Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
83436/18.3YIPRT-A.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: ADVOGADO
HONORÁRIOS
ACORDO PRÉVIO
FORMALIDADE AD SUBSTANTIAM
LAUDO DE HONORÁRIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Deve ser revogado o despacho que indeferiu a realização de laudo de honorários de advogado com fundamento no (alegado) facto das partes terem convencionado o valor/hora de honorários porquanto:
i. Não são pacíficos os termos da alegada convenção nem se pode ter por adquirida a prova de tal convenção de honorários na medida em que é defensável que o acordo prévio sobre honorários de advogado está sujeito à forma escrita, e a redução a escrito desse acordo constitui uma formalidade ad substantiam;
ii. A articulação interpretativa do artigo 100º, nºs 1 e 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados [atual Artigo 105º do EOA aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9.9], concatenada com o Regulamento dos Laudos da Ordem dos Advogados, não exclui que um juiz possa solicitar a emissão de um laudo de honorários, mesmo estando em causa uma “convenção prévia” de honorários, referindo-se esse laudo à adequação pelos serviços efetivamente prestados, cobertos por essa convenção;
iii. «A credibilidade que merece o laudo de honorários, só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente fortes que abalem aquela credibilidade.»
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
BB requereu procedimento de injunção contra AA, peticionando o pagamento da quantia de € 6.487,73, sendo € 6.157,23 o valor do capital em dívida, e €   330,50 o valor total de juros de mora vencidos, calculados desde a data de vencimento da proposta/nota de honorários e encargos até à presente data, 18/07/2018, montantes aos quais acrescerão os juros de mora vincendos. No artigo 4º do requerimento de injunção, o autor alegou que: «O Requerente e o Requerido fixaram previamente o valor de honorários, sendo que o valor/hora foi fixado em € 75,00, acrescido de IVA e dos encargos.»
O requerido deduziu oposição, concluindo pela improcedência do pedido. No artigo 4º da oposição, afirma o requerido: «é igualmente verdade que na reunião em que assumiu o patrocínio, o ilustre causídico referiu ao requerido, que um processo daquela natureza levaria cerca de trinta horas e que praticava o preço de € 80,00 por hora, podendo, eventualmente baixar tal preço para € 75,00.» No final da oposição, sob o titulo “Prova”, requereu: «Desde já, e ao abrigo dos princípios da celeridade e economia processual, requer seja solicitado laudo, nos termos do artigo 44° n° 3, alínea e) do Estatuto da Ordem dos Advogados, ao Conselho Superior da mesma Ordem.»
Em 14.1.2020, foi proferido despacho com o seguinte teor:
«Reqt° autor de 31.05.2019:
a)
O autor veio requerer que seja pedido um laudo de honorários à Ordem dos Advogados pelos serviços prestados à ré.
In casu, o autor alega que as partes “(...) fixaram previamente o valor dos honorários, sendo que o valor hora foi fixado em € 75,00, acrescido de Iva e de encargos ” (...) e que prestou serviços jurídicos correspondentes a 87h50m de trabalho (...)” - cf. r.i.
Assim, o crédito peticionado pelo autor emerge do incumprimento de uma obrigação contratual por parte do réu; crédito emergente da prestação de serviços, cujo os honorários foram previamente fixados pelas partes.
Ou seja, a causa petendi emerge do incumprimento de uma obrigação pecuniária diretamente emergente de um contrato, tal como vem previsto no Decreto-Lei n.° 269/98, de 1 de setembro, tendo o autor apenas que demonstrar a celebração do contrato, as condições, e o preço previamente fixado com o réu.
Pelo exposto, em face da causa de pedir, afigura-se dispensável o laudo de honorários, pelo que se indefere o requerido.»
Em 4.2.2020, o requerido AA formulou o seguinte requerimento:
«AA, A nos autos à margem referenciados, notificado do douto despacho proferido em 13-01-2020, vem expor e requerer a V. Excia o seguinte:
1° - Por requerimento apresentado a 31-05-2019, o A requereu que fosse solicitado um laudo de honorários à Ordem dos Advogados, pelos serviços prestados ao ora R.
2° - Tal pedido do A foi indeferido, por se considerar dispensável o dito laudo.
3° - Designadamente, porque (…)
4° - Permite-se apenas o R sublinhar a V. Excia que na sua oposição também requereu o pedido de laudo à Ordem dos Advogados, porquanto existe uma necessidade real de apurar a quantidade de trabalho efetivamente prestado e ainda porque se trata de um juízo de proporcionalidade, em que os valores não podem ser desmesurados nem inibidores, independentemente de qualquer ajuste prévio.
5° - Em face do exposto, requer a V. Excia esclareça se tal entendimento (e consequentemente, indeferimento) é extensível ao mesmo pedido já perpetrado pelo R na oposição.»
Em 20.5.2020, foi proferido o seguinte despacho:
«Reqt°s Réu. 30-01.2020 e 4.02.2020:
O conteúdo do despacho proferido em 14.01.2020 tem um sentido claro e unívoco, não carecendo, assim, de qualquer esclarecimento.
Contudo, nada impede o réu de em audiência juntar aos autos os documentos que entender por relevantes para a justa composição do litigio, conforme previsto no artigo 3°, n°4 do DL n° 269/98, de 1 de setembro.
Notifique.»
Em 12.6.2020, o requerido veio interpor recurso de tal despacho, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I - O douto despacho que indefere o pedido do Recorrente da solicitação de laudo ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados, viola o disposto no artigo 5° do Código de Processo Civil quando no mesmo se determina que o juiz atenda aos factos instrumentais que resultem da instrução da causa, aplicável ao processo em causa.
II- No que respeita à parte final do douto despacho -”(...). Contudo, nada impede o réu de em audiência juntar aos autos os documentos que entender por relevantes para a justa composição do litígio, conforme previsto no artigo 3°, n° 4 do DL n° 269/98, de 1 de setembro. " - e, caso a parte venha por si só a requerer a emissão do laudo, não são despiciendos os riscos de que a demora na sua emissão prejudique a atempada junção aos autos do mesmo na audiência de julgamento.
III - O recorrente discorda com a interpretação de que o crédito emerge de uma mera prestação de serviços, que se basta com a demonstração da celebração do contrato, condições, e preço, previamente fixado.
IV- Trata-se antes de uma prestação de serviços cujo valor poderá oscilar mediante diversas condicionantes, tratando-se de um real juízo de proporcionalidade, determinando que estes valores não podem ser desmesurados nem inibidores, independentemente de qualquer ajuste prévio que tenha existido entre as partes.
V- O laudo é o meio de prova competente para aferir a proporcionalidade e justeza dos honorários cobrados e, mesmo existindo uma convenção prévia, não está excluído o seu pedido.
VI- A este propósito, veja-se o sumário do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo 897/07.3TBCTB-A.C2, disponível em www.dgsi.pt.
VII- É, pois, de relevância para a descoberta da verdade material, apurar a justeza dos honorários peticionados pelo Recorrido através do laudo, que, embora não vinculativo e sujeito à livre apreciação de prova pelo julgador, se torna essencial para entender a sua proporcionalidade.
VII- Revogando, pois, o douto despacho recorrido e substituindo-o por outro que determine o pedido de laudo ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados, farão Vas Excias. como sempre JUSTIÇA!»
Não foram apresentadas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
A questão a decidir consiste em saber se deve ser deferido a realização de laudo de honorários, consoante requerido pelo réu.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O despacho impugnado firmou-se na asserção de que as partes fizeram uma convenção sobre o valor dos honorários, razão pela qual é dispensável o laudo de honorários.
Não subscrevemos o raciocínio do tribunal a quo por várias ordens de razões.
Em primeiro lugar, não são pacíficos os termos da convenção nem se pode ter por adquirida a prova de tal convenção de honorários. Atentas as alegações do autor e do requerido, tudo indica que tal convenção terá sido meramente verbal.
Ora, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.6.2020, Diogo Ravara, 12197/18, o acordo prévio sobre honorários de advogado está sujeito à forma escrita, e a redução a escrito desse acordo constitui uma formalidade ad substantiam, razão pela qual o mesmo só pode provar-se por meio de documento ou por meio de prova de valor superior, nomeadamente confissão.
Mais aí se expende que:
«Quando a lei exige como forma de declaração negocial um documento escrito, este não pode ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior – art. 364.º, n.º 1 do C.C..
Não resulta claramente do n.º 2 do art. 100-º do EOA, que o documento ali exigido é apenas para prova da declaração das partes, funcionando como exceção prevista no n.º 2 do citado art. 364.º. A determinação da exceção – resulta claramente da lei que o documento é exigido apenas para a prova da declaração –, conduz-nos à interpretação da lei (art. 9.º do C.C.).
O ajuste prévio escrito obriga as partes a refletir sobre o conteúdo do negócio e a consequência dos seus atos, defendendo-as contra a sua ligeireza ou precipitação, permitindo uma formulação precisa e completa da vontade das partes.
O advogado tem interesse em fixar previamente os seus honorários, para no futuro, cessada a prestação da sua atividade, não debater com o cliente o valor e o pagamento dos mesmos. Por sua vez, o cliente orçamenta a despesa e é nesse pressuposto que contrata o advogado.
Contrariamente ao defendido no douto acórdão em análise, entendemos que, salvo melhor opinião em contrário, a exigência legal de documento para a convenção prévia (art. 100.º, n.º 2 do EOA) constitui elemento do contrato, isto é, formalidade ad substantiam, nos termos do art.º 364.º, n.º 1, do Cód. Civil.”
Reportando-se também à exigência da forma escrita, em termos que implicitamente parecem apontar para a sua qualificação como formalidade ad substantiam, vd. igualmente ac. RP 10-11-2015 (Fernando Samões), p. 7302/08.6TBMTS.P1.
Havendo que tomar posição, aderimos resolutamente à ultima tese descrita.
Na verdade, quer a letra do preceito em apreço (nº 2 do art. 67º do EOA), quer o seu espírito sustentam a conclusão de que a referência a acordo escrito traduz uma exigência de forma especial da declaração que configura uma
formalidade ad substantiam.
Uma tal interpretação apoia-se em duas circunstâncias:
- Por um lado, trata-se de uma matéria que importa rodear de particulares cautelas, até por necessidade de segurança e certeza.
- Por outro lado, a prova testemunhal sempre se revestiria de dificuldades especiais, na medida em que muito dificilmente tal acordo seria presenciado por terceiros.
Nesta conformidade concluímos que o acordo sobre honorários a que se reporta o art. 67º, nº 2 do EOA está sujeito a forma escrita, e que tal exigência corresponde a uma formalidade ad substantiam, razão pela qual não pode provar-se por testemunhas – arts. 219º, 2ª parte, 220º, e 393º, nº 1 do CC.»
Em segundo lugar, mesmo que se logre provar tal convenção de honorários, daí não resulta – sem mais – que seja impertinente a formulação de laudo de honorários.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7.2.2012, Teles Pereira, 897/07, a articulação interpretativa do artigo 100º, nºs 1 e 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados [atual Artigo 105º do EOA aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9.9], concatenada com o Regulamento dos Laudos da Ordem dos Advogados, não exclui que um juiz possa solicitar a emissão de um laudo de honorários pela Ordem, mesmo estando em causa uma “convenção prévia” de honorários, referindo-se esse laudo à adequação pelos serviços efetivamente prestados, cobertos por essa convenção. Com efeito,
«Admitir o contrário corresponderia, em última análise, ao assumir da asserção de que a remuneração dos serviços de um advogado, os honorários deste, que o EOA diz deverem “corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efetivamente prestados” (artigo 100º, nº 1 do EOA), poderiam, a coberto da “convenção prévia”, assumir, sem possibilidade de controlo técnico algum, carácter exorbitante, desproporcionado e sem qualquer correspondência nos serviços efetivamente prestados – não estamos, que isso fique bem claro, a formular qualquer juízo sobre os honorários aqui em causa, cujas incidências, por se referirem a outros processos, até desconhecemos.
Semelhante asserção interpretativa (a de que nunca seria possível controlar a adequação de honorários objeto de “convenção prévia”), sendo absurda – máxime, é absurdo dizer-se ou pretender-se que um advogado pode fixar previamente remunerações totalmente desadequadas aos serviços que virá a prestar [10] – damo-la por logicamente excluída, assente no que encaramos representar uma prova (se quisermos, um argumento interpretativo) por contradição ou assente na redução ao absurdo [11].»
Em terceiro lugar, nas expressivas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.4.2015, Oliveira Vasconcelos, 4538/09, «O laudo da Ordem dos Advogados está sujeito à livre apreciação do julgador. Para determinação do seu valor probatório não pode deixar de se tomar em conta que foi elaborado por profissionais do mesmo ramo de atividade, eleitos pela assembleia geral da mesma Ordem, o que faz pressupor que possuem elevados conhecimentos técnicos para aferir, sob o ponto de vista económico, sobre o montante dos honorários devidos. / A credibilidade que merece o laudo de honorários, só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente fortes que abalem aquela credibilidade» (bold nosso). No mesmo sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13.2.2020, Tomé Carvalho, 4495/15.
De tudo o que fica dito infere-se que a realização do laudo de honorários é inteiramente pertinente, razão da procedência do recurso.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se o despacho proferido em 20.5.2020, devendo o mesmo ser substituído por outro que defira a realização do laudo de honorários.
Sem custas.

Lisboa, 15.12.2020
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete
_______________________________________________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14.