Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
106/22.5T8MTA.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: UNIÃO DE FACTO
CESSAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O nosso ordenamento jurídico não regula ou prevê qualquer regime de bens aplicável à união de facto, o que determina um adensar da problemática, a nível patrimonial, quanto esta tem o seu epílogo, no que concerne aos efeitos patrimoniais da sua dissolução ;
II - na resolução de tal problemática, e à míngua de um regime específico e regulado, a jurisprudência tem vindo a ser chamada no sentido de encontrar soluções e alternativas de resolução, recorrendo, fundamentalmente a mecanismos de direito comum, entre os quais o regime das sociedades de facto (num período inicial) e o regime do enriquecimento sem causa ;
III - um dos requisitos do instituto do enriquecimento sem causa traduz-se na falta ou ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada, seja porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, esta se tenha extinguido ou perdido ;
IV - cessada a união de facto, cada um dos sujeitos da relação tem direito a participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum, podendo esta liquidação ser efectuada com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa ;
V - no âmbito de tal instituto pode configurar-se uma obrigação de restituição na situação em que o membro da união de facto, concreto titular do direito de propriedade de bens móveis ou imóveis adquiridos na constância da união de facto (e cujo preço até pode ter sido suportado, na íntegra, à custa do seu património), beneficiou, em considerável medida, do esforço/colaboração/participação do demais membro agindo em prol da vida comum (por exemplo, por via do trabalho doméstico, prestação de cuidados na educação e criação dos filhos comuns, etc..), o que lhe proporcionou, desta forma, poupanças significativas que permitiram aquelas aquisições, bem como facilitando/incrementando a sua carreira profissional, eventualmente conducente a um auferir de réditos que, de outra forma, não lograria alcançar naquela temporalidade ;
VI - a dissolução ou cessação da união de facto traduz a ocorrência ou circunstância que consubstancia a perda da causa para a deslocação patrimonial, assim fundamentando a restituição (o nº. 2, do artº. 473º, do Cód. Civil, no segmento causa que deixou de existir) ;
VII - ou seja, demonstrada a existência de uma situação de transferência ou vantagem patrimonial para um dos membros da união de facto, à custa do demais e sem causa jurídica justificativa para tal deslocação patrimonial, pois, tendo-se constituído tal causa (a relação de união), deixou de existir (com a cessão ou dissolução da união), estamos perante uma subsequente ausência de causa justificativa do invocado enriquecimento ;
VIII - situação em que o membro da união que tenha contribuído para o incremento patrimonial do demais, e ainda que não figure no título aquisitivo como proprietário, sempre poderá reclamar a restituição da respectiva contribuição, por si investida, na exacta medida do enriquecimento sem causa do demais membro ;
IX - isto é, a transferência patrimonial tem de carecer de causa jurídica justificativa tutelada pelo direito, ou seja, o Autor reclamante tem que provar que se deu um enriquecimento do Réu através do seu empobrecimento, sem cobertura jurídica que a sustente, o qual se pode traduzir num aumento do activo patrimonial, numa diminuição do passivo ou numa poupança proporcionada ao Réu ;
X – exigindo-se, assim, ao Autor a demonstração de que se criou um património pelo esforço conjunto de ambos e que cumpre, pois, de alguma forma, partilhar, no intuito de impedir o enriquecimento de um à custa do outro ;
XI - efectivamente, apenas se coloca a questão do direito ao enriquecimento sem causa quando, no âmbito de uma união de facto, existem bens adquiridos com a participação de ambos os membros ;
XII - prima facie, não devem ser consideradas como situações susceptíveis de traduzirem enriquecimento/empobrecimento no âmbito da união de facto as despesas realizadas pelos membros destinadas a satisfazer as necessidades da vida em comum, nem as tarefas domésticas realizadas em sede da vida doméstica por um dos membros daquela relação, pois, na constância da união de facto, tais prestações, ainda que com conteúdo patrimonial, realizadas de forma espontânea, destinam-se à satisfação das necessidades da vida em comum, devendo presumir-se efectuadas em cumprimento de uma obrigação natural de alimentos ;
XIII - donde, em regra, o autor da prestação não poderá exigir ao demais membro convivente a restituição do que prestou naquele contexto (o artº. 403º, do Cód. Civil) ;
XIV - desta forma, e por princípio, os serviços domésticos prestados pelos membros da união de facto, bem como a efectivação das tarefas realizadas com os cuidados e educação dos filhos do casal, mais não constituem do que o cumprimento de uma obrigação natural, nomeadamente a de contribuir para a comunhão de vida (comunhão de mesa, cama e habitação) e para a economia comum dos unidos, baseada na entreajuda ou partilha de recursos e, como tal, não judicialmente exigível ;
XV - todavia, a validade deste princípio depende da circunstância da lide doméstica da casa onde ambos vivem e a educação dos filhos ser repartida pelos dois parceiros da união de facto em proporções relativamente equilibradas, sendo que tal não sucede quando essas funções são assumidas exclusivamente ou sobretudo por um deles, verificando-se um manifesto desequilíbrio na repartição dessas tarefas ;
XVI - efectivamente, nestas situações de evidente e claro desequilíbrio, torna-se impossível considerar que quer o trabalho doméstico, quer o acompanhamento, cuidados e educação transmitidos aos filhos correspondam, com efectividade, a uma obrigação natural e cumprimento de um dever, antes se devendo concluir pela existência duma causa para o enriquecimento de um dos membros, resultante da desproporção na repartição de tarefas ;
XVII - desta forma, não se fundando o enriquecimento de um dos membros da união, decorrente da realização desproporcionada daquelas tarefas pelo demais convivente, numa causa legítima, em virtude de não corresponder ao cumprimento duma obrigação natural, tal encargo deverá ser contabilizado na liquidação patrimonial decorrente da cessação da relação de união de facto, pois aquelas contribuições também terão permitido ao outro membro convivente, na constância da união de facto, um acréscimo patrimonial, sendo que cessou a causa (causa finita) que o motivou, ou seja, a existência da união de facto.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
           
I – RELATÓRIO
1 A…………….., residente na Avenida ………………, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra P………………., residente na Rua …………………, deduzindo o seguinte petitório:
- condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 20.000,00 € (vinte mil euros), correspondente a metade da diferença que o mesmo logrou obter com a venda do imóvel que adquiriu na pendência da união de facto, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, computados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte:
- contribuiu, com o seu trabalho doméstico e com o pagamento de outras despesas normais e correntes, para o pagamento das prestações do crédito bancário que o Réu contraiu para comprar aquele imóvel ;
- depois de se ter separado da Autora, o Réu vendeu tal fracção, tendo liquidado completamente o valor do empréstimo ao banco ;
- ficando para si com uma vantagem patrimonial, decorrente do valor que recebeu das mais-valias na venda daquela, de 40.000,00 € ;
- pelo que tem direito a metade dessas mais-valias da venda da referida fracção. 
2 – Regularmente citado, o Réu veio apresentar contestação, por excepção e impugnação, alegando, em súmula, o seguinte:
- também ele tratava das lides domésticas, cuidava das crianças e suportava os mais variados encargos domésticos ;
- incluindo as prestações do(s) crédito(s) à habitação que contraiu para compra do imóvel em discussão nos autos ;
- os contributos da Autora fundam-se num mero dever de ordem moral ou social, pelo que não são restituíveis ;
- nega que as mais-valias conseguidas atinjam os € 40.000,00 referenciados pela Autora, até porque haverá que deduzir, entre outras, as quantias liquidadas por conta dos dois empréstimos que contraiu, o financiamento que pediu à sua mãe para regularização dos montantes em dívida, as quotizações vencidas e não pagas ao condomínio e a comissão da agência imobiliária ;
- por outro lado, a subida do valor de mercado do imóvel nada ter a ver com qualquer contribuição da Autora.
Conclui, no sentido da sua total absolvição do pedido.
3 – Por despacho de 16/09/2022, foi a Autora convidada a apresentar petição inicial aperfeiçoada, o que veio concretizar em 20/10/2022 – cf., fls. 50 a 52 -, vindo o Réu exercer o
4 – Conforme despacho de 09/11/2022 – cf., fls. 57 e 58 - foi:
- dispensada a realização da audiência prévia ;
- proferido saneador stricto sensu ;
- fixado o valor da causa ;
- delimitado o objecto do litígio - Do direito da Autora à restituição, na proporção de metade e por via de enriquecimento sem causa, do valor da mais-valia patrimonial alcançada pelo Réu com a venda do imóvel por si adquirido durante a união de facto das partes, por virtude de ter suportado o pagamento das despesas com alimentação do agregado familiar e ter cuidado das lides domésticas, fazendo compras para a casa, confecionando as refeições, tratando da roupa, limpando a habitação e cuidando da filha de ambos e da filha do Réu, fruto de um relacionamento anterior do mesmo ;
- fixados os temas da prova:
a) Da comunhão de vida entre Autora e Réu e sua contextualização em termos temporais;
b) Da aquisição e subsequente venda do imóvel melhor identificado nos autos pelo Réu, datas e valores respetivos;
c) Do(s) empréstimo(s) bancário(s) contraído(s) pelo Réu para aquisição do sobredito imóvel;
d) Dos rendimentos diretamente auferidos pela Autora durante a sua vivência em comum com o Réu, respetivo enquadramento temporal, quantum e medida da sua contribuição para a economia comum do casal;
e) Do trabalho prestado pela Autora no desempenho de tarefas domésticas enquanto durou a comunhão de vida com o Réu;
f) Da ausência de causa justificativa para as prestações da Autora referenciadas em d) e e);
g) Em que medida é que os rendimentos da Autora e o trabalho por si prestado contribuíram para a mais-valia patrimonial obtida pelo Réu com a venda do imóvel;
h) Se o Réu também contribuiu para o desempenho de tarefas domésticas e, na afirmativa, em que termos;
i) Das amortizações do(s) empréstimo(s) bancário(s) pelo Réu;
j) Da dívida contraída pelo Réu junto da sua mãe para regularização da situação de incumprimento das obrigações resultantes do(s) crédito(s) bancário(s) referidos em c);
k) Dos impostos e quotas do condomínio devidos pelo Réu;
l) Dos custos suportados pelo Réu com a venda do imóvel;
m) Dos bens que compunham o recheio do referido imóvel e que a Autora levou consigo no término da sua relação com o Réu. ;
- apreciados os requerimentos probatórios ;
- designada data para a realização da audiência de julgamento.
5 – Tal audiência veio a realizar-se, em 2 sessões de julgamento, conforme actas de fls. 74 a 79, 96 e 97, com observância do legal formalismo.
6 – Posteriormente, foi proferida sentença – cf., fls. 98 a 109 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
V - DISPOSITIVO
Pelos expostos fundamentos de facto e de Direito, decide o Tribunal julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência:
a) absolver o Réu do peticionado;
b) condenar a Autora nas custas da ação, por ser parte vencida (cfr. art. 527.º do Cód. de Processo Civil).
Notifique e registe”.
7 - Inconformada com o decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, por referência à sentença prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem, na íntegra, consignando-se inexistir o ponto X):
I - A recorrente viveu em união de facto com o recorrido mais de oito anos.
II - Dessa relação nasceu na Alemanha uma filha no mês de Dezembro do ano de 2014.
III - No mês de Janeiro/Fevereiro do ano de 2016, recorrente e recorrido regressaram a Portugal.
IV - No mês de Março do ano de 2016, o recorrido comprou a fracção letra "G", correspondente ao 2° andar direito do prédio urbano sito na Rua …………………, sendo a casa de morada do agregado familiar composto pelo casal, a filha de ambos e uma filha só do recorrido de um anterior relacionamento.
V - Para aquisição da fracção o recorrido contraiu dois empréstimos bancários junto do BPI, no valor de € 89.000,00 e € 5.000,00, para um total de 94.000,00.
VI - O pagamento dos empréstimos ao BPI era feito em 528 prestações mensais e sucessivas, no valor de e 300,00 cada, vencendo-se a primeira no dia 5.04.2016.
VII - A recorrente quando regressou a Portugal não conseguiu logo arranjar emprego, motivo que levou o recorrido a não liquidar tempestivamente as prestações ao BPI, acumulando uma dívida de cerca de € 2.000,00.
VIII - Quando a recorrente começou a trabalhar e fê-lo ininterruptamente o recorrido cumpriu sempre com o pagamento das prestações, sendo o dinheiro recebido pela recorrente, gasto na alimentação e creche e jardim-de-infância da filha, partilhavam mensalmente as despesas do agregado familiar.
IX - A recorrente também fazia o trabalho doméstico da casa, confeccionava as refeições, fazia a limpeza da casa, passava a ferro, tratava das roupas....
XI - O recorrido no mês de Setembro do ano de 2020, vendeu a fracção, melhor identificada no ponto IV das conclusões, pelo valor de 133.000,00, iêndo liquidado desse valor para todas as despesas bancárias, condomínio, pedido a mãe e imobiliária o montante de € 100.607,02.
XII - Resulta, assim, um saldo positivo entre a compra da fracção e a sua venda de 32.392,98, a favor do recorrido.
XIII - Tendo a recorrente vivido durante mais de oito anos com o recorrido, tendo contribuído com o seu trabalho quer por conta de outrem, cujos rendimentos serviram para comprar os alimentos e pagar a despesa da creche e jardim-de-infância da filha de ambos, tem o direito a receber metade do valor do lucro apurado, ou seja, 16.196,49, que peticionou através do instituto do enriquecimento sem causa, artigo 473°.do Código Civil.
XIV - O Tribunal "a quo" no seu dispositivo ao julgar totalmente improcedente a acção e absolver o recorrido do pedido, violou claramente o normativo do artigo 473°, do Código Civil e permitiu que o recorrido possa enriquecer no montante de 32.392,98, à custa do esforço da recorrente quer pelo seu trabalho por conta de outrem quer pelo trabalho doméstico que realizou a favor do agregado familiar composto pelo casal, uma filha comum e uma filha só do recorrido de um anterior relacionamento.
XV - A recorrente tem esperança que o Tribunal Superior, possa fazer-lhe justiça e condene o recorrido a pagar-lhe o valor de metade do lucro recebido nos negócios da compra e venda da fracção, ou seja, atribuir-lhe a quantia de € 16.196,49.
Conclui, no sentido de provimento do recurso, com consequente revogação da sentença, devendo o Recorrido ser condenado a pagar-lhe a quantia de 16.196,49 € (dezasseis mil cento e noventa e seis euros e quarenta e nove cêntimos).
8 – O Apelado/Recorrido não apresentou contra-alegações.
9 – O recurso foi admitido por despacho de fls. 117, datado de 16/05/2023, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
10 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1. DA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA.
Nomeadamente a aferição das seguintes matérias:
1.1 Da violação do disposto no artº. 473º, nºs. 1 e 2, do Cód. Civil, e do conferir ao Réu um enriquecimento sem causa ;
1.2 Após dedução de várias despesas ao valor de alienação do imóvel (133.000,00 (-) 100.607,02), da pretensão de condenação do Réu no pagamento da quantia de 16.196,49 € (correspondente a ½ daquela diferença de 32.392,98 €).
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte (consta a rectificação de alguns lapsos de redacção):
1. Autora e Réu mantiveram uma relação amorosa desde dezembro de 2011, passando a viver juntos, dormindo e tomando refeições sob o mesmo teto, entre os meses de janeiro e fevereiro de 2012 até ao mês de julho de 2020, altura em que o seu relacionamento terminou.
2. Nesse período, Autora e Réu estiveram separados entre agosto e dezembro de 2013.
3. Em janeiro de 2014, a Autora foi viver com o Réu para a Alemanha.
4. Da relação entre ambos nasceu a filha de ambos N……………. no dia 27.12.2014.
5. Durante a sua estadia na Alemanha, a Autora começou a trabalhar para o Burguer King, entrando pouco tempo depois de baixa médica por ter engravidado.
6. A Autora não voltou a trabalhar durante a sua estadia na Alemanha.
7. Durante a estadia na Alemanha, Autora e Réu não adquiriram qualquer tipo de património, a não ser os bens necessários para a sua vida diária.
8. Em data não concretamente apurada, mas situada entre os meses de janeiro e fevereiro de 2016, Autora e Réu regressaram a Portugal.
9. Por título compra e venda e mútuo com hipoteca, outorgado no dia 17.03.2016, na Conservatória do registo Predial e Comercial da Moita, o Réu declarou comprar a YY … e ZZ … que declararam vender-lhe, pelo preço de € 89.000,00, a fração autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao segundo andar direito, do prédio urbano sito na ……………………….., descrito na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o n.º …………… e inscrito na matriz predial da união de freguesias de Barreiro e Lavradio sob o artigo …………..
10. Para aquisição desse imóvel, o Réu contraiu um empréstimo bancário junto do Banco BPI, no montante de € 89.000,00, que se obrigou a reembolsar no prazo de 528 meses, mais declarando constituir, para garantia deste empréstimo e a favor daquele banco, hipoteca sobre o mesmo imóvel.
11. Por título de mútuo com hipoteca, outorgado no dia 17.03.2016, o Banco BPI declarou conceder ao Réu “um empréstimo para fins múltiplos, no montante de cinco mil euros”, de que se confessou devedor e se obrigou a reembolsar no prazo de 528 meses, com início em 05.04.2016, mais declarando constituir, para garantia deste empréstimo e a favor daquele banco, hipoteca sobre o mesmo imóvel.
12. Aquando da aquisição referenciada em 9), o agregado familiar das partes era composto pelos próprios, pela filha de ambos e por M…………………, fruto de anterior relacionamento do Réu.
13. Depois de regressar a Portugal, a Autora esteve sem trabalhar durante cerca de um ano.
14. Em meados de 2017, a Autora começou a trabalhar numa Olaria, no Barreiro, onde permaneceu durante seis meses e auferia o salário mínimo nacional.
15. No mesmo ano, a Autora começou a trabalhar para a SMP – …, onde permaneceu durante um ano e auferia cerca de € 1.000,00 líquidos.
16. Entre 2019 e 2020, a Autora trabalhou na “…”, Raríssimas, onde auferia cerca de € 1100,00 mensais.
17. A Autora prestava o trabalho referido em 14) ora de dia, ora de noite.
18. A Autora prestava o trabalho referido em 15) por turnos rotativos, entre as 06h00 e as 14h00; entre as 14h00 e as 23h00, e entre as 23h00 e as 06h00.
19. A Autora prestava o trabalho referido em 16) por turnos rotativos, entre as 08h00 e as 16h00, entre as 16h00 e as 23h00, e entre as 23h00 e as 08h00.
20. Autora e Réu nunca tiveram contas bancárias conjuntas em Portugal.
21. Era o Réu que procedia ao pagamento das prestações mensais atinentes aos empréstimos referenciados em 10) e 11), cujo valor rondava os € 300,00.
22. Após a aquisição do imóvel em 9), era o Réu que suportava o pagamento das despesas com água, luz, gás e telecomunicações.
23. O rendimento do trabalho da Autora era utilizado para custear as despesas com a alimentação do agregado familiar.
24. O Réu também suportava as despesas com a alimentação do agregado familiar.
25. Em 2017, a filha do casal ingressou na creche, passando depois para o jardim de infância.
26. A mensalidade da creche, com transporte incluído, ascendia, no primeiro ano, a € 340,00 e, nos anos subsequentes, a € 290,00.
27. Era a Autora que suportava o pagamento das despesas com a mensalidade da creche e do jardim de infância.
28. Autora e Réu não tinham mulher-a-dias para tratar da casa.
29. Após o nascimento da filha do casal, a Autora comprava os alimentos, confecionava as refeições, limpava a casa, passava a ferro e tratava das roupas do agregado familiar, cuidando, ainda, da filha do Réu M……………….
30. Apesar de trabalhar por turnos, o Réu sempre ajudou em casa, cozinhando, limpando e tratando da filha do casal.
31. Em 2017, o Réu deixou de pagar ao banco as prestações mensais dos créditos à habitação, gerando uma dívida não inferior a € 2.000,00.
32. A regularização dos valores em dívida para com o banco foi paga pelo Réu com a recurso à ajuda monetária que pediu à sua mãe.
33. Por documento particular, com termo de autenticação outorgado em 29.06.2020, o Réu declarou-se devedor do Condomínio do Prédio sito na Rua ……………………, pela quantia de € 1.485,82, comprometendo-se a regularizar este valor mediante o pagamento de prestações mensais, no valor de € 30,00, até seu integral pagamento.
34. Por escritura pública denominada de "COMPRA E VENDA", outorgada em 25.09.2020, no Cartório Notarial de AB, o Réu declarou vender a XX …que declarou comprar, o prédio urbano melhor identificado em 9), pelo preço de € 133.000,00.
35. O produto da venda do imóvel foi utilizado na liquidação dos empréstimos bancários referenciados em 10) e 11), cujos valores ascendiam, em 25.09.2020, a € 84.193,75 e a € 4.729,95, respetivamente.
36. O preço acordado em 34) resultou de uma valorização substancial do mercado do imobiliário nos últimos anos.
37. A diferença entre o valor de compra e o valor de venda foi utilizada pelo Réu para liquidar a comissão à agência imobiliária, no valor de € 8.179,50.
38. Aquando da separação, a Autora levou consigo a mobília da sala de estar (à exceção de uma TV e de um candeeiro), a mobília do quarto da filha do casal, frigorífico, máquina de lavar a roupa, os cortinados da casa, louça e talheres de cozinha, trem de cozinha, atoalhados e roupa de cama. -----------------
Na mesma sentença, foram considerados NÃO PROVADOS os seguintes factos (consta a rectificação de alguns lapsos de redacção):
a) Antes de 2014, Autora e Réu mantiveram uma relação sentimental intermitente, com separações e reconciliações várias e frequentes;
b) A filha do casal ingressou na creche em setembro de 2016.
c) Era o Réu que suportava o pagamento das despesas com a mensalidade da creche e depois do jardim de infância.
d) Entre as datas referidas em 9) e 34) não foram amortizados quaisquer valores à dívida contraída.
e) Parte da diferença entre os valores referidos em 9) e 34) foi utilizada pelo Réu para liquidar a dívida à mãe.
f) Parte da diferença entre os valores referidos em 9) e 34) foi utilizada pelo Réu para liquidar impostos.
g) Não foram realizados quaisquer trabalhos no imóvel.
h) Aquando da separação, a Autora levou consigo o carro que adquiriu na pendência da relação, os objetos de decoração que adquiriu, a mobília do hall de entrada, estante, prateleiras, suporte de TV e candeeiros do quarto do casal, armário, prateleiras e suportes do quarto de banho, micro-ondas, TV e todos os pequenos eletrodomésticos da cozinha.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
Delimitemos os contornos do litígio.
No articulado inicial, invoca a Autora ter vivido em união de facto com o Réu durante quase 9 anos, período durante o qual contribuíram ambos para a economia do casal, mediante mútuo auxílio.
Acrescenta que tendo o Réu, durante tal período, adquirido uma fracção habitacional, e tendo a Autora contribuído com o seu trabalho, quer por conta de outrem, quer doméstico, para o pagamento das prestações de amortização do crédito ao Banco na compra daquela fracção, tem direito a metade das mais-valias realizadas pelo Réu na venda de tal fracção, o que ocorreu entretanto.
Pelo que, tendo o Réu obtido mais-valias na venda de tal fracção no valor de 40.000,00 €, reclama o pagamento da quantia de 20.000,00 €, acrescida de juros moratórios, computados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Contestando a pretensão accional, alegou o Réu que durante o período de vivência em comum a Autora apenas trabalhou, de forma intermitente, durante dois anos, fazendo seus os vencimentos e adquirindo objectos e imóveis que levou consigo aquando do fim da união de facto, negando assim que esta separação lhe tivesse causado qualquer empobrecimento.
No que concerne a eventuais contribuições financeiras da Autora na aquisição de bens alimentares, tal constitui o cumprimento de uma obrigação natural de alimentos, não se gerando, assim, um qualquer direito a ser ressarcida.
Relativamente à valorização do trabalho doméstico prestado pela Autora, aduz que o próprio sempre ajudou nas tarefas domésticas e nos cuidados com a filha, não obstante trabalhar por turnos, pelo que também aqui inexiste qualquer empobrecimento/enriquecimento de qualquer das partes.
Aduz, ainda, no que se refere à valorização do imóvel, que permitiu a sua venda por preço superior ao da sua aquisição, não se dever tal a qualquer causa que tivesse empobrecido a Autora, nomeadamente investimento em benfeitorias ou amortecimento do empréstimo com recurso ao fruto do seu trabalho ou à redução de despesas que possa ter proporcionado ao Réu, mas antes, e tão-só, à valorização do mercado imobiliário ocorrida nos últimos anos.
Pelo que deverá improceder a pretensão condenatória apresentada.
Na sentença apelada ajuizou-se, basicamente, nos seguintes termos:
- o objecto do litígio consiste na determinação do direito da Autora à restituição, na proporção de metade, do valor da mais-valia patrimonial alcançada pelo Réu com a venda do imóvel por si adquirido durante a união de facto, por via de enriquecimento sem causa e com a cessação da relação que os unia ;
- subjacente à pretensão da Autora está o facto de, enquanto durou a relação entre ambos, ter contribuído para o pagamento das prestações do crédito bancário com o seu trabalho doméstico e com o pagamento de outras despesas do agregado familiar ;
- donde, entende assistir-lhe o direito ao pagamento de metade do lucro que o Réu obteve com a venda do imóvel, após liquidação do crédito bancário ;
- cessada a união de facto, é frequente o surgimento de problemas relacionados com a liquidação do património adquirido com o esforço comum dos seus membros, e a restituição das atribuições patrimoniais feitas, na pendência dessa união, por um deles ao outro ;
- neste mecanismo, recorre-se ao regime geral das relações obrigacionais e reais ;
- o membro da união de facto que se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição participou (mas em cujo título não figure), pode recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa, na modalidade de causa finita, ou seja, por virtude de uma causa que deixou de existir ;
- resulta que a aquisição do imóvel não contou com a contribuição directa, ou indirecta, da Autora, sendo, ainda, a mesma totalmente alheia ao aumento do seu valor comercial ;
- pelo que as contribuições materiais e patrimoniais em causa são as realizadas pela Autora no período compreendido entre a outorga da escritura de aquisição pelo Réu e a rotura da relação que os unia ;
- contrariamente ao que sucede no casamento, entre os membros da união de facto não existem deveres de cooperação e de assistência recíprocos ;
- pelo que, tudo o que seja prestado pelos seus membros, durante a pendência e em virtude dessa comunhão de vida, sob a forma de labor por eles desenvolvido ou com rendimentos do seu trabalho, configuram-se como prestações realizadas livre e espontaneamente (o artº. 403º, do Cód. Civil) ;K
- trata-se do cumprimento espontâneo de obrigação natural, não sendo, por isso, restituível ;
- e isto, mesmo que exista diferença entre os valores suportados por cada um deles, pois os valores dos respectivos contributos não poderão deixar de ser apreciados, segundo um critério de razoabilidade, em função das possibilidades de cada um ;
- e, só assim não será quando tais prestações sejam realizadas, exclusivamente ou predominantemente, por um deles ;
- caso em que, por exigências de igualdade, deixa de ser possível enquadrá-las no âmbito do cumprimento de uma obrigação natural ;
- sendo muito difícil, ou mesmo impossível, apurar a medida da exacta contribuição de cada um, urge apreciar a globalidade dos seus contributos no conjunto das relações mantidas entre si ;
- no caso concreto, atenta a factualidade provada, não pode concluir-se que era a Autora quem suportava a totalidade, ou mesmo grande parte, das despesas correntes com a casa e alimentação, antes resultando uma repartição equitativa das despesas correntes ;
- é, como tal, irrestituível à luz do enriquecimento sem causa, em virtude de traduzir o cumprimento de uma obrigação natural ;
- relativamente à realização das tarefas domésticas e aos cuidados dedicados pela Autora à filha de ambos e à filha do Réu, resultam verificadas circunstâncias que evidenciam uma participação praticamente igualitária na vida familiar e para a economia comum, seja ao nível das tarefas domésticas, seja com os cuidados e educação das crianças ou, ainda, com o produto do trabalho de cada um ;
- inexistindo um manifesto desequilíbrio entre as contribuições de ambos, não é possível descortinar a existência de um enriquecimento do Réu à custa da Autora ;
-  o que determina juízo de prejudicialidade no conhecimento das questões relacionadas com: a) a ausência de causa justificativa ; e b) a medida da obrigação de restituir ;
- ademais, realce-se que a Autora não reclama o pagamento de metade do valor das prestações pagas pelo Réu no período compreendido entre 17/03/2016 e Julho de 2020, mas antes metade das mais-valias obtidas com a venda do imóvel, cujo valor ultrapassa, largamente, metade do valor correspondente às cerca de 50 prestações que o Réu terá pago na pendência da relação ;
- donde poder concluir-se que, caso inexistisse aquela mais-valia, a Autora não exigiria o valor que reclamou, mas antes daria as contas entre ambos como saldadas, visto que o que se provou foi a existência de contribuições igualitárias entre ambos ;
- assim se determinando juízo de total improcedência da pretensão da Autora.
Na presente sede recursória, insiste a Autora ter existido manifesta violação das regras do enriquecimento sem causa, previstas no artº. 473º, do Cód. Civil, reiterando resultar da factualidade provada ter sido conferido ao Réu um enriquecimento sem causa.
Todavia, nesta sede, e por referência ao petitório acional, altera a medida da obrigação de restituir, reduzindo-a do montante inicial peticionado de 20.000,00 €, para o montante de 16.196,49 €.
Vejamos.
- Do ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA e seus pressupostos
Nos termos supra expostos, avancemos, então, para a apreciação do pedido deduzido, tendo por pressuposto a aferição dos efeitos patrimoniais associados á dissolução da união de facto, e sua apreciação fundada no instituto do enriquecimento sem causa.
Sem definir propriamente o que é união de facto, o nº. 2, do artº. 1º, da Lei nº. 7/2001 [2] enuncia que “a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”.
Tal definição sintoniza com o prescrito no artigo 2020.º do Código Civil que estabelece que “1. Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges (...)”.
Através da legal remissão constata-se, desde logo, que a procura da legal definição se efectua por referência ao casamento, estando-se, porém, perante duas realidades bem diferenciadas.
Assim, “a maior diferença entre a união de facto e o casamento é que este último se desenvolve dentro de um quadro legal predefinido, resultante do vínculo formal que é o matrimónio, enquanto que na união de facto não existe qualquer quadro legal que enforma a relação entre os membros”.
Não podendo ser definida pelo seu período de duração, que apenas terá relevância na atribuição de efeitos jurídicos, podemos defini-la como uma “relação entre duas pessoas desenvolvida em comunhão de mesa, leito e habitação, sem o vínculo formal do casamento, mas em condições análogas às dos cônjuges, formando-se “logo que os sujeitos vivam em coabitação, não sendo necessária uma cerimónia ou qualquer outra forma especial[3].
Tal figura goza de plena tutela constitucional, conforme decorre do artº. 36º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa, através do qual “reconhecem-se e garantem-se (…) os direitos relativos à família, ao casamento e à filiação[4], acrescentando que a “Constituição não admite todavia a redução do conceito de família à união conjugal baseada no casamento, isto é, à família «matrimonializada»”.
Desta forma, aquele normativo constitucional “atribui dois direitos, o direito de constituir Família e o direito de contrair casamento. O legislador constituinte nesta norma separa a ideia de constituição da família da ideia de casamento. A constituição da família não está dependente de se contrair matrimónio, deixa o legislador a janela aberta para se poderem inserir outras realidades familiares na consagração do art.º 36 nº1. Família adotiva, família natural, famílias monoparentais, comunidades familiares com filhos nascidos fora do casamento, famílias formadas por irmãos e irmãs, famílias constituídas por união de facto. Uma realidade − (constituir família) − não está dependente da outra − (contrair casamento) −, podendo constituir uma família sem contrair casamento (…)[5].
Conferindo-se relevância constitucional a todos os modos de constituição de família, aduzem Gomes Canotilho e Vital Moreira [6]que “a clara delimitação do nº1 entre o direito a constituir família e o direito a celebrar casamento permite, desde logo, alargar a família a comunidades constitucionalmente protegidas («famílias monoparentais», apenas com «mãe e filhos» ou «pai e filhos», «comunidades familiares com filhos nascidos fora do casamento», «famílias formadas por irmãs ou irmãos», «uniões de facto»)”.
Estabelecendo-se, deste modo, uma noção ampla de relação familiar, “o art.º 36º, ao dispor sobre a família, casamento e filiação, não está a restringir a relação familiar à família proveniente do casamento, mas separa os conceitos, atribuindo direitos diferentes, o direito de constituir família, podendo esta família ser constituída (representada) de várias formas (famílias matrimoniais, famílias monoparentais, comunidades familiares com filhos nascidos fora do casamento, famílias constituídas por irmãos e irmãs, uniões de facto), e o direito de contrair casamento, como uma forma para a constituição de uma relação familiar” [7].
O nosso ordenamento jurídico não regula ou prevê qualquer regime de bens aplicável à união de facto, o que determina um adensar da problemática, a nível patrimonial, quanto esta tem o seu epílogo.
Com efeito, fruto “da convivência em comum, muitas vezes ao longo de muitos e muitos anos, torna-se difícil identificar, em concreto, aquilo que pertence a cada um dos membros quando se chega a um momento de rutura, existindo dificuldades no que toca à partilha de bens e também no que concerne à liquidação de dívidas”.
Efectivamente, através da “comunhão de vida que é gerada através da união de facto, ambos os membros vão, eventualmente, contribuir para o “agregado familiar”, quer seja com bens ou com a sua participação nas tarefas domésticas, tal como acontece com o casamento. No entanto, numa relação de, por exemplo, quinze anos, será muito difícil, se não impossível, manter um registo de tudo aquilo que foi contribuição de um e que foi contribuição de outro, até porque na decorrência da relação, e sempre que é adquirido um bem para uso comum do casal, os membros não estão, desde logo, a pensar que algum dia a relação pode chegar ao fim. Na união de facto nunca se presume existir património comum, não obstante na maioria dos casos os bens serem adquiridos com dinheiro ou esforço de ambos os membros[8].
Ora, na resolução de tais problemáticas, e à míngua de um regime específico e regulado, a jurisprudência tem vindo a ser chamada no sentido de encontrar soluções e alternativas de resolução, recorrendo, fundamentalmente a mecanismos de direito comum, entre os quais o regime das sociedades de facto (num período de resolução inicial) e o regime do enriquecimento sem causa.
Desta forma, surgida a cessação da união de facto e o consequente conflito, este “não pode resolver-se por recurso a um único instituto, ou seja, consoante o tipo de questão em análise (titularidade dos bens, prestação de serviços ou actividade não remunerada a favor do outro, danos causados pela ruptura da união, relação dos conviventes com terceiros credores…) ter-se-á de recorrer ao instituto de Direito comum que melhor se enquadrará na situação fáctica a resolver[9].
Antes de efectuarmos uma análise da jurisprudência e das soluções por esta encontrada para a problemática equacionada, apreciemos, previamente, acerca do instituto jurídico do enriquecimento sem causa.
Prevendo acerca do instituto do enriquecimento sem causa, enriquecimento injusto ou locupletamento à custa alheia, estatui o art. 473º, nº 1, do Cód. Civil, que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer á custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
Acrescenta o art. 474º, conferindo-lhe a sua natureza subsidiária, que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
Como elementos constitutivos do presente instituto temos:
- a existência de uma vantagem patrimonial para uma pessoa, ou seja, uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária ;
- a existência de um empobrecimento que afecte o património de outra pessoa (correlativo do enriquecimento mencionado) ;
- e  a falta de uma justa causa para o enriquecimento e empobrecimento referenciados [10] [11].
Referem Pires de Lima e Antunes Varela [12], que o “enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista”. No que concerne ao elemento de ausência de causa justificativa, deve entender-se que “o enriquecimento carece de causa justificativa porque, segundo a própria lei, deve pertencer a outra pessoa, sendo esta a directriz fundamental a observar. Assim, o que está em causa é a correcta ordenação jurídica dos bens pois, quando “o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa ; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa”.
Por fim, e no que concerne ao elemento decorrente da correlatividade entre enriquecimento e empobrecimento, ou seja, que aquele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição, é necessário que a vantagem patrimonial “alcançada por um deles resulte do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. Ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponde o empobrecimento de outra”.
Jurisprudencialmente, referencie-se o aduzido no douto Acórdão desta Relação e Secção de 27/04/2017 [13], o qual enuncia como requisitos do instituto em apreciação:
a)-o enriquecimento, consistente na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista;
b)-o empobrecimento, traduzido no inerente sacrifício económico correspondente à vantagem patrimonial alcançada, ou seja, o valor que ingressa no património de um é o mesmo que saí do património do outro;
c)-o nexo causal entre um e outro;
d)-a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada, ou porque nunca a tenha tido ou porque tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido”.
Relativamente ao último dos requisitos enunciados – falta de causa justificativa da deslocação patrimonial -, citando Pires de Lima e Antunes Varela [14], “a falta de causa terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no art. 342º, por quem pede a restituição. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do onus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição, é preciso convencer o tribunal da falta de causa” [15]. Em idêntico sentido pronuncia-se Rodrigues Bastos [16], referindo que “àquele que invoca o enriquecimento injusto é que cabe demonstrar a falta de causa justificativa”. Acrescente-se, ainda, a posição defendida por L.P. Moitinho de Almeida [17], referindo que na presente acção compete ao autor a prova dos pressupostos da mesma, configurando-se como facto negativo integrador de tais pressupostos a ausência de causa. E, é ainda este autor quem cita Cunha Gonçalves [18], referindo este que “em caso de dúvida deve presumir-se que o enriquecimento derivou de justa causa e  ao autor incumbe a prova de que o seu detrimento foi produzido sine causa. Concluindo o seu raciocínio, refere Moitinho de Almeida que a solução é óbvia, atento o prescrito no art. 342º do Cód. Civil, “uma vez que, alegando o autor na petição, como não pode deixar de ser, os factos denunciativos de ausência de causa, factos que lhe aproveitam, é bem de ver que não pode ser dispensado da respectiva prova visto não ter nenhuma presunção legal a seu favor” [19].
Estatui o douto Acórdão do STJ de 23/09/1999 [20], citando Leite de Campos [21] que o enriquecimento não tem causa ou é ausente de causa justificativa “quando, segundo a lei, não devia pertencer àquele que dele beneficia, mas sim a outrem.
A causa, cujo conteúdo é o próprio ordenamento jurídico, os valores defendidos, as ponderações de interesses realizadas caso por caso, visa evitar que o princípio do enriquecimento contrarie, fraude, a lei.
Deste modo, quando o enriquecimento foi obtido à custa de outrem, é necessário averiguar, por interpretação e integração da lei, se esta o quer radicar no beneficiado ou não.
    Na 1ª hipótese, não se verifica o pressuposto falta de causa do enriquecimento”.
    E, conclui o mesmo douto aresto, que tal entendimento já mereceu acolhimento jurisprudencial ao nível do Supremo Tribunal [22], citando ainda, em sua defesa, Antunes Varela [23], quando este refere tratar-se “de um puro problema de interpretação e integração da lei tendente a fixar a correcta ordenação jurídica dos bens” [24].
Desta forma, a obrigação de restituir, por parte do enriquecido, e a correspondente pretensão à restituição, por parte do empobrecido, “constituem assim uma forma de compensação instituída pela lei para certas situações que, embora formalmente conformes aos seus preceitos, conduzem a resultados (de injusto enriquecimento) substancialmente reprovados pelo direito[25].
Precisando a noção e requisito de falta de justa causa de enriquecimento, aduz Rodrigues Bastos [26] que esta “pode assentar em vários pressupostos negativos “, sendo que “a hipótese que se tem em vista não deve coincidir com a hipótese legal de transferência: assim, uma deslocação patrimonial para que possa dizer-se injustificada não deve estar prevista por uma norma como consequência de incumprimento ou do cumprimento tardio de um dever, nem como sacrifício legitimamente imposto por um sujeito investido de um poder de supremacia, nem como deslocação que tem lugar ex lege por virtude de relações de família, nem, além disso, como deslocação patrimonial funcionalmente relacionada com outra deslocação em sentido inverso entre os mesmos sujeitos, nem, ainda, como cumprimento de uma obrigação natural. Na falta de tais pressupostos negativos, pode considerar-se injustificado o enriquecimento que se produza independentemente da vontade do empobrecido relativamente à deslocação patrimonial” sublinhado nosso).
O que parece certo é que a noção de causa de enriquecimento não é única e singular, variando e alterando-se consoante a natureza do acto que lhe subjaz, ou seja, do acto que lhe serve de fonte.
Acrescenta o nº. 2 do citado artº. 473º, do Cód. Civil que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
Aduzem Pires de Lima e Antunes Varela [27] indicar o presente normativo, de forma exemplificativa, “casos especiais de enriquecimento sem causa”, nomeadamente os decorrentes de “pagamento indevido, a que se referem os artigos 476º a 478º”, do caso “de alguém receber uma prestação em virtude de uma causa que deixou de existir(condictio ob causam finitam) ou o da “prestação ter sido recebida em vista de um efeito que não se verificou (condictio ob causam futuram ; condictio causa data causa non secuta), enunciando vários exemplos demonstrativos do preenchimento de tais situações especiais.
Por sua vez, Ana Prata [28]refere exemplificar este nº. 2 “a obrigação de restituição com base em enriquecimento sem causa com as situações tradicionais de ter havido uma vantagem patrimonial sem fundamento jurídico (nº. 1 do art. 476º), em razão de um efeito que deixou de existir (p. ex., a obrigação que foi cumprida provinha de um contrato que se extinguiu posteriormente com efeitos retroactivos) ou que se previa e não veio a ter lugar (p. ex., a prestação feita para cumprimento de um contrato que não veio a celebrar-se”.
Este nº. 2, concernente ao requisito negativo de ausência de causa jurídica, contém, deste modo, “exemplos de falta de causa, mas está longe de as esgotar”.
Analisemos, então, em termos jurisprudenciais, a forma como vem sendo tratadas as questões referentes aos efeitos patrimoniais da dissolução da união de facto, fundamentalmente no que concerne ao eventual preenchimento dos requisitos do instituto do enriquecimento sem causa.
O douto Acórdão do STJ de 04/07/2019 [29], no enquadramento efectuado, começou por indagar qual a solução encontrada no direito comum relativamente à regulação e disciplina dos efeitos patrimoniais decorrentes da cessação da união de facto.
Citando Telma Carvalho [30], referencia que “a união de facto passou a ser uma opção de vida de muitos casais, em detrimento do casamento; pela própria função, como comunhão de vida, de mesa, leito e habitação, a união de facto permite, tal como o casamento, a realização pessoal de cada um dos seus membros”, reconhecendo-se que o direito, “tomando esta inelutável realidade, acompanhando a evolução social registada neste domínio, reconhece a união de facto, alargando os respectivos efeitos”.
Seguidamente, após enunciar que o legislador, no reconhecimento da relevância social da união de facto, tem vindo a estabelecer, através de vários diplomas que enuncia, requisitos para o seu reconhecimento jurídico, regulando e delimitando os seus efeitos em vários domínios, ressalva, porém, que nada foi prescrito “no âmbito dos efeitos patrimoniais, optando o legislador por não estabelecer um regime patrimonial geral, atinente aos bens dos membros da união de facto, nem definir regras sobre a administração e disposição desses bens, outrossim, sobre as dívidas contraídas pelos conviventes e a liquidação e partilha do património, em virtude da dissolução da união, levando a Doutrina e a Jurisprudência a analisar, regular e disciplinar os efeitos patrimoniais da cessação da união de facto, procurando encontrar soluções no plano do direito comum” (sublinhado nosso).
Tendo decidido previamente acerca da não aplicabilidade, por analogia, do regime jurídico do casamento à união de facto, para regular e disciplinar os efeitos patrimoniais da cessação desta, cita o douto Acórdão do mesmo Tribunal de 11/04/2019 (Processo nº. 219/14.7TVPRT.P1.S1), nos seguintes termos:
 “Segundo alguns, a resolução dos casos de divisão do acervo patrimonial constituído no seio da união de facto, poderá fazer-se através do recurso ao regime previsto para as sociedades de facto, desde que verificados os respectivos pressupostos.
No entanto, para além de outras limitações resultantes de diferenças essenciais nas situações de facto em presença, a Lei n.º 41/2013, de 26/06, que aprovou o novo Código de Processo Civil, eliminou o Processo Especial de Liquidação Judicial de Sociedades de Facto, designadamente as normas constantes dos arts. 1122º a 1130° do anterior CPC.
Assim sendo, parece inviável recorrer agora a um instrumento que a lei processual expressamente afastou.
O recurso ao instituto da compropriedade (cf. arts 1403° e ss., do CC) tem sido igualmente convocado para a divisão do património adquirido no seio da união de facto.
Importa, porém, ter em atenção que ao contrário do que sucede no casamento em que o património comum dos cônjuges se reparte entre eles por quotas ideias - os cônjuges são, nas palavras de Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, titulares de um único direito sobre o património coletivo, sendo este uno e indivisível, em regra, até à dissolução do casamento -, na compropriedade podem fixar-se quotas quantitativamente diferentes, apesar de qualitativamente iguais, presumindo-se, no entanto, a igualdade quantitativa de quotas quando do título constitutivo não conste indicação em contrário (cf. n.° 2 do art. 1403°, do CC). Em todo o caso, a aplicação do regime da compropriedade implica a intervenção de ambos os conviventes de facto no momento da aquisição do bem, como decorre do disposto no art. 1403.°, n.º 1, do CC., ao contrário do que ocorre na comunhão conjugal em que, por força do art. 1730°, n°1, do CC, os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer disposição em sentido diverso. Ora, sucede muitas vezes que apenas um dos membros da união de facto consta como adquirente no título de aquisição. Nestes casos, o proprietário é quem efetivamente constar no título de aquisição do bem, não funcionado uma presunção de compropriedade semelhante à que vigora no casamento para o regime de separação de bens para os bens móveis (art. 1736.°, n.° 2, do CC). Por outro lado, se a aquisição do bem se mostrar registada em nome de um dos conviventes, o titular do direito inscrito beneficia da presunção prevista no art. 7°, do CRP.
Perante as dificuldades que a dissolução da união de facto suscita no plano das relações patrimoniais, a doutrinar e a jurisprudência têm ainda lançado mão do enriquecimento sem causa, previsto nos arts. 473.° e ss., do CC.
Como ensina Antunes Varela, “o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista: pode traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, numa diminuição do passivo, numa poupança de despesas, etc. A vantagem patrimonial pode ser direta (quando se assiste a uma deslocação patrimonial direta do empobrecido para o enriquecido) ou indireta (quando o enriquecimento é apenas um reflexo ou um efeito de uma prestação diferente efetuada pelo empobrecido).
Desta forma, o convivente que tenha contribuído igualmente para a aquisição de bens mas, não obstante isso, não conste no título aquisitivo como proprietário, poderá pedir a restituição da parcela por si investida na exata medida do enriquecimento sem causa do outro convivente.
Poderá também haver obrigação de restituir nos casos em que o membro da união de facto, ainda que titular do direito de propriedade de bens imóveis ou móveis adquiridos na constância da união de facto (e cujo preço até pode ter sido suportado exclusivamente à custa do seu património), beneficiou em grande medida do esforço/colaboração/participação do outro membro em prol da vida em comum (v.g., por via do trabalho doméstico, da criação e educação dos filhos, etc.), proporcionando, desta forma, poupanças significativas e facilitando/incrementando a carreira profissional de um deles” (sublinhado nosso).
Na prossecução do exposto, e comungando o entendimento plasmado no aresto citado, conclui-se, então, “ser inviável para a resolução dos casos de divisão do acervo patrimonial constituído no seio da união de facto, o recurso ao regime previsto para as sociedades de facto, outrossim, o recurso ao instituto da compropriedade, restando-nos, assim, o instituto do enriquecimento sem causa, como solução no plano do direito comum, com vista a regular e disciplinar os efeitos patrimoniais da cessação da união de facto, relembrando que a demanda trazida a Juízo teve também por fundamento, precisamente, o enriquecimento sem causa, resultante da dissolução da relação de união de facto” (sublinhado nosso).
Seguidamente, sublinha-se a natureza subsidiária do instituto em equação, no sentido de apenas ser pertinente o apelo ao mesmo nas situações em que a lei não concede ao empobrecido outro meio de ser restituído ou indemnizado e enunciam-se os seus requisitos cumulativos, com especial relevo e atenção no que se reporta ao de ausência de causa justificativa.
Considera, assim, que a nossa lei substantiva, conforme decorre do já transcrito nº. 2, do artº. 473º, do Cód. Civil, enunciou e identificou, no que a este requisito concerne, um critério orientador, “uma linha de rumo interpretativa”, pressupondo, “numa enumeração exemplificativa, três situações especiais de enriquecimento desprovido de causa: condictio in debiti (repetição do indevido), condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir) e condictio ob causam datorum (enriquecimento derivado da falta de resultado previsto)”.
Desta forma, no que se reporta ao presente requisito – falta ou ausência de causa justificativa -, pode a mesma resultar “da circunstância de nunca ter existido ou, tendo existido, entretanto, se ter perdido, ou seja, a causa do enriquecimento pode resultar do fim imediato da prestação e do fim típico do negócio, donde, se a obrigação não existiu ou se o fim do negócio falhou, deixou de haver causa para a prestação e a obrigação resultante do negócio, importando ainda saber, em cada caso concreto, “se o ordenamento jurídico considera ou não justificado o enriquecimento e se portanto acha ou não legítimo que o beneficiado o conserve” [31], ou, então, se “o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema, ou se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer outrem, o enriquecimento carece de causa” [32].
Pelo que, acrescenta, “esta situação, do desaparecimento posterior da causa, corresponde à tradicional condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir), tipificada na enumeração exemplificativa do consignado n.º 2 do art.º 473.º do Código Civil, que se caracteriza por alguém ter recebido uma prestação em virtude de uma causa que, entretanto, deixou de existir, caso em que o nosso ordenamento jurídico força a repor o equilíbrio patrimonial rompido com aquela deslocação patrimonial, por não tolerar que essa vantagem perdure, constituindo o accipiens no dever de restituir o recebido, donde, verificada a deslocação patrimonial mediante uma prestação, a causa há-de ser a relação jurídica que essa prestação visa satisfazer, e se esse fim falta, a obrigação daí resultante fica sem causa (sublinhado nosso).
Refere-se, ainda, à luz do que já supra expusemos, no enquadramento que efectuámos do instituto em equação, e no que se reporta ao ónus probatório no preenchimento de tal requisito, que “para se reconhecer a obrigação de restituir sustentada no enriquecimento, não é suficiente que se demonstre a obtenção duma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo ainda exigível mostrar que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido, ou, porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento, importa também anotar que a falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito à restituição, impondo-se, assim, ao demandante que reclama a restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da demonstração dos respectivos factos constitutivos que contém a falta de causa justificativa desse enriquecimento, conforme decorre das regras estatuídas no direito substantivo civil acerca do ónus da prova (artsº. 342° e 344°, n.°1 do Código Civil (…)” (sublinhado nosso).
Na continuação do raciocínio jurisprudencial, e aplicando o enquadramento exposto ao caso concreto em equação, aduz-se, então, que “uma vez demonstrado que a união de facto ficou dissolvida em Novembro de 2014, impõe-se a “liquidação” e “partilha” dos interesses patrimoniais dos membros da união de facto, daí que, confrontados os factos adquiridos processualmente distinguimos que a Ré/BB convivente, com a dissolução da união de facto, obteve um favorecimento patrimonial, enquanto o Autor/AA ficou prejudicado na proporção da apurada contribuição monetária para a aquisição dos prédios ajuizados, ou seja, no valor demonstrado de €23.000,00 (vinte e três milhares de euros), que, de todo, pode ser entendida como cumprimento de qualquer dever que possa vincular o Autor/AA para com a Ré/BB, mormente, dever de assistência, na medida em que, como se torna claro, as aludidas aquisições (terrenos para construção) são estranhas aos encargos do quotidiano da vida familiar, daqui decorrendo, com efeito, que a dita contribuição não encerra qualquer causa justificativa, pese embora se reconheça que a esta mesma contribuição não é alheia a estabelecida união de facto, pois, divisamos, sem dificuldade, que a mencionada contribuição monetária destinou-se à aquisição dos ajuizados prédios - terrenos para construção - para a respectiva fruição por parte dos membros da união de facto, com tudo o que daí pudesse resultar, importando, por isso, reconhecer-se que a união de facto encerra e constitui a causa jurídica da contribuição monetária realizada pelo Autor/AA para a aquisições dos ajuizados prédios.
Constituindo a união de facto a causa jurídica da contribuição monetária realizada pelo Autor/AA para a aquisição dos aludidos prédios, temos que, com a dissolução da união de facto, conforme também ficou demonstrado nos autos, importa concluir pela extinção da causa jurídica da referida contribuição monetária, deixando de ter justificação a privação da contribuição monetária prestada para as demonstradas aquisições, cuja propriedade se presume ser da Ré/BB, atentos os registos das respectivas aquisições, não elidida” (sublinhado nosso).
Decorre, assim, de forma clara e linear ter ocorrido “o desaparecimento superveniente da causa da deslocação patrimonial, que representou a apurada contribuição monetária, condizente à conditio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir) estabelecida no n.º 2 do art.º 473º do Código Civil, fundamentando a restituição, sem que do mesmo possa resultar qualquer outro tipo de consequências, nomeadamente, no sentido de eliminar o efeito da obrigação de restituir”, ou seja a dissolução da união de facto constitui o facto que consubstancia a perda da causa para a deslocação patrimonial, fundamentando a restituição.
Por outras palavras, igualmente impressivas, “o Autor/AA logrou demonstrar a obtenção, por parte da Ré/BB, duma vantagem patrimonial, à sua custa, sem causa justificativa para essa deslocação patrimonial, porque criada, deixou, entretanto, de existir, devido à supressão posterior desse fundamento, encerrando uma falta subsequente de causa justificativa do invocado enriquecimento”.
Concluindo-se, então, que “o convivente que tenha contribuído igualmente para a aquisição de bens mas, não obstante isso, não conste no título aquisitivo como proprietário, poderá pedir a restituição da respectiva contribuição monetária, por si investida na exacta medida do enriquecimento sem causa do outro convivente (…)”(sublinhado nosso), o que se traduz, na situação concreta ali apreciada, na obrigatoriedade da Ré em restituir ao Autor os valores comprovadamente entregues por este, com vista à aquisição dos imóveis em equação.
O douto Acórdão do STJ de 11/04/2019 [33], citado no aresto antecedente, para além do trecho objecto da exposta transcrição, reconhece a pertinência do recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, na hipótese em que apenas um dos conviventes consta do título aquisitivo, tendo, porém, ambos contribuído para a aquisição do bem, directamente ou através da propiciação de poupanças significativas vão adquirente.
De forma expressa, referencia-se que “o convivente que tenha contribuído igualmente para a aquisição de bens mas, não obstante isso, não conste no título aquisitivo como proprietário, poderá pedir a restituição da parcela por si investida na exata medida do enriquecimento sem causa do outro convivente.
Poderá também haver obrigação de restituir nos casos em que o membro da união de facto, ainda que titular do direito de propriedade de bens imóveis ou móveis adquiridos na constância da união de facto (e cujo preço até pode ter sido suportado exclusivamente à custa do seu património), beneficiou em grande medida do esforço/colaboração/participação do outro membro em prol da vida em comum (v.g., por via do trabalho doméstico, da criação e educação dos filhos, etc.), proporcionando, desta forma, poupanças significativas e facilitando/incrementando a carreira profissional de um deles” (sublinhado nosso).
Em termos jurisprudenciais, e com especial relevância e atinência na ponderação do caso concreto em apreciação, referenciemos, em aditamento, os seguintes arestos:
- do STJ de 31/03/2009 [34], o qual, acerca do ónus de prova do enriquecimento injustificado ou ausente de causa, aduziu que o que possa traduzir “ausência de causa não é pacífico nem fácil de definir.
Mas, estando nós perante um enriquecimento por prestação, podemos lançar mão da disposição clarificadora do n.º2 do artigo 473.º referido. A obrigação de restituir tem por objecto o que for indevidamente recebido, o que for recebido por causa que deixou de existir ou em vista de efeito que não se verificou.
Conforme tem vindo a ser entendido de modo reiterado, cabe àquele que pretende beneficiar do instituto do enriquecimento sem causa a prova dos factos, positivos ou negativos, que integrem tal requisito.
Já Cunha Gonçalves (Tratado de Direito Civil, IV, 743) escreveu que:
“Em caso de dúvida deve presumir-se que o enriquecimento derivou de justa causa e ao autor incumbe a prova de que o seu detrimento foi produzido “sine causa”. No mesmo sentido podendo ver-se Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4.ª ed., 456 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, II, 269.

Sendo abundante a jurisprudência deste Tribunal ainda no mesmo sentido (assim, os Ac.s de 3.10.1970, no BMJ 199,190, 15.12.1977, no BMJ 272,196, 29.06.2002, 7.7.2003 , 17.10.2006, 15.12.2006 e 29.5.2007 e 20.9.2007, estes cinco podendo ver-se em www.dgsi.pt.)
Na verdade, um enriquecimento de alguém e correlativo empobrecimento de outrem traduz uma realidade que, por regra, tem uma causa. Mesmo que tal causa traduza um acto não oneroso é ela que confere sentido a essa alteração patrimonial.
Existir tal deslocação sem causa representa um rompimento com a normalidade da vida patrimonial e daí compreender-se bem que esse rompimento haja de ser considerando elemento integrante do direito de restituição. Com a consequente demonstração por quem o invoca(sublinhado nosso) ;
- do STJ de 02/07/2009 [35], o qual, acerca do preenchimento do pressuposto de ausência de causa justificativa, referencia não bastar que “uma pessoa tenha obtido vantagem económica à custa de outra, sendo ainda necessária a ausência de causa jurídica justificativa da deslocação patrimonial (sendo apenas esta e não qualquer outra situação de enriquecimento que aqui poderá estar em causa).
Sendo, pois, necessária, repete-se, a ausência de causa jurídica para a recepção da prestação que foi realizada.
Cabendo ao autor que pede a restituição com base no enriquecimento da ré à sua custa sem causa justificativa, por força do preceituado no art. 342º, nº 1 do CC, o ónus de alegação e prova dos referidos pressupostos.
Designadamente, o ónus da prova da ausência de causa da sua prestação pecuniária., sendo a carência de causa justificativa da deslocação patrimonial facto constitutivo de quem requer a restituição.
Onerando, assim, o autor, que invocou o direito em referência, com a sua prova (citado art. 342º, nº 1).
Tendo, pois, a falta de causa de ser não só alegada, como também provada, por quem pede a restituição.
Não bastando, segundo as regras do onus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição, sendo preciso convencer o tribunal da falta de causa” ;
- do STJ de 06/07/2011 [36], no qual se sumariou, acerca do eventual preenchimento dos pressupostos do enriquecimento sem causa, que “em caso de dissolução da união de facto, o trabalho doméstico que a autora fez enquanto viveu naquela situação com o réu, porque constitui uma participação livre para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos, não lhe confere o direito de restituição do respectivo valor (sublinhado nosso) ;
- ainda do STJ de 20/03/2014 [37], que, a propósito do preenchimento do pressuposto do enriquecimento sem causa ausência de causa justificativa, defende que “a cessação da união de facto não preenche, por si só, o requisito em questão: é preciso que o autor da acção de enriquecimento prove que as deslocações patrimoniais se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência, querida por ambos os unidos de facto, da vida do casal em condições análogas às dos cônjuges. Quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm defendido uniformemente que na acção de enriquecimento cabe ao autor o ónus da prova da falta de causa da prestação efectuada, não bastando que no final do processo não resulte pro­vada qualquer causa”.
Consignando-se, ainda, que “no âmbito de uma união de facto, as despesas normais e correntes (água, electricidade, gás e televisão), sendo próprias de quem vive, ainda que “informalmente”, a plena comunhão de vida de que fala o art.º 1577.º do CC, não são restituíveis, à luz do instituto do enriquecimento sem causa (sublinhado nosso) ;
- desta Relação de 28/04/2016 [38], que, relativamente à eventual aplicação à união de facto do regime de bens do casamento, citando Cristina Dias [39], aduz “que, a entender-se haver lacuna susceptível de preenchimento por analogia, e esta ser possível, sempre deveria ser por recurso ao regime de separação de bens […]. De facto, neste regime há bens próprios e bens em compropriedade, estabelecendo a lei uma presunção nesta matéria, no artigo 1736.º,nº2. Em matéria de titularidade e partilha dos bens, a solução não diferirá significativamente da encontrada para a união de facto (onde, a haver bens comuns, serão em compropriedade e não em comunhão), com a única vantagem de, naquele regime, haver a presunção referida quanto aos bens móveis. Quanto aos bens imóveis, no regime da separação de bens (e na união de facto), cada um deles será daquele que aparecer como seu titular e se o outro contribui para a sua aquisição tê-lo-á de provar invocando um crédito face ao outro cônjuge a exercer nos termos gerais do direito das obrigações.
Há, portanto, o recurso às regras gerais e, havendo enriquecimento de um cônjuge em detrimento do outro, poderá aplicar-se o instituto do enriquecimento sem causa. A haver alguma similitude seria com o regime de separação de bens”.
Considera-se, assim, neste aresto que, cessada a união de facto, cada um dos sujeitos da relação tem direito a participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum, podendo esta liquidação ser efectuada com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.
Após considerarem-se os requisitos do enriquecimento sem causa, ressalva-se que a transferência patrimonial tem de carecer de causa jurídica justificativa tutelada pelo direito, ou seja, o Autor tem que provar que se deu um enriquecimento do Réu através do seu empobrecimento, sem cobertura jurídica que a sustente, o qual se pode traduzir num aumento do activo patrimonial, numa diminuição do passivo ou numa poupança proporcionada ao Réu.
Ou, ainda, num entendimento necessariamente menos exigente, estando em equação a cessação da união de facto, tem o Autor que demonstrar que se criou um património pelo esforço conjunto de ambos e que cumpre, pois, de alguma forma, partilhar, de forma a impedir o enriquecimento de um à custa do outro.
Considera, por fim, que na questão concreta ali apreciada encontravam-se preenchidos todos os pressupostos do instituto jurídico equacionado, pois, o “imóvel foi adquirido com os proventos do trabalho que a Autora e o 1º Réu, em comum, desenvolveram nos negócios que exploraram em Inglaterra: a Autora contribuiu com o dinheiro que ganhou, a par com o 1º Réu, para a aquisição do imóvel; estes, no âmbito da sua união de facto, agiam como se houvesse um património comum onde se incluía o imóvel dos autos (veja-se que em conjunto ambos chegaram a tentar a venda do imóvel para partilhar o preço). O imóvel, em virtude da sua aquisição ficar titulada apenas em nome do 1º Réu, entrou apenas no seu património, assim o enriquecendo à custa da Autora.
Constituiu-se, pois, o Réu (…), na obrigação de pagar à Autora a quantia com que injustamente se locupletou, correspondente a metade do valor do imóvel” ;
- desta mesma Relação de 29/11/2012 [40], o qual começa por realçar que o nosso sistema jurídico é omisso na regulação dos efeitos patrimoniais decorrentes da cessação da relação de união de facto, defendendo o recurso aos institutos do direito comum, e não à analogia relativamente ao regime do casamento, pois na união de facto inexiste regime de bens, não tendo aplicabilidade as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento,  pelo que não é pertinente aludir-se, propriamente, à existência de qualquer lacuna.
Com efeito, fazendo alusão aos contratos de coabitação e aos contratos de concubinato, existentes noutros países, acrescenta que a “inexistência da regulamentação em causa tendo o legislador oportunidade para o fazer e, não o fazendo, poderemos concluir que não se pretendeu regular especificamente essa matéria da união de facto, por aplicação do regime do casamento.
Os Professores Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, entendem que a legislação que equiparasse inteiramente a união de facto ao casamento seria inconstitucional, fosse por descaracterizar o instituto matrimonial garantido constitucionalmente, fosse por violar o direito de não casar (dimensão negativa do direito de não contrair casamento)”.
Desta forma, sendo materialmente diferenciada a situação do casamento e da união de facto, as relações patrimoniais entre os membros da união de facto ficam sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais.
Donde, cessada a união de facto, pode haver a necessidade de liquidar o património comum acumulado durante a vivência em comum, determinando-se os efeitos patrimoniais favoráveis e desfavoráveis repercutidos, reciprocamente, em cada um dos patrimónios individuais.
O que se logra concretizar, nomeadamente, através do recurso ao enriquecimento sem causa, como fonte autónoma de obrigações, donde decorre a necessidade de inexistência duma causa jurídica justificativa dessa deslocação patrimonial (ou porque nunca houve ou porque, entretanto, desapareceu).
Seguidamente, após notar a natureza subsidiária do instituto, decorrente do artº. 474º do Cód. Civil, enuncia a posição de Menezes Leitão, ao referenciar que “no enriquecimento por prestação (ao lado do qual existem o enriquecimento por intervenção, o enriquecimento por despesas realizadas em benefício doutrem e o enriquecimento por desconsideração de um património intermédio), “a ausência de causa jurídica deve ser definida em sentido subjectivo, como a não obtenção do fim visado com a prestação”, havendo, assim, lugar à restituição da prestação sempre que esta é realizada com vista à obtenção de determinado fim e esse fim não vem a ser obtido (“condictio ob rem”), ou, aditaremos nós, com directa aplicação ao caso vertido nos autos, quando a causa jurídica – no sentido que ficou evidenciado – da prestação realizada desaparece posteriormente à sua realização (“condictio ob causam finitam)”.
Por fim, analisando o conceito de obrigação natural, com enquadramentos nos artigos 402º e 403º, ambos do Cód. Civil, cita o consagrado no Acórdão do STJ de 07/06/2011, onde se referencia ser “o caso da contribuição para a economia comum na união de facto, desde que assente a ausência de vínculos juridicamente relevantes entre os seus membros, designadamente os deveres de coabitação, cooperação e assistência enunciados no art. 1672º CC sobretudo estes dois últimos, na modalidades de socorro e auxílio mútuos e de assunção conjunta das responsabilidades da vida familiar (art. 1674º CC) e na de alimentos e de contribuição para os encargos da vida familiar de harmonia com as possibilidades de cada um através da afectação dos seus recursos àqueles encargos e do trabalho dispendido no lar (art. 1675º nº1 e 1676º nº1 CC).
Ora, não pode ser repetido o que foi prestado espontaneamente – isto é, livre de toda a coacção (art. 403º nº2 CC) - no cumprimento de uma obrigação natural (art. 403º º1 CC).

Não sendo o trabalho dispendido no lar judicialmente exigível no âmbito da união de facto, a sua prestação como contribuição para a economia comum configura-se como cumprimento espontâneo de obrigação natural, insusceptível de ser repetido, pelo que falece à apelante e autora o direito à restituição do respectivo valor” (sublinhado nosso);
- desta Relação de 18/12/2012 [41], o qual defende que cessada a união de facto, as despesas necessárias e inerentes à convivência típica de um envolvimento familiar e íntimo, não são exigíveis em termos da sua repetição, por aplicabilidade do regime das obrigações naturais, inscrito no nº. 1, do artº. 403º, do Cód. Civil.
Acrescenta que tais despesas não podem ainda ser reclamadas com base no enriquecimento sem causa, atenta a não verificação de um dos requisitos essenciais: a inexistência de causa para a deslocação patrimonial invocada.
Efectivamente, justifica-se, tais despesas, “livre e espontaneamente realizadas entre os membros dessa união têm uma causa justificativa : a própria subsistência do relacionamento, análogo ao dos cônjuges, que é desejado e querido por parte de quem presta e de quem beneficia dos actos de deslocação patrimonial.
Tais gastos foram efectuados espontaneamente, em estreita conformidade com a natureza da comunhão de interesses e afectos que liga quem os concede e quem os recebe, enquadrando-se numa multiplicidade de actos e compensações, insusceptíveis de determinar, muitos anos após, qualquer formal e discriminado sistema de deve e haver ;
- ainda desta Relação de 15/11/2011 [42], que, a propósito dos pressupostos ou requisitos integrantes do enriquecimento sem causa, aduz que a falta de causa justificativa traduz-se “na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento. Assim, por exemplo, sempre que o enriquecimento provenha de uma prestação, a sua causa é a relação jurídica que a prestação visa satisfazer, pelo que, cumprindo-se obrigação inexistente, pode repetir-se o indevido (cfr. os arts.473º, nº2 e 476º, nº1) (sublinhado nosso).
No caso concreto, apreciou-se situação em que a transferência patrimonial entre os conviventes teve por base uma causa que deixou de existir – a união de facto e a sua manutenção -, pelo que, concluiu-se, o enriquecimento à custa de outrem deu-se sem causa justificativa. Ou seja, e nas palavras ali referidas, a “deslocação patrimonial, que tinha uma causa quando ocorreu, deixou de a ter posteriormente. O que dá origem à obrigação de restituir, nos termos do nº1, do art.473 (cfr. o nº2, do mesmo artigo)”.
Por fim, afasta a existência de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, nessa restituição, por não verificação cumulativa dos respectivos requisitos – “uma situação objectiva de confiança, um investimento nessa confiança com a irreversibilidade desse investimento e a boa fé da parte que confiou” -, considerando a não prova da “ré ter sido induzida em legítima expectativa de confiar que jamais o autor lhe exigiria essa restituição” ;
- desta Relação de 19/10/2017 [43] que, fundada no entendimento de Menezes Leitão, que cita, e por referência à situação do enriquecimento por prestação, afasta no caso concreto a aplicação da modalidade de condictio ob causam finitam, ou seja, restituição da prestação por posterior desaparecimento da causa.
Considera, antes, a situação enquadrável como enriquecimento por prestação através da condictio ob rem, ou seja, restituição da prestação por não verificação do efeito pretendido (a parte final do nº. 2, do artº. 473º, do Cód. Civil).
Por fim, reafirma o entendimento de que, para fundamentar a restituição do indevidamente pago, a falta de causa da atribuição ou vantagem patrimonial que integra o enriquecimento deve ser alegada e demonstrada por quem invoca o direito à restituição, não sendo bastante a mera falta de prova da existência de causa, mas antes provar que “efectivamente a causa falha” ;
- igualmente desta Relação de 03/07/2012 [44], no qual foi consignado sumário defendendo que “cessada a união de facto, aquele membro que em momento anterior tenha disponibilizado ao outro determinadas quantias, quer para a aquisição por este último ( apenas ) de imóvel, quer para a frequência de curso, tudo no pressuposto da manutenção da vida em “comum”, tem direito à sua restituição com base no instituto do enriquecimento sem causa”, o que configura “uma situação correspondente a um enriquecimento por prestação e assentando a obrigação de restituir em fattispecie equivalente a “ condictio ob causam finitam “” ;
- ainda desta Relação de 26/10/2010 [45], onde se efectua destrinça entre os efeitos patrimoniais decorrentes do casamento e sua dissolução, relativamente aos mesmos efeitos no âmbito da união de facto e cessação desta.
Acrescenta-se, no sumário elaborado, que “embora a comunhão de vida, própria da união de facto, gere, a maioria das vezes, a contribuição – quer com a percepção de rendimentos do trabalho, quer com a realização de tarefas domésticas indispensáveis à vida do casal – de ambos os membros para a aquisição de bens e serviços, inerentes à vida do casal, como sejam a alimentação, o vestuário ou a casa onde habitam, ainda não existe na nossa ordem jurídica tutela para essas situações”, afastando a aplicação, ainda que por analogia, dos mecanismos referentes aos bens comuns do casal aquando da dissolução do casamento.
O que justifica em virtude de na união de facto não existirem “as razões justificativas que, no casamento, levaram a essa regulamentação, designadamente o feixe de obrigações e direitos que vinculam reciprocamente cada um dos cônjuges ligados pelo vínculo contratual do casamento, sendo de destacar, atento o seu cariz patrimonial, os deveres de cooperação, de assistência e o de contribuição para os encargos da vida familiar”.
Todavia, consigna o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa às situações em que “com a participação de ambos os membros da união de facto, são adquiridos bens, figurando no respectivo título apenas um deles” ;
- da RP de 04/02/2019 [46], onde se sumariou que a “união de facto é insusceptível de, só por si, originar um património comum entre os seus membros”, sendo que a orientação jurisprudencial maioritária defende que “a forma para efectivar a liquidação do património adquirido pelo esforço comum é a de, em acção declarativa de condenação, o ex-membro da união de facto, que se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição participou, pedir que o outro convivente seja condenado a reembolsá-lo, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa” ;
- da RP de 09/06/2015 [47], no qual se sumariou que a “deslocação patrimonial é todo o acto por virtude do qual se aumenta o património de alguém à custa de outrem”, sendo que no caso ali apreciado “foi em razão dessa causa - a união de facto - que a autora investiu com dinheiro que auferiu nas suas diversas actividades laborais na realização de várias obras e na aquisição de vários bens no e para o imóvel pertença do 2.º réu. A causa justificativa da referida deslocação patrimonial da autora para o 2.º réu materializada no valor das obras realizadas e dos equipamentos colocados no imóvel, deixou de subsistir com a ruptura dessa relação. Ocasião em que também se verificou o enriquecimento do 2.º réu”, assim se justificando o recurso ao instituto jurídico em equação ;
- da RP de 10/07/2013 [48], no qual, com clara pertinência para o caso sub júdice, se sumariou que “se, na pendência da união de facto, os bens são adquiridos apenas m nome de um deles e ambos contribuíram para a sua aquisição, o companheiro que não consta do título como proprietário poderá reaver a sua comparticipação financeira na aquisição do bem através do instituto do enriquecimento sem causa” ;
- da RC de 26/03/2019 [49], onde se sumariou que contrariamente ao que acontece com as relações patrimoniais entre os cônjuges e destes com terceiros, na união de facto as relações patrimoniais ficam  “sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais”.
Pelo que, extinta a relação, “as regras a aplicar, à liquidação e partilha do património do casal, são as acordadas no “contrato de coabitação” eventualmente celebrado e, na sua falta, o regime geral das relações obrigacionais e reais”, não excluindo que “a liquidação do património do casal se faça segundo os princípios das sociedades de facto ou do enriquecimento sem causa” ;
- da RC de 22/05/2018 [50]. No qual se começa por constatar que o direito ao enriquecimento sem causa apenas se coloca quando, no âmbito de uma união de facto, existem bens adquiridos com a participação de ambos os membros.
Acrescenta-se, todavia, que o facto de um dos conviventes ter sido fiador/garante não confere, naturalmente, de per se, direitos patrimoniais, se não se mostrar que, enquanto garante, foi chamado ao pagamento da dívida garantida, pois, “o garante não se torna credor do devedor pelo simples facto da prestação da garantia, mas pelo pagamento que haja feito, por força da garantia, em vez do devedor”.
Ressalva, todavia, tal como tem sido entendimento jurisprudencial maioritário, do qual cita exemplos, que “«o trabalho doméstico que a autora fez enquanto viveu (em união de facto, retenha-se) com o réu» traduz atividade que «tem de ser vista, nas circunstâncias concretas, com a sua participação, livre, para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos», não estando «em causa qualquer enriquecimento do réu à custa da autora», já que o trabalho desta «era a sua contribuição para a vida em comum, mas da matéria de facto não resulta que só a autora contribuísse para as despesas do lar.
Se a autora cozinhava, naturalmente que os géneros teriam de ser comparados e nada faz presumir que fosse a autora que tudo pagasse.».
A contribuição da A., «envolvendo necessariamente um dispêndio de energias e de força de trabalho – os serviços domésticos – mais não é, afinal, que o cumprimento de uma obrigação natural – a de contribuir para a comunhão de vida (comunhão de cama, mesa e habitação) e para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos.».
Assim, afigura-se-nos correto o entendimento no sentido de que «a contribuição para a economia comum na união de facto, desde que assente a ausência de vínculos juridicamente relevantes entre os seus membros», cai, por regra, no regime das obrigações naturais (cfr. art.ºs 402.º e segs. do CCiv.), pelo que «não pode ser repetido o que foi prestado espontaneamente em cumprimento de uma obrigação natural» (n.º 1 do art.º 403.º do CCiv.).
E também haverá de concordar-se – repete-se, e salvo o devido respeito – que, não sendo o trabalho despendido no lar judicialmente exigível no âmbito da união de facto, a sua prestação como contribuição para a economia comum se configura como cumprimento espontâneo de obrigação natural, insuscetível de ser repetido, pelo que falece à apelante e autora o direito à restituição do respetivo valor (sublinhado nosso);
- da RC de 17/09/2013 [51], incidente sobre o ónus da prova da causa justificativa, enquanto pressuposto do enriquecimento sem causa, sumariando-se que no “caso do chamado “enriquecimento por prestação” do empobrecido, a obrigação de restituir assenta na efectiva inexistência, não verificação ou posterior desaparecimento da concreta “causa justificativa” que presidiu a essa prestação”.
Todavia, é diferenciada a situação em que “existiu uma causa para a realização da prestação, mas que esta se não verificou – rectius, que já não se verificava ou que se frustrou –, desencadeará, se provada, a obrigação de restituir o enriquecimento, por verificação da facti species interpretativa do artigo 473º do CC”, da situação em que se conclui pela “ausência dessa causa”, decorrente “de um non liquet da parte sobre a qual recai o ónus da alegação e da demonstração da existência dessa mesma causa. Neste último caso, a consequência de não se provar (ou de não se ter alegado) a causa de uma prestação não é a restituição desta por falta de causa, será, em princípio, no quadro da já mencionada “teoria das normas” (v. nota 7 supra), o accionar das chamadas “regras de decisão” – no caso, os artigos 342º, nº 1 e 516º, respectivamente do CC e CPC – próprias desse non liquet” ;
- da RC de 25/05/2010 [52], que, após afastar a consideração de inexistência ou falta de causa nas situações em que um dos conviventes quis, através da prestação que efectuou, colocar determinado bem em situação de compropriedade com o demais convivente, ainda que exclusivamente à sua custa (o fim visado de criar uma situação de comunidade de bens existiu e foi alcançado, com o estabelecimento da situação de compropriedade), reconhece, todavia, que a “consideração do fim da causa da atribuição patrimonial (do fim da união de facto) parece-nos abrir a via do enriquecimento sem causa, face aos pressupostos do instituto recolhidos na nossa lei (“[…] o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir […]”), devendo considerar-se – quase que poderíamos dizer: contabilizar-se) o que se deslocou de um património ao outro teleologicamente referido, em exclusivo, à existência do estado de facto expresso nessa situação de vida em comum em condições análogas às dos cônjuges” ;
- da RG de 07/05/2020 [53], sumariando-se constituir a união de facto “um meio informal de constituição e organização familiar que assenta exclusivamente na vontade dos conviventes de estabelecerem uma comunhão de vida análoga à dos unidos pelo casamento, e que gera entre os conviventes um dever ético ou moral de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, cujo incumprimento não pode ser exigido judicialmente, restando ao unido de facto, em caso de incumprimento desses deveres por parte do outro convivente, nomeadamente, do dever de assistência, assumir sozinho os encargos normais e correntes do agregado ou pôr termo à união de facto.
O facto da Autora, durante a união de facto, ter pago, sem qualquer contributo do Réu, todas as despesas normais e correntes do agregado familiar, não confere àquela, uma vez finda a união, qualquer direito de restituição sobre o último em relação a essas despesas, uma vez que os pagamentos que efetuou consubstanciam o cumprimento do dever ético de prestar assistência ao seu agregado familiar, informalmente constituído, traduzindo o cumprimento de uma obrigação natural(sublinhado nosso) ;
- da RG de 15/11/2018 [54], onde, acerca da contribuição para a economia comum de cada um dos conviventes, reforça não se poderem “considerar como situações de enriquecimento, as despesas e tarefas realizadas em sede da vida doméstica por um dos membros daquela relação, em nome da união que aqueles pretendiam manter e preservar, em função do afecto e/ou interesse que os unia, pois, neste tipo de situações “estamos no âmbito de uma relação sentimental análoga à dos cônjuges em que cada um contribui com o que quer e/ou pode para o êxito dessa relação, e por isso, a prestação de cada um e a que cada membro da união de facto efectuou é mais do que justificada no âmbito dessa relação, ainda que cada um contribua com prestação diferente ou em medida diferente daquela que o outro prestou”.
Donde, aduz, “na constância da união de facto, as prestações patrimoniais espontâneas efectuadas por qualquer um dos membros da união de facto, para satisfazer as necessidades de vida em comum, devem presumir-se feitas em cumprimento de uma obrigação natural de alimentos, pelo que, em regra, o autor da prestação não pode exigir ao companheiro a restituição do que prestou dentro daquele contexto (cfr. art. 403º do CC)”.
Por fim, no que se reporta ao ónus probatório relativamente ao requisito do enriquecimento sem causa carência de causa justificativa, sublinha que o seu preenchimento “não se basta com a mera cessação da união de facto; torna-se necessário que o autor alegue e prove que as deslocações patrimoniais se verificaram no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência da união de facto, só assim se podendo considerar preenchido o requisito da carência de causa justificativa inerente ao instituto do enriquecimento sem causa” (sublinhado nosso) ;
- do STJ de 14/01/2021 [55], no qual se referencia que o juízo exposto, na jurisprudência que cita, de que os serviços domésticos prestados pelos membros da união de facto mais não constituem do que o cumprimento de uma obrigação natural, nomeadamente a de contribuir para a comunhão de vida (comunhão de mesa, cama e habitação) e para a economia comum dos unidos, baseada na entreajuda ou partilha de recursos e, como tal, não judicialmente exigível, apenas é válida “quando a lide doméstica da casa onde ambos vivem e a educação dos filhos é repartida pelos dois parceiros da união de facto em proporções relativamente equilibradas, sendo que “o mesmo já não sucede quando essas funções são assumidas exclusivamente ou sobretudo por um deles, verificando-se um manifesto desequilíbrio na repartição dessas tarefas.
Acrescenta que “nestas situações de evidente desequilíbrio, não é possível considerar que a prestação do trabalho doméstico e os cuidados, acompanhamento e educação dos filhos correspondem, respetivamente, a uma obrigação natural e ao cumprimento de um dever, existindo uma causa para o enriquecimento resultante da desproporção na repartição de tarefas”.
Pelo que, “para que se considere que um determinado comportamento corresponde ao cumprimento de uma obrigação natural exige-se não só que o mesmo corresponda a um dever de ordem moral ou social, mas que também obedeça a um imperativo de justiça, sem que o direito positivado o exija. Apesar da obrigação natural não deixar de corresponder a um dever jurídico, falta-lhe a coercibilidade estadual.
A deteção destas obrigações deverá atender ao que a ideia de justiça, enquanto critério harmonizador de interesses conflituantes, espera num determinado tempo histórico e lugar geográfico. Ora, desde há muito que a exigência de igualdade é inerente à ideia de justiça, pelo que não é possível considerar que a realização da totalidade ou de grande parte do trabalho doméstico de uma casa, onde vive um casal em união de facto, por apenas um dos membros da união de facto, corresponda ao cumprimento de uma obrigação natural, fundada num dever de justiça. Pelo contrário, tal dever, reclama uma divisão de tarefas, o mais igualitária possível, sem prejuízo da possibilidade de os membros dessa relação livremente acordarem que um deles não contribua com a prestação de trabalho doméstico, na lógica de uma especialização dos contributos de cada um”.
Após, citando vários entendimentos doutrinários, aduz que o “exercício da atividade doméstica, por apenas, ou essencialmente por um dos membros da união de facto, sem contrapartida, resulta num verdadeiro empobrecimento deste [8], e a correspetiva libertação do outro membro da união da realização dessas tarefas, um enriquecimento [9], uma vez que lhe permite beneficiar do resultado da realização dessas atividades sem custos ou contributos [10]. Como refere Júlio Gomes, o trabalho doméstico, embora continue a ser estranhamente invisível para muitos, tem obviamente um valor económico e traduz-se num enriquecimento enquanto poupança de despesas [11], ou Paula Távora Victor, o trabalho doméstico constitui uma forma de contribuir para a aquisição de bens.
Donde, “não se fundando o enriquecimento consequente da realização desproporcionada das tarefas domésticas por um dos elementos da união de facto, numa causa legítima, designadamente por não corresponder ao cumprimento de uma obrigação natural, não há motivos para que esse encargo não seja também contabilizado nas contribuições que permitiram ao outro membro adquirir património no decurso da relação de união de facto, tendo cessado a causa (causa finita) que o motivou – a existência da união de facto”.
Acrescenta-se, ainda, neste douto aresto que as considerações expostas relativamente ao trabalho doméstico “valem para a realização das tarefas realizadas com os cuidados e educação dos filhos do casal que viva em união de facto. Se existe um dever de cuidado e educação dos filhos (artigos 1874.º, n.º 1 e 2, 1877.º e 1879.º do Código Civil), esse dever recai sobre os dois membros da união de facto, pelo que, quando a respetiva prestação é cumprida exclusivamente ou predominantemente por um deles, essa atividade também se poderá incluir nas contribuições geradoras de um enriquecimento sem causa do membro da união de facto não participante”.
Donde, ter-se sumariado que a “prestação do trabalho doméstico, assim como a prestação de cuidados, acompanhamento e educação dos filhos, exclusivamente ou essencialmente por um dos membros da união de facto, sem contrapartida, resulta num verdadeiro empobrecimento deste, e a correspetiva libertação do outro membro da união da realização dessas tarefas, um enriquecimento, uma vez que lhe permite beneficiar do resultado da realização dessas atividades, sem custos ou contributos.
Donde, verificando-se, “nessas situações, um manifesto desequilíbrio na repartição dessas tarefas, não é possível considerar que a realização das mesmas correspondem, respetivamente, a uma obrigação natural e ao cumprimento de um dever”.
Pelo que, “não se fundando esse enriquecimento numa causa legítima, não há motivos para que esse encargo não seja contabilizado nas contribuições que permitiram ao outro membro adquirir património no decurso da relação de união de facto, tendo cessado a causa que o motivou – a existência da união de facto (sublinhado nosso).
Em termos doutrinários, reconhecendo o enriquecimento sem causa como um dos institutos utilizado na resolução de conflitos patrimoniais aquando da ruptura da união de facto, nomeadamente, e principalmente, quando se coloca o problema da partilha dos bens existentes, defende Ana Catarina Leopoldo Fernandes [56] não ser bastante “que um dos membros enriqueça, terá sempre esse enriquecimento que comportar o empobrecimento do outro, ou seja, terá que ser ás custas do outro, sem ter, ainda, qualquer causa que o justifique. Refere Vaz Serra que “No domínio do enriquecimento sem causa, tem importância saber em que consiste a causa, pois só quando ela falta se admite o direito de restituição do enriquecimento””.
Acrescenta, então, constituir tal instituto “uma das fontes geradoras de obrigações, sendo que o credor da obrigação de restituir é a pessoa à custa de quem o enriquecimento se deu e o devedor aquele que injustamente se locupletou à custa dele. Esta obrigação de restituir destina-se a compensar a contraparte, à custa de quem um outro, sem qualquer causa justificativa, viu o seu património enriquecido, defendendo Cristina Dias que o facto de existir união de facto entre duas pessoas não justifica o enriquecimento de um dos conviventes à custa do outro, entendendo, ainda, a autora que “A obrigação de restituir não visa aqui reparar o dano do lesado, mas suprimir o eliminar o enriquecimento de alguém à custa de outrem””.
Situações diferenciadas existem, todavia, quando um dos membros da união abdica do seu trabalho para se dedicar, em exclusivo, ás lides domésticas e à educação dos filhos do casal, que possam existir, sendo que somente um dos membros aufere rendimentos. Ora, nestas situações, não obstante a contribuição do membro que não trabalha não ser uma contribuição direta para o sustento do lar, sempre é esta uma contribuição com o seu trabalho, ainda que não remunerado. Perante uma situação deste tipo, é provável que qualquer bem que seja adquirido pelo casal seja pago somente com os valores de um deles, bem como qualquer conta bancária somente tenha depósitos monetários de um deles. Assim, se se pretende compensar o trabalho que um dos membros prestou em favor da vida comum do casal, e desde que, lá está, estejam previstos os pressupostos já referidos da aplicação do regime jurídico do enriquecimento sem causa, então a jurisprudência recorrerá a esse instituto, por forma a que a vantagem que um dos membros adquirir, às custas do outro, seja diminuída. Neste sentido, Cristina Dias refere que “A vantagem em que o enriquecimento sem causa consiste é encarada do ponto de vista do enriquecimento patrimonial, que traduz a diferença produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não tivesse verificado (situação hipotética).”. Pelo que, cremos, a maior dificuldade que poderá existir aquando da aplicação deste regime às uniões de facto será contabilizar o montante a restituir àquele que saiu empobrecido” (sublinhado nosso) [57].
Ora, efectuado o enquadramento legal, doutrinário e jurisprudencial da controvérsia em equação, vejamos quais os critérios ou princípios a observar:
- o nosso ordenamento jurídico não regula ou prevê qualquer regime de bens aplicável à união de facto, pelo que, quando esta tem o seu epílogo ou ruptura – dissolução da união -, existem manifestas dificuldades quanto á liquidação da situação matrimonial que se foi constituindo ao longo dos anos, quer no que concerne à partilha do activo, quer no que respeita à liquidação do passivo ;
- na resolução dos concretos problemas surgidos relativamente aos efeitos patrimoniais da dissolução da união de facto, vem a jurisprudência recorrendo, fundamentalmente, aos mecanismos de direito comum, aplicando o instituto pertinente e adequado consoante a concreta questão fáctica a decidir ;
-  entre os quais vem figurando, com realce, o decorrente do regime do enriquecimento sem causa, como solução decorrente do pleno de direito comum, capaz de regular e disciplinar os efeitos patrimoniais da cessação/dissolução da união de facto ;
- ou seja, cessada a união de facto, cada um dos sujeitos da relação tem direito a participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum, podendo esta liquidação ser efectuada com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa ;
- no âmbito de tal instituto pode configurar-se uma obrigação de restituição na situação em que o membro da união de facto, concreto titular do direito de propriedade de bens móveis ou imóveis adquiridos na constância da união de facto (e cujo preço até pode ter sido suportado, na íntegra, à custa do seu património), beneficiou, em considerável medida, do esforço/colaboração/participação do demais membro agindo em prol da vida comum (por exemplo, por via do trabalho doméstico, prestação de cuidados na educação e criação dos filhos comuns, etc..), o que lhe proporcionou, desta forma, poupanças significativas que permitiram aquelas aquisições, bem como facilitando/incrementando a sua carreira profissional, eventualmente conducente a um auferir de réditos que, de outra forma, não lograria alcançar naquela temporalidade ;
-  a dissolução ou cessação da união de facto traduz a ocorrência ou circunstância que consubstancia a perda da causa para a deslocação patrimonial, assim fundamentando a restituição (o nº. 2, do artº. 473º, do Cód. Civil, no segmento causa que deixou de existir) ;
- ou seja, demonstrada a existência de uma situação de transferência ou vantagem patrimonial para um dos membros da união de facto, à custa do demais e sem causa jurídica justificativa para tal deslocação patrimonial, pois, tendo-se constituído tal causa (a relação de união), deixou de existir (com a cessão ou dissolução da união), estamos perante uma subsequente ausência de causa justificativa do invocado enriquecimento ;
-  situação em que o membro da união que tenha contribuído para o incremento patrimonial do demais, e ainda que não figure no título aquisitivo como proprietário, sempre poderá reclamar a restituição da respectiva contribuição, por si investida, na exacta medida do enriquecimento sem causa do demais membro ;
- isto é, a transferência patrimonial tem de carecer de causa jurídica justificativa tutelada pelo direito, ou seja, o Autor reclamante tem que provar que se deu um enriquecimento do Réu através do seu empobrecimento, sem cobertura jurídica que a sustente, o qual se pode traduzir num aumento do activo patrimonial, numa diminuição do passivo ou numa poupança proporcionada ao Réu ;
- ou seja, exige-se ao Autor a demonstração de que se criou um património pelo esforço conjunto de ambos e que cumpre, pois, de alguma forma, partilhar, no intuito de impedir o enriquecimento de um à custa do outro ;
- efectivamente, apenas se coloca a questão do direito ao enriquecimento sem causa quando, no âmbito de uma união de facto, existem bens adquiridos com a participação de ambos os membros ;
- prima facie, não devem ser consideradas como situações susceptíveis de traduzirem enriquecimento/empobrecimento no âmbito da união de facto as despesas realizadas pelos membros destinadas a satisfazer as necessidades da vida em comum, nem as tarefas domésticas realizadas em sede da vida doméstica por um dos membros daquela relação, pois, na constância da união de facto, tais prestações, ainda que com conteúdo patrimonial, realizadas de forma espontânea, destinam-se à satisfação das necessidades da vida em comum, devendo presumir-se efectuadas em cumprimento de uma obrigação natural de alimentos ;
- donde, em regra, o autor da prestação não poderá exigir ao demais membro convivente a restituição do que prestou naquele contexto (o artº. 403º, do Cód. Civil) ;
- desta forma, e por princípio, os serviços domésticos prestados pelos membros da união de facto, bem como a efectivação das tarefas realizadas com os cuidados e educação dos filhos do casal, mais não constituem do que o cumprimento de uma obrigação natural, nomeadamente a de contribuir para a comunhão de vida (comunhão de mesa, cama e habitação) e para a economia comum dos unidos, baseada na entreajuda ou partilha de recursos e, como tal, não judicialmente exigível ;
- todavia, a validade deste princípio depende da circunstância da lide doméstica da casa onde ambos vivem e a educação dos filhos ser repartida pelos dois parceiros da união de facto em proporções relativamente equilibradas, sendo que tal não sucede quando essas funções são assumidas exclusivamente ou sobretudo por um deles, verificando-se um manifesto desequilíbrio na repartição dessas tarefas ;
- efectivamente, nestas situações de evidente e claro desequilíbrio, torna-se impossível considerar que quer o trabalho doméstico, quer o acompanhamento, cuidados e educação transmitidos aos filhos correspondam, com efectividade, a uma obrigação natural e cumprimento de um dever, antes se devendo concluir pela existência duma causa para o enriquecimento de um dos membros, resultante da desproporção na repartição de tarefas ;
- desta forma, não se fundando o enriquecimento de um dos membros da união, decorrente da realização desproporcionada daquelas tarefas pelo demais convivente, numa causa legítima, em virtude de não corresponder ao cumprimento duma obrigação natural, tal encargo deverá ser contabilizado na liquidação patrimonial decorrente da cessação da relação de união de facto, pois aquelas contribuições também terão permitido ao outro membro convivente, na constância da união de facto, um acréscimo patrimonial, sendo que cessou a causa (causa finita) que o motivou, ou seja, a existência da união de facto.
Aqui chegados, retornemos ao caso concreto, aplicando-lhe as expostas directrizes e efectuando a devida articulação com a factualidade provada, em concatenação com o instituto jurídico fundante do pedido. 
Autora e Réu mantiveram um relacionamento em união de facto desde Janeiro/Fevereiro de 2012 e Julho de 2020, com interregno entre Agosto e Dezembro de 2013 – factos 1. e 2..
Durante tal período tiveram uma filha em comum e viveram na Alemanha entre Janeiro de 2014 e Janeiro/Fevereiro de 2016, sendo que durante tal período não adquiriram qualquer património, limitando-se aos bens necessários para a sua vida diária – factos 3. a 8..
De regresso a Portugal, o Réu, em Março de 2016, adquiriu um imóvel, pelo preço de 89.000,00 €, tendo contraído mútuo bancário de igual montante e um outro no valor de 5.000,00 €, dos quais se confessou devedor – factos 9. a 11..
Tal imóvel passou a ser a casa de residência do casal unido, da filha comum e de uma filha do Réu, fruto de um antecedente relacionamento – facto 12..
As prestações mensais de amortização de tais empréstimos eram pagas pelo Réu, no valor mensal de aproximadamente 300,00 € - facto 21. -, sendo que Autora e Réu nunca tiveram contas bancárias conjuntas em Portugal – facto 20..
Relativamente à situação profissional da Autora:
- após regressar a Portugal esteve sem trabalhar durante cerca de um ano – facto 13. ;
- em meados de 2017, começou a trabalhar numa olaria, ora de dia, ora de noite, o que se prolongou por seis meses, auferindo o salário mínimo nacional – factos 14. e 17. ;
- no mesmo ano de 2017 passou a trabalhar para a SMP – Auto Europa, por turnos rotativos (entre as 06.00 e as 14.00 ; 14.00 a 23.00 e 23.00 às 06.00), onde permaneceu um ano, auferindo 1.000,00 € líquidos – factos 15. e 18. ;
- entre 2019 e 2020, trabalhou na “Casa dos Marcos” – Raríssimas, em turnos rotativos (entre as 08.00 e 16.00 ; entre as 16.00 e as 23.00 e entre as 23.00 e as 08.00), auferindo cerca de 1.100,00 € mensais – factos 16. e 19..
O Réu convivente suportava as despesas com a água, luz, gás e telecomunicações, suportando ainda parte das despesas com a alimentação do agregado familiar – factos 22. e 24..
Enquanto a Autora, com o rendimento do seu trabalho, suportava parte das despesas com a alimentação do agregado familiar e a mensalidade da creche ou jardim de infância da filha comum (340,00 € no primeiro ano e 290,00 € nos demais) – factos 23., 26. e 27..
Autora e Réu não possuíam mulher-a-dias para tratar da casa, pelo que, após o nascimento da filha comum, era a Autora quem comprava os alimentos, confecionava as refeições, limpava a casa, passava a ferro e tratava das roupas do agregado familiar, cuidando, ainda, da filha do Réu – factos 28. e 29..
Todavia, o Réu, apesar de trabalhar por turnos, sempre ajudou em casa, cozinhando, limpando e tratando da filha do casal – facto 30.
Em Setembro de 2020, o Réu vendeu o mesmo imóvel pelo preço de 133.000,00 €, o qual resultou de uma valorização substancial do mercado imobiliário nos últimos anos – factos 34. e 36. -, tendo utilizado tal valor para pagamento dos mútuos bancários, que ascendiam aos valores de 84.193,75 € e 4.729,95 €, bem como para liquidar a comissão à agência imobiliária, no montante de 8.179,50 € - factos 34., 35. e 37..
Resulta evidente desta factualidade que a Autora não contribuiu com qualquer valor para o pagamento do preço inicial do imóvel, atento o facto do montante dos mútuos bancários abarcarem (e mesmo suplantarem) a totalidade do preço de aquisição, nem procedeu ao posterior pagamento, pelo menos de forma directa, das prestações mensais de amortização de tais mútuos que se foram vencendo.
Donde, sendo a Autora completamente alheia ao incremento do valor comercial do imóvel, e tendo em atenção a forma como a mesma delimitou a acção, apenas surgem como equacionáveis as suas eventuais contribuições materiais/patrimoniais, no período compreendido entre a outorga da escritura de aquisição (Março de 2016) e a da cessação da relação de união (Julho de 2020). E isto, apesar da Autora fundar a sua pretensão, e o valor das suas alegadas contribuições, por referência à valorização do imóvel, e não pelo balizamento do quantum daquelas prestações no alegado enriquecimento injustificado do Réu.
Ora, analisada a factualidade exposta, não é possível concluir no sentido de ter sido a Autora a suportar a totalidade, ou mesmo a maior parte, das despesas correntes com a casa e alimentação, mas antes resultando uma repartição equitativa de tais despesas correntes.
Efectivamente, a alimentação era custeada por ambos e, se era a Autora a suportar a mensalidade da creche (e posteriormente do jardim de infância) da filha comum, em contrapartida era o Réu a suportar as despesas com a aquisição da casa onde a família vivia (e de que beneficiava), bem como o pagamento da água, luz, gás e telecomunicações.
Pelo que, resultando tal repartição manifestamente equitativa, estamos perante prestações realizadas de forma espontânea, destinadas à satisfação das necessidades da vida em comum, pelo que se traduzem no cumprimento de uma obrigação natural que, como tal, é irrestituível à luz do instituto do enriquecimento sem causa.
Idêntico raciocínio e conclusão não poderão deixar de ser feitos relativamente às tarefas domésticas familiares e aos cuidados dedicados pela Autora à filha de ambos e filha do Réu.
Com efeito, a factualidade apurada traduz uma ideia de partilha entre o casal, o que é perfeitamente compreensível também pelo facto da Autora ter trabalhado por turnos, tal como o Réu, perfeitamente coadunável com uma situação de participação tendencialmente igualitária, e nunca desproporcional, que justifique a sua catalogação fora do conceito de cumprimento de uma obrigação natural.
Ou seja, não traduz a factualidade apurada ter ocorrido um qualquer desequilíbrio, e muito menos manifesto, na repartição de tais tarefas, de forma a arredá-las dos quadros de cumprimento de obrigação natural, isto é, que se tivesse antes que concluir pela existência duma causa para o efectivo enriquecimento do membro Réu, resultante da aludida desproporção na repartição de tarefas.
Donde, concluindo-se pela inexistência de qualquer situação de enriquecimento, decai ou falece, desde logo, a pertinência no recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa.
Determinando, claramente, soçobrar da pretensão recursória apresentada, num juízo de consequente confirmação da sentença recorrida/apelada.
Relativamente à tributação, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Apelante Autora no recurso interposto, é responsável pelo pagamento das custas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora/Apelante/Recorrente A…………………, em que figura como Réu/Apelado/Recorrido P………………. e, consequentemente, decide-se confirmar a sentença apelada/recorrida.
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Apelante Autora no recurso interposto, é responsável pelo pagamento das custas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.
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Lisboa, 26 de Outubro de 2023
Arlindo Crua
Pedro Martin Martins (vencido, nos termos do voto consignado infra)
Laurinda Gemas

Voto vencido:
O acórdão, tal como a sentença, faz equivaler os 340€/290€ que a companheira pagava pela creche aos cerca de 300€ que o companheiro pagava pela prestação da casa, mas não tem em consideração que, se o companheiro recuperou o dinheiro da casa, com a venda, a companheira perdeu o dinheiro da creche.
Por isso, a equivalência aponta em sentido contrário: se eram gastos cerca de 600€/mês com a casa e a creche e ambos pagavam cerca de 300€/mês, então era como se cada um deles pagasse metade da creche e metade da casa.
Enquanto eles estiveram juntos, unidos de facto, justificava-se a indiferença quanto à forma como se processava o pagamento da casa e da creche. Cessada a união de facto, cessa a razão que justiçava aquela indiferença, sendo injusto que o companheiro recupere unicamente para si – para mais com lucro – os 300€ mensais que materialmente eram pagos por ambos.
E não se invoque, para justificar este resultado final de um enriquecimento injusto, que o companheiro pagava a água, luz, gás e comunicações, aliás em montante indeterminado, porque, em contrapartida, ficou provado que após o nascimento da filha do casal, a autora comprava os alimentos, confeccionava as refeições, limpava a casa, passava a ferro e tratava das roupas do agregado familiar, cuidando, ainda, da filha do réu, e o réu apenas ajudava em casa, cozinhando, limpando e tratando da filha do casal. Ou seja, ela fazia tudo e ele apenas ajudava e apenas em algumas daquelas tarefas.
Isto é, o trabalho da companheira em casa é muito superior ao trabalho do companheiro em casa, em medida que é, pelo menos, de certeza muito superior aos gastos pagos pelo companheiro com a água, luz, gás e comunicações.
Assim, tendo em conta que o réu conseguiu um lucro líquido (depois de deduzido tudo e mais alguma coisa) com a venda da casa de cerca de 32.000€ - lucro líquido que aqui se está a invocar só para demonstrar que os pagamentos feitos subsistiram parcialmente num sub-rogado, ou seja, que eles não se perderam, não para dizer que a autora deve participar nele -, considero que, pelo menos, se devia condenar o réu a restituir à autora metade das 37 prestações da casa que o réu pagou (permitindo-lhe a obtenção daquele ganho) a partir do momento em que a autora passou a trabalhar por conta de outrem, ou seja, desde meados de 2017. Ou seja, 37 prestações x 150€ = 5.550€.

Pedro Martins
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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto e Lei n.º 2/2016, de 29 de Fevereiro.
[3] Cf., Ana Catarina Leopoldo Fernandes, A Dissolução da União de Facto: Efeitos Patrimoniais, Universidade do Minho, 2017, Dissertação de Mestrado, pág. 13 e 14, citando, nesta última parte, Jorge Duarte Pinheiro, O direito da família contemporâneo - lições, 4.ª ed., Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 652.
[4] Canotilho, J.J. Gomes, e Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª ed. revista, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 561.
[5] Daniel António Raimundo Nogueira, União de Facto: um estudo sobre a regulamentação dos efeitos patrimoniais pelo contrato de coabitação, Universidade de Coimbra, 2016, pág. 13, Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses.
[6] Ob. cit., pág. 567.
[7] Daniel António Raimundo Nogueira, ob. cit., pág. 14 e 15.
[8] Ana Catarina Leopoldo Fernandes, ob. cit., pág. 61.
[9] Cristina Dias, O regime da responsabilidade por dívidas dos cônjuges: problemas, críticas e sugestões, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pág. 1018, nota de rodapé n.º 1768.
[10] assim, Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. VI, 1998, Lisboa, 1988, pág. 268.
[11] fazendo uma elencagem um pouco diferente, mas englobando todos os elementos apontados, cfr., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, págs., 454 a 456.
[12] idem.
[13] Relatora: Ondina Carmo Alves, Processo nº. 1/15.4T8ALQ.L1-2, in www.dgsi.pt .
[14] ob. e  vol. cits., pág. 456.
[15] cf., os Acórdãos do STJ referenciados pelos mesmos AA. na anotação citada.
[16] ob. e  vol. cits., pág. 269.
[17] Enriquecimento Sem Causa, 2ª edição, 1998, Almedina, pág. 105,.
[18] Tratado de Direito Civil, Vol. IV, pág. 743 ; e ainda Henri de Page, Traité élémentaire de droit civil belge, II, 40, pág. 52.
[19] em idêntico sentido é a solução defendida pela Ac. da RP de 07/05/69, in B.M.J., nº 194, pág. 288, em cujo sumário se defende que “a falta de justificação de enriquecimento necessária para que este possa considerar-se indevido, dando lugar à restituição por locupletamento injusto, é facto constitutivo do direito de quem pede a restituição, cuja prova lhe incumbe” ; no mesmo sentido, cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 15/12/77, in BMJ, nº 272, pág., 196, e da RC de 24/10/96, in B.M.J., nº 460, pág. 830, referindo-se neste que para a procedência da acção de in rem verso “é indispensável que o autor faça a prova do pressuposto da ausência de causa, que não pode deixar de ter alegado”.
[20] Relator: Nascimento Costa, Doc. nº SJ199909230006862, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[21] A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento, pág. 317.
[22] Acórdão de 22/10/1996, Recurso nº 88384.
[23] Das Obrigações em Geral, 1970, pág. 324.
[24] Efectivamente, para a procedência do enriquecimento sem causa, não basta a não prova de tal causa justificativa da atribuição patrimonial ou do enriquecimento. É antes necessário “que se prove a falta de causa de deslocação patrimonial, nos termos da regra geral sobre o ónus probandi  estatuída no artigo 342º do Código Civil, por essa carência de causa justificativa ser facto constitutivo de quem requer a restituição do indevido”. Assim, não se tendo provado que “a causa da prestação de determinada importância fosse a invocada pelo autor ou a alegada pelos réus, ou qualquer outra, nem tampouco a falta de causa dessa atribuição patrimonial (...) o pedido de restituição da aludida importância, fundado no enriquecimento sem causa, não pode deixar de ser desatendido” – cf., o já citado douto Acórdão do STJ de 15/12/77. E, nem se olvide, tal como já supra referido, que é preciso convencer o tribunal da falta de causa, e que, no caso de dúvida, deve presumir-se que o enriquecimento derivou de justa causa, pois é o autor que tem que provar que o seu empobrecimento foi produzido sem causa.     
[25] Antunes Varela, ob. cit., pág. 444.
[26] ob. e  vol. cits., pág. 269.
[27] ob. e  vol. cits., pág. 457 e 458.
[28] Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, Almedina, pág. 614.
[29] Relator: Oliveira Abreu, Processo nº. 2048/15.1T8STS.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[30] A união de facto: a sua eficácia jurídica, em Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume I, página 226.
[31] Citando Inocêncio Galvão Telles, in, Direito das Obrigações, 7ª edição, Reimpressão, 2010, Coimbra Editora, páginas 199 e 200.
[32] Citando Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., páginas 454 e seguintes.
[33] Relatora: Maria do Rosário Morgado, Processo nº. 219/14.7TVPRT.P1.S1.
[34] Relator: João Bernardo, Processo nº. 09B652, in www.dgsi.pt .
[35] Relator: Serra Baptista, Processo nº. 123/07.5TJVNF.S1, in www.dgsi.pt .
[36] Relator: Sérgio Poças, Processo nº. 3084/07.7TBPTM.E1.S1, in www.dgsi.pt .
[37] Relator: Nuno Cameira, Processo nº. 2152/09.5TBBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt .
[38] Relatora: Maria de Deus Correia, Processo nº. 6157/08.5TBCSC.L1-6, in www.dgsi.pt .
[39] Cadernos de Direito Privado, n.º 11, Jul./Set. 2005, pág. 76 da anotação ao Ac. da Relação de Guimarães de 29-9-2004,P. 1289/04), citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-05-2011.
[40] Relatora: Catarina Arêlo Manso, Processo nº. 444/09.2TCFUN.L1-A-8, in www.dgsi.pt .
[41] Relator: Luís Espírito Santo, Processo nº. 8762/08.0TBCSC.L1-7, in www.dgsi.pt .
[42] Relator: Roque Nogueira, Processo nº. 2880/05.4TBMTJ.L1-7, in www.dgsi.pt .
[43] Relatora: Maria Teresa Albuquerque, Processo nº. 1920/16.6T8FNC.L1-2, in www.dgsi.pt .
[44] Relator: António Santos, Processo nº. 4521/10.9TBOER.L1-1, in www.dgsi.pt .
[45] Relatora: Rosa Ribeiro Coelho, Processo nº. 1874/05.4TCSNT.L1-7, in www.dgsi.pt .
[46] Relator: Manuel Domingos Fernandes, Processo nº. 999/15.2T8PVZ.P1, in www.dgsi.pt .
[47] Relatora: Anabela Dias da Silva, Processo nº. 210/12.8TBVNG.P1, in www.dgsi.pt .
[48] Relatora: Maria João Areias, Processo nº. 2273/11.4TJVNF.P1, in www.dgsi.pt .
[49] Relator: Fonte Ramos, Processo nº. 1501/15.1T8CTB.C2, in www.dgsi.pt .
[50] Relator: Vítor Amaral, Processo nº. 619/16.8T8MGR.C1, in www.dgsi.pt .
[51] Relator: Teles Pereira, Processo nº. 64/09.1TBTMR.C1, in www.dgsi.pt .
[52] Relator: Teles Pereira, Processo nº. 64/03.5TBTBV.C1, in www.dgsi.pt .
[53] Relator: José Alberto Moreira Dias, Processo nº. 7233/18.1T8GMR.C1, in www.dgsi.pt .
[54] Relator: Pedro Damião e Cunha, Processo nº. 5873/17.5T8GMRC.G1, in www.dgsi.pt .
[55] Relator: João Cura Mariano, Processo nº. 1142/11.2TBBCL.1G1.S1, in www.dgsi.pt , citado nas alegações recursórias.
[56] Ob. cit., pág. 65 a 68.
[57] Vimos seguindo, de perto, o Acórdão desta Relação e Secção datado de 09/07/2020, proferido na Apelação nº. 310/13.7TVLSB.L1, relatado pelo ora Relator.