Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
84/07.0TVLSB.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
REQUISITOS
FACTOS INSTRUMENTAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - o artº. 417º, do Cód. de Processo Civil, apesar de apenas aplicável em juízo, traduz-se em norma de direito probatório material, podendo o comportamento recusante determinar, de forma mais drástica, e para além da livre apreciação do comportamento omissivo para efeitos probatórios, a inversão do ónus probatório, o que sucede quando a recusa do notificado impossibilita a prova do facto a provar, que onera a contraparte, atenta a impossibilidade de obtê-la através de outros meios probatórios, por estes não serem bastantes ou por a lei o impedir (exemplificativamente, o prescrito nos artigos 313º, nº. 1 e 364º, ambos do Cód. Civil) ;
   - compete ao julgador a aferição e controlo da pretensa idoneidade do documento para servir de suporte probatório aos factos de que o requerente tem o ónus de prova, ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus, podendo a requerida apresentação do documento visar a prova de factos instrumentais, e não apenas de factos essenciais ou nucleares ;
   - os factos instrumentais, por definição, não carecem de alegação, sendo oficiosamente considerados na decisão de facto, nos termos dos artigos 5º, nº. 2, alín. a) e 574º, nº. 2, 2ª parte, ambos do Cód. de Processo Civil, desde que resultem da instrução da causa. Diversamente dos factos principais, não constituem ou traduzem condicionantes directas da decisão, sendo antes a sua função ou desiderato a de permitir alcançar ou almejar a prova dos factos principais ;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
           
I - RELATÓRIO
           1I e mulher N,  residentes na Rua …., intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário (acção de impugnação pauliana), contra:
- F e mulher N (1ºs. Réus), residentes na Rua ……… ;
- A e mulher Z (2ºs. Réus), residentes na Rua …………….,
deduzindo o seguinte petitório:
a) Que se declare a ineficácia das cessões de quotas identificadas nos artigos 1º a 9º (cf., documentos 1 e 3), reconhecendo-se a possibilidade dos Autores impugnantes executarem no património dos 2ºs. Réus as identificadas quotas ;
b) Que se declare o direito dos Autores a praticarem sobre as aludidas quotas todas as medidas conservatórias de garantia patrimonial do seu crédito.
Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte:
§ No dia 26/10/2006, os 1ºs Réus cederam aos 2ºs Réus a totalidade do capital social da sociedade G, Lda., bem como duas quotas de que eram titulares na sociedade E, Lda. ;
§ Tendo tais cessões sido efectuadas por preços iguais aos valores nominais das quotas ;
§ E, através de tais cessões, os 2ºs Réus passaram a ser titulares, directa ou indirectamente, da totalidade do capital social daquelas sociedades ;
§ Sendo a E, Lda., a proprietária do edifício onde está instalado o Hotel M ;
§ E a G, Lda., a sociedade que gere e explora tal Hotel ;
§ Os Autores e 1ºs. Réus, por escrito datado de 01/01/2016, outorgaram contrato promessa de Cessão de Quotas e Acordos Complementares, tendo por base as quotas supra enunciadas  ;
§ Acordando na entrega, pelos Autores aos 1ºs Réus, do sinal no montante de 2.600.000,00 € ;
§ Tendo logo, no acto da assinatura do contrato, pago aos 1ºs Réus a quantia de 1.582.906,80 € ;
§ Sendo que, desde logo, por deliberação da assembleia-geral de 11/01/2006, foi o Autor marido designado gerente da G, Lda., em substituição na gerência do 1º Réu marido F ;
§ Em 11/10/2006, às ocultas dos Autores, os 1ºs Réus lavraram acta da assembleia-geral da G, Lda., na qual deliberaram destituir o Autor marido da gerência, designando um gerente “de palha” ;
§ E, paralelamente, desapossaram os Autores do Hotel, impedindo-os de entrarem nas instalações do mesmo ;
§ Incumprindo, de forma frontal e definitiva, o contrato celebrado em 11/01/2006 ;
§ O que fizeram em virtude de terem negociado com os 2ºs Réus os mesmos bens (quotas) ;
§ Em virtude de tal incumprimento dos 1ºs Réus, têm os Autores o direito de exigir-lhes, em dobro, as quantias entregues a título de sinal e princípio de pagamento ;
§ Os actos impugnados foram outorgados dolosamente com o fim de impedir a satisfação do crédito dos Autores ;
§ Pois os 1ºs Réus não possuem em Portugal património suficiente para responder por tal avultado crédito dos Autores ;
§ Os 1ºs e 2ºs Réus são sócios e amigos de longa data ;
§ Sendo que os 2ºs Réus sabiam do negócio que os 1ºs Réus tinham celebrado com os Autores ;
§ Tendo todos os Réus agido concertadamente e com plena consciência de que estavam a lesar os direitos dos Autores, quando outorgaram as cessões de quotas ora impugnadas ;
§ Ou seja, tiveram plena consciência de que com as cessões de quotas tornavam difícil ou impossível a satisfação do crédito dos Autores ;
§ Os Réus quiseram apenas simular as cessões de quotas e os cessionários, 2ºs Réus, são meros “testas de ferro” dos 1ºs Réus ;
§ Sendo que os 2ºs Réus não pagaram sequer o preço que declaram nas escrituras (500.973,09 €) ;
§ Pois o que celebraram foram negócios gratuitos, destinados exclusivamente a colocar no lugar dos 1ºs Réus os 2ºs Réus , quanto à titularidade do capital social das duas sociedades.
         2 – Devidamente citados, vieram os 2ºs. Réus apresentar contestação, alegando, em súmula, o seguinte:
Ø Desconhecem os termos e condições em que os Autores vieram negociar e a assinar com os 1ºs Réus o referenciado contrato promessa de Cessão de Quotas ;
Ø Remonta ao ano de 2004 o interesse do 2º Réu marido em adquirir uma participação social nas identificadas sociedades ;
Ø Fruto de ter pago a totalidade do sinal perante os anteriores donos das quotas, na sequência de contrato-promessa entretanto celebrado, e cuja participação cedeu aos 1ºs Réus, bem como de empréstimo que lhes efectuou posteriormente,  os 1ºs Réus ficaram com uma dívida perante o 2º Réu ;
Ø A qual, em Março de 2005, ascendia ao montante de 2.470.000,00 € ;
Ø Em Janeiro de 2006, o 2º Réu teve conhecimento que havia nova gerência no Hotel e que o mesmo iria ser vendido ;
Ø Pelo que interpelou de imediato o 1º Réu, já que tinha uma quantia avultada para receber ;
Ø Tendo então tomado conhecimento do contrato promessa outorgado com os ora Autores ;
Ø Tendo então contactado com estes, e reunido posteriormente com os mesmos em 19/04/2006, onde expôs a sua situação, dando-lhes conhecimento do crédito que tinha sobre os 1ºs Réus ;
Ø E pedindo-lhes que o informassem da data e local da outorga da escritura de cessão das quotas das sociedades, de forma a que, no acto do pagamento do remanescente do valor, pudesse ver de imediato o seu crédito satisfeito ;
Ø No início de Outubro de 2006, o 1º Réu marido contactou o 2º Réu marido e deu-lhe conta do incumprimento contratual dos ora Autores ;
Ø Mencionando que, por causa desse incumprimento, a venda já não se iria realizar, o que colocava o Hotel M em difícil situação financeira ;
Ø Pelo que, receando a não satisfação do seu crédito, que se situava na quantia de 2.170.000,00 €, os 2ºs Réus propuseram aos 1ºs Réus a compra do Hotel, através da alienação total do capital social das firmas E e G, pelo preço global de 5.000.000,00 €, incluindo neste o preço de todas as despesas com as obras de ampliação do Hotel e sua remodelação ;
Ø O que foi aceite pelos 1ºs Réus em 20/10/2006 ;
Ø Que lhes apresentaram cópia de uma carta de destituição de gerente, datada de 11/10/2006, bem como cópia de uma carta enviada aos Autores, comunicando a cessação dos efeitos do contrato promessa, por incumprimento deste ;
Ø O que convenceu os 2ºs Réus que o negócio tinha ficado sem efeito ;
Ø E determinou a cessão das quotas ora impugnada ;
Ø As quais foram efectivamente realizadas e declaradas pelo valor nominal das quotas e não pelo valor real do negócio, por exigência dos 1ºs Réus, que invocaram questões relacionadas com mais-valias, a que os 2ºs Réus acederam ;
Ø Conforme demonstram, o negócio foi efectivamente realizado pelo preço de 5.000.000,00 €, tendo os 2ºs Réus sempre actuado em plena boa fé ;
Ø E, poucos meses após a aquisição, os 2ºs Réus já injectaram no referido estabelecimento mais de 350.000,00 € ;
Ø Situação que só se compadece com quem efectivamente adquiriu tais firmas com o objectivo de nelas exercer a sua actividade.
Concluem pela total improcedência da acção, devendo os Réus ser absolvidos do petitório deduzido.
3 – Citados, vieram os 1ºs Réus apresentar contestação, aduzindo, em súmula, o seguinte:
· Em Dezembro de 2005 o Hotel necessitava de efectuar obras de elevado valor, não só fruto da degradação existente, como ainda para obter o devido licenciamento ;
· Não tendo capacidade económica para realizá-las e tendo uma dívida para com os 2ºs Réus superior a 2.000.000,00 €, os 1ºs Réus decidiram ceder as quotas nas duas identificadas sociedades pelo preço de 6.000.000,00 € ;
· Após terem sido procurados por vários interessados, os Autores contactaram-nos em Dezembro de 2005, afirmando-se igualmente interessados na aquisição do “Hotel M” ;
· Após inteirarem-se da situação do Hotel, os Autores solicitaram uma redução do preço, fruto do elevado valor que calculavam necessário para a realização das obras ;
· Propondo o valor de 5.500.000,00 €, o que foi aceite pelos 1ºs Réus ;
· Acordando no pagamento do sinal de 2.600.000,00 €, sendo que o demais montante de 2.900.000,00 € seria pago no acto da realização da escritura definitiva ;
· Pelo que, de imediato pagaram, a título de sinal, o montante de 1.582.906,80 €, retendo a demais parte – 1.017.093,20 € - para pagamento das dívidas ao Banif, BCP e Banco Popular ;
· Foi então outorgado contrato promessa de cessão das quotas, acordando-se que a escritura seria celebrada no prazo de 90 dias a contar da data aposta no contrato (01/01/2006), e que, se a escritura não pudesse ser celebrada nesse prazo, poderia ainda ser realizada até ao máximo de 180 dias após o prazo inicial acordado, ou seja, até 01 de Outubro de 2006, sem penalização para os Autores, ou com ela, dependendo de a escritura ser celebrada até 01 de Julho de 2006, ou depois dessa data até ao prazo limite de 01/10/2006 ;
· Nunca se tendo combinado ou sequer falado que a escritura poderia ser celebrada no prazo de 1 ano ;
· Os Autores não procederam á regularização do passivo com que se tinham comprometido ;
· Sendo que o empréstimo autorizado em assembleia-geral da G destinava-se à realização das obras necessárias, e nunca ao financiamento da operação de aquisição das quotas sociais ;
· Os Autores nunca tiveram a intenção de pagar a restante parte do preço acordado, com dinheiro próprio, nem de efectuar obras, no valor de 4.500.000,00 € ou aproximado ;
· Tendo incumprido o acordado com os Réus promitentes cedentes ;
· Pelo que, chegados ao termo final para a realização da escritura definitiva atinente ao contrato promessa, cuja marcação incumbia aos Autores, estes não tinham liquidado as dívidas bancárias (que fazia parte do pagamento do sinal), o pagamento à E e não tinham procedido à marcação da escritura pública, de forma a pagarem a restante parte do preço, entrando assim em incumprimento ;
· E, no exercício da gerência, o Autor marido gerou conflitos com várias entidades (fornecedores, bancos, empreiteira, agências), com os trabalhadores e mesmo com os clientes que se relacionavam com o Hotel ;
· Levando a que este tivesse perdido clientela e sofrido perdas;
· O que levou à destituição do Autor marido como gerente do Hotel ;
· E, em 17/10/2006, os 1ºs Réus remeteram aos Autores carta a comunicar que faziam cessar os efeitos do contrato-promessa de cessão de quotas, resolvendo o mesmo, com as necessárias consequências legais, discriminando, ainda, as respectivas razões ;
· Através do incumprimento contratual dos Autores, e da sua gestão ruinosa e danosa para o Hotel, os 1ºs Réus vivenciaram uma situação económica e financeira muito complicada, com dívidas à Banca, à empreiteira E e sendo constantemente pressionados pelos 2ºs Réus para lhes pagarem o montante em dívida ;
· Pelo que, não tendo condições económicas para prosseguir com a gestão do Hotel, e muito menos para as necessárias obras, acabaram por negociar com os 2ºs Réus a aquisição, por estes, das quotas das sociedades G e E  ;
· Tendo o 1º Réu marido contactado o 2º Réu marido, em meados de Outubro de 2006, dando-lhe conhecimento do incumprimento dos Autores, pelo que os 1ºs Réus não poderiam pagar aos Autores o valor que lhes deviam ;
· Tendo então o 2º Réu marido proposto a aquisição das quotas prometidas vender, pelo preço global de 5.000.000,00 €, o que os 1ºs Réus se viram obrigados a aceitar, face à situação vivenciada pelo Hotel, ainda mais degradada após a gerência do Autor marido ;
· E, após outorga do contrato-promessa de cessão, datado de 23/10/2006, as escrituras definitivas de cessão foram celebradas em 26/10/2006 ;
· Sendo que presentemente os 2ºs Réus já realizaram todas as obras previstas e necessárias, pelas quais pagaram cerca de 4.000.000,00 € ;
· Pelo que os negócios realizados após o incumprimento dos Autores são reais, realizados de boa fé e não tiveram por objectivo prejudicar os Autores ou tornar difícil ou impossível a cobrança do alegado crédito (que não existe).
Concluem pela total improcedência da acção, devendo ser absolvidos do pedido, com as legais consequências.
4 – A fls. 527 a 536, vieram os Autores I e N requerer a intervenção principal provocada de AL, S.A., o que foi admitido por despacho de fls. 784, determinando-se a citação da Chamada como associada dos Réus, nos termos do artº. 327º, do Cód. de Processo Civil.
5 – Citada a Chamada, veio a mesma apresentar contestação, a fls. 791 a 795, aduzindo, em súmula, o seguinte:
· A constituição da sociedade contestante é a expressão de que os 2ºs Réus nada fizeram e em nada colaboraram para que os interesses dos Autores fossem beliscados, nomeadamente no quadro do contrato-promessa entre os Autores e os 1ºs Réus ;
· Pelo que, caso os 2ºs Réus tivessem algo a esconder, certamente que não constituiriam uma sociedade com uma firma que, facilmente, fica associada a um deles ;
· Sendo que a ora Chamada mais não é do que um meio de cariz empresarial que os 2ºs Réus encontraram de, com uma nova entidade, poder aceder a capitais alheios necessários ao saneamento das empresas adquiridas ;
· A questão essencial resume-se a um litígio entre os Autores e os 1ºs Réus, já que foi entre estes que se gerou a polémica pela resolução do contrato-promessa ;
· Contestando-se o alegado pelos Autores relativamente à má fé da Chamada, bem como quaisquer alusões que lhe apontem, ou aos 2ºs Réus, qualquer intervenção concertada com os 1ºs Réus, ou tentativa de prejuízo dos Autores.
Conclui no sentido de que, para além do aduzido na contestação dos 2ºs Réus, seja considerada improcedente a argumentação aposta no requerimento de Intervenção Provocada.
6 – Em sede de audiência preliminar procedeu-se ao saneamento dos autos, fixando-se a factualidade assente e a base instrutória, que mereceram a reclamação dos Autores de fls. 871 e 872, parcialmente atendida pelo despacho de fls. 932 e 933.
7 – Conforme despacho datado de 01/10/2013, proferido em sede de audiência de julgamento – cf., fls. 1512 a 1520 -, nos termos do artº. 272º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, foi declarada verificada a existência de causa prejudicial, declarando-se a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo nº. 3038/07.3TVLSB, da 5ª Vara Cível de Lisboa
8 – Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, conforma actas de fls. 1712 a 1716 e 1720 a 1722, com observância do formalismo legal.
9 - Posteriormente, em 20/05/2016, foi proferida sentença – cf., fls. 1723 a 1728 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
“Por todo o exposto, julgo a presente ação improcedente e, consequentemente, absolvo os RR. dos pedidos.
Não condeno qualquer das partes como litigante de má fé por não se verificar qualquer das hipóteses previstas no art. 542º nº 2 do C.P.C.
Custas pelos AA.
Notifique e registe”.
10 – Inconformados com o decidido, os Autores I e N interpuseram recurso de apelação, em 05/07/2016, por referência à sentença prolatada.
Apresentaram, em conformidade, os Recorrentes as seguintes CONCLUSÕES:
“Primeira
Os RR. F e N não dispõem de qualquer património em Portugal ;

Segunda
Os RR, quando outorgaram as cessões de quotas Impugnadas, agiram concertadamente e com plena consciência de que estavam a lesar os direitos dos AA.
Porquanto,

Terceira
Os 2.ºs RR sabiam do negócio que os 1.ºs RR celebraram com os AA. ;

Quarta
Os 2.ºs RR. tomaram conhecimento que os AA. haviam prometido adquirir as quotas das identificadas sociedades e os termos do negócio ;

Quinta
Os 2.ºs RR tomaram conhecimento que o A. Itmadali foi gerente da G no período entre 11.01.2006 e 15.10.2006 ;

Sexta
Todos os RR sabem que o valor real (das cessões de quotas – actos impugnados) é da ordem dos € 5.500.000,00 ;

Sétima
As cessões de quotas impugnadas foram efetuadas por preços iguais aos valores nominais (valor global de € 500.973,09), que equivale a 9% do valor real do negócio ;

Oitava
A sociedade E. é dona do edifício onde está instalado o Hotel M ;

Nona
A sociedade G. é a sociedade que gere e explora o Hotel em causa;

Décima
Além da titularidade e exploração do mencionado Hotel, as duas referidas sociedades não têm outro património ou actividades, pelo que os actos impugnados respeitam, precisamente, á totalidade do património penhorável dos 1.ºs RR, sobre os quais os AA. detêm avultado crédito, reconhecido por Sentença transitada em julgado ;

Décima Primeira
O 1.º R. marido e o 2.º R. marido, conhecem-se de longa data e possuem negócios comuns no estrangeiro ;

Décima Segunda
F e o A (1.ºR marido e 2.º R. marido) eram sócios e amigos há muitos anos ;

Décima Terceira
Os RR. F e A, em 2004, na Nigéria, trabalhavam juntos, moravam juntos e iam para o trabalho juntos ;

Décima Quarta
Alguns dos cheques pagos pelos AA. aos 1.º RR. foram endossados ao Sr. A (2.ºs RR), e o negócio do Hotel era um negócio comum, (do F e A), em 50/50 ;

Décima Quinta
Os dois (1.ºR marido e 2.º R. marido) são sócios em Portugal e na Nigéria e o A foi apresentado, à testemunha Ch, pelo F, como sendo seu sócio ;

Décima Sexta
F e A eram sócios, o primeiro só não faria a gestão do Hotel, que faria o último, e aquele continuava a ser sócio do Hotel ;

Décima Sétima
A única coisa que ia acontecer era a mudança das quotas: passando a do Sr. F para o Sr. A e as da Sra. N para a Sra. Z ;

Décima Oitava
Quando os RR fazem as cessões de quotas e destituem o I, aproveitando a sua ausência momentânea do país, tinham consciência de que estavam a prejudicar o I o que justifica a pressa com que tudo foi feito ,

Décima Nona
Os RR quando celebraram as cessões de quotas, quiseram apenas e exclusivamente colocar no lugar dos RR F e N os RR A e Z, quanto á titularidade do capital social das duas sociedades G. e E., com o propósito e objetivo de tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito dos AA ;

Vigésima
Os RR. A e Z não pagaram o preço de € 500.973,09 que declaram nas escrituras ;

Vigésima Primeira
Os RR. não fizeram prova de terem feito pagamentos em contrapartida das cessões de quotas – actos impugnados ;

Vigésima Segunda
Toda a factualidade provada, que consta dos 24 pontos de fls.6 a 20 do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 3038/07.3TVLSB.L1.S1, junto aos autos a fls. 1154 a1172 e informação a 1563, destes autos foi Admitida por acordo e decisão transitada pelo que deve constar da Sentença que:
· “AA. iniciaram a gestão do Hotel e tomaram posse dos ativos, em 11/01/2006”;
· O teor da deliberação de 11 de Outubro de 2006, (tal como faz o Supremo Tribunal de Justiça);
· “A sociedade G., esteve inibida do uso de cheques até 9 de Março de 2006, por actos anteriores a 31 de Dezembro de 2005”;
· “Paralelamente, com a destituição da gerência, os 1.ºs RR desapossaram os AA. do Hotel impedindo-os de entrarem nas instalações do mesmo” ;
· “O A. marido foi impedido de ter acesso a toda a documentação das sociedades G e E relativa ao seu período de gerência entre 01.01.2006 e 15.10.2006” ;
· “Os 1.ºs RR mandaram afixar no Hotel uma “comunicação interna”, cuja cópia consta de fls.105” ;
· “Para os Bancos os 1.ºs RR. enviaram a carta, cuja cópia consta de fls.106 e 107” ;

Vigésima Terceira
A Sentença recorrida deve, na apreciação sobre a matéria de facto que tem como fonte o identificado Acórdão, respeitar o seu sentido e fundamentação ;

Vigésima Quarta
A Sentença recorrida omite da matéria dada como provada a alínea “L” da matéria assente, pelo que terá a mesma de considerar-se assente, por provada ;

Vigésima Quinta
A Sentença recorrida omite da matéria dada como provada a alínea “AO” e “AP” da matéria assente, cujo aditamento foi ordenado por despacho de fls. 932, pelo que terá a mesma de considerar-se assente, por provada ;
 
Vigésima Sexta
Os 1.ºs RR são grandes devedores á Fazenda Nacional, no escalão dividas entre € 250.000,00 e € 1.000.000,00” ;

Vigésima Sétima
Os actos impugnados foram gratuitos, dispensando-se os AA. de provar a má-fé do devedor e terceiro (artigo 612.º, n.º1, 2ª parte) do Código Civil)
Porquanto,

Vigésima Oitava
Os 2.ºsRR não pagaram o preço de € 500.973,09 que declararam nas escrituras que titulam os actos impugnados. Os AA. alegaram que o preço declarado nas aludidas escrituras não foi pago, pelo que, ao abrigo 342.º, n.º1 do Código Civil, caber-lhe-ia o ónus de o provar. Contudo, tal ónus da prova deve considerar-se invertido, nos termos do artigo 344, n.º2 do Código Civil ;

Vigésima Nona
A regra da boa-fé processual é uma regra de interesse público. O princípio da cooperação constitui um corolário do princípio da boa-fé o que significa que a proteção da boa-fé passa pela efetivação de um processo cooperativo. E o princípio da cooperação impõe às partes uma atuação comprometida com a verdade objetiva. Uma conduta processual do ponto de vista probatório não se afere apenas pela sua amoralidade ou falta de ética mas sim pela falta de colaboração específica num ato processual especificamente dirigido á fixação da prova de afirmações constantes do processo ;

Trigésima
Assim, é manifesto que a Sentença recorrida erra, violando, neste particular as normas dos artigos 612.º, n.º1, 2ª parte do Código Civil, conjugado com os artigos 429.º, 430.º, 417.º, n.º2, do Código do Processo Civil e ainda o artigo 344.º, n.º2 do Código Civil ;

Trigésima Primeira
No caso de assim não se entender, o que só para efeitos de raciocínio se admite, teria o julgador de dar como provado o preço declarado nas escrituras que equivale, a cerca de 9 % do valor real do negócio (€ 5.500.000,00)!
Efectivamente,

Trigésima Segunda
As escrituras públicas que titulam os actos impugnados são documentos autênticos que fazem prova plena, nos termos dos artigos 370.º e 371.º, ambos do Código Civil. Tal força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (cfr.372.º, n.º1 do Código Civil).
E,

Trigésima Terceira
Os RR. não suportaram, na aquisição do Hotel por via dos actos impugnados o valor que afirmaram terem suportado como contrapartida (€ 5.000.000,00) ;

Trigésima Quarta
Acresce que, por via dos artigos artigo 393.º n.º2, 394.º, n.º1 e 2 e 395.º, todos do Código Civil sempre se teria por inadmissível a prova testemunhal tendo por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais a conteúdo de documento autêntico ;

Trigésima Quinta
Por outro lado, nenhum dos documentos particulares simples utilizados pelos RR para suportar a prova do artigo 46.º da Base Instrutória se relaciona com as escrituras públicas de cessão de quotas não existindo qualquer conexão entre eles e por isso, não pode neles ser suportada prova contrária dos fatos que se provam por via de documento autêntico ;

Trigésima Sexta
Mesmo neste último caso, (que só para efeitos de raciocínio se aventou) a irrelevância do sacrifício correspondente à contraprestação (cerca de 9% do valor real do negócio) sempre conduziria à aplicação das regras do artigo 612.º n.º1, 2ª parte quanto aos negócios gratuitos, ou seja, que nos atos gratuitos, não é necessário manifestar-se qualquer má-fé na participação do terceiro adquirente ;

Trigésima Sétima
A decisão da matéria de facto deve ser alterada e completada nos termos das conclusões anteriores, nos termos a que alude o artigo 662.º, n.º1 do Código do Processo Civil ;

Trigésima Oitava
O crédito dos AA. é anterior aos actos impugnados ;
Efetivamente,

Trigésima Nona
“O crédito proveniente de indemnização por responsabilidade civil nasce quando se verifica o evento determinante da obrigação de indemnizar”.
Ora,

Quadragésima
O incumprimento dos 1.ºs RR nasce com a deliberação de 11.10.2006, de destituição de gerência do A marido, uma vez que o exercício da gerência foi pressuposto no contrato de promessa de cessão de quotas e o subsequente impedimento, a partir de 11.10.2006, da entrada dos Recorrentes no Hotel ;
 
Quadragésima Primeira
Estes fatos são índices claros do incumprimento do contrato, tornado inequívoco, logo de seguida, pela carta enviada pelos 1.ºs RR aos AA., em 17.10.2006, a comunicar que faziam cessar os efeitos do contrato de promessa de cessão que quotas em causa resolvendo o mesmo com as necessárias consequências, resolução essa que foi considerada ilícita pela Sentença transitada em julgado (ilícito confirmado pela Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça) ;

Quadragésima Segunda
Acresce que, a anterioridade do crédito dos AA. se pode até aferir por relação ao próprio momento em que pagaram aos RR. o sinal de € 1.582.906,80 com o contrato de promessa de 1 de janeiro de 2006, posto que a partir de tal data deles se tornaram credores da obrigação de contratar ou, pelo menos, da devolução do sinal em singelo, uma vez que não existiu, por parte dos AA. como as três instâncias puderam aferir, qualquer incumprimento contratual ;

Quadragésima Terceira
A Sentença recorrida violou, assim, o artigo 610.º, n.º a) do Código Civil atenta a sua errónea interpretação do mesmo face à factualidade provada ;

Quadragésima Quarta
Atenta a gratuitidade dos actos, ficariam os Recorrentes dispensados da prova do requisito da má-fé a que alude o artigo 612.º n.º1, 1ª parte e n.º2, do Código Civil. Não obstante, ficou provada a má-fé dos RR ;

Quadragésima Quinta
Das conclusões 1ª a 17ª supra, fls.98 a 102 das presentes Alegações decorre que os RR. agiram com má fé que se traduz na consciência de que o ato em causa vai provocar a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou um agravamento dessa impossibilidade, bastando a mera representação, o conhecimento negligente da possibilidade da produção do resultado ;

Quadragésima Sexta
A constituição da A pelos 2.ºs RR enquanto únicos sócios da G ao arrepio da presente Acção de impugnação que conheciam e que se encontrava registada a data da constituição daquela constitui ela mesma um instrumento de prova da má-fé dos 2.ºs RR.. O registo da presente acção, anterior à constituição da Al, prevalece, sendo-lhe oponível ;

Quadragésima Sétima
Os 1.ºsRR e 2.ºs RR tinham consciência do prejuízo que os actos impugnados causavam aos credores, ora Recorrentes, pelo que ficou verificado o requisito da má-fé a que alude o artigo 612.º, n.º1, 1ª parte e n.º2 do Código Civil ;

Quadragésima Oitava
De tudo o exposto resultam provados os requisitos de que a lei faz depender a acção de impugnação pauliana:
a) Que os AA. têm um crédito sobre os 1.ºsRR (cfr. proémio do artigo 610.º do Código Civil);
b) Que os actos impugnados envolvem diminuição da garantia patrimonial desse mesmo crédito (cfr. proémio do artigo 610.º do Código Civil);
c) Que os actos impugnados não são de natureza pessoal (cfr. proémio do artigo 610.º do Código Civil);
d) Que o crédito é anterior aos actos impugnados (cfr. alínea a) do artigo 610.º do Código Civil);
e) Que dos autos impugnados resulta a impossibilidade, ou o agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito do autor (cfr. alínea b) do artigo 610.º do Código Civil);
f) O devedor não tem bens penhoráveis de igual ou maior valor;
g) Que o acto foi gratuito (cfr. 2ª parte do n.º1, do artigo 612.º do Código Civil);
h) Que os RR agiram de má-fé (cfr. n.º2 do artigo 612.º do Código Civil, não obstante estar este requisito dispensado atenta a gratuitidade dos actos impugnados);

Quadragésima Nona
Foram violadas, pela Sentença recorrida, conforme supra exposto, pelo menos, as seguintes normas: artigo 610.º, 612.º do Código Civil, artigo 417.º n.º2 do Código do processo Civil, aplicável ex vi, artigos 429.º e 430.º do mesmo Código, artigo 344.º, n.º2 do Código Civil e artigos 371.º, 347.º, 393.º, 394.º e 395.º, todos do Código Civil, bem como os artigos 619.º e 620.º, ambos do Código do Processo Civil”.

Concluem pela procedência do recurso, revogando-se a Sentença da 1ª Instância e substituindo-a por outra que:
I) Declare a ineficácia dos actos impugnados (cessões de quotas) identificadas nos pontos 1 a 9
da matéria dada como provada da Sentença recorrida, reconhecendo-se a possibilidade dos AA. Impugnantes executarem no património dos 2.ºs RR. e da Interveniente Principal Provocada as identificadas quotas ;
II) Declare o direito dos AA. a praticarem sobre as aludidas quotas todas as medidas conservatórias de garantia patrimonial do seu crédito.
11 – Os Apelados/Recorridos 2ºs Réus A e Z apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as seguintes CONCLUSÕES:
“A – A ACÇÃO INSTAURADA NÃO PODE PROCEDER, TENDO A SENTENÇA SOB RECURSO DECIDIDO CORRECTAMENTE EM FUNÇÃO DE TODA A PROVA PRODUZIDA.
B – A CONDUTA DOS APELADOS, OBJECTIVA E SUBJECTIVAMENTE, SEMPRE SE PAUTOU POR CRITÉRIOS DE LEALDADE, TRANSPARENCIA E BOA FÉ.
C- TAL VEM DESDE LOGO BEM ILUSTRADO NO TEOR DA CONTESTAÇÃO EM QUE - AO CONTRÁRIO DO A/APELANTE – OS APELADOS TRAZEM TODA A FACTUALIDADE AO JULGADOR, DESIGNADAMENTE OS EMPRÉSTIMOS FEITOS AO F, CO REU.
D – DANDO ASSIM CONTA DA EXISTÊNCIA DE UM CRÉDITO SOBRE OS DONOS DAS SOCIEDADES/HOTEL M.
E - NESTA SENDA DE CONDUTA, O APELADO MARIDO NÃO TEVE QUALQUER PEJO EM COLABORAR COM A JUSTIÇA, VINDO PRESTAR DECLARAÇÕES DE PARTE.
F - CONDUTA QUE O APELANTE, AUTOR DA ACÇÃO, ENTENDEU NÃO TER, NÃO SEM QUE 5 DIAS ANTES HAJA DEPOSTO COMO TESTEMUNHA, CONTRA A G (PROCESSO 3589/08.2, J1 EXECUÇAO 3ªSECÇAO LISBOA).
G – O APELADO MARIDO CONTACTOU E REUNIU COM O APELANTE EM 2006, PORQUE SOUBE QUE ESTE IRIA COMPRAR AS QUOTAS DAS SOCIEDADES E PRETENDIA SABER A DATA DA TRANSACÇÃO, PARA RECEBER O CRÉDITO QUE TINHA SOBRE O F.
H – RECEBEIMENTO ESSE QUE CONSTITUIU SEMPRE O SEU ÚNICO PROPÓSITO.
I – O APELANTE APENAS LOGROU PROVAR A EXISTENCIA DE UMA RELAÇÃO DE AMIZADE A EXISTENCIA DE NEGÓCIOS E QUE APELADOS E DEVEDOR PROFESSAVAM A MESMA FÉ, SITUAÇOES TODAS, ALIÁS, ASSUMIDAS PELO APELADO MARIDO NAS SUAS DECLARAÇOES EM JUIZO.
(RELEMBRA-SE O FACTO DE A TRANSCRIÇÃO DO JULGAMENTO, CONSTANTE DO DOCUMENTO JUNTO PELO APELANTE, NÃO INCLUIR AS DECLARAÇÕES DE PARTE, PRESTADAS A 5 DE ABRIL E QUE CONSTAM DO CD FACULTADO PELA SECRETARIA DO TRIBUNAL
J – AS ALUSÕES A QUE OS APELADOS SERIAM TESTAS DE FERRO DO F, NÃO LOGRAM VINGAR, DESIGANDAMMETE PORQUE A CONDUTA E OS FACTOS O NÃO PERMITEM.
L – OS APELADOS SANEARAM A SITUAÇÃO ECONÓMICA E FINANCEIRA DAS SOCEDADES.
M- OS APELADOS PAGARAM DÍVIDAS DAS SOCIEDADES, CONTRAINDO FINACIAMENTOS PARA TAL E ASSUMIRAM PESSOALMENTE A GESTÃO.
N- OS APELADOS NEGOCIARAM COM A EMPRESA ED A CONCLUSÃO DAS OBRAS DO HOTEL, ESSENCIAIS PARA QUE ESTE VIESSE A SER, COMO FOI, LICENCIADO COMO TAL.
O- O APELADO MARIDO, PARA ESSE EFEITO, PEDIU EM SEU NOME UMA GARANTIA BANCÁRIA A FAVOR DA ED.
P – ESTAS REALIDADES FORAM CABALMENTE PROVADAS PELAS TESTEMUNHAS CARLOS, RICARDO, HELDER, FUNCIONÁRIOS BANCÁRIOS QUE CONHECERAM A SITUAÇÃO DAS EMPRESAS ANTES E DEPOIS DA AQUISIÇÃO PELOS APELADOS.
Q - A ACTUAÇÃO DOS APELADOS NÃO SE COADUNA NEM SE INTEGRA NO CONCEITO E COMPORTAMENTO TÍPICO DE UM “TESTA DE FERRO”, DE ALGUÉM QUE APENAS EMPRESTA O SEU NOME A UM NEGÓCIO.
R – A SENTENÇA RECORRIDA AFERIU COM CRITÉRIO E SABEDORIA O PONTO NUCLEAR DESTE PROCESSO, QUAL FOSSE O DE OS APELADOS VIREM A RECEBER OS VALORES EMPRESTADOS AO F E SEM QUE DESSA SUA CONDUTA TENHA RESUKTADO QUALQUER INTENÇAO DE PREJUIZO AO APELANTE
S – OS APELADOS DESCONHECIAM, INCLUSIVÉ, QUE TAL CRÉDITO EXISTISSE, PORQUE O VENDEDOR DO HOTEL LHES APRESENTOU DOCUMENTOS QUE FORMALIZAVAM A SAÍDA DO APELANTE DA GERENCIA COMO A RESOLUÇAO DO CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA DAS QUOTAS.
T – DANDO, AINDA, CONTA DA DEGRADAÇAO DA SITUAÇÃO DO HOTEL QUE O CONSULADO DO APELANTE HAVIA ORIGINADO.
U – O QUE SE PROVOU QUANTO AO CONHECIMENTO DOS APELADOS FOI, TAO SÓ, QUE ESTES SOUBERAM DO NEGÓCIO (POR ISSO A REUNIÃO REFERIDA NA CONCLUSAO “G”) E, POSTERIORMENTE, AS INFORMAÇÕES QUE O F LHES REFERIU, AQUANDO DA SUA PROPOSTA DE VENDA.
V – PERANTE ESTE QUADRO, O APELANTE MARIDO, AO RECEBER A PROPOSTA DE AQUISIÇÃO DAS SOCIEDADES, ENCARA-A COMO O MEIO CÉLERE DE VER O SEU CRÉDITO PAGO.
X – BEM REFERE A SENTENÇA NESTE PASSSO, AO DIZER: ““….se sentissem intranquilos, porque, em vez de chegar a solução para os
seus problemas - os meios para satisfazer o crédito do R. A sobre o R. F -, havia o risco de agravamento dos seus problemas - a desvalorização das quotas em virtude do avolumar das dívidas das sociedades e a subsequente diminuição da garantia patrimonial do R. A…

Assim, a versão de terem os RR. agido, não para lesar os AA., mas para não serem lesados é plausível”
Z – O NEGÓCIO SOB IMPUGNAÇÃO FOI, SEM DÚVIDA, ONEROSO.
AA – CONFORME RESULTA, TANTO DO RELATÓRIO PERICIAL, COMO DOS DOCUMENTOS JUNTOS AOS AUTOS, BEM ASSIM DOS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS RICARDO, CARLOS E HÉLDER, OS VALORES DAS DIVIDAS DAS SOCIEDADES FORAM EFECTIVAMENTE PAGOS A EXPENSAS DOS APELADOS QUE, PARA TAL, CHEGARAM A CONTRAIR FINANCIAMENTOS BANCARIOS.
BB – AGIRAM, POIS, COMO VERDADEIROS TITULRES DAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS QUE COMPRARAM E, TAMBÉM, NO QUADRO DAS SUAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS, TENDO SANEADO AS SOCIEDADES QUE DETINHAM E GERIAM O HOTEL.
CC - COM TAL CONDUTA E, COMO BEM REFERE A DECISAO DE 1ªINSTANCIA, COMPORTARAM-SE COMO VERDADEIROS DONOS DAS QUOTAS.
DD – FUGINDO, ASSIM, AO JÁ REFERIDO PERFIL COMPORTAMENTAL DOS “TESTAS DE FERRO”, QUE, CONVENHA-SE NÃO AGEM NUNCA, DE MOLDE A POR EM CAUSA O SEU PATRIMÓNIO PESSOAL PARA SANEAR AS ENTIDADES A QUE APENAS EMPRESTAM O NOME.
EE – ESTA REALIDADE NO QUE RESPEITA À ACTUAÇÃO DOS APELADOS VEM CONSBNUSTANCIADA NA PROVA FEITA PELAS TESTEMUNHAS CARLOS, RICARDO, HELDER LAURINDA QUE, EM SÚMULA, CONFIRMARAM QUE:
EE1 – HAVIA UMA DIFERENÇA ABISSAL NA SITUAÇAO DAS EMPRESAS, ANTES E DEPOIS DA ENTRADA DOS APELADOS
EE2 – O EFECTIVO EMPENHO DESTES EM REGULARIZAR AS DIVIDAS EXISTENTES
EE3 - A DESCIDA DO ENDIVIDAMENTO BANCÁRIO, COM FORNECEDORES E PERANTE O ESTADO, APÓS A ENTRADA DOS APELADOS.
FF – FOI PERANTE ESTE QUADRO QUE O APELANTE, PORQUE SABIA IMPOSSIVEL A PROVA DA MÁ FÉ DOS APELADOS, TENTOU TRAVESTIR O NEGÓCIO EM GRATUITO, COM PROPÓSITOS QUE FACILMENTE SE ENTENDEM, MAS QUE NÃO SUCEDERAM E NÃO SUCEDERÃO.
GG – NO QUE RESPEITA AO PROCESSO JUDICIAL Nº 3038/07, CABERÁ APENAS DIZER A JUSTEZA DA SENTENÇA SOB RECURSO, AO DECIDIR A ÓBVIA IMPOSSIBILIDADE DE AQUELE PROCESSO VIR A PODER PREJUDICAR OS APELADOS
HH – TAL NÃO SERIA POSSIVEL ATENTO O DISPOSTO NOS ARTIGOS 619º, EX VI DOS 580º E 581º TODOS DO NCPC.
II – DE TODO O MODO, IMPORTARÁ ATENTAR QUE A DECISÃO DO PROCESSO 3038/07, NÃO DEIXA DE REFERIR QUE O VENCIMENTO CONFERIDO AOS NELA AUTORES (AQUI APELANTE), APENAS OCORRE PELA QUESTÃO DE ÍNDOLE FORMAL, QUE FOI A AUSÊNCIA DA CONVERSÃO DA MORA EM INCUMPRIMENTO DEFINITIVO.
JJ – MAIS REFERINDO QUE “RESULTA EVIDENTE A EXISTENCIA DE MORA DOS CREDORES”.
LL - E QUE OS ALI AA (APELANTE) INCUMPRIRAM SUCESSIVAMENTE OS PRAZOS CONTRATUAIS PARA A MARCAÇAO DAS ESCRITURAS
MM – ORA ESTA DECISAO, PROFERIDA NUM PROCESSO INSTAURADO EM 2007, RESPALDA A IDEIA DE QUE O QUE FOI TRNAMSITIDO AQUANDO DA PROPOSTA DE VENDA AOS APELADOS (2006), ERA A AUSÊNCIA DE QUALQUER CRÉDITO DO APELANTE QUE, COM O NEGÓCIO DOS APELADOS COM O VENDEDOR, PUDESSE VIR A SER IMPOSSIBILITADO DE SER RECEBIDO.
NN – OU SEJA, O VENDEDOR TRANSMITE AOS APELADOS A SUA VERSÃO NO QUE OCORREU NO QUADRO DA SUA RELAÇÃO COM O APELANTE, PELO QUE UM QUALQUER HIPOTÉTICO CRÉDITO OU DIREITO DESTE, FOI ALGO QUE NUNCA ESTEVE NO ESPIRITO DOS APELADOS.
OO – A SENTENÇA DECIDIU BEM AO ELEGER COMO ELEMENTO NUCLEAR O PROPÓSITO DOS APELADOS EM RECEBER OS SEUS CRÉDITOS SOBRE O VENDEDOR.
PP - NO DEMAIS, REVELOU ADEQUADA PONDERAÇÃO, EXPERIENCIA E BOM SENSO, REFERENTE À MATERIA DE FACTO E À SUA SUBSUNÇAO NO DIREITO.
QQ - NA VERDADE, OS REQUISITOS DA IMPUGNAÇÃO PAULIANA, NO QUE SE REPORTA À ACTUAÇAO E CONDUTA DO TERCEIRO, NÃO SE CONCRETIZAM.
RR - SEGUNDO A MODERNA ORIENTAÇÃO DOUTRINAL, A POSIÇAO DE JOAO CURA MARIANO, in “IMPUGNAÇAO PAULIANA”, REFERE QUE:
“não existe no nosso ordenamento jurídico nenhum princípio geral que equipare a ignorância culposa ao conhecimento, o que impede o intérprete de efetuar equiparações que a lei não faz. Uma vez que não existe nenhuma obrigação estabelecida aos devedores de manterem o seu património em condições de assegurar a satisfação dos seus direitos de crédito, também “não pode falar da existência de um dever acessório de indagação e certificação sobre a situação patrimonial, antes da outorga de qualquer ato que tenha por objeto bens desse património, de modo a prevenir-se uma eventual lesão da garantia comum dos credores”.
SS – QUANTO AO CAMINHO TOMADO PELA NOSSA JURISPRUDENCIA, ATENTEMOS NO ACÓRDÃO DO STJ DE 13/10/2011, RELATADO POR LOPES DO REGO, EM QUE SE DIZ:
“. O conceito normativo de má fé, para efeitos do artº. 612º, nº2, do CC, envolvendo a consciência do prejuízo causado pelo ato impugnado à garantia dos credores do alienante, pode revelar-se sob a forma dolosa, em qualquer das suas modalidades, e ainda sob a forma de negligência consciente, estando, todavia, excluído de tal conceito a mera negligência inconsciente.
3. Na verdade, não se enquadra na expressão legal «consciência do prejuízo» a mera cognoscibilidade do efeito nocivo do ato impugnado sobre a garantia geral dos credores, que se não traduziu ou consubstanciou em efetiva representação ou conhecimento do prejuízo causado, ainda que decorrente da omissão de um pretenso dever de diligência no esclarecimento e averiguação, por parte do adquirente dos bens, de todas as circunstâncias envolventes do negócio, respetivas motivações subjetivas e efetiva situação financeira do alienante dos bens.”
TT – A CONDUTA DOS APELADOS, VISTA À LUZ DESTES ENTENDIMENTOS, COLOCAR-SE-IA (QUANTO MUITO…) NUM PLANO DE NEGLIGENCIA INCONSCIENTE A QUAL, COMO VIMOS, SE REVELA INSUFICIENTE PARA SER VALORADA EM TERMOS DE PREENCHIMENTO DE REQUISITO DO INSTITUTO DA IMPUGNAÇAO PAULIANA.
UU – EM BOM RIGOR, TÃO POUCO A NEGLIGENCIA INCONSCIENTE SE DEVERÁ CONSIDERAR COMO EXISTENTE; OS APELADOS NUNCA, SEQUER, REPRESENTARAM NO SEU ESPIRITO UM HIPOTÉTICO CRÉDITO DO APELANTE.
XX – A ORIENTAÇÃO DOS NOSSOS TRIBUNAIS NESTA MATÉRIA VAI, POIS, NO SENTIDO DE QUE MEDIANTE UMA MERA INTERPRETAÇAO À CONTRARIO, SE REVELE BASTANTE PARA AFASTAR INEXORAVELMENTE A CONDUTA DOS APELADOS DO REQUISITO CONSTANTE NO ARTIGO 612º CC
ZZ - FINALMENTE E TENDO POR PANO DE FUNDO O COMENTÁRIO DE ABRANTES GERALDES, Relator do Acórdão da Relação de Lisboa de 25/3/2003
in C.J., Ano XXVII, Tomo II/2003, pág. 91, diz-se o seguinte:
“---- neste tipo de ações, ganham especial relevo os dados recolhidos da experiência que nos revelam a multiplicidade e a sofisticação das estratégias de fuga dos credores, merecendo destaque a transferência de bens para pessoas ligadas aos interessados por relações de confiança ou a intervenção de testas de ferro que formalmente assumem a titularidade dos bens que, de facto, continuam na disponibilidade dos transmitentes, a favor de quem subscrevem geralmente procuração irrevogável
FICA FEITO O CONTRAPONTO ENTRE AS REFERIDAS ESTRATÉGIAS SOFISTICADAS DE FUGA AOS CREDORES E A INTERVENÇÃO TÍPICA DOS “TESTAS DE FERRO”, POR UM LADO E A CLAREZA, REAL EMPENHAMENTO E TRANSPARÊNCIA DE PROCESSOS, QUE OS APELADOS DERAM PROVA, NA SUA QUALIDADE DE SÓCIOS DAS SOCIEDADES G E E.
AAA – DESTARTE, FICA CRAVADA A CERTEZA DA NÃO OBSERVANCIA DOS REQUISITOS CUMULATIVOS NECCESSÁRIOS PARA QUE A IMPUGNAÇÃO PAULIANA SUCEDA, PELO QUE A SENTENÇA DECIDIU CORRECTAMENTE.
BBB – A DECISÃO REVELOU UMA ADEQUADA PONDERAÇÃO DO QUE ESTAVA EM CAUSA NESTES AUTOS E APRECIOU A PROVA PRODUZIDA USANDO, COM SAGEZA, A AS REGRAS DO BOM SENSO, EXPERIÊNCIA E LÓGICA.
CCC – ASSIM, POR TUDO O QUE VEM DE SER EXPOSTO, DEVERÁ ESSE VENERANDO TRIBUNAL MANTER INCÓLUME A DECISÃO RECORRIDA, FAZENDO-SE, DESSA FORMA, A COSTUMADA JUSTIÇA!”.
12 – Tal recurso foi admitido por despacho datado de 02/11/2016 – cf., fls. 1973 -, como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
13 – Nesta Relação, o antecedente Exmo. Relator, em 18/01/2017, proferiu o seguinte DESPACHO:
“Já na fase final de elaboração do relatório do projeto de acórdão para julgamento do presente recurso - e assim após a leitura de 1805 páginas de 9 volumes - constatou-se que nas nominadas 48 conclusões das alegações dos Recorrentes... se agregam... 38 notas de rodapé com caracteres de dimensão muito reduzida ... das quais 27 remetem ... para diversos pontos do corpo das alegações ... uma (nota de rodapé) tem 5 alíneas ... outras remetem para artigos da base instrutória, para n.ºs de factos provados, ou para ... outras conclusões ... outras ainda são de transcrição de normativos, citações doutrinárias ou jurisprudenciais - chegando-se ao ponto de transcrever numa mesma nota de rodapé, dez linhas de citação doutrinária, e noutra, dezoito linhas de segmentos de quatro Acórdãos.
Isto, para além de a conclusão 48a ser, ele mesma, uma espécie de conclusões de conclusões, desdobrando-se em oito alíneas.
Como é bom de ver, nominadas conclusões com uma estrutura que tal, não operam o esforço de síntese a que se reporta o artigo 639°, n.º 1, do Código de Processo Civil, revelando-se, no mínimo, complexas.
Como assim, visto o disposto no citado artigo 639°, n.º 4, convido os Recorrentes a, em cinco dias, apresentarem novas conclusões, que, expurgadas do assim referenciado, operem efetiva síntese do corpo das alegações, sob pena de se não conhecer do recurso”.
14 – Em resposta, vieram os Recorrentes/Apelantes/Autores apresentar novas Conclusões, conforme fls. 1998 a 2010.
15 – O mesmo Exmo. Relator, em 28/04/2017, proferiu o seguinte DESPACHO:
“Na "vigésima oitava" das suas "sintetizadas" conclusões, referem os Recorrentes que "A decisão da matéria de facto deve ser alterada e completada nos termos das conclusões anteriores, nos termos a que alude o artigo 662°, n.º 1, do Código de Processo Civil.".

Ora ponto é que das ditas "conclusões anteriores", apenas a "décima sexta" e a "décima sétima" se referem a concretos factos constantes de peças processuais ou elementos incorporados nos autos, assinalando o sentido da decisão a proferir quanto à correspondente matéria.

Sendo que na conclusão "vigésima sexta" se refere: "Por outro lado, nenhum dos documentos particulares simples utilizados pelos RR para suportar a prova do artigo 46.° da Base Instrutória se relaciona com as escrituras públicas de cessão de quotas não existindo qualquer conexão entre eles e por isso, não pode neles ser suportada prova contrária dos fatos que se provam por via de documento autêntico" ...

Ficando pois a dúvida quanto ao facto que aí estará em causa para os Recorrentes, e certo que no concitado artigo 46° apenas se perguntava se "O 2° R. marido propôs ao 1 ° R marido - e este aceitou - adquirir, para ele e para a mulher, as quotas dos 1°s RR. nas sociedades "E" e "G pelo "preço global de 5 000 000 Euros, correspondente ao somatório dos seguintes valores:
( ... )" ,

Sem que tal facto exija qualquer prova por documento autêntico, posto que não é colidente com a realidade da celebração das escrituras de cessão de quotas em causa, a que se reportam as alíneas A a D e G e H dos "Factos Assentes".

As demais "conclusões anteriores" são uma narrativa, que não assume a contraposição de cada um dos factos que a integram, a específicos pontos da matéria de facto julgados provados, não provados, ou desconsiderados, na decisão da 1ª instância.
Não sendo de exigir ao julgador que pesquise alegações, em ordem a verificar o que assim estará em causa nessas outras conclusões.
Certo a propósito que podendo o Recorrente, nas conclusões, restringir o objeto da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto - cfr. artigo 635°, n.º 4, do Código de Processo Civil - não cabe ao julgador estabelecer, adentro a intrincada tessitura das alegações - com trinta e sete notas de rodapé, onde, em letra minimalista, se reiteram "anotações" (?) do estilo: "2Remete-se a fundamentação deste facto relevante de natureza instrumental para o ponto I d) do índice supra - "omissão de consideração de factos instrumentais relevantes que deveriam constar da matéria de facto provada com indicação dos concretos meios probatórios que impunham a sua inclusão na matéria de facto provada" (cfr. ponto 24 das Alegações infra, fls. 59 a 64)"; "23 Cfr. conforme consta do artigo 9.0 da Base Instrutória e foi dado como matéria de facto provada transitada em julgado no ponto 13 (fls.12) do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça3038/07.3TVLSB.L 1.S 1, junto aos autos a fis.1154 a 1172. A este propósito, vide ponto 22 g) iv), das Alegações supra, fls.61." - correspondências que podem interferir com a vontade efetiva do Recorrente.
Para além de que em sede formal de tal impugnação incluíram os Recorrentes a manifestação de inconformismos com …. as asserções produzidas na ... motivação da decisão da 1a instância quanto à matéria de facto, v.g. a folhas 9, último trecho, 5° trecho e 3° trecho, e a folhas 10, trecho 3°, da dita motivação, requerendo a "eliminação" de "tal conclusão sobre matéria de facto".
Sendo que, consabidamente, tal motivação não é suscetível de impugnação, nos quadros do artigo 640°, como do, pelos Recorrentes, invocado artigo 662°, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
Bem podendo os "factos" considerados nas "anteriores conclusões", imbricar-se, na teia da impugnação da matéria de facto, com tais segmentos assertivo/conclusivos da sobredita motivação.
Como assim, convidam-se os Recorrentes a, em cinco dias, apresentarem novas conclusões, onde supram as deficiências ora assinaladas, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”.
16 – Em resposta, vieram os Recorrentes/Apelantes/Autores apresentar novas CONCLUSÕES – cf., fls. 2025 a 2040 -, com o seguinte teor (que reproduzimos na íntegra):

Primeira
No ponto 29 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, não se tomou em consideração a certidão do registo predial da fração "L", junta pelos A.A. em 27/09/2013 (Refª. 14536530) e admitida, donde resulta que a identificada fração já não era propriedade dos R.R. pelo que deveria o nº 29 da matéria dada como provada ser eliminado e em consequência ser ainda corrigido o ponto 1 da matéria de facto dada como não provada passando o mesmo a ter a seguinte redação: 1 - Os R.R. F e N têm património em Portugal ;

Segunda
A sentença recorrida omite o facto, provado por documento admitido por despacho na audiência final, junto pelos A.A. por requerimento de 03/03/2016 (Refª. 22021750) para prova da matéria do art.14° da Base Instrutória, devendo apreciá-­lo e concluir por o considerar provado com aditamento de ponto autónomo à matéria dada como provada com a redação de que "Os primeiros R.R. são grandes devedores à Fazenda Nacional no escalão de dívidas entre 250.000,00 e € 1.000.000,00." ;

Terceira
Foi julgado provado na sentença recorrida, folhas 6, no ponto 30 da matéria de facto dada como provada, que "Os 2ºs R.R. sabiam do negócio que os 1ºs R.R. celebraram com os A.A. ;

Quarta
Foi igualmente julgado provado, na sentença recorrida, folhas 6, no ponto 31 da matéria de facto provada que "Os 2ºs R.R. tomaram conhecimento que os A.A. haviam prometido adquirir as quotas das identificadas sociedades e os termos do negócio” ;

Quinta
De igual modo foi julgado provado na sentença recorrida folhas 6, ponto 32 da matéria de facto provada que “os 2ºs R.R. tomaram conhecimento que o A. I foi gerente da G no período entre 11/01/2006 e 15/10/2006” ;

Sexta
Do ponto 10 da matéria de facto julgada provada, a fls. 3 da sentença recorrida, foi dado como provado que “todos os R.R. sabem que o valor real é da ordem dos € 5.500.000,00” ;

Sétima
Do ponto 9 da matéria de facto provada, a folhas 3 da sentença recorrida, foi dada como provado que “as cessões de quotas referidas nos pontos 7 e 8 (da matéria dada como provada – atos impugnados) foram efetuadas por preços iguais aos valores nominais (valor global de € 500.973,09) ;

Oitava
A sentença recorrida, no ponto 4 da matéria dada como não provada, julgou erradamente caber aos A.A. o ónus da prova do facto que constituía o art. 18º da B.I., ou seja, que “os R.R. A e Z não pagaram o preço de € 500.973,09 que declararam nas escrituras” porquanto, estamos claramente em presença de uma situação de inversão do ónus da prova. Com efeito, os A.A. requereram, no seu requerimento de provas sob a alínea G, a junção pelos R.R. dos documentos comprovativos dos meios de pagamento correspondentes ao fluxo financeiro. Tal requerimento foi admitido conforme despacho de folhas 889 dos autos e os R.R., notificados para apresentarem os documentos, não apresentaram qualquer documento de prova ;

Nona
A matéria do art. 46º da Base Instrutória, alegada pelos R.R., traduzia a tentativa de provarem que o preço das cessões de quotas (em contradição com o que eles próprios declararam nas escrituras) não era de € 500.973,09 mas sim de € 5.000.000,00, pelo que aos R.R. caberia o ónus de provarem essa diferente versão factual da evidenciada pelas escrituras públicas. Após a impugnação pelos A.A. dos documentos particulares apresentados pelos R.R., sem qualquer sinal de veracidade quanto a autoria, data de celebração e conteúdo, foi requerido pelos A.A. nas alíneas E e F do requerimento probatório que viessem os R.R. juntar aos autos documento da constituição da dívida de € 1.515.000,00, bem como comprovativo do pagamento do sinal alegado ter sido pago e ainda requereram os A.A. que os R.R. viessem juntar escritura pública correspondente à constituição do mútuo entre 1°S e 2°S R. R., bem como comprovativo do correspondente fluxo financeiro no montante de € 900.000,00.
Foi ordenado por despacho judicial de 04/04/2011 que os R.R. juntassem a prova requerida, o que não fizeram.
O não oferecimento de tais documentos determina que os factos correspondentes se tenham que julgar como não provados, pois sobre os R.R. impedia o ónus de provar a sua versão de que o preço não fora de € 500.973,09 (que declararam em documentos autênticos) mas sim aquele que alegaram (em sede de contestação) ter sido no montante de € 5.000.000,00 ;
 
Décima
A sentença recorrida omite um facto instrumental da maior relevância no contexto de uma ação pauliana, ou seja, "O 1° Réu marido e o 2° Réu marido conhecem-­se de longa data e possuem negócios comuns no estrangeiro". Tal facto foi alegado pelo próprio 2.° Réu marido no artigo 10.° da contestação. Este facto foi amplamente demonstrado em julgamento pelas testemunhas AN e CH, conforme extrato de depoimentos transcritos nas motivações do presente recurso de folhas 64 a 68.

Décima Primeira
A sentença recorrida omitiu outro facto instrumental relevante que deveria ter sido considerado provado no sentido de que "O negocio do Hotel era um negócio comum dos 1ºS e dos 2ºS, em 50% / 50%, e alguns dos cheques pagos pelos AA foram endossados ao 2° R. A". Tal facto resultou claramente provado dos depoimentos das testemunhas AN e CH, conforme extrato de depoimentos transcritos nas motivações do presente recurso de folhas 64 a 71 ;

Décima Segunda
A sentença recorrida omitiu um facto instrumental relevante que deveria ter sido considerado, ou seja, que "O 2° Réu A, foi apresentado à testemunha Ch, pelo Réu, F, como sendo sócio deste, com a explicação de que o F não faria a gestão do hotel, mas que continuava sócio. A única coisa que iria acontecer era só a mudança das quotas, quota do Fi passaria para o Sr. A, a quota da Dona N passaria para a Dona Z". Imediatamente, resulta do mesmo depoimento que “…. a situação foi exatamente assim. E foi rapidamente efetuada escritura, troca de quota, foi tudo muito rápido, muito rápido, muito rápido." Como conta do extrato do depoimento da testemunha Ch 10m21 s e 11m18s, transcrito a pág. 75 das motivações de recurso ;

Décima Terceira
A sentença recorrida desconsiderou ainda um facto relevante conexo com o da conclusão anterior, ou seja, que além dos atos impugnados terem sido muito apressados foram praticados aproveitando uma ausência momentânea do A. I então gerente das sociedades, conforme resulta da factualidade provada em julgamento através dos depoimentos das testemunhas Ch, a 8m10s a 9m28s e AL a 13m11s, transcritos a folhas 72 das motivações de recurso) e da própria factualidade do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Proc. 3038/07.3TVLSB.L 1.S1 junto aos autos a folhas 1154 a 1172) ;
 
Décima Quarta
Da matéria dada como provada na sentença recorrida, a folhas 3, constam os pontos 13, 14 e 15, dos quais consta que:
"13 - A E é dona do edifício onde está instalado o Hotel M;
14 - A G é a sociedade que gere e explora o Hotel em causa;
15 - Além da titularidade e exploração do mencionado Hotel as duas referidas sociedades não têm outro património ou atividades" ;

Décima Quinta
Toda a factualidade provada, que consta dos 24 pontos de fls.6 a 20 do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, (Processo 3038/07.3TVLSB.L 1.S1, junto aos autos a fls. 1154 a 1172 e informação a 1563, destes autos) foi admitida por acordo e decisão transitada pelo que deve constar da Sentença e esta respeitar o seu sentido e fundamentação ;

Décima Sexta
A Sentença recorrida omite da matéria dada como provada as alíneas "L", "AO" e "AP" (aditadas por despacho de fls. 932) da matéria assente, pelo que terão as mesmas de considerar-se assentes, por provadas ;

Décima Sétima
A sentença recorrida julgou erradamente como não provado, como consta dos nºs 2 e 3 da matéria de facto não provada (folhas 7 da sentença) que:
2 - Os R.R. quanto outorgaram as cessões de quotas impugnadas agiram concertadamente e com plena consciência de que estavam a lesar os direitos dos AA
3 - Tiveram consciência de que com as cessões de quotas tornavam difícil ou impossível a satisfação do crédito dos A.A, porquanto:
A conclusão de que a consciência de que estavam a lesar os direitos dos A.A. decorre inevitavelmente do circunstancialismo provado e não provado designadamente:
a) Os R.R. F e N não têm património em Portugal (conclusão Primeira e Segunda)
b) Os 2°S R.R. sabiam do negócio entre os 1ºs R.R. e os A.A. e os termos do mesmo (conclusão 3a, 4a e 5ª)
a) Todos os R.R. sabem que o valor real é de € 5.500.000,00 (conclusão sexta e os atos impugnados foram efetuados por preços iguais aos valores nominais (€ 500.973,09) conclusão 7a).
b) Os R.R A e Z não provaram ter pago sequer o preço declarado nas escrituras (conclusão 8a).
a) Os R.R. não provaram factos capazes de infirmar as escrituras de cessão de quotas - enquanto documentos autênticos (conclusão 9a)
b) O 1° R. marido e o 2° R. marido conhecem-se de longa data e possuem negócios comuns no estrangeiro (conclusão 10a)
c) O negócio do hotel era um negócio comum dos 1°S R.R. e dos 2°S R.R., em 50% / 50% e alguns dos cheques pagos pelos A.A. foram endossados ao 2° R A (conclusão 11a e 12a).
d) Os atos impugnados foram praticados apressadamente, aproveitando uma ausência temporária do A. I, então, gerente das sociedades (conclusão 138).

Décima Oitava
Na sentença recorrida afirma-se a folhas 8 que "Resulta da matéria de facto provada que a deliberação de destituir o A. I da gerência foi tomada a 11 de outubro de 2006, que a carta a comunicar a resolução do contrato-promessa celebrado entre AA e RR. F e N foi enviada a 17 de outubro de 2006 e que as escrituras de cessão de quotas foram celebradas a 26 de outubro de 2006.
Acresce dizer que o documento de fls. 278 a 282, subscrito pelos RR. e denominado contrato promessa de cessão de quotas, data de 23 de outubro de 2006.
um prévio entendimento entre RR. parece justificar a proximidade das datas mencionadas"
Ora, o prévio entendimento entre os R.R. parece não deixar dúvidas.
Impunha-se pois, para que não existisse contradição entre a fundamentação e a decisão, que se considerassem provados os pontos 2 e 3 da matéria dada como não provada ;

Décima Nona
Os actos impugnados foram gratuitos, dispensando-se os AA. de provar a má-­fé do devedor e terceiro (artigo 612.°, n.º 1, 2ª parte, do Código Civil)
Porquanto,

Vigésima
Os 2.ºs RR não pagaram o preço de € 500.973,09 que declararam nas escrituras que titulam os atos impugnados. Os AA. alegaram que o preço declarado nas aludidas escrituras não foi pago, pelo que, ao abrigo 342.°, n.° 1 do Código Civil, caber-lhes-ia o ónus de o provar. Contudo, tal ónus da prova deve considerar-se invertido, nos termos do artigo 344, n. °2 do Código Civil ;

Vigésima Primeira
A regra da boa-fé processual é uma regra de interesse público. O princípio da cooperação constitui um corolário do princípio da boa-fé o que significa que a proteção da boa-fé passa pela efetivação de um processo cooperativo. E o princípio da cooperação impõe às partes uma atuação comprometida com a verdade objetiva. Uma conduta processual do ponto de vista probatório não se afere apenas pela sua amoralidade ou falta de ética, mas sim pela falta de colaboração específica num ato processual especificamente dirigido á fixação da prova de afirmações constantes do processo ;

Vigésima Segunda
Assim, é manifesto que a Sentença recorrida erra, violando, neste particular as normas dos artigos 612.°, n.º 1, 2a parte do Código Civil, conjugado com os artigos 429.°, 430.°, 417.°, n.º 2, do Código do Processo Civil e ainda o artigo 344.°, n.º 2 do Código Civil ;

Vigésima Terceira
No caso de assim não se entender, o que só para efeitos de raciocínio se admite, teria o julgador de dar como provado o preço declarado nas escrituras que equivale, a cerca de 9 % do valor real do negócio (€ 5.500.000,00) !
Efetivamente,

Vigésima Quarta
As escrituras públicas que titulam os actos impugnados são documentos autênticos que fazem prova plena, nos termos dos artigos 370.° e 371.°, ambos do Código Civil. Tal força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (cfr.372.º, n.° 1, do Código Civil) ;
E,

Vigésima Quinta
Os RR. não suportaram, na aquisição do Hotel por via dos atos impugnados o valor que afirmaram terem suportado como contrapartida (€ 5.000.000,00) ;

Vigésima Sexta
Acresce que, por via dos artigos artigo 393.° n.º2, 394.°, n.º1 e 2 e 395.°, todos do Código Civil sempre se teria por inadmissível a prova testemunhal tendo por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais a conteúdo de documento autêntico ;

Vigésima Sétima
Mesmo neste último caso, (que só para efeitos de raciocínio se aventou) a irrelevância do sacrifício correspondente à contraprestação (cerca de 9% do valor real do negócio) sempre conduziria à aplicação das regras do artigo 612.° n.01. 2a parte quanto aos negócios gratuitos. ou seja. que nos atos gratuitos. não é necessário manifestar-se qualquer má-fé na participação do terceiro adquirente ;

Vigésima Oitava
O crédito dos AA. é anterior aos atas impugnados. O crédito proveniente de indemnização por responsabilidade civil nasce quando se verifica o evento determinante da obrigação de indemnizar. Efetivamente,

Vigésima Nona
O incumprimento dos 1.os RR nasce com a deliberação de 11.10.2006, de destituição de gerência do A marido, uma vez que o exercício da gerência foi pressuposto no contrato de promessa de cessão de quotas e o subsequente impedimento, a partir de 11.10.2006, da entrada dos Recorrentes no Hotel ;

Trigésima
Estes fatos são índices claros do incumprimento do contrato, tornado inequívoco, logo de seguida, pela carta enviada pelos 1.os RR aos AA., em 17.10.2006, a comunicar que faziam cessar os efeitos do contrato de promessa de cessão que quotas em causa resolvendo o mesmo com as necessárias consequências, resolução essa que foi considerada ilícita pela Sentença transitada em julgado (ilícito confirmado pela Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça) ;

Trigésima Primeira
Acresce que, a anterioridade do crédito dos AA. se pode até aferir por relação ao próprio momento em que pagaram aos RR. o sinal de € 1.582.906,80 com o contrato de promessa de 1 de janeiro de 2006, posto que a partir de tal data deles se tornaram credores da obrigação de contratar ou, pelo menos, da devolução do sinal em singelo, uma vez que não existiu, por parte dos M. como as três instâncias puderam aferir, qualquer incumprimento contratual ;

Trigésima Segunda
A Sentença recorrida violou, assim, o artigo 610.°, n. a) do Código Civil atenta a sua errónea interpretação do mesmo face à factualidade provada ;

Trigésima Terceira
Atenta a gratuitidade dos atos, ficariam os Recorrentes dispensados da prova do requisito da má-fé a que alude o artigo 612.° n.° 1, 1a parte e n.° 2, do Código Civil. Não obstante, ficou provada a má-fé dos RR. ;

Trigésima Quarta
A constituição da Al pelos 2.ºs RR enquanto únicos sócios da G ao arrepio da presente Acção de impugnação que conheciam e que se encontrava registada, à data da constituição daquela, constitui, ela mesma, um instrumento de prova da má-fé dos 2.ºs RR. O registo da presente acção, anterior à constituição da Al, prevalece, sendo-lhe oponível ;

Trigésima Quinta
Os 1.ºs RR e 2.ºs RR tinham consciência do prejuízo que os actos impugnados causavam aos credores, ora Recorrentes, pelo que ficou verificado o requisito da má-fé a que alude o artigo 612.°, n.º1, 1a parte e n.º 2 do Código Civil ;

Trigésima Sexta
Foram violadas, pela Sentença recorrida, conforme supra exposto, pelo menos, as seguintes normas: artigo 610.°, 612.° do Código Civil, artigo 417.° n.º 2 do Código do processo Civil, aplicável ex vi, artigos 429.° e 430.° do mesmo Código, artigo 344.°, n.º 2 do Código Civil e artigos 371.°, 347.°, 393.°, 394.° e 395.°, todos do Código Civil, bem como os artigos 619.° e 620.°, ambos do Código do Processo Civil.
 
Concluem pela procedência do presente recurso, revogando-se a sentença apelada, a qual deve ser substituída por outra que:
I) Declare a ineficácia dos actos impugnados (cessões de quotas) identificadas nos pontos 1 a 9 da matéria dada como provada da Sentença recorrida, reconhecendo-se a possibilidade dos AA. Impugnantes executarem no património dos 2.ºs RR. e da Interveniente Principal Provocada as identificadas quotas ;
II) Declare o direito dos AA. a praticarem sobre as aludidas quotas todas as medidas conservatórias de garantia patrimonial do seu crédito.

17 – Apesar de notificados os Recorridos/Apelados não responderam ao teor das Conclusões aperfeiçoadas.
18 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
**
II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
E, no caso concreto, será pelo teor das Conclusões aperfeiçoadas (duplamente) que tal delimitação será efectuada e aferida, não se ponderando as anteriormente apresentadas, mas apenas, e tão-só, as resultantes da última versão apresentada, não se olvidando serem as Conclusões a delimitar a esfera de actuação do tribunal ad quem.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1. DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, o que determina a aferição:
I) Da indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados =) conclusões 1ª, 3ª a 8ª, 17ª e 18ª ;
II) Do incorrecto julgamento da matéria de facto constante do artigo 46º da base instrutória =) conclusão 9ª ;
III) Da omissão na matéria de facto provada de factos tidos por assentes =) conclusões 15ª e 16ª ;
IV) Da omissão de consideração de factos instrumentais relevantes que deveriam constar da matéria de facto provada =) conclusões 2ª, 10ª e 11ª.
o que implica, pelo menos no que concerne a alguns dos pontos, a REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA ;
2. Seguidamente, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS (inicialmente ou fruto das alterações infra em apreciação), o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA.

Na apreciação deste, conhecer-se-á, fundamentalmente, acerca:
· Dos pressupostos do instituto jurídico da impugnação pauliana;
· Do seu preenchimento in casu, com especial ênfase para a onerosidade ou gratuitidade do acto impugnado e (des)necessidade do preenchimento do requisito da má fé.
**
III - FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

              Na sentença recorrida/apelada, foi considerado como PROVADO o seguinte (inclui-se, no lugar próprio e a negrito, as alterações e aditamentos resultantes do infra decidido):

1 - Por escritura de 26 de Outubro de 2006, no Cartório Notarial de Faro e perante a Notária Maria Lúcia Gonçalves Lopes, os 1ºs RR. cederam aos 2ºs RR. a totalidade do capital social da sociedade por quotas “G”, com sede na Rua …., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Faro sob o nº 503671193, com o capital social de € 249.398,95 (duzentos e quarenta e nove mil trezentos e noventa e oito euros e noventa e cinco cêntimos), dividida em duas quotas, uma de € 124.699,48 (cento e vinte e quatro mil seiscentos e noventa e nove euros e quarenta e oito cêntimos) pertencente ao sócio ora R. F, e outra de € 124.699,47 (cento e vinte e quatro mil seiscentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos) pertencente à sócia, ora R. N ;
2 - Nos termos de tal escritura a quota titulada em nome do sócio R. F foi cedida ao R. A, enquanto a quota titulada em nome da sócia R. N foi cedida à R. Z ;
3 - Ambas as cessões foram efectuadas por preço igual ao valor nominal indicado no ponto 1 ;
4 - Os 1ºs RR., na qualidade de cedentes declararam na aludida escritura ter recebido dos cessionários, ora 2ºs RR., os mencionados preços ;
5 - Os 2ºs RR. passaram a ser, por virtude de tal cessão de quotas, os únicos sócios da identificada sociedade G ;
6 - As cessões de quotas foram registadas pela Ap. 7/20061102 e Ap. 8/20061102 ;
7 - Na mesma data e Cartório, foi celebrada escritura pública de cessão de quotas entre os mesmos intervenientes, ora 1º RR. e 2º RR., nos termos da qual os 1ºs RR. cederam ao R. A uma quota de € 125.697,07 (cento e vinte cinco mil seiscentos e noventa e sete euros e sete cêntimos) de que o R. F era titular na sociedade E., registada na Conservatória Registo Comercial de Faro sob o nº 501612351, com sede na urbanização …….., com o capital social de €1.675.960,94 ;
8 - Pela mesma escritura, os 1ºs RR. cederam à R. Z uma quota do valor nominal de € 125.697,07 (cento e vinte cinco mil seiscentos e noventa e sete euros e sete cêntimos) titulada na sociedade identificada no ponto 7 ;
9 - As cessões de quotas referidas nos pontos 7 e 8 foram efetuadas por preços iguais aos valores nominais ;
10 - Todos os RR. sabem que o valor real é da ordem dos € 5.500.000,00 ;
11 - Na mesma escritura, foi alterado o artigo 3º do contrato social referente ao capital social da E., o qual passou a ter a seguinte redação:
“TERCEIRO
O capital social integralmente realizado em dinheiro é de 1.675.960,94, representado por cinco quotas: uma de € 125.697,07 pertencente ao sócio A, e outra de igual valor nominal pertencente à sócia Z, três quotas, uma de 1.005.576,56 e duas de 209.495,12 pertencentes à sócia G” ;
12 - Consequentemente, através das cessões de quotas atrás identificadas relativas às duas sociedades, os 2ºs RR passaram a ser titulares directa ou indirectamente da totalidade do capital social das mesmas [2] ;
13 - A sociedade E., é dona do edifício onde está instalado o Hotel M ;
14 - A G, é a sociedade que gere e explora o Hotel em causa ;
15 - Além da titularidade e exploração do mencionado Hotel as duas referidas sociedades não têm outro património ou actividades;
16 - AA. e 1ºs RR. celebraram o contrato que consta de fls. 83 a 86, datado de 1 de Janeiro de 2006, onde consta que aqueles, como terceiro e quarto outorgantes declararam prometer comprar as quotas de que os primeiros e segundos outorgantes eram titulares nas sociedades “E.” e “G ;
17 - No negócio referido no ponto 16 foi acordado que o preço global da compra e venda das quotas era de € 5.500.000,00, correspondendo a € 4.250.000,00 ao preço global das quotas da E e € 1.250.000,00 ao preço global da G ;
18 - Sob a cláusula 3ª alínea a), a título de sinal e princípio de pagamento, acordaram AA. e 1ºs RR. no montante de € 2.600.000,00, sendo paga no ato da assinatura do contrato a quantia de €1.582.906,80, através de cheques, montante que foi recebido pelos RR. [promitentes-vendedores] [3] ;
19 - Sob a cláusula 3ª alínea b) consta que os restantes € 2.900.0000,00 do preço, seriam pagos simultaneamente com a escritura pertinente, a celebrar no prazo de 90 dias a contar da data de assinatura do contrato promessa ;
20 - Sob a cláusula 3ª 1º § acordaram a parte restante do sinal (€ 1.017.093,20) seria destinada para pagar os débitos da sociedade G junto das entidades BANIF e BCP, titulados por contas caucionadas, no valor de € 100.000,00 quanto ao Banif, e € 49 879,79 quanto ao BCP, obrigando-se os cessionários, desde já a liquidar esses valores ou a proceder à substituição das garantias que asseguravam tais dívidas, no prazo máximo fixado para a escritura; e a quantia de € 867.213,41 relativo à dívida hipotecária ao Banco Popular, constituindo-se os cessionários também na obrigação de realizar esse pagamento, através da entrega, ao credor hipotecário dos valores correspondentes às prestações devidas ;
21 - Sob a cláusula 3ª 2º§ consta que a dívida à construtora ED, que ainda não estava totalmente apurada (tendo-se feito um cálculo aproximado de € 260.000,00), seria apurada em definitivo até à celebração da escritura, cabendo a sua regularização aos AA.;
22- Sob a cláusula 3ª 4º § consta que a escritura de cessões prometida será marcada pelos cessionários, que avisarão os cedentes do dia, hora e local da mesma, com uma antecedência mínima de quinze dias. Caso a escritura não possa ter lugar na data acima indicada, poderá ainda realizar-se nos noventa dias subsequentes sem qualquer penalização ou, então, nos 180 dias subsequentes, embora, a verificar-se esta eventualidade, com o encargo de os cessionários pagarem aos cedentes, juros de mora passados os 180 dias, à taxa bancária mais alta praticada pela banca comercial para operações activas de crédito ;
23 - Sob a cláusula 4ª 1ª acordaram que a partir da presente data, assumem os cessionários a gestão da G, ficando eles exclusivamente - e solidariamente - responsáveis por todos os actos e contratos que celebrem nessa qualidade ;
24 - Sob a cláusula 4 2ª acordaram que as dívidas até final de 2005 serão da exclusiva responsabilidade da gerência exercida até essa data ;
25 - O A. I foi designado gerente da G, substituindo na gerência o R. F por deliberação da assembleia-geral de 11/01/2006 ;
26 - Por deliberação da mesma assembleia-geral de 11/01/2006 foi autorizada a cessão de quotas prometida no contrato ;
27 - Igualmente por deliberação tomada na mesma assembleia de 11/01/2006 e “por se revelar necessário financiamento bancário para a conclusão das obras em curso no Hotel, a Assembleia-geral autoriza a nova gerência a contrair um empréstimo até ao montante de € 4.500.000, ficando, para tanto, o novo gerente com poderes para negociar e assinar o que necessário for para esse efeito” ;
28 - A 11/10/2006, os 1ºs RR. lavraram uma ata da assembleia-geral da G e deliberaram destituir o A. I da gerência e designar um gerente ;
29 - a fracção autónoma identificada sobre a letra “L”, descrita na 9ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia de São Sebastião da Pedreira, sob o nº. 3084/20011128, e inscrita na matriz sob o artigo 3391, da mesma freguesia, encontrava-se, em 21/11/2006, inscrita a favor dos 1ºs Réus – inscrição de aquisição, por compra, AP. 33 de 2004/08/31 -, onerada por Hipoteca Voluntária – AP. 32 de 2004/11/03 – e sobre a qual fora ordenado arresto [4] ;
29-A - sob a mesma fracção, por informação datada de 27/09/2013, encontrava-se registada inscrição de aquisição, por compra – AP. 692 de 2013/01/29 -, figurando como sujeito activo Pa, e como sujeito passivo Ra [5] ;
30 - Os 2ºs RR. sabiam do negócio que os 1ºs RR. celebraram com os AA. ;
31 - Os 2ºs RR. tomaram conhecimento que os AA. haviam prometido adquirir as quotas das identificadas sociedades e os termos do negócio ;
32 - Os 2ºs RR. tomaram conhecimento que o A. I foi gerente da G no período entre 11/01/2006 e 15/10/2006 ;
33 - A restrição ao uso de cheques que afectava a sociedade G foi retirada, por decisão do Banco de Portugal, a 9 de Março de 2006 ;
34 - Os AA. não pagaram aos 1ºs RR. a prestação de € 2.900.000,00 referidos no ponto 19, nem procederam à marcação da escritura pública ;
35 - A 17 de Outubro de 2006, os 1ºs RR. remeteram aos AA. uma carta, a comunicar que faziam cessar os efeitos do contrato-promessa de cessão de quotas em causa, resolvendo o mesmo com as necessárias consequências legais ;
36 - A carta foi enviada para a morada indicada pelos AA. em Portugal - para o Largo ….. -, tendo sido devolvida com a indicação “não reclamada” ;
37 - Na ação que os AA. propuseram contra os RR. F e N, que correu termos sob o número 3038/07.3TVLSB, foi proferida decisão a 29 de Janeiro de 2013, transitada em julgado a 18 de Maio de 2015, foram aqueles RR. condenados a pagar aos AA. “a quantia de € 3.165.813,60, correspondente ao dobro do sinal, e juros de mora à taxa legal” ;
38 - Da fundamentação da decisão referida no ponto 37 consta o seguinte:
- “… apurou-se que no contrato-promessa foram fixados sucessivos prazos para a celebração dos contratos de cessão das acções e que incumbia aos Autores a marcação das escrituras…, bem como que decorrido tais prazos as escrituras não foram celebradas, resultando assim evidente a existência de mora dos Autores”.
-  “No entanto, os RR. não converteram essa mora em incumprimento definitivo, não procedendo à interpelação admonitória dos AA. para cumprir em prazo fixado para o efeito conforme exigido pelo artigo 808º, nº 1, do C.C.”
- Deste modo não assistia aos Réus o direito de resolver o contrato-promessa pelo que ao celebrarem com terceiros as escrituras de cessão das quotas se colocaram em incumprimento definitivo” ;
39 - Dá-se por integralmente reproduzido o registo do pacto social da sociedade “G”, conforme certidão de fls. 1062 a 1073 [6] ;
40 - Dá-se por integralmente reproduzido o registo do pacto social da sociedade “E.”, conforme certidão de fls. 1074 a 1087 [7] ;
41 - No dia 01/03/2016, os 1ºs Réus figuravam como contribuintes singulares devedores à Fazenda Nacional, em listagem publicada pela Autoridade Tributária e Financeira, no escalão de dívidas entre € 250.000,00 a € 1.000.000,00 [8] ;
42 - O 1º Réu marido e o 2º Réu marido conhecem-se de longa data e possuem negócios comuns no estrangeiro, nomeadamente e, pelo menos, na Nigéria [9].

Na mesma sentença, foi CONSIDERADA NÃO PROVADA a seguinte factualidade:

1 - Que, para além do descrito em 29 e 29-A, os Réus F e N (1ºs Réus) tenham património em Portugal [10].
2 - Os RR., quando outorgaram as cessões de quotas impugnadas, agiram concertadamente e com plena consciência de que estavam a lesar os direitos dos AA.
3 - Tiveram consciência de que com as cessões de quotas tornavam difícil ou impossível a satisfação do crédito dos AA.
4 - Os RR. A e Z não pagaram o preço de € 500.973,09 que declaram nas escrituras.
5 - O RR., quando celebraram as cessões de quotas, quiseram apenas e exclusivamente colocar no lugar dos RR. F e N os RR. A e Z, quanto à titularidade do capital social das duas sociedades G e E, com o propósito e objetivo de tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito dos AA.
**
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto

Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“ 1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, tendo os Recorrentes/Apelantes dado cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do Cód. de Processo Civil, nomeadamente através da indicação das passagens da gravação e transcrição dos enxertos dos depoimentos, pelo que o presente Tribunal pode proceder à sua reapreciação, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado[11].
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados[12] (sublinhado nosso).
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DA INDICAÇÃO DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO INCORRECTAMENTE JULGADOS

A) Invocam os Apelantes que no ponto 29 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida não se tomou em consideração a certidão do registo predial da fracção "L", junta pelos A.A. em 27/09/2013 (Refª. 14536530) e admitida, donde resulta que a identificada fracção já não era propriedade dos R.R. pelo que deveria o nº 29 da matéria dada como provada ser eliminado e em consequência ser ainda corrigido o ponto 1 da matéria de facto dada como não provada passando o mesmo a ter a seguinte redacção: 1 - Os R.R. F e N têm património em Portugal – cf., conclusão 1ª.
Conforme facto 29, considerou-se provado que “a titularidade da fracção autónoma “L”, descrita na 9ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 3084.º e inscrita na matriz sob o artigo 3391, da freguesia de São Sebastião da Pedreira, encontra-se inscrita a favor dos 1ºs RR., fracção essa que se encontra onerada por hipoteca, e sobre a qual fora ordenado um arresto”, tendo-se dado como não provado, sob o ponto nº. 1, que “os RR. F e N têm património para além da fracção referida no ponto 29 da matéria de facto provada”.
Aquele ponto 29 teve por fonte a alínea AE) da factualidade dada como assente, que por sua vez se fundou nas certidões juntas a fls. 118 e 119 e 121 a 163, enquanto que o facto não provado fundou-se na factualidade aduzida no ponto 14º da base instrutória.
Todavia, conforme requerimento datado de 27/09/2013, vieram os Autores (ora Apelantes) juntar certidão actualizada da descrição predial da mesma fracção autónoma, àquela data, da qual consta inscrição de aquisição – compra - registada sob o AP. 692, de 2013/01/29, tendo por sujeito activo Pa, Lda., e como sujeito passivo Ra.
Tal documento, devidamente notificado aos Réus, não mereceu qualquer pronúncia.
Pelo que, na ponderação dos documentos juntos, bem como da factualidade dos mesmos decorrente, decide-se o seguinte:
- em proceder à alteração do facto 29 da factualidade provada, o qual passa a ter a seguinte redacção:
a fracção autónoma identificada sobre a letra “L”, descrita na 9ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia de São Sebastião da Pedreira, sob o nº. 3084/20011128, e inscrita na matriz sob o artigo 3391, da mesma freguesia, encontrava-se, em 21/11/2006, inscrita a favor dos 1ºs Réus – inscrição de aquisição, por compra, AP. 33 de 2004/08/31 -, onerada por Hipoteca Voluntária – AP. 32 de 2004/11/03 – e sobre a qual fora ordenado arresto” ;
- em aditar um novo ponto à matéria de facto provada, que figurará como 29-A, com a seguinte redacção:
sob a mesma fracção, por informação datada de 27/09/2013, encontrava-se registada inscrição de aquisição, por compra – AP. 692 de 2013/01/29 -, figurando como sujeito activo Pa, e como sujeito passivo Ra” ;
- consequentemente, em alterar o ponto nº. 1 da matéria de facto não provada, que passará a ter a seguinte redacção:
que, para além do descrito em 29 e 29-A, os Réus F e N (1ºs Réus) tenham património em Portugal”. 

B) Aduzem os Apelantes que a sentença recorrida julgou erradamente como não provada a matéria que consta dos nºs 2, 3 e 4 da matéria de facto não provada, com o seguinte teor:
2 - Os R.R. quanto outorgaram as cessões de quotas impugnadas agiram concertadamente e com plena consciência de que estavam a lesar os direitos dos AA. ;
3 - Tiveram consciência de que com as cessões de quotas tornavam difícil ou impossível a satisfação do crédito dos AA..
4 – Os Réus A e Z não pagaram o preço de € 500.973,09 que declararam nas escrituras.
Acrescentam que a conclusão de que a consciência de que estavam a lesar os direitos dos Autores decorre inevitavelmente do circunstancialismo provado e não provado e, designadamente, do seguinte:
a) Os R.R. F e N não têm património em Portugal (conclusão Primeira e Segunda) ;
b) Os 2°S R.R. sabiam do negócio entre os 1ºs R.R. e os A.A. e os termos do mesmo (conclusão 3a, 4a e 5ª) ;
c) Todos os R.R. sabem que o valor real é de € 5.500.000,00 (conclusão 6ª) e os actos impugnados foram efectuados por preços iguais aos valores nominais (€ 500.973,09) conclusão 7a) ;
d) Os R.R A e Z não provaram ter pago sequer o preço declarado nas escrituras (conclusão 8a) ;
e) Os R.R. não provaram factos capazes de infirmar as escrituras de cessão de quotas - enquanto documentos autênticos (conclusão 9a) ;
f) O 1° R. marido e o 2° R. marido conhecem-se de longa data e possuem negócios comuns no estrangeiro (conclusão 10a) ;
g) O negócio do hotel era um negócio comum dos 1°S R.R. e dos 2°S R.R., em 50% / 50% e alguns dos cheques pagos pelos A.A. foram endossados ao 2° R A (conclusão 11a e 12a) ;
h) Os actos impugnados foram praticados apressadamente, aproveitando uma ausência temporária do A. I, então, gerente das sociedades (conclusão 13ª) ;
Acrescentam que na sentença recorrida afirma-se resultar "da matéria de facto provada que a deliberação de destituir o A. I da gerência foi tomada a 11 de outubro de 2006, que a carta a comunicar a resolução do contrato-promessa celebrado entre AA e RR. F e N foi enviada a 17 de outubro de 2006 e que as escrituras de cessão de quotas foram celebradas a 26 de outubro de 2006.
Acresce dizer que o documento de fls. 278 a 282, subscrito pelos RR. e denominado contrato promessa de cessão de quotas, data de 23 de outubro de 2006.
Pelo que, acrescentam, “um prévio entendimento entre RR. parece justificar a proximidade das datas mencionadas", não deixando assim dúvidas tal prévio entendimento.
Donde se impunha, para que não existisse contradição entre a fundamentação e a decisão, que se considerassem provados os pontos 2 e 3 da matéria dada como não provada – cf., conclusões 17ª e 18ª.

Por outro lado, no que concerne ao ponto 4º não provado, para além do supra exposto nas conclusões 3ª a 7ª, aduzem ter a sentença apelada julgado erradamente “caber aos A.A. o ónus da prova do facto que constituía o art. 18º da B.I., ou seja, que “os R.R. A e Z não pagaram o preço de € 500.973,09 que declararam nas escrituras” porquanto, estamos claramente em presença de uma situação de inversão do ónus da prova.
Com efeito, os A.A. requereram, no seu requerimento de provas sob a alínea G, a junção pelos R.R. dos documentos comprovativos dos meios de pagamento correspondentes ao fluxo financeiro. Tal requerimento foi admitido conforme despacho de folhas 889 dos autos e os R.R., notificados para apresentarem os documentos, não apresentaram qualquer documento de prova” – conclusão 8ª.

Os pontos de facto ora em equação, considerados como não provados, correspondem aos artigos 15º, 16º e 18º da base instrutória, sendo que as enunciadas conclusões reportam-se ao teor enunciado em 10., 11. e 13. do corpo das alegações.
Ora, na fundamentação da matéria de facto feita constar na sentença recorrida, para além do supra exposto, igualmente se referenciou que aquele prévio entendimento entre os Réus não significa que os 1ºs Réus não tenham querido ceder as quotas aos 2ºs Réus, nem que os Réus tenham agido com o objectivo e com a consciência de lesar os Autores. O que se veio a revelar e cimentou-se com o comportamento posterior do 2º Réu, ao agir “como verdadeiro titular das quotas”, concluindo-se, então, pela plausibilidade da versão dos 2ºs Réus em terem agido não para lesar os Autores, mas antes “para não serem lesados”, atenta a existência de um crédito anterior dos mesmos relativamente aos 1ºs Réus.
Acrescenta, ainda, a mesma fundamentação, ser plausível “que, com os prazos estipulados para a celebração dos contratos definitivos ultrapassados sem que os AA. marcassem a escritura, os RR. F e A se sentissem intranquilos, porque, em vez de chegar a solução para os seus problemas - os meios para satisfazer o crédito do R. A sobre o R. F -, havia o risco de agravamento dos seus problemas - a desvalorização das quotas em virtude do avolumar das dívidas das sociedades e a subsequente diminuição da garantia patrimonial do R. A.
Adquirirem os RR. A e Z as quotas pode ter surgido como a solução encontrada pelos RR. (…)”.
Adrede, ainda se referenciou na mesma fundamentação que os “documentos juntos a fls. 289, 291 e 291 são cópias de cheques emitidos pelo R. A a favor do R. F, pelo que não se pode afirmar que os RR. A e Z não pagaram contrapartida pela cessão das quotas.
É certo que não foi produzida prova que permita ao tribunal, com a certeza e a segurança necessárias, afirmar a correspondência entre os preços declarados e os preços efetivamente pagos pelos RR. A e Z aos RR. F e N, mas certo é também que caberia aos AA. provar que os preços não foram pagos e não os RR. provar o facto contrário.
Face aos documentos de fls. 240 a 247 e 250 a 257 e aos depoimentos das testemunhas Carlos e Jorge, funcionários do BCP à data dos factos, o tribunal ficou convencido que os documentos de fls. 234 a 239, 248, 249 e 267 a 273 não são documentos forjados”.

Invocam os Apelantes, no corpo alegacional, que os depoimentos prestados pelas testemunhas An e Ch também corroboram tal entendimento de prova dos pontos 2º e 3º não provados.
Assim, a testemunha An, irmão da Autora e cunhado do Autor, referenciou que:
· os Réus maridos, na Nigéria, em 2004, trabalhavam, moravam e iam para o trabalho juntos, o que pôde pessoalmente testemunhar, pois ficou instalado na moradia que os mesmos então habitavam (nas declarações de parte prestadas pelo 2º Réu, este negou que tal testemunha alguma vez tivesse vivido consigo, na Nigéria, referenciando a forma como era efectuada a partilha da casa dos directores da sociedade que,  na altura, tinha com o 1º Réu marido e outras duas pessoas) ;
· alguns dos cheques pagos pelos Autores aos 1ºs Réus foram endossados ao 2º Réu ;
· o negócio do Hotel seria comum, de ambos os Réus maridos, em 50/50.
Ora, para além da proximidade familiar para com os Autores, susceptível de determinar um depoimento menos isento ou livre, as duas primeiras alegações têm suporte na versão factual dos Réus, que nunca negaram ter negócios juntos no estrangeiro e terem sido amigos próximos, bem como que uma parte do sinal entregue pelos Autores aos 1ºs Réus teria sido destinado ao pagamento do débito, pré-existente, que estes tinham para com os 2ºs Réus.
E, no que respeita à aludida comunhão do negócio do Hotel, a mera versão aduzida pela testemunha, fundada no que teria ouvido dizer ao próprio 1º Réu, não encontra suporte na demais prova produzida, nomeadamente na prova documental indicada, que antes a contradita.
Efectivamente, das declarações prestadas por esta testemunha (transcritas de fls. 1819 a 1830), consta o seu longo relacionamento com o 1º Réu marido, a alegação de existência de negócios comuns entre os Réus maridos, nomeadamente na Nigéria, e que ali esteve, entre 1 mês e meio a dois meses, habitando na casa onde ambos os Réus residiam (o que o 2º Réu negou, quanto a tal permanência na casa dos directores, que mencionou ser ocupada, por três distintos sócios, por períodos mensais, apenas sendo comum tal permanência entre dois a três dias, para passagem da situação negocial).
No que respeita à aludida comunhão do negócio do Hotel, negou que tivesse visto algum documento, fundando a mesma numa sua convicção e naquilo que alegadamente o 1º Réu marido lhe teria dito. Aludiu a um pretenso documento tradutor de tal comunhão, que nunca visualizou, sendo que posteriormente já não soube explicar se este documento foi anterior ou posterior à escritura de cessão de quotas (cf., fls. 1824).
Aduziu que o 2º Réu estaria a par do negócio celebrado entre o 1º Réu e o seu cunhado (ora Autor), o que não foi questionado pelo 2º Réu, entendendo-se o interesse deste, atento o crédito que detinha para com os 1ºs Réus, configurando-se o negócio do Hotel como a possibilidade de ser ressarcido do mesmo.
Por fim e após alguma insistência aludiu a um negócio celebrado em 2004, entre os Réus maridos, desconhecendo se o mesmo se concretizou e se o 2º Réu pagou alguma coisa.
Resultou, assim, um depoimento pouco radicado em conhecimento directo e preciso, mas antes fundado em pessoais percepções ou convicções, radicando-se num “ouvir dizer ou comentar”, nomeadamente ao 1º Réu, insusceptível de, por si só, e sem qualquer outro suporte probatório, conduzir á fixação da matéria factual equacionada.

Por sua vez, a testemunha Ch, Gerente da G e da E., nomeada em 26/10/2006 e a quem a Chamada Al conferiu mandato, conforme fls. 1286, teria referenciado que:
· conhece muito bem os Réus maridos ;
· são ambos sócios em Portugal e na Nigéria ;
· o 2º Réu marido lhe foi apresentado pelo F (1º Réu) como sendo seu sócio ;
· o Réu F lhe terá dito que iria ter um novo sócio (Réu A), que apenas não faria a gestão do Hotel, que seria o sócio dele e que também continuaria sócio do Hotel, pois o que iria acontecer era apenas uma mudança de quotas ;
· seria evidente que os Réus ao fazerem as cessões de quotas (actos impugnados) apressadamente e destituírem o Autor marido das funções de gerência, tinham plena consciência que estavam a prejudicar este, tendo-se aproveitado da sua ausência.
Ora, relativamente à presente testemunha percebeu-se existir algum grau de conflituosidade com os 2ºs Réus, patente nas contra-alegações por estes apresentadas, conducente a que a mesma tenha deixado de exercer funções para aqueles, surgindo então como suporte da versão factual dos ora Autores Apelantes.
No que concerne ao aduzido pela mesma, nos termos já supra sufragados, não se questiona a qualidade de sócios dos Réus no estrangeiro (Nigéria), sendo que a aduzida sociedade (de facto) dos Réus no Hotel não encontra suporte probatório bastante, para além do aduzido pela própria testemunha (e antecedente), nomeadamente de natureza documental (ou sequer outra), capaz de fazer o Tribunal concluir pela existência da aludida sociedade de facto. E isto, apesar da própria testemunha falar em pagamentos feitos pela G, por conta do 1º Réu, e a mando do 2º Réu, mesmo após a cessão de quotas daquele para este (e respectivas mulheres).
No depoimento da presente testemunha sentiu-se algum desconforto, eventualmente fruto do facto da mesma ter ficado sentida quando foi preterida no exercício das suas funções por parte do ora 2º Réu, apesar de salvaguardar ter saído a bem, e devidamente indemnizada.
Começou por referenciar ter sido tudo feito de forma muito rápida, denotou defesa da gerência do ora Autor (apesar de posterior reconhecimento da existência de problemas, o que só fez após grande insistência), falou em incapacidade de “conseguir continuar a fazer o jogo dele”, ou seja, do 2º Réu, “nem a pactuar com esta situação”, mas mencionou desconhecer se o ocorrido se tratou de um golpe ou se foi combinado entre os Réus.
Por fim, acabou por reconhecer ter existido anteriormente um contrato-promessa de compra e venda entre os ora Réus maridos relativamente á aquisição do Hotel, em altura em que não exercia ainda aí funções, o que lhe foi contado pelo 1º Réu, desconhecendo valores ou pagamentos, mas sabendo que acabou por não se concretizar. O que corrobora parte dos documentos juntos pelos 2ºs Réus, sustentáculo do aludido crédito que detinham perante os 1ºs Réus.

Pelo que, com base na prova produzida e convincentemente ponderável, nos termos justificados na decisão apelada, não é possível concluir que os Réus (1ºs e 2ºs), aquando da outorga das cessões de quotas impugnadas, tenham agido de forma concertada e com plena consciência de estarem a lesar os direitos dos Autores, ou seja, que com tais cessões tornavam difícil ou impossível a satisfação do crédito dos Autores.
Ademais, os próprios 1ºs Réus (promitentes-cedentes) estariam plenamente convencidos da legitimidade e validade da resolução contratual operada relativamente ao contrato-promessa celebrado, da qual não proviria qualquer posição creditória aos Autores. O que acaba por ter algum suporte e sustento, ponderando-se a decisão proferida no processo nº. 3038/07.3TVLSB, a qual concluiu pela existência de mora dos Autores (ora Apelantes), tendo-se apenas gerado posição creditória na sua esfera jurídica fruto da não conversão de tal posição moratória em incumprimento definitivo, determinante de ilegitimidade na resolução contratual e colocação dos Réus promitentes cedentes em situação de incumprimento definitivo, ao operarem a cessão aos ora 2ºs Réus – cf., facto 38.
Convencimento que terão, inclusive, transmitido aos 2ºs Réus, ao darem-lhes conhecimento da carta de resolução enviada, sendo certo que, tal como apontado na decisão apelada, a versão de decidirem avançar para a aquisição do Hotel, mediante a aquisição das quotas de ambas as sociedades, revela-se pertinente e dotada de sentido, pois traduzia-se na forma lograda obter de verem satisfeito o crédito que detinham perante os 1ºs Réus.

O ponto 4 da factualidade não provada – os Réus A e Z não pagaram o preço de € 500.973,09 que declararam nas escrituras -, nos termos já supra referenciados, teve por fonte o nº. 18 da base instrutória, onde se indagava o seguinte: “os 2ºs Réus não pagaram sequer o preço que declaram nas escrituras de €500.973,09 ?”.
Provou-se, conforme factos 1 a 3, 9 e 10, terem as cessões de quotas sido efectuadas por preços iguais aos valores nominais, sabendo todos os Réus que o valor real é da ordem dos € 5.500.000,00.
Defendem os Autores Apelantes que aquele facto tem que ser dado como provado, ou seja, que os Réus A e Z (2ºs Réus) não pagaram o preço de € 500.973,09 que declararam nas escrituras, em virtude de estarmos perante uma situação de inversão do ónus probatório.
O que justificam pelo facto de terem requerido, sob a alínea G do seu requerimento probatório, a junção por parte dos Réus dos documentos comprovativos dos meios de pagamento correspondentes ao fluxo financeiro, o que foi admitido pelo despacho de fls. 889, tendo sido os Réus notificados para apresentarem os documentos, o que não fizeram.
E, assim sendo, inverteu-se o ónus de prova de tal facto, uma vez que os Réus, culposamente, tornaram impossível a prova do facto negativo a cargo do onerado, convocando o disposto no artigo 344º, nº. 2, do Cód. Civil, aplicável ex vi dos artigos 429º e 417º, nº. 2, ambos do Cód. de Processo Civil.
Pelo que, acrescentam, existe erro grosseiro na apreciação da matéria de facto, quando se afirma que caberia aos Autores provar que os preços declarados nas escrituras que titulam os actos impugnados não foram pagos.

Vejamos.
Sob a invocada alínea G do requerimento probatório, vieram os Autores requerer, “nos termos e para os efeitos do artigo 528º do Código do Processo Civil [13], que sejam notificados os 1ºs e 2ºs RR. para virem juntar aos autos documento comprovativo do meio de pagamento correspondente ao fluxo financeiro (origem e destino) designadamente cheque ou transferência bancária, do montante de € 435.000,00 a que se refere o artigo 46º f) e 48º da B.I.”.
O que mereceu deferimento pelo despacho de fls. 889, datado de 04/04/2011, com o seguinte teor: “notifique os Réus conforme se requer nas alíneas D) a H)”.
Ajuizando acerca da inversão do ónus da prova, prescreve o nº. 2 do artº. 344º, do Cód. Civil, que ocorre “também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações”.
Adjectivamente, prevendo acerca dos documentos em poder da parte contrária, aduz o artº. 429º, do Cód. de Processo Civil que:
1 - Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
2 - Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação”.
Acrescenta o normativo seguinte – 430º -, prevendo acerca da não apresentação do documento, que “se o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no nº. 2 do artº. 417º”.
Este, por sua vez, ajuizando no âmbito do dever de cooperação para a descoberta da verdade, referencia naquele nº. 2 que “aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil”.
Tias normativos encontram-se em íntima conexão com o princípio da cooperação vertido no artº. 7º do mesmo diploma, o qual prescreve que:
“1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.
3 - As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º.
4 - Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo”.
Ora, o nº. 2 do citado artº. 344º, do Cód. Civil, “sanciona com a inversão do ónus da prova a actuação da parte com ele não onerada que culposamente impeça o onerado de fazer a prova do facto. O preceito aplica-se quando, p. ex., (….) a parte notificada para apresentar um documento não o apresenta (art. 430º do CPC) ou declara que não o possui, tendo-o já possuído e não provando que ele desapareceu ou foi destruído sem culpa sua (art. 431º do CPC) (…); e quando, duma maneira geral, a parte recusa colaborar para a descoberta da verdade (art. 417º, nº. 2, CPC)[14].
Resulta, assim, do exposto, que o citado artº. 417º, ainda que só aplicável em juízo, “é uma norma de direito probatório material”, podendo o comportamento recusante determinar, de forma mais drástica, e para além da livre apreciação do comportamento omissivo para efeitos probatórios, a inversão do ónus probatório, o que sucede “quando a recusa impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (exs.: art. 313-1 CC ; art. 364 CC), já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios probatórios (…)”.
Pelo que, compete ao julgador “controlar a pretensa idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus”, podendo a requerida apresentação do documento visar a prova de factos instrumentais, e não apenas de factos essenciais ou nucleares [15].
Nas palavras do douto aresto do STJ de 14/07/2016 [16], “nem sempre, porém, aquele princípio (a quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos, positivos ou negativos, constitutivos do direito alegado) é o que vale na acção.
Excepcionalmente, aquela regra inverte-se, como disso nos dá conta o art.º 344.º do C.Civil, designadamente quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações (n.º 2 deste normativo legal).
Quer isto dizer que esta figura da inversão do ónus de prova, pressupondo que a revelação de particularizado circunstancialismo factual se tornou impossível de fazer, por acção ou omissão da parte contrária, exige similarmente que esta contingência lhe possa ser atribuível a título de culpa sua.
Neste caso, a inversão do ónus da prova, enraizando-se no dever de cooperação que às partes impende para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (patenteado nos art.º 7.º e 417.º, ambos do C.P.Civil), resulta de a parte contrária ter culposamente impossibilitado a prova do facto ao onerado (Antunes Varela; Manual de Processo Civil, pág. 466), isto é, torna-se necessário, para a aplicação à demanda deste princípio normativo, que se preveja que foi a conduta preterida por quem está vinculado a esta actuação que impediu a realização da verdade nesse concreto caso”.
Assim, para aquele preenchimento, “não basta pois que a parte recuse ou não justifique a falta de colaboração. É ainda necessário que essa falta de colaboração tenha tornado impossível a prova do facto ao onerado com essa prova, no caso, à autora, e que esse comportamento tenha sido culposo” [17].
Jurisprudencialmente, anote-se, ainda, o exposto em douto aresto da RC de 21/04/2015 [18], onde se defende que “a disposição se encontra pensada primordialmente para a permitir à parte onerada com a prova de um facto a obtenção de determinado documento de que saiba encontrar-se em poder da parte contrária, para através do mesmo dar cumprimento ao ónus da prova que sobre ele incide. Daí a cominação de inversão do ónus da prova, no caso em que a falta de apresentação o documento venha a impossibilitando ao onerado a respetiva prova. Naturalmente, tal sanção só faz sentido se a junção de documentos for requerida para a prova de factos que a si incumba provar e não quando o ónus da respetiva prova incumba à parte contrária.
Contudo, em nosso entender, o âmbito da aplicabilidade de tal norma terá de buscar-se na natureza do “ónus da prova” e no âmbito do “direito à prova”.
Face ao princípio da aquisição processual (artigo 413º do CPC) e ao princípio do inquisitório em matéria de prova (artigo 411º, CPC), tem vindo a ser entendido que as regras sobre o ónus da prova são mais regras de decisão do que regras de distribuição de prova propriamente ditas. Mais do que determinar quem tem de provar determinado facto, a atribuição a uma das partes do ónus da prova significa, sobretudo, determinar qual a parte que vai suportar a sua falta de prova. Trata-se de um critério de decisão destinado a evitar um non liquet jurídico em caso de falta de prova, permitindo ao juiz decidir contra a parte onerada. Dito de outro modo, a questão do ónus da prova relativamente a um determinado facto só se colocará se aquele não se vier a provar.
Há, assim, quem prefira denominá-lo de ónus de iniciativa da prova, constituindo uma mera conveniência de ter a iniciativa da prova, a fim de evitar a consequência desfavorável da sua parte, consistente em não poder ser considerado, como base da decisão, o facto não provado”.
Donde decorre que “o direito à prova significa que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal. As partes têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova.
Haverá que constatar que, na prática, as partes têm sempre interesse em produzir provas, seja em relação aos factos que lhe são favoráveis, seja quanto à inexistência dos factos que a podem prejudicar (contraprova ou prova contrária). E se é verdade que o ónus da contraprova só surge quando o onerado com a contraprova tenha feito prova bastante (prova livre ou não plena), cabendo então à parte contrária fazer prova que crie no espírito do juiz dúvida ou incerteza acerca do facto questionado, as restrições impostas ao momento até ao qual cada uma das partes pode apresentar a sua prova/contraprova, levam a que parte não onerada com a prova de um facto não possa ficar à espera que a contraparte faça, ou não, a prova de tal facto, para aí e só então, em caso afirmativo, apresentar a sua contraprova.
Como afirma Eduardo Cambi [[19]], “as partes devem, pois, ter a oportunidade de demonstrar os fatos que servem de fundamento para as respetivas pretensões e defesas, sob pena de não conseguirem influenciar o órgão julgador no julgamento da causa. A noção de direito à prova aumenta as possibilidades das partes influenciarem na formação do convencimento do juiz, ampliando as suas chances de obter uma decisão favorável aos seus interesses. Assim, as partes têm liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais”.
Concluímos, assim, que o mecanismo previsto no artigo 429º, do CPC, poderá ser utilizado não só por aquele sobre o qual recai o ónus da prova, mas igualmente para efeitos de contraprova (sublinhado nosso) [20].

Ora, no caso sub júdice, o ónus probatório do facto em equação incumbia aos Autores, por que tradutor do eventual acordo ou concílio entre os Réus, que teria conduzido a uma cessão de quotas simulada, para frustrarem a garantia patrimonial do crédito que detêm sobre os 1ºs Réus.
Assim, apesar de ter inexistido resposta dos Réus á notificação efectuada, para que ocorresse inversão do ónus probatório era mister e legalmente exigível que aqueles tivessem, de forma culposa, tornado impossível a prova dos onerados Autores. Ou seja, que com a sua omissão, á qual deve estar ínsito um juízo de culpa, e por causa da mesma, a prova que incumbia aos Autores (do facto negativo dos 2ºs Réus não terem pago sequer o preço declarado nas escrituras) se tenha tornado impossível, num juízo de causalidade necessária.
Todavia, compulsados os autos, constata-se, por um lado, que tal juízo de imputação á conduta omissiva dos Réus nunca foi concretizado em sede do Tribunal a quo, isto é, nunca os Autores lograram alegar que a não apresentação dos requeridos documentos por parte dos notificados Réus era culposa e que, por via da mesma, tinha-se tornado impossível a prova daquele facto negativo.
O que se justificava e impunha, de forma a que os mesmos Réus exercessem contraditório quanto à mesma, se pudessem defender ou opor a tal alegação, quer no que concerne á imputação culposa, quer no que respeita ao juízo de impossibilidade probatória.
Pelo que, não o tendo feito os Autores em sede do Tribunal Recorrido, vedado lhes estava efectuá-lo em sede recursória, em virtude de tratar-se de questão nova, não apreciada anteriormente no Tribunal a quo, pelo que, não se tratando de questão de oficioso conhecimento, não pode a presente Relação apreciá-la.
Donde, necessariamente se tem que concluir, prima facie, pela inexistência de qualquer juízo de inversão do ónus probatório, mantendo-se os Autores na posição de onerados com a prova de que nem sequer o preço declarado nas escrituras foi pago.
Por outro lado, o Tribunal Apelado sustentou a resposta negativa de tal facto igualmente na prova positiva efectuada pelos 2ºs Réus, ou seja, na prova de factualidade contrária, tendo estes junto inclusive prova documental, ainda que parcial, dos meios de pagamento em equação, o que fizeram juntamente com a apresentação da contestação (ou seja, como que anteciparam a junção, ainda que parcial, dos elementos documentais solicitados na citada alínea G do requerimento probatório). Nomeadamente, e em concreto, a prova documental junta a fls. 289, 291 e 292, traduzida em cópias dos duplicados de cheques emitidos pelo 2º Réu a favor do 1º Réu, datados de 30/10/2006 e 06/11/2006 [21]. Bem como no teor da prova pericial efectuada, donde resulta ter o 2º Réu efectuado pagamentos à Ed, em 31/10/2006, mediante cheques por si emitidos, no valor global de 99.726,00 € - cf., fls. 1131 e 295 a 297 -, e à B PSA, em 29/11/2006, igualmente através de cheque, no valor de 34.840,70 € - cf., fls. 1129, 306 e 307.
O que permitiu (e permite), compreensivelmente, em articulação com as próprias declarações de parte do 2ª Réu (acrescentamos nós), concluir-se pela impossibilidade de não poder afirmar-se que os 2ºs Réus não pagaram contrapartida pela cessão de quotas, apesar da incapacidade de concluir-se, com certeza e segurança necessárias, tal como expressamente se reconheceu na sentença apelada, acerca da correspondência entre os preços declarados e os preços efectivamente pagos pelos 2ºs Réus aos 1ºs Réus.
Efectivamente, ouvido o suporte áudio das declarações de parte prestadas pelo 2º Réu marido, e no que concerne aos pontos factuais ora em equação (considerados não provados), constata-se, com clareza, ter o mesmo explicitado e justificado vários pagamentos efectuados, quer directamente aos 1ºs Réus, quer a terceiros, por conta do passivo existente, na sequência da cessão de quotas concretizada em Outubro de 2006. Acrescentou que, na altura, o Hotel precisava de dinheiro com urgência, em virtude dos compromissos assumidos e inexistência de liquidez, o que apressou a necessidade de se realizar a escritura muito rapidamente.
Referenciou, ainda, ter-lhe o 1º Réu contado que tinha problemas com o Autor e com a forma como este exercia a gerência, o que causava problemas à empresa, tendo-lhe perguntado se estava interessado em comprar as mesmas participações sociais. Na altura, o 1º Réu mostrou-lhe a carta que tinha enviado ao ora Autor a “rescindir o contrato”, queixando-se que este devia ter pago os passivos acordados aquando da sua gerência, o que não havia feito. Perante tais factos, acrescentou, ficou convencido que podia ficar com as participações sociais e que nunca pensou que o ora Autor pudesse ficar prejudicado no negócio, mencionando o património que na altura os 1ºs Réus teriam em Portugal (aludindo a 2 apartamentos e pelo menos 3 Mercedes), para além de participações em empresas na Nigéria e Zaire. Confirmou, ainda, que conhecia o contrato-promessa anteriormente celebrado entre Autores e 1ºs Réus, o que o levou a encontrar-se com o Autor em hotel que identificou, pedindo-lhe que o avisasse da data de celebração da escritura definitiva, de forma a que pudesse receber o crédito que então detinha perante os 1ºs Réus.

O que determina, sem dúvidas e hesitações, que a sentença apelada bem andou ao não considerar provados os enunciados factos 2, 3 e 4, constantes da matéria de facto considerada como não provada.

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DO INCORRECTO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO CONSTANTE DO ARTIGO 46º DA BASE INSTRUTÓRIA

Na conclusão 9ª, invocam os Apelantes que a matéria factual constante do artº. 46º da base instrutória, traduzia a intencionalidade dos Réus provarem que o preço das cessões de quotas, contrariamente ao declarado nas escrituras, não era de 500.973,09 €, mas sim de 5.000.000,00 €, pelo que lhes incumbia a prova de tal versão factual. E que, após a impugnação dos documentos particulares apresentados, requereram nas alíneas E e F do seu requerimento probatório que os Réus viessem juntar aos autos:
· documento da constituição da dívida de € 1.515.000,00 ;
· comprovativo do pagamento do sinal alegado ;
· junção da escritura pública correspondente á constituição do mútuo anteriormente contraído entre os 1ºs e 2ºs Réus, e respectivo fluxo financeiro, no montante de 900.000,00 €.
Tendo sido deferido o requerimento de junção de tal prova, esta não foi apresentada, pelo que tais factos têm que ser considerados como não provados, “pois sobre os RR. impendia o ónus de provar a sua versão de que o preço não fora de € 500.973,09 (que declararam em documentos autênticos) mas sim aquele que alegaram em sede de contestação”.
No corpo das alegações, e apenas no que ora interessa, balizado pela conclusão em apreciação, invocam o disposto no nº. 2 do artº. 344º, do Cód. Civil a inversão do ónus probatório daí decorrente e que terá resultado da prova pericial realizada a inexistência, à data, de qualquer dívida à ED, pelo que resulta igualmente não provado o valor feito constar na alínea d), do mesmo artigo 46º da base instrutória.
Após questionar a ponderação probatória conferida aos documentos juntos a fls. 289, 291, 292, 240 a 247, 250 a 257 e 267 a 273, em articulação com a demais prova referenciada, conclui que aquela matéria factual deve figurar como não provada, “porque da sua não prova resulta, à evidência, a má-fé processual dos RR. nos presentes autos”.

Analisemos.
Questiona-se no ponto 46º da base instrutória se o 2º Réu marido propôs ao 1º Réu marido – e este aceitou -, adquirir para ele e para a mulher, as quotas dos 1ºs Réus nas sociedades “E” e “G”, pelo preço global de 5.000.000,00 €, correspondente ao somatório de vários valores. Nomeadamente, e segundo as várias alíneas, os seguintes valores:
“a) 1.515.000 €, correspondentes á soma de sinal que os 2ºs Réus haviam prestado em 28/10/2004 num contrato-promessa celebrado em 1 de Maio de 2004 em conjunto com o 1º Réu como promitentes cessionários de 50% das quotas nas sociedades E e G conforme cópia de fls. 234 a 238 ;
b) 900.000 € , correspondentes a um mútuo contraído pelos 1ºs RR. junto dos 2ºs RR., datado de 2005-03-25 ?
c) 1.300.000 €, correspondentes ao passivo que as sociedades “E” e “G” tinham, à data de 23 de Outubro de 2006, e que transitavam para os 2ºs RR. ;
d) 450.000 €, correspondentes à dívida à “ED” e obras complementares que esta ainda teria que realizar no Hotel M, e que também transitavam para os 2ºs RR. ;
e) 400.000 €, correspondentes a orçamento aproximado para as seguintes obras já previstas no Hotel M: sistema de segurança de incêndios, obras de canalização, aquisição de mobiliário novo para os quartos em construção e nova decoração (cuja responsabilidade os 2ºs RR. também assumiram) ;
f) 435.000 € a pagar aos 1ºs RR à data da celebração da escritura”.
Tal factualidade não figura na sentença apelada como provada ou não provada. E isto, apesar da mesma decisão relatar o seu convencimento de que alguns documentos que a sustentam “não são documentos forjados”.
O que sucedeu, conforme consta da fundamentação da matéria factual, por se ter entendido que, “atentas as regras do ónus da prova, é a versão dos AA. que cumpre apreciar”, assim se entendendo não ponderar o quesitado, correspondente a versão factual aduzida pelos Réus.
Assim, e no que à presente matéria concerne, o que cumpria apreciar era a matéria factual aduzida no ponto 18 da base instrutória, já supra apreciada, e não propriamente a versão factual aduzida pelos Réus, não se impondo, deste modo, que tal matéria factual tenha necessariamente que figurar como provada ou não provada.
Com efeito, e além do mais, não se tendo considerado provado o facto 46, cujo ónus incumbia aos 2ºs Réus alegantes, não se pode afirmar que os Autores fiquem, de alguma forma, prejudicados com a impossibilidade de efectuarem a contraprova dos factos constituintes do mesmo.
Aduzem os Apelantes que a necessidade de tal matéria figurar como não provada decorre do facto da mesma evidenciar a má-fé processual dos Réus.
Ora, tal entendimento não se revela minimamente pertinente, pois, desde logo, a circunstância de tal factualidade figurar, nos termos requeridos, como não provada, apenas significaria isso mesmo, que não se logrou provar o aduzido, não se podendo extravasar de tal omissão probatória, com evidência, qualquer má-fé, que não se vislumbra nem reconhece. Ou seja, o facto de poder figurar como não provado que o preço de aquisição das quotas foi no montante global de 5.000.000,00 €, correspondente ao somatório dos indicados valores parcelares, com fonte distinta (sendo certo que, atenta a fundamentação de facto já referenciada, o convencimento do Tribunal a quo inclinar-se-ia, prima facie, em sentido contrário, ou seja, na prova, pelo menos parcial, dessa mesma factualidade), não traduzia nem indiciava a apontada má-fé processual dos Réus.
Pelo exposto, e sem outras delongas, conclui-se no sentido de considerar que a matéria factual aposta no ponto 46 da base instrutória não deverá figurar como factualidade não provada.

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DA OMISSÃO NA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA DE FACTOS CONSIDERADOS OU TIDOS POR ASSENTES

Sob a Conclusão 16ª alegam os Apelantes que a sentença recorrida omite na matéria dada como provada as alíneas “L”, “AO” e “AP” da matéria assente, aditadas por despacho de fls. 932, pelo que deverá tal factualidade considerar-se assente, por provada.
Vejamos.
Resulta de fls. 871 e 872, terem os Autores apresentado reclamação da selecção da matéria de facto, a qual foi conhecida por despacho de fls. 932, no qual se decidiu, entre o mais, no aditamento aos factos assentes de três novas alíneas: I.1, AO) e AP).
Compulsada a matéria de facto provada na sentença apelada, constata-se não figurar nesta a matéria de facto constante das alíneas L) (sendo que esta não foi mandada aditar, pois já constava na redacção inicial da matéria assente), AO) e AP), figurando a alínea I1 sob o facto 10.
Pelo exposto, na ponderação de tal evidente omissão, determina-se o aditamento à matéria de facto provada dos seguintes pontos e com a seguinte numeração:
12 – Consequentemente, através das cessões de quotas atrás identificadas relativas às duas sociedades, os 2ºs RR passaram a ser titulares directa ou indirectamente da totalidade do capital social das mesmas” ;
39 – Dá-se por integralmente reproduzido o registo do pacto social da sociedade “G.”, conforme certidão de fls. 1062 a 1073” ;
40 - Dá-se por integralmente reproduzido o registo do pacto social da sociedade “E.”, conforme certidão de fls. 1074 a 1087”.  
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Alegam os Apelantes que toda a factualidade provada que consta dos 24 pontos do Acórdão do STJ, proferido no processo nº. 3038/07.3TVLSB.L1.S1, já devidamente transitado em julgado, deve constar da sentença apelada, pois foi admitida por acordo e decisão transitada.
Sob o nº. 22 do corpo de alegações consta o seguinte:
“a) A fls. 1317 dos autos, os AA. vieram requerer (Requerimento Refª14535827), em 27.09.2013 que se considerasse fixada para os efeitos dos presentes autos a factualidade provada na Acção 3038/07.3TVLSB, da 5ª vara Cível de Lisboa cuja Sentença veio a transitar em julgado.
Como consta do aludido Requerimento dos AA.:
(…)
5 - A sorte da ação em recurso pode ser uma de duas: ou a confirmação da Sentença recorrida, ficando assim confirmado o crédito dos AA., sobre os 1.ºs RR, ou a procedência do recurso o que, por seu turno, faria cair, naturalmente a presente acção.
6 – Deste modo, ante o exposto e atento o principio da economia processual parece de todo inútil, nesta altura e nestes autos fazer prova sobre a matéria de facto já fixada naqueles, ou seja, sob a matéria quesitada sob os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º e 45.º, todos da B.I:,
7 – O pressuposto da existência do crédito dos AAs. sobre os 1.ºs RR. é matéria decidida nos supra mencionados autos pelo que, no entender dos AA., a matéria sobre a qual interessa, aqui, produzir prova, limita-se à quesitada sobre os restantes artigos da B.I:, ou seja, 14.º a 20.º e 46.º a 55.º.
Face ao supra exposto os AA. requerem que se considere fixada para os efeitos dos presentes autos a factualidade provada na douta Sentença supra referida.”
b) O contraditório relativamente a este requerimento foi exercido pelos RR., na audiência de discussão e julgamento de 01.10.2013.
Consta de fls.4 da aludida Acta de Audiência de 01.10.2013, o seguinte:
Após exercido o contraditório relativo ao requerimento de fls. 1317 de 27.09.2013 nenhum dos RR. nem o interveniente se opuseram ao Requerido”
c) Da mesma Acta da Audiência de Discussão e Julgamento, a fls.5, consta que:
“Reiniciada a diligência às 11h01 pelo que sendo dada a palavra ao ilustre mandatário
dos AA., pela Mma. Juiz, no seu uso disse:
Os AA. dão por reproduzido tudo quanto alegam no seu requerimento de 27.09.2013 sob a referência 14535827. Com efeito a causa com o n.º 3038/07.3TVLSB da 5ª Vara Cível de Lisboa, cuja Sentença se encontra em recurso, constitui na óptica dos AA. causa prejudicial dos presentes autos.
Requerem por isso que V.Exa. decida a suspensão desta instância até que transite em julgado aquela Sentença.
Seguidamente pela Mma. Juíza foi dada a palavra aos demais ilustres mandatários, um de cada vez, tendo estes declarado nada terem a requerer ou a opor ao Requerido.”
d) Ficou assim, claro e aceite por acordo entre todos os intervenientes processuais, quais seriam os reflexos do caso julgado da causa prejudicial na presente causa quanto aos concretos pontos da matéria de facto indicados no aludido requerimento, designadamente, que a matéria sobre a qual interessaria produzir prova nos presentes autos se limitaria à quesitada sobre os artigos da Base Instrutória 14.º a 20.º e 46.º a 55.º, porquanto,
Seria inútil, como todos os intervenientes processuais e a Juiz, em altura própria, reconheceram, estar a produzir prova sob a matéria quesitada sob os artigos 1.º a 12.º, 21.º a 45.º, todos da B.I., porquanto aquela estaria fixada naqueloutros autos, com transito em julgado, como todos os intervenientes processuais acordaram.
e) É assim de todo incompreensível, a fundamentação na Sentença recorrida, a fls.8 quando se refere que “o tribunal não se pronuncia sobre os factos controvertidos constitutivos do direito de crédito invocados pelos AA. na presente acção”, quando tais factos provados com transito em julgado naquela acção são instrumentalmente relevantes para a presente acção e foram admitidos, por acordo, por todos os intervenientes processuais, nos termos já explanados, na audiência de 01.10.2013, tendo efeito de caso julgado formal nos presentes autos.
f) Assim, deverá a Sentença recorrida ser corrigida, aditando-se um novo ponto à matéria de facto provada com a seguinte redacção:
“Na ação que correu termos sob o número 3038/07.3TVLSB, foi proferida decisão a 29 de janeiro de 2013, transitada em julgado a 18 de maio de 2015 tendo-se fixado, por acordo entre todos os intervenientes processuais nos presentes autos de impugnação pauliana, a matéria de facto fixada naqueles autos, a qual ora se deixa transcrita”.
Seguidamente, realça, daquela matéria de facto provada no processo 3038/07.3TVLSB, os concretos pontos da matéria de facto que não constam da matéria de facto dada como provada na sentença apelada, e que dela deviam constar.
Nomeadamente, deveria constar:
· acrescento ao ponto 28 da matéria de facto da matéria indicada sob a alínea ii) ;
· acrescento ao ponto 33 da matéria de facto da matéria indicada sob a alínea iii) ;
· acrescento de 5 novos pontos autónomos, enunciados sob as alíneas i), iv), v), vi) e vii) – cf., fls. 1777 vº a 1779.

Vejamos.
Contrariamente ao aduzido pelos Apelantes, o requerimento onde se peticionou que se considerasse fixada, para os efeitos dos presentes autos, a factualidade provada na acção 3038/07.3TVLSB, foi apresentado a fls. 1321 a 1323 (referência 14535827), datado de 27/09/2013, e não a fls. 1317 (referência 14533989). Com efeito, a fls. 1317 e 1318, é apresentado requerimento, igualmente pelos Autores e na mesma data, onde são requeridas correcções à matéria de facto assente e base instrutória, devido à existência de lapsos ou meras divergências na identificação dos Réus.
Assim, quando a fls. 4 da acta de julgamento (fls. 1515) de 01/10/2013 se refere que “após exercido o contraditório relativamente ao requerimento de fls. 1317 de 27/09/2013, nenhum dos réus nem o interveniente se opuseram ao requerido”, aludia-se à pretensão das aludidas correcções, e não à pretensão de fixação da factualidade provada no processo 3038/07.3TVLSB.  
E, só assim se compreende que, durante a mesma audiência de julgamento – cf., fls. 5 e 6 da acta, a fls. 1516 e 1517 -, os Autores, através do seu Ilustre Mandatário, tenham vindo efectuar novo requerimento onde “dão por reproduzido tudo quanto alegam no seu requerimento de 27.09.2013 sob a referência 14535827. Com efeito a causa com o n.º 3038/07.3TVLSB da 5ª Vara Cível de Lisboa, cuja Sentença se encontra em recurso, constitui na óptica dos AA. causa prejudicial dos presentes autos.
Requerem por isso que V.Exa. decida a suspensão desta instância até que transite em julgado aquela Sentença”.
Tal requerimento, com a indicada referência, reporta-se então à pretensão de fixação da matéria de facto provada no processo nº. 3038/07.3TVLSB, sendo certo que a questão concreta que os Autores agora apresentavam referia-se concretamente, e especificamente, à existência de causa prejudicial, concluindo-o, requerendo, apenas e tão-só, a suspensão da instância, até que transitasse em julgado a sentença proferida naquele processo nº. 3038/07.3TVLSB.
Pelo que, logicamente, quando seguidamente consta da acta que “pela Mma. Juíza foi dada a palavra aos demais ilustres mandatários, um de cada vez, tendo estes declarado nada terem a requerer ou a opor ao Requerido”, pronunciavam-se relativamente à requerida suspensão da instância, e não relativamente à pretensão de consideração, nos presentes autos, da matéria factual considerada provada naquele mesmo processo nº. 3038/07.3TVLSB.
E, tanto assim é que, posteriormente, transitada a decisão proferida naquela acção nº. 3038/07.3TVLSB, veio o Tribunal proferir o despacho de fls. 1564, datado de 10/09/2015, ordenando a notificação das partes para, perante aquele trânsito, se pronunciarem sobre os reflexos daquela decisão final “nos presentes autos, ou seja, para manifestarem o seu entendimento quanto à existência de factos que deixaram de necessitar de prova e de testemunhas arroladas que já não interessa inquirir”.
O que mereceu respostas divergentes por parte dos 1ºs Réus – fls. 1571 e 1572 – e 2ºs Réus – fls. 1637 a 1639 -, sendo que a resposta dos Autores, apresentada a fls. 1641, não foi admitida, por extemporânea, tendo-se ordenado o desentranhamento de tal requerimento e restituição aos Autores, o que nunca foi cumprido – cf., 1º despacho de fls. 1648.
Resulta assim clarividente que, contrariamente ao aludido pelos ora Apelantes, inexistiu qualquer acordo ou aceitação, pela totalidade das partes, para considerar nos presentes autos a totalidade da matéria factual dada como provada no processo nº. 3038/07.3TVLSB, não se tendo operado, deste modo, qualquer caso julgado formal que a decisão apelada tivesse violado.
Inclusive, existiu declaração expressa dos 2ºs Réus na não aceitação incontrovertida daquela factualidade, conforme resulta do seu requerimento de fls. 1637 a 1639, o que foi ponderado pelo Tribunal no 2º despacho proferido a fls. 1648.
Pelo que, resta concluir pela improcedência da conclusão recursória ora em análise, inexistindo assim lugar aos requeridos aditamentos á matéria factual fixada, com base na matéria de facto dada como provada no processo nº. 3038/07.3TVLSB


DA OMISSÃO DE CONSIDERAÇÃO DE FACTOS INSTRUMENTAIS RELEVANTES QUE DEVERIAM CONSTAR DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
 
Pugnam ainda os ora Recorrentes que sejam aditados à matéria de facto provada factos instrumentais relevantes, indicando os meios probatórios fundantes.
Assim, na ponderação das Conclusões apresentadas, são três os factos instrumentais cujo aditamento é requerido, nomeadamente:
I) os 1ºs Réus são grandes devedores à Fazenda Nacional no escalão de dívidas entre € 250.000,00 e € 1.000.000,00” – cf., Conclusão 2ª e ponto 23 do corpo das alegações ;
II) o 1º Réu marido e o 2º Réu marido conhecem-se de longa data e possuem negócios comuns no estrangeiro” – cf., Conclusão 10ª e ponto 24º do corpo das alegações ;
III) o negócio do Hotel era um negócio comum dos 1ºs e dos 2ºs, em 50% / 50%, e alguns dos cheques pagos pelos Autores foram endossados ao 2º Réu A” - cf., Conclusão 11ª e ponto 25º do corpo das alegações.

Estatuindo acerca do ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, dispõem os nºs. 1 e 2, do artº. 5º, do Cód. de Processo Civil que:
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”.
Por sua vez, o nº. 4 do artº. 607º, do mesmo diploma, estatui que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [22] que “as partes dispõem da aquisição pelo processo dos «factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas» - com as importantes ressalvas constantes das als. b) e c) deste número -, mas não, nem mesmo quanto a estes, da sua admissão na base factual a considerar pelo tribunal – cfr. o art. 612º. Também quanto aos factos instrumentais, as partes dispõem positivamente da sua aquisição pelo processo, mas não negativamente – isto é, a aquisição não está limitada aos factos alegados (al. a) do nº. 2) -, não estando, igualmente, na sua disponibilidade a admissão daqueles (art. 574º, nº. 2, segunda parte)”.
Deste modo, “os factos instrumentais, não preenchendo a fatispécie de qualquer norma de direito substantivo que confira um direito ou tutele um interessa das partes, permitem, mediante presunção, chegar à demonstração de factos principais – tendo, pois, uma função probatória”.
Assim, os factos instrumentais “não integram a causa de pedir: são factos indiciários ou presuntivos dos factos integrantes da causa de pedir (…) são factos conhecidos que permitem à parte firmar um facto constitutivo (facto desconhecido). Portanto, são factos meramente probatórios e não integram as normas de procedência, i.e., as previsões normativas dos regimes materiais que suportam o pedido do autor”.
Pelo que, “se á parte interessada cabe decidir da sua invocação, o juiz pode oficiosamente considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa[23].
Decorre, assim, que, por natureza, os factos instrumentais “não carecem de alegação e por isso são oficiosamente considerados na decisão de facto (art. 5-2-a). Ponto é que resultem da instrução da causa.
Diversamente dos factos principais, não constituem condicionantes directas da decisão. A sua função é, antes, a de permitir atingir a prova dos factos principais”.
Constituindo a maioria dos meios probatórios prova indirecta, “através deles, chega-se à realidade do facto principal por dedução, também por forma mais ou menos directa, da realidade de outros factos, de acordo com regras da experiência humana que têm na sua base uma convenção social ou uma lei natural. Os factos que servem de base a essa dedução dizem-se factos probatórios e aqueles que, jurídica ou naturalmente, permitem ou vedam ao juiz tirar da realidade dos factos probatórios a conclusão acerca da realidade dos factos principais, ou aumentam ou diminuem a probabilidade dessa conclusão, dizem-se factos acessórios. Uns e outros constituem a categoria dos factos instrumentais[24].
Jurisprudencialmente, conforme refere o douto Acórdão do STJ de 13/07/2017 [25], os factos que resultam da discussão da causa “são factos, passe a expressão, que só foram “descobertos”, que chegaram ao conhecimento do Tribunal na fase instrutória da causa.
Acerca dos factos de que o juiz se pode servir; sem dúvida os factos principais, que foram alegados pelas partes, e, para lá destes, os notórios, o que dir-se-ia constitui a regra. Já assim não sucede quanto aos factos acessórios.
«Estes factos (probatórios e acessórios) são factos instrumentais, que como tais não têm de ser alegados pelas partes nem de ser incluídos na base instrutória, podendo surgir no decorrer da instrução da causa. O juiz tem, portanto, de os considerar, independentemente da alegação das partes» – Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 3ª edição, pág.15 e 16”.
Assim, “mantém-se actual a consideração de que são “São factos instrumentais aqueles que, sem fazerem directamente a prova dos factos principais, servem indirectamente para prová-los, pela convicção que criam da sua ocorrência” – Acórdão este Supremo Tribunal de Justiça, de 18.5.2004 – Proc. 1570/04.
“O conceito de causa de pedir é delimitado pelos factos jurídicos dos quais procede a pretensão que o demandante formula, cumprindo às partes a alegação desses factos, apenas nos quais o juiz funda a sua decisão, embora possa atender, ainda que ex officio, aos instrumentais, que resultem da instrução e da discussão e aos que sejam complemento ou concretização de outros.
O juiz está limitado pelo princípio do dispositivo, mas a substanciação (ou consubstanciação) permite-lhe definir livremente o direito aplicável aos factos que lhe é lícito conhecer, buscando e interpretando as normas jurídicas” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.5.2009 – Revista n.º 162/09.1YFLSB.
Os factos instrumentais, mesmo que não constem da alegação das partes podem ser tidos em consideração pelo julgador se resultarem da instrução da causa[26].

Nos presentes autos, e atenta a entrada em vigor da nova redacção conferida ao Cód. de Processo Civil, foi proferido despacho, conforme acta de audiência de julgamento de 01/10/2013 – cf., fls. 1514 -, com o seguinte teor:
a decisão relativa aos factos a proferir em sede de sentença, em conformidade com o disposto no novo art. 607º do Código de Processo Civil, reportar-se-á aos factos insertos na Base Instrutória, sem prejuízo da consideração dos factos instrumentais que resultem da discussão da causa e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham a  possibilidade de se pronunciar, em respeito do ora disposto nas alíneas a) e b) do art. 5º do novo Código de Processo Civil”.
Pelo que, tendo por base o enquadramento efectuado, afiramos se existe pertinência no requerido aditamento factual.

Ponto I) -  “os 1ºs Réus são grandes devedores à Fazenda Nacional no escalão de dívidas entre € 250.000,00 e € 1.000.000,00”.
Referem os Apelantes que este facto encontra-se provado por documento admitido por despacho proferido em sede de audiência final, o qual juntaram mediante requerimento de 03/03/2016 (referência 22021750), para prova da matéria do artº. 14º da base instrutória.
Efectivamente, os Autores vieram, com a finalidade expressamente invocada, requerer a junção de cópia da lista pública, extraída do site https://www.e-financas.gov.pt/pubdiv/pdf/listaFS5.pdf, da qual consta serem os 1ºs Réus grandes devedores à Fazenda Nacional, no escalão de dívidas de 250.001 a 1.000.000 € - cf., fls. 1707 a 17010.
Após pronúncia dos Réus e Interveniente Principal de não prescindibilidade do prazo para se pronunciarem acerca da requerida junção – cf., acta de fls. 1712 -, apenas os 1ºs Réus se vieram pronunciar a fls. 1718, pugnando pela não admissão de tal documento, por extemporaneidade, invocando o prescrito no nº. 2 do artº. 423º, do Cód. de Processo Civil. O que foi indeferido por despacho de 05/04/2016, proferido em sede de audiência de julgamento, donde resultou a admissão de tal documento, nos quadros da 1ª parte, do nº. 3, do mesmo artº. 423º  – cf., fls. 1720 e 1721.
Ora, reportando-se o aduzido em tal documento à situação patrimonial dos Réus devedores (1ºs Réus), e apesar de estarmos perante uma informação datada de 01/03/2016 (que mitiga, necessariamente, a sua relevância, pois é temporalmente longínqua dos actos impugnados), em concatenação com os requisitos da impugnação pauliana – cf., artº. 610º, do Cód. Civil -, e apesar do ónus probatório que decorre do artº. 611º, do mesmo diploma, afigura-se que tal facto, com natureza instrumental, poderá ainda ter alguma pertinência na avaliação da garantia patrimonial do crédito de que os Autores são titulares.
Pelo que, ainda que com diferenciada redacção, decide-se pelo acrescento à matéria de facto provada, de um novo facto, que figurará sob o nº. 41, com a seguinte redacção:
no dia 01/03/2016, os 1ºs Réus figuravam como contribuintes singulares devedores à Fazenda Nacional, em listagem publicada pela Autoridade Tributária e Financeira, no escalão de dívidas entre € 250.000,00 a € 1.000.000,00”.

Ponto II) - “o 1º Réu marido e o 2º Réu marido conhecem-se de longa data e possuem negócios comuns no estrangeiro”.
A presente factualidade foi alegada pelos 2ºs Réus na sua contestação – cf., artº. 10º -, sendo que anteriormente os Autores haviam alegado, conforme artº. 105º da petição inicial, que “os 1ºs e 2ºs Réus são sócios, como se referiu, e amigos de longa data”. O que foi contraditado pelos 1ºs Réus, no que concerne à 2ª parte do aduzido (o serem amigos de longa data), conforme artº. 225º da contestação por estes apresentada.
Tal oposição ou contradição, inviabilizou, inclusive, o deferimento, nessa parte, da reclamação apresentada à reclamação da matéria de facto, conforme decorre da reclamação de fls. 871 e 872 e decisão de fls. 932.
Todavia, conforme bem referem os Apelantes, o que parece incontroverso, pois é sustentado quer pelos Autores quer pelos Réus, é a própria factualidade ora aduzida, ou seja, o conhecimento de há longa data dos Réus maridos e o facto de possuírem negócios em comum no estrangeiro, nomeadamente, e pelo menos, na Nigéria.
Tal factualidade é, ainda, corroborada pelos depoimentos das indicadas testemunhas An e Ch, os quais, apesar das limitações de fiabilidade já supra enunciadas, relativamente a tal factualidade corroboram a própria posição e reconhecimento dos Réus, ao aludirem a uma amizade longa entre ambos e à existência de negócios comuns, em sociedade, na Nigéria – cf., a transcrição dos depoimentos constante de fls. 1780 a 1782.
E, tal factualidade é ainda corroborada pelos próprias declarações de parte do 2º Réu marido – A -, ao confirmar tal relação de amizade, conhecimento de longa data – “conhecem-se há muito tempo” - e a existência de investimentos na Nigéria, em sociedade que identificou, detida, na altura, por quatro diferenciados sócios (sendo dois deles os ora Réus maridos).
Ora, esta factualidade, tendo natureza meramente instrumental, que não nuclear, poderá ter importância para a aferição do grau de conhecimento e de confiança entre ambos os Réus maridos, nomeadamente na justificação ou entendimento das posições creditórias/debitórias relevantes afirmadas existentes entre os mesmos, aparente concessão de mútuo com valor relevante dos 2ºs Réus aos 1ºs Réus, quando aparentemente já existiria um anterior débito destes para com aqueles, igualmente de elevado montante, e celeridade imprimida no acertado negócio de cedência de quotas, ora impugnado, posterior à resolução do contrato-promessa outorgado entre Autores e 1ºs Réus, por declaração destes.
Pelo que, no deferimento do requerido, ainda que com ligeiro acerto,  decide-se pelo acrescento à matéria de facto provada, de um novo facto, que figurará sob o nº. 42, com a seguinte redacção:
“o 1º Réu marido e o 2º Réu marido conhecem-se de longa data e possuem negócios comuns no estrangeiro, nomeadamente e, pelo menos, na Nigéria".

Ponto III) - “o negócio do Hotel era um negócio comum dos 1ºs e dos 2ºs, em 50% / 50%, e alguns dos cheques pagos pelos Autores foram endossados ao 2º Réu A”.
O presente facto, cujo aditamento à matéria de facto provada se pretende efectuar, é alegado pelos Apelantes como sustentado nos depoimentos das testemunhas An e Ch, transcritos a fls. 64 a 71 do corpo das alegações.
Em primeiro lugar, urge referenciar que a versão inicial do facto cujo aditamento era solicitado a título de facto instrumental era apenas, e tão-só, a de que “o negócio do Hotel era um negócio comum do Sr. Firojali (1º Réu marido) e do Sr. Alnoor (2º Réu marido)” – cf., ponto 25 do corpo de alegacional, constante de fls. 1782 a 1785.
Pelo que, conforme melhor veremos e justificaremos infra, destinando-se o convite ao aperfeiçoamento das alegações a completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões apresentadas e não a ampliar o seu objecto – cf., artº. 635º, nº. 4, do Cód. de Processo Civil -, em concatenação com o princípio da preclusão, será apenas aquela 1ª versão do facto instrumental que deverá ser equacionada e não já o aditamento feito constar nas conclusões aperfeiçoadas posteriormente apresentadas.
O que determine que se aprecie se a prova produzida permite aditar um novo facto, de natureza instrumental, definidor de que “o negócio do Hotel era um negócio comum do Sr. F (1º Réu marido) e do Sr. A (2º Réu marido)”.
Ora, conforme já supra referenciámos, aquando da análise dos depoimentos das indicadas testemunhas, o depoimento destas não surge como bastante ou suficiente ao sustento de tal factualidade.
Com efeito, para além da problemática da fiabilidade dos mesmos, o que resulta de tais depoimentos, até porque não minimamente corroborados por qualquer prova documental, mas antes, pelo menos em parte, contraditados, não permite concluir, com a mínima segurança, pela prova daquela factualidade.
Exemplificando, a testemunha An, alude ao negócio comum do Hotel como uma sua convicção, aparentemente baseada na existência de outros negócios comuns, nomeadamente na Nigéria – cf., transcrição de fls. 1782 vº e 1783 -, bem como no facto de alguns dos cheques entregues pelo cunhado (o Autor) terem sido posteriormente entregues ao 2º Réu. Seguidamente, já afirma que era o 1º Réu que dizia que o Hotel era dos dois (dele e do 2º Réu), aludindo a uma sociedade interna, e que tal já vinha do tempo da Vidisco e que estavam ligados internamente e que, portanto, era 50-50, o que alegadamente constaria de um documento existente e relatado pelo 1º Réu, mencionando ainda que o 2º Réu estava a par do negócio – cf., transcrição de fls. 1783 vº a 1784 vº.
Por sua vez, a testemunha Ch apenas alude que alguns cheques entregues pelo Autor ao 1º Réu, aquando do pagamento do sinal, foram endossados ao 2º Réu, acrescentando nada saber quanto ao resto – cf., transcrição de fls. 1784 vº e 1785.
Ora, de tais declarações, sem outro suporte probatório, nomeadamente documental, não é legítimo concluir pela prova do facto instrumental em equação.
O que surge ainda de forma mais concludente quando a entrega dos cheques por parte do 1º Réu ao 2º Réu, que havia recepcionado do Autor a título de pagamento do sinal, é perfeitamente compatível e congruente com a versão de tal ter acontecido, por pressão do 2º Réu credor, para parcial pagamento do débito anteriormente existente e que onerava os 1ºs Réus. O que justifica o interesse do 2º Réu em estar a par do negócio (alegando inclusive ter-se reunido com o Autor durante a gerência deste no Hotel), sendo que a alusão ao tal negócio em comum dos Réus no Hotel encontra inclusive fundamento no contrato-promessa de cessão de quotas anteriormente celebrado com a Vidisco, S.A., em Maio de 2004 – cf., documento de fls. 234 a 239 -, o qual nunca se terá concretizado, acabando o 2º Réu por posteriormente ceder a sua posição processual ao 1º Réu, conforme documento de fls. 267 a 271.
Por outro lado, tendo o Tribunal procedido à audição do suporte áudio das próprias declarações de parte do 2º Réu marido, este explicitou devidamente a forma como se operou o seu interesse na aquisição de 50% das participações sociais do Hotel em 2004, o motivo pelo qual não se concretizou, desinteressando-se do negócio e que após a aquisição operada em 2006 ficou dono de 100% da totalidade das participações sociais das sociedades E e G, sendo assim o Hotel da sua exclusiva pertença. Explicitou, ainda, a forma como surgiu o seu anterior crédito perante os 1ºs Réus, e que voltou a interessar-se pelo negócio em 2006 “pois tinha lá o seu crédito” e o valor desceu para o montante global de 5.000.000,00 € (enquanto que em 2004 estava em causa a aquisição de 50% pelo preço de 3.000.000,00), podendo-se ainda descontar neste preço o valor das obras que era necessário concretizar, de forma a obter-se a licença em falta.
Ora, tal versão factual tem respaldo na prova documental junta, é por esta sustentada ou corroborada, afigura-se equilibrada e minimamente consistente, em contraposição com o aludido pelas identificadas testemunhas.
Pelo que, sem ulteriores delongas, improcede, nesta parte, o objecto recursório, explanado na Conclusão 11ª, não se aditando á matéria de facto provada o equacionado facto instrumental.

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    Sob as Conclusões 12ª e 13ª, aduzem os Recorrentes o seguinte:
“A sentença recorrida omitiu um facto instrumental relevante que deveria ter sido considerado, ou seja, que "O 2° Réu A, foi apresentado à testemunha Ch, pelo 1° Réu, F, como sendo sócio deste, com a explicação de que o F só não faria a gestão do hotel, mas que continuava sócio. A única coisa que iria acontecer era só a mudança das quotas, quota do F passaria para o Sr. A, a quota da Dona N passaria para a Dona Z". Imediatamente, resulta do mesmo depoimento que “…. a situação foi exatamente assim. E foi rapidamente efetuada escritura, troca de quota, foi tudo muito rápido, muito rápido, muito rápido." Como conta do extrato do depoimento da testemunha Ch 10m21 s e 11m18s, transcrito a pág. 75 das motivações de recurso ;
A sentença recorrida desconsiderou ainda um facto relevante conexo com o da conclusão anterior, ou seja, que além dos atos impugnados terem sido muito apressados foram praticados aproveitando uma ausência momentânea do A. I então gerente das sociedades, conforme resulta da factualidade provada em julgamento através dos depoimentos das testemunhas Ch, a 8m10s a 9m28s e AL a 13m11s, transcritos a folhas 72 das motivações de recurso) e da própria factualidade do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Proc. 3038/07.3TVLSB.L 1.S1 junto aos autos a folhas 1154 a 1172)”.
Para além da dificuldade de vermos nos trechos assinalados verdadeiros factos que pudessem ser considerados a título instrumental, antes se configurando os mesmos como fazendo parte da motivação e fundamentação da matéria de facto, inserindo-se na análise crítica dos meios probatórios produzidos (in casu de natureza testemunhal), os mesmos não constavam e não correspondem a versão das Conclusões inicialmente apresentadas, e sob as quais incidiram dois despachos de aperfeiçoamento.
E, assim sendo, não constando daquela redacção inicial ou primária, não devem as mesmas ser consideradas, pois não se trata de nenhuma aperfeiçoamento, qua tale, das Conclusões inicialmente apresentadas.
Prescreve o nº. 3, do artº. 639º, do Cód. de Processo Civil, que “quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”.
Pelo que, delimitando as Conclusões a esfera de actuação do tribunal ad quem, “o conteúdo da peça processual correspondente ao aperfeiçoamento deve respeitar o objecto do recurso que ficou definido nas alegações originais, não sendo legítimo ao recorrente aproveitar o convite para alargar o âmbito do recurso a questões ou parcelas da sentença recorrida que não tenham sido focadas anteriormente. É o que resulta do disposto no art. 635º, nº. 4, em conjugação com o princípio da preclusão (….). Aliás, o recorrente é convidado a completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões apresentadas e não a ampliar o seu objecto[27] .
Pelo exposto, decide-se pela rejeição do conhecimento do segmento recursório constante das conclusões 12ª e 13ª.


II) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS

A sentença apelada ajuizou, em súmula, nos seguintes termos:
§ Definidos os requisitos gerais da impugnação pauliana, resulta do ponto 37 da matéria de facto a existência de um crédito na titularidade dos Autores;
§ Do ponto 38 resulta a anterioridade do acto impugnado em relação ao crédito dos Autores, pois sem a cessão de quotas não havia incumprimento definitivo por parte dos 1ºs Réus e, deste modo, não tinham os Autores direito ao dobro do sinal;
§ Não resulta, todavia, da matéria provada que a cessão de quotas impugnada tenha sido realizada dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito dos Autores (futuros credores);
§ Pelo que se julgou a acção improcedente, absolvendo-se os Réus do petitório formulado.

Nas alegações recursórias, invocam os Apelantes, basicamente, o seguinte:
o Os actos impugnados foram gratuitos, pelo que os Autores estão dispensados de provar a má fé do devedor e do terceiro, nos quadros da 2ª parte, do nº. 1, do artº. 612º, do Cód. Civil - conclusões 19ª a 27ª;
o O crédito dos Autores é anterior aos actos impugnados, pois o incumprimento dos 1ºs Réus nasce com a deliberação de 11/10/2006 de destituição de gerência do Autor marido, uma vez que o exercício desta foi pressuposto do contrato promessa de cessão de quotas, e seu posterior impedimento de entrada no Hotel;
o Tais índices de incumprimento revelaram-se, logo de seguida, inequívocos, pela carta enviada aos Autores em 17/10/2006, a comunicar a cessação dos efeitos do contrato-promessa outorgado, através da sua resolução, a qual foi considerada ilícita por sentença transitada em julgado;
o Tal anterioridade do crédito dos Autores pode-se até aferir em relação ao próprio momento em que pagaram aos 1ºs Réus o sinal, com o contrato-promessa datado de 01/01/2006, tornando-se, a partir de tal data, credores da obrigação de contratar ou, pelo menos, da devolução do sinal em singelo, dada a inexistência, por parte dos Autores, de qualquer incumprimento contratual – conclusões 28ª a 32ª;
o Ficou provada a má-fé dos Réus, traduzida na constituição da Al, pelos 2ºs Réus, ao arrepio da presente acção de impugnação, que conheciam e que se encontrava registada à data da constituição daquela sociedade;
o Tendo os Réus (1ºs e 2ºs) consciência do prejuízo que os actos impugnados causavam aos credores (ora Autores Recorrentes), pelo que se deve considerar preenchido aquele requisito da má-fé, a que alude o artº. 612º, nº. 1, 1ª parte e nº. 2, do Cód. Civil – conclusões 33ª a 35ª.

Analisemos.

       - do instituto jurídico da impugnação pauliana

   Constituindo o património do devedor a garantia geral das obrigações, estatui o art. 601º do Cód. Civil, como princípio geral, que “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios”.
Prevendo acerca de um dos meios de conservação de garantia patrimonial, que confere ao credor a possibilidade de reagir contra actos praticados pelo devedor que envolvam a diminuição do activo deste [28], estipula o art. 610º que “os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor ;
b) resultar do acto a impossibilidade para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade”.   

         Como primeiro requisito do presente meio de conservação da garantia patrimonial, refira-se o acto lesivo da garantia patrimonial, traduzido na diminuição da garantia patrimonial do crédito. Nas palavras de Antunes Varela [29], a nocividade concreta do acto preenche-se nos casos em que, “não determinando embora o acto a insolvência do devedor, dele resulte, no entanto, a impossibilidade prática, de facto, de pagamento forçado do crédito”, acrescentando que o Código vigente teve por objectivo “colocar ao alcance da pauliana os actos deste tipo, que, não provocando embora, em bom rigor, a insolvência do devedor, podem criar para o credor a impossibilidade de facto (real, efectiva) de satisfazer integralmente o seu crédito, através da execução forçada”. E, o presente requisito, tanto pode “resultar da diminuição do activo, como do aumento do passivo”, podendo, exemplificativamente, ser objecto de impugnação a mera constituição de uma dívida [30].
Acresce, por outro lado, dever ser o presente requisito articulado com o estatuído na mencionada alínea b) do art. 610º, ou seja, é necessário que do acto impugnado resulte ou decorra para o credor a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade, devendo tal juízo ou ponderação ser efectuada com referência à data do acto impugnado. Assim se em tal data “o obrigado ainda possuía bens de valor bastante superior ao montante do crédito, a impugnação deve ser julgada improcedente” [31].

O segundo requisito consubstancia-se na anterioridade do crédito relativamente ao acto impugnado, ou a designada fraude préordenada, que consiste em o acto, quando anterior à constituição do crédito, ter sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor – cf., a alínea a) do citado art. 610º.
Assim, por princípio, “só os titulares de créditos anteriores a esse acto se podem considerar lesados com a sua prática, porque só eles podiam legitimamente contar com os bens saídos do património do devedor como valores integrantes da garantia patrimonial do seu crédito”.
Pelo que, “os credores cujos créditos nasceram só depois do acto de disposição ou oneração de bens realizada pelo devedor já não podiam obviamente contar com esses bens como garantia (patrimonial) do seu direito”.
Todavia, o legislador admite a pauliana, ainda que a título excepcional, “quando o acto, embora anterior à constituição do crédito, tenha sido realizado com dolo, para prejudicar a satisfação do direito do futuro credor”, situação apelidada pelos autores como fraude preordenada.
Situação que acontece, exemplificativamente, nos casos em “que o devedor, para obter o crédito, faz dolosamente crer ao credor que certos bens por ele alienados ou onerados ainda pertencem ao seu património, como bens livres de quaisquer encargos[32].
O dolo deve aqui então ser compreendido “no sentido próprio (directo, necessário ou eventual), e tem entendido, tanto a jurisprudência, como a doutrina, que deverá existir um nexo de causalidade (adequada) entre a conduta do devedor e a criação da percepção no credor de que o património do devedor não foi afetado pelo ato em causa, ou seja, para a maioria dos casos, de que o bem se mantém no património do devedor (o que normalmente ocorre em caso de ocultação do ato ao credor).
Um dos fundamentos do regime é a protecção da expectativa do credor fundada na percepção que tem do património do devedor no momento do nascimento do crédito. O dolo de que aqui se trata é independente da onerosidade ou gratuitidade do ato referidas no art. 612º.
A ratio desta exigência está na protecção da expectativa do credor quanto ao património do devedor quando aceita constituir o crédito ; sabe com o que conta. Se, dolosamente, o devedor atuou no sentido de o privar da garantia patrimonial e de lhe ocultar a sua situação patrimonial, induzindo-o em erro, compreende-se que a lei o proteja[33]

Existe, ainda, um terceiro requisito, que tem natureza eventual, apenas exigível no que concerne aos actos a título oneroso. Trata-se do requisito da má fé previsto no art. 612º, o qual estatui que “o acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé ; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé”, sendo a má fé legalmente definida como “a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”  [34].
Deste modo, a má fé ou a consciência do prejuízo surge como pressuposto da viabilidade da acção de impugnação pauliana para os casos dos actos onerosos. No que concerne aos actos de natureza gratuita, “a impugnação pauliana procede, sempre, independentemente de boa ou má fé, dos seus intervenientes, conforme o estatuído na 2ª parte, do nº 1, do citado artigo 612º” [35].
Ora, a diferença de tratamento entre ambas as situações parece evidente e de entendimento fácil. Assim, “sendo o acto gratuito, há sempre prejuízo para o credor, e prejuízo injustificável, porque quem procura interesses (...) deve ceder a quem procura evitar prejuízos (...)” [36] ou, os direitos de terceiro, para “quem gratuitamente foram transferidos os bens, devem ceder perante os direitos dos credores, sob pena de se verificar um enriquecimento injusto daqueles, á custa destes” [37].
Assim, no que respeita aos actos onerosos, “existindo uma contraprestação do terceiro a que corresponderá uma situação patrimonial ativa no património do devedor, justifica-se a exigência do requisito adicional da má fé do devedor e terceiro, a má fé bilateral. A razão por que a lei considera impugnáveis os atos onerosos – embora nestas condições mais restritas – está, essencialmente, no facto de o dinheiro ser mais facilmente ocultável e/ou dissipável do que a generalidade dos outros bens”.
A má-fé tem assim a sua tradução “na consciência do prejuízo que o ato causa ao devedor ou na representação desse prejuízo como resultado adequado do ato praticado, não sendo exigida a intenção de causar prejuízo ao credor. Deste modo, é aceite na jurisprudência e doutrina que o conceito de má fé adoptado pela lei abrange não só as situações de dolo, mas também as de negligência consciente”, apesar de ser debatido doutrinariamente a sua eventual extensão às situações de negligência inconsciente, onde não existe a representação do prejuízo que pode ser causado ao credor [38].
Maioritária parece ser, ainda, a posição que não admite tais situações de negligência inconsciente, de que é exemplo o douto aresto do STJ de 14/04/2015 [39], onde se referenciou que “nos negócios onerosos, a lei impõe a má fé bilateral, no sentido de exigir ao vendedor e ao comprador a consciência, ou, simplesmente, a representação da possibilidade do prejuízo que o ato causa ao credor, isto é, que produz, necessariamente, no sentido da causalidade adequada, o que determina a necessidade da sua previsão”, e “o estado de má fé subjectiva (…) em que podem incorrer quer o devedor (…) quer o terceiro, compreende o dolo, nas suas diversas modalidades, e, também, a negligência consciente, porquanto ainda nesta, com ressalva da situação em que o ato  a atacar for anterior à constituição do crédito, se observa a consciência de que o ato querido causa prejuízo ao credor, ou seja, que se traduz na diminuição da garantia patrimonial do seu crédito, sem se mostrar necessário demonstrar a intenção de originar tal prejuízo”.

Relativamente ao ónus probatório, prescreve o art. 611º do mesmo diploma incumbir “ao credor a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor”. Nas palavras de Rodrigues Bastos [40], “abre-se aqui uma excepção à regra do nº 1 do art. 342º ; tem-se em vista que seria mais fácil ao devedor provar a existência de bens suficientes, do que ao credor fazer a prova da diminuição da garantia patrimonial nos termos da alínea b) do art. 610º”. Assim, compete ao credor “o ónus probatório dos actos que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do crédito, e do montante das dívidas”, competindo, por sua vez, ao devedor “o ónus de provar que possui bens penhoráveis, de igual ou maior valor, ao do dito montante das dívidas” [41]. A alteração das regras do ónus de prova é assim explicada pela dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de provar que o devedor não tem bens, sendo esta prova muito mais fácil quer a este, quer ao terceiro interessado na manutenção do acto objecto de impugnação.   
Esclarecendo o presente regime probatório, Pires de Lima e Antunes Varela [42], defendem que a doutrina prevista no mencionado art. 611º afasta-se das regras gerais sobre o ónus da prova. Com efeito, “em princípio, numa acção de impugnação devia caber inteiramente ao autor fazer a prova dos requisitos necessários à procedência do pedido (cf. art. 342º) e, portanto, devia caber-lhe não só a prova do montante da dívida e da anterioridade do crédito, como da diminuição da garantia patrimonial nos termos da alínea b) do artigo anterior. No entanto, por razões compreensíveis – dificuldade ou mesmo impossibilidade de provar que o devedor não tem bens – o artigo atribui a este o encargo de provar que possui bens penhoráveis de valor igual ou superior ao das dívidas. E igual encargo lança a lei sobre o adquirente (terceiro), interessado na manutenção do acto”.
A impugnação pauliana, também designada doutrinariamente por acção revogatória, pode definir-se como a “faculdade que a lei concede aos credores de rescindirem judicialmente os actos verdadeiros celebrados pelos devedores em seu prejuízo” [43], ou como uma acção declarativa “desviante de dois princípios basilares do direito das obrigações: o da autonomia privada e o de responsabilidade patrimonial, pois destrói a barreira que se impunha entre o direito de execução dos credores e os bens alienados pelo devedor, levantando o véu que, por força do artigo 821º do Código de Processo Civil, ocultava esses bens á execução, proclamando a ineficácia da alienação perante os credores” [44].

            - do preenchimento, in casu, dos requisitos da impugnação pauliana, com especial ênfase para a onerosidade ou gratuitidade do acto impugnado e (des)necessidade do preenchimento do requisito da má fé

Aos Autores incumbia a prova:
o do montante da dívida, tradutora da situação de credores ;
o que dos actos impugnados tenha resultado para os Autores credores a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade, devendo tal juízo ou ponderação ser efectuada com referência à data daqueles actos impugnados ;
o a anterioridade do seu crédito ou, sendo posterior, provar que as cessões de quotas impugnadas foram realizadas com a intenção de impedir a satisfação do seu ulterior ou futuro crédito ;
o caso se conclua pela onerosidade dos actos impugnados, a má fé dos Réus na sua outorga, traduzida na consciência do prejuízo que tais actos causavam aos Autores – cf., artºs 342º, nº 1 e 610, 611º e 612º, todos do Cód. Civil.

A situação creditória dos Autores perante os 1ºs Réus parece claramente provada, de forma irremediável, conforme resulta do facto 37., do qual consta que, em acção própria, foi proferida decisão, já transitada em julgado, na qual os 1ºs Réus foram condenados a pagar aos Autores a quantia de 3.465.813,60 €, correspondente ao dobro do sinal recepcionado destes, acrescido de juros de mora à taxa legal. O que determina o preenchimento de tal pressuposto.

Acresce que, tendo sido concretizada a impugnada cessão de quotas em 26/10/2006, tal não deixou de implicar, até pela troca de tal valor mobiliário por pecunia, de mais fácil dissipação ou ocultação, diminuição da garantia patrimonial dos devedores 1ºs Réus, o que, em concatenação com o património dos mesmos Réus à data – cf., factos 29 e 29-A -, não deixa de revelar impossibilidade dos Autores poderem obter a satisfação integral do seu reconhecido crédito.
Pelo que, e prima facie, o supra aludido primeiro requisito - diminuição da garantia patrimonial do crédito, no sentido de dos actos impugnados resultar ou decorrer para os credores a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade – também parece plenamente preenchido.

Como terceiro critério, enunciou-se a necessidade do crédito ser anterior aos actos impugnados ou, sendo o crédito posterior aos mesmos actos, terem sido estes praticados dolosamente (com intencionalidade), de impedir a satisfação do crédito que viesse futuramente a constituir-se.
A sentença apelada considerou ser o crédito dos Autores posterior aos actos impugnados (a denominada fraude preordenada), pelo que, não se provando terem sido as cessões de quotas realizadas dolosamente com a finalidade ou objectivo de impedir a satisfação do futuro crédito dos Autores, concluiu pelo não preenchimento de tal requisito. E consequente improcedência da acção.
Entendem os Apelantes ser o seu crédito anterior aos actos impugnados, pois o incumprimento dos 1ºs Réus nasce com a deliberação de 11/10/2006 de destituição de gerência do Autor marido, uma vez que o exercício desta foi pressuposto do contrato promessa de cessão de quotas, e seu posterior impedimento de entrada no Hotel. Acrescentam que tais índices de incumprimento revelaram-se, logo de seguida, inequívocos, pela carta enviada aos Autores em 17/10/2006, a comunicar a cessação dos efeitos do contrato-promessa outorgado, através da sua resolução, a qual foi considerada ilícita por sentença transitada em julgado.
E, concluem que tal anterioridade do crédito dos Autores pode-se até aferir em relação ao próprio momento em que pagaram aos 1ºs Réus o sinal, com o contrato-promessa datado de 01/01/2006, tornando-se, a partir de tal data, credores da obrigação de contratar ou, pelo menos, da devolução do sinal em singelo, dada a inexistência, por parte dos Autores, de qualquer incumprimento contratual.
Ora, os actos impugnados foram praticados em 26/10/2006. A resolução do contrato-promessa operada pelos 1ºs Réus foi concretizada mediante carta enviada aos Autores, em 17/10/2006 – factos 35. e 36..
A decisão donde decorre a obrigatoriedade dos 1ºs Réus pagarem aos Autores a quantia correspondente ao dobro do sinal – que reconhece ou define o crédito dos ora Autores -, transitou em julgado em 18/05/2015 – facto 37 . E, de acordo com a mesma decisão, considerou-se ter existido mora dos Autores, apenas se reconhecendo que os 1ºs Réus não tinham o direito de resolver o contrato-promessa em virtude de não terem convertido tal situação moratória em incumprimento definitivo, nomeadamente através de interpelação admonitória aos Autores, para cumprirem em prazo fixado para o efeito – facto 38.
Resulta assim do exposto que, aquando da outorga das impugnadas cessões de quotas não se pode considerar que os Autores já eram possuidores de qualquer posição creditória perante os 1ºs Réus. A qual também não decorria, necessariamente, dos efeitos retroactivos da resolução contratual – cf., artº. 434, nº. 1, do Cód. Civil -, pois, reconhecida a situação moratória dos Autores, e de acordo com o regime aplicável ao contrato-promessa (que afastaria aquela retroactividade, por força da 2ª parte do nº. 1, do mesmo artº. 434º), caso não ocorresse a aludida omissão na sua conversão em incumprimento definitivo, funcionaria o mecanismo aplicável ao sinal previsto no nº. 2 do artº. 442º, do mesmo diploma. O que determinaria que os ora 1ºs Réus, promitentes-cedentes, pudessem fazer seu o sinal recebido dos ora Autores, promitentes-cessionários.
Donde, sendo posterior o crédito dos ora Autores relativamente aos actos impugnados, impunha-se que estes lograssem provar que aqueles haviam sido realizados com dolo, com a finalidade ou objectivo de prejudicar a satisfação do direito dos futuros credores (ou seja, dos Autores).
Todavia, no caso concreto, existe a particularidade do crédito dos Autores também surgir por força do incumprimento dos 1ºs Réus (promitentes-cedentes), que se tornou definitivo pela prática dos actos impugnados (cessão das quotas), ou seja, é a própria prática dos actos impugnados, ao traduzir o incumprimento definitivo dos 1ºs Réus, que como que consolida a posição creditória dos Autores, já reconhecida na ilicitude da resolução operada. 
Ora, não resulta efectivamente da factualidade provada que as cessões de quotas ora impugnadas tenham sido realizadas dolosamente, ou seja, que as mesmas tenham tido por causa ou intencional motivação prejudicar a satisfação de um futuro (eventual ou conjecturável) direito de crédito dos promitentes-cessionários, caso a resolução operada viesse a ser reconhecida como ilícita ou ilegítima, a determinar a restituição do sinal em dobro.
Pelo que, não se preenchendo tal requisito, a solução só poderia ser a da determinada improcedência da acção.

Porém, ainda que assim não se entendesse, e se devesse considerar ou concluir pela anterioridade do crédito dos Autores relativamente às impugnadas cessões de quotas, incumbia ainda a estes a prova da má fé dos Réus devedores e terceiros.
Efectivamente, os actos impugnados, contrariamente ao defendido pelos Apelantes, não podem deixar de ser considerados onerosos – cf., factos 1 a 3 e 7 a 9 -, não tendo os Autores logrado provar que os 2ºs Réus não pagaram o preço declarado nas escrituras – cf., facto 4 dos não provados.
Acresce, ainda, poder-se extrair da mesma factualidade ter existido, nas escrituras públicas celebradas, simulação dos preços das cessões outorgadas (e impugnadas), o que resulta manifesto, desde logo, do provado conhecimento dos Réus de que o valor real das mesmas seria na ordem dos 5.500.000,00 € - cf., facto 10 -, em articulação com o preço acordado apenas 10 meses antes, no contrato-promessa de cedência das mesmas quotas outorgado entre os ora Autores e 1ºs Réus  - cf., factos 16. a 24.
Pelo que, sendo onerosos os actos impugnados, impunha-se aos impugnantes Autores (ora apelantes) a prova dos Réus (devedores – 1ºs - e terceiros – 2ºs) terem agido com consciência do prejuízo que aqueles actos causavam aos Autores ou, pelo menos, a prova de que tivessem representado esse prejuízo como resultado adequado dos actos de cessão impugnados. Ou seja, a prova de que os Réus tivessem agido de forma dolosa (nas várias formas em que o dolo se manifesta – directo, necessário ou eventual) ou, pelo menos, a título de negligência consciente, na qual apenas existe a representação do prejuízo que pode ser causado aos credores, sem intenção de o causar.
Ora, tal prova não logrou concretização – cf., factos 2 e 3 dos não provados -, nem é legítimo afirmar, por incapaz raciocínio causal, que a mesma decorre, por si só, da posterior constituição da Al pelos 2ºs Réus, ao arrepio da presente acção de impugnação, que conheciam e que se encontrava registada à data da constituição daquela sociedade.
Pelo que, na omissão do preenchimento do requisito da má fé, a sorte da acção só poderia ser, igualmente, a da improcedência do petitório deduzido, com a consequente absolvição dos demandados Réus.

           Donde, em guisa conclusiva, mais não resta do que confirmar a sentença apelada, improcedendo a presente apelação.
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Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo os Autores/Recorrentes/Apelantes, são os mesmos responsáveis pelo pagamento das custas da presente apelação.
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IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
I) Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores/Apelantes/Recorrentes I e mulher N ;
II) Em consequência, confirmar a sentença apelada.

Custas da presente apelação a cargo dos Recorrentes/Apelantes – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.

Lisboa, 03 de Maio de 2018

Arlindo Crua - Relator
António Moreira – 1º Adjunto
Lúcia Sousa – 2ª Adjunta (Presidente)

[1]A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2]Aditamento fruto do infra decidido.
[3]Adita-se a presente expressão “promitentes-vendedores” de forma a clarificar-se, atenta a existência de vários Réus, quais os receptores da aludida quantia paga a título de sinal. Omissão que foi exposta pelos Apelantes nas suas alegações recursórias (ponto 27), e que assim merece total deferimento.
[4]Redacção decorrente do infra decidido ; a redacção antecedente era a seguinte: a titularidade da fracção autónoma “L”, descrita na 9ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 3084.º e inscrita na matriz sob o artigo 3391, da freguesia de São Sebastião da Pedreira, encontra-se inscrita a favor dos 1ºs RR., fracção essa que se encontra onerada por hipoteca, e sobre a qual fora ordenado um arresto.
[5]Aditamento fruto do infra decidido.
[6]Aditamento fruto do infra decidido.
[7]Aditamento fruto do infra decidido.
[8]Aditamento fruto do infra decidido.
[9]Aditamento fruto do infra decidido.
[10]Redacção decorrente do infra decidido ; a redacção antecedente era a seguinte: Os RR. Firojali e Nadira têm património para além da fracção referida no ponto 29 da matéria de facto provada.
[11]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285.
[12]Idem, pág. 285 a 287.
[13]Correspondente ao vigente artº. 429º, do Cód. de Processo Civil, na redacção decorrente da Lei nº. 41/2013, de 26/06.
[14]José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, 2017, Almedina, pág. 427 e 428.
[15]José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3ª Edição, Almedina, pág. 222, 247 e 248.
[16]Relator: António da Silva Gonçalves, Processo nº. 2100/13.8TJLSB.L1.S1, in www.dgsi.jstj.nsf .
[17]Assim, o douto acórdão do STJ de 21/04/2016, Relator: Ribeiro Cardoso, Processo nº. 564/10.0TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.jstj.nsf .
[18]Relatora: Maria João Areias, Processo nº. 124/14.1TBFND-A.Ci, in www.dgsi.jtrc.nsf .
[19]Que cita, por referência a O direito à prova no Processo Civil, in Revista da Faculdade de Direito UFRP, v34, 2000, disponível na net - http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/viewFile/1836/1532 .
[20]Acerca dos critérios conducentes à inversão do ónus probatório por violação do princípio da cooperação, cf., ainda, o aduzido nos seguintes doutos arestos desta Relação:
- de 09/01/2018 – Relator: José Capacete, Processo nº. 10356/12.7CLRS.L1-7 ;
- de 08/11/2017 – Relator: José Eduardo Sapateiro, Processo nº. 13682/16.2 T8LSB.L1-4 ;
- de 15/05/2014 – Relatora: Maria José Mouro, Processo nº. 475/10.0TVLSB-L1-2,
todos in www.dgsi.jtrl.nsf .
[21]Realce-se que a sentença apelada, relativamente ao valor alegadamente pago pelos 2ºs Réus no acto da escritura de cessão das quotas – cf., artº. 61º, alínea f), da contestação -, teve o cuidado de apenas valorizar as cópias dos duplicados dos cheques expressamente emitidos à ordem do 1º Réu, não mencionando os demais cheques ou meios de pagamento invocados, constantes de fls. 286 a 288, 290, 293 e 294.
[22]Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 40.
[23]Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 28.
[24]Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, 4ª Edição, Gestlegal, 2017, pág. 175 e 176.
[25]Relator: Fonseca Ramos, Processo nº. 442/15.7T8PVZ.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[26]Cf., ainda, exemplificativamente, o sumariado em aresto do mesmo Alto Tribunal de 13/12/2001, Relator: Miranda Gusmão, nos seguintes termos: “quanto aos factos instrumentais, o tribunal pode não só investigá-los como ordenar quanto a eles as actividades instrutórias que possam ser de iniciativa oficiosa. Quanto aos factos essenciais o tribunal não possui poderes inquisitórios, pelo que relativamente a eles só pode ordenar as actividades oficiosas de instrução legalmente permitidas”.
[27]Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 149.
[28]Acerca da finalidade da acção de impugnação pauliana, cfr., o douto aresto do STJ de 24/10/2002, Doc. nº SJ200210240015967, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[29]Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª edição, Almedina, pág. 435 a 437.
[30]Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 626.
[31]Assim, o Acórdão do STJ de 19/12/72, in BMJ nº 222, págs. 386 e segs..
[32]Antunes Varela, ob. cit., pág. 438 e 439.
[33]Gonçalo dos Reis Martins, Código Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, Vol. I, 2017, Almedina, pág. 790 e 791.
[34]Prevendo acerca da elencagem dos requisitos gerais da acção de impugnação pauliana, cfr., exemplificativamente, os doutos Acórdãos do STJ de 10/04/97 – doc. nº SJ199704100002132 -, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf, e de 11/03/97 – doc. nº SJ199703110004891 -, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[35]Cfr., o Acórdão do STJ de 20/06/2000, doc. nº SJ200006200004221, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[36]Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., pág. 628.
[37]Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. III, Lisboa, 1993, pág. 78.
[38]Gonçalo dos Reis Martins, ob. cit., pág. 792 e 793.
[39]Relator: Hélder Roque, Processo nº. 593/06.9TBCSC.L1.S1, citado por Gonçalo dos Reis Martins, ob. cit., pág. 793.
[40]Ob. Cit., pág. 77.
[41]Cfr., Acórdão do STJ de 25/11/98 – doc. nº SJ199811250010711 -, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf ; em idêntico sentido, e explicitando acerca do ónus probatório, vide os Acórdãos do STJ de 30/09/97 – doc. nº SJ199709300004961, in http://www.dgsi.pt/dgsi.pt/jstj.nsf - e de 11/04/2000 - doc. nº SJ20000411001601, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[42]Ob. Cit., págs. 627 e 628.
[43]Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição, pág. 601.
[44]Cfr., o douto Acórdão do STJ de 14/01/97, doc. nº SJ199701140006881, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf.