações que não incorporem derivados, instrumentos do mercado monetário, ou unidades de participação em organismos de investimento colectivo, em valores mobiliários harmonizados.” – documento reproduzido em 55.3 da matéria de facto provada.
[229] Diretiva comunitária, nº 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, transposta pelo Decreto-lei nº 325-A/2007 de 31 de outubro, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A32004L0039.
[230] Em Cadernos da CMVM, nº 56, pg. 33 e ss.
[231] Local citado, pg. 41.
[232] Em Manual…, pg. 442.
[233] Em Manual…, pg. 296 e ss.
[234] Em Deveres e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, Almedina, 2020, pgs. 22 e ss. e 71 e ss.
[235] Engrácia Antunes, local citado, pg. 42.
[236] Paulo Câmara em Manual, pg. 446.
[237] Local citado, pg. 307.
[238] Tal como André Alfar Rodrigues, local citado, pg. 93 e em Código dos Valores Mobiliários Anotado e Comentado, AAFDL Editora, 2021, pg. 614 e Jorge Alves Morais e Joana Matos Lima em Código dos Valores Mobiliários Anotado, Quid Juris, 2015, pg. 519.
[239] No sentido de que os requisitos são cumulativos (hoje em dia acresce mais um, não previsto à data), André Alfar Rodrigues, nos dois locais citados, Jorge Morais e Joana Lima, local também citado e Paulo Cãmara, Manual…, pg. 459.
[240] Dizemos também porque, evidentemente, cumprida a regra, o intermediário não poderá ser responsabilizado por danos sofridos na sequência da operação cuja adequação ou não valorou ou valorou como inadequada, desde que cumpridos os demais deveres.
[241] De acordo com o glossário da CVM, disponível em https://www.cmvm.pt/pt/AreadoInvestidor/literacia/Pages/Gloss%C3%A1riodetermosrelativosaInstrumentosFinanceiros.aspx#d  “Depósito a Prazo: Operação bancária através da qual os bancos captam fundos junto do público, obtendo a propriedade dos mesmos por um período de tempo pré-estabelecido (prazo) e assumindo, em relação aos fundos depositados, a qualidade de devedores perante os depositantes. Estes depósitos constituem uma aplicação de poupança, sendo regulados por um contrato que estabelece as condições aplicáveis (tais como, o prazo, a taxa de juro e as penalizações por antecipação do levantamento).”
[242] Consta no nº 3.5. do anexo C. Contas Complementares: Contas de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros: “Nos casos legalmente previstos, o Banco não é obrigado a determinar a adequação de alguns instrumentos financeiros às circunstâncias pessoais do Cliente, como é o caso da prestação de serviços de mera execução de ordens, por iniciativa do Cliente, em relação a instrumentos financeiros não complexos, tais como ações admitidas à negociação em mercado regulamentado ou equivalente, obrigações que não incorporem derivados, instrumentos do mercado monetário, ou unidades de participação em organismos de investimento colectivo, em valores mobiliários harmonizados.” – documento reproduzido em 27.3 da matéria de facto provada.
[243] Glossário de termos relativos a Instrumentos Financeiros, disponível em https://www.cmvm.pt/pt/AreadoInvestidor/literacia/Pages/Gloss%C3%A1riodetermosrelativosaInstrumentosFinanceiros.aspx#r.
[244] Engrácia Antunes, local citado, pg. 46.
[245] Em Deveres…, pg. 32.
[246] Sempre na versão aplicável aos autos.
[247] André Alfar Rodrigues em Deveres e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, Almedina 2020, pg. 62.
[248] Pedro Boullosa Gonzalez em Qualidade da Informação, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários nº 49, Dezembro de 2014, pg. 9, autor que seguimos de perto.
[249] Referente no sentido de situação para a qual a linguagem remete – Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, 2001, pg. 3142.
[250] Supra nº6 do presente aresto.
[251] O aresto é de 04/05/2020 e não de 04/04/2020.
[252] no qual, estando em causa um contrato de consultoria para investimento se considerou: “não se pode censurar a Recorrida por ter recomendado o investimento em obrigações A…, que à luz dos dados conhecidos em Julho de 2015 era um bom investimento, recomendado pela Societé General em Abril e Setembro daquela ano, tendo o rating da dívida da empresa sofrido uma revisão em alta por parte da S&P de B para B+ em 30 de Junho de 2015.”
[253] No qual se sumariou, com sublinhado nosso: “IV. A circunstância apurada de que a Autora, titular de obrigações, nas quais foram aplicadas as suas poupanças, por sugestão da funcionária do Banco/Réu que a informou de que o capital investido nas aplicações financeiras nunca estaria em maior risco que um depósito a prazo e que caso pretendesse levantá-lo antes de decorrido o prazo de dez anos, poderia fazê-lo, mediante endosso, se houvesse terceiro interessado, a par de que não teria aceitado investir nas aludidas obrigações se soubesse que o capital não era garantido pelo Banco CC, não basta para configurar uma violação do dever de informação, pois, a informação prestada pelo intermediário financeiro, prestada com base nas circunstâncias conhecidas e reportadas à data, foi completa, verdadeira, clara e objectiva, dado que as informações prestadas e de que dispunha o intermediário financeiro levavam a crer que tudo se desenhava para que o investimento fosse rentável, nada fazendo antever, nem a degradação do mercado financeiro mundial, nem a da concreta instituição financeira emitente das obrigações.”
[254] Onde se decidiu “o dever de informação deve ser aferido por referência à data da subscrição efectuada.”
[255] Onde se decidiu “4. Para apuramento do cumprimento ou incumprimento do dever de informação deve atender-se ao que era exigível nas circunstâncias em que ocorreu a intermediação, não devendo ser exponenciados, a posteriori, elementos informativos que então seriam irrelevantes para a tomada de decisão do investidor esclarecida e fundamentada.”
[256] A pergunta foi feita à testemunha JAS e ao Liquidatário.
[257] Relatado pela aqui subscritora, disponível em www.dgsi.pt.
[258] No sentido de que não se trata de facto respeitante apenas à pessoa, à relação ou situação específica invocada entre um determinado credor e a insolvente.
[259] Facto confirmado nos termos dos factos apurados quanto ao recurso 1.7., interposto por SLL, SA, correspondente à impugnação nº 53.
[260] Em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, 2015, pg. 446.
[261] Artigo 142.º
Perda de posse de bens a restituir
1 - Se as coisas que o insolvente deve restituir não se encontrarem na sua posse à data da declaração de insolvência, pode o administrador da insolvência reavê-las, se tal for mais conveniente para a massa insolvente do que o pagamento ao seu titular, como crédito sobre a insolvência, do valor que tinham naquela data ou da indemnização pelas despesas resultantes da sua recuperação.
2 - Se a posse se perder depois de terem sido apreendidas para a massa insolvente as coisas que devam ser restituídas, tem o titular direito a receber da massa o seu valor integral.
[262] Consta fls. 1180 da sentença: “os acordos celebrados entre as partes não impediam a Liquidanda de incluir nas carteiras de activos da Impugnante produtos Grupo Espírito Santo, o que a Impugnante não podia deixar de saber, posto que os subscreveu (e sendo uma sociedade comercial com negócio na Suíça e em Portugal, o qual passava pela celebração de contratos de abertura de conta e de gestão de carteiras era, neste contexto, um investidor experiente e conhecedor).”
[263] Sempre na versão aplicável aos autos, ou seja, posterior à redação dada pelo Decreto Lei nº 357-A/2007 de 31/10 e anterior à revisão operada pela Lei nº 35/2018 de 20/07, conforme explicitado no ponto 6 desta decisão.
[264] Trata-se da denominada regra da proporcionalidade inversa, como nos dá conta André Alfar Rodrigues em Deveres e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, Almedina, 2020, pgs. 65 e 66 e Paulo Câmara, em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2018, pg. 415.
[265] “O Espírito Santo tenta fazer uma ginástica financeira para sobreviver à crise” é a tradução.
[266] Relatado por Maria Domingas Simões, disponível em www.dgsi.pt.
[267] André Alfar Rodrigues em Deveres…, pg. 43.
[268] Ac. STJ de 25/10/2018 (Rosa Tching) e doutrina ali citada, disponível em www.dgsi.pt.
[269] Ver Menezes Leitão em Jorge Alves Morais e Joana Matos Lima em Código dos Valores Mobiliários Anotado, Quid Juris, 2015, pg. 561 e Ac. STJ de 11/01/2000 (Ribeiro Coelho), disponível em www.dgsi.pt.
[270] Em Manual…, pg. 515.
[271] Em Manual do Direito dos Valores Mobiliários, 2ª edição, Almedina, pgs. 327 a 328, este recusando esta natureza ao referido contrato.
[272] Paulo Câmara em Manual…, pg. 515.
[273] Engácia Antunes em Deveres e Responsabuilidade…, pg. 34.
[274] Na redação primitiva, em vigor à data dos factos, isto é, anterior à entrada em vigor da redação dada pelo Decreto Lei nº 1/2008 de 03/01.
[275] Em Manual…, pgs. 462 e ss.
[276] Paulo C/âmara, Manual…, pg. 466.
[277] Paulo Câmara, em Manual…, pg. 475 refere: “O recurso aos critérios de adequação e razoabilidade permite calibrar as exigências organizativas, consoante a dimensão e a natureza da empresa de investimento em causa.”
[278] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.