Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6315/2007-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: I- Ao R. que argui a excepção de preterição de tribunal arbitral cumpre a prova da convenção de arbitragem.
II- Feita aquela, sobre o A., recai o ónus da prova da impossibilidade/não obtenção de acordo quanto aos termos em que a arbitragem deverá decorrer, legitimadora do recurso à via judicial, e que constitui excepção à excepção de preterição de tribunal arbitral.
III- Não resulta provada a culpa exclusiva da Ré destinatária, quanto ao não recebimento de carta da A. para notificação da sua pretensão de instaurar a correspondente acção no tribunal arbitral, quando tal missiva, remetida sob registo com A/R, é devolvida com a indicação de não reclamada, mas sem qualquer referência a ter sido a destinatária avisada de que a mesma se encontrava à sua disposição.
(E.M.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação

I- O, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra S, pedindo a condenação das Rés a pagar à A. a quantia de € 97,932,03, acrescida de juros vincendos à taxa legal, sobre o capital de € 79.633,12, até integral pagamento.
Alega, para tanto, que no exercício da sua actividade de obras públicas e construção civil, celebrou com as Rés, estas actuando em regime de consórcio, o contrato de empreitada e o adicional que junta.
Tendo-lhes prestado e estas recebido, sem qualquer reclamação, os trabalhos, bens e serviços discriminados nas facturas que junta, no valor global de € 56.872,98.
Não tendo as RR. pago os montantes respectivos, nas datas dos correspondentes vencimentos.
Mais tendo a A. prestado às RR. trabalhos, bens e serviços, no âmbito da empreitada de “Reconstrução do Edifício da Av.ª …, 1ª fase”, descritos nas fotocópias de facturas que junta, no valor total de € 22.760,14, que as RR. também não pagaram nas datas dos seus vencimentos.

Contestaram as RR., excepcionando o pagamento de parte das facturas referidas pela A., e a preterição de tribunal arbitral, a que todos os diferendos relativos à interpretação, aplicação ou execução dos contratos de empreitada em causa deveriam ser, por estipulação das partes, obrigatoriamente submetidos.
Mais invocando a ausência de autos de medição relativos aos trabalhos das facturas juntas como documentos n.ºs 6, 8, 9 e 10, configurando-se incumprimento de banda da A., excluidor de mora por parte das RR.

Rematando a 1ª Ré com a sua absolvição da instância, ou, quando não, com a improcedência parcial do pedido, absolvendo-se a R. “de parte do pedido, ou julgar-se improcedente por não provada a presente acção”.
E, a 2ª Ré, com a sua absolvição da instância, e “do pedido, na parte respeitante ao pagamento já efectuado…e do restante pedido pelas invocadas razões”.

Houve réplica da A. concluindo “como no pedido formulado na petição inicial, com excepção da redução do montante total peticionado pelo pagamento parcial operado pelas Rés”.

O processo seguiu seus termos, com saneamento – julgando-se inútil o conhecimento da excepção peremptória de pagamento parcial, em vista da operada redução do pedido em € 42.284,06, e relegando-se o conhecimento da excepção de preterição do tribunal arbitral para a decisão final – e condensação.
Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que:
A) Julgou improcedente, quanto à ré S a invocada excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral          
B) Julgou procedente, quanto à ré L., a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral invocada pelas rés e, em consequência, absolveu-a da instância.
C) Condenou a ré  S. a pagar à autora O, a quantia de € 37.349,05 (trinta e sete mil, trezentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos), relativamente ao valor das facturas ainda não pagas por aquela a esta, acrescida de juros de mora, sobre o valor de cada uma das facturas em falta, desde as respectivas datas de vencimento, vencidos vincendos, à taxa legal em vigor           para os juros moratórios relativos aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, até efectivo e integral pagamento; e
D) Julgou não verificada qualquer litigância de má fé, no comportamento processual das partes.

Inconformada, recorreu a S, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
I- Não ficou demonstrado que a R. tivesse recebido qualquer aviso para levantar dos Correios a carta em que a A. informava desejar recorrer à arbitragem.
II- Como consequência do acima indicado não é possível afirmar-se que a R. agiu com culpa por não ter levantado a carta dos Correios.
III- Não tendo actuado com culpa não se pode considerar tal comunicação eficaz em relação à R..
IV- Mas mesmo que se considere a comunicação eficaz a R. não deduziu oposição ao funcionamento arbitral proposto.
V- Não tendo sido deduzida oposição não poderia a A. ter recorrido aos tribunais judiciais para compor este litígio.
VI- A preterição do tribunal arbitral constitui excepção dilatória, devidamente invocada pela R., que importava a sua absolvição.
VII- As RR. são solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações do presente contrato de empreitada.
VIII- Esta situação configura o litisconsórcio necessário das mesmas.
IX- A absolvição da instância de uma delas por preterição, por parte da A. de formalismo prévio à propositura da acção judicial, tem que determinar, também, a absolvição da outra R..
X- A douta sentença violou o disposto nos artigos 224°, 342° do CC, 28°, 228° n°1 e), 493° n° 1 e 2 e 494° n°1 j) do CPC.

Requer a revogação da sentença recorrida e a substituição por outra que absolva a R. S da instância.

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
 - se se verifica a excepção de preterição de tribunal arbitral, relativamente à Recorrente.
- na negativa, se a absolvição da instância da Ré L , por preterição de tribunal arbitral, implica também a absolvição da Ré/ S.
*
Considerou-se assente, na sentença recorrida, e sob a epígrafe, FUNDAMENTAÇÃO de FACTO, sem impugnação a propósito, a factualidade seguinte:
1) A autora é uma empresa que se dedica, com fim lucrativo, à actividade de obras públicas e construção civil (cfr. alínea A) da matéria de facto assente).
2) A autora e as rés celebraram o contrato de empreitada e o adicional que constam como documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a petição inicial (cfr. Alínea  B) dá matéria de facto assente);
3) O contrato de empreitada referido tem por objecto «todos os trabalhos necessários à execução de uma cortina de contenção periférica composta por estacas secantes em betão armado de 40 cm de diâmetro no edifício a construir na Rua T V T, em Monte Gordo» (cfr. alínea C) da matéria de facto assente);
4) A ré S pagou por cheque, com o n.º 3448081834, no montante de Esc. 8.477.194$00, as facturas identificadas como documentos n°s 3, 4, 5, e 7 juntos com a petição inicial (cfr. alínea D) da matéria de facto assente);
5) No âmbito do contrato referido, a autora prestou e as rés receberam, sem que até à data tenham apresentado qualquer reclamação, os trabalhos, bens e serviços descritos   nas fotocópias das facturas juntas como documentos n.ºs 3 a 8 com a petição inicial (cfr. resposta dada ao artigo 1°) da base instrutória);
6) As   rés       não      pagaram,          nas       respectivas       datas    de vencimento, os montantes referenciados nas facturas ora peticionadas, mencionadas      em 5), salvo as integradas pelos documentos n.ºs 3, 4, 5 e 7 juntos com a petição             inicial (cfr. resposta dada ao artigo 2°) da base instrutória);
7) Para além dos trabalhos acima referidos, a autora prestou também às rés, no âmbito da empreitada de «Reconstrução do edifício da Av         Fase», os trabalhos, bens e serviços descritos nas fotocópias das facturas juntas como documentos n.ºs 9 e 10 juntos com a petição inicial (cfr. resposta dada ao artigo 3º) da base instrutória);
8) As rés aceitaram os trabalhos de construção referidos em 7), nada tendo reclamado à autora (cfr. resposta dada ao artigo 4°) da base instrutória);        
10) As rés não pagaram, nas respectivas datas de vencimento, os montantes referenciados nas facturas peticionadas sob os documentos n.ºs 9 e 10 juntos com a petição inicial (cfr. resposta dada ao artigo 5º), da base instrutória);
11) No caso da factura junta como documento n.º 6 junto com a petição inicial, verifica-se que o auto de medição que lhe diz respeito - de que se encontra cópia a fls. 32 dos presentes autos – não se encontra assinado         pelas rés (cfr. resposta dada ao artigo 8º) da base instrutória);          
12) Quanto às facturas juntas como documentos n.ºs 9 e 10 com a petição inicial, as mesmas foram elaboradas sem auto de medição, sendo acompanhadas de comunicações internas da autora, o que sucedeu por, o seu valor e forma de facturação ter sido previamente à sua emissão, acordado entre a autora e a ré S (cfr. resposta dada ao art.º 9º) da base instrutória);      
13) A autora não notificou a ré L para os termos do tribunal arbitral (cfr. resposta dada ao artigo 10°) da base instrutória);
*
Mais se havendo considerado provado, nessa mesma sentença, e conquanto em sede de FUNDAMENTAÇÃO de DIREITO que:
- “a autora remeteu a ambas as rés carta registada, com aviso de recepção, relativamente a ambos os contratos referidos, notificando as rés para uma tentativa de conciliação”.
- “As cartas expedidas para a ré S foram por esta recepcionadas (cfr. folhas 158 a 163). Também a carta de fls. 170 foi recepcionada pela ré L sua destinatária”.
- “Para esse efeito (tentativa da via de arbitragem) a autora remeteu à ré S a carta de folhas 154-155 (relativa à empreitada de Montegordo), cujo respectivo envelope veio contudo devolvido ao remetente, com a menção nele aposta de «não reclamado»”.

Por se tratar de matéria provada através de documentos, que as Rés não impugnaram, e que a Recorrente de resto aceita – como decorre das suas alegações de recurso – e assim visto o disposto nos art.ºs 659º, n.º 3 e 713º, n.º 2, do Código de Processo Civil – mais se entende dever dar-se por assente que:
- “Relativamente à empreitada do Edifício da Av.ª., enviou a A. à Ré S a carta junta por cópia a folhas 166 e 167, em que procede “à notificação de que é nossa intenção instaurar a acção arbitral competente…”  
- “Tal missiva foi enviada sob registo, com A/R, sendo devolvida com a indicação de não reclamada, conforme documentos de folhas 168 e 169”.
*
Vejamos então:
II-1- Da sustentada preterição de tribunal arbitral, relativamente à Recorrente.
1. A Constituição da República Portuguesa contempla o exercício da função jurisdicional tanto por tribunais judiciais como por tribunais arbitrais, cfr. art.º 209º, nº 1, al. a) e n.º 2, da referida CRP.
Podendo aqueles últimos ser necessários – desde que impostos por lei – cfr. art.º 1525º, do Código de Processo Civil – ou facultativos, quando, como é a regra, emanarem da vontade das próprias partes, mediante convenção de arbitragem, que não poderá abranger a composição de litígios que respeitem a direitos indisponíveis, cf. artigo 1º, n.º 1, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto.
A dita convenção designa-se compromisso arbitral quando tem por objecto um litígio actual, ou cláusula compromissória, quando se refere a litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual, cf. nº 2, do citado normativo.
E, como lapidarmente se considerou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.01.2000,[1] citando Francisco Cortez,[2] “a arbitragem voluntária é contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado”.

2. Não sofre crise terem as partes estipulado convenção de arbitragem, na modalidade de cláusula compromissória, em ambos os contratos de empreitada.
Assim sendo que em cada um daqueles se dispõe:

“CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA
(Foro)
1. Quaisquer diferendos relativos à interpretação, aplicação ou execução do presente contrato serão obrigatoriamente submetidos a tentativa de conciliação a realizar entre as gerências e administrações das signatárias.

2. Todas as questões emergentes do presente Contrato que não sejam resolvidas amigavelmente pelas partes nos termos do número anterior, se-lo-ão mediante recurso à arbitragem.

3. O Tribunal Arbitral será constituído por três árbitros, escolhendo cada uma das partes em litígio um árbitro, competindo a esses árbitros designar outro, independente, que presidirá e que terá, em caso de empate, voto de qualidade.

4. O Tribunal Arbitral:

a) Funcionará na Cidade de Lisboa;
b) Designará entre os seus membros o relator do processo;
c) Distribuirá pelas partes, na proporção do vencido, as custas da arbitragem, compreendendo as remunerações dos árbitros e todas as demais despesas e encargos do processo.

5. Caso as partes não cheguem a acordo quanto aos termos em que a arbitragem deverá decorrer, nomeadamente quanto à convenção de arbitragem, a constituição e local de funcionamento do Tribunal e ao seu objecto, no prazo de 30 dias de calendário contados da notificação da parte que pretenda instaurar o litígio no Tribunal Arbitral, poderá qualquer uma delas submeter o mesmo ao Tribunal Judicial competente.”.
*
3. A preterição do tribunal arbitral voluntário constitui excepção dilatória, cujo conhecimento não é oficioso, cfr. art.ºs 494º, n.º 1, al. j) e 495º, do Código de Processo Civil.
É que, como sustenta Raul Ventura,[3] “da convenção de arbitragem nasce um direito potestativo para cada uma das partes, cujo conteúdo consiste na faculdade de fazer constituir um tribunal arbitral para julgamento de certo litígio que, à data da convenção, tanto pode ser actual como futuro. Correlativamente, cada uma das partes fica sujeita a uma vinculação”.
Assim, na convenção arbitral, ambas as partes ficam constituídas no ónus de, querendo ver decidido litígio que se compreenda no seu objecto, preferirem a jurisdição arbitral, privada, à jurisdição pública. Por isso, se porventura, apesar da existência de convenção de arbitragem, uma das partes no litígio demandar a outra em tribunal judicial, o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, por ocorrer a excepção dilatória da preterição do tribunal arbitral.[4]

4. Na sua contestação arguiu a Recorrente a excepção em causa, invocando, para além da não formulação, pela A. de “qualquer intenção de recorrer à conciliação, a ausência da sua notificação, pela A., “para os termos do tribunal arbitral”.
Como impunha a cláusula 13ª de cada um dos ajuizados contratos de empreitada.
Sustentando, nas suas alegações de recurso – onde assim não renovou a questão da falta de notificação para a prévia tentativa de conciliação – não se poder considerar eficaz em relação a si a comunicação de a A. desejar recorrer à arbitragem, na circunstância de não haver ficado provado que a Recorrente tivesse recebido qualquer aviso para levantar dos correios a carta em que tal comunicação era feita.
Pelo que não seria possível afirmar-se ter a Ré agido com culpa ao não levantar a carta dos correios.

5. Ao R. que argui a excepção de preterição de tribunal arbitral, cumpre, à partida, a prova da convenção de arbitragem – que, por força do disposto no art.º 2º, n.º 1, da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, deverá ser reduzida a escrito – nos termos do art.º 342º, n.º 2, do Código Civil. [5]
Prova que está feita nos autos.
Desde que, porém, a A., replicando, alegou haver expedido carta convocatória para a constituição do tribunal arbitral, dirigida para o domicílio convencionado da Recorrente, tendo a mesma carta sido devolvida com a indicação aposta pelos serviços dos correios de “não reclamado”, mostrando-se tal facto documentado nos autos, coloca-se a questão de saber se – na perspectiva da eficácia da notificação, e certo tratar-se, a assim “notificanda”, de declaração recipienda– sobre a A. recai ainda ónus, não actuado, de alegação e prova relativo à recepção, pela Recorrente, de aviso para levantar dos correios a carta em questão.

É que, importa ter presente, “A parte que pretenda instaurar o litígio no tribunal arbitral deve notificar desse facto a parte contrária”, vd. art.º 11º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto.
Sendo a notificação feita por carta registada com aviso de recepção, vd. n.º 2, do mesmo art.º.
E na ausência de acordo “quanto aos termos em que a arbitragem deverá decorrer…no prazo de 30 dias de calendário contados da notificação da parte que pretenda instaurar o litígio no Tribunal Arbitral, poderá qualquer uma delas submeter o mesmo ao Tribunal Judicial competente.”, cfr. n.º 5, da citada cláusula 13ª.
Vindo tal ausência de acordo, legitimadora do recurso à via judicial, configurada pela A., na referida circunstância da, comprovada, devolução da carta convocatória respectiva, por “não reclamada”.
Sendo essa perspectiva acolhida na sentença recorrida.
 
6. É certo tratar-se – o específico ponto da (não) recepção, pela Recorrente, de aviso para levantar dos correios a dita carta-convocatória – de questão nova, posto que não suscitada oportunamente perante o Tribunal de primeira instância, não tendo assim sido objecto da decisão impugnada.
E no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.[6]
São meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre[7].
Deles se dizendo, por isso, que são recursos de revisão ou reponderação.
Não sendo, assim, admissível, a invocação de factos novos, nas alegações de recurso,[8] sem prejuízo das hipóteses, de que nenhuma aqui se configura, de factos novos de conhecimento oficioso e funcional bem como dos factos notórios, vd. art.º514º do Cód. Proc. Civil.
Porém, desde que se conclua recair sobre a A. o ónus da prova da impossibilidade/não obtenção de acordo quanto aos termos em que a arbitragem deverá decorrer, à mesma caberá demonstrar os factos de que decorra a eficácia da declaração de vontade relativa ao funcionamento do tribunal arbitral, no confronto da Recorrente, que assim, pela sua atitude, teria obstado à formação de tal acordo.
E, logo – a entender-se que a entrega à Recorrente de aviso para levantamento da carta de notificação respectiva, integra o elenco dos tais factos condicionadores da eficácia da notificação “devolvida”, à A. caberá a prova da dita entrega.

7. Que sobre a A. recai o alvitrado ónus de prova relativo à impossibilidade de acordo, é ponto incontornável, na circunstância de se tratar, aquela, prevista no n.º 5 da cláusula 13ª dos contratos em causa, de excepção à excepção de preterição de tribunal arbitral, cfr. art.º 493º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
 
E nem pelo facto de a 1ª instância ter respondido negativamente à questão de saber se “A autora não…notificou…” a ré S “para os termos do Tribunal Arbitral” (vd. resposta restritiva ao art.º 10º da base instrutória) – não tendo a decisão quanto à matéria de facto sido impugnada – resultaria arredada a possibilidade de agora se dever concluir, quando fosse esse o caso, pela relevante ausência de alegação e prova da entrega do dito aviso para levantamento da carta respectiva.
Pois o não provado de “quesito negativo” não significa, mais do que isso mesmo, que se tenha demonstrado o facto contrário…cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-01-1991 e da Relação de Coimbra, de 06-11-1990.[9] 
E, assim, o não provado de tal falta de notificação – alegada pela Ré – não prejudica a verificação da não actuação do ónus de prova da efectividade da mesma notificação, que vimos já recair sobre a A.

8. Ora, nos termos do art.º 224º, n.º1, do Código Civil “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida;”.
E, de acordo com o disposto no n.º 2 do mesmo art.º é também considerada eficaz a declaração negocial – e assim, no caso em apreço, a declaração da intenção de instaurar o litígio no tribunal arbitral – “que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”.
A doutrina da recepção, acolhida na lei, surge deste modo temperada pela teoria do conhecimento, no caso do n.º 1, e pela teoria da expedição, no caso do n.º 2, do referido art.º.[10]

Consignou-se, na matéria de facto considerada assente – vd. supra – que ambas as cartas enviadas pela A. a Ré S, sob registo e com A/R – relativamente a ambos os contratos de empreitada – para notificação “de que é nossa intenção instaurar a acção arbitral competente”, foram devolvidas com a indicação de “Não reclamada”.
Nenhuma outra anotação, relativa à não entrega de tais missivas ao destinatário, constando daquelas, para além da referência manuscrita, no verso do envelope da carta relativa à empreitada de Monte Gordo, de que o destinatário “Não atendeu às 11: (???)…” do dia “11/09/002”.

Ora, convenhamos, não se reúnem assim os elementos bastantes para, mesmo no tocante à missiva relativa à sobredita empreitada, se poder concluir pela culpa exclusiva da Ré destinatária, quanto ao não recebimento daquela, nem, logo, pela efectividade da sua notificação para os termos do tribunal arbitral.
Com prejuízo, deste modo, da integração da excepção arguida pela A.…à excepção de preterição do tribunal arbitral.

Uma tal culpa como assinalam P. Lima e A. Varela, em anotação ao citado art.º 224º, n.º 2, ocorrerá no caso “…por ex., de este (declaratário) se ausentar para parte incerta ou de se recusar a receber a carta, ou de não a ir levantar à posta-restante como o fazia habitualmente”.[11]
E configurar-se-ia, no caso em apreço, se, por exemplo, o carteiro tivesse avisado a Recorrente de que tinha uma carta registada para levantar, ou, com maior evidência, se esta se tivesse recusado expressamente a recebê-la.

Com efeito, normalmente, quando o destinatário duma carta registada com A/R não se encontra no seu domicílio para a receber, é deixado um aviso para poder ser levantada na respectiva estação dos correios. Nestes casos, se essa carta não for levantada será devolvida ao remetente com a indicação de que não foi reclamada. Então, em princípio, deverá considerar-se que somente não foi recebida por culpa do destinatário.[12]

Não é, todavia, este o caso, ou melhor, não está provado que seja este o caso.

É certo constar dos envelopes devolvidos que a carta “não foi reclamada”, mas não existe qualquer prova de que a Recorrente tenha sido avisada; embora também não haja prova em sentido contrário.
Sendo normal, e regulamentar, que o carteiro deixe aviso, tal poderá não ter acontecido no caso concreto, por uma qualquer razão.
Bastando considerar, v.g., que nos grandes centros urbanos – como a cidade de Lisboa, onde se situa a sede da Recorrente, para onde foram endereçadas as missivas respectivas – por simples lapso, o aviso pode ser deixado na caixa do correio do vizinho, o que, por vezes, acontece, como é do conhecimento comum.

Sempre teremos pois de admitir que a carta não foi deixada em termos de poder ser recebida pela destinatária. Não temos nenhuma prova nesse sentido. O simples facto de constar do envelope que a carta não foi reclamada não faz prova de que a Recorrente teve ou podia ter conhecimento de que a mesma se encontrou à sua disposição.
Também a circunstância de, numa ocasião, e relativamente a uma das missivas, a Recorrente não ter atendido a chamamento do carteiro, não implica que a mesma pudesse, nessa mesma ocasião, tê-lo feito.
Dependendo dos horários de funcionamento e da disponibilidade de pessoal para atendimento, naquele momento.
Nada nos garantindo que o tal aviso para levantamento de correspondência foi colocado à sua disposição.
Nem resultando da comprovada não reclamação das cartas, uma qualquer presunção no sentido da disponibilização do dito aviso.
Não estamos perante nenhum caso de inversão do ónus da prova, e não há nada que nos permita concluir ser suficiente o envio da carta para a morada constante do contrato.

Não colhendo assim a consideração, na sentença recorrida de que “a devolução de tal carta ao remetente não obsta à produção dos efeitos pretendidos com tal envio de correspondência, dado que a carta em questão foi remetida para a morada conhecida pela autora, não tendo sido culposamente recebida pela referida ré, que não a fez levantar na estação de correios da área do seu domicílio”.

A verdade, reitera-se, é que, salvo o devido respeito, não existe prova nos autos de que as cartas – e não apenas uma, relativa à empreitada de Monte Gordo, como em manifesto lapso se considerou na sentença recorrida que, em coerência, deveria então ter absolvido também a Ré S, no tocante ao pedido relativo à empreitada da Av.ª  (facturas n.º 51800025, de 2000/08/31 e n.º 51800026, de 2000/08/31) – só não foram recebidas por culpa da embargante.

Não há qualquer dúvida de que a carta foi devolvida à A. por não ter sido recepcionada nem reclamada pela embargante.
Competia então àquela provar que a carta só não foi recebida pelo destinatário por sua culpa.

Não tendo a A. actuado um tal ónus de prova, subsiste a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, oportunamente arguida pela Recorrente.
Implicando a absolvição da instância também quanto à Ré S, vd. art.ºs 88º, n.º 1, al. e), 493º, n.ºs 1 e 2, e 494º, al. j), do Código de Processo Civil.
*
Procedendo assim as correspondentes conclusões da Recorrente.

9. O dest’arte alcançado, prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas pela Recorrente, quais sejam o valor do seu silêncio, perante a notificação para os termos do tribunal arbitral, e se absolvição da instância da Ré L., por preterição de tribunal arbitral, implica também a absolvição da Ré/ S.

III- Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente,---------------
 e revogam a sentença recorrida, na parte em que julgando improcedente, quanto à ré S, a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, condenou a mesma Ré a pagar à autora a quantia de € 37.349,05, acrescida de juros de mora,------------------------
indo também aquela Ré absolvida da instância.
Custas, em ambas as instâncias, pela A./Recorrente.

Lisboa, 2007-09-27

(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Neto Neves)
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[1] Processo n.º 99A1015, em www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[2] In “A Arbitragem Voluntária em Portugal”, “O Direito”, pág. 555.
[3] “Convenção de Arbitragem”, in ROA, n.º 46, pág. 301.
[4] Vd. Lopes dos Reis, “Questões de arbitragem Ad-Hoc II”, ROA, n.º 59, pág. 292, e o Acórdão da Relação do Porto, de 23-03-2004, proc. 0326177, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.           
5 Neste sentido, aparentemente, o Acórdão desta Relação, de 01-10-92, proc. n.º 0044746, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf, em cujo sumário ler-se pode: “Deduzindo o Réu na sua contestação as excepções de prescrição e de preterição de tribunal arbitral com base num contrato que diz ter celebrado com o Autor, incumbe àqueles nos termos do n. 2 do artigo 342 do Código Civil, fazer a prova de celebração desse mesmo contrato.”.           
[6] Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, LEX, 1997, pág. 395.
[7] Vd. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-02-1999, proc. n.º 98A1277 e de  11-04-2000, proc. n.º 99P312, in www.dgsi.pt/jstj.nsf; e desta Relação, de 08-02-2000, proc. n.º 0076737, e de 12-12-2002, proc. n.º 0054782, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf
[8] Assim, Teixeira de Sousa, op. cit. págs. 395 e 454;  Armindo Ribeiro Mendes, in Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto, LEX, 1998, pág. 52; e João de Castro Mendes, in Direito Processual Civil (Recursos), Ed. da AAFDL, 1972, págs. 23-24.
[9] In AJ, 15º/16-º20, e BMJ, 401º, 653, respectivamente.
[10] Cfr. Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, pág. 290, 291.
[11] In Código Civil, Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1982, pág. 213.
[12] Neste sentido, o acórdão desta Relação, de 09-05-2006, proc. 1979/2006-7, in www.dgsi. pt/jtrl.nsf.