Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10620/16.6YIPRT.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: HONORÁRIOS
PAGAMENTO
ADVOGADO
LAUDO DA ORDEM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I Por deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de 2006, foi considerado ilegal a aprovação de tabelas de honorários, designadamente através das delegações de comarca, por estas tenderem, à partida, a impedir a livre fixação dos valores correspondentes aos serviços prestados, subvertendo as regras de concorrência.

II Assim, o Advogado é livre de fixar honorários, sem dependência das referidas tabelas, mas sempre sujeito, nos termos do artº 100 da Lei 15/2005 de 26/01, quando não exista prévio acordo com o cliente, que terá de revestir a forma de “convenção prévia reduzida a escrito”, à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual, ao resultado obtido, ao tempo despendido e aos usos profissionais, em idênticas situações na comarca.

III Pedido laudo ao CDOA, está este sujeito à livre apreciação do julgador, mas, para aferição do seu valor probatório, tem de se ter em linha de conta que foi este elaborado por profissionais do foro, o que faz pressupor que possuem elevados conhecimentos técnicos para aferir, sob o ponto de vista económico, sobre o montante dos honorários devidos, só sendo de afastar se outros factos o determinarem.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO


A [ Maria ….., advogada em causa própria ], veio intentar acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra B  [  Maria …….  ], pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 14.611,47 € acrescida de IVA e juros de mora, à taxa legal, que se vencerem sobre tal montante até integral pagamento, devidos pelos seus serviços como advogada, a favor da requerida, que esta não liquidou, após recebimento da nota de honorários.
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Citada, veio a requerida deduzir oposição alegando que não concorda nem com a descrição dos serviços prestados constantes da Nota de Honorários, nem com o número de horas despendidas, nem com o valor hora cobrado.
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Procedeu-se a solicitação de laudo ao CDOA, sendo após a sua junção designada data para julgamento, finda a qual se proferiu a seguinte sentença:
Decisão
Atendendo ao exposto o Tribunal considera a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, condena-se a Ré B no pagamento à Autora A do valor de 11.250,00 € de honorários, acrescidos de IVA, e ainda nas despesas de 1393,47€, devendo ser descontado o valor já entregue a título de provisão. Bem como nos juros de mora vencidos e vincendos desde a data de apresentação da nota de honorários até efectivo e integral pagamento.
Absolve-se a Ré do demais peticionado.
Fixa-se o valor da acção em 17.971,53 €.
Custas por A. e Ré na proporção do decaimento.”
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Não se conformando com esta decisão, dela apelou a A. ora recorrente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
IV CONCLUSÕES
A- A Autora não se pode conformar com a decisão proferida pelo tribunal recorrido relativamente à matéria de facto, que declarou provados os factos elencados nos pontos 26 a 29 e 31 da matéria de facto provada.
B- Como também não se conforma com a decisão do mesmo tribunal que declarou não provados os factos elencados nas alíneas a) a e) da matéria de facto não provada.
C- Que considera incorretamente julgados face à prova documental que serviu de suporte à elaboração da Nota de Despesas e Honorários e que a Autora juntou aos autos. (Cfr. fls. 895 a fls. 1262; de Fls. 1281 a fls.1296 e de Fls. 1263 a Fls. 1279).
D- O tribunal recorrido considerou provado que: ”(…) (26) Concluídos os trabalhos, a Autora elaborou a Nota de Despesas e Honorários e, em conferência do dia 03 de Julho de 2015, apresentou à Ré para pagamento.(27) A requerida manifestou de imediato à A. a sua discordância quanto aos serviços e número de horas despendidas.
E- E considerou não provado que: (a) A Autora explicou à Ré, de forma detalhada, todos os assuntos tratados e os resultados obtidos, que são descritos naquela Nota de Despesas e Honorários, o valor cobrado, a título de honorários, acrescido o IVA a 23%, bem como todas as despesas efectuadas. (b) A Ré aceitou a Nota de Despesas e Honorários e propôs à Autora efectuar pagamento em duas prestações mensais e sucessivas de igual valor, sendo o pagamento da 1ª prestação efectuado na semana seguinte e o da 2ª prestação no mês de Agosto de 2015.”.
F- Na apreciação daquela matéria de facto, o tribunal recorrido cai em contradição, ao declarar não provado que: “ A Autora explicou à Ré, de forma detalhada, todos os assuntos tratados e os resultados obtidos, que são descritos naquela Nota de Despesas e Honorários, o valor cobrado, a título de honorários, acrescido o IVA a 23%, bem como todas as despesas efectuadas.
G- Para depois dar como provado que: “Concluídos os trabalhos, a Autora elaborou a Nota de Despesas e Honorários e, em conferência do dia 03 de Julho de 2015, apresentou à Ré para pagamento”.
H- Nota de Despesas e Honorários aquela, à qual: “A requerida manifestou de imediato à A. a sua discordância quanto aos serviços e número de horas despendidas”.
I- A requerida não podia ter manifestado de imediato à A. a sua discordância quanto aos serviços e número de horas despendidas, sem antes conhecer, de forma detalhada, todos os assuntos tratados e os resultados obtidos, que são descritos na Nota de Despesas e Honorários, o valor cobrado, a título de honorários, acrescido o IVA a 23%, bem como todas as despesas efectuadas.
J- O tribunal recorrido considera como não provado que, na reunião de 03 de Julho de 2015: A Ré aceitou a Nota de Despesas e Honorários e propôs à Autora efectuar pagamento em duas prestações mensais e sucessivas de igual valor, sendo o pagamento da 1ª prestação efectuado na semana seguinte e o da 2ª prestação no mês de Agosto de 2015.”.
K- Desvalorizando a prova documental, constituída pelo email que a Ré enviou à Autora em 5 de Julho de 2015, onde aquela diz: “(…) QUANTO AO QUE CONVERSAMOS NA SEXTA FEIRA.. LAMENTO DRA ALICE MAS ESTIVE A VER OS MEUS EXTRACTOS E MAS NÃO TENHO O VALOR QUE LHE ADIANTEI NEM O CONSIGO ARRANJAR.O MÁXIMO QUE EU CONSIGO FACULTAR É CERCA DE 1/3 DO QUANTITATIVO POR SI MENCIONADO (…)”.
L- Aquele email prova que efectivamente a Ré aceitou a Nota de Despesas e Honorários e propôs à Autora efectuar pagamento em duas prestações mensais e sucessivas de igual valor, sendo o pagamento da 1ª prestação efectuado na semana seguinte e o da 2ª prestação no mês de Agosto de 2015.
M- E que faltou à verdade quando, em declarações de parte (gravado no sistema Habilus Media Studio de 01:33:25 a 02:10:27) disse ao tribunal que: “(…) logo na primeira reunião eu disse que achava aquela nota muito elevada e depois por email disse-lhe especificamente (…)”.
N- O tribunal recorrido considerou provado que: A Autora gastou 150 horas no tratamento das questões relativas ao processo de inventário por óbito de Maria …… e de Alberto ……., no processo de imposto de selo, na alteração dos contratos de arrendamento para o NRAU e cobrança de rendas em atraso.
O- E declarou não provado que: A Autora gastou 172,00Horas.
P- O tribunal recorrido não apreciou e valorou toda a prova documental que serviu de suporte à elaboração da Nota de Despesas e Honorários, que a Autora juntou aos autos.
Q- Com efeito, a prova documental é o único meio de prova de que a Autora dispõe para demonstrar o volume de trabalho realizado por conta e em nome da cliente.
R- Documentos tais, que serviram de suporte à elaboração da Nota de Despesas e Honorários que o tribunal não valorou correctamente, a que apelidou de “profusão de documentos”.
S- O tribunal recorrido decidiu dar como provado que: “O valor hora acordado com entre a A. e a Ré foi de 75,00€/hora.”
T- E declara como não provado que: “A Autora acordou com a Ré o pagamento de €85,00/Hora.” motivado no facto de: “A Autora não trouxe aos autos qualquer prova dessa comunicação, pelo que o Tribunal deu como assente os 75.00€ e não os 85.00€ cobrados na nota de honorários.”.
U- Nas declarações de parte da Ré, (gravado no sistema Habilus Media Studio de 01:33:25 a 02:10:27) às perguntas do seu mandatário e da Mª Juiz do processo acerca da existência de um acordo de pagamento de honorários valor/hora, respondeu:
Exmº Mandatário da Ré: Só em relação à questão do valor/hora, se houve alguma comunicação?
Ré: Não.
Mmª Juiz: Mas ouve uma conversa primeiro sobre o valor/hora?
: Não.
Mmª Juiz: Mas pronto e lembra-se qual era o valor/hora inicial?
: 75€
Mmª Juiz: E depois a certa altura repara que subiu?
Ré: 85€, sim (…)”.
V- O tribunal recorrido faz uma incorrecta apreciação das declarações de parte da Ré, ao dar como provado que que: “O valor hora acordado com entre a A. e a Ré foi de 75,00€/hora.”
W- Sendo que, o Laudo emitido pelo Conselho Superior da AO considera que:
Quanto aos usos profissionais, à praxe do foro e estilo da Comarca de Lisboa, entendemos que os honorários praticados à razão de 85€/hora foram adequados.”.
X- Em todos os processos que a Autora patrocinou em nome e representação da Ré o valor de honorários cobrados foi sempre de acordo com o critério dos usos profissionais, à praxe do foro e estilo da Comarca de Lisboa.
Y- Na realidade, os processos em que a Autora cobrou à Ré o valor de honorários de €75,00/Hora tiveram o seu início em meados do ano de 2010 e terminaram em Outubro de 2014.
Z- Sendo absolutamente inaceitável que nos processos, cujos patrocínios se iniciaram em 2014, a Autora continuasse a cobrar o mesmo valor de honorários que cobrou nos processos que tiveram inicio em 2010 e terminaram em 2014.
AA- O Tribunal recorrido reduzir o valor que é cobrado na Nota de Despesas e Honorários, a título de serviços de secretaria, de €500,00 para €300,00, por entender que “ (…) se mostram manifestamente excessivos os 500€ peticionados, sendo que por recurso às regras da experiência comum se afigura que 300,00€ seria um valor mais adequado, sendo que as demais se mostram justas e adequadas face aos valores peticionados.”
BB- Com excepção das despesas com os serviços de secretaria, todas as demais despesas estão provados por documentos que lhes servem de suporte (Fls 1263 a fls.1279 dos autos).
CC- É totalmente incompreensível que o tribunal venha dizer que as despesas com os serviços de secretaria no valor de 500,00€ “se mostram manifestamente excessivos”, atento aos inúmeros de serviços de secretaria prestados ao longo de todos os assuntos tratados.
DD- Pelo que, deve a decisão proferida pelo tribunal recorrido relativa à matéria de facto referidos nos nºs 26 a 29 e 31 dos factos provados ser alterada, por incorrectamente julgados.
EE- Devendo, em sua substituição, ser proferida decisão que declare provados os factos elencados nas alíneas a) a e) da matéria de facto que o tribunal recorrido considerou não provada, dada a prova produzida nos presentes autos.
FF- E, em consequência, ser a presente acção declarada totalmente procedente, por provada, e a Ré condenada no pagamento dos vários valores peticionados na petição inicial.
TERMOS EM QUE:
Nos melhores de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o presente recurso de apelação merecer provimento e, em consequência, ser proferido acórdão que revogue a sentença recorrida e, em sua substituição, seja proferida decisão que declare provados os factos elencados nas alíneas a) a e) da matéria de facto que o tribunal recorrido considerou não provada, sendo a presente acção declarada totalmente procedente, por provada, e a Ré condenada no pagamento dos vários valores peticionados na petição inicial, por ser de inteira JUSTIÇA!”
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Não foram interpostas contra-alegações.
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QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
-se se verificam os requisitos para reapreciação da prova gravada e se deve esta ser alterada na forma requerida;
-se, em consequência dessa alteração, se impõe a alteração da sentença recorrida, quanto ao valor dos honorários peticionados pela A.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto a considerar, fixada pela sentença recorrida, é a seguinte:

“1. A Autora exerce legalmente a profissão de advogada, que, para tanto, está inscrita no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados e é titular da Cédula Profissional nº 8....L.
2. Em 27 de Junho de 2014, a Ré peticionou à Autora, que no âmbito da sua profissão de advogada, exercesse o seu patrocínio no processo de inventário e partilha por óbito de sua mãe Maria ……, com vista à preparação e realização da escritura de partilha notarial do património hereditário deixado por esta a favor da Ré e do pai Alberto …………    .
3. A Ré entregou à Autora um conjunto de pastas, com documentos antigos e relacionados com bens imóveis provenientes das heranças deixadas por familiares a fim de serem determinados os bens imóveis, que, na realidade, integravam o património hereditário deixado pela mãe.
4. A fim de fazer o estudo e levantamento exaustivo dos vários patrimónios hereditários deixados por óbito dos antepassados da Ré e preparar a escritura pública de partilha notarial, a Autora teve de proceder procedeu à recolha de Certidões, actos de registo predial, averbamentos e declarações complementares nas respectivas conservatórias e serviço de finanças.
5. Deslocou-se ao Cartório Notarial de Lisboa da Notária Maria …… onde foi agendada e realizada escritura pública de partilha notarial.
6. O património hereditário da Maria ……..  teve o valor global de 380.409,15.
7. À Ré foi adjudicada a nua propriedade de todos os imóveis da herança, no valor global de €380.409,15 e ao pai foi adjudicado o usufruto dos mesmos imóveis.
8. Junto dos serviços de finanças a A. promoveu a liquidação de imposto em divida e resolveu questões relativas ao imposto sucessório.
9. Em 09 de Abril de 2015, faleceu o pai da Ré deixando a Ré como sua única e universal herdeira.
10. A Ré, agora na qualidade de cabeça de casal da herança deixada por óbito do pai, nomeou a Autora sua bastante procuradora.
11. No âmbito dos poderes conferidos pela Ré, a Autora preparou e agendou a Escritura de Habilitação de Herdeiros, tendo efectuado pedidos e recolhas de documentos junto da Conservatória do Registo Civil de Lisboa.
12. A Autora elaborou a Relação de Bens deixada por óbito de Alberto …… com vista à sua apresentação do Processo de Imposto de Selo junto do 2º Serviço de Finanças de Lisboa.
13. A Autora em nome e representação da Ré instaurou o Processo de Imposto de Selo por morte de Alberto ………………… .
14. Requereu o cancelamento do usufruto que incidia sobre o mesmo património imobiliário, procedeu à inscrição matricial e predial de todo aquele património a favor da Ré.
15. A Ré passou a ser a única titular de todos os bens imóveis no valor patrimonial de €380.409,15.
16. Após a realização daqueles actos de registos prediais e inscrições matriciais de todo o património a favor da Ré, a Autora emitiu e entregou à Ré novas cadernetas prediais e certidões prediais.
17. A Ré solicitou à Autora que verificasse os contractos de arrendamento habitacional da herança, verificasse da existência (ou não) de rendas em atraso e, se caso fosse, intimasse os inquilinos ao pagamento das rendas em atraso.
18. A Autora procedeu em conformidade, analisando os documentos entregues pela Ré, elaborou e enviou cartas, sob correio registado c/ A.R., aos inquilinos com rendas em atraso, e diligenciou pelo seu pagamento estabelecendo contactos com os receptivos mandatários, escrevendo cartas e emails.
19. A Autora elaborou e enviou cartas a informá-los da transição para o NRAU do Contrato de Arrendamento Habitacional e da actualização das Rendas, com indicação de novos valores para as rendas mensais, nos termos do NRAU, acompanhadas de documentos.
20. Recebeu cartas/respostas dos inquilinos, com propostas de outros valores de rendas, acompanhadas de documentos.
21. Elaborou e enviou cartas/respostas a todos os inquilinos, a informá-los de que, a partir do mês de Maio do ano de 2015, o pagamento da renda passaria a ser efectuado por transferência bancária para a conta bancária nº 0007 0... 0... 9... 3... 3 sedeada no Novo Banco;
22. Recebeu emails dos inquilinos relativos a prolemas das fracções reclamações que a Autora que transmitiu à Ré.
23. Durante o tempo em que a Autora patrocinou e tratou dos vários assuntos que lhe foram confiados pela Ré, conferenciou com esta no seu escritório várias vezes.
24. A A. foi também mandatária da R. no processo de divórcio e de regulação do poder paternal.
25. A Ré contactava e conferenciava com a Autora também por telemóvel.
26. Concluídos os trabalhos, a Autora elaborou a Nota de Despesas e Honorários e, em conferência do dia 03 de Julho de 2015, apresentou à Ré para pagamento.
27. A requerida manifestou de imediato à A. a sua discordância quanto aos serviços e número de horas despedidos.
28. A Autora gastou 150 horas no tratamento das questões relativas ao processo de inventário por óbito de Maria ………. e de Alberto …………., no processo de imposto de selo, na alteração dos contractos de arrendamento para o NRAU e cobrança de rendas em atraso.
29. O valor hora acordado com entre A. e Ré foi de 75,00 €/hora.
30. A Autora enviou à Ré, via email do dia 22 de Setembro de 2015, a Nota de Despesas e Honorários, que, até hoje, não foi liquidada.
31. Em nome e representação da Ré, a Autora fez despesas que contabilizou no montante de €1.393,47.
32. A Autora recebeu da Ré, a título de provisões a quantia de €1.702,00 que se destinou ao pagamento das despesas e ao aprovisionamento de parte dos honorários.
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Factos Não Provados
a)- A Autora explicou à Ré, de forma detalhada, todos os assuntos tratados e os resultados obtidos, que são descritos naquela Nota de Despesas e Honorários, o valor cobrado, a título de honorários, acrescido o IVA a 23%, bem como todas as despesas efectuadas.
b)- A Ré aceitou a Nota de Despesas e Honorários e propôs à Autora efectuar pagamento em duas prestações mensais e sucessivas de igual valor, sendo o pagamento da 1ª prestação efectuado na semana seguinte e o da 2ª prestação no mês de Agosto de 2015.
c)- A Autora gastou 172,00Horas.
d)- A Autora acordou com a Ré o pagamento de €85,00/Hora.
e)- A Autora fez despesas de €1.693,47.”
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DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Impetra a apelante a alteração da matéria de facto assente, na parte em que que declarou provados os factos elencados nos pontos 26 a 29 e 31 da matéria de facto provada, bem como a alteração dos factos considerados como não provados nas alíneas a) a e) da matéria de facto não provada, que considera incorretamente julgados face à prova documental que serviu de suporte à elaboração da Nota de Despesas e Honorários e que a Autora juntou aos autos. (Cfr. fls. 895 a fls. 1262; de Fls. 1281 a fls.1296 e de Fls. 1263 a Fls. 1279), conjugado com o teor das declarações de parte da R. e com o email de 05/07/2015 remetido pela R. à A., alegando ainda contradição entre os factos provados nºs 26 e 27 e a alínea a) da matéria de facto que deu como não assente.
Decidindo
b)- Dos fundamentos de reapreciação da matéria de facto;
Relativamente aos requisitos de reapreciação da matéria de facto, dispõe o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, que:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

Por sua vez, no que respeita à observância dos requisitos constantes do artº 640, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.»[3]

Conforme refere o Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.
A saber:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente impunham uma solução diversa;
- E a decisão alternativa que é pretendida.

Efectivamente, sendo as conclusões uma súmula e síntese da indicação dos fundamentos por que se deduz a impugnação relativa à matéria de facto, deixariam de ter esse cunho se a Recorrente tivesse que inserir e especificar detalhadamente, em sede conclusiva, todos os elementos que compõem a impugnação e que se mostram enunciados nas diversas alíneas do nº 1 do art. 640º do NCPC, com a repetição exaustiva da fundamentação desenvolvida ao longo do conteúdo das alegações.”

Dito isto, este procedimento especial, conforme estipula o artº 3 nº3 do D.L. 269/98 de 01/09, apenas admite a reapreciação de prova, quando haja gravação da audiência final, uma vez que “Quando a decisão final admita recurso ordinário, pode qualquer das partes requerer a gravação da audiência.

Não foi requerida esta gravação, nem há despacho a determiná-la, mas, pese embora esta omissão, o tribunal recorrido efectivamente procedeu à gravação da audiência de discussão e julgamento, caso em que, estando a prova gravada e tendo sido criada a convicção de que poderia por esse meio, ocorrer a impugnação da prova, o recurso é de admitir, nada mais obstando à apreciação do recurso sobre a matéria de facto.

Assim sendo, o tribunal com vista à apreciação desta impugnação, procedeu à audição da prova e examinou os articulados e documentos juntos aos autos.

È a seguinte a redacção dos pontos 26 a 29 e 31:
“26. Concluídos os trabalhos, a Autora elaborou a Nota de Despesas e Honorários e, em conferência do dia 03 de Julho de 2015, apresentou à Ré para pagamento.
27. A requerida manifestou de imediato à A. a sua discordância quanto aos serviços e número de horas despedidos.
28. A Autora gastou 150 horas no tratamento das questões relativas ao processo de inventário por óbito de Maria ……….. e de Alberto ……………., no processo de imposto de selo, na alteração dos contractos de arrendamento para o NRAU e cobrança de rendas em atraso.
29. O valor hora acordado entre A. e Ré foi de 75,00 €/hora.
31. Em nome e representação da Ré, a Autora fez despesas que contabilizou no montante de €1.393,47.”

E a redacção dos pontos a) a e) da matéria de facto não apurada:
a)- A Autora explicou à Ré, de forma detalhada, todos os assuntos tratados e os resultados obtidos, que são descritos naquela Nota de Despesas e Honorários, o valor cobrado, a título de honorários, acrescido o IVA a 23%, bem como todas as despesas efectuadas.
b)- A Ré aceitou a Nota de Despesas e Honorários e propôs à Autora efectuar pagamento em duas prestações mensais e sucessivas de igual valor, sendo o pagamento da 1ª prestação efectuado na semana seguinte e o da 2ª prestação no mês de Agosto de 2015.
c)- A Autora gastou 172,00Horas.
d)- A Autora acordou com a Ré o pagamento de €85,00/Hora.
e)- A Autora fez despesas de €1.693,47.”

Para fundamentar a sua convicção quanto a estes pontos da matéria de facto, elencou o tribunal recorrido o seguinte:
A prova efectuada pela A. foi escassa, baseando-se essencialmente numa profusão de documentos, muitos deles repetidos e que em si mesmo pouco ou nada permitem concluir. A testemunha Cristina ……, funcionária administrativa da Autora, nada de concreto e relevante soube explicar ao Tribunal, nomeadamente como foi elaborada a nota de honorários, como foi feito o cálculo das horas peticionadas.
Assim, teve o Tribunal de se socorrer das declarações de parte da Requerida, do Laudo elaborado pela Ordem dos Advogados e dos documentos juntos. A Requerida admite que peticionou à Autora que tratasse dos assuntos relacionados com as heranças de seus pais e admitiu que se encontrava muito desfasada e desligada destes assuntos, desconhecendo em concreto o teor e valor de todo o património hereditário. Mais admitiu que a final, todo o património se mostra já registado em seu nome.
Recordou, no entanto, que, na conversa inicial e porque já existiam outro assuntos a ser tratados pela Autora, esta frisou que não seria “um  valor elevado o que cobraria pelo tratar destes assuntos”. Esta afirmação deixou a Requerida tranquila quanto aos honorários (confirmando ainda que o único valor contratado foi o de 75.00 €).
O depoimento da requerida, juntamente com os documentos juntos ao processo (nomeadamente certidões do registo predial, escrituras, pedidos de registo, requerimento relativo processo de imposto sucessório) permitem concluir pela veracidade dos factos elencados 1) a 26), na medida em que traduzem os elementos documentais que a A. foi requerendo para tratar dos vários assuntos relativos às heranças tal como tinha sido requerido pela Ré.

Relativamente às horas despendidas na execução de tais trabalhos, tal como decorre do Laudo da Ordem dos Advogados, também o Tribunal entende por excessivas as 172 horas invocadas pela Autora. A Autora não fez prova cabal das mesmas e há valores que se mostram manifestamente exagerados para os trabalhos em questão – elaboração e análise de documentos, requerimentos/emails de manifesta simplicidade, pedidos e análises de certidões (vd 09.10,28.10. 29.10. 12.11, 13.11. 14.11, 22.12. todos de 2014 e 20.01.2015, 05.03.2015, 19.05.2015, 22.05.2015). A autora não pode levar 2 horas a pedir uma certidão que se pode pedir pela internet (vd. 29.10 e 14.11). ou uma hora para analisar a recepção dos comprovativos dos registos dos imóveis a favor da cliente, ou 3 horas a elaborar uma carta e um email (20.01). A recepção de email a solicitar guias comprovativas de uma liquidação não carece de análise demorada. A recepção de um email a pedir uma certidão/declaração das finanças não carece de análise demorada (22.05). A análise das certidões no registo predial (05.03) não demora 4 horas. A certificação de fotocópias e pedido de registo, recepção de email não pode demorar 4 horas (19.05). Ou seja, o que decorre da nota de honorários é que não parece haver um critério diferente definido para actividade burocráticas e para o trabalho jurídico em si, sendo que pedidos de certidão, recepção e leituras de email, análise de certidões prediais, não podem ser qualificadas nem como matéria de grande complexidade nem que impliquem o tempo invocado na nota de honorários. Assim e tendo por base o Laudo afigura-se adequado o valor de 150 horas ali fixado para a realização do trabalho contratado. Não podemos deixar de ter em linha de conta a mediana complexidade inerente ao processo de inventário, e no caso eram dois inventariados, com património disperso e confuso, do qual a herdeira não tem conhecimento cabal. E ainda que haja efectivamente muito trabalho burocrático excessivamente calculado pela Autora não deixa de ser trabalho realizado e de realização imperativa para que se obtenha o resultado final conseguido – registo dos bens em nome da Requerida. Motiva-se assim a resposta dada ao facto 28) e a alínea c) dos Não Provados.
Relativamente ao valor hora cobrado (Factos 29), neste ponto a Requerida declarou que nunca lhe foi comunicada qualquer alteração do valor hora, ou que por força da complexidade da matéria o valor fosse diferente do já acordado nos outros processos. A Autora não trouxe aos autos qualquer prova dessa comunicação, pelo que o Tribunal deu como assente os 75.00 € e não os 85,00 € cobrados na nota de honorários (alínea d) dos Factos Não Provados.

Relativamente às despesas cobradas apenas os serviços de secretaria se mostram manifestamente excessivos os 500 € peticionados, sendo que por recurso às regras da experiência comum se afigura que 300,00 € seria um valor mais adequado, sendo que as demais se mostram justas e adequadas face aos valores peticionados. (Factos 31 e 32 e alínea e) do Não Provados)
Posto isto, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, não obstante se garantir um duplo grau de jurisdição[4], tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.

Esta prudente convicção do tribunal, tem de ser suportada numa lógica racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades de cada caso, tendo em conta que a exigência relativamente à prova deve variar em função dos bens ou direitos que se encontram em jogo, tendo em conta que o standard de prova deva ser mais exigente quanto maior for a improbabilidade do evento alegado e que, quando na presença de factos constitutivos do direito alegado cuja prova é por regra difícil ( Probatio diabólica ) de obter, não deve o julgador - no âmbito da sua valoração/apreciação - utilizar um grau de exigência ao nível da generalidade dos demais casos, antes deve ajustar o standard de prova para um nível de exigência mais leve/baixo. [5]

Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.

Ora, em relação ao facto dado como assente no ponto 26 da matéria de facto, não se percebe a discordância da A., sendo certo que a apresentação da nota de honorários à R., naquela data, foi por si alegada no ponto 31 da sua p.i. corrigida, não estando sequer impugnado que tenha sido apresentada a nota, naquela data.

Está sim impugnado que tenha a R. concordado com a mesma e inclusive pretendido pagar este valor em duas prestações, sendo que do mail junto pela A. a fls. 58 não se retira o que a A. pretende, nem a passagem truncada por esta reproduzida permite esta conclusão, uma vez que dela não consta nem a concordância com o valor apresentado nesta nota (referindo-se a primeira parte do email a um divórcio e valores em dívida a este respeito), nem a pretensão de pagamento faseado do montante referente a esta nota, mas apenas de 1/3 deste quantitativo.

O teor integral do mail[6] afasta a conclusão que dele a recorrente pretende retirar de que todos os assuntos teriam sido explicados, bem como que teria sido acordado o pagamento desta nota em prestações, uma vez que expressamente a recorrida peticiona “uma descriminação dos assuntos tratados relativos ao dito quantitativo…” o que não é compatível com a alegada explicação “de forma detalhada, todos os assuntos tratados e os resultados obtidos”. Não faria de todo sentido que, nesse caso, a R. peticionasse uma descriminação destes assuntos, alegadamente reportados ao processo de inventário da A. (que fundamenta a nota de honorários em causa).

Que a R. manifestou a sua discordância relativamente ao valor, decorre deste email e foi por esta afirmado em declarações de parte, não se vislumbrando que exista outro meio de prova que imponha decisão diferente.

Nenhuma rectificação existe pois a fazer aos pontos 26, 27 e alíneas a) e b).

Quanto ao nº de horas despendidas pela A. e referidas nos pontos 28 e alínea c), baseou-se o tribunal no laudo do CDOA, sendo certo que conforme refere o tribunal recorrido, não se vê justificação para as horas alegadas como dependidas pela A., na obtenção de certidões (que poderiam ser obtidas online), ou seu exame e na elaboração de emails, ou estudo de recepção de emails, actividades sem qualquer dificuldade e não morosas. São exemplos que o tribunal indica e que o laudo do CDOA também notou ao considerar exagerado o nº de horas fixadas na nota de honorários.

Nenhuma rectificação há a fazer aos pontos 28 e alínea c) conforme pretendido.

No que se reporta aos pontos 29 e alínea d), há que referir que nunca foi alegado, quer pela A. quer pela R. que tivesse sido acordado um valor hora. O que foi alegado pela A. é que aplicou, tendo em conta os usos da comarca e o trabalho realizado, o valor de € 85,00 (artº 37 da sua p.i.), a que a R. contrapôs que em outros serviços relativos ao seu processo de divórcio e regulação do poder paternal, a A. cobrou €75,00 por hora (artºs 30 e 31 da sua oposição).

Posto isto, o valor dos honorários pode ser fixado antecipadamente pelo Advogado e aceite pelo cliente, por convenção prévia reduzida a escrito (caso em que é este o valor acordado e fixado, independentemente dos usos da comarca) ou não, caso em que tal valor virá reflectido na nota de honorários apresentada, sujeito num caso ou noutro, ao princípio geral da adequação dos honorários aos serviços prestados (tal como o impõe o artº 100 da lei nº 15/2005).

Isto para dizer que não pode ser dado como provado nem um valor nem outro, porque nenhum foi expressamente acordado, cfr. aliás decorre do depoimento da própria R. O que ela diz é algo diferente, ou seja, que tendo sido, em anteriores serviços que solicitara à A., aplicado na nota de honorários, um valor hora de € 75,00, não lhe foi dito que este valor se alterara, nem o porquê de agora ser € 85,00.

A este argumento, contrapõe a A. que os serviços que prestou antes à R. decorreram no período entre 2010 e 2014 e que não seria curial continuar, para serviços posteriores e diferentes, a aplicar a mesma tarifa de honorários. 
        
Efectivamente dos docs. juntos pela própria R. para justificar a alegação de que a estes serviços deveriam ser aplicados o valor hora de € 75,00 (fls. 63 e segs.) consta uma nota de despesas e honorários, relativos a um processo de divórcio e regulação do poder paternal, que decorreram entre Abril de 2010 e Dezembro de 2014, no qual consta fixado um valor hora de € 75,00.

Daqui não se extrai, no entanto, que existiu “convenção escrita prévia” (Cfr. exige o artº 100 nº1 do EAU), a fixar um valor de honorários ou sequer acordo entre A. e R., no sentido de que o valor hora a praticar, para estes novos serviços solicitados em Junho de 2014, seria de € 75,00, nem que este era um valor fixo para todos e quaisquer serviços.

Pelo contrário, era também um valor de acordo com os usos e costumes e a complexidade dos serviços, cfr. decorre desta nota.
Assim sendo, elimina-se o teor da alínea d) porque não corresponde a qualquer facto alegado pela parte e altera-se o teor do ponto 29 para o seguinte:
“Em nota de honorários referentes a serviços forenses prestados pela A. à R., no âmbito do proc. de divórcio sem consentimento do outro cônjuge nº 959/11.2TMLSB e de Regulação de Responsabilidades Parentais, no período entre Abril de 2010 e Novembro de 2014, a A. fez consta o seguinte: “HONORÁRIOS atendendo ao tempo de trabalho gasto, à complexidade dos serviços e ao trabalho obtido, o valor cobrado a título de honorários corresponde ao valor mínimo de € 75,00/hora”. 
     
Relativamente aos pontos 31 e ao teor da alínea e), não indica a A. qualquer meio de prova em concreto, nem qualquer elemento relevante que nos permita alterar ou considerar outro valor que não o referido na decisão de facto do tribunal recorrido, sendo que os docs. de fls. 1263 a fls.1279 dos autos, não corroboram o montante peticionado pela A., sem que a recorrente indique quais os critérios pelos quais considerou estas denominadas “despesas de secretaria” e os motivos pelos quais pretende que sejam fixados em € 500,00, tal como consta da nota enviada.

Em bom rigor, não tem qualquer suporte este valor ou qualquer outro, mas não sendo impugnado pela R., mantém-se o referido neste ponto.

Mantém-se pois a matéria de facto adquirida pelo tribunal recorrido, à excepção do ponto 29 e da alínea d) que se elimina.
*

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Nos presentes autos está em causa sentença que fixou o valor de honorários devidos pela realização de serviços jurídicos pela A., advogada de profissão, à R., constantes de nota de despesas e honorários por esta elaborada e remetida à R., que a não aceitou.
A este respeito considerou a decisão recorrida que “Mandato forense é o mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz (artº 62 nº 1 a) do EOA, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro, com as alterações decorrentes do DL nº 226/2008 e da Lei nº 12/2010, de 25 de Junho, e 2 da Lei nº 49/04, de 24 de Agosto). 

O exercício do mandato forense constitui acto próprio dos advogados e solicitadores, portanto, só pode ser praticado por advogado com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados ou Solicitador com inscrição na Câmara dos Solicitadores (artº 1 nºs 1 e 5 a) da Lei nº 49/2004, de 24 de Agosto).

Nos seus traços descritivos gerais, o mandato é um contrato consensual, sinalagmático imperfeito e presume-se oneroso quando é exercido no âmbito da profissão do mandatário (artºs 1157 e 1158 nº 1 do Código Civil).

No presente caso a A. reinvindica da Ré o pagamento de honorários.

O que resultou da prova produzida foram efectivamente as horas despendidas – 150 horas, que se afiguram justas e equitativas para o trabalho realizado e demonstrado nos autos e o trabalho realizados, sendo que parte do mesmo ainda não se mostra pago.

Dispõe o artº 342 do CC:
“Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. (...)”.
Tendo a A. logrado provar parte dos factos que invoca na petição inicial deve a acção proceder parcialmente condenando-se a requerida ao pagamento de 150 horas no valor de 75 e por hora, num total de 11.250 € de honorários, acrescidos de IVA, e ainda nas despesas de 1393,47 €, devendo ser descontado o valor já entregue a titulo de provisão.
O valor ora determinado deve ainda ser acrescido de juros de mora desde a data de apresentação da nota de honorários até efectivo e integral pagamento.”
Dispunha o artº 65º do EAO aprovado pelo DL 84/84 que “Na fixação dos honorários deve o advogado proceder com moderação, atendendo ao tempo gasto, à dificuldade do assunto, à importância do serviço prestado, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e à praxe do foro e estilo da comarca”.
Os critérios enumerados naquele normativo não tinham carácter taxativo, pelo que se podia atender na fixação do montante dos honorários a outras circunstâncias objectivas e subjectivas que se entendesse serem relevantes.
Eram, no entanto, indicadores importantes para a determinação do montante dos honorários e, de entre eles, assumiam maior relevância a dificuldade do assunto, o tempo gasto, a importância do serviço prestado e a sua influência no resultado final.
Quanto ao estilo da comarca, este era formalizado pelas tabelas de honorários aprovadas anualmente pelas Delegações Comarcas da Ordem dos Advogados, funcionando os valores ali estipulados como “mínimos”.

Este diploma foi alterado pela Lei 15/05 de 26.01[7] (alterado pela lei nº 12/2010, de 25/06), aqui aplicável atenta a data dos serviços prestados) que no seu artº 100 estipula que:
“1. Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.
2. Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.
3. Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.”

Alargou-se o âmbito da anterior previsão, substituindo-se agora o foro da comarca pelos usos profissionais.

A partir de 2006, por deliberação do Conselho Superior da OA, foi considerado que esta, designadamente através das suas delegações, não pode aprovar tabelas de honorários, quer sejam mínimos, quer sejam máximos, dado que estas tendem, à partida, a impedir a livre fixação dos valores correspondentes aos serviços prestados, subvertendo as regras de concorrência, assim se considerando ilegais e deixando de subsistir estas tabelas.

É pois o Advogado livre de cobrar honorários, sem dependências das referidas tabelas, mas sempre sujeito, quando não exista prévio acordo com o cliente, que terá de revestir a forma de “convenção prévia reduzida a escrito”, à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual, ao resultado obtido, ao tempo despendido e aos usos profissionais, mormente o que é habitual cobrar, em idênticas situações na comarca.  

E um dos indicadores é precisamente a dificuldade da questão e o sucesso obtido pela actividade do advogado, na resolução dos assuntos que lhe são cometidos.

Quanto à dificuldade da questão, à semelhança do que considerou o laudo do CDOA, não era esta uma actividade complexa ou difícil, não se tratando de inventário judicial, com multiplicidade de interessados, sendo a R. a única interessada final, consistindo, no essencial, o trabalho da A., na obtenção e análise de documentação e nos passos necessários a que os bens constantes destas heranças fossem inscritos em nome da R.

O mesmo se dirá dos contatos com os arrendatários que não chegaram a fase judicial, e com as inscrições dos respectivos contratos no portal das finanças.

Não são actividades de especial complexidade (sendo muitas típicas de solicitadoria), sendo que quando se fixam os honorários à razão do valor/hora, tal se referirá ao trabalho intelectual complexo que geralmente caracteriza a actividade do advogado, não se podendo remunerar pelo mesmo valor o trabalho meramente burocrático[8], assim se considerando em laudo elaborado pelo CDOA, como razoável, o valor hora de € 85, valor que se considera ser de fixar tendo em conta estes factores e o que resulta do laudo elaborado.

É que, “apesar de se tratar de um parecer e de estar sujeito à livre apreciação do julgador, o laudo emitido pela Ordem dos Advogados, sendo elaborado por profissionais do foro, é manifesto que não se lhe pode negar a autoridade de quem tem um conhecimento específico sobre a matéria, susceptível de aferir, com elevado grau, da razoabilidade e adequação do valor constante da nota de honorários; I.2-não sendo vinculativo e não podendo ser entendido como coercivo para o tribunal, a verdade é que do mesmo consta um entendimento que deve merecer a máxima atenção, dada a particular qualificação profissional e experiência dos membros que integram o Conselho Superior da OA que o proferiram e as regras deontológicas que presidem à sua actividade.”[9]

É este o entendimento também seguido no Ac. do STJ de 15/04/2015, Proc. 4538/09.6TVLSB.B.L1.S1, no qual se defendeu que “O laudo da Ordem dos Advogados está sujeito à livre apreciação do julgador. Porém, para determinação do seu valor probatório não pode deixar de se tomar em conta que foi elaborado por profissionais do mesmo ramo de atividade, eleitos pela assembleia geral da mesma Ordem, o que faz pressupor que possuem elevados conhecimentos técnicos para aferir, sob o ponto de vista económico, sobre o montante dos honorários devidos. (…) A credibilidade que merece o laudo de honorários, só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente fortes que abalem aquela credibilidade”[10]

Não existindo factos alegados dos quais decorra abalada esta credibilidade, sendo aliás o laudo solicitado a pedido da R., tem-se por aceite este valor.

No demais está assente o número de horas gastas e as despesas realizadas, bem como o montante de provisão solicitado, havendo apenas que alterar a decisão recorrida no que se reporta ao valor hora fixado, sendo que quanto aos juros, não tendo existido qualquer impugnação da R. quanto ao início da sua contagem, se tem de manter, por transitada a decisão neste circunspecto.
*

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, pelo que altera-se a decisão recorrida, condenando-se a Ré B no pagamento à Autora A do valor de 12.750,00 € de honorários, acrescidos de IVA, e ainda nas despesas de 1393,47 €, devendo ser descontado o valor já entregue a título de provisão, bem como nos juros de mora vencidos e vincendos desde a data de apresentação da nota de honorários até efectivo e integral pagamento.
No demais absolve-se a recorrida B.
Custas pela apelante e apelada na proporção do decaimento (artº 527 do C.P.C.).


Lisboa 04/07/19


(Cristina Neves)
(Manuel Rodrigues )
(Ana Paula A.A. Carvalho)



[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3]Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, 1060/07.
[4]Cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 04.02.2016, no Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «Para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.»
De igual modo, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016, no Proc.1572/12.2TBABT.E1.S1, disponível na mesma base de dados, decidindo que «O Tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou.»
[5]Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova Por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, pág. 148 e 149.
[6]É o seguinte: “amanhã vou fazer-lhe a transferência do valor em falta referente à nota de despesa do meu divórcio 7.106,00 Eur. O valor em falta é de 306 Euros e amanhã farei a transf.
Quanto ao que conversamos na sexta feira…lamento Drº Alice mas estive a ver os meus extractos mas não tenho o valor que lhe adiantei nem o consigo arranjar…o máximo que eu consigo facultar é de cerca de 1/3 do quantitativo por si mencionado…
Entretanto gostaria que me enviasse uma descriminação dos assuntos tratados relativos ao dito quantitativo (ou seja uma nota de despesa ou algo semelhante) para eu ter uma ideia mais ou menos aproximada dos custos e da realidade que me rodeia e do que eventualmente me espera”
[7]Revogado pela Lei n.º 145/2015, de 09/09, aqui não aplicável, sendo a nova redacção do preceito relativo a honorários a seguinte:
Artº 105º
1 - Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efetivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.
2 - Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respetiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.
3 - Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.

[8]Ac.s do TRL de 18.11.2014, Proc. 33.040/12.7YIPRT.L1, disponível in www.dgsi.pt
[9]Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte de 15/03/19, proc. nº 00678/11.0BEPRT, disponível in www.dgsi.pt;
[10]No mesmo sentido Ac. do STJ de 20/01/2010, Proc. 2173/06.OTVPRT.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt