Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
396/18.8JELSB.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
VALORAÇÃO DO DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I-Tendo sido efectivamente mencionadas as provas em que o tribunal se baseou com base na sua livre convicção, com indicação da respectiva intervenção e teor do depoimento do arguido, bem como da prova documental e pericial, a não menção específica do conteúdo de um depoimento de uma testemunha não pode, porém, só por si, considerar-se violador da exigência de fundamentação das decisões judiciais ou, mediatamente, das garantias de defesa do arguido, incluindo o seu direito ao recurso, pois a dimensão normativa dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal impugnada nos presentes autos não viola os artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição.

 II-Assim tendo em conta os argumentos e diversos vícios e nulidades invocados pelo recorrente que têm como denominador comum, sempre a falta de referência no acórdão na sua fundamentação, do depoimento da única testemunha ouvida, tal circunstância não configura a verificação em concreto de nenhum deles, uma vez que, estando o acórdão recorrido devidamente fundamentado, se conclua que aquele depoimento é inócuo do sentido de nada aportar ao exame crítico das provas, e consequentemente à convicção do julgador que fica assim intocável.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão sumária ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de processo Penal

I.
Nos presentes autos, provenientes do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa- Juiz 10, o arguido AA.., melhor identificado nos autos, interpor recurso (vide a folhas 311 até 327) do acórdão que nestes autos foi proferido, a folhas 288 a 300, e através da qual o arguido foi condenado pelo Tribunal “a quo” pela pratica em autoria material e na forma consumada do seguinte crime:
-Condenar o arguido pela pratica de um crime de tráfico de estupefacientes (previsto e punido pelo disposto no artº 21º nº 1 do DL 15/93, de 22/01 e tabela I-B anexa ao citado diploma legal) na pena DE 5 (cinco) ANOS E 9 (nove) MESES DE PRISÃO. (..)
Através do recurso que apresentou vem o arguido pedir a final o seguinte:-dever ser dado provimento ao recurso, sendo substituído o douto acórdão proferido, quanto aos pontos focados na presentes alegações.
Mais:
Para o efeito apresentou as seguintes,
 Conclusões
1. O Recorrente, AA.., foi condenado pela prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. no art.11 21, n111, do Decreto –Lei n11 15/93 de 22 de Janeiro, com referencia à Tabela I-B, anexa, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.
2. O Tribunal “a quo” considerou provada matéria de facto constante das motivações e do Douto Acórdão que aqui se dá por economia processual por integralmente reproduzida;
3. O Douto Acórdão proferido pelo Tribunal “ a quo”, sofre de um erro notório na apreciação da prova, padecendo assim de um vício previsto no art.11410, n.112 alínea a ) e c), nulidades nos termos 12711 e 374, n11 2, todos do CPP, bem como na violação do preceituado no art.11 3211, n.11 2 da CRP, que consagra o Principio do In dúbio pró reo.
4. Acórdão deve ser posto em causa, na medida em que o douto tribunal “a quo” ter suprimido qualquer alusão ao depoimento da testemunha BB…, Inspector da PJ, que de certa forma corrobora, com a possibilidade do arguido desconhecer o conteúdo do produto de estupefaciente dentro do álbum que transportava.
5. Refere o Douto Tribunal em sede de motivação da matéria de facto que “a decisão sobre a matéria de facto formou-a este Tribunal com base na apreciação crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, no seguintes termos:
Prova Pericial, Relatório do exame pericial de toxicologia de fls 120 e Documental, auto de apreensão de fls. 23 e 24; Documentos de fls. 16 a 22, 28 a 32; Reportagem fotográfica de fls. 25 a 27; CRC de fls. 246 e Relatório Social junto a fls. 221 a 225 (..)”.
6. Às declarações do Arguido, ora Recorrente, o Douto Tribunal analisando as mesmas refere que a versão o Recorrente foi “pouco convincente e nada espontânea (...)”.
7. Sendo certo que o Douto tribunal continua referido que “(...) o Tribunal teve em consideração o exame laboral à substancia apreendida e ainda os documentos juntos aos autos, os quais estão supra descritos e referenciada a sua localização.
A convicção do tribunal colectivo formou-se com base na análise critica daquela prova, tendo em conta também o valor científico dos documentos laboratoriais e ainda tendo em conta as regras de experiencia comum e da normalidade das coisas, sobretudo face à tipologia habitual como o dos autos(...).
8. Ora, perguntamo-nos: para que serviu a fase de audiência de discussão e julgamento?
9. Na realidade, e salvo o devido respeito que é muito, de nada serviu a produção de prova, nomeadamente a audição de testemunha, arrolada pelo Digno Procurador da República, o Senhor Inspector da PJ, BB.., porque este nem sequer é referida no Douto Acórdão.
10. Bastava, à vista do Douto Acórdão, passar do inquérito para a prolação de decisão uma vez que só serviu para convicção do Tribunal a prova careada aos autos durante do inquérito.
11. Na verdade, a testemunha ouvida em sede de discussão e julgamento é esclarecedora, isenta e deveria ter sido tomada em conta, no Douto acórdão, para a formação da convicção do Tribunal e bem assim para ponderação dos factos dados como provados.
12. Como resulta das declarações prestadas pela Testemunha BB…, na sessão de audiência de discussão e julgamento de 20 de Maio de 2019 e que se encontra registado digitalmente no Habilus Media Studio, com início às 11:32:30 h e término às 11:46:39, passando –se a transcrever as mesmas, por ser de relevante importância :
Minuto 4’37 a 7’22: Digna Procuradora: “O arguido já nos disse aqui algumas coisas que não vale a pena eu estar-lhe a perguntar, ele foi detido no aeroporto de Lisboa a tinha uma mala com um álbum fotográfico que ele diz que não sabia o que lá estava dentro e o Senhor Inspetor também não pode dizer se não sabia, a única coisa que eu queria saber porque isso faz referência aqui no relatório é que vocês já estavam à espera dele”;
Testemunha: “Sim” Digna Procuradora:
 “ Qual era a suspeita que tinham o que é que o que é que sabiam sobre este caso?”
Testemunha:
“Eu e os meus nós somos três no aeroporto, nós recebemos indicação do nosso chefe para nos deslocarmos ao aeroporto porque estaria a chegar a Lisboa um individuo que vinha do Dubai, que estaria a fazer escala no Dubai, vindo originariamente do Rio de Janeiro que era suspeito de transportar produtos estupefacientes foi essa indicação que nos fui dada.”
Digna Procuradora:
“Sim, não sabe a razão dessa suspeita?”
Testemunha:
“Não”
Digna Procuradora:
“Pronto. Foi o Senhor Inspetor que depois fez a apreensão?”
Testemunha:
“Não me recordo, mas provavelmente sim, se tiver o meu nome fui eu que fiz.”
Digna Procuradora:
“Então veja por favor então o auto de apreensão que consta nas folhas 23.”
Meritíssima Juiz Presidente:
“Folhas 23 e 24, mas no caso é 23 Senhora Procuradora.”
Digna Procuradora:
“O auto de apreensão é 23, as fotografias é que não, são na 24.”
Meritíssima Juiz Presidente:
“Mas pode seguir...”
Testemunha:
“Sim, é o meu nome aqui.”
Digna Procuradora:
“Pronto, a recorda-se portanto a mala a mala foi aberta na presença do arguido?”
Testemunha:
“Sim.”
Digna Procuradora:
“Tava tava o Senhor Inspetor tava presente quando abriram a mala?”
Testemunha:
“Exatamente”
Digna Procuradora:
“Pronto. A isto vinha nalgum isto eram álbuns fotográficos tão aí as fotografias nas folhas 25.”
Testemunha:
“Sim, vinha dentro da mala.”
Digna Procuradora:
“ Não, não é dentro da mala, mas vinham soltas ou vinham acondicionadas nalgum saco?”
Testemunha:
“Isso já não me recordo.”
Digna Procuradora:
“Já não se recorda?”
Testemunha:
“Mas não me lembro de sacos que ele transportasse dentro da mala, penso que vinham acondicionados junto
com os seus bens pessoais.”
Digna Procuradora:
“Os seus bens pessoais, sim senhor. A, na altura o arguido deu alguma justificação, como é que reagiu, como é
que foi?”
Testemunha:
“Ele sabia que tinha aqueles dois álbuns, disse que não eram seus, recebeu para (impercetível) Inglaterra, mas não ou seja ele sabia que ali estavam quando nós espalhamos os as fotografias ele (impercetível) recortámos uma dessas fotografias, as fotografias faziam saco da tal capa plastificada, faziam saco que por sua vez tinham um saco com produto branco e disse que não sabia que tinha os sacos com os produtos brancos, não sabia que estavam dentro dessas capas plastificadas contendo fotografias.”
Digna Procuradora:
“Hum hum, sim senhor. Mais algum pormenor que que julgue importante e que eu não tenha perguntado?”
Testemunha:
“Não, não.”
Digna Procuradora:
“Não.”
Testemunha:
“Nada mais.”
Digna Procuradora:
“Sim senhor. Mais nada Senhora Dra., muito obrigada.”
Meritíssima Juiz Presidente:
“O senhor, o senhor, o senhor Inspetor, o senhor Inspetor tava lá antes de passar à ilustre Defensora Oficiosa do arguido. Qual foi ele disse que não sabia que tava lá o produto, não é? Pronto, os senhores abriram um ou dois, e qual foi a reação dele depois de ver o o o conteúdo, não há fotografias porque eram (impercetível).
Testemunha:
“(impercetível) porque...”
Meritíssima Juiz Presidente:
“Sim, e como é que foi a reação dele, foi passiva, foi de espanto, foi de foi de choro, foi de desespero (em segunda voz ao mesmo tempo a testemunha diz “Não”).”
Testemunha:
“Não sei se chegou ao desespero, poderá não ter demonstrado um desespero a um grande desespero, mas foi uma surpresa porque referiu que não sabia que aquelas, que aquilo que ele tava a transportar teria, teria aqueles sacos com aquele conteúdo, depois nós dissemos o que é que o que é que era. Foi mais uma surpresa.”
Meritíssima Juiz Presidente:
“Senhora Dra.”
Mandatária do Arguido:
“Diretamente senhora Dra.?”
Meritíssima Juiz Presidente:
“Claro que sim.”
Mandatária do Arguido:
“Bom dia senhor Inspetor eu só tenho uma ou duas questões para lhe colocar. A primeira é, a... de que cor eram os álbuns de...o álbum?”
Testemunha:
“O álbum, a...”
Mandatária do Arguido:
“Aquilo parece mais uma capa do que um álbum.”
Testemunha:
“Sim sim.”
Mandatária do Arguido:
“Pelo menos os álbuns em Portugal eu não eu não conheço assim nenhum.”
Testemunha:
“Era escuro, não lhe sei dizer se era preto se era um azul escuro, um azul escuro poderia ser (...)
Meritíssima Juiz Presidente:
“ Senhora Dra., se quiser pode-se exibir está, estão aqui (...)”
Mandatária do Arguido:
“Não não, não, eu só eu só a...a..., a minha segunda pergunta é para o comum dos normais a pessoa partindo obviamente do pressuposto que o senhor está a falar verdade e que desconhece o que é que vem dentro de... mesmo que o senhor abrisse, porque ele diz que não viu que não nem viu as fotografias que não viu nada que lhe puseram os álbuns assim, a minha pergunta é era percetível, era percetível esses sacos no... no... nos álbuns?”
Testemunha:
“Os sacos contendo o produto estupefaciente não.”
Mandatária do Arguido:
“Não era percetível.”
Testemunha:
“(impercetível) acondicionados não eram percetíveis.”
Mandatária do Arguido:
“Não tenho mais perguntas Senhora Dra., obrigada.”
Juiz “Asa”:
 “Sim, mas... a pergunta talvez, esta última pergunta talvez não, não sei se a entendeu bem a...não era se olhando para... para elas se via os sacos, os sacos estavam dentro das fotografias, não é isso.”
Testemunha:
“Os sacos estavam dentro e não era olhando se...”
Juiz “Asa”:
“Era se era... se era percetível a quem manuseasse a...o álbum e as fotografias se se percebia que era uma coisa gordinha porque tinha lá um saco dentro.”
Testemunha:
“Isso já não me recordo especificamente...”
Juiz “Asa”:
“Ou se aquilo estava de uma maneira que a fotografia que não parecia que ter lá um saco dentro, uma fotografia é uma coisa lisinha.”
Testemunha:
“Exatamente, ou seja, aquilo também era uma era uma capa plastificada, ou seja (impercetível) e lá dentro estavam...”
Juiz “Asa”:
“Não se importa só de (impercetível).”
Meritíssima Juiz Presidente:
“ É dar uma vista de olhos (impercetível) assim...”
Testemunha:
“É que os sacos estavam bem espalmados.”
Juiz “Asa”:
“Pois, por isso pronto. Acho que era essa a pergun...a ideia era se se conseguisse uma pessoa normal...”
Mandatária do Arguido:
“Não, a ideia era as duas, era o palpável e era o (impercetível) visualizar o próprio...”
Testemunha:
“Não era palpável porque o saco quando nós tirámos a...nós acho que eu penso que chegámos ainda a tirar com uma das capas assim e puxámos e o produto vinha espalmado.”
Juiz “Asa”:
“Mas vinha dentro da fotografia”
Testemunha:
“Vinha dentro da fotografia.”
Juiz “Asa”:
“Ou cá fora?”
Testemunha:
“Não, vinha dentro, nós tivemos que recortar a parte de cima do plástico transparente para conseguir tirar para ver o que é que tinha lá dentro.”
Mandatária do Arguido:
 “Mas não vinha, pronto, mas não vinha impregnado, portanto vinha mesmo...”
Testemunha:
“Era mesmo o saco com o produto lá dentro.”
Juiz “Asa”:
“Sim senhor, portanto para ver se então eu entendo aquilo era uma uma espécie de bolsa plástica a...que estava fechada.”
Testemunha:
“Sim.”
Juiz “Asa”:
“Lá dentro tinha a fotografia espalmada atrás da fotografia tinha...”
Testemunha:
“Entre as duas fotografias porque era de um lado e do outro.”
Juiz “Asa”:
“(impercetível) entre as duas fotografias estava o saco...”
Testemunha:
“O saco contendo o produto e estava bem espalmado.”
Juiz “Asa”:
“Bem espalmado, a...sendo certo que a...com com essa, só visto assim aquilo não era não era fácil de perceber. A...se só fosse lá mexer...”
Testemunha:
“Provavelmente, eu não me recordo mesmo da questão do tato mas só, só vendo não não não era percetível que tinha uma coisa lá dentro.”
Juiz “Asa”:
“Em relação, uma ultima questão, em relação ao peso a...se uma pessoa que segurasse um álbum daqueles perceberia que estava...”
Testemunha:
“Um álbum ou uma daquelas capas?”
(...)Minuto ’09:05:
Juiz “Asa”:
“Os dois álbuns no total traziam três quilos, mais coisa menos coisa.”
Testemunha:
“Sim sim, um quilo e meio em cada álbum.”
Juiz “Asa”:
“Se não se apercebeu que o álbum tinha peso a mais?”
Testemunha:
“Eu recordo-me de ter algum peso, mas também é que nós, eu acho que nesta situação dissemos tá aqui só mesmo com a abertura de um desses, duma dessas capas plastificadas é que nós chegamos à conclusão que tinha ali alguma coisa. O que me recordo é que nunca se chegou a dizer epá isto está pesado isto tem. Só mesmo com a abertura de um.”
Meritíssima Juiz Presidente:
“Isso tinham sempre abrir claro.”
Testemunha:
“Exatamente.”
13. Face ao supra transcrito, duvidas não existem que o Douto Tribunal ao não relevar o depoimento daquela testemunha, sequer o ter mencionado nas motivações da decisão, no ponto 3.3, enferme do vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 410, n° 2 do CPP e 374, n.° 2 do C.P.P) e conforme estabelece o artigo 379°, n.° l, alínea c), 1ª parte do C.P.P, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, o que no caso em apreso foi o que sucedeu.
14. É igualmente nulo o douto Acórdão, por violação clara do disposto no art.° 374° do CPP, uma vez que e de acordo com a articulação e analise critica dos vários elementos trazidos aos autos, em que o Tribunal” a quo” alicerçou a sua convicção é de todo impossível afirmar que a decisão de condenar o ora Recorrente se encontra fundamentada.
15. A apreciação da prova pelo julgador é livre, embora a discricionariedade na apreciação da prova tenha o limite das regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo, conforme ensina o Professor Figueiredo Dias, (in Lições Coligidas de Direito Processual Penal, edição de 1988/1989, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pág. 141.
16. Sendo o tribunal soberano na apreciação da prova, o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no 410.°, n.° 2, al. c), do CPP, só pode servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resulte do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
17. Ora, no presente caso, o Douto Tribunal nem sequer refere a testemunha ouvida em sede de julgamento.
18. O Tribunal não deixa de atribuir credibilidade ou falta dela.
19. Esta opção, de não referir a testemunha Inspector João Fulgêncio, não tem uma justificação lógica, nem legal e é inadmissível face às regras da experiência comum, principalmente tratando-se de um inspector e de uma prova indicada pela própria acusação.
20. Importa salientar o Prof. Figueiredo Dias Direito Processual Penal I, 202. “a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”.
21. É na audiência de julgamento que tal princípio assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374° n° 2 do CPP.
22. Assim, a livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso.
23. O art. 127° do CPP, indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.2.08, no proc. 07P4729, em www.dgsi.pt..
24. O Recorrente não discorda da forma como a prova foi apreciada pelo tribunal “a quo”, mas da forma como o Tribunal excluiu, sem dar qualquer justificação, uma prova credível e fundamental para a boa decisão da causa.
25. O Recorrente, por isso coloca em crise a livre apreciação da prova e a convicção do tribunal.
26. E diga-se que o Tribunal nem sequer excluiu a referida testemunha a pretexto de falta de credibilidade, pura e simplesmente a ignorou!
27. Ora, do depoimento da testemunha resulta claro que o Recorrente, como qualquer outro homem colocado na mesma situação, não poderia só de pegar nos álbuns saber o que transportava.
28. Cumpre realçar as declarações do Recorrente, quer em sede de primeiro interrogatório quer em sede de audiência de discussão e julgamento que se mantiveram sempre idênticas ao afirmar que desconhecia que transportara produto estupefaciente.
29. A testemunha reforça que era impossível sem a abertura dos plásticos saber efetivamente o que se transportava.
30. O Tribunal “a quo”, igualmente violou o disposto no artigo 127 .º do Código de Processo Penal.
31. A apreciação da prova tem de específico a superação da incerteza de um facto controverso, através do julgamento, ou seja, da formação de uma convicção de certeza, segundo regras previamente estabelecidas, de respeito pelo contraditório, imediação, oralidade e pública discussão da causa.
32. Quando o julgador, em audiência de discussão e julgamento, ultrapassa o estado de incerteza ou de dúvida, a convicção assim formada, desde que obtida através de procedimentos cognoscitivos plausíveis e possíveis, é sempre válida, atento o disposto no artº. 127º do Cód. Proc. Penal (principio da livre apreciação da prova).
33. O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374°/2 do Código de Processo Penal.
34. O artigo 374º do Código de Processo Penal que dispõe sobre os “requisitos da sentença” (relatório – nº1; fundamentação – nº 2; e dispositivo ou decisão stricto sensu), indica no nº 2 os elementos que têm de integrar a fundamentação, da qual deve constar uma «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
35. A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») da decisão.
36. Como salienta Germano Marques da Silva, Germano M. Silva, Curso de Processo Penal, III Vol, pág. 289. “As decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz”.
37. Em matéria de facto, a fundamentação remete, como refere o segmento final do n° 2 do artigo 374° do CPP (acrescentado pela Reforma do processo penal com a Lei n° 58/98, de 25 de Agosto), para a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar aconvicçãodotribunal.
38. A lei impõe, pois, como critério e base essencial da fundamentação da decisão em matéria de facto, o «exame crítico das provas», mas não define, nem expressa elementos sobre algum modelo de integração da noção.
39. O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte, vide Acs. do STJ de 17.03.2004, Proc. n° 4026/03; de 07.02.2002, Proc. n° 3998/00 e de 12.04.2000, Proc. n° 141/00.
40. A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se, pois, a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
41. Para cumprimento daquele requisito não se satisfaz a lei com a mera enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença Acs. do Tribunal Constitucional n°s 680/98 e 636/99.
42. No caso em concreto e analisando a motivação de facto da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido na motivação de facto se circunscreve aos elementos já constantes dos autos, verificando-se aí um exame critico, mas já não existindo para exclusão e não ponderação da testemunha.
43. A apontada omissão de fundamentação à não valoração do depoimento da já identificada testemunha, determina a nulidade do Douto Acórdão, nos termos dos art° 379° n° 1 al. a) e 374° n° 2 do Código de Processo Penal, prejudicando consequentemente as restantes questões suscitadas pelo recorrente.
44. Na sequência da declaração de nulidade que desde já se requer, deverá o Acórdão recorrido ser reformulado de modo a suprir o referido vício.
45. Igualmente, no nosso modesto entender e salvo melhor opinião, existe uma notória violação do principio in dúbio pro reo, pois que o principio da livre apreciação da prova, não abarca retirar de não factos, conclusões, como parece suceder no douto Acórdão.
46. O princípio do in dubio pro reo sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.”
47. “Entre o princípio da livre apreciação da prova e o princípio basilar da presunção de inocência, de que o “in dubio pro reo” é uma das suas várias dimensões, existe uma estreita conexão.
48. O princípio do “in dubio pro reo” não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos], ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
49. Na apreciação da prova, o Tribunal é livre de formar a sua convicção desde que não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.
50. É opinião da Recorrente que a decisão recorrida violou o princípio do in dúbio pro reo, uma vez que conjugando as declarações do Recorrente com o depoimento da testemunha inspetor do Policia Judiciaria produzidas em sede de discussão e julgamento permite concluir pela existência de dúvidas razoáveis e sérias de que os factos explanados na acusação terem sido intencionalmente praticados pelo Recorrente.
51. Mais, e atendendo ao supra descrito não podemos deixar de neste momento referir a presunção de inocência.
52. Entende o recorrente que da prova produzida não se poderia ter considerado provado, sem margem para dúvidas, que o mesmo agiu com dolo intencional.
53. Com a decisão proferida foram violados os art.ºs 32/2 da CRP, art. 410/2 alíneas a) e c), 127 do CPP, 210/2 alínea b) e 204/2 alínea f) e art. 256/1 alínea a) e 3 do CP.
54. Nestes termos deve o recorrente ser absolvido quanto à prática do crime de tráfico de estupefaciente.
55. O ora Recorrente é primário e nunca tinha sido presente a um Juiz ou tido qualquer problema com Justiça.
56. Mais, estamos a falar de um homem com 69 anos e com graves problemas de saúde, nomeadamente com um problema oncológica e ser diabético, encontrava-se a ser acompanhado clinicamente em Paris, onde se deslocava com regularidade.
57. É natural de Cotonon, Benin, mas com nacionalidade Francesa.
58. Conforme se alude no Douto Acórdão e Relatório Social junto aos autos, com um percurso de vida normal e uma situação económico –social estável.
59. O Recorrente está em prisão preventiva desde 19 de Dezembro de 2018, tem tido um comportamento irrepreensível.

O recurso apresentado pelo arguido, foi admitido através do despacho proferido a folhas 328.
O Digno Magistrado do Ministério Público, junto da primeira instância respondeu concluindo pela improcedência do recurso, pelos motivos que clara e sucintamente exarou na sua resposta a fls. 332 e seguintes, que aqui se tem por integralmente reproduzida.
O processo seguiu os seus termos legais.
Junto deste Tribunal a Digna Procuradora Geral Adjunta proferiu douto parecer a fls. 346 pugnando a final pela improcedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º nº 1 do CPP, tendo o arguido silenciado.
                              
II.
Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por manifesta improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e e 420.º, n.º 1 do Código de Processo Penal) passando-se a proferir decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal (Ac. TRE de 3-03-2015 : I. A manifesta improcedência do recurso (conceito que a lei não define) nada tem a ver com a extensão da matéria submetida a apreciação, nem com a sua intrínseca complexidade, nem com a prolixidade da motivação do recurso (na procura de deixar bem claras as razões de discordância com a decisão recorrida).II. O que releva é o bem-fundado, a solidez ou o apoio legal, doutrinário ou jurisprudencial, da argumentação usada para atacar a decisão de que se recorre. III. Existirá manifesta improcedência sempre que seja inequívoco que essa argumentação de modo nenhum pode conduzir ao efeito jurídico pretendido pelo recorrente, in www.dgsi.pt).
A lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas vertentes diversas, admitida que está, no nosso processo penal a cindibilidade do recurso, princípio acolhido nos arts. 403.º nº 1, 410.º n.º 1 e 412.º n.º 2:
1) Rejeição formal que se prende com a insatisfação dos requisitos prescritos no art. 412.º n.º 2;
2) Rejeição substantiva que ocorre quando é manifesta a improcedência do recurso.
A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores é patente a sem razão do recorrente.
 A figura da rejeição destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, com vista a obviar ao reconhecido pendor para o abuso de recursos.
A possibilidade de rejeição liminar, em caso de improcedência manifesta, tem em vista moralizar o uso do recurso(…) (Ac. STJ de 16 de Novembro de 2000, proc. n.º 2353-3; SASTJ, n.º 45, 61).
Em caso de rejeição do recurso, a decisão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão - art. 420.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tanto mais que a questão submetida no presente recurso se reveste de contornos manifestamente simples.
Aliás, anote-se que mesmo no Tribunal Constitucional, As “decisões sumárias”, proferidas nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, (na redacção da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro), vêm gradualmente assumindo maior relevância na jurisprudência do Tribunal Constitucional, no que respeita quer aos pressupostos do recurso de constitucionalidade, quer a julgamentos de mérito quando é manifesta a falta de fundamento do recurso (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/).

As questões suscitadas e a apreciar no presente recurso reconduz-se às pretensões do recorrente e contida nas CONCLUSÕES do seu recurso, ou seja:

Ser o arguido absolvido do crime de trafico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I B, anexa ao diploma legal, pelos motivos que “indicou” nas suas conclusões, ou seja invoca os seguintes argumentos no presente recurso:
- Vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nos termos do artº 410º nº 2, 374 nº 2 e 379 nº 1 al c), 1ª parte, todos do C.P.P., sendo o acórdão também nulo quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que deva apreciar e, e tal por não ter feito qualquer referência ao depoimento de BB… (omissão de fundamentação) nem o ter mencionado na motivação da decisão, que corrobora a possibilidade do arguido desconhecer o conteúdo do produto estupefaciente dentro dos álbuns que transportava, sendo que tal, configura falta de fundamentação do acórdão  por ter articulado mal a análise dos vários elementos trazidos aos autos e, também,
- Configura um vicio de erro notório na apreciação da prova nos termos do artigo 410º nº 2 al. c), por não referir também o depoimento da testemunha BB.., mas o arguido não discorda do modo como a prova foi apreciada pelo Tribunal “ a quo”, mas sim da forma como o Tribunal o excluiu sem dar qualquer justificação quando esta é uma prova credível e fundamental para a boa decisão da causa, tendo ignorado o depoimento da testemunha João Fulgêncio;
- Violação do artigo 127º do C.P.P. da livre apreciação da prova e do principio “in dúbio pro reo” e da presunção da inocência artº 32º nº 2 da C.R.P.

Decidindo diremos concisamente, e tendo em mente as questões supra equacionadas:
Vejamos então se assiste razão ao recorrente.
Fazendo-se uma leitura global do recurso apresentado pelo arguido poderia parecer à medida que a leitura  se vai fazendo dele, que este estaria a impugnar a matéria de facto contida no acórdão recorrido ( até decorrendo do intróito que nele consta onde expressamente refere o artº 412 nº 2 e 3 do CPP) e assim à cautela sempre se dirá:
Mas tal não se verifica, pois esta pese embora fazer algumas transcrições de declarações da testemunha BB.. prestadas em julgamento, não deu cumprimento aos comandos legais para que o recurso pudesse ser apreciado nesse prisma ( se bem que mal equacionado estivesse… e à nascença), pois para além do mais não indicou quais os factos que pretendia ver dados como provados ou não provados, sendo que esta conclusão transparece com a devida clarividência da peça recursal apresentada,
E explicitamos desde já o porquê desta afirmação:
Senão atentemos, a matéria de facto pode ser impugnada por duas formas diversas, como é por todos, e por demais  consabido:
1) com invocação dos vícios elencados no artº 410º, nº 2 do CPP, naquilo que se vem catalogando como “revista alargada”; ou
2) através da impugnação ampla, nos termos prescritos nos nºs 3 e 4 do artº 412º do CPP.
Na primeira situação, o vício há-de resultar, como expressamente se exige no artº 410º, nº 2 do CPP do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e, por isso, sem possibilidade de recurso a elementos estranhos, sendo o vício da decisão em si propriamente dita e não do julgamento.
No segundo, a apreciação alarga-se à análise da prova produzida em audiência, mas com os limites impostos pelos nºs 3 e 4 do citado artº 412º do CPP.
 Dispõe assim este normativo legal ( artº 412º do CPP):
Motivação do recurso e conclusões
1-A motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
(…)
3-Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4-Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do nº 2 do artº 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. (…)
 Contém as alterações dos seguintes diplomas:
-Declaraçãode31/031987
-Lei n.º59/98,de25/08
-Lei n.º48/2007,de29/08
- Lei n.º 27/2015, de 14/04
Co    Consultar versões anteriores deste artigo:
-1ª versão: DL n.º 78/87, de 17/02
-2ª versão: Declaração de 31/03 1987
-3ª versão: Lei n.º 59/98, de 25/08
-4ª versão: Rect. n.º 105/2007, de 09/11.

Considerando-se o que incluso está, quer na motivação quer nas conclusões, podemos concluir que o recorrente, não impugnou devidamente e de acordo com os comandos legais, a matéria de facto contida na sentença proferida pelo Tribunal “ a quo”. Sumariamente, e de forma clara, não indicou os pontos que contem a matéria de facto que considera mal julgados e o seu sentido/ provados ou não provados, ou outros que pretendessem ver provados, este não indica com precisão legal, bem como as provas que impunham decisão diversa e as provas que devem ser renovadas.
Ou seja a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tem de ser feita através da especificação dos «concretos» pontos de facto incorrectamente julgados e das «concretas» provas que impõem decisão diversa (art. 412 n° 3 als. a) e b) do CPP), sendo ainda que, no n° 4 do mesmo artigo foi ainda aditado o segmento de norma segundo o qual «deve o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação», coisa que a recorrente se alheou completamente.
Neste sentido de facto e de forma unívoca, a Jurisprudência tem sido unânime, vejamos então, e a mero título exemplificativo:
Ac. TRC de 9-01-2012 : Se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4, do artigo 412.º do C. Proc. Penal, não há lugar ao convite à correcção das conclusões, nos termos do n.º 3, do art.º 417º, do mesmo Código, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite.
Ac. TRE de 26-02-2013 : I. Cabe ao recorrente definir os termos do seu recurso em matéria de facto e delimitar o respetivo objeto, não lhe bastando enunciar a sua pretensão quanto a um determinado resultado final em termos de facto ou de direito (v.g. da prova produzida não resultam provados os factos do tipo legal ou não se provou o crime, pelo que deve ser absolvido), de tal modo que fosse o tribunal oficiosamente a retirar conclusões sobre quais os factos e provas concretas que se ajustariam à pretensão final do recorrente e dentro destas, quais as passagens relevantes, depois de ouvir a prova gravada na íntegra (uma vez que a arguida não indica quaisquer passagens, para além das demais omissões).
Ac. TRG de 23-03-2015 : I. O recurso visa apenas uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham uma decisão diferente. II. Tem-se entendido que impor decisão diferente quanto á matéria de facto provada e não provada (artigo 412º nº 3 alínea b) do CPP) não pode deixar de ter um significado mais exigente do que admitir ou permitir uma decisão diversa da recorrida. III. Deste modo, se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está. IV. A circunstância de alguém, seja por erro de percepção ou por outro motivo, acabar por efectuar declarações inverosímeis ou contraditórias não significa necessariamente que seja falsa toda a sua narrativa, pelo que o tribunal não se encontra adstrito á inutilização de todo um depoimento ou declaração por uma incompletude ou por uma contradição com outros elementos probatórios.
Ora de tudo isto se alheou a recorrente, a qual parece tão só discordar da convicção do Tribunal “a quo”, querendo sobrepor-lhe a sua própria e muito pessoal convicção, considerando a globalidade da prova produzida em julgamento, não cumprindo os comandos legais, nesta particular matéria, pois não cumpriu as mais elementares regras contidas na lei processual penal, que possibilitasse que este segmento do recurso pudesse pura e simplesmente ser apreciado e conhecido por este Tribunal.

No mais diremos que vem o arguido e ora recorrente invocar o vicio do erro notório na apreciação da prova, A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artº 410º nº 2 al. a) e c), 127º , nulidade do acórdão nos termos doartigoe 374º nº 2 do CPP, bem como a violação do artº 32º nº 2 da CRP do principio in dúbio pro reo, tendo em conta a insuficiência da prova nos autos bem como das dúvidas existentes quanto às mesmas e o demais que atrás se referiu, mas sempre tendo como pano de fundo em todos os vícios, nulidades invocadas, na falta da referência no acórdão ao depoimento de uma testemunha, a saber, BB.. na sua fundamentação, sendo que tal omissão serve para sustentar todos os vícios invocados;

-ENTÃO, transcrevendo a fundamentação do acórdão, ali se diz:
-“3.3. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
III. Por declarações
 Declarações do arguido
O arguido prestou declarações, afirmando que desconhecia o conteúdo da “encomenda”, negando, peremptoriamente, os factos pelos quais vem acusado da prática, dizendo, no essencial que é verdade que foi interceptado pela Polícia Judiciária; que trazia o que, na sequência da revista efectuada à respectiva bagagem que transportava e que na sua presença, veio a ser encontrado na sua posse dissimulado em dois álbuns fotográficos, tipo portfolio, 72 fotografias, plastificadas que ocultavam 72 sacos de plástico contendo um produto suspeito de ser cocaína com o peso bruto de 3300 gramas. Sabia que trazia a “encomenda”, mas refere que desconhecia o conteúdo, em termos de produto estupefaciente. Pensava que eram fotografias, diz. Que lhe foram entregues por um amigo que lhe pediu para transportar. Perguntado o porquê de um “conjunto de fotografias” justificar as viagens que fez, atendendo à rota cumprida por avião e que qualquer transporte via correio/mail sairia muito mais barato, na óptica até, de um arguido formado em economia; não conseguiu o Tribunal Colectivo obter qualquer resposta consentânea com as mais elementares regras da experiência comum e do saber de experiência feitos quanto ao transporte muito mais caro, já para não falar em justificado. Diz que aceitou trazer aquela encomenda, e pelo modo como o fez, basicamente, porque sim.
Com efeito, tendo sido confrontado com a complicação do processo de entrega para o que, no fundo, eram álbuns fotográficos, não consegue articular qualquer explicação plausível.
Continuando veemente e repetidamente, a negar conhecer a natureza do produto contido na encomenda, não admitir que se tratava de droga é um direito que assiste ao arguido. Aliás, assiste-lhe o direito de pura e simplesmente, se remeter ao silêncio.
*
ANALISANDO
A versão do arguido não mereceu ao Tribunal Colectivo qualquer credibilidade, desde logo, pela forma pouco convincente e nada espontânea como foi prestada, já para não falar da sua inverosimilhança. Daí que, o tribunal tenha dado como provada, em total oposição com o declarado pelo arguido, a matéria constante da fundamentação na parte do elenco dos factos provados.
*No que concerne à materialidade provada relativa à sua situação pessoal e socioeconómica e modo de vida foi a mesma aceite com base nas suas declarações, confirmadas pelo relatório social elaborado e junto aos autos a fls. 221 a 225.
Mais, o Tribunal teve em consideração o exame laboratorial à substância apreendida e ainda os documentos juntos aos autos, os quais estão supra descritos e referenciada a sua localização nos autos.
E bem assim o teor do CRC do arguido.
A convicção do tribunal colectivo formou-se com base na análise crítica daquela prova, tendo em conta também o valor científico dos documentos laboratoriais e ainda tendo em conta as regras de experiência comum e da normalidade das coisas, sobretudo face à tipologia habitual dos casos como o dos autos.
Relativamente ao facto não provado, nenhuma prova se fez, testemunhal ou documental.”(…)

- De facto percorrendo o acórdão recorrido, bem como compulsados os autos com a devida seriedade, efectivamente a testemunha BB.. (inspector da P.J./ U.N.C.T.E)) foi ouvido como testemunha numa das sessões de julgamento, a fls 232 realizada em 20.05.2019.
No entanto efectivamente na fundamentação de facto o acórdão recorrido, não fez referência alguma àquele depoimento, que diga-se foi a única prova testemunhal produzida em julgamento.
O que daqui poderá defluir é que iremos esclarecer de seguida:
Ora e citando o Acórdão do Tribunal Constitucional de 17.01.2007, 2ª secção, in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/cst_busca_palavras.php?buscajur=desconforme&ficha=262&pagina=10&exacta=&nid=7189, que se adapta exactamente à situação dos autos, com uma situação algo idêntica (onde na fundamentação não se faz referência às declarações de uma arguida e das testemunhas de defesa), diremos e desde já e concordando com o exarado neste aresto, nomeadamente com os seus fundamentos e decisão, o seguinte:
-“Está em causa a conformidade constitucional da norma extraída dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não impor menção específica na sentença (não só da existência, mas) do teor ou conteúdo do depoimento da arguida e das testemunhas de defesa – e não a segunda parte do artigo 374.º, n.º 2, do mesmo Código, norma que versa sobre a valoração da prova produzida em julgamento ou a expressão suficiente do seu exame crítico na fundamentação da decisão.
 Em particular, a dimensão normativa em causa é confrontada com o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, constante do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição.
Deste dever de fundamentação das decisões judiciais decorre que, nas decisões sobre matéria de facto, é obrigatória a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A imposição constitucional referida só fica satisfeita com a explicitação das razões dessa decisão, feita pelo seu próprio autor, em termos de habilitar o seu destinatário a, ciente dessas razões, se conformar com a decisão ou impugná-la de forma consciente e eficiente.
O exame crítico das provas credibiliza a decisão, viabiliza o recurso e permite revelar “o raciocínio lógico do tribunal relativamente à própria decisão», como foi sublinhado já na Conferência Parlamentar sobre a Revisão do Código de Processo Penal, em 7 de Maio de 1998 (cfr. intervenções de Luís Nunes de Almeida, Germano Marques da Silva e Eduardo Maia Costa, entre outros, em Código de Processo Penal – Processo Legislativo, vol. 2, tomo 2, ed. da Assembleia da República, 1999, págs. 68, 85, 86, 90 e 95 e segs.).
Ocupando essa garantia de fundamentação das decisões judiciais um lugar central no sistema de valores nos quais se deve inspirar a administração da justiça no Estado democrático moderno (cfr. Michele Taruffo, “Notte sulla Garanzia Costitutionale della Motivazione”, in Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, vol. 55, 1979, págs. 29 e segs.).
Ela deve ser susceptível, como se escreveu já em Acórdão deste Tribunal, “de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da livre apreciação pelo julgador, devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida” (cfr. o Acórdão n.º 680/98, publicado no Diário da República, II Série, de 5 de Março de 1999).
A respeito da exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais, pode ler-se também no Acórdão n.º 61/2006 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):«[…] Foi a primeira revisão constitucional (1982) que, com a inserção do novo n.º 1 do então artigo 210.º da CRP, veio proclamar que “As decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei”, formulação que, sem alteração de redacção, transitou, com a segunda revisão constitucional (1989) para o n.º 2 do artigo 208.º.
A remissão para a lei, não apenas da modulação dos termos, mas também da definição dos casos em que a fundamentação das decisões dos tribunais era devida (muito embora sempre se entendesse que “a discricionariedade legislativa nesta matéria não [era total], visto o dever de fundamentação [ser] uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (cfr. art. 2.º), ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso”), representando “a falta de consagração constitucional de um dever geral de fundamentação das decisões judiciais”, surgia como “pouco congruente com o princípio do Estado de direito”, para além de não se compreender que “a garantia de fundamentação seja constitucionalmente menos exigente quanto às deci­sões judiciais do que quanto aos actos administrativos (artigo 268.º, n.º 3)” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pp. 798799) – preceito este último que impunha a “fundamentação expressa” dos “actos administrativos (...) quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.
Foi a revisão constitucional de 1997 que deu à norma em causa a sua localização (artigo 205.º, n.º 1) e formulação (“As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”) actuais.
Estabeleceuse, assim, com dignidade constitucional, a regra geral do dever de fundamentação de todas as decisões judiciais, com a única excepção das de mero expediente, remetendo-se para a lei ordinária a definição, já não dos casos em que a fundamentação é devida, mas tãosó da forma de que se pode revestir. O alcance desta alteração foi salientado por este Tribunal, no Acórdão n.º680/98, nos seguintes termos:
“7. Dispõe a Constituição, no n.º 1 do artigo 205.º, que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio substituir o n.º 1 do artigo 208.º, que determinava que «as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei».
 A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas «nos termos previstos na lei» para o serem «na forma prevista na lei». A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.” Também o Acórdão n.º 147/2000 salientou que a “actual redacção do artigo 205.º, n.º 1, imprimiu contornos mais precisos ao dever de fundamentação, pois, onde a Constituição remetia para a lei os «casos» em que a fundamentação era exigível, passou a concretizarse que ela se impõe em todas as decisões «que não sejam de mero expediente», mantendose apenas a remissão para a lei quanto à «forma» que ela deve revestir”, acrescen­tando:
“Este aprofundamento do dever de fundamentação das decisões judiciais reforça os direitos dos cidadãos a um processo justo e equitativo, assegurando a melhor ponderação dos juízos que afectam as partes, do mesmo passo que a elas permite um controle mais perfeito da legalidade desses juízos com vista, designadamente, à adopção, com melhor ciência, das estratégias de impugnação que julguem adequadas.
De todo o modo, a persistência daquela remessa para a lei faz com que o mandado constitucional de fundamentação continue a ser um mandado aberto à actuação constitutiva do legislador, a quem incumbirá definir a «forma» em que a fundamentação se deve traduzir, sem que, contudo, ele possa esvaziar o sentido útil daquele mandado (cfr. Acórdão nº 59/97, in Diário da República, II Série, n.º 65, de 18 de Março de 1997) – qualquer que seja essa forma, ela terá sempre que permitir o conhecimento das razões que motivam a decisão.
[…] Mas se a relevância da fundamentação das decisões judiciais é incontestável como garantia integrante do conceito de Estado de direito democrático, ela assume, no domínio do processo penal, uma função estruturante das garantias de defesa dos arguidos, muito embora o texto constitucional não contenha qualquer norma que disponha especificamente sobre a fundamentação das decisões judiciais naquele domínio.” A exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais tem uma função não apenas endoprocessual, mas também dirigida ao exterior do processo: ela visa explicitar a ponderação que integrou o juízo decisório e permitir às partes – no caso, ao arguido – o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a possibilidade de optar pela reacção (impugnatória ou não) que entendam mais adequada à defesa dos seus direitos (e por esta via, a obrigação de fundamentação possibilita também, mediatamente, o exercício do direito ao recurso que possa caber no caso).
Mas a exigência de fundamentação visa também possibilitar o próprio conhecimento pela comunidade das razões que levaram a uma determinada decisão, e, pela via da exigência de lógica ou racionalidade da fundamentação (contida na exigência de fundamentação), contribui também para a própria legitimação da actividade decisória dos Tribunais.
5.O tribunal do julgamento tem, pois, que explicitar as razões que o levaram a convencer-se de que o arguido praticou os factos que deu como provados. Importa, porém, notar que, como este Tribunal também já afirmou, “a fundamentação não tem que ser uma espécie de assentada, em que o tribunal reproduza os depoimentos de todas as pessoas ouvidas, ainda que de forma sintética” (Acórdão n.º 258/2001, com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Nem, por outro lado, a fundamentação tem de obedecer a qualquer modelo único e uniforme, podendo (e devendo) variar de acordo com as circunstâncias de cada caso e as razões que neste determinaram a convicção do tribunal.
Com o dever de fundamentação das decisões judiciais, a Constituição não impõe, na verdade, um modelo único de fundamentação, com descrição ou, ainda mais, transcrição, de todos os depoimentos apresentados no julgamento, ou a menção do conteúdo de cada um deles.
Estes depoimentos, mesmo quando são depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa, podem, com efeito, não ter sido decisivos para a formação da convicção do tribunal, podendo então bastar que o tribunal indique aqueles que o foram.
Isto, sendo certo que, por um lado, o que está em causa em sede de fundamentação das sentenças não é um princípio de paridade de consideração e explicitação da prova produzida por todos os sujeitos processuais, mas antes de explicitação do juízo decisório e das provas em que este se baseou, e que, por outro lado, não compete ao Tribunal Constitucional controlar a forma como concretamente o tribunal formou a sua convicção. Como se referiu, não está, aliás, em causa no presente recurso o controlo do exame crítico das provas feito na decisão em causa, nem uma admissão da mera elencagem “tabelar” das provas produzidas.
 (…). Pelo que se entendeu que na sentença foram efectivamente mencionadas as provas em que o tribunal se baseou, com indicação da respectiva intervenção e teor do depoimento, apenas não se fazendo menção específica do conteúdo dos depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa. Tal entendimento não pode, porém, só por si, considerar-se violador da exigência de fundamentação das decisões judiciais (ou, mediatamente, das garantias de defesa do arguido, incluindo o seu direito ao recurso). Conclui-se, deste modo, que a dimensão normativa dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal impugnada nos presentes autos não viola os artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição, pelo que há que negar provimento ao presente recurso” (negritos e sublinhados nossos)/ (…).

 Assim tendo em conta os argumentos e diversos vícios e nulidades invocados pelo recorrente que têm como denominador comum sempre a falta de referência no acórdão na sua fundamentação, do depoimento da única testemunha ouvida, que, tal circunstância não configura a verificação em concreto daqueles uma vez  que, e estribando-nos nos bem fundados argumentos do acórdão do Tribunal Constitucional supra mencionado, e estando o acórdão recorrido devidamente fundamentado, nos moldes que acima se deixaram expressos nas declarações do arguido, nos documentos ali mencionados, no relatório do L.P.C. e no C.R.C. do arguido, e mais justificando de forma perfeitamente perceptível o fio condutor que levou, “dentro da sua livre convicção,” e perfeitamente explanado sem qualquer contradição ou hiato que ficasse por explicar, concluímos que nada haverá a apontar à fundamentação concretizada no acórdão recorrido e por conseguinte a não menção do testemunho alegadamente em falta apontado pelo arguido, não tem a virtualidade de inquinar a decisão proferida pelo Tribunal “ a quo” nos diversos moldes por ele gizados( nulidades 374 e 379 do CPP/ vícios do artº 410º nº 2 do CPP),
 Porque, sendo certo que, por um lado, o que está em causa em sede de fundamentação das sentenças não é um princípio de paridade de consideração e explicitação da prova produzida por todos os sujeitos processuais, mas  por outro, antes da explicitação do juízo decisório e das provas em que este se baseou, e nesta sede o Tribunal “ a quo” com clareza e fundadamente decidiu nos moldes exarados, não ficando inquinado com a falta de referência àquela testemunha ( por maioria de razão acrescenta-se que pela mesma ordem de razões e em paridade, também não se exige em determinado processo crime e agora quanto à prova documental, que os Tribunais exaustivamente refiram na fundamentação todos os documentos relevantes / sobretudo no sentido  negativo, ou seja quando não acrescentam à convicção positiva do Tribunal/ sendo até resultante da experiência comum e observação que são sempre referidos os documentos que sirvam para a prova positiva de determinados factos, e não se referindo todos os demais, com as naturais excepções, onde é mesmo necessário afastar a relevância probatória de certos documentos, mas constituindo esta situação um “minus” face à maioria dos processos, até atendendo ao seu cerne e diferente natureza).
Improcede assim este segmento do recurso apresentado pelo arguido.

No mais e quanto e nos termos do artº 410º nº 2 al. a) e c) do CPP, analisado o acórdão recorrido, constata-se que este, exemplarmente elaborado, não encerra em si qualquer vicio de conhecimento oficioso.
Estando os vícios do artº  410º nº 2  do C.P.P., circunscritos à sentença/ acórdão, adianta-se que, o erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito, vide aqui  o Ac. STJ de 2-02-2011  e que também o Ac. TRC de 17-12-2014 ali se estatui: “Os vícios da decisão, entre os quais se inclui o erro notório na apreciação do prova, previstos no nº 2, do art. 410º do CPP, são vícios intrínsecos da sentença penal, pois respeitam á sua estrutura interna e, por tal motivo, a lei exige que a sua demonstração resulte do respectivo texto por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum, não sendo admissível a sua demonstração através de elementos alheios á decisão, ainda que constem do processo.”
Ora aqui, porém, com o devido respeito, não se vê das conclusões, nem da motivação do recurso em que pressupostos assenta a invocação deste vício.
Este vício existirá e será relevante quando o homem médio, perante o que consta da sentença recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, facilmente se dá conta que o tribunal errou «manifestamente» na apreciação e valoração que fez das provas produzidas em julgamento, seja porque violou as regras da experiência comum, seja porque se baseou em critérios ilógicos, arbitrários ou, mesmo, contraditórios.
«O erro notório traduz-se, basicamente, em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo» (acórdão do STJ de 98.07.09, Proc. 1509/97, citado por Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 77).
Tal vício, como expressamente se dispõe no art. 410 n.º 2 al.ª c) do CPP, terá de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum «sem o recurso a quaisquer elementos externos» mesma, como são, designadamente, os depoimentos prestados em julgamento - e, ao mesmo tempo, terá que ser manifesto, de tal modo que ele se apresente como evidente, aos olhos do observador comum, ou seja, ele existirá quando da sentença ressalte uma desconformidade evidente, manifesta «erro tão crasso que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental», como se escreve no acórdão do STJ de 21.11.97, Proc. 32507, www.dgsi.pt - entre os factos provados (ou não provados) e a prova produzida em audiência de julgamento ou que se decidiu contra o que se provou (ou não provou) ou que se deu como provado algo que não pode ter acontecido.
Assim entendido, é manifesto que não se verifica o invocado vício, pois não se detecta qualquer erro no acórdão recorrido, e muito menos notório ou manifesto ( vide aqui AC do TRL de 21-05-2015 in www.dgsi.pt ).
Também, de acordo e entre muitos outros o Ac. TRL de 18-07-2013, se refere que ,” A insuficiência para decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados. Na primeira critica-se o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na segunda censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal. O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo á impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa.”

Para que tudo se esclareça não pode deixar de aduzir que a omissão de pronúncia há-de reportar-se a questões que o tribunal é obrigatório decidir, colocadas pela acusação, defesa ou resultantes da discussão da causa, pertinentes com o objecto do processo, o «thema decidendum» e não sobre argumentos dos interessados (cfr . Ac. do STJ,de 5.11.80, BMJ 391, 305, 21.11.84, BTE, 2.ª série n.ºs 1 e 2 /87, de 22.3.85 e 5.6.85, ACs. Doutrinários , 283-876 e 289, 876, respectivamente e de 21.12.2005, P.º n.º 4642 /02), este da maior inocuidade processual e descoberta da verdade, á revelia de qualquer convencimento.
Assim outra conclusão não se pode retirar face ao que contido está no acórdão recorrido, versus argumentos esgrimidos pelo arguido no recurso que apresentou, que nenhum destes vícios, que são diga-se , até de conhecimento oficioso, se podem apontar deles estando isento o acórdão recorrido, o que se declara.

Nem nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º nº 2 e 379 nº 1 c), 1ª parte do CPP, qualquer nulidade se perfila aqui, como já se viu supra.

Da leitura do acórdão proferido pelo Tribunal “ a quo”, concretamente da fundamentação da convicção, constata-se ter sido seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão incongruente, arbitrária ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas disponíveis, tendo a convicção expressa pelo tribunal suporte mais que razoável nas mesmas.
Como já acima referimos, a fundamentação da decisão recorrida, no exame crítico da prova, explica de forma detalhada (exaustiva, até) os motivos pelos quais os elementos de prova foram, conjugadamente, valorados no sentido em que o foram, sendo perfeitamente inteligível o itinerário cognoscitivo que conduziu o tribunal, que beneficiou da oralidade e da imediação, à convicção alcançada, com suporte na regra estabelecida no art. 127.º do CPP, não se mostrando violado qualquer princípio, norma legal ou regra da experiência na apreciação da matéria de facto, não merecendo, por isso, qualquer reparo a formação dessa convicção, sendo inexistente a invocada inconstitucionalidade .
A convicção do Tribunal formou-se, como decorre da fundamentação aduzida, em face de dados objectivos conjugados com as regras da experiência comum, da normalidade da vida e das coisas, sem que se vislumbre qualquer apreciação arbitrária da prova, em violação dessas regras, pois que a conjugação e ponderação crítica de todos os elementos de prova permite as deduções ou interpretações por ele efectuadas.
Não existe também qualquer violação do princípio in dubio pro reo, pois este só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido – pela prova em que assenta a convicção, coisa que de forma patente não aconteceu.
(Dito de outra forma, no âmbito de uma apreciação restrita aos vícios estabelecidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, só pode «conhecer-se da violação desse princípio quando da decisão recorrida resultar que, tendo o tribunal a quo chegado a um estado de dúvida sobre a realidade dos factos, decidiu em desfavor do arguido; ou então quando, não tendo o tribunal a quo reconhecido esse estado de dúvida, ele resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, nomeadamente por erro notório na apreciação da prova»).
Como expressivamente se afirma no Acórdão do STJ de 14-04-2011, «A dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido.»
Ora, conforme resulta da fundamentação da convicção aduzida no texto da decisão recorrida, não se suscitou ao Tribunal – nem deveria ter suscitado, perante a prova produzida – um estado de dúvida séria que convocasse a aplicação daquele princípio e que conduzisse, por isso, à pretendida absolvição do ora recorrente.
Tudo isto para concluir como começámos, ou seja, que é perfeitamente perceptível o percurso lógico que levou o Tribunal recorrido, que beneficiou da oralidade e da imediação, a dar como provados os factos susceptíveis de integrarem o cometimento pelo arguido do crime pelo qual veio a ser condenado e já supra referido.
E que o fez sem que as suas conclusões sejam ilógicas ou inaceitáveis, não se podendo afirmar que um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum, facilmente se dê conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou de que foram desrespeitadas regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis, sendo certo que não houve testemunhos de “ouvir dizer” .
A decisão mostra-se coerente, harmónica, destituída de antagonismos factuais, de factos contrários às regras da experiência comum ou de erro patente para qualquer cidadão, nela inexistindo também qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão, sendo, por outro lado, a fundamentação de facto suficiente para a solução de direito a que se chegou.
Todos os elementos típicos do crime pelos quais o arguido foi condenado estão ali presentes, não se verificando qualquer causa de justificação da ilicitude da conduta do ora recorrente, nem de exclusão da sua culpa.
Improcede assim também este “segmento do recurso” apresentado pelo arguido por ser  manifestamente improcedente.
O recorrente nada mais submeteu ao conhecimento deste tribunal, pelo que, julga-se manifestamente improcedente “ in totum” o recurso entreposto pelo arguido e ora recorrente.

DISPOSITIVO
1.º Pelo exposto rejeita-se em substância o recurso por manifestamente improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.
2.º Custas, a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s (3+3 pela rejeição) e demais encargos legais.
3º Notifique-se sendo o arguido pessoalmente e diligências necessárias.

Lisboa, 26 de Setembro de 2019 (elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária nos termos do disposto no artº 94º nº 2 do C.P.P.)

     
Filipa Costa Lourenço