Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
679/09.8YXLSB.L2-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: CONTA-CORRENTE BANCÁRIA
CONTRATO DE CONTA CORRENTE
CONTRATO DE CEDÊNCIA
CLÁUSULA PENAL
GARANTIA BANCÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – São efeitos do contrato de conta corrente, a compensação recíproca entre os contraentes até à concorrência dos respectivos créditos e débitos ao termo do encerramento da conta-corrente e a exigibilidade meramente terminal do saldo da conta-corrente.
II – Distingue-se tal contrato da conta-corrente contabilística, que, não pressupondo acordo das partes, consiste num mero sistema especial diagráfico de escrituração em colunas de crédito e débito. III - Produzido que seja o encerramento definitivo da conta corrente, torna-se exigível, e apenas, o saldo final, independentemente de confirmação da parte contrária.
IV– Não reveste natureza “extraordinária ou manifestamente excessiva” a cláusula penal que, para a hipótese de incumprimento por qualquer dos contraentes de qualquer uma das obrigações previstas em contrato de “cedência de utilização de espaço”, confere ao contraente não faltoso o direito de exigir do contraente faltoso, a quantia correspondente a 6 meses de retribuição mensal, sem prejuízo de indemnização pelo dano excedente.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação

I - “A” - Estética e Formação, Lda. intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma sumária, contra “B” - Investimentos Turísticos, S.A., pedindo a condenação da R. no pagamento à A. da quantia de € 24.000,00, acrescida dos juros vincendos, calculados, sobre aquela quantia, à taxa legal de 11,2%, ou outra que, para o mesmo âmbito, venha a ser aplicável, desde a data de citação da R. até à data de efectivo e integral pagamento.

Alegando, para tanto e em suma, que no dia 3 de Outubro de 2007, foi celebrado, entre a R. e a A., um contrato de cedência de utilização de espaço integrado no hotel “B” Palace, nas ..., em Lisboa, para, aí, ser desenvolvida a actividade, da A., de prestação de serviços de estética e massagem (SPA).
Sendo que para “garantia do exacto e pontual cumprimento de todas as obrigações contratuais assumidas” pela A., no referido contrato, esta prestou, através do Banco “C”, S.A., uma garantia bancária, “on first demand”, no valor de € 24.000,00.
Ora a política de preços da R., para fazer face aos baixos índices de ocupação, levou a um abaixamento do padrão do Hotel, que passou, por isso, a ser procurado por clientes em cujos hábitos não entra o de recorrer ao serviço de SPA.
Perante esta situação, e como ao longo do tempo de vigência do contrato, o índice de ocupação do hotel não deu mostras de saltar para os valores que foram pressuposto da celebração do contrato, a A. suscitou a questão, junto da Administração do Hotel, propondo a redução do valor da renda.
E, não tendo a R. aceite tal proposta, a A., por carta que remeteu, à R., no dia 7 de Julho de 2008, fez cessar unilateralmente o contrato celebrado, com efeitos a produzir no dia 12 de Julho de 2008.
Entretanto, em carta que dirigira ao Banco “C”, S.A., em 10 de Julho de 2008, recepcionada, por este, em 14 de Julho de 2008, a R. accionara a garantia bancária.
Procedendo o Banco ao pagamento à R. daquela importância, e cobrando da A. a mesma, tendo para o efeito, debitado, em idêntico montante, uma conta aberta nesse mesmo Banco pela A.
Deste modo, porque a cessação do contrato declarada pela A. foi motivada por verificado erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, não representando assim uma violação do contrato, deve a Ré restituir à A. o valor que embolsou mediante accionamento ilícito da garantia bancária à custa da A.

Citada, contestou a R., por impugnação.
Dizendo ainda, em reconvenção, que a inesperada privação de SPA para servir os seus clientes, em Julho de 2008, em virtude da “cessação” contratual operada pela A., sem justa causa – quando é certo que o contrato foi celebrado pelo prazo de 5 anos – importou para a Ré vários “prejuízos”.
Sendo assim que por conta das retribuições e consumos em mora, e das despesas inesperadas que a R. teve de suportar perante a necessidade de manter os serviços promovidos e publicitados aos clientes, para além do correspondente a cinco meses de renda, ao abrigo da cláusula décima-sexta, al. b), do contrato (cláusula penal), a A. ficou devedora à R. da quantia total de €36.424,54.
À qual acresce quantia nunca inferior a €10.000, pelos transtornos ocasionados pela A. – obrigando a R. a oferecer outros serviços e vantagens para evitar que a sua imagem ficasse associada à da A. – e pela má imagem da Ré criada junto de outros clientes, por via da inesperada cessação dos serviços até então prestados pela A.
Mas sendo que a ora R. utilizou o mês de caução (€4.000) nos termos da cláusula décima quarta do contrato, ficando deste modo em dívida €42.424,54.
Tendo ainda accionado a garantia bancária prestada pela A.

Remata com a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido, declarando-se ilícita, “por sem justa causa, a resolução operada pela A. do contrato celebrado com a ora R.”, e “procedente (…) o pedido reconvencional, condenando-se a ora A. no pagamento de 18.424,54€ à ora R. (…) acrescidos de juros de mora vencidos no total de €1.950,47, e de juros de mora vincendos até integral pagamento.
E “Sem conceder, e caso se entenda que a garantia bancária não poderia ter sido accionada pela ora R.”, pede que seja “reconhecido o crédito desta, no total de 46 424,54€, operando-se a compensação com o crédito da ora A., de 24.000€”…

Replicou a A., concluindo como na petição inicial e com a improcedência da reconvenção.

Por despacho de folhas 90-92, foi admitida a reconvenção, fixado o valor à causa, e determinado que o processo seguisse a forma “comum ordinário”.
Declarando-se ainda o tribunal – 6º juízo Cível da Comarca de Lisboa – incompetente em razão da forma do processo, atribuindo-se tal competência às Varas Cíveis da Comarca de Lisboa.

Onde, remetidos os autos, prosseguiram os mesmos seus termos, com saneamento e condensação.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, absolvendo a Ré do pedido e declarando “ilícita, por sem justa causa, a resolução0 do contrato dos autos operada pela A.” absolvendo “a A. do mais que vinha pedido”.

Inconformadas, recorreram tanto a A. como a Ré.

Vindo esta Relação, por Acórdão de 2012-05-29, a folhas 481-495, a decidir:
“- considerar factos confessados ao artigos 72°, 73° e 74° da contestação/reconvenção, nos termos sobreditos;
 - ao abrigo do art 712º n.º 4 do CPC, proceder à anulação oficiosa da decisão da 1ª instância e ordenar a repetição do julgamento, com vista à ampliação da base instrutória, para apuramento dos artigos 17°, 18° e 19° da réplica de harmonia com o atrás exposto;”.
Julgando “prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos.”.

Em obediência ao que foi…aditada a base instrutória com três quesitos…

E, realizado novo julgamento, foi proferida nova sentença, com o seguinte teor decisório:
“Nestes termos, o tribunal julga a acção improcedente por não provada e a reconvenção parcialmente procedente por provada e, consequentemente decide:
a) Absolver a Ré do pedido;
b) Declarar ilícita, por sem justa causa, a resolução do contrato dos autos operada pela A.;
c) Absolver a A. do mais que lhe vinha pedido.”.

Uma vez mais inconformada, recorreu a A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
(…)

Requer a revogação da “sentença recorrida (…) julgando-se procedente, por provado, o pedido formulado pela A., ora apelante.”.

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se quando a R. accionou a garantia bancária em causa não havia incumprimento de banda da A.;
- se, havendo incumprimento, é ainda assim ilícito o accionamento, pela Ré, da garantia bancária prestada pela A.
***
Considerou-se assente, na 1ª instância:
“1. Por escrito particular, lavrado no dia 3 de Outubro de 2007, foi celebrado, entre a R. e a A., um contrato de cedência de utilização de espaço integrado no Hotel “B” Palace, nas ..., em Lisboa, relativo a um espaço, sito no piso 5, para aí, ser desenvolvida a actividade, da A., de prestação de serviços de estética e massagem (spa) - doc. N.° 1 que se dá por reproduzido;
2. Para “garantia do exacto e pontual cumprimento de todas as obrigações contratuais assumidas”, pela A., no referido contrato, esta prestou, através do Banco “C”, S.A., uma garantia bancária no valor de 24.000,00 euros - doc. N.° 2 que se dá por reproduzido;
3. A referida garantia bancária foi prestada na modalidade de first demand, nos termos da qual o Banco “C”, S.A. se obrigou, perante a R., ao primeiro pedido desta e sem qualquer outra formalidade, a entregar-lhe quaisquer importâncias até àquele valor de 24.000,00 euros, que a R. lhe viesse a reclamar por escrito e, logo que as reclamasse, com o fundamento de não terem sido devidamente cumpridas qualquer uma das obrigações assumidas, pela A., no referido contrato de cedência de utilização de espaço integrado no hotel “B” Palace, nas ..., em Lisboa - doc. N.° 2 que se dá por reproduzido;
4. Como a própria designação do contrato denuncia, o espaço contratado encontra-se integrado no complexo hoteleiro designado por “B” Palace;
5. Com data de 02 de Julho de 2008 a A. enviou à R. carta que esta recebeu comunicando-lhe “...a nossa denúncia ao contrato de cedência de utilização de espaço integrado no Hotel “B” Palace e “A” - estética e Formação, Lda, conforme conversa telefónica, no dia 04 de Julho de 2008, com o Sr. Administrador “D” e o Sr. Director “E”;
Mais Informamos que no dia 12 de Julho de 2008 procedemos à saída de material da empresa “A”, bem como, a suspensão de actividade”;
6. Por carta de 14 de Julho de 2008 o “C” informou a A. de que “Por carta de 10-07-2008, recepcionada em 14-07-2008, foi o Banco “C” interpelado para, ao abrigo da Garantia em assunto, pagar a quantia de 24.000,00 euros (vinte e quatro mil euros) por alegado incumprimento de V Ex. as do contrato respectivo. —
 — Solicitamos que no prazo de 2 dias a contar da recepção da presente, nos informem de que tiverem por conveniente, sob pena de, decorrido tal prazo, este Banco se ver forçado a honrar o pagamento da quantia solicitada e exercer, pelos meios que dispõe, o seu direito de regresso sobre a mesma’’;
7. O Banco pagou à R. a quantia a que se refere a carta referida em 6.;
8. Em 12 de Julho de 2008, a A. encontrava-se em dívida quanto às retribuições dos meses de Maio, Junho e Julho de 2008, num total de €12.000,00;
9. Os consumos de electricidade foi de €285,43, no mês de Abril, €333, 29, no mês de Maio; €278,19, no mês de Junho e de €98,02, no mês de Julho;
10. O valor de chamadas telefónicas foi de €107,81, no mês de Abril, €20,72, no mês de Maio, €74,15 no mês de Junho, €457,51 da instalação da linha telefónica;
**
11. O Hotel tem a designação Palace;
12. A designação Palace é a designação que a R. escolheu para identificar os seus hotéis de 5 estrelas de cidade;
13. O cliente alvo de um hotel deste tipo aceita pagar um preço médio por pessoa, por quarto e por noite, de cerca de 150,00 euros;
14. O índice de ocupação do Hotel durante os meses de Novembro de 1997 a Julho de 2008 foi inferior a 80% - 90%;
15. --- A R. com o propósito de aumentar o índice de ocupação do Hotel, procedeu a uma politica de abaixamento dos preços;
16. O Hotel passou a praticar preços que permitissem aumentar o índice de ocupação;
17. Ao longo do tempo de vigência do acordo, o índice de ocupação do Hotel não atingiu os 80% - 90% e a A. propôs à administração do Hotel a redução do valor da renda;
18. Por ordem do director residente foi impedida a retirada dos bens da A. no dia 02 de Julho de 2008;
19. Retirada que só se efectuou no dia 29 de Julho de 2008;
20. O Banco cobrou à A. a importância correspondente à garantia bancária;
21. Em Novembro de 2007, a A. facturou, a clientes do Hotel, 10 038,20 euros;
— Em Dezembro de 2007 a A. facturou, a clientes do Hotel, 4 671,04 euros;
— Em Janeiro de 2008 a A. facturou, a clientes do Hotel, 6 503,00 euros;
— Em Fevereiro de 2008 a A. facturou, a clientes do Hotel, 5 766,40 euros;
— Em Março de 2008 a A. facturou, a clientes do Hotel, 7 046,00 euros;
— Em Abril de 2008 a A. facturou, a clientes do Hotel, 5 892,00 euros;
— Em Maio de 2008 a A. facturou, a clientes do Hotel, 7 144,00 euros;
— Em Junho de 2008 a A. facturou, a clientes do Hotel, 3 538,25 euros; e
— Em Julho de 2008 a A. facturou, a clientes do Hotel, 657,00 euros – embora tenha sido o mês da resolução contratual;
22. Os valores relativos aos serviços prestados pela A. no SPA, eram depois tidos em conta e entravam na respectiva conta corrente, a crédito da A.;
23. A facturação da A. depende, também, da qualidade do serviço e da capacidade de captar clientes fora do próprio Hotel;
24. A A. nas negociações havidas entre as partes sempre disse ser conhecedora no meio, já que vinha prestando os seus serviços em outros hotéis de 5 estrelas, havia alguns anos...;
25....dizendo prever a facturação média mensal superior a 23.000,00 Euros;
26. A A. transmitiu à R. que tinha clientela fidelizada e saber promover-se junto do público;
27. O contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, por expressa exigência da A. que considerava que apenas em tal prazo conseguiria reaver o investimento inicial;
28. Tendo a R. acrescentado haver garantido existência e exploração de um spa no Hotel “B” Palace e durante os 5 anos seguintes investiu em publicidade dando conta da existência do mesmo também junto dos operadores turísticos do mercado;
29. Os operadores turísticos “venderam” o “B” Palace aos seus clientes como sendo um Hotel que, entre outras valências, tinha um spa;
30. A saída da A. foi de tal forma inesperada e abrupta que a R. perdeu margem de manobra na contratação de pessoal para efeitos de manutenção daquele serviço;
31. A cessação do contrato, pela A., decorridos apenas 8 meses, impôs à ora R. a contratação de pessoal que não estava orçamentado, bem como, alterações inesperadas às escalas do seu pessoal, pois, teve de colocar recepcionistas do Hotel a assegurar a recepção dos clientes no spa;
32. A A. saiu sem ter avisado os seus próprios clientes;
33. Os clientes desconheceram da sua ausência, quando confrontados com a interposição dos serviços que já haviam pagos, e vieram pedir satisfações a R., conhecida que estavam que era responsabilidade desta assegurar os direitos dos serviços;
34. A R. adquiriu equipamentos e materiais adequados à manutenção de um spa.”.
*
Tal factualidade não sofreu impugnação a propósito, nada impondo diversamente.
Com ressalva apenas, e por um lado, do conclusivo, no n.º 4 daquele elenco fáctico, de “Como a própria designação do contrato denuncia…”.
Devendo assim aquele n.º considerar-se expurgado de tal segmento, passando a ter a redacção seguinte:
“4. O espaço contratado encontra-se integrado no complexo hoteleiro designado por “B” Palace;”.

Isto, para além de manifestos lapsos materiais, que importa corrigir.

Assim, consignou-se, no n.º 33 do mesmo elenco:
“Os clientes desconheceram da sua ausência, quando confrontados com a interposição dos serviços que já haviam pagos, e vieram pedir satisfações a R., conhecida que estavam que era responsabilidade desta assegurar os direitos dos serviços;”.

Ora o alegado no art.º 97º da contestação, é a “fonte” do art.º 27º da base instrutória, que merecedor foi da “resposta” positiva, a que corresponde esse n.º 33.

Logo se alcançando pois dever aquele n.º passar a ter a redacção seguinte:
“Os clientes, desconhecedores da sua ausência, quando confrontados com a interrupção dos serviços que já haviam pago, vieram pedir satisfações à R., convencidos que estavam de que era responsabilidade desta assegurar os ditos serviços;”.

Também, no n.º 5 da referida “Fundamentação de facto” – alínea E) dos “Factos Assentes” – se consignou que “Com data de 02 de Julho de 2008 a A. enviou à R. carta que esta recebeu comunicando-lhe “…a nossa denúncia ao contrato de cedência de utilização de espaço integrado no Hotel “B” Palace e “A” – estética e Formação Lda., (…)”.

Quando certo é que tal n.º e alínea, tem por “fonte”, e nessa sua transcrita parte, o alegado no art.º 28º da petição inicial e o teor do documento junto pela A. com aquele articulado, sob o n.º 5, a folhas 31.
Sendo que em tal art.º se referiu:
“Por isso, por carta que remeteu, à R., no dia 7 de Julho de 2008, a A. fez cessar unilateralmente o contrato celebrado, com efeitos a produzir no dia 12 de Julho de 2008.”.
E, no citado documento:
“Funchal, 07 de Julho de 2008
(…)
Serve a presente para comunicar a nossa denúncia ao Contrato de cedência de utilização (…)” (o sublinhado e realce a negrito são nossos).

Devendo pois, no n.º 5 da matéria de facto, onde se escreveu “02”, passar a ler-se “07”.

Assinalando-se, nesta sede, e por último, que diversamente do pretendido pela A./recorrente – vd. folhas 3/22 das alegações de recurso – não é exacto que a matéria do provado “quesito 37º” (…) por lapso, não veio a constar da sentença”.
Tal matéria, correspondente ao alegado no art.º 19º da réplica, consta expressamente do n.º 22 da “Fundamentação de facto” da sentença recorrida.

Vejamos então.

II – 1 - Da situação de incumprimento, de banda da A., aquando do accionamento pela Ré da garantia bancária prestada por aquela.

Trata-se esta de questão claramente imbricada com a da “justa causa” para a “denúncia”/resolução do celebrado “Contrato de cedência de utilização…”.
Impondo-se o tratamento articulado de ambas.

Isto posto:

1. Considerou-se a propósito, na sentença recorrida:
“Da matéria factual dada como provada resulta que entre as partes foi celebrado um contrato mediante o qual a Ré faculta à A., a utilização de um espaço num dos seus hotéis, destinando-se esse espaço ao exercício por parte da A. da sua actividade de prestação de serviços de estética e massagem.
Entre as partes foi acordada a tabela de preços a praticar pela A., que também se obriga a exercer de forma continuada e ininterrupta a sua actividade durante o horário de funcionamento acordado com a Ré.
Acordado ficou, igualmente, que a A. pagaria à R. pela utilização e exploração do espaço a retribuição mensal de €3.000,00 até 31 de Dezembro de 2007, após o que passaria a pagar a quantia de €4.000,00 ou 16% da facturação líquida, conforme o mais elevado.
(…)
Pede (a Ré) seja declarada ilícita, por sem justa causa, a resolução operada pela A., e pedindo a condenação da A. no pagamento de €18.424,54.
Vem alegado que o contrato em causa foi celebrado por cinco anos. Tal resulta da simples leitura do acordo escrito firmado entre as partes.
Provado, ficou que a A. não procedeu ao pagamento das retribuições dos meses de Maio, Junho e Julho de 2008, num total de €12.000,00.
Provado ficou, igualmente, que a A. não procedeu ao pagamento de consumos de electricidade e chamadas telefónicas e instalação de linha, tudo num total de €18.155,12.
Provado, está, também, que a a A. fez cessar o contrato sem justa causa, antes do termo inicial” (o lapso aqui é evidente, pois seguramente se pretendeu referir o termo final…)
(…)
Perante o incumprimento da A., a Ré accionou a garantia bancária no valor de € 24.000,00”.

Contrapondo a Recorrente que:
“Na verdade, provou-se que “os valores relativos aos serviços prestados pela A. no spa eram depois tidos em conta e entravam na conta corrente, a crédito da A.”
(…)
Veio a apurar-se, posteriormente, por confirmação da R., que a facturação da A. nos citados meses foi de:
• Maio de 2008: € 7.144,00
• Junho de 2008: € 3.538,25
• Julho de 2008: € 657,00
________________________
No total: € 11.339,25

Compensado este crédito da A. com o valor acima referido, assente de € 13.655,12 devido à R., resulta um saldo de € 2.315,00.
Importa, no entanto, salientar que em 12 de Julho esse saldo nem sequer estava apurado em prestação de contas pela A. e R. (como resulta da resposta positiva ao quesito 37).
E não se tinha apurado, como é evidente, saldo algum a favor, ou até em desfavor da R., quando esta solicita ao Banco “C” o accionamento da garantia on first demand.
No mais, quanto a contas, as apuradas pela Meritíssima Juiz estão certas.
Ou seja, que a R. ao ter accionado a garantia (€ 24.000,00) e embolsado a caução (€ 4.000,00), ficou em seu poder com a quantia de € 28.000,00.
Como certa é a conclusão final de um saldo favorável à A. de € 1.684,13.
Assim, não havia qualquer dívida da A. perante a R. que pudesse justificar o accionamento da garantia.”.

2. Como é sabido, não pode o tribunal ad quem, e na ausência de impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, alcançar – e designadamente acolhendo o sentido das alegações do recorrente – em via de presunções judiciais, um quadro fáctico dissonante da factualidade julgada provada, nem, designadamente, o provado de facto expressamente julgado não provado na 1ª instância.

Ora, da matéria dos art.ºs 35º, 36º e 37º, da base instrutória, apenas resultou provada a do 37º.
Não tendo deste modo a A. logrado a demonstração de que “À data de 12 de Julho de 2008, as contas que pudessem implicar uma dívida da A. encontravam-se regularizadas”, nem de que “A regularização foi efectuada, através de contas entre a A. e R., incluindo os custos com serviços prestados pela A. no SPA”.
Certo que como se julgou no Acórdão desta Relação, de 2012-05-29, a folhas 481-495, e a A./recorrente assume, “a defesa apresentada pela Autora na sua réplica (constante dos art.ºs 17º, 18º e 19º desse articulado, e cuja factualidade carreada foi para os citados art.ºs 35º, 36º e 37º) é, pois, uma defesa por excepção, uma vez que utilizou um facto novo que inutilizasse o pedido na reconvenção (excepção peremptória do pagamento – art.ºs 487º, n.º 2 e 493º n.º 3 do C.P.C.)”.
Sobre a A. recaindo, portanto, o correspondente ónus de prova, cfr. art.º 342º, n.º 2, do Código Civil.
Que aquela, deste modo, apenas em parte logrou actuar.
Com o provado de os valores relativos aos serviços prestados pela A. no SPA, serem depois tidos em conta e entrarem na respectiva conta corrente a seu crédito.

3. Importando agora distinguir o contrato de conta-corrente da chamada conta corrente contabilística.
O primeiro, “Dá-se (…) todas as vezes que duas pessoas, tendo de entregar valores uma à outra, se obrigam a transformar os seus créditos em artigos de «deve» e «há-de haver», de sorte que só o saldo final resultante da sua liquidação seja exigível.”, cfr. art.º 344º, do Código Comercial.
Tendo como efeito e designadamente, “A compensação recíproca entre os contraentes até à concorrência dos respectivos crédito e débito ao termo do encerramento da conta corrente”, vd. art.º 346º, n.º 3º, do mesmo Código.
Anotando Cunha Gonçalves[1] que “as partes que tenham de entregar valores uma à outra, isto é, que tenham entre si frequentes transacções, dando lugar a recíprocos créditos e débitos, em virtude de mútuos, remessas de mercadorias e outros valores, ou derivados de qualquer outra origem, podem convencionar que estes créditos e débitos perderão a sua individualidade própria, desde que sejam lançados na respectiva conta-corrente, sendo transformados em simples artigos de “deve” e “haver” (…) de modo que só o saldo final resultante da sua liquidação seja exigível”.
Acrescentando que o elemento substancial e característico deste contrato não é a forma da contabilidade “mas sim uma recíproca concessão de crédito … de modo a evitar-se o pronto pagamento de cada uma das transacções, liquidando-se a maioria destas por meio de compensação”.
Sendo, nas palavras de José A. Engrácia Antunes,[2] aquele “pelo qual as partes se obrigam a lançar a crédito e a débito os valores que entregam reciprocamente no âmbito de uma relação de negócios, exigindo apenas o respectivo saldo final apurado na data do respectivo encerramento.”.
Entre os efeitos fundamentais deste contrato, avultando “a compensação recíproca entre os contraentes até à concorrência dos respectivos créditos e débitos ao termo do encerramento da conta-corrente (…) e a exigibilidade meramente terminal do saldo da conta-corrente – de tal modo que nenhum dos contraentes pode ser havido como credor ou devedor durante a sua vigência, apenas com o encerramento daquela e o apuramento do saldo respectivo se fixando a posição jurídica das partes.”.[3]
Terminando o contrato “no prazo da convenção, e, na falta de prazo estipulado, por vontade de qualquer das partes e pelo decesso ou interdição de uma delas.”, cfr. art.º 349º, do mesmo Código.
E, assim também, “quando se concluem as operações para que foi constituído”.[4]

Distinguindo-se pois da conta-corrente contabilística, que, não pressupondo acordo das partes, consiste num mero sistema especial diagráfico de escrituração em colunas de crédito e débito.

4. Não explicitou a A., na sua réplica, a estipulação de uma tal compensação recíproca – tendo resultado não provada, e como visto, a conclusivamente alegada “regularização através de contas entre a A. e R., incluindo os custos com serviços prestados pela A. no SPA” – nem o encerramento da conta corrente, em prazo que tivesse sido fixado contratualmente ou no final de cada ano civil (art.º 358º, do Código Comercial), com realização do necessário balanço.

Vindo agora, em sede de alegações, referir – “extraindo” da “fundamentação para as respostas dadas aos quesitos”, no novo julgamento – que “relativamente aos meses de Maio, Junho e Julho não ocorreu a verificação nem a prestação de contas, em vista ao apuramento do saldo credor ou devedor das partes.”, vd. folhas 4/22, daquelas.

Ponto sendo, no entanto, concede-se, que como é jurisprudência pacífica, a motivação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto é elemento a considerar para efeitos de interpretação daquela.

Ora de tal motivação consta, e assim valorando os depoimentos das testemunhas da Ré, “F” e “G”, que “no que diz respeito aos meses de Abril para trás, as contas estavam saldadas havendo a considerar apenas, os meses de Maio, Abril e Junho (…) os valores relativos aos serviços prestados pela A. eram levados em consideração e inscritos em conta corrente, representando um crédito da A. sobre a Ré. Fazia-se acerto de contas, através de compensação de valores, já que a cargo da A. estavam a renda do espaço, e os valores devidos pela electricidade e telefone. Esclareceu que as facturas de fls.128, 129 e 130 relativas a serviços da A., foram recebidas mais tarde, designadamente, a factura de fls. 130 que foi recebida depois da saída da A. do espaço, e quando à data já era devida (?) a renda de Julho.”.
Daí se concluindo “haver contas a fazer à data de 12 de Julho de 2008, razão pela qual se deu como não provada a matéria dos art.ºs 35º e 36º e provada a matéria do art.º 37º”.

Ou seja, o não provado de que “À data de 12 de Julho de 2008, as contas que pudessem implicar uma dívida da A. encontravam-se regularizadas”, e de que “A regularização foi efectuada, através de contas entre a A. e R., incluindo os custos com serviços prestados pela A. no SPA”, foi alcançado na consideração de que, nessa mesma data, as contas relativas aos meses de Maio, Junho e Julho não haviam sido saldadas, por via de “acerto de contas, através de compensação de valores”, no âmbito da conta-corrente dest’arte vigente entre as partes.

Assinalando-se que a mesma testemunha “F”, chefe de contabilidade da Ré, foi expressa em admitir que era no dia 15 de cada mês que faziam o encontro de contas…
Mas também que, à data do “termo do contrato”, “estava por pagar € 16.135,12 da parte da “B”, a deduzir a este valor € 11.339,25 de facturas da “A”, o que resulta num saldo de 4.795,87 a favor da “B”.”.
E que os clientes do SPA pagavam directamente na caixa do Hotel

A concluir, e neste plano, dir-se-á que a articulação do alegado “encontro de contas”, enquanto instrumento da “costumada” “regularização” daquelas – que as partes não põem em crise quanto à sua adopção, apenas não estando provado que tenha sido operada relativamente às pendentes “à data de 12-07-2008” – com o provado de os valores relativos aos serviços prestados pela A. no SPA, serem depois “tidos em conta” e entrarem na respectiva conta corrente, a crédito da A., aponta iniludivelmente para a celebração de um verdadeiro contrato de conta-corrente.

5. Neste conspecto, importará verificar se à data do accionamento da garantia bancária respectiva – alegadamente datada 10-07-2008, e recebida pelo Banco destinatário em 14-07-2008 – se encontravam “em dívida” as retribuições dos meses de Maio, Junho e Julho de 2008, num total de €12.000,00…
…E os consumos de electricidade entre Abril e Julho, chamadas telefónicas e instalação de linha telefónica, tudo num total apurado na sentença recorrida de €13.655,12.

Produzido que seja o encerramento definitivo da conta corrente, a que se referem os já citados art.ºs 349º e 350º do Código comercial – torna-se exigível, e apenas, o saldo final, independentemente de confirmação da parte contrária.[5]
Como assim também desde que realizado o balanço periódico, de que trata o igualmente já aludido art.º 348º daquele compêndio normativo.

Ora, sendo que não se mostra feito o balanço periódico relativo aos meses de Maio, Junho e Julho de 2008, ponto é já que na sequência da decisão da A. – comunicada à Ré por carta de 02 de Julho de 2008 – de fazer cessar o contrato –procedendo “à saída de material (…) e à suspensão de actividade – vieram a findar “as operações para que constituído foi o contrato de conta corrente”, confrontando-nos, em qualquer caso, com a necessária cessação deste último – para o qual não foi alegada a existência de prazo convencionado – “por vontade” da A.
Mas porque reportada a eficácia da comunicada “denúncia”, à data de 12 de Julho de 2008, impõe-se concluir que também aquando da comunicação de accionamento da garantia, por via de carta datada de 10-07-2008, e que se tornou eficaz, em 14 daquele mês e ano, não estava ainda o contrato de conta corrente definitivamente “encerrado”.

Posto o que, logo por isso, não era imediatamente exigível, e ainda que apenas, o saldo final…não apurável na sobredita data de 10-07-2008.

Mas quando seja de entender que à data da missiva em que comunicada foi a vontade de accionar a garantia, já a conta-corrente em causa estava encerrada, alcançaremos – operando a compensação dos comprovados créditos da Ré sobre a A., relativos a retribuições dos meses de Maio, Junho e Julho de 2008, consumos de electricidade e telefone, nesse mesmo período, e despesas com instalação de telefone, com os também apurados créditos da A. sobre a Ré, facturados nos mesmos meses – o valor remanescente, de créditos da Ré, de €2.315,87.
Sendo tal valor a imputar no montante, de €4.000,00, da caução prestada pela Ré, nos termos da cláusula 14ª do “contrato de cedência”.
E ainda “sobrando”, daquela, o montante de €1.684,13.

Visto o que – e nesta vertente de obrigações contratuais da A., de retribuição pela utilização do espaço respectivo, e de comparticipação nas despesas com electricidade e telefone – nunca se mostrará sustentada a conclusão no sentido da verificação, aquando do accionamento da garantia, de situação de incumprimento do contrato de cedência de espaço, por parte daquela.

Contrato aquele que, como se nos afigura fora de discussão, é um contrato subjectivamente comercial – cfr. art.º 2º, 2ª parte, do Código Comercial – misto, em sentido amplo, correspondendo a um conjunto de cláusulas próprias do contrato de locação e de cláusulas engendradas pela A. e pela Ré.[6]

6. Em matéria de situação de incumprimento de banda da A., no momento em que accionada foi a prestada garantia bancária, importará no entanto ter ainda em consideração que aquela procedeu à nominada denúncia do celebrado “Contrato de Cedência”, com invocação de erro sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio, nos termos dos art.ºs 252º e 437º, do Código Civil.

Segundo Castro Mendes,[7] “Chama-se base do negócio ao conjunto de circunstâncias, conhecidas das partes ou que se pode esperar que o sejam, com fundamento na actual ou superveniente verificação das quais o contrato foi celebrado, e que explicam ou justificaram essa celebração nos seus termos concretos. É o conjunto de “circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar”, a que se refere o art.º 437º.”.
Sustentando aquele Autor[8] – para quem “A ideia central do art.º 252º, n.º 2”, é assim “a de um erro bilateral, sobre condições patentemente fundamentais do negócio jurídico” – que “a aplicação do artigo 437º, n.º 1 à situação de erro, e não de error in futurum, leva a substituir a “resolução” de que fala o artigo (…) por “anulação”. E é anulável ou modificável sem outros requisitos; mas repare-se que o conhecimento ou cognoscibilidade das circunstâncias em que o negócio foi celebrado, e da sua importância essencial para o autor ou autores, é da própria definição da base negocial, pelo que o regime pouco se afasta do dos artigos 247º-251º, se já se afasta sensivelmente do do artigo 252º.”.

Também Carvalho Fernandes[9] – depois de concluir que da remissão contida no n.º 2 do art.º 252º resulta que o erro na base do negócio é relevante “desde que incida sobre circunstâncias «patentemente fundamentais» em que as partes fundearam a decisão de contratar; que essas circunstâncias sejam comuns a ambas as partes, e que a manutenção do negócio, tal como foi celebrado, seja contrário à boa fé.” – conclui que está excluída “a aplicação, ao negócio viciado por erro sobre a base, do regime sobre a resolubilidade”, ficando “em aberto o mais que a remissão para os art.ºs 437º a 439º implica, quanto ao destino do acto”.
O que “significa que, havendo erro relevante sobre a base do negócio, este é anulável ou modificável.”.

Já Menezes Cordeiro[10] entendendo que “nada na lei exige a bilateralidade. O erro é-o do declarante, recaindo embora sobre um elemento decisivo do contrato, conhecido pela outra parte (a qual, sobre ele, podia não ter qualquer opinião).”.
Assim, admitindo a lei “a relevância do erro da vontade quando recaia sobre a pessoa do destinatário ou sobre o objecto do negócio; reportando-se a outro elemento, terá de haver acordo quanto à essencialidade, referindo-se, todavia, à base do negócio, tal acordo é dispensado, bastando o conhecimento das partes.”.
Mas também este Autor concluindo impor-se a interpretação restritiva quanto à remissão, feita pelo art.º 252º, n.º 2, para a alteração das circunstâncias. “Esta, sendo superveniente, faculta a resolução do contrato ou a sua modificação segundo juízos de equidade – art.º 437º/1 (…) No erro sobre a base do negócio, porém, há que aplicar o regime comum do erro: a anulabilidade. A situação ocorre já no momento da celebração do negócio (…) não se verificam valores que requeiram consequências diferentes das normais para o erro”.[11]

Como quer que seja, ponto é que o assim a propósito alegado pela A. resultou, no essencial, não provado.
Ficando deste modo por demonstrar que a actividade que a A. se propôs explorar só será comercialmente rentável desde que a taxa de ocupação do Hotel rondasse os 80%-90%; que no processo negocial que levou à celebração do contrato de “cedência de utilização” haja sido fornecida a informação à A. de que a taxa de ocupação do Hotel nunca sairia da órbita dos 80%-90%; e que tal informação haja sido determinante para a decisão da A. de celebrar tal contrato.
Como também que, dentro da sua política de abaixamento de preços o Hotel haja passado a praticar – mais do que preços que permitissem aumentar o índice de ocupação – e concretamente, preços de 68,00 euros por pessoa, por quarto e por noite, passando a ser procurado por clientes cujo hábito não é o de recorrer ao serviço de spa.

Ex adverso provado tendo ficado que a facturação da A. depende, também, da qualidade do serviço e da capacidade de captar clientes fora do próprio Hotel;
Tendo a A., nas negociações havidas entre as partes afirmado sempre ser conhecedora no meio, já que vinha prestando os seus serviços em outros hotéis de 5 estrelas, havia alguns anos...e prever a facturação média mensal superior a 23.000,00 Euros.
Mais transmitindo à R. que tinha clientela fidelizada e saber promover-se junto do público;
Sendo o contrato celebrado pelo prazo de cinco anos, por expressa exigência da A. que considerava que apenas em tal prazo conseguiria reaver o investimento inicial.

Não tendo assim qualquer base factual o pretendido erro quanto ao que seria um – assegurado – índice de ocupação do hotel superior a 80%-90%.

Tudo apontando, pelo contrário, no sentido de que a A. dispunha dos conhecimentos e experiência necessários para, esclarecidamente, formar a sua decisão de contratar nas condições em que o veio a fazer.

Assinale-se ainda o improcedente do apelo à ideia de pressuposta “correspondência entre os € 4.000,00 (da retribuição mensal) e 16% da facturação líquida”, que “teria de se situar nos € 25.000,00 de facturação líquida.”.
Pois da invocada cláusula 5ª do contrato não decorre o concluído pela Recorrente.
Antes, e precisamente, ao convencionar-se que “A renda é de € 3.000,00 até 31 de Dezembro, após o que passará para € 4.000,00 ou 16% da facturação líquida, qual dos dois seja mais elevado”, está-se a salvaguardar um montante mínimo de “renda”, nunca inferior, a partir de 31 de Dezembro de 2007, a € 4.000,00, ainda que os 16% da facturação líquida correspondam a um valor inferior.

   Resultando dest’arte não verificado o fundamento invocado para a comunicada “denúncia” – que a A. sempre reportou aos quadros do art.º 252, do Código Civil, e que considerada foi, na sentença, como também em sede de alegações de recurso, como um caso de “resolução” – por isso ilícita.

E, nessa circunstância, tal “resolução” – com a anunciada suspensão da actividade da A., e a retirada do seu material, necessário ao funcionamento do spa – comunicada, por carta datada de 07 de Julho de 2008, constitui flagrante incumprimento – definitivo – por aquela, do “contrato de cedência de utilização…”.
Designadamente no tocante à obrigação de exercício “de forma continuada e ininterrupta…durante todo o horário de funcionamento acordado”, da actividade da A., de prestação de “serviços de estética e de massagem”, no Espaço respectivo do Hotel “B” Palace, “pelo período de 5 (cinco) anos, com início em 03 de Outubro de 2007 e termo em 03 de Outubro de 2012”, cfr. cláusulas 2ª, n.ºs 1 e 2, 4ª, n.º 1, e 7ª, n.º 1.

Incumprimento já verificável aquando do efectivo accionamento da garantia bancária prestada pela A.

Mas também assim quando, “convolando” em sede de qualificação jurídica, se aborde a inicialmente nominada “denúncia”, já não atendendo ao inverificado fundamento invocado para a cessação do contrato nos quadros do art.º 252º, n.º 2, do Código Civil, mas como “figura privativa dos contratos de prestações duradouras (…) que se renovam por vontade (real ou presuntiva) das partes” – como se prevê na cláusula 15ª… – traduzindo o “exercício dum poder discricionário do autor (…); outras vezes, dum poder estritamente vinculado”, que “extingue a relação obrigacional complexa derivada do contrato cuja renovação ou continuação ela impede.”.[12]

Como melhor adiante se explicitará.

II – 2 – Do accionamento da constituída garantia bancária.

1. Aquela foi prestada nos quadros da cláusula 15ª do contrato em causa, de acordo com a qual:
“1. Para garantia do bom cumprimento de todas as cláusulas do presente contrato, seus aditamentos legais e renovações, até efectiva restituição do Espaço livre e devoluto e nas condições estipuladas, a Cessionária presta uma garantia bancária, “on first demand” no valor correspondente à retribuição de 6 (seis) meses, no montante de Euros: 24,000 (Vinte e quatro mil euros), com texto previamente aprovado pela “B”.
2. A garantia bancária deverá ser prestada à “B” na data de assinatura do presente contrato e incidirá sobre o período de duração do presente contrato e das suas renovações, devendo ser reforçada sempre que haja alteração da retribuição mensal acordada, por forma a que corresponda sempre ao valor de seis meses de retribuição.
3. (…).”.

Tratando-se de uma “garantia à primeira solicitação motivada”, conquanto não “justificada”.[13]
E presente aqui que nos termos do texto respectivo “o Banco “C”, S.A. se obrigou, perante a R., ao primeiro pedido desta e sem qualquer outra formalidade, a entregar-lhe quaisquer importâncias até àquele valor de 24.000,00 euros, que a R. lhe viesse a reclamar por escrito e, logo que as reclamasse, com o fundamento de não terem sido devidamente cumpridas qualquer uma das obrigações assumidas, pela A., no referido contrato de cedência de utilização de espaço integrado no hotel “B” Palace, nas ..., em Lisboa (…)”.

Por outro lado, nos termos da cláusula 16ª do mesmo contrato:
“Sem prejuízo de qualquer outro direito, indemnização ou compensação que seja devida por força do presente contrato ou da lei aplicável, o incumprimento por qualquer dos Contraentes de qualquer uma das obrigações previstas neste contrato, incluindo seus anexos, confere à Contraente não faltosa o direito de unilateralmente o rescindir, mediante comunicação escrita à outra parte, por carta registada com aviso de recepção, e de optar por:
a) exigir à Contraente faltosa uma indemnização pelos custos, danos emergentes e lucros cessantes que, directa ou indirectamente, resultarem desse incumprimento; ou
b) exigir da Contraente faltosa, a título de cláusula penal, a quantia que desde já se fixa em 6 meses de retribuição mensal, sem prejuízo de indemnização pelo dano excedente.” (o realce a negrito é nosso).

Trata-se, a cláusula penal, de figura contemplada no art.º 810º, do Código Civil, e doutrinariamente definida como a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou não cumprir exactamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária determinada.
Correspondendo pois a uma forma de fixação antecipada e convencional do quantum respondeatur, em caso de inadimplemento (cláusula penal compensatória) ou de mora (cláusula penal moratória).[14]
Para além da determinação forfetaire e preventiva do dano devido – simplificando a fase ressarcidora – “Ela funciona também como um poderoso meio de pressão de que o credor se serve para determinar o seu devedor a cumprir a obrigação, desde que o montante da pena seja fixado numa cifra elevada, relativamente ao dano efectivo.
O carácter elevado da pena constrange indirectamente o devedor a cumprir as suas obrigações, visto desencorajá-lo ao não cumprimento, pois este implica para si uma prestação mais onerosa do que a realização, nos termos devidos, da originária prestação a que se encontra adstrito.”.[15]
Como traço fundamental, tem-se assim que “a concepção funcional da cláusula penal é a de uma garantia do cumprimento ou reforço da obrigação principal”. [16]

Sendo que a lei – art.º 811º, n.º 2, do Código Civil – congloba, na sua letra, a cláusula penal e a doutrinalmente autonomizada convenção de agravamento de responsabilidade sob a forma de fixação de indemnização mínima, quando prevê que “O estabelecimento de cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes”.

Diga-se, ainda, que impondo-se o controlo judicial da cláusula penal – como se prevê no art.º 812º, n.º 1, do Código Civil – assim é, nas palavras de Calvão da Silva,[17] “tão-só, para proteger o devedor de exageros e iniquidades dos credores, mas, não já para privar o credor dos seus legítimos interesses, entre os quais se conta o de recorrer à cláusula penal como meio de pressão sobre o devedor em ordem a incitá-lo a cumprir a prestação que lhe é devida, resultado que, em si, tem o efeito moralizador de assegurar o respeito devido à palavra dada e aos contratos.”.
E “Por isso e para isso, a intervenção judicial de controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait. Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.”.

Ora a cláusula penal no montante correspondente a seis meses de retribuição não reveste, no caso em apreço tal natureza.

Tenha-se presente que a denúncia comunicada pela A. e a cessação da utilização do Espaço cedido pela Ré, por parte daquela, ocorreu mais de quarenta e um (41) meses antes do termo do prazo contratualmente previsto para a duração do contrato.
Sendo que no contrato de arrendamento com duração determinada – tipo estruturante do celebrado contrato misto de “cedência de utilização”, e cuja regulamentação, no que contratualmente omisso seja, assim cobra aqui aplicação – apenas se prevê que o arrendatário possa denunciar “a todo o tempo” o contrato, decorridos que forem “seis meses de duração efectiva do contrato”, “mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo pretendido do contrato.”, cfr. art.º 1098º, n.º 2, do Código Civil, na redacção, aqui imperante, introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
E “A inobservância da antecedência prevista (…) não obsta à cessação do contrato mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta.”, vd. n.º 3. do mesmo art.º.

Posto o que, e quando inexistisse convenção a propósito, sempre a A. estaria obrigada – em vista da operada denúncia, sem aviso prévio considerável, através da carta datada de 7 de Julho de 2008, e, logo, em situação de incumprimento contratual – ao pagamento de quatro meses de renda (em que se resolvem os 120 de imperativa antecedência da denúncia[18]).

Na ponderação do que logo é de rejeitar a natureza “extraordinária ou manifestamente excessiva” da cláusula penal em análise, que inserida se mostra num contrato comercial, ao “acrescentar” mais dois meses de retribuição, na hipótese em apreço.

Mostrando-se pois legítimo o accionamento, pela Ré, da garantia bancária prestada.

Com necessária improcedência do, pela Recorrente, objectado não provado de prejuízos.

2. Não se olvida que da compensação dos recíprocos créditos das partes, que se equacionou supra – em II – 1 – resultará um crédito a favor da A. de €1.684,13 (remanescente da caução de € 4.000,00).
E, bem assim, que nos quadros da sobredita cláusula penal, optou a Ré por apenas exigir o correspondente a cinco meses de contrato, num total de € 20.000,00, vd. art.º 93º da contestação/reconvenção.
Sendo que na sentença recorrida se considerou:
“Resulta, assim, um saldo a favor da A. de € 4.000,00 a que acresce €1.684,13.
Porém, a verdade é que a A. não peticionou o valor correspondente ao saldo apurado após a compensação de créditos, não sendo tal pedido sequer formulado a título subsidiário e não se enquadrando na causa de pedir alegada.
Não pode, pois, este tribunal ter tal crédito em consideração, sob pena de se pronunciar para além do pedido.”.

Não impugnando a A. a sentença, por reporte a tal segmento, antes pretendendo por em crise, e como visto, a existência de incumprimento da sua banda, aquando do accionamento da garantia bancária, e a – na sentença – concluída ausência de justa causa para a “cessação” do contrato por sua iniciativa, invocando ainda a inexistência de prejuízos ocasionados por tal cessação, que legitimassem aquele accionamento.
E, não tendo sido oportunamente invocado o enriquecimento sem causa da Ré, sempre se dirá constituir a matéria do ónus da prova um dos “raros oásis de consenso”, [19] no âmbito daquele.
Sendo doutrina praticamente pacífica e jurisprudência largamente dominante o entendimento de que recai sobre o A., designadamente, o ónus de alegação e prova do enriquecimento, injustificado, do R., bem como do requisito de inexistência de outro meio de restituição.[20]-[21]
Estando vedado ao tribunal o conhecimento do mérito da acção com base em tal figura jurídica, sob pena de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.
*
Improcedem dest’arte as conclusões da Recorrente.


III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, a sentença recorrida.

Custas pela A./recorrente, que assim decaiu totalmente.
***
Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 713º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se SUMÁRIO, da responsabilidade do relator, como segue:
(…)

Lisboa, 2013-09-19 

Ezagüy Martins
Maria José Mouro
Maria Teresa Albuquerque
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[1] In «Comentário ao Código Comercial», livro segundo, págs. 335 e 338.
[2] In “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, Reimpressão da edição de Setembro de 2009, pág. 385.
[3] Idem, pág. 387.
[4] Cfr. Mário de Figueiredo, in “Contrato de Conta Corrente”, Coimbra Editora, 1923, págs. 136 e seguintes.
[5] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-06-1931, in RLJ, Ano 64º, 157.
[6] Cfr. Menezes Cordeiro, in “Manual de direito comercial”, 2ª ed., 2007, Almedina, págs. 200-206, e 461.
[7] In “Direito Civil (Teoria Geral), Vol. III, Edição da A.A.F.D.L., 1968, pág. 129.
[8] In op. cit., pág. 132.
[9] In “Teoria geral do direito civil”, II, 3ª edição, UCE, 2001, pág. 165-166.
[10] In “Tratado de direito civil português”, I Parte Geral, tomo I, 1999, Almedina, pág. 547.
[11] Idem, pág. 548.
[12] Apud, Antunes Varela, in “Das obrigações em geral”, Vol. II, Reimpressão da 7ª ed., Almedina, 2001, págs. 280-281.
[13] Cfr. a propósito, Mónica Jardim, in “A garantia autónoma”, Almedina, 2002, págs. 249-250.
[14] Vd. António Pinto Monteiro, in “Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil”, Almedina, 2003, págs. 136 e seguintes. 
[15] João Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Coimbra, 1987, pág. 250.
[16] Ana Prata, in “Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual”, Almedina, pág. 52.
[17] In op. cit., págs. 272-273.
[18] Neste sentido, Olinda Garcia, in “A nova disciplina do arrendamento urbano”, Coimbra Editora, 2006, pág. 34.
[19] Vd. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-01-2013, revista n.º 5060/09.6TVLSB.L1.S1, relator: Abrantes Geraldes, in http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Mensais/civel2013; de 17-10-2006, proc. 06A2741, relator: Nuno Cameira; de 22-01-2004, proc. 03B1815, relator: Lucas Coelho; e de 15.10.1998, proc. 98B191, relator: Noronha do Nascimento, todos in www.dgsi.pt/jstj.nsf.               
[20] Vd., para além do sobreditos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, os Acórdãos da Relação do Porto, de 21-03-2013, Relator: CARLOS QUERIDO, proc. 57/07.3TBSBR.P1, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.; e desta Relação, de 04-06-2009, relatora: MÁRCIA PORTELA, proc. 3572/03.4TBALM-6, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
[21] Vd. Antunes Varela, In “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., Almedina, 2003, pág. 488; Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 9ª Ed., Almedina, 2001, pág. 458, Nota 2., e Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 4ª Ed., Almedina, 2005, pág. 396.
Decisão Texto Integral: