Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20595/15.3T8SNT.L1-6
Relator: AGUIAR PEREIRA
Descritores: CONTRATO SEGURO RAMO VIDA
DECLARAÇÕES INEXACTAS
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.–Recai sobre o segurado de um contrato de seguro de grupo do ramo vida / invalidez permanente associado a um contrato de mútuo bancário a obrigação de, na resposta ao questionário sobre o seu estado de saúde, dar a conhecer à seguradora todas as circunstâncias dele conhecidas susceptíveis de influir na decisão de contratar por parte desta ou no cálculo do respectivo prémio em função da avaliação do risco;

2.–Para a invalidade do contrato de seguro não basta a demonstração da declaração inexacta ou reticente, sendo indispensável a prova de que ela influiria sobre a existência ou sobre as condições do contrato, ou seja, a prova da existência de um nexo de causalidade entre a inexactidão e a outorga do contrato ou as suas cláusulas;

3.–Cabe à ré seguradora o ónus de provar que não teria celebrado o contrato de seguro ou que o teria celebrado noutras condições se tivesse tido conhecimento de factos ou circunstâncias inerentes à saúde do segurado e dele conhecidas que não lhe foram comunicadas.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Desembargadores na Sexta Secção do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


I.–RELATÓRIO


1.–António, reformado, residente (…) em Queluz, instaurou contra CPSV, S.A., com sede em (…) – Oeiras, a presente acção visando a condenação da ré nos seguintes termos:
a)-A pagar ao Banco (...), S.A., o valor em dívida à data da propositura da acção relativo ao contrato de empréstimo que identifica e correspondente a € 75.127,99 (setenta e cinco mil cento e vinte e sete euros e noventa e nove cêntimos);
b)-A pagar ao autor as quantias que este, entretanto liquidou ao Banco (...), S.A., por força do referido contrato de empréstimo, desde Fevereiro de 2013 (data da determinação da sua incapacidade) até ao presente, bem como as quantias que vierem a ser pagas pelo autor até ao efectivo e integral cumprimento da sentença condenatória;
c)-A devolver ao autor as quantias que este, a título de prémios do contrato de seguro de vida, entretanto lhe pagou desde Fevereiro de 2013 (data da determinação da incapacidade) até ao presente, bem como as que vierem a ser pagas pelo autor até ao efectivo e integral cumprimento da sentença;
d)-A pagar ao autor os juros sobre as quantias indicadas em b) e c) supra desde as datas em que as desembolsou (e desembolsará) até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano.

Alega o autor, em síntese, o seguinte:
Em 16 de abril de 2007, celebrou por escritura pública, um contrato de compra e venda através do qual adquiriu, para sua habitação, a fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…) concelho de Sintra.
Para aquisição do referido imóvel, contraiu junto do Banco (...), um contrato de mútuo com hipoteca, no montante de € 80.000,00 (oitenta mil euros), nos termos do qual se obrigou a contratar um seguro de vida, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e de confiança do Banco.
Celebrou por isso com a ré, em 9 de março de 2007, um contrato de seguro de vida, associado ao crédito habitação, titulado pela apólice n.º 000..... o qual teria por objecto a cobertura do risco de morte – cobertura principal – e dos riscos complementares constantes das Condições Especiais respectivas, quando mencionados nas Condições Particulares e Certificados Individuais.
A ré obrigou-se, em complemento das garantias da cobertura principal, ao pagamento do capital seguro em caso de invalidez total e permanente da pessoa segura, em consequência de doença manifestada ou de acidente ocorrido durante a vigência do contrato.
Em Julho de 2007, foi diagnosticada ao autor uma insuficiência renal crónica, o que motivou o seu internamento imediato.
Desde essa data, o Autor tem sido seguido em consulta de Nefrologia, tendo sofrido em fevereiro de 2013 um agravamento da função renal que o obrigou a sujeitar-se a um programa crónico de hemodiálise com início em 28 de fevereiro de 2013.
Na sequência dos referidos problemas de saúde o autor foi sujeito a uma junta médica para determinação da sua incapacidade, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente de 70% (setenta por cento) que determinou a sua reforma por invalidez.
Participou à ré a sua incapacidade permanente, pedindo-lhe que pagasse ao Banco (...) o montante do empréstimo ainda em dívida, mas a ré declinou a sua responsabilidade pelo pagamento do capital seguro, alegando a existência de um quadro clínico preexistente que, se tivesse sido declarado, teria condicionado a aceitação do risco, não correspondendo, contudo, à verdade a existência de tal quadro clínico preexistente.

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2.–A ré apresentou oportunamente contestação, pedindo a sua absolvição do pedido.
Alega, em síntese, que celebrou com o autor dois contratos de seguro, ambos identificados como Seguro de Vida – Crédito Habitação, com início em 6 de abril de 2007, para garantia de capital de 80.000,00 euros (cobertura de morte ou invalidez total) e 12.500,00 euros (cobertura complementar invalidez total e permanente), respectivamente, sendo certo que a emissão dos certificados de seguro teve por base os elementos inseridos na proposta de adesão assinada pelo autor e respectivo questionário clínico a que o autor respondeu, negando todas as questões relativas a eventuais problemas com o seu estado de saúde.
Porém, na posse da informação clínica disponibilizada, constatou a ré que à data da celebração do contrato já havia um quadro de pré-existência de doença do autor, que não foi ponderado em sede de avaliação de risco em função das declarações prestadas pelo segurado na proposta de subscrição.
Tal circunstância constitui causa de exclusão do risco contratado, razão pela qual declinou qualquer responsabilidade no pagamento dos capitais seguros, quando solicitado pelo autor, e procedeu à anulação dos certificados de seguro, com efeito a 18 de fevereiro de 2015.

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3.–O autor respondeu à matéria de excepção, negando ter omitido a referência a qualquer patologia pré-existente à celebração do contrato de seguro.
Mais alega o autor ter respondido às questões objecto do questionário que lhe foi apresentado e que dele não constava referência a qualquer doença de que fosse portador, sendo ainda certo que a insuficiência renal que motivou a sua incapacidade permanente só foi dele próprio conhecida em data posterior à celebração do contrato de seguro.

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4.–O autor foi convidado a apresentar articulado complementar em que concretizasse qual o facto ou acontecimento que determinou a existência ou evidência da incapacidade que invocou, fixando no tempo o início da mesma, qual o montante em dívida ao Banco (...), os valores já liquidados ao banco e à ré, explicitando os fundamentos de dedução de tal pedido.

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5.–O autor apresentou tal articulado e requereu a alteração do pedido inicialmente formulado, pedindo agora a condenação da ré nos seguintes termos:
a)-A pagar ao Banco (...), S.A., o valor ainda em dívida do empréstimo, correspondente, à data da incapacidade, a € 82.276,67 (oitenta e dois mil duzentos e setenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos);
b)-A pagar ao autor as quantias que, entretanto, liquidou ao Banco (...), S.A., por força do referido contrato de empréstimo, desde Fevereiro de 2013 (data da determinação da incapacidade) até à data da propositura da acção, que computou em € 7.494,43, bem como as que vierem a ser pagas pelo Autor até ao efectivo e integral cumprimento da sentença;
c)-A pagar ao autor os juros sobre a quantia indicada em b) supra desde as datas em que as desembolsou (e desembolsará) até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano.

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6.–A ré apresentou resposta a tal articulado, mantendo o por si alegado na contestação.
Admitida a alteração do pedido foi dispensada a realização de audiência prévia.

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7.–Teve lugar a audiência de julgamento.

Foi depois proferida sentença que, julgando do mérito da acção:
a)-Condenou a ré a pagar ao autor as quantias que este, por força do mútuo referido em 1) dos factos provados, liquidou ao Banco (...), S.A., desde 30 de abril de 2013 (data da efectivação do sinistro), sobre a qual acrescem juros de mora desde 30 de abril de 2013 à taxa anual de 4% até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal, tudo em consonância com o disposto nos artigos 804.º, nº 1, 805.º, nº 1, 806.º, nº 1, e 559.º, nº1 do Código Civil e na Portaria 291/03, de 8 de Abril.
b)-Condenou a ré a pagar ao Banco (...), S.A., o montante que estiver em dívida e que não tiver sido satisfeito pelo Autor, correspondente aos capitais mutuados pelo Banco (...), S.A. ao autor por força do contrato referido em 1) dos factos provados, devido pelo acionamento da cobertura do risco garantido pelos certificados individuais referidos em 5) dos factos provados;
c)-Condenou a ré a pagar ao autor as quantias que este lhe pagou a título de prémios de seguro do contrato de seguro de vida desde 30 de abril de 2013 (data da determinação da incapacidade) até ao presente, até ao efectivo e integral pagamento, sobre a qual acrescem juros de mora desde 30 de abril de 2013, à taxa anual de 4% até integral pagamento, sem prejuízo de eventual alteração legal, tudo em consonância com o disposto nos artigos 804.º, nº 1, 805.º, nº 1, 806..º, nº 1, e 559º, nº1, todos do Código Civil e Portaria 291/03, de 8 de Abril.
d)-Absolveu a Ré dos demais pedidos contra si deduzidos.

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8.–Inconformada com o teor da decisão a ré interpôs recurso de apelação, no qual formula as seguintes, assim apelidadas, “CONCLUSÕES”:

3.1.– DO QUE SE PÕE EM CAUSA NO PRESENTE RECURSO
1.- Discorda-se, em absoluto e sempre com o devido respeito, dos factos dados como não provados pelo Mm.º Juiz a quo.
2.- Entendeu o douto Tribunal a quo não terem ficado provados, com ónus a cargo da ré, os seguintes factos:
1- Que o autor quis omitir que padecia de hipertensão arterial aquando da adesão ao contrato de seguro, sabendo que ao fazê-lo não permitia à ré fazer uma correcta apreciação do risco a segurar, o que quis e logrou alcançar.
2- Que tenha sido a hipertensão arterial a causa directa e necessária da insuficiência renal crónica causa da incapacidade de que padece.
3- Que se a ré tivesse tido conhecimento das patologias de que o autor sofria, mormente da hipertensão arterial, previamente à celebração do contrato de seguro, não teria aceite celebrá-lo ou, pelo menos, não o teria aceite nos mesmos termos.

3.2.–CONSIDERAÇÕES GERAIS
3.- Ora, da prova testemunhal produzida em audiência e da abundante prova documental referente ao estado de saúde do autor, (…) entende a ré (…), que o Tribunal estava em condições de responder positivamente às questões supra, e, bem assim, de ter concluído pela existência de uma pré-existência de doença do autor – (…) – e do peso de tais declarações na decisão da ré contratar este seguro (…).
4.-Toda a prova clínica documental aponta no sentido da pré-existência, não declarada pelo autor, (…) de hipertensão arterial, que efectuava medicação e consultava o médico de família.
5.-É inequívoco e do senso comum que uma Hipertensão Arterial de longa duração, (…) conduz a várias complicações vasculares, oftálmicas e renais que condicionaram a invalidez que afectaram o autor, destacando, exemplificativamente, o Relatório emitido pela Dr. Ana (…) e datado de 17 de outubro de 2013, (…), o qual, conjugado com toda a documentação clinica, resulta evidente não só que a hipertensão do autor fora diagnosticada aos 40 anos de idade, ou seja, desde 1995, como também que o autor efectuava medicação hipotensora e era seguido em consulta do médico de família desde que lhe foi diagnosticada a HTA (40 anos de idade) e bem assim que o autor teve um internamento motivado por uma crise aguda de hipertensão.
6.-Resulta da matéria dada como provada que não se consideram cobertos pelo contrato de seguro os riscos resultantes de pré-existência, considerando-se como tal, toda a alteração involuntária do estado de saúde da pessoa segura, não causada por acidente e susceptível de constatação médica objectiva, e que tenha sido objecto de um diagnóstico (…) salvo o caso em que tenha havido comunicação formal ao segurador (…) art.º 6.º, n.º 1, al. a) das Condições Gerais.
7.- Ora, a patologia do autor referida nos vários Relatórios Médicos, e independentemente da data de realização da patologia renal, não foi declarada formalmente à ré, para que esta pudesse analisar se estava ou não perante uma efectiva pré-existência, sendo lícito concluir que o autor não negociou, por isso, de boa fé, pois não permitiu à ré conhecer daquela circunstância susceptível na sua avaliação do risco, cujos elementos eram essenciais à ré, (…).

3.3.–CONSIDERAÇÕES CONCRETAS
3.3.1.- Do fundamento da discordância quanto ao facto 1 dado como provado [1], ou seja, que “(…) o Autor quis omitir que padecia de hipertensão arterial aquando da adesão ao contrato de seguro, sabendo que ao fazê-lo não permitia à ré fazer uma correcta apreciação do risco a segurar, o que quis e logrou alcançar.”

8.– Entende o douto tribunal que a ré, como era seu ónus, não fez prova cabal que se possa concluir que a intenção de omissão esteve presente no autor no momento do preenchimento dos questionário, até porque, no entender do douto Tribunal, no questionário médico são colocadas “questões vagas, abrangentes”, “ (…) não foram exigidos ao autor elementos médicos alguns (…)”, “(…) não há espaço para indicar a patologia (…)”, “ (…) inexistiu qualquer contacto entre o autor e a ré (…)” “(…) e intui-se que sendo o autor trabalhador da construção civil não terá grande instrução (…)”.
9.–Esta apreciação do Tribunal remete-nos, assim, para a intenção de omissão do autor aquando do questionário clínico e para a apreciação que o Tribunal faz daquele questionário, e que o leva a concluir que a ré não logrou provar que tenha sido a HTA – hipertensão arterial causa directa e necessária da doença que veio a incapacitar o autor, reiterando amiúde o Tribunal que as questões do questionário clinico são desnecessárias, com o que se está frontalmente em desacordo, já que dali parece vingar a ideia de que as questões são inúteis e fazem perder tempo a potenciais clientes, omitindo a importância do núcleo de factos essenciais sobre os quais as seguradoras fazem a triagem dos riscos.
10.–Desde já se diga que este facto 1 dado como não provado deveria ter merecido resposta positiva porquanto, se o Tribunal dá como provada a existência de um diagnóstico de HTA – hipertensão arterial – aos 40 anos de idade do autor, sendo seguido em consulta pelo médico de família e efectuando medicação hipotensora – Cfr. facto provado 10 – faz tábua rasa quanto à relevância desta pré-existência – hipertensão – para a apreciação do risco pela ré e para a formação da sua vontade quanto à aceitação ou recusa da proposta de adesão ao seguro em apreço, sendo certo que, tal como considerou provado em 11. dos factos provados, o fornecimento daqueles elementos quanto ao seu estado de saúde eram essenciais para a ré fazer uma avaliação do risco que iria assumir com a celebração do contrato.
11.– Há, portanto, a nosso ver, uma contradição insanável entre este facto 1 dado como não provado e os factos 10 e 11 dados como provados.
12.–Efectivamente, afigura-se-nos absolutamente evidente, face às regras de experiência, que o autor sabia que padecia de HTA desde os 40 anos de idade, e tinha conhecimento porque sendo seguido em consulta pelo médico de família e efectuando medicação hipotensora e não tinha como ignorar que essa circunstância, atenta a natureza e o fim do contrato de seguro em questão, eram relevantes e mesmo determinantes para a apreciação do risco pela seguradora e para a formação da sua vontade quanto à aceitação ou recusa da proposta de adesão ao seguro em questão.
13.–Não se vislumbra, portanto, por qualquer razão lógica e atendível, compreensível ou razoável para que o autor tivesse esquecido, de todo, tais factos, ou não se recordar deles aquando do questionário clínico, não sendo concebível que para um adulto quando tal questão lhe é colocada em sede de questionário clínico o mesmo não responda com verdade.
14.– E é por isso, igualmente, que se nos afigura altamente redutor – com o devido respeito, que é muito – concluir, como o faz o Tribunal, que ainda que o Autor tivesse respondido SIM ao ponto 9) 1 ou 9) 4, tal resposta por si só, tal como afirmado por Maria (…), gestora de sinistros, não levaria necessariamente à não aceitação do seguro nem à celebração do contrato de seguro em moldes distintos, mas antes a uma eventual avaliação prévia, finda a qual, então, ponderaria a Ré se aceitaria celebrar o negócio ou não ou em que termos, sendo que perante a prova realizada nestes autos, não resultou inequívoco que se a Ré tivesse tido conhecimento das patologias de que o Autor sofria, mormente da hipertensão arterial, previamente à celebração do contrato de seguro, não teria aceite celebrá-lo ou, pelo menos, não o teria aceite nos mesmos termos.
15.– Até porque tal não resulta do depoimento da testemunha Maria (…) que afirma claramente, não só que se o autor tivesse respondido afirmativamente iria ser contactado no sentido de esclarecer tal resposta – indagando, junto do autor, os factos concretos -, como também referiu que as respostas positivas às perguntas levariam à assunção de outra posição da ré, que podia ser de recusa na celebração a agravamento do risco. (…)
16.– Deste depoimento estava o Tribunal em condições de decidir que quando todas as respostas ao questionário são negativas, ficam automaticamente afastadas potenciais situações que agravariam do risco da ré, cabendo à ré, em caso de resposta positiva, avaliar esse risco, mas sempre nos termos do que lhe é declarado, o que é feito caso a caso, disponibilizando-se, inclusive um questionário médico para a hipertensão, preenchido pelo médico assistente do proponente, que depois é analisado pelo departamento médico da seguradora/ré, daqui resultando a decisão de contratar sem reservas ou não ou outros.
17.–Finalmente, importa referir que, sendo aplicável aos autos, atenta a data da celebração do contrato, o regime do código comercial, artigo 429.º, subsumindo os factos ao direito, temos que é a nosso ver totalmente irrelevante se existe ou não uma correlação entre as doenças, tratamentos ocultados pelo autor e a causa da incapacidade de que padece, já que inexiste qualquer apoio legal, á luz do art.º 429.º do citado diploma, que exija um nexo de causalidade entre a doença omitida e a patologia causadora da incapacidade que levou ao autor a accionar o contrato dos autos.
18.–Depois, a nossa discordância quanto a este ponto dado como não provado e a defesa de que o Tribunal estava em condições fácticas de o dar como provado, radica na conclusão do Tribunal, com a qual se discorda frontalmente, de que no questionário médico são colocadas “questões vagas, abrangentes”, “ (…) não foram exigidos ao autor elementos médicos alguns (…)”, “ (…) não há espaço para indicar a patologia (…)”, “ (…) inexistiu qualquer contacto entre o autor e a ré (…)” “(…) e intui-se que sendo o autor trabalhador da construção civil não terá grande instrução (…)” pelas seguintes ordens de razão:
1.ª – a omissão das declarações do autor quanto à sua patologia, acompanhamento médico e medicamentoso a que estava sujeito, não só estava comportado nas questões do questionário, como aquelas questões não careciam de uma particular explicação, como o seu sentido era facilmente apreensível por qualquer cidadão, mesmo ao autor, sendo certo que o autor não veio invocar ter carecido dessa explicação e aquela lhe ter sido negada, sendo, portanto, discricionária a conclusão de que as questões ali colocadas são vagas, abrangentes, pouco concretas e sem espaço para se poder ir mais além do que o que está parametrizado;
2.ª– não se tratando, em sede de questionário clínico, de cláusulas contratuais gerais e, como tal, não estando o questionário clinico submetidos ao regime daquelas cláusulas, sempre se dirá que, a ter havido violação do dever de informação - como conclui o Tribunal ao afirmar que o autor pode não ter sido informado do sentido e alcance das questões colocadas no questionário e das cláusulas de exclusão -, tal não obstaria à procedência da excepção que a ré invocou, porquanto, tratando-se de um seguro de grupo, conforme resulta das condições gerais e especiais da apólice, e perante a circunstância em que o autor aderiu ao seguro, o dever de informação recaía sobre o Banco, ainda que não demandado nos autos e, mesmo na hipótese de se ter verificado alguma omissão do dever de informar por parte daquele banco, as consequências daí advenientes não se repercutiriam sobre a ré. (Cfr., entre outros, Ac. do STJ, 14.03.2017, disponível no site WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF, sendo que no mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, igualmente disponíveis naquele endereço, os Ac. do STJ de 09.07.2017, proc. n.º 841/10.0TVPRT.L1.S1, Ac. Do STJ de 25.06.2013, proc. n.º 24/10.0TBVNPG.P1.S1, Ac. da Relação de Lisboa de 02.06.2016, processo n.º 3953/13.5T2SNT.L1-8, disponível em www.dgsi.pt, para cuja fundamentação se remete nesta matéria).
Vale a propósito atender na análise jurisprudencial que vem sendo feita ao valor do questionário clínico em sede de cláusulas contratuais gerais e sua ligação ao regime das cláusulas contratuais gerais, sendo lapidar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de maio de 2011, disponível em http://www.dgsi.pt (…), com o n.º de processo 2617/03.2TBAVR.C1.S1, cujo sumário, pela sua importância, aqui se reproduz:
Sumário:
I-A sanção da anulabilidade do contrato de seguro, contemplada no art. 429º C. Com., não é mais que a previsão de um caso de erro vício de vontade.
II-As respostas ao “questionário” são o repositório das declarações de risco da pessoa segura em que a seguradora deve confiar e em função das quais aceita ou não o contrato e fixa as respectivas condições, não se concebendo a formulação de perguntas inúteis ou irrelevantes.
III- Imprescindível à anulabilidade é apenas a omissão ou a declaração inexacta que sejam susceptíveis de influenciar a seguradora na decisão de contratar, irrelevando a verificação de nexo de causalidade entre os factos omitidos e o sinistro, tal como se não exige a verificação deste ou não releva qualquer análise feita com base em acontecimentos posteriores à subscrição da proposta, na qual as declarações são feitas.
IV- O “questionário” não constitui cláusula contratual geral do contrato de seguro para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação dessas cláusulas em contratos de adesão.
3.ª– finalmente, porque foi totalmente desconsiderado pelo Tribunal o vício na formação da vontade da ré, porquanto e em síntese, tendo-se verificado a inexactidão da declaração sobre o estado de saúde do autor, omitindo quer a doença de que padecia, quer o acompanhamento médico regular a que estava sujeito e o tratamento medicamentoso a que estava submetido, e tendo o Tribunal considerado provado que o fornecimento daqueles elementos era essencial para a ré fazer uma avaliação do risco que iria assumir com a celebração do contrato – Cfr. Ponto 11 dos factos provados – para além do autor ter violado os mais elementares princípios da boa fé contratual, a vontade real da ré foi viciado por erro, já que a aceitação do risco individual pela ré é feita com base nas propostas de adesão, nos termos do que dispõe as condições gerais do contrato, que o Tribunal não pôs em causa.
19.– Nestes termos, e ainda que no momento da celebração do contrato a doença renal do autor não apresentasse o quadro actual, perante o que resultou provado em 12, 13, 14 e 17 da sentença, com enfoque nas crises hipertensivas, não se pode justificar a sua inteira omissão aquando da contratação das apólices dos autos, já que, como é inteiramente reconhecido pelo Tribunal, as declarações prestadas em sede da proposta de adesão serviram de fundamento ao contrato – cfr. Ponto 11 dos factos provados -, sendo através desses elementos que a ré avaliou e aceitou os riscos que garantiu nos termos do que lhe foi declarado, formulando a sua decisão de contratar, sendo, portanto, contrárias à verdade as respostas que constam do questionário das pelo autor, que nem mais tarde, sob qualquer forma, fez chegar essa informação à ré, mesmo se admitindo – o que se faz por mera cautela de exercício, sem conceder – que o questionário não comportava espaço para declarar tal doença...
20.–Deveria, assim, ter procedido a arguida excepção do não pagamento a cargo da ré em face da exclusão contratual por doença pré-existente e da sua omissão em sede de questionário clínico por banda do autor, que faltou à verdade sobre o seu estado de saúde em geral, sobre o acompanhamento médico e medicamentoso – situação que não corrigiu ao longo da vida do contrato – devendo o Tribunal ter atribuído relevância a este comportamento pré-negocial do autor, que incumpriu de forma grave, desta forma, o dever de prestar informações verídicas sobre o seu estado de saúde;
21.–Vale isto por dizer que existia um quadro clínico pré-existente e assim, à luz das razões supra aduzidas e com base no quanto já referido acerca matéria dada como provada, de que é exemplo o n.º 1, al. a) da Condição 6.ª das Condições Gerais do contrato de grupo agora em causa que, “não se considera coberto por este contrato o risco de morte, invalidez ou incapacidade da Pessoa Segura, resultante de doença pré-existente”, pelo que deveria ter sido decidido não recair sobre a ré o dever de assegurar o cumprimento do contrato de mútuo, devendo ainda ter ficado como assente, que as patologias de que o autor era portador, não lhe permitiam subscrever, como o fez, o questionário clínico, tendo ainda em conta que, nos termos do contrato, por doença pré-existente tem-se, para efeitos do contrato de seguro em questão, “toda a doença que tenha sido objecto de um diagnóstico inequívoco ou que, com suficiente grau de evidência se haja revelado, em data anterior à adesão ao Grupo Seguro pela Pessoa Segura”.
22.–Não foi, portanto, levado em consideração que na celebração de um contrato de seguro as partes devem negociar de boa-fé, sendo que da parte da ré, enquanto seguradora, é de boa-fé que declara a garantia de uma cobertura de riscos eventuais, futuros e imprevisíveis, que não os que se vieram a revelar e, na parte do segurado recai o dever de declaração do risco, pois, se não completar a declaração realizada porque quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador.
23.–Assim, deveria ter procedido que não se consideram cobertos pelo contrato de seguro os riscos resultantes de pré-existência, considerando-se como tal, toda a alteração involuntária do estado de saúde da pessoa segura, não causada por acidente e susceptível de constatação médica objectiva, e que tenha sido objecto de um diagnóstico ou que com (…) salvo o caso em que tenha havido comunicação formal ao segurador (…) art.º 6.º, n.º 1, al. a) das Condições Gerais.
24.–Acresce que, se na altura em que o segurado preencheu a proposta declarou que não tinha qualquer problema de saúde, temos que aquele não prestou declarações exactas, e, logo, pode até defender-se a irrelevância do nexo de causalidade entre o facto omitido e a doença do segurado para se aferir da inexactidão ou reticência da declaração do mesmo, devendo sopesar, contrariamente ao que fez o Tribunal, que a doença que afectava o autor era dele conhecida e, por isso, não a podia omitir.
25.–As declarações inexactas, reticentes ou que omitam qualquer facto tornam nulo o pedido de adesão ao contrato de seguro de vida, sendo certo que o autor declarou serem “(…) exactas e completas as declarações por mim prestadas e que tomei conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato (…) nomeadamente sobre as garantias e as exclusões com as quais estou de acordo;
26.–Ou seja, as falsas declarações e a omissão de factos que viciaram a apreciação do risco no caso em apreço, ao tornarem nula a adesão ao seguro de grupo, levam a que este não produza, por isso, quaisquer efeitos, pelo que não é a ora ré responsável por qualquer pagamento ao autor. (cfr. art. 429.º do código comercial)
27.–Estando este contrato regulamentado nos termos do art.º 425.º do Cód. Comercial – o diploma que aprova o regime jurídico do contrato de seguro, revogando os art.ºs 425.º a 462.º do Cód. Comercial só entrou em vigor em 01.01.2009, sendo, por isso, inaplicável aos contratos dos autos – e sendo um contrato formal, oneroso e de adesão, temos que as normas de interpretação e integração da declaração negocial são regidas pelos art.ºs 236.º a 239.º do Cód. Civ., consagrando a denominada teoria da impressão do destinatário, segundo a qual a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta, lhe atribuiria.
28.–Ora, nestes termos e atendendo a que estamos no âmbito de um seguro facultativo, tendo nele as partes definido que o limite da exclusão da cobertura contratual é a declaração de estar de boa saúde e sem controlo médico regular, face ao teor desta cláusula, não constituem objecto do contrato – e, logo, não há lugar a indemnização – os sinistros que ocorram quando se verifique que a pessoa segura não estava de boa saúde e estava, por isso, sujeita a controlo médico.
29.–Mais ainda: as cláusulas contratuais gerais ambíguas tem o sentido que lhes daria o contraente indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real, prevalecendo, na dúvida, o sentido mais favorável ao aderente (cfr. art.º 11.º do D.L. n.º 446/85, de 25.10, com as alterações introduzidas pelo D.L. n.º 220/95, de 31.08)

3.3.2.Discorda a ré dos factos dados como não provados nos pontos 2 e 3 antecedentes, não só porque estão em contradição com os factos dados como provados nos pontos 1 a 15 do elenco dos factos provados, como também porque, dos depoimentos do Dr. António (…), médico avençado dos serviços clínicos da ré e da Dr.ª Maria (…), gestora de sinistros da ré, aqueles factos dados como não provados deveriam ter recebido resposta positiva.

30.–Para dar por não provada a factualidade referida em 2. Antecedente, ou seja, que não logrou a ré provar o nexo de causalidade entre a existência de hipertensão arterial pré-existente à data da celebração da proposta de seguro, consignou o Tribunal a análise da prova documental e os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito Médico, Dr. Gonçalo (…), desatendendo ao depoimento do Dr. António (…), médico avençado dos serviços clínicos da ré, que, segundo o Tribunal, (…) pese embora tenha afirmado ser manifesto existir nexo de causalidade entre a Hipertensão Arterial pré-existente e a insuficiência renal crónica causa da incapacidade de que padece, não concretizou a sua afirmação, mormente esclarecendo em que elementos clínicos baseia a sua convicção, ao invés do que sucedeu com o Sr. Perito, limitando-se a, genérica e vagamente afirmar que os estudos apontam nesse sentido.
31.–Nesse sentido, discorda a ré de tal avaliação do depoimento do Dr. António, já que o mesmo, podia e deveria ter conduzido a uma resposta diferente do Tribunal, já que daquele depoimento resulta com clareza meridiana que desde os 40 anos de idade, (..), portanto em data anterior à subscrição (..) já tinha hipertensão arterial… (…) existindo nexo de causalidade entre a doença pré-existente e a esta doença que depois veio a ser incapacitante e que culminou nesta insuficiência renal (…) porque se alguém demostrar que eu tenho insuficiência renal por outras causas … pedi ao longo do processo e nunca ninguém me demonstrou e de certeza que a hipertensão seria moderada a grave porque ele em 2007 teve um internamento com uma crise hipertensiva, desenvolveu uma insuficiência renal crónica - se a palavra é crónica não foi aguda e portanto pouco tempo depois da subscrição – tinha uma cardiopatia hipertensiva, i.e., ninguém fica com uma cardiopatia hipertensiva se não tiver hipertensão grave durante alguns anos e também a nível dos olhos tinha uma retinopatia, que é avançada e que se desenvolve depois de uma hipertensão mal controlada durante anos. (Cfr. Transcrição supra efectuada, de pág. 9 a 11, que aqui se dá por integralmente reproduzida)
32.–Discorda ainda a ré, especialmente tendo em conta que o Tribunal considerou constar da perícia que a hipertensão arterial é um factor de risco da Insuficiência Renal Crónica, o que veio depois a desvalorizar, ao concluir o Tribunal que os elementos clínicos carreados para os autos, tal como explicado pelo Sr. Perito não permitem que se estabeleça tal nexo.
33.–Não há qualquer contradição frontal entre as razões de ciência dos dois depoimentos (do Sr. Perito Médico e da testemunha António, igualmente médico), contrariamente ao que defendeu o Tribunal.
34.–E esta conclusão do Tribunal quanto ao facto não provado em apreço colide frontalmente com o facto de, pese embora ter considerado provada a existência ao autor de um diagnóstico de HTA – hipertensão arterial – aos 40 anos de idade, sendo seguido em consulta pelo médico de família e efectuando medicação hipotensora – Cfr. facto provado 10 – destes factos ter feito tábua rasa quanto à relevância desta pré-existência – hipertensão – para a apreciação do risco pela ré e para a formação da sua vontade quanto à aceitação ou recusa da proposta de adesão ao seguro em apreço, sendo igualmente certo que, tal como considerou provado em 11. dos factos provados, o fornecimento daqueles elementos quanto ao seu estado de saúde eram essenciais para a ré fazer uma avaliação do risco que iria assumir com a celebração do contrato.
35.–Deste modo, e resultando também evidente que a incapacidade do autor está associada à referida doença, da qual já padecia antes da adesão ao seguro celebrado entre a ré, pelo que tampouco estaria coberto o risco desta ocorrência pelo contrato de seguro, sendo que o fornecimento destes elementos era essencial para a ré fazer uma avaliação do risco que iria assumir com a celebração do contrato, pelo que, havendo sido prestadas declarações inexactas e omitidos elementos essenciais para apreciação do risco que a ré assumiu, tal acarreta a anulabilidade do contrato, determinando a inexistência de direito do autor ao pagamento pela ré do capital seguro.
36.–Ignorou o Tribunal que, emergindo o pedido de indemnização do autor, precisamente, da doença por si conscientemente silenciada e mesmo declarada inexistente na respectiva proposta e seu questionário clínico, deveria o Tribunal concluído que não existe qualquer obrigação da ré proceder a qualquer pagamento ao autor, quer por ser nula a adesão desta ao contrato de seguro de grupo, quer por não estar coberto o risco que deu lugar ao pedido de indemnização que lhe subjaz.
37.–Deveria, assim, o Tribunal considerado que a obrigação do pagamento em face do risco garantido estava frontalmente prejudicada, pelo que deveria ter improcedido, in totum, o pedido dirigido contra a ré, absolvendo-a do pedido.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, dando provimento ao presente recurso, deve a sentença posta em crise ser substituída por outra que julgue a acção improcedente, absolvendo a ré integralmente do pedido.”

***
9.–O autor apresentou contra-alegações cujas CONCLUSÕES são do seguinte teor:
I.- Quando o Autor respondeu ao questionário médico que integra a proposta de seguro, fê-lo com verdade, respondendo negativamente a todas as questões que lhe eram colocadas.
II.- As perguntas que constam desse questionário são de tal modo vagas, genéricas, imprecisas e indeterminadas, que não permitem, de modo algum, ao contratante do seguro que de facto seja portador de alguma doença e que a queira realmente declarar, fazê-lo de livre e espontânea vontade, uma vez que aquele questionário não contém qualquer espaço ou campo para o fazer.
III.- Por outro lado, do questionário médico não se vislumbra qualquer pergunta concreta sobre a questão de saber se o Autor padecia ou não de hipertensão arterial.
IV.- Ademais, a Recorrente, em momento algum, exigiu ao Recorrido quaisquer elementos médicos, mas tão só o preenchimento do questionário tipo.
V.- E ainda que se entendesse a existência de alguma declaração inexacta, não bastaria apenas a demonstração da declaração inexacta, sendo indispensável ainda a prova de que ela influiria sobre a existência ou condições do contrato, ou seja, da verificação do nexo de causalidade entre a inexactidão e a outorga do contrato.
VI.- O ónus da prova, quanto a este aspecto, pertencia à ré, sendo que esta não logrou provar que o seguro não se teria celebrado caso a ré soubesse da hipertensão arterial do autor.
VII.- Quanto à questão fundamental do nexo de causalidade, que a recorrente frequentemente secundarizou, a resposta a esta questão não poderá deixar de ser negativa, ou seja, não se provou a existência do nexo de causalidade entre a doença do autor e a insuficiência renal.
VIII.- Esta conclusão resulta do relatório do médico de família do autor que refere que o autor está medicado desde 1995, e do relatório do Instituto Nacional de Medicina Legal que refere exactamente o mesmo e que, na resposta ao quesito 5, refere que é impossível responder e, portanto, impossível estabelecer esse nexo de causalidade.
IX.- E quanto a esta matéria, a perito do INML foi inquirido na qualidade de testemunha, tendo sido muito claro no seu depoimento, a partir do minuto 16:23, sublinhando a inexistência de nexo de causalidade entre a doença do Autor e a sua incapacidade.
X.- Ainda que houvesse alguma dúvida sobre esta questão, como fez notar e muito bem a sentença recorrida, a mesma sempre teria de ser resolvida contra a Ré, de harmonia com o disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil.”

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10.–Colhidos os vistos das Exm.ªs Senhoras Juízas Desembargadoras adjuntas neste colectivo, cumpre apreciar e decidir.

Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, nos termos estabelecidos nos artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as seguintes as questões a decidir:
- em primeiro lugar, se devem ou não considerar-se como não provados os factos assim considerados na primeira instância;
- em segundo lugar, se deve manter-se a decisão sobre o mérito da causa e a condenação da ré por não se encontrar excluida a responsabilidade civil que assumiu ao celebrar o contrato de seguro com o autor para a eventualidade de este ficar permanentemente incapacitado.


II.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1.–DA MATÉRIA DE FACTO CONSIDERADA NA PRIMEIRA INSTÂNCIA

Elenquemos, antes de mais, os factos que foram considerados provados e não provados na sentença proferida em primeira instância e ora impugnada.

A)“4.1. Factos provados [2]
1.- Por escrito notarial outorgado em 16 de abril de 2007, que os outorgantes denominaram de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” o autor adquiriu a fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao 1.º andar esquerdo, para habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito (…), na freguesia de Queluz, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), nos precisos termos constantes de fls. 17v a 19v, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
2.- Para o efeito, contraiu junto do Banco (...), S.A. (Sociedade Aberta) um empréstimo, no valor de € 80.000,00, tendo com o mesmo celebrado um acordo, cujas cláusulas se mostram juntas a fls. 20 e ss e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
3.- Consta da Cláusula Segunda do Contrato de Mútuo com Hipoteca, além do mais, o seguinte:
1.- O empréstimo é concedido pelo prazo de duzentos e noventa e seis meses a contar do próximo dia vinte e cinco, salvo se esse dia coincidir com a data da escritura, e sendo assim, o prazo iniciar-se-á a partir dessa data, e será amortizado em duzentas e noventa e seis prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento no mesmo dia do mês seguinte e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.

4.- Consta da Cláusula Décima do Contrato de Mútuo com Hipoteca, além do mais, o seguinte:
1.- (…)
2.- Os MUTUÁRIOS obrigam-se a contratar um SEGURO DE VIDA cujas condições, constantes da respectiva apólice, serão as indicadas pelo Banco, a pagar atempadamente os respectivos prémios, a fazer inserir na respectiva apólice que o Banco é credor hipotecário e que, em consequência, as indemnizações que sejam devidas em caso de sinistro reverterão para o Banco.
3.- (…)
5.- Em cumprimento do acordado com o Banco (...), S.A. (Sociedade Aberta), em 9 de março de 2007, o autor subscreveu junto da ré o contrato de seguro de vida associado a crédito para habitação titulado pela Apólice n.º 000....., no qual o autor figura como pessoa segura e entidade pagadora e o Banco (...) figura como tomador de seguro e beneficiário pelo capital em dívida, a que correspondeu:
- o Certificado n.º 9......6, associado ao Empréstimo n.º 1........3, com data de início em 16 de abril de 2007, para garantia de um Capital Seguro Inicial de € 80.000,00 e com as Coberturas de Morte (cobertura principal) ou Invalidez Total e Permanente (cobertura complementar); e
- o Certificado n.º 9......4, com data de início em 16 de abril de 2007, para garantia de um Capital Seguro Inicial de 12.500,00€, e com as Coberturas de Morte (cobertura principal) ou Invalidez Total e Permanente (cobertura complementar);
6.- Nas condições gerais da referida apólice, que se mostram juntas a fls. 147 e seguintes, e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, constam, além do mais, as seguintes cláusulas:
(…) Artigo 2.º - DISPOSIÇÕES FUNDAMENTAIS
(…)
2.2- As declarações do Tomador de Seguro e da Pessoa Segura, prestadas na Proposta de Seguro e nas Propostas de Adesão, bem como nos questionários de saúde, quando existentes, servem de base ao presente contrato, o qual é incontestável após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do estabelecido em 2.3 e em 15.1.
2.3- As omissões e as declarações inexactas ou incompletas feitas pelo Tomador de Seguro ou pelas Pessoas Seguras susceptíveis de influenciar a aceitação do risco ou as condições em que o tenha sido tomam nulo o contrato ou o certificado individual, conforme o caso, não havendo, em caso de má-fé, direito à restituição de prémios.
2.4- Para efeito do número anterior, entende-se por má-fé o conhecimento por parte do Tomador de Seguro ou das Pessoas Seguras das omissões ou das insuficiências das declarações.

Artigo 3.º - OBJECTO DO CONTRATO
3.1- O presente contrato tem por objecto a cobertura do risco de morte, designado cobertura principal, e dos riscos complementares constantes das Condições Especiais respectivas, quando mencionados nas Condições Particulares e Certificados Individuais.
(…)

Artigo 6.º - EXCLUSÕES NA COBERTURA DE RISCOS
6.1- Não se considera coberto por este contrato o risco de morte resultante de:
6.2- a)- Doença Pré-existente - Toda a alteração involuntária do estado de saúde da Pessoa Segura, não causada por acidente e susceptível de constatação médica objectiva, e que tenha sido objecto de um diagnóstico inequívoco ou que com suficiente grau de evidência se tenha revelado, em data anterior à da celebração do presente contrato, salvo o caso em que tenha havido comunicação formal à Seguradora, e aceitação por parte desta, mediante as condições que para o efeito tenham sido estabelecidas;
(…)”
7.- Nas condições especiais da referida apólice constam as seguintes cláusulas:
“Artigo 1.º - DEFINIÇÕES
Para efeitos desta cobertura complementar, considera-se:
(…)
e)- Invalidez Total e Permanente - A Pessoa Segura encontra-se na situação de Invalidez Total e Permanente se, em consequência de doença ou acidente, estiver total e definitivamente incapaz de exercer uma actividade remunerada, com fundamento em sintomas objectivos, clinicamente comprováveis, não sendo possível prever qualquer melhoria no seu estado de saúde de acordo com os conhecimentos médicos actuais, nomeadamente quando desta invalidez resultar paralisia de metade do corpo, perda do uso dos membros superiores ou inferiores em consequência de paralisia, cegueira completa ou incurável, alienação mental e toda e qualquer lesão por desastre ou agressões em que haja perda irremediável das faculdades e capacidade de trabalho, devendo em qualquer caso o grau de desvalorização, feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, ser superior a 66,6% que, para efeitos desta cobertura, é considerado como sendo igual a 100%. (…)
Artigo 2.º - OBJECTO DA COBERTURA
Pelo presente contrato, a Seguradora garante, em complemento das garantias da cobertura principal, o pagamento de um Capital Seguro, definido nas Condições Particulares ou Certificado Individual da apólice, em caso de Invalidez Total e Permanente da Pessoa Segura, em consequência de doença manifestada ou de acidente ocorrido durante a vigência desta cobertura.
Artigo 3.º - RISCOS EXCLUÍDOS
Para além das exclusões já mencionadas nas Condições Gerais da cobertura principal, a Seguradora cobre o risco de Invalidez Total e Permanente da Pessoa Segura, salvo nos casos provenientes de:
(…)
c)- Doenças, acidentes ou quaisquer eventos que tenham ocorrido ou dado origem a tratamento médico antes da data de entrada em vigor desta cobertura complementar, e suas eventuais consequências desde que tais doenças, acidentes ou eventos não sejam mencionados em documentos específicos de avaliação do estado de saúde da Pessoa Segura, quando expressamente fornecidos pela Seguradora para o efeito.
(…)”
8.- A celebração do referido contrato de seguro teve por base os elementos e informações insertas em Proposta de Adesão assinada pelo autor em 9 de março de 2007, que se mostra junto a fls. 102 a 103 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
9.- Nessa Proposta de Adesão constava:
a)- um questionário médico com as seguintes perguntas, às quais o autor respondeu negativamente:
1.-Já o aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?
2.- Está de baixa por doença ou acidente?
3.-Tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua actividade laboral por mais de 15 dias consecutivos nos últimos 5 anos?
4.-Tem alguma alteração física ou funcional, teve algum acidente grave, foi submetido a alguma intervenção cirúrgica ou recebeu alguma transfusão de sangue?
5.- Já fez ou foi aconselhado a fazer um teste de SIDA?
6.- Já lhe foi recusada a celebração de um seguro de vida, de doença ou de acidentes pessoais, ou o mesmo foi celebrado em condições especiais?
b)- a seguinte declaração seguida de assinatura do Autor:
Para efeito da celebração do(s) presente(s) contrato(s) de seguro, declaro que:
- São exactas e completas as declarações por mim prestadas e que tomei conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do(s) presente(s) contratos(s), tendo-me sido entregues as respectivas Condições Gerais e Especiais, para delas tomar integral conhecimento e prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições, nomeadamente sobre as garantias e as exclusões com as quais estou de acordo;
- Tanto o tomador de Seguro como a Pessoa Segura declaram ter tomado Conhecimento das Condições Gerais do contrato a realizar (…)
- O Questionário Médico faz parte integrante da apólice do seguro de vida. As declarações inexactas ou reticentes ou a omissão de factos tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito e libertam a Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A. do pagamento de qualquer indemnização. Autorizo os médicos e todas as pessoas consultadas pela Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A. a prestarem estes ou aos seus serviços médicos as informações que venham a ser solicitadas (…)”
10.- Quando o autor tinha 40 anos de idade foi-lhe diagnosticada HTA – Hipertensão Arterial – seguida em consulta do médico de família, efetuando medicação hipotensora;
11.- O fornecimento destes elementos era essencial para a ré fazer uma avaliação do risco que iria assumir com a celebração do contrato.
12.- Em Julho de 2007 o autor foi internado no serviço de Nefrologia com diagnóstico de crise hipertensiva, insuficiência renal crónica (creatinina 4.2mg/dl; ureia 139 mg/dl), cardiopatia hipertensiva, retinopatia hipertensiva grau 3, e passou a ser seguido em consulta de Nefrologia.
13.- Dado o agravamento da função renal (DRC ES), em Fevereiro de 2013, o autor iniciou programa crónico de hemodiálise.
14.- Em 30 de abril de 2013, o autor foi sujeito a uma junta médica que atestou que o mesmo era portador de uma deficiência que, desde Fevereiro de 2013, lhe conferia uma incapacidade permanente global de 70%, reavaliável em 2015.
15.- O autor aufere uma pensão por invalidez paga pelo ISS, IP – Centro Nacional de Pensões.
16.- Em 26 de maio de 2014 a ré enviou ao autor a carta junta como doc. 6 da p. i. – que aqui se dá por reproduzida – na qual declinava qualquer responsabilidade pelo pagamento do capital seguro na apólice.
17.-O autor padece, actualmente, de hipertensão arterial, insuficiência renal crónica e transplantado renal, cardiopatia hipertensiva, retinopatia hipertensiva, úlcera digestiva e dislipidemia, a qual, de acordo com os conhecimentos médicos actuais, não é previsível melhoria, em função da qual está, em termos definitivos, impedido de exercer uma atividade remunerada e que lhe confere uma incapacidade global superior a 66,6%, desde 30-04-2013.
18.- De acordo com o atestado multiusos constante nos autos o autor é portador de grau de incapacidade de 70% desde 30 de abril de 2013, referente apenas à doença insuficiência renal crónica (Capítulo VIII-1.1 e), da TNI); a hipertensão arterial foi-lhe diagnosticada desde 1995 altura em que terá iniciado medicação, a insuficiência renal crónica acompanhada desde 2007 (transplante renal em 2014), cardiopatia hipertensiva desde data imprecisa, retinopatia hipertensiva registada 2015, úlcera digestiva registada desde 2009.
19.- Entre 1 de fevereiro de 2013 e 28 de fevereiro de 2013 o autor devia ao Banco (...), S.A., Sociedade Aberta a quantia de € 82.276,67.
20.-Entre 1 de setembro de 2019 e 30 de setembro de 2015 o Autor devia ao Banco (...), S.A., Sociedade Aberta a quantia de € 74.782,24.
21.- O Autor tem pago pontualmente o prémio do seguro de vida à Ré.

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B)- 4.2. Factos não provados
1- Que o Autor quis omitir que padecia de hipertensão arterial aquando da adesão ao contrato de seguro, sabendo que ao fazê-lo não permitia à Ré fazer uma correcta apreciação do risco a segurar, o que quis e logrou alcançar.
2- Que tenha sido a hipertensão arterial a causa directa e necessária da insuficiência renal crónica causa da incapacidade de que padece.
3- Que se a Ré tivesse tido conhecimento das patologias de que o Autor sofria, mormente da hipertensão arterial, previamente à celebração do contrato de seguro, não teria aceite celebrá-lo ou, pelo menos, não o teria aceite nos mesmos termos.

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2.–DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Como já atrás referido a ré seguradora impugna a decisão tomada em relação à matéria de facto que a sentença considerou não provada, entendendo que deveria ter sido considerada provada.
Os factos que a sentença de primeira instância considerou não provados e que acabam de ser descritos nos parágrafos anteriores reportam-se a três grupos de factos;
O primeiro incide sobre a intenção do autor de omitir no preenchimento do questionário integrante da proposta de adesão ao contrato de seguro que já padecia de hipertensão arterial nessa data, sabendo que com tal omissão iria impedir, como queria, a seguradora de avaliar correctamente o risco que assumia;
O segundo refere-se à relação causal entre a hipertensão arterial de que o autor sofria nessa data e a insuficiência renal crónica que posteriormente determinou a declaração de invalidez permanente do autor;
O terceiro relaciona-se com a atitude que a ré poderia ter tomado quanto à celebração do contrato de seguro em causa e dos respectivos termos e condições, caso tivesse tido conhecimento que o autor sofria de hipertensão arterial.

A)–Nos termos do artigo 662.º nº 1 do Código de Processo Civil o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
O Tribunal da Relação pode ainda, mesmo oficiosamente, ordenar a renovação da produção da prova ou a produção de novos meios de prova em casos de dúvida sobre a credibilidade ou sentido do depoimento do depoente ou sobre a prova realizada (artigo 662.º nº 2 do Código de Processo Civil).

E quando a alteração da decisão sobre a matéria de facto seja suscitada em via de recurso perante o Tribunal da Relação, o artigo 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil estabelece o ónus que recai sobre o recorrente que impugnar a decisão da matéria de facto e a sanção para o seu incumprimento, nos termos seguintes:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.

Esclarecendo, o n.º 2 do mesmo preceito, observa que quando os meios de prova invocados tenham sido gravados incumbe ao recorrente indicar com precisão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que tiver por relevantes.

Como tem salientado a doutrina e a jurisprudência, a reapreciação da matéria de facto em segunda instância não significa a integral repetição do julgamento efectuado anteriormente na primeira instância sobre a realidade de facto subjacente ao pedido, nem a reanálise de toda a prova produzida nos autos.
Daí que, para que se possa proceder ao reexame da matéria de facto, se imponha ao recorrente que indique os factos concretos, dados como provados ou não provados, que considera incorrectamente julgados, e também os concretos meios de prova que, em seu entender, justificam decisão diversa e, por fim, que identifique concretamente o vício do julgamento de facto, apontando o sentido que deverá ter a decisão.
Só cumprindo tais ónus pode o recorrente esperar que o Tribunal da Relação reexamine as provas concretas indicadas, que analise, tendo sempre em conta a imediação com os meios de prova e a liberdade de apreciação da prova à luz das regras de experiência, a “razoabilidade da formação da convicção” do julgador em primeira instância sobre os concretos pontos da matéria de facto identificados pelo recorrente e que julgue da correcção ou incorrecção do sentido da decisão.

Acresce que, sem prejuízo da possível aquisição de convicção diferente acerca da realidade dos factos nesta instância de recurso, nem sempre se justifica levar a cabo a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.
Como decidido, entre outros,  no acórdão de 11 de julho de 2017 do Tribunal da Relação de Guimarães  - Relatora Maria João Matos – “…por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (No mesmo sentido o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de setembro de 2019 – Relator Carlos Castelo Branco in www.dgsi.pt).

No caso presente a recorrente identifica os factos que considera incorrectamente julgados e aponta o sentido da decisão a proferir.
A recorrente não indica porém meios de prova que imponham decisão diversa da tomada em primeira instância, invocando, porém, contradição na lógica da decisão e violação de regras de experiência comum que, a não existir, teriam conduzido à decisão dos factos nos termos que defende.
Vejamos então se, nesse pressuposto, se impõe alterar a decisão da matéria de facto no que respeita aos factos considerados não provados.

B)–No que se refere à vontade de o autor omitir a referência à hipertensão arterial de que sofria aquando da adesão ao contrato de seguro a convicção do tribunal foi fundamentada na ausência de prova produzida em audiência suficiente para a afirmação da intenção dolosa do autor ao responder ao questionário sobre o seu estado de saúde.
Mais se salientou na decisão impugnada quanto a este facto que o questionário sobre a saúde integrante da proposta de adesão não continha qualquer questão concreta relativamente à hipertensão arterial e que as questões eram demasiado vagas e indeterminadas para permitir ao autor, operário de construção civil, alcançar o seu sentido por forma a tornar inequívoca a afirmação da sua intenção de omitir a referência à doença de que padecia.
Nenhum meio de prova foi produzido, nem referenciado pela ora recorrente, de que resulte a convicção segura de que o autor quis ocultar ser portador de hipertensão arterial há vários anos, com seguimento e tratamento médico.
Se é certo que o autor não podia ignorar que padecia de hipertensão arterial diagnosticada desde que contava cerca de quarenta anos de idade, nem que era seguido em consulta pelo médico de família e que efectuava medicação hipotensora, as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato de seguro (sem qualquer contacto directo entre o autor e a seguradora que pudesse esclarecer dúvidas acerca do teor do questionário integrante da proposta de adesão ao contrato de seguro), aliadas ao teor absolutamente vago das questões colocadas, em particular da primeira pergunta, parecem antes apontar para uma violação involuntária da obrigação pré contratual que sobre ele incidia de declarar, com verdade, os factores de risco a ponderar pela seguradora.
Não obstante a resposta negativa acerca de doença pré-existente seja objectivamente incorrecta, não há, como se decidiu em primeira instância, prova cabal da vontade do autor omitir ser portador de hipertensão arterial com seguimento médico e tratamento medicamentoso. Nem da consciência e vontade do resultado dessa omissão sobre a celebração do contrato de seguro por parte da seguradora recorrente.

De resto não releva para a solução da questão concretamente colocada na acção a intenção com que agiu o autor ao responder negativamente ao questionário relativo ao seu estado de saúde no momento do preenchimento da proposta de adesão. Essencial é que se conclua que foram omitidas na resposta ao questionário informações e circunstâncias relevantes para a decisão de contratar e dos termos e condições do contrato a celebrar.
Mantém-se em conformidade a decisão da primeira instância de considerar não provado o facto descrito no ponto 4.2. – 1, da sentença impugnada.

C)–No que se refere à relação de causalidade directa e necessária entre a hipertensão arterial de que o autor sofria na data da formulação da proposta de adesão e a insuficiência renal crónica que, seis anos depois, determinou a declaração de invalidez permanente do autor, sendo este o facto gerador da discutida responsabilidade contratual da ré seguradora, a convicção da senhora julgadora da primeira instância funda-se na análise crítica dos depoimentos prestados em audiência e na relevância dada ao juízo técnico do perito que realizou a perícia e elaborou o respectivo relatório.
O perito em causa esclareceu de facto em audiência que não era possível estabelecer no caso em apreço um nexo de causalidade (directa e necessária) entre a existência de hipertensão arterial pré-existente e a doença incapacitante, apesar de tal patologia poder constituir um factor de risco ou mesmo a sua causa.
A testemunha da ré Dr. António (…), médico ao serviço da ré, não chegou nunca a observar o autor, pelo que o seu depoimento foi desvalorizado face ao depoimento e ao relatório do perito médico do Instituto de Medicina Legal que declarou ser impossível estabelecer em concreto uma relação causal entre a hipertensão arterial e a insuficiência renal crónica.
Foi, de todo o modo, salientada na decisão impugnada a dúvida face aos depoimentos, aparentemente contraditórios, quanto a este ponto por parte dos dois médicos ouvidos em audiência para concluir que tal dúvida teria que ser resolvida contra quem tinha o ónus de provar o facto, no caso, a seguradora ré.
 
Pelo que se decide igualmente manter a decisão da primeira instância de considerar não provado o facto descrito no ponto 4.2. – 2, da sentença impugnada.

D)–O terceiro facto considerado não provado relaciona-se com a atitude que a ré poderia ter tomado se tivesse tido conhecimento da patologia de que o autor sofria antes da celebração do contrato de seguro: “se a Ré tivesse tido conhecimento das patologias de que o Autor sofria, mormente da hipertensão arterial, previamente à celebração do contrato de seguro, não teria aceite celebrá-lo ou, pelo menos, não o teria aceite nos mesmos termos.”

A propósito da relevância do conhecimento por parte da ré seguradora de eventuais patologias ou doenças de que o autor fosse portador, ficou assente que lhe foi diagnosticada quando tinha quarenta anos de idade (cerca de 1995) hipertensão arterial seguida em consulta de médico de família e que para seu tratamento efectuava medicação hipotensora (facto 10) e que o fornecimento de tais elementos clínicos pelo autor “era essencial para a ré fazer uma avaliação do risco que iria assumir com a celebração do contrato” (facto 11).
Mandam as regras de experiência comum que se diga que o questionário sobre a saúde do segurado apresentado ao autor e integrante da proposta de adesão ao seguro de grupo vida e invalidez permanente, que subscreveu, não é uma peça inútil ou irrelevante no contexto das negociações pré-contratuais que antecedem a decisão da seguradora, como o reconhece a sentença impugnada ao dar como provado o facto 11, acima transcrito.
Tal como foi mencionado pela gestora de sinistros da ré seguradora que depôs na audiência de julgamento, caso o autor tivesse feito referência nas respostas ao questionário, em especial à primeira pergunta, à hipertensão arterial, a decisão sobre a proposta de adesão ao seguro de grupo vida / invalidez permanente formulada pelo autor seria precedida de avaliação do risco pelo departamento médico da seguradora ora recorrente.
Porém, sendo desconhecido o estado de saúde do autor à data em que formulou essa proposta de adesão ao seguro de grupo vida / invalidez permanente, nada mais foi possível concluir acerca do resultado a que tal avaliação poderia chegar, sendo certo que, como referido pela mencionada testemunha MN..., a decisão sobre a proposta de adesão dependeria da avaliação do risco que tal patologia representasse para a vida ou invalidez permanente do segurado feita pelo departamento médico da seguradora.

Muito embora se trate de matéria com acentuado teor conclusivo, não pode deixar der se considerar que a decisão sobre os factos descritos no ponto 4.2. – 3 da sentença impugnada, deveria ter sido a seguinte:
22.- Se a ré tivesse tido conhecimento das patologias de que o autor sofria, mormente da hipertensão arterial, previamente à celebração do contrato de seguro, poderia proceder a uma avaliação do risco que ela representaria para a vida ou invalidez permanente do autor.”
Assim se alterando a decisão tomada quanto a esse facto em primeira instância.

***
III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

1.–No presente recurso de apelação está em causa a validade do contrato de seguro de grupo vida /invalidez permanente celebrado entre o autor e a ré seguradora, ora recorrente, no contexto e em associação com um contrato de mútuo com hipoteca, sendo a entidade bancária, com quem o autor contratou o mútuo a tomadora e a beneficiária do seguro.
Considerou a sentença que o contrato de seguro era válido e que obrigava a ré seguradora ao pagamento das quantias em dívida ao Banco (...), S.A. e ao autor por referência à data em que foi reconhecida a sua incapacidade permanente global de 70%.
A afirmação da validade do contrato de seguro não obstante a constatação de declarações preliminares inexactas por parte do seguro assentou, em última análise, no facto de a ré seguradora não ter demonstrado a existência de nexo de causalidade entre a inexactidão da declaração do autor acerca do seu estado de saúde e a decisão de aceitação da adesão do autor ao seguro de grupo vida / invalidez permanente.
Defende a ora recorrente que o contrato de seguro é nulo (ou anulável) na medida em que o autor segurado omitiu qualquer referência à hipertensão arterial de que sofria à data da assinatura da proposta de adesão ao seguro de grupo vida / invalidez permanente, sendo tal declaração inexacta susceptível de influir na sua decisão de celebrar o contrato e/ou de determinar a alteração das concretas condições em que poderia assumir o risco contratado.
Tudo parece assim resumir-se à questão de saber se pode concluir-se dos factos apurados que a ré seguradora só aceitou a adesão do autor ao seguro de grupo vida / invalidez permanente porque desconhecia que ele era portador de hipertensão arterial diagnosticada há vários anos.

2.–A celebração de contratos de seguro de grupo do tipo vida / invalidez permanente associados a contratos de mútuo bancário apresenta particularidades que importa ter presentes na solução do caso sub judice.
Como explica Paula Ribeiro Alves[3], o contrato de seguro de grupo «é [aquele] celebrado entre a seguradora e o tomador de seguro que estabelecem, entre si, as condições de inclusão no grupo, as relações entre seguradora e tomador se seguro, com específicos direitos e obrigações recíprocas, as condições dos seguros para os aderentes, incluindo as condições gerais e especiais do seguro, que contêm as coberturas e os direitos e obrigações recíprocas da seguradora e do membro do grupo aderente. A existência deste contrato é pressuposto da possibilidade de virem a existir pessoas seguras, que serão aquelas que vierem a aderir e que terão o seguro com as coberturas e nos termos que foi contratado entre seguradora e o tomador. Não vão poder negociar o contrato.”
Ou seja, nos contratos de seguro de grupo, as suas cláusulas não são individualmente negociadas entre a seguradora e a pessoa segura, raramente ocorrendo sequer contactos pré negociais directos entre eles [4].
É, por outro lado, evidente o carácter acessório do contrato de seguro de grupo em relação ao contrato de mútuo bancário, sendo aquele celebrado pelo “cliente” da seguradora e do banco com uma empresa do mesmo grupo económico do banco mutuante, mas sempre tendo em vista a celebração do contrato de mútuo bancário.
Esta relação triangular entre pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo comum e a prevalência do interesse das partes na celebração do contrato de mútuo bancário ajuda a compreender a relatividade do interesse na indagação do real estado de saúde do segurado no momento inicial da formação do contrato de seguro.
Daí que, apesar de a seguradora assumir perante o banco mutuante a obrigação de pagamento das quantias em dívida pelo mutuário em caso de morte ou invalidez permanente, ela só se disponha a apurar do estado de saúde da pessoa a segurar e das condições concretas do risco assumido, quando lhe seja comunicado o evento gerador da sua responsabilidade.
No caso presente e na lógica das “negociações” que antecederam a celebração do contrato de seguro grupo ramo vida ou invalidez com o autor, a seguradora satisfez-se com uma lacónica resposta negativa a todas as perguntas genéricas constantes do questionário que previamente elaborou e que faziam parte integrante da proposta de adesão ao seguro de grupo.
Até porque se lhes seguia uma declaração de que tais respostas eram exactas e completas e que o autor tinha tomado conhecimento – naturalmente através do banco – sobre as garantias e condições de exclusão e que estava ciente das consequências da inexactidão sobre o contrato de seguro.
E tudo isto está presente para as partes no momento da celebração dos dois contratos associados.

3.–Autonomizando agora dessa perspectiva triangular a relação contratual estabelecida entre a seguradora e o autor, ante a expectável falta de pedido de esclarecimentos complementares por parte da seguradora acerca do seu estado de saúde, confiar na validade do contrato de seguro?
Parece inquestionável que o teor das perguntas feitas pela seguradora no questionário por si elaborado acerca do estado de saúde do candidato a pessoa segura não é adequado ao esclarecimento dos factores de risco a ponderar pela seguradora, podendo questionar-se se, por se tratar de um contrato de adesão, seria aplicável o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais para impor à seguradora a obrigação de formular questões mais concretas sobre os factores de risco que tem por relevantes para aceitação da adesão ao seguro de grupo.
É pacífica e abundante a jurisprudência que, pronunciando-se sobre a matéria, concluiu pela inaplicabilidade de tal regime.
A título exemplificativo recorde-se o que consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de julho de 2011 (relator Juiz Conselheiro Alves Velho) [5]:
“O questionário é uma das formas de declaração inicial do risco pelo candidato tomador do seguro ou pessoa segura que tem por objectivo a ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto.
Consiste “numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado”, assente na probidade das informações e na boa fé deste último, com vista a evitar um complexo de averiguações e exames, não devendo “redundar em prejuízo daquele”(MOITINHO DE ALMEIDA, “O Contrato de Seguro”, 74).
Do que aqui se trata é da postura do candidato ou proponente do seguro relativamente a perguntas simples e claras sobre o seu estado de saúde, baixas e internamentos, meras declarações de ciência que, destinadas embora a serem valoradas pela contraparte na sua declaração negocial, não continham qualquer declaração de vontade relativamente à qual se possa falar de adesão e vinculação, para efeitos de inclusão na previsão dos arts. 1º e 2º do RJCCG, designadamente em relação ao Segurado.
Pré-elaborado está o questionário, que não as respostas, e destinatário destas é a Seguradora. O Segurado não adere ao questionário, responde-lhe para fornecer à Seguradora elementos em função dos quais esta estabelece as condições de aceitação do contrato.
Tudo numa fase prévia à respectiva celebração.
Como se escreveu no citado acórdão de 27 de Maio de 2008, relatado pelo aqui 1º Adjunto, Cons. Moreira Camilo, “consoante o conteúdo das respostas ao questionário sobre o estado de saúde do potencial segurado, a seguradora decide se, em definitivo, apresenta uma proposta de seguro e, na hipótese afirmativa, as condições que propõe para que seja celebrado o contrato de seguro, sendo que só então, nessa segunda fase, poderemos dizer que estamos perante um contrato de adesão. Como é óbvio, a seguradora não apresenta um contrato-tipo já com o questionário preenchido”.

4.–Não se discute nestes autos que o autor prestou informações acerca do seu estado de saúde à data da elaboração da proposta de adesão ao seguro de grupo vida / invalidez permanente, que não correspondiam à realidade, tendo objectivamente omitido patologia de que padecia.
De facto, o autor ao responder ao questionário sobre o seu estado de saúde integrante da proposta de adesão ao seguro de grupo omitiu a informação de que, quando tinha cerca de quarenta anos lhe foi diagnosticada hipertensão arterial, que era seguido em consulta de médico de família e que efectuava medicação hipotensora.

O contrato de seguro foi celebrado com efeitos a 14 de abril de 2007, data da celebração do mútuo bancário, sendo a proposta de adesão ao seguro assinada pelo autor em 9 de março de 2007.
Como bem se observa na sentença impugnada, o acordo de celebração do contrato foi firmado antes da entrada em vigor do regime jurídico do contrato de seguro actualmente vigente, aprovado pelo Decreto Lei 72/2008 de 16 de abril (1 de janeiro de 2009), cujas regras não relevam para a decisão do caso concreto já que está em causa a apreciação de facto relativo à formação do contrato de seguro e não ao seu conteúdo.
O revogado artigo 429.º do Código Comercial tinha a seguinte redacção:
“Artigo 429.º - Nulidade do seguro por inexactidões ou omissões
Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tomam o seguro nulo.
§ único. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio.”

A declaração subscrita pelo autor, em resposta ao questionário elaborado pela seguradora, de que não tinha sido aconselhado a submeter-se a tratamento médico, omitindo a referência à hipertensão arterial de que sofria à data da proposta de adesão ao seguro de grupo constitui, na economia do preceito acabado de transcrever, uma declaração inexacta acerca de factos seus conhecidos susceptíveis de influir sobre a existência ou condições do contrato de seguro.

5.–A declaração sobre as condições de risco do seguro de grupo a contratar implica para o proponente o dever de, em momento anterior à celebração do contrato – no caso aquando do preenchimento da proposta de adesão ao seguro vida – declarar com exactidão todos os factos ou circunstância susceptíveis de influir na determinação do risco, ou seja, fornecer à seguradora, com verdade e sem qualquer omissão, elementos sobre o seu estado de saúde.
Porém, apesar do teor literal do artigo 429.º n.º 1 do Código Comercial, nem todas as declarações inexactas por omissão de informação efectuadas no âmbito da proposta de adesão ao seguro de grupo vida conduzem à anulação do contrato de seguro de grupo de vida / invalidez permanente, sendo necessário que o facto omitido fosse, em si mesmo, susceptível de influir na aceitação da adesão ao seguro de grupo e na celebração do contrato ou nas respectivas condições.

Adere-se assim ao entendimento expresso no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2005 (disponível em www.dgsi.pt) segundo o qual “não é qualquer declaração inexacta ou reticente que releva para facultar à seguradora o direito potestativo a que este artigo se reporta, mas apenas as que se refiram a factos ou circunstâncias que sejam importantes para a exacta apreciação do risco. Com efeito, a relevância das declarações inexactas ou reticentes depende de terem podido influir sobre a existência ou condições do contrato de seguro, ou seja, se foram susceptíveis de influir na vertente do risco e no correspondente estabelecimento do valor do prémio a pagar à seguradora pelo segurado ou pelo tomador do contrato de seguro, conforme os casos.”

Tal entendimento foi também adoptado no Acórdão dos Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de maio de 2011 (disponível em www.dgsi.pt) de que foi relator o então Juiz Desembargador Dr. Jorge Arcanjo, citado na sentença impugnada e onde, perante uma situação factual com alguma semelhança com a dos presentes autos se deixou dito que “para a invalidade do contrato de seguro não basta apenas a demonstração da declaração inexacta, sendo indispensável ainda a prova de que ela influiria sobre a existência ou condições do contrato, ou seja, da verificação do nexo de causalidade entre a inexactidão e a outorga do contrato, cujo ónus recai sobre a Seguradora (cf. JOSÉ VASQUES, Contrato de Seguro, pág.223 e segs., Ac STJ de 4/3/2004, C.J. ano XII, tomo I, pág.102, de 17/11/2005, C.J. ano XIII, tomo III, pág.120, Ac RC de 18/10/2005, C.J. ano XXX, tomo IV, pág.31).”
José Vasques escreve a este propósito (“Contrato de Seguro”, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 225) que reúnem condições para determinar a invalidade do contrato de seguro as declarações que pudessem conduzir a uma alteração do prémio bem como outras que, não se rteflectindo directamente sobre o prémio podiam ter influído sobre a aceiotação do seguro, E acrescenta que “cabe, naturalmente, ao segurador o ónus da prova de que o contrato não se teria realizado ou que, a realizar-se, teria tido outras condições – no mínimo deverão ser consideradas como influenciando a avaliação do risco as questões relativamente às quais existiam na proposta de seguro perguntas específicas»[6].
6.–No caso dos autos desconhe-se qual a gravidade da patologia que o autor apresentava em março de 2007, aquando da formulação da proposta de adesão ao seguro de grupo ramo vida / invalidez permanente, sabendo-se apenas que era acompanhado desde há vários anos pelo médico de família e efectuava tratamento hipotensor.
Por outro lado, e em conexão com essa ausência de elementos acerca do real estado de saúde do segurado nessa data, apenas se provou que se a seguradora ora recorrente tivesse tido conhecimento que o autor padecia de hipertensão arterial poderia proceder a uma avaliação adicional do risco que tal patologia representaria em concreto para a vida ou invalidez permanente do autor.
Porém, a seguradora ora recorrente não demonstrou, como lhe competia, que se tivesse tido conhecimento que o autor sofria de hipertensão arterial – que é de resto, uma patologia frequente na população portuguesa e mundial – não teria aceite a sua adesão ao contrato de seguro de grupo vida / invalidez permanente, ou que teria alterado o respectivo prémio em função da maior probabilidade de verificação do evento gerador da responsabilidade.

7.–Como já atrás se disse, era indispensável à anulação do contrato de seguro de grupo com base no revogado artigo 429.º do Código Comercial, a prova da existência de um nexo de causalidade entre a declaração inexacta consistente na omissão da referência à hipertensão arterial e a recusa da aceitação da adesão pretendida pelo autor no contexto da relação triangular acima aludida ou o agravamento do prémio do seguro.
Acompanhando a sentença impugnada entende-se, concluindo, que o contrato de seguro de grupo ramo vida / invalidez permanente celebrado entre o autor e a ré seguradora ora recorrente é válido, estando a ré vinculada ao pagamento das quantias especificadas na sentença.
Ou seja, a apelação improcede, sendo de confirmar a sentença impugnada.

IV–DECISÃO
Termos em que, em conformidade com o artigo 663.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença impugnada e a condenação da ré seguradora nos termos nela expressos.
Custas pela apelante.



Lisboa, 21 de outubro de 2021



Manuel José Aguiar Pereira
Maria Teresa Batalha Pires Soares
Octávia Machadinho Viegas


Declaração: O relator declara, sob compromisso de honra, que a decisão acabada de proferir tem voto de conformidade da Sr.ª Juíza Desembargadora Dr.ª Octávia Machadinho Viegas, que não assina os projectos apresentados na sessão de hoje por impossibilidade temporária de acesso e certificação digital da sua assinatura electrónica no sistema Citius.


[1]Trata-se de lapso manifesto a referência ao “facto 1 dado como provado”.
[2]Ver adiante o facto 22. aditado em função da procedência da impugnação parcial da decisão sobre a matéria de facto.
[3]In, «Estudos de Direitos dos Seguros, Intermediação de Seguro e Seguro de Grupo», Almedina, Coimbra, 2007, pp. 290-293.
[4]Como referiu a gestora de sinistros da ré em audiência “os contratos são vendidos aos balcões do banco” sem intervenção de agentes da seguradora.
[5]No mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de fevereiro de 2017, de que foi relator o Juiz Conselheiro Dr. Garcia Calejo.
[6]In «Contrato de Seguro», Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 225