Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8499/18.2T8LSB-A.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO EM RECURSO
ARRESTO
ADQUIRENTE DOS BENS DO DEVEDOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- A junção de documentos em sede de recurso, porque excepcional, depende de alegação por parte do apresentante de uma de duas situações: a impossibilidade de apresentação deste documento em momento anterior ao recurso, ou o ter o julgamento efectuado na primeira instância, introduzido na acção, um elemento adicional, não expectável, que tornou necessário esta junção, até aí inútil.

II- O credor tem o direito de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor, se tiver sido judicialmente impugnada a transmissão, decorrendo igualmente do disposto no artº 392 nº2 do C.P.C. que o arresto pode ser requerido contra o adquirente dos bens do devedor, ainda que não tenha sido impugnada judicialmente a aquisição, desde que o requerente deduza “os factos que tornem provável a procedência da impugnação.”

III- O requisito de justo receio de perda da garantia patrimonial, pressupõe a alegação e a prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito, sendo que o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, mas antes decorrer de factos que o demonstrem.

IV- No âmbito de providência cautelar de arresto requerida contra o adquirente de bens do devedor, exige-se a alegação e a prova indiciária do justo receio da prática pelo terceiro de actos, v.g., de alienação e/ou oneração, pelo menos no tocante ao bem objecto do acto impugnado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO

“JM…, Lda.”, intentou procedimento cautelar de arresto, por apenso à acção de processo comum sob o nº…/… contra
1º-VS…,
2º - MP…
3º - DC…
4º - SM… pedindo o arresto de: 
1- Fracção “…” – correspondente ao … andar e uma arrecadação na sub-cave do prédio sito na Av. …, Lote …, descrito sob o nº … da Freguesia de Ajuda, e inscrito na respectiva matriz urbana da freguesia de Belém sob o nº …. (Doc. 13);
2- Fracção “…” – correspondente ao … constituído por zona de lazer, ocupando a cobertura da garagem, a qual inclui duas piscinas, jacúzi, solário, pérgula do prédio sito na Rua … nº … – …, Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Estoril/Cascais, sob o nº …. (Doc14)
3- Fracção “…” – correspondente ao … andar … do prédio sito na Avª …, nº … – Monte Estoril, descrito sob o nº … da Freguesia do Estoril, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc. 15) 
4- Fracção “…” - correspondente ao … andar …, … piso, com uma arrecadação na cave, do prédio sito na Rua …, nº … , … – Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc.16) 
5- Fracção “… “- correspondente ao … andar “…”, com uma arrecadação na cave com o nº …, do prédio sito na Rua …, nº … – … – Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc.17) 
6- Fracção “…” - correspondente a uma garagem, do prédio sito na Rua …, nº … – … – Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc.18)
7- Fracção “…” - correspondente a uma garagem, do prédio sito na Rua …, nº … – … – Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … (Doc.19) e, ainda,
Saldos das Contas Bancárias tituladas ou co-tituladas pelas 1ª 2ª requeridas:
 - Millennium B.C.P. – nº …;
- Millennium B.C.P. – nº….;
- Montepio Geral – Caixa Económica – nº. …; 
Requereu, ainda, que seja oficiado ao Banco de Portugal para que informe de que contas bancarias as 1ª. e 2ª. Requeridas são titulares e obtida aquela informação, se efectue o arresto de saldos suficientes para pagar as quantias reclamadas pela Requerente. 
Para o efeito, alegou em síntese que, outorgou contrato promessa de compra e venda de imóvel com as 1ª e 2ª requeridas, incumprido por estas, que alienaram o imóvel a terceiro, tendo direito a uma indemnização no montante de €800.000,00, relativa à devolução da quantia que a requerente entregou às 1^e 2^requeridas, a título de sinal e princípio de pagamento (€100.000,00) e, ainda, de €700.000,00 pela valorização ocorrida na vigência do contrato promessa ou, subsidiariamente, no pagamento de €200.000,00, correspondente à devolução do sinal em dobro.
Por último alega que a 1ª requerida só tinha como património imobiliário o bem alienado e que a 2º requerida doou ao 3º requerido, seu filho, casado com a 4ª requerida, todos os imóveis que possuía, reservando para si o usufruto, com vista a frustrar o direito da requerente, tendo ainda adstrito €700.000,00 do montante recebido, pela venda do imóvel a terceiro, à realização do capital de uma sociedade, da qual é sócia.
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Tendo sido designada data para produção de prova, foi após proferida decisão nos termos da qual se considerou os 3º e 4º requeridos, partes ilegítimas e improcedente o procedimento cautelar, por falta do requisito de justo receio de perda de garantia patrimonial.
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Após, veio a requerente interpor requerimento nos seguintes termos:
“2 – Melhor analisadas as respectivas certidões emitidas pelas Conservatórias do Registo Predial respectivas, verifica-se que:
3 – Quanto à Fracção “…”, identificada supra 1)-a), (Doc.13) junto com o Requerimento inicial aquela fracção é propriedade da 2ª. Requerida, MP…, em comum e sem determinação de parte ou direito da 2ª. Requerida e de seu ex-marido AA….
4 – Como assim, não é possível arrestar aquela fracção, mas sim o direito da 2ª. Requerida àquela fracção autónoma, conforme se alcança do Documento 13 junto com o Requerimento Inicial.
Por outro lado
5 – Quanto à fracção “…”, identificada em supra 1)-b) (Doc.14 junto com o Requerimento Inicial) o direito da 2ª. e 3º. Requeridos é, não da totalidade daquela fracção autónoma, mas exclusivamente de 1455/130.000 avos, conforme se alcança do Doc.14, junto com o Requerimento Inicial.
6 – Assim, não é possível arrestar aquela fracção autónoma mas somente a quota parte das 2ª. e 3º. Requeridos naquela fracção autónoma, ou seja, 1455/130.000, avos de que são radiciário e usufrutuária.
Assim, e nos termos do nº.1 do artigo 283º. do Código do Processo Civil, vem reduzir o Pedido formulado no Requerimento Inicial e no tocante às fracções autónomas identificadas nos nºs.1 e 2 do Pedido como se segue:
1 - Fracção “…” – o direito da 2ª. Requerida à parte de que é proprietária, em comum, com seu ex-marido, AA…, a fracção “…” correspondente ao … andar e uma arrecadação na sub-cave do prédio sito na Av. …, Lote …, descrito sob o nº … da Freguesia de Ajuda, e inscrito na respectiva matriz urbana da freguesia de Belém sob o nº …, conforme se alcança do Doc.13.
2-Fracção “…” – o direito dos 2ª. e 3º. Requeridos a 1455/130.000 avos de que são respectivamente, radiciário e usufrutuária, da fracção autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao … constituído por zona de lazer, ocupando a cobertura da garagem, a qual inclui duas piscinas, jacúzi, solário, pérgula do prédio sito na Rua … nº … – …, Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Estoril/Cascais, sob o nº …, conforme se alcança do Doc.14.
Em face do exposto:
- A Requerente Reduz o Pedido de Arresto relativamente às fracções autónomas designadas:
1 - Fracção “…” – o direito da 2ª. Requerida à parte de que é proprietária, em comum, com seu ex-marido AA…, a fracção “…” correspondente ao … andar e uma arrecadação na sub-cave do prédio sito na Av. …, Lote …, descrito sob o nº … da Freguesia de Ajuda, e inscrito na respectiva matriz urbana da freguesia de Belém sob o nº ….
2-Fracção “…” – o direito dos 2º. e 3º. Requeridos a 1455/130.000 avos de que são respectivamente, radiciário e usufrutuária, da fracção autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao … constituído por zona de lazer, ocupando a cobertura da garagem, a qual inclui duas piscinas, jacúzi, solário, pérgula do prédio sito na Rua … nº … – …, Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Estoril/Cascais, sob o nº ….”
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Proferida decisão que considerou prejudicada a apreciação do requerimento pela decisão de improcedência do pedido de arresto, não conformada nem esta decisão, nem com a decisão que considerou os 3º e 4º requeridos partes ilegítimas, impetrou a requerente recurso das mesmas, formulando afinal as seguintes conclusões:
“1 – O 3º. Requerido, DC…, deve ser julgado parte legítima no presente arresto, porquanto a 2ª. Requerida lhe doou, com reserva de usufruto vitalício, o seu direito de propriedade relativamente a seis prédios urbanos.
2 – O direito de a Requerente / Apelante o demandar advêm da circunstância de estar indiciado o direito de crédito relativamente à 2ª. Requerida / Apelada.
3 – Sendo que tal doacção torna difícil, senão mesmo impossível, a manutenção da garantia patrimonial do crédito da Apelante sobre as Apeladas.
4 – Um dos prédios cujo arresto é peticionado constitui casa morada de família dos 3º. e 4ª. Requeridos, agora Apelados.
 5 – Tal circunstância impõe que a 4ª. Requerida / Apelada intervenha na qualidade de Requerida no processo.
6 – A Apelante alegou factos que justificam a interposição de Acção de Impugnação Pauliana – Existência provável do crédito e impossibilidade ou agravamento da possibilidade de cobrar o crédito.
7º.- Deve ser julgado provado conforme documentos juntos ao processo que:
a)- As 1ª. e 2ª. Requeridas / Apeladas arrolaram o sócio gerente da Apelante como testemunha no processo …/… que correu termos pela Instância Central – …ª. Secção Civel – J… do Tribunal da comarca de Lisboa.
b)- Que as 1ª. e 2ª. Requeridas confessaram o pedido no processo identificado em a) supra, em consequência de terem recebido a titulo de preço do prédio prometido vender à Apelante por € 1.300.000,00 ( Um milhão e trezentos mil euros) sendo que o tinham prometido vender à Autora naquele processo por € 1.300.000,00 ( Um milhão e trezentos mil euros).
c)- O prédio prometido vender valia em Janeiro de 2015 € 1.300.000,00 ( Um milhão e trezentos mil euros) e em Abril de 2017 € 2.000.000,00 ( Dois milhões de euros).
d)- Essa valorização deveu-se a aprovação do programa de reabilitação do vale de Chelas, do qual faz parte o prédio prometido vender – VD….
e)- Aquele programa previa benefícios fiscais, com isenções de imposto a saber: Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e Imposto Municipal sobre transacções de Imóveis (IMT) nas transacções.
8 – O aumento do valor do prédio ficou-se a dever também à especulação imobiliária registada nos anos de 2015, 2016 e 2017 e que se mantêm, o que é um facto notório.
9 – A ora requerida / Apelada, com vista a receber € 700.000,00 ( Setecentos mil Euros) declarou que o mesmo seria para investir na Sociedade “ … – …, Ldª.” – NIPC …, sociedade que foi de imediato eliminada, assim ocultando € 700.000,00 ( Setecentos mil Euros)
10 – As 1ª. e 2ª. Requeridas / Apeladas resolveram o contrato celebrado com a Requerente / Apelante por correio remetido à Requerente em 3.4.2017 e por ela recebido em 5.4.2017.
11 – Em 12.5.2017 a 2ª. Requerida / Apelada doou todo o seu património imobiliário ao 3º. Requerido / Apelado.
12 – A 1ª. e 2ª. Requeridas, pese embora tenham confessado o pedido no processo …/… em 11.10.2016, continuaram a manter a Requerente na Administração do prédio prometido vender, recebendo a parte das rendas acordadas da Apelante até á Resolução de Contrato, em Abril de 2017.
13 – O comportamento ardiloso dos 1ª.,2ª. e 3º. Requeridos / Apelados, concretizados na confissão do pedido, no processo …/…, com manutenção da Apelante a administrar o prédio prometido vender, com o recebimento da sua parte nas rendas, com resolução de Contrato Promessa de Compra e Venda, só após seis meses da confissão do pedido, com a imediata doação de todos os imóveis da 2ª. Requerida ao 3º. Requerido.
14 – Agravada com a declaração no processo …/… que € 700.000,00 ( Setecentos mil Euros) eram para investir em Sociedade de imediato eliminada.
15 – Justificam fundadamente que objectivamente seja de recear que a Requerente veja o seu direito de crédito dificilmente, senão impossível de cobrar das 1ª. e 2ª. Requeridas.
16 – Sendo que não são conhecidos quaisquer bens à 1ª. Requerida e à 2ª.Requerida, restam usufrutos de reduzido valor.
17 – Verificam-se os pressupostos, que estão alegados no Requerimento Inicial, para que seja interposta Acção Pauliana, a qual a Apelante fará entrar em momento processualmente oportuno.
18 – Só às 1ª. e 2ª. Requeridas pode a Requerente / Apelante exigir o cumprimento do crédito a declarar conforme o artº. 535º. do C.Civil, ou dos 3º. e 4º. Apelados através da apreensão dos bens doados.
19 – A sentença Apelada fez errada aplicação dos artigos 610º. e 619º. do C.Civil e dos artigos 392º. do C.P.Civil.
Reitera-se que seja admitida a junção do documento extraído da Conservatória do Registo Comercial, junto como Documento 1, por só nesta data ter sido do conhecimento da Apelante os factos que dele constam e só após a prolação da sentença recorrida lhe ter sido possível obtê-lo.
 Em face de quanto se deixa alegado deve ser decretado o Arresto, nos termos peticionados no Requerimento Inicial, entretanto, reduzido, revogando-se a sentença recorrida.
Assim se fazendo
Justiça”
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QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apreciar:

Questão Prévia
a) Se se verificam os requisitos para admissibilidade de documento em sede de recurso;
No recurso do despacho que absolveu da instãncia os 3º e 4º requeridos
b) Se os 3º e 4º requeridos, são partes processualmente legítimas nos autos de arresto;
No recurso principal
c) se a matéria de facto apreciada pelo tribunal recorrido, deve ser alterada;
d) se se verificam os pressupostos para deferir o pedido de arresto, mormente o justo receio de perda de garantia patrimonial;
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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes adjuntos, cumpre decidir.
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QUESTÃO PRÉVIA

a) Da admissibilidade de junção de documentos com o recurso
               
Veio a recorrente com as suas alegações de recurso requerer a junção de um documento, print extraído de um site do Registo Comercial, com a data de 11/05/2018, cfr- dele resulta, alegando que só teve conhecimento dos factos constantes deste print, factos que elenca como “Questão Nova”, após a prolação de decisão.
Ora, no que respeita à junção de docs. em fase de recurso, dispõe o artº 651 nº1 do C.P.C. que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.”
Por sua vez, o artº 425 do C.P.C., consigna que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”, norma esta excepcional, semelhante à prevista no nº3 do artº 423, no que se reporta à fase junção de documentos em sede de aferição da prova em julgamento.
Sendo esta uma fase excepcional, a junção de documentos em sede de recurso, depende de alegação por parte do apresentante de uma de duas situações:
-a impossibilidade de apresentação deste documento em momento anterior ao recurso. A superveniência em causa, pode ser objectiva ou subjectiva: é objectiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjectiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento;[3]
-o ter o julgamento efectuado na primeira instância, introduzido na acção, um elemento adicional, não expectável, que tornou necessário esta junção, até aí inútil. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.
Com efeito, como refere António Santos Abrantes Geraldes, “podem (…) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.” (Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 184)
Prossegue ainda este autor, em anotação ao artº 651 nº1, referindo que “a jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” (Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 185)[4].
Como referia ainda Antunes Varela (RLJ, Ano 115,º, pág. 95 e segs.), a propósito do regime anterior à Lei 41/2013 “A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artºs 514º e 665º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (artºs 264º nº 3, 535º, 612º etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (artº 664º - 1ª parte).
A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artº 706º do CPC.”[5]
Neste caso concreto, alegava o recorrente como fundamento do pedido de arresto que parte das quantias recebidas pela 2º requerida teriam sido entregues como suprimentos e capital de uma sociedade denominada VD… - … Lda., NIPC … (artº 111 do seu r.i.). Juntou para prova do afirmado sob o nº 22, certidão comercial da uma sociedade denominada VD…-… Lda. NIPC….
Ora, ao contrário do que o requerente alega, a questão do destino deste montante, ou de parte do montante entregue à 2ª requerida pela alienação do imóvel a terceiro, era já thema decidendum no processo, sendo certo que o documento que o requerente pretende juntar nesta sede é um mero print, datado de 11 de Maio de 2018 e que o procedimento cautelar deu entrada em 07/06/2018.
Não se trata pois nem de documento que a parte não pode juntar em momento anterior, nem de documento cuja necessidade de junção se revelou apenas pela decisão, nem de facto de que tenha tido conhecimento posterior (cfr. resulta da data aposta neste print).
Diga-se por outro lado que este print em si não tem a virtualidade de demonstrar aquilo que o requerente intentava agora demonstrar, ou seja que a sociedade em causa foi, após o recebimento da quantia de € 700.000,00, de imediato extinta (com vista a demonstrar o justo receio de perda de garantia patrimonial).
Tratar-se-ia em todo o caso da alegação de factos novos, nunca antes alegados em 1ª instância apesar de nessa altura poderem ter sido alegados e que não podem ser conhecidos em sede de recurso, nem resultam do referido documento.
Não é assim admissível, nem a junção deste documento, nem a conclusão que dele se pretende retirar, pelo que indefere-se a sua junção, com multa a cargo do recorrente que se fixa em 2 Ucs.
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Entrando em sede de apreciação das alegações recursórias, cumpre-nos apreciar

Do recurso do despacho de absolvição da instância

Alega o recorrente, nas suas conclusões 1ª a 6ª, que os 3º e 4º requeridos devem ser julgados parte legítima, uma vez que os prédios cujo arresto se pretende foram doados pela 2ª requerida a seu filho 3º requerido, sendo que um dos imóveis constitui a casa de morada de família dos 3º e 4º requeridos, tendo deduzido os factos que justificam a demanda de terceiro e a viabilidade da acção de impugnação pauliana que irá intentar.
Cumpre-nos pois, previamente à decisão do recurso da decisão final, decidir da legitimidade processual destes requeridos.
 
a) Se os 3º e 4º requeridos são partes processualmente legítimas no presente arresto;

Considerou a Srª Juiz recorrida no segmento da sua decisão, reportado à legitimidade das partes que, “Põe-se a questão de averiguar se os 3º e 4º requeridos são parte legítima.
Adiantamos desde já que não.
A presente providência cautelar vem proposta por apenso a acção que corre termos por este tribunal, sendo A. a aqui requerente e RR. as aqui 1ª e 2ª requeridas.
Apreciando e decidindo.
Como escreve Carnelutti, a legitimidade para a causa exprime a idoneidade das pessoas para agirem em juízo, e essa idoneidade há-de derivar da sua posição com respeito à lide -(Vidé‚ Carnelutti, Sistema, Vol.I, p gs.361 e 366, citado por Alberto dos Reis, CPC Vol.I, 3ª Ed., p g.76).
Sob o ponto de vista do interesse e da sua qualidade de partes de um processo, são legítimos os sujeitos da pretensa relação jurídica controvertida.
Sendo o objecto inicial do processo constituído pelo pedido e respectiva causa de pedir, o autor assegura a legitimidade das partes identificando-se como titular da relação material controvertida, tal como a apresenta na petição inicial e apontando correctamente qual o sujeito passivo que deve ocupar a posição de Réu na acção.
O que determina a legitimidade processual, para efeitos do Art.30º do C.P.C., não é a relação jurídica substantiva em si mesma considerada e que virá , posteriormente, a ser objecto de sentença, mas, a posição em que o Autor se coloca a si e ao Réu perante esta.
O que apenas se supõe é a existência hipotética da relação jurídica controvertida, não também a qualidade de sujeitos dessa mesma relação jurídica; esta ter de ser alegada e provada (Cfr.Barbosa de Magalhães, Gazeta da Relação de Lisboa, ano 32, 1919, pág.275).
Vejamos à luz destes ensinamentos a situação dos autos.
Afirma-se que os 3º e 4º requeridos são parte legítima, por para o 3º requerido terem sido doados os bens cujo arresto se requer, doação essa que visou impedir a satisfação do direito de crédito da requerente. A 4ª requerida é chamada à lide uma vez que um dos imóveis a arrestar constitui a casa de morada de família, pelo que, sendo casada com o 3º requerido, terá também ela de ser parte na providência.
Ora, o arresto é um dos meios de conservação da garantia patrimonial dos credores e o art.619º do C.Civil, estabelece os requisitos do arresto ao referir no nº1 que “o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito, pode requerer o arresto em bens do devedor, nos termos da lei de processo.”. Fala-se em bens do devedor e não em bens de terceiro.
Estando a propriedade dos bens imóveis cujo arresto se requer registados a favor do 3º requerido, nunca o arresto poderia incidir sobre tais bens desde logo porquanto, os mesmos são alheios à relação jurídica que subjaz ao direito invocado pela requerente.
Na verdade, os 3º e 4º requeridos, e tal como a requerente configura a acção, são alheios ao contrato estabelecido entre a requerente e a 1ª e 2ª requeridas, de cujo incumprimento faz a requerente derivar o seu direito de crédito que pretende seja acautelado com o presente procedimento.
Daqui decorre, manifestamente, a ilegitimidade dos 3º e 4º requeridos pelo que, ao abrigo do disposto nos arts.576º, 577º, al.e) e 578º, todos do Código de Processo Civil o tribunal os julga desde já partes ilegítimas e, consequentemente, absolve-os da instância.”

Posto isto, desde logo se refere que não se concorda com a afirmação do tribunal recorrido no sentido de que “Estando a propriedade dos bens imóveis cujo arresto se requer registados a favor do 3º requerido, nunca o arresto poderia incidir sobre tais bens desde logo porquanto, os mesmos são alheios à relação jurídica que subjaz ao direito invocado pela requerente.”
A lei substantiva expressamente o permite, dispondo no nº 2 do artº 619 (C.C.) que “O credor tem o direito de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor, se tiver sido judicialmente impugnada a transmissão”, decorrendo igualmente do disposto no artº 392 nº2 do C.P.C. que o arresto pode ser requerido contra o adquirente dos bens do devedor, ainda que não tenha sido impugnada judicialmente a aquisição, desde que o requerente deduza “os factos que tornem provável a procedência da impugnação.”
Assim, se a acção de impugnação já estiver instaurada “bastará a alegação e prova dos factos relativos à probabilidade do crédito e ao justo receio de perda da garantia”, ao passo que se não estiver ainda proposta, caberá ao requerente, no arresto, alegar e provar, além daqueles requisitos próprios do arresto, também de modo sumário, os “pressupostos da impugnação, como factor de credibilidade e de seriedade da pretensão, tanto mais que vai interferir na esfera jurídica de terceiros porventura alheios à relação creditícia de onde emerge o direito” (Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV vol., 3ª ed. rev. e act. pgs. 212 a 214.)
A impugnação da transmissão em causa, não foi reconhecidamente intentada em Juízo, encontrando-se a correr acção contra as 1º e 2º requeridas, por incumprimento do contrato promessa em apreço, não sendo partes nessa acção, nem o podendo ser os terceiros adquirentes por alheios à relação creditícia.
No entanto, tal não significa que não possa ainda vir a ser intentada, ou que esteja vedado à requerente, interposta que foi acção apenas contra as 1º e 2ª requeridas com vista a obter uma indemnização por incumprimento de contrato promessa com estas celebrado, demandar em sede cautelar os terceiros adquirentes de bens do devedor, desde que, neste caso, alegue os pressupostos que tornam viável a procedência da impugnação e do arresto.
Ora, a requerente nos artºs 107 a 127 do seu r. i. alega os fundamentos que tornam provável a procedência da impugnação, mormente a doação de bens pela devedora a terceiro, seu filho, com vista a defraudar os interesses de credor, despojando-se de todo o património.
Sendo certo que a legitimidade das partes se afere, conforme requere o tribunal recorrido, pela relação material controvertida, tal como é configurada pelo Autor, ou requerente, sendo a sua veracidade não já uma questão processual, mas de conhecimento de mérito da causa, os 3º e 4º requeridos são partes legítimas no presente procedimento cautelar.
Com efeito, há que não confundir a legitimidade enquanto pressuposto processual, cuja falta determina a absolvição da parte da instância, da legitimidade em sentido material, que se prende com a procedência da acção, com o conhecimento de mérito da causa, cuja falta determina a absolvição da parte do pedido, in casu do pedido de arresto de bens.
Assim, os 3º e 4º requeridos são efectivamente partes processualmente legítimas, independentemente de afinal poderem ou não proceder os pedidos formulados pelo arrestante, porque afinal inverificados os pressupostos que, quer relativamente aos devedores, quer aos terceiros adquirentes, são exigidos para decretamento desta providência.

Assim sendo, procede este segmento de recurso, revogando-se o despacho recorrido e declarando-se os 3 e 4º requeridos partes legítimas.
*
               
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

“1. Por documento escrito, denominado Contrato Promessa de Compra e Venda, datado de 29 de Janeiro de 2015, celebrado entre a Requerente e as 1ª e 2ª Requeridas, prometeram estas vender àquela, livre de quaisquer ónus ou encargos, o prédio urbano denominado “VD…”, sito na freguesia do Beato - …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha …/…, da freguesia do Beato, e inscrito na respectiva matriz predial urbana então a favor das Requeridas sob os artigos números …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, da mesma freguesia; Cfr. doc. de fls.40 a 49;

2. Ao acordo referido em 1, foi feito um Aditamento, datado de 14 de Janeiro de 2016, alterando a data da realização da escritura do contrato prometido para ser realizado até 30 de Março de 2016. conforme consta de fls.54 e 55 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

3. Nos termos do documento referido em 1. o prédio prometido vender foi-o livre de quaisquer ónus ou encargos. Cfr. doc. de fls.40 a 49; 

4. O preço do prédio urbano prometido vender foi de € 1.300.000,00 ( Um milhão e trezentos mil euros) tendo sido pago pela Requerente às 1ª e 2ª Requeridas, a título de sinal e princípio de pagamento, € 100.000,00 ( Cem mil Euros) do qual as Requeridas deram a respectiva quitação; Cfr. doc. de fls.40 a 49 e fls.58; 

5. Nos termos dos acordos referidos em 1 e 2, a Escritura de Compra e Venda do prédio prometido vender deveria ser outorgada até 31 de Dezembro de 2015, sendo depois esta data alterada para 30 de Março de 2016; Cfr. doc. de fls.40 a 49. 

6. A escritura de Compra e Venda deveria ser marcada, de acordo com o contrato promessa de 29 de Janeiro de 2015, pela Requerente até ao dia 30 de Novembro de 2015, indicando às 1ª e 2ª Requeridas o dia, hora e local da sua realização, com uma antecedência mínima de 15 (quinze) dias por carta registada com Aviso de Recepção, remetida para a residência das Requeridas;

7. Em face do Aditamento, ao contrato promessa datado de 14 de Janeiro de 2016, a marcação da escritura devia ser feita pela Requerente, que deveria avisar as 1ª e 2ª Requeridas, igualmente por carta registada com Aviso de Recepção, até 15 de Março de 2016, do dia, hora e local da respectiva realização. Cfr. doc. de fls.54 e 55;

7. Se a Requerente não marcasse a Escritura de Compra e Venda, as 1ª e 2ª Requeridas poderiam marcar elas a escritura, notificando a Requerente, nas mesmas condições em que a Requerente o deveria fazer, ou seja, marcar a escritura comunicando à Requerente o dia, hora e local, com antecedência de 15 dias. Cfr. doc. de fls.40 a 49 (Doc.1) 

8. Em caso de incumprimento do contrato promessa, ou de cumprimento defeituoso da outra parte, qualquer dos outorgantes devia comunicar a outra (à parte faltosa) a intenção de resolver o contrato, com a invocação dos respectivos fundamentos, conferindo-lhe um prazo de 15 (Quinze) dias para pôr termo à situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso. Cfr. doc. de fls.40 a 49 

9. Se a parte faltosa não pusesse termo à situação de incumprimento, ou de incumprimento defeituoso, no prazo concedido, a parte não faltosa poderia pôr termo ao contrato; Cfr. doc. de fls.40 a 49 

10. Foi prevista a faculdade da execução específica e, em tudo o omisso, aplicável as disposições do Código Civil; Cfr. doc. de fls.40 a 49

11. A Requerente nunca marcou a escritura de compra e venda, tão pouco aquela escritura foi marcada pelas 1ª e 2ª Requeridas;

12. Pela apresentação 2533 de 24 de Fevereiro de 2015, foi registada acção sobre o prédio prometido vender, movida pela Sociedade “ R… – …, Ldª.”, contra as 1ª e 2ª Requeridas, acção em que foi pedido que fosse proferida sentença que produzisse os efeitos das declarações negociais em falta das 1ª e 2ª Requeridas, com vista à celebração do contrato prometido, ou seja, que com a sentença a proferir fosse transmitida a  propriedade do prédio prometido vender à aí Autora, a Sociedade “ R… Ldª.”; Cfr. doc. de fls.59 e ss.

13. Estando tal ónus registado sobre o prédio, a Requerente não marcou a Escritura de Compra e Venda; 

14. E foi também em consequência da pendência da acção que corria com o nº…/…, na …ª Secção Cível – J… da Instância Central do Tribunal da Comarca de Lisboa que foi acordado o prazo para outorga da Escritura até 30 de Março de 2016, pelo Aditamento ao Contrato Promessa datado de 14 de Janeiro de 2016; 

15. Mantendo-se o registo da acção, não foi marcada a escritura para 30 de Março de 2016; 

16. No âmbito do processo referido em 14, as 1ª e 2ª requeridas celebraram a transacção cuja cópia se mostra junta a fls.102 e ss., nos termos da qual o imóvel foi adquirido por “R…, Lda.” pelo preço de dois milhões de euros; Cfr. fls.140 e ss; 

17. As 1ª e 2ª Requeridas por carta registada datada de 3.4.2017 comunicaram “a obrigação extinguiu-se, pois a prestação tornou-se impossível por causa não imputável ao devedor, entenda-se às ora signatárias”; Cfr. doc. de fls.152 e ss.; 

18. As 1ª e 2ª Requeridas não fizeram preceder a carta de 3.4.2017 da interpelação prevista na cláusula nona do Contrato Promessa junto como documento 1, nem antes, nem em qualquer momento anterior dos alegados incumprimentos alinhados na carta de 3.4.2017; 

19. Ao pretender celebrar a escritura de compra e venda, a requerente deparou-se por um lado, pela existência de desconformidades entre a descrição predial e as inscrições matriciais, e por outro lado com o registo da acção para execução especifica do contrato promessa que a “R… , Lda”, propôs contra as 1ª e 2ª Requeridas e registado em 24 de Fevereiro de 2015. (Doc. 4)

20. As 1ª e 2ª Requeridas foram citadas para a acção em causa, por correio datado de 19/03/2015, não tendo dado conhecimento desse facto à Requerente; 

21. Após o registo da acção, a Requerente manteve-se na efectiva posse do prédio e o seu sócio gerente administrando o prédio prometido vender, como se fosse proprietário; 

22. A pendência do registo daquela acção, impossibilitou a realização da escritura de compra e venda do prédio, livre de ónus e encargos, conforme prometido vender; 

23. O mesmo sucedendo com a discrepância entre a descrição predial e as inscrições matriciais;

24. Tal, determinou o adiamento sucessivo da marcação da escritura e até a celebração do Aditamento; 

25. O julgamento da acção interposta pela “R…, Lda”, registada sobre o prédio prometido vender foi marcado para o dia 11/10/2016. Cfr. fls.148;

26. No âmbito da acção a que se refere o julgamento referido em 25, foi celebrado as aqui 1ª e 2ª requeridas declararam confessar o pedido de execução específica com vista à celebração do contrato prometido conforme consta de fls.148 e ss.; 

27. Com data de 22 de Março de 2017 as 1º e 2ª requeridas celebraram transacção na acção a que se refere o ponto 25, conforme consta de fls.102 e ss. na qual se estabeleceu que o prédio objecto da acção é adquirido pela sociedade “J…-…, Lda.” pelo valor de €2.000.000,00; 

28. Consta do Contrato Promessa celebrado entre a Requerente e as 1ª e 2ª Requeridas, em 29 de Janeiro de 2015:

“Cláusula Quarta
(Constituição da propriedade Horizontal)
As Primeiras Outorgantes prestam, desde já, o seu consentimento à constituição de propriedade horizontal do prédio prometido vender, autorizando o segundo Outorgante à outorga do respectivo ato constitutivo e subsequente registo predial através de procuração conferida nos termos do número 9 da cláusula sexta, infra, suportando o Segundo Outorgante todas as despesas inerentes à constituição da propriedade horizontal e respectivo registo”  (Doc. 1)

29. Mais consta:
“Cláusula Quinta
(Obrigações do Segundo Outorgante respeitante a rendas e a I.R.S.)
1. O Segundo Outorgante terá direito a receber as rendas geradas pelos imóveis objecto do presente contrato, com excepção da quantia de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros) que, até ao último dia do mês a que respeita, deverá estar efectivamente paga às Primeiras Outorgantes…” (Doc. 1)  

30.“Cláusula Sexta
(Obrigações do Segundo Outorgante relativas à Administração do prédio)
2….sendo da responsabilidade do segundo Outorgante tratar directamente com todos os inquilinos, com a Câmara Municipal de Lisboa e demais entidades, publicas ou privadas, no que se refere a conflitos, processos de obras, despejos de inquilinos ilegais, negociação e alteração de rendas, e arrendamentos de fracções que estejam ou venham a estar devolutas, cobrança de rendas mensais, bem como praticar todos os atos normais, necessários e adequados à boa administração dos imóveis. 
3.O Segundo Outorgante aceita a referida gestão por sua conta e risco…  …
5. Na medida em que sobre o imóvel prometido vender impendem processo/intimações camarárias para a realização de obras urgentes, o Segundo outorgante obriga-se a resolver tais situações, realizando as obras e procedendo ao pagamento de eventuais coimas (devidas mesmo após a urgência do presente contrato), taxas licenças ou outras quantias que se mostrem necessárias).
6.O Segundo Outorgante obriga-se a efectuar as obras de reparação no imóvel objecto do presente contrato, que se revelem necessárias e urgentes, incluindo, das fachadas, obtendo todas as licenças e autorizações para o efeito.” (Doc. 1) 
 
31. Para poder cumprir as obrigações e exercer os direitos conferidos no contrato promessa, foi consignado no contrato que as 1ª e 2ª Requeridas outorgariam procuração, o que fizeram, outorgando procuração a favor do sócio gerente da Requerente, procuração que vai junta e que aqui se dá por inteiramente reproduzida; Cfr. fls.168 e ss.;

32. O prédio prometido vender tinha cerca de 200 habitações, com os respectivos inquilinos, devendo a Requerente receber rendas, emitir recibos, promover despejos, celebrar novos contratos de arrendamentos; Cfr. doc. de fls.40 e ss.; 

33. As rendas recebidas contratualmente ficaram pertença da Requerente, entregando somente mensalmente às 1ª e 2ª Requeridas € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros). Cfr. Doc. de fls.40 e ss.

34. As obras a realizar careciam, algumas, de autorização administrativa, a emitir pela Câmara Municipal de Lisboa, licenças a tratar e obter pela Requerente; 

35. Estavam em curso processos e intimações promovidas pela Câmara Municipal de Lisboa. (nº 5. cláusula 6 do Doc. 1) 
36. Algumas das intimações que levavam à demolição de 20 habitações. (Doc.10)

37.A Requerente passou a gerir o imóvel na vertente de outorga de contratos de arrendamento, de recebimento de rendas, de contactos com os inquilinos, deles recebendo reclamações, contactando a Câmara Municipal de Lisboa, a Policia Municipal, como se fosse proprietária do imóvel. (Doc. 10) 

38. Contratou mandatário judicial que deduziu oposições, impugnou actos e propôs acções contra a Câmara Municipal de Lisboa, acções que correram termos no Tribunal Administrativo de Lisboa e ainda contactou a Policia Municipal de Lisboa. (Doc. 10, 11 ,12 e 13) 

39. Providenciou pela contratação de vigilante no prédio. 

40. Realizou obras no prédio. 

41. Encarregou Trabalhadora Administrativa de contactar os inquilinos e deles receber reclamações, e de contactar demais entidades, publicas e privadas; 

42. O acima descrito, desenvolveu-se desde a assinatura do contrato, até que as 1ª e 2ª Requeridas declararam resolver o contrato por carta de 03/04/2017; 

43. Foi clausulado na cláusula nona do contrato promessa que:
“1. Qualquer um dos Primeiras e Segundo Outorgante poderão resolver o presente contrato em caso de incumprimento ou incumprimento defeituoso da outra mediante comunicação escrita à parte faltosa da intenção de resolver o contrato , com invocação dos respectivos fundamentos, conferindo um prazo não inferior a 15 (quinze) dias para pôr termo à situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso. 
2. Caso a parte faltosa não venha pôr termo à situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso no prazo que, para o efeito, lhe tenha sido concedido, o presente contrato poderá ser resolvido imediatamente no termo do prazo referido no número 1. Supra”. (Doc. 1) .

44-Quando o contrato promessa foi celebrado entre a Requerente e as 1ª e 2ª Requeridas, o prédio prometido vender foi valorizado pelas partes , 1ª e 2ª Requeridas e Requerente, em € 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil euros). Cfr. doc. de fls. 40 e ss.;. (Doc. 12) 

(Inexiste o artigo 45).

46. A 2ª Requerente tinha aquando da celebração da doação os seguintes bens imóveis:
1- Fracção “…” – correspondente ao … andar e uma arrecadação na sub-cave do prédio sito na Av. …, Lote …, descrito sob o nº … da Freguesia de Ajuda, e inscrito na respectiva matriz urbana da freguesia de Belém sob o nº …. (Doc. 13)  2- Fracção “…” – correspondente ao … constituído por zona de lazer, ocupando a cobertura da garagem, a qual inclui duas piscinas, jacúzi, solário, pérgula do prédio sito na Rua … nº … – …, Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Estoril/Cascais, sob o nº …. (Doc14)
3- Fracção “…” – correspondente ao … andar … do prédio sito na Avª …, nº … – Monte Estoril, descrito sob o nº … da Freguesia do Estoril, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc. 15) 
4- Fracção “…” - correspondente ao … andar …, … piso, com uma arrecadação na cave, do prédio sito na Rua …, nº … , … – Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc.16)
5- Fracção “… “- correspondente ao Quinto andar “…”, com uma arrecadação na cave com o nº …, do prédio sito na Rua …, nº … – … – Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº …. (Doc.17)
6- Fracção “…” - correspondente a uma garagem, do prédio sito na Rua …, nº … – … – Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc.18)
7- Fracção “…” - correspondente a uma garagem, do prédio sito na Rua …, nº … – … – Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc.19)
47. Em Julho de 2018, comprou a fracção autónoma designada pela letra “…” correspondente ao … andar, lado … do prédio sito na Travessa …, nº … – Parede, que é constituído por uma única divisão assoalhada (“T0”); (Doc.20) 

48. A fracção “…” (ponto 1. Do artº 104º) corresponde ao … andar da Avª …, Lt. …, na freguesia de Belém, pertence ao património comum do dissolvido casal da 2ª Requerida e de seu ex marido. (Doc.13) 

49. A 2ª Requerida, por escritura pública de doação, celebrada em 12 de Maio de 2017, doou os bens imóveis identificados sob os pontos 2, 3, 4, 5, 6, e 7 a seu filho, o 3º Requerido, reservando para ela o usufruto vitalício. (Doc. 21) 

50. A 2ª Requerida tem 66 anos de idade. (Doc. 12) 

51. Os prédios doados e identificados sob os nºs 60.- 2, 4 e 7 encontram-se hipotecados. (Doc. 14, 16 e 19) 
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3.2. Matéria de Facto Não Provada: 
1. As 1ª e 2ª Requeridas, a partir da data referida em 16 da matéria de facto provada, passaram a furtar-se ao contacto com a Requerente;

2. Em finais de 2014 iniciaram-se negociações com vista a que a Requerente comprasse o prédio identificado no ponto 1 em consequência de as 1ª e 2ª Requeridas terem resolvido um contrato promessa de compra e venda que haviam celebrado com a Sociedade “R… – …, Lda”, facto de que a Requerente tomou conhecimento; 

3. A Requerente ignorava, os motivos da resolução do contrato, só tendo tomado conhecimento desses alegados motivos pela cópia das cartas da resolução do contrato, que as 1ª e 2ª Requeridas lhe facultaram;. (Doc. 7 e 8) ; 

4. Após confrontadas as 1ª e 2ª Requeridas com o registo da acção, as mesmas asseguraram à Requerente, a falta de fundamento daquela acção;

5. Perante o registo, o que foi garantido à Requerente, é que a Acção proposta pela R…, Lda era inviável, aguardando-se pelo respectivo termo da acção, entre as 1ª e 2ª Requeridas e a “R… ,Lda”, por sentença a proferir após julgamento, absolvendo as 1ª e 2ª Requeridas de se realizar a escritura de venda;

6. Foi-lhe assegurado pelas 1ª e 2ª Requeridas a validade dos argumentos vertidos naquela carta, no que a Requerente acreditou e, em consequência, celebrou o contrato promessa de compra e venda pagando o sinal de € 100. 000,00 (cem mil euros) a titulo de sinal e princípio de pagamento. (Doc. 1 e 3) 

7.A Requerente, que as 1ª e 2ª Requeridas arrolaram como testemunha, reuniu com a Requerida MP… no dia 10 /10/2016, e prontificou-se a depor no Tribunal da Comarca de Lisboa, fazendo estes acreditar ao sócio gerente da Requerente, que as Requeridas como asseguravam, iriam manter a posição que sempre lhe tinham transmitido de opor-se a procedência da Acção da R…, Lda– que a resolução do contrato promessa entre elas e a “R…, Lda” era fundamentada e que iriam celebrar o contrato prometido com a Requerente;

8. Na manhã de 11 de Outubro de 2016, foi comunicado ao sócio gerente da Requerente, que a sua presença tinha sido dispensada;

9. A partir daquela data, as 1ª e 2ª Requeridas e seus mandatários, passaram a furtar-se ao contacto da Requerente;

10. A confissão das 1ª e 2ª Requeridas deveu-se ao facto do preço do prédio ter vindo a ser ajustado entre as 1ª e 2ª Requeridas e a R…, Lda , por € 2.000.000,00 (dois milhões de euros) e de a 2ª Requerida se ter associado a Sociedade que tem como objecto a recuperação do prédio prometido vender, realizando a sua quota em € 700.000,00 (setecentos mil euros) . (Doc. 5)

11. As 1ª e 2ª Requeridas receberam, cada uma, € 1.000.000,00 (um milhão de euros) . (Doc. 5)

12. Pela deliberação nº 95/AML/2015 da Assembleia Municipal do Município de Lisboa, publicada no Boletim do Município de Lisboa, de 23 de Abril de 2015, foi aprovado e delimitado o programa de reabilitação do Vale de Chelas, no qual se inclui a VD…, prédio prometido vender à Autora.

13. A aprovação daquele programa prevê nomeadamente incentivos fiscais de isenções de I.M.T. e I.M.I. em transacções onerosas para habitação. 

14. Estes factos levaram a um acréscimo do valor do prédio prometido vender que em Janeiro de 2015 era de € 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil euros) e em Abril de 2017 era de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros). (Doc. 5 e 14) 

15. A 1ª Requerida tinha como único bem imóvel o prédio identificado no artigo 3º , tendo recebido € 1.000.000,00 (um milhão de euros) , não tendo qualquer outro património imobiliário.

16. Dos valores recebidos na Transacção realizada no processo 5006/15.2T8LSB – J1, que correu termos pela Instância Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, - 1.000.000,00 (um milhão de euros) a 2ª Requerida investiu € 700.000,00(setecentos mil euros) na realização do capital da Sociedade denominada “VD… – …, Lda”, com sede na Rua … , nº … em Lisboa, NIPC …. (Doc. 5 e 22) “

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DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Insurge-se a recorrente contra a decisão que não decretou o procedimento de arresto, impetrando a alteração da matéria de facto que o tribunal não considerou como provada.

Decidindo:

a) Da apreciação do recurso quanto à matéria de facto;

Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [6]
Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.
A saber:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;
- E a decisão alternativa que é pretendida.[7]
Passando à sua apreciação concreta, nas suas alegações, peticiona a requerente que seja dado como provado, quer o ponto não apurado 7, 1ª parte, quer os factos não apurados 10 a 14 e 16.
Nas suas conclusões recursórias, peticiona a requerente que seja dado como assente que:
a)- As 1ª. e 2ª. Requeridas / Apeladas arrolaram o sócio gerente da Apelante como testemunha no processo …/… que correu termos pela Instância Central – … Secção Civel – J… do Tribunal da Comarca de Lisboa.
b)- Que as 1ª. e 2ª. Requeridas confessaram o pedido no processo identificado em a) supra, em consequência de terem recebido a titulo de preço do prédio prometido vender à Apelante por € 1.300.000,00 (Um milhão e trezentos mil euros) sendo que o tinham prometido vender à Autora naquele processo por € 1.300.000,00 ( Um milhão e trezentos mil euros).
c)- O prédio prometido vender valia em Janeiro de 2015 € 1.300.000,00 ( Um milhão e trezentos mil euros) e em Abril de 2017 € 2.000.000,00 ( Dois milhões de euros)
d)- Essa valorização deveu-se a aprovação do programa de reabilitação do vale de Chelas, do qual faz parte o prédio prometido vender – VD….
e)- Aquele programa previa benefícios fiscais, com isenções de imposto a saber: Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e Imposto Municipal sobre transacções de Imóveis (IMT) nas transacções.
Não sendo inteiramente coincidentes as alegações e as conclusões recursórias, são estas últimas, no entanto, que delimitam o objecto do recurso, tendo no fundo a mesma função que o pedido nas acções declarativas.
Assim sendo é pelas conclusões recursórias que o tribunal se deve ater, mormente no que respeita à impugnação da matéria fáctica.
Posto isto, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, não obstante se garantir um duplo grau de jurisdição[8], tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Nada obstando à apreciação do recurso sobre a matéria de facto, nos moldes acima descritos, o tribunal com vista à apreciação desta impugnação, procedeu à audição integral da prova e examinou os articulados e documentos juntos aos autos.
É a seguinte a convicção do tribunal recorrido, quanto à matéria de facto:
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto provada e não provada resultou do exame crítico do depoimento das testemunhas e da análise global e pormenorizada efectuada em face dos documentos juntos aos autos.
A) Prova Documental
Optou-se por fazer referência aos documentos que serviram para fundamentar a convicção do tribunal, desde logo no elenco dos factos provados com base nesses mesmos documentos, a fim de simplificar a motivação da decisão de facto.
B) Prova Testemunhal
Foram ouvidas três testemunhas arroladas pela requerente:
A testemunha Hugo de Laça confirmou ter sido contratado para exercer funções como vigilante no imóvel dos autos, tendo referido ter lá trabalhado cerca de ano e meio, recebendo as queixas dos inquilinos fazendo a ponte entre estes e o escritório da requerente, transmitindo as queixas à testemunha MA… que trabalhava como administrativa nos escritórios da requerente.
Esclareceu que chegou a fazer obras em casas existentes no imóvel.
O seu depoimento foi corroborado pela referida MA… que de igual modo se referiu ao facto de as rendas das cerca de 200 habitações existentes no imóvel serem recebidas pela requerente com a obrigação de entregar €8.500,00 às 1ª e 2ª requeridas o que sempre fizeram.
Esclareceu que era a requerente que procedia às obras necessárias e que nos processos movidos pela Câmara Municipal era sempre a requerente quem intervinha pagando as taxas e contratando advogados. Disse que a requerente sempre fez a transferência da quantia de €8.500,00 para as requeridas até Abril de 2017, altura em que as 1ª e 2ª requeridas deram o contrato como findo.
Disse de igual modo que, nunca conseguiram realizar a escritura não só porque havia uma acção registada (acção registada em data posterior à celebração do contrato promessa)e porque havia discrepâncias entre o que constava das Finanças e do Registo Predial.
Revelou conhecimento directo destes factos por via das funções que exercia.
A testemunha MJ…, empregado de construção civil, trabalhou para a requerente e fez obras no imóvel (VD…) sendo que quem lhe pagava era a requerente.
*
De tudo não resultaram dúvidas para o tribunal de que a requerente administrava o imóvel e tinha a sua posse porém, sobre os factos dados como não provados, os mesmos foram assim considerados pela ausência total de prova.”
Diga-se desde já que não cumpriu o tribunal recorrido o ónus que resulta imposto pelo artº 607 nº4 do C.P.C., aplicável aos procedimentos cautelares, conforme resulta do disposto no artº 295 do C.P.C., com as necessárias adaptações, tendo em conta a sua celeridade e a natureza da prova.
Assim, conforme referido por Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, págs. 296, 297,), “o dever de fundamentação introduzido pela reforma de 1961, reforçado em 1995 e agora transferido para a própria sentença que simultaneamente deve conter a enunciação dos factos provados e não provados e as respectivas implicações jurídicas “ exige que “se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos. É na motivação que agora devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e correspondentes factos instrumentais (…). Se a decisão proferida sobre algum facto essencial não estiver devidamente fundamentada a Relação deve determinar a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância, a fim de preencher essa falha com base nas gravações efectuadas ou através de repetição da produção da prova, para efeitos de inserção da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.”[9]
Obviamente, que só na posse do raciocínio lógico do tribunal recorrido na apreciação que fez dos factos, podem quer as partes, quer o tribunal de recurso, apreciar do bem fundado deste raciocínio.
Posto isto, porque o tribunal recorrido efectuou uma análise perfunctória dos docs. e dos depoimentos testemunhais, embora deficiente, tendo em conta a natureza cautelar deste procedimento, entende-se não haver lugar ao cumprimento do disposto no artº 662 nº2 d) do C.P.C.
Posto isto e volvendo aos “factos” que, nas suas conclusões recursórias, o recorrente intenta que este tribunal considere provados, desde logo resulta que o constante da alínea a) (relativo à indicação como testemunha do sócio gerente da apelante) é perfeitamente irrelevante, por si só, para a decisão do procedimento cautelar, não justificando a recorrente a sua relevância.
O constante da alínea b) é, por sua vez, imperceptível.
A transacção lavrada entre as requeridas, a Retoque e um terceiro, está dada como assente no ponto 27, nada mais havendo a consignar.
O constante da alínea c) é uma conclusão que se poderá retirar dos factos relatados no ponto 27 e no ponto 4, mas não constitui em si um facto.
O constante da alínea d) e e) é igualmente conclusivo, não se podendo retirar dos docs referidos que o imóvel se valorizou por causa dos incentivos fiscais e do referido programa, apesar de estes terem existido.
Podendo ter sido esse o motivo, não consta como tal da referida transacção, nem pode este tribunal considerar, como pretende a requerente, como adquirido este denominado “facto” que é, em si, também uma conclusão.
Mantém-se pois inalterada a matéria de facto adquirida pela 1ª instância, alterando-se apenas oficiosamente e porque tal decorre das respectivas certidões prediais, o teor do artº 46, passando este a ter a seguinte redacção:

“46. A 2ª Requerente tinha aquando da celebração da doação os seguintes bens imóveis:
1- Fracção “…” – correspondente ao … andar e uma arrecadação na sub-cave do prédio sito na Av. …, Lote …, descrito sob o nº … da Freguesia de Ajuda, e inscrito na respectiva matriz urbana da freguesia de Belém sob o nº …. (Doc. 13)
2- 1455/130000 indivisos da Fracção “…” – correspondente ao Rés do Chão constituído por zona de lazer, ocupando a cobertura da garagem, a qual inclui duas piscinas, jacúzi, solário, pérgula do prédio sito na Rua … nº … – …, Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Estoril/Cascais, sob o nº …. (Doc14)
3- Fracção “…” – correspondente ao … andar … do prédio sito na Avª …, nº … – Monte Estoril, descrito sob o nº … da Freguesia do Estoril, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc. 15) 
4- Fracção “…” - correspondente ao … andar …, … piso, com uma arrecadação na cave, do prédio sito na Rua …, nº … , … – Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc.16)
5- Fracção “… “- correspondente ao … andar “…”, com uma arrecadação na cave com o nº …, do prédio sito na Rua …, nº … – … – Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc.17)
6- Fracção “…” - correspondente a uma garagem, do prédio sito na Rua …, nº … – … – Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc.18)
7- Fracção “…” - correspondente a uma garagem, do prédio sito na Rua …, nº … – … – Cascais, descrito sob o nº … da Freguesia de Cascais, e inscrito na respectiva matriz urbana da União das Freguesias de Cascais e Estoril, sob o nº … . (Doc.19) .”
   
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Insurge-se a recorrente relativamente à decisão que considerou improcedente o procedimento cautelar em apreço, por falta de verificação do requisito do justo receio de perda de garantia patrimonial.
Considerou a decisão recorrida o seguinte:
“Da actuação das 1ª e 2º requeridas apurada nos autos, resulta indiciariamente comprovado que as mesmas incumpriram de forma definitiva o contrato promessa celebrado com a aqui requerente.
Para convencer da existência do pressuposto do “justo receio”, é necessário que o requerente alegue factos ou acontecimentos visíveis e objectivos que, na sua perspectiva, justificavam a apreensão cautelar de bens do requerido, designadamente, actos concretos de dissipação, ocultação ou extravio de bens, a inexistência de bens.
Como refere o Ac. da Relação do Porto de 18-05-1993, Proc nº 9220796 (acessível em www.dgsi.pt), “O justo receio de extravio ou dissipação dos bens a arrolar é uma conclusão de facto, sendo necessário que os factos alegados e provados denotem que tal receio é sério e real”.
De igual modo, como decidiu o Ac. da Relação de Coimbra de 30-04-2002 (Proc. nº 1448/02, acessível em www.dgsi.pt), “O justo receio de perda da garantia patrimonial do credor tem que assentar em factos reais, em índices apreensíveis pelo comum das pessoas, que mostrem que o alegado receio é objectivamente fundado. Para que seja decretado o arresto é indispensável que o devedor tenha praticado actos ou assumido atitudes que inculquem a suspeita de que ele pretende subtrair os seus bens à acção dos credores”.
No caso concreto a requerente alega doações feitas com reserva de usufruto. Porém, tal, por si só, não pode levar à conclusão de que as requeridas se estejam efectivamente a desfazer a toda a pressa de todo o seu património, modo a que nada sobre para ressarcir o Requerente na eventualidade de obter ganho de causa na acção principal.
Alega a requerente (que não provou) que no âmbito da transacção efectuada e dada como provada cada uma das 1ª e 2ª requeridas receberam um milhão de euros. Anote-se que constar da transacção que o imóvel é alienado por dois milhões de euros é realidade distinta das requeridas terem recebido, de facto, tal quantia. Porém, mesmo que assim se não considerasse e considerando que tal recebimento se efectivou temos que a 1ª requerida recebeu um milhão de euros.
A este respeito nada é alegado quanto à dissipação deste montante por via de manobras em curso. Alegar, só por si, que o dinheiro é facilmente dissipável, não chega para considerar provado o justo receio de perda da garantia patrimonial.
Já no que concerne à 2ª requerida, sendo certo que procedeu à doação dos imóveis com reserva de usufruto, a verdade é que é a própria requerente quem alega que a mesma procedeu ao investimento de €700.000,00 na sociedade “VD…”. Se se trata, como a própria requerente alega, de um investimento, não se pode focar aí o justo receio.
De igual modo, a verdade é que sequer a requerente fez prova de que as requeridas se furtem ao contacto.
De tudo concluímos que não foram apurados factos, sequer indiciariamente que resultem na comprovada dissipação imediata e propositada do património das Requeridas ou na sua dissipação num futuro próximo.
O facto da 2ª requerida ter procedido a doação de bens imóveis (alguns hipotecados) não comprova por si só, conforme se apontou, o justo receio da perda da garantia patrimonial”
Posto isto, efectivamente em causa neste recurso, está a apreciação da verificação deste 2º requisito, sendo certo que o tribunal considerou como provável a existência do crédito (1º requisito), matéria favorável ao recorrente e portanto fora do âmbito deste recurso.
De todo o modo, o montante deste crédito, não perfeitamente determinado pelo tribunal recorrido, não é irrelevante para a questão em apreço, ou seja o justo receio de perda de garantia patrimonial.
O requisito de justo receio de perda da garantia patrimonial - “pressupõe a alegação e a prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito”, sendo “o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia” sendo que “o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva”[10]
A jurisprudência é aliás unânime no sentido de que deve este requisito resultar de factos concretos que o revelem de forma sumária.[11]
Posto isto, a requerente invoca um crédito no valor de € 800.000,00, sobre as requeridas, decorrente do incumprimento do contrato promessa outorgado pelas requeridas, por acto culposo destas, alegando ainda a traditio do imóvel, fundamentando assim o seu crédito na 2ª parte do artº 442 nº2 do C.C.
Temos pois como provável a existência de um crédito da requerente sobre as requeridas no valor de € 800.000,00, quantia, a todos os títulos, muito elevada.
A este facto, acresce que se demonstrou que foi outorgada transacção no âmbito de acção movida pela firma R… Lda. que correu termos sob o nº …/…, na … Secção Cível – J… da Instância Central do Tribunal da Comarca de Lisboa, em Março de 2017, pelo preço de dois milhões de euros, bem sabendo as requeridas que tinham subscrito e em vigor outro contrato-promessa relativo ao mesmo imóvel com a requerente, mais sabendo que lhe tinham conferido a tradição do imóvel e que a requerente o geria no âmbito deste contrato.
Mais resultou da matéria de facto apurada que, em 3.4.2017 as requeridas comunicaram à requerente que “a obrigação extinguiu-se, pois a prestação tornou-se impossível por causa não imputável ao devedor, entenda-se às ora signatárias” (cfr. doc. de fls.152 e ss.) sem fazer depender tal carta da interpelação prevista na clausula 9ª do contrato-promessa e, em bom rigor, pretendendo que a extinção do contrato, nenhumas consequências acarretasse para as requeridas, por incumprimento culposo.
Se considerarmos ainda que a 2ª requerente era proprietária dos bens descritos no ponto 46 e que doou estes bens ao filho (à excepção do referido no ponto 1), reservando para si o usufruto, que tais bens se encontram hipotecados, que esta escritura pública de doação foi celebrada em 12 de Maio de 2017, um mês depois da carta de resolução remetida à requerente (sendo pois o putativo crédito anterior ao acto de doação) e que os bens detidos pela requerida (fracção autónoma designada pela letra “X” correspondente ao 2º andar, lado direito do prédio sito na Travessa …, nº … – Parede, que é constituído por uma única divisão assoalhada (“T0”) e o referido direito de usufruto sobre os imóveis doados), não são suficientes para satisfazer o crédito da requerente, temos como verificado, atento o valor deste crédito, o justo receio da requerente de perda da garantia patrimonial.
Conforme se refere no Ac. da R.P. de 26/01/09, proferido no proc. nº 0846632, disponível em www.dgsi.pt., este receio, para ser justificado, tem que se basear em factos concretos que revelem à luz de uma prudente apreciação, a forma da actividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes.
Nos dizeres de Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, este receio pode fundar-se em qualquer “actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito.”
Dos factos acima relatados resulta este receio, sendo que a esta conclusão, acresce ainda que o tribunal recorrido considerou como não assente o efectivo recebimento da quantia de € 1.000.000,00 por cada uma das requeridas, apesar da declaração constante da transacção, sendo que a efectiva conduta da 2ª requerida e a natureza do dinheiro, facilmente dissipável, levam á conclusão de que existiu uma efectiva diminuição da garantia patrimonial com que o credor até então podia contar.
Questão diversa é se pode e em que circunstâncias, a requerente indicar para arresto, bens doados e na titularidade do 3º requerido.
É certo que resulta assente quer a anterioridade do crédito, quer que, deste acto, resulta, pelo menos em aparência a impossibilidade de satisfação do direito do credor sobre o seu devedor, 2ª requerida, (artº 610 do C.C.), pois que os demais bens na sua titularidade não bastam para satisfação desta dívida.
No entanto, cfr. se refere em Ac. desta relação de 17/05/11 [12], “porque o terceiro perante a relação obrigacional, uma vez julgada procedente a impugnação, não pode obstar a que o credor execute no seu património o bem objecto do acto impugnado ( cfr. artºs 616º, nº1, e 818º, ambos do CPC ), tendo este último direito à sua restituição na medida do seu interesse , no âmbito da providência do Arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor ( cfr. nº2, do artº 407º, do CPC ) justifica-se que, pelo menos no tocante ao bem objecto do acto impugnado , se exija a alegação e a prova indiciária ( ónus a cargo do credor ) do justo receio da prática pelo terceiro de actos, v.g., de alienação e/ou oneração.
É que, o
terceiro adquirente , na sequência do arresto, passa a estar obrigado a manter incólume o bem arrestado, numa situação equiparada à do depositário ( guardar o bem e proceder à sua restituição para eventual execução, quando tal lhe for exigido – artigos 1185º CC e 854º CPC), servindo pois a providência para o vincular, desde logo, às eventuais consequências da impugnação pauliana.
Dir-se-á assim, em conclusão, que devendo é certo o juízo de aferição do requisito do arresto do justo receito de perda da garantia patrimonial , incidir apenas sobre a generalidade do património do devedor/obrigado, deverá outrossim incidir ele sobre o bem concreto de terceiro/não devedor quando se pretenda possibilitar a respectiva execução na sequência de procedência de impugnação do acto de transmissão do obrigado/devedor. (…)
É que, em rigor, dirigindo a requerente/credora a sua atenção apenas para o património do obrigado, já nada de concreto alega que justifique a pertinência da providência requerida, designadamente o perigo de, não se decretando o Arresto requerido sobre o concreto bem objecto da impugnação pauliana a intentar, vir a frustrar-se irremediavelmente a possibilidade de, no futuro, poder executá-lo no seu património, v.g. em resultado de uma sua actuação e/ou propósito sério direccionado para a sua alienação.”
Em relação ao terceiro adquirente nada consta alegado ou demonstrado, no sentido de que em relação pelo menos aos bens doados existe receio de que, venham a ser onerados ou alienados, sendo pois impossível executá-los no património de terceiro.
Assim em conclusão, procede apenas em parte a requerida providência cautelar de arresto, incidindo sobre bens titulados pelas 1º e 2º requeridas, até ao montante do crédito e improcedendo no demais.  
*
DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em:
a) indeferir a junção de documento em sede de recurso, condenando a requerente no pagamento de 2. Ucs.
a) julgar procedente a apelação interposta do despacho que absolveu da instância os 3º e 4º requeridos, por ilegitimidade processual, revogando a decisão recorrida e declarando-os partes processualmente legítimas;
b) julgar parcialmente procedente a providência intentada pela requerente e decretar o arresto dos seguintes bens, da titularidade da 1ª e 2ª requeridas, até perfazer o montante de €800,000,00:
1- direito da 2ª. Requerida à sua quota parte sobre a fracção “…” correspondente ao … andar e uma arrecadação na sub-cave do prédio sito na Av. …, Lote …, descrito sob o nº … da Freguesia de Ajuda, e inscrito na respectiva matriz urbana da freguesia de Belém sob o nº ….
2- Saldos das Contas Bancárias tituladas ou co-tituladas pelas 1ª 2ª requeridas, nas seguintes instituições:
 - Millennium B.C.P. – nº …;
- Millennium B.C.P. – nº …;
- Montepio Geral – Caixa Económica – nº. …;
c) no demais manter a decisão recorrida.

*
Custas pela apelante na proporção do decaimento, que se fixa em 1/2.

Lisboa 20/09/18

Cristina Neves

Manuel Rodrigues

Ana Paula A.A. Carvalho

[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Ac. Tribunal Relação de Coimbra de 20/01/2015, relator Henrique Antunes, proc. nº 2996/12.0TBFIG.C1
[4] Ac. Tribunal Relação de Coimbra de 18/11/14, relator Teles Pereira, proc. nº 628/13.9TBGRD.C1
[5] Ac. do S.T.J. de 26/09/12, relator Gonçalves Rocha, Proc. nº 174/08.2TTVFX.L1.S1
[6] Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, proc. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015,proc. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, proc. nº 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, proc. nº 1060/07.
[7] Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S
[8] Cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 04.02.2016, no Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «Para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.»
De igual modo, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016, no Proc.1572/12.2TBABT.E1.S1, disponível na mesma base de dados, decidindo que «O Tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou.»
[9] No mesmo sentido vidé Ac. do S.T.J. de 02-10-2008, relator Lázaro Faria, Proc. nº 07B1829; Ac. do T.R.Porto de 05-03-2015, relator Aristides Rodrigues de Almeida, Proc. nº 1644/11.0TMPRT-A.P1 e Ac. do T.R.Guimarães de 29/06/17, Proc. nº 13/15.8T8VCT.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt .
[10] Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV vol., 3ª ed. págs. 191 e 193.
[11] Acs da Relação do Porto de 16/12/2009, proc. 459/09.0TJVNF-A.P1, de 16/06/2009, proc. 3994/08.4TBVLG-C.P1 e de 07/10/2008, proc. 0823457; de 17709/13, proc. nº 643/12.0TBAMT-B.P1; da Relação de Coimbra de 10/02/2009, proc. 390/08.7TBSRT.C1, de 30/11/10, proc nº 308-B/2002.C1, de 13/10/15, proc. nº 56/15.1T8CNT-B.C1; da Relação de Lisboa de 28/10/2008, proc. 8156/2008-1, de 15/03/2007, proc. 8563/2006-6, todos in www.dgsi.pt
[12] Ac. R. Lisboa de 17/05/2011, relator António Santos, proc. nº 9087/11.0T2SNT.L1-1, disponível in www.dgsi.pt